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RELATO DE PROFILAXIA DA TRANSMISSÃO VERTICAL DO VÍRUS DA

IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA

Danilo Corrêa de Oliveira, Ed Maciel Andrade Rodrigues, José Sérgio Lopes Teixeira, Daiana Elias
Rodrigues

Resumo

A transmissão vertical (TV) do HIV é responsável pela maioria dos casos de AIDS no
Brasil e no Mundo. Atualmente, o Ministério da Saúde protocoliza a profilaxia da TV.
Evidenciamos, nesse artigo o relato do sucesso dessa profilaxia em lactente, sexo
feminino, acompanhada ambulatorialmente. Damos enfoque às características
semiológicas da anamnese e do exame físico, evidenciando a necessidade de os
mesmos serem completos e minuciosos, a fim de identificar a grande diversidade de
sinais e sintomas a que estão sujeitos pacientes com possibilidade de infecção pelo
HIV. Manifestações iniciais podem ser bastante inespecíficas, variando desde
completamente assintomáticas até baixo ganho de peso, hepatoesplenomegalia,
diarréia, neuropatias, febre, adenomegalia, candidíase e infecções de repetição.

Introdução

A transmissão vertical (TV) do HIV é responsável por 80 a 90% dos casos de


síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) no Brasil e no mundo¹. Evidências
sugerem que a TV está mais relacionada ao momento do parto¹. A profilaxia da TV,
para o Ministério da Saúde, baseia-se na prevenção combinada em estratégia conjunta,
por meio de ações biomédicas, comportamentais e estruturais². O presente artigo
objetiva o relato de caso proveniente de atendimento ambulatorial em consulta de
puericultura de lactente, em processo de investigação de possível TV, tendo como
foco a abordagem semiológica do paciente.

Relato de Caso

HLSA, 6 meses e 29 dias, do sexo feminino e idade corrigida de 5 meses e 22 dias,


natural de Santo Antônio do Leite, Ouro Preto, MG, compareceu ao ambulatório em
13/11/2017, acompanhada de sua mãe, para consulta de puericultura, com importante
acompanhamento de possível transmissão vertical do HIV. A mãe descobriu sorologia
positiva para HIV, no pré-natal, aos 6 meses de gestação, tendo feito uso de álcool e
tabaco até o quinto mês, quando descobriu a gravidez. Realizou profilaxia
antiretroviral no pré-natal e peri-parto. O parto foi realizado por meio de cirurgia
cesárea com 36 semanas de gestação, devido a bolsa rota, relata episódio de infecção
do trato urinário com controle de cura. Ao nascimento, a paciente pesava 2.430 g.
Não havia queixas graves na anamnese, apenas manchas eritematosas perianais
associadas a dermatite de fralda. Na puericultura estava em alimentação exclusiva de
fórmula infantil até os 6 meses de idade, quando iniciou a alimentação complementar
com legumes amassados (inhame, cenoura, batata), carne desfiada (boi, frango, porco),
suco de laranja e frutas (mamão, banana, maçã), na papa principal do almoço. Mãe
relata fezes pastosas a líquidas diariamente, tipo 4 na escala de Bristol, de coloração
marrom escuro, sem esforço evacuatório e sem sinais de alerta. Diurese preservada,
sem esforço, sem dor, com urina de coloração e odor normais. Tinha vacinação
atualizada, testes de triagem realizados e sem alterações. Apresentava
desenvolvimento adequado segundo escala de Denver e baixo risco de acidente,
segundo informações colhidas. Não apresentava alterações de sono e o banho de sol
era realizado diariamente, com duração de 10 minutos.

Ao exame físico: bom estado geral e fáscie atípica, corada, hidratada, anictérica,
acianótica. Dados vitais: TA: 35,9 ºC, FC: 146 bpm, FR: 48 irpm, peso: 7.700 g (0 >
Z > -1), estatura: 67,7 cm (Z = 0) e perímetro cefálico: 44 cm (0 < Z < +1), todos
mantidos no mesmo canal, no período acompanhado. Cabeça de tamanho e e
conformação normais, fontanela anterior de tamanho normal e posterior fechada. Sem
linfonodos palpáveis e oroscopia sem alterações. Apresentava tórax atípico, sem
alteração nos aparelhos cardiovascular (BNRNF em 2T, sem sopro) e respiratório
(MVF sem RA). Abdome globoso e atípico, (RHA audíveis e de frequência e
intensidade adequadas), timpânico, tenso por estado de choro e sem visceromegalias.
Ao exame do aparelho geniturinário, apresentava genitália feminina típica, sem
alterações, neurológico adequado para idade com perda da maioria dos reflexos
primitivos.

No que se refere à prevenção da TV, medicação profilática de zidovudina foi prescrita


durante 30 dias de vida e a paciente estava em uso de sulfametoxazol-trimetropim a
partir de então. Ademais, foi contraindicado o aleitamento materno e orientado uso de
formula infantil. A realização de pelo menos duas dosagens de carga viral é
importante nesses casos, sendo que a segunda dosagem negativa é a que define o
sucesso ou não da profilaxia. No acompanhamento da paciente foi descartada infecção
pelo HIV (cargas virais negativas no primeiro e no quinto mês de vida). Das hipóteses
diagnósticas em pediatria, considerou-se: lactente, com desenvolvimento e
crescimento adequados, vacinação atualizada, alimentação adequada, baixo risco de
acidentes. Além, incluiu-se dermatite de fraldas.

Na conduta orientou-se prevenção de acidentes, estimulo ao desenvolvimento e


alimentação. Prescreveu-se sulfato ferroso até os 2 anos de idade e suspendeu-se o
sulfametoxazol-trimetropim.
Discussão

O caso descrito exemplifica o sucesso das medidas profiláticas para evitar a TV: a
mãe teve diagnóstico e recebeu terapia antiretroviral durante o pré-natal, recebeu AZT
peri-parto, a lactente não foi amamentada, tendo recebido zidovudina durante 4
semanas e sulfametoxazol-trimetropim até a confirmação das cargas virais negativas.

A AIDS representa um grave problema de saúde pública mundial. O aumento do


número de mulheres infectadas tem produzido maior número de crianças infectadas
por TV². Em gestações planejadas, com intervenções realizadas adequadamente
durante o pré-natal, o parto e a amamentação, o risco de transmissão vertical do HIV é
reduzido a menos de 2%. No entanto, sem o adequado planejamento e seguimento,
está bem estabelecido que esse risco é de 15% a 45%².

Manifestações clínicas iniciais na criança variam desde completamente assintomáticas


até as manifestações inespecíficas: ganho de peso prejudicado, hepatoesplenomegalia,
diarréia prolongada, neuropatias, febre, adenomegalia, candidíase e infecções de
repetição. Anemia e plaquetopenia podem ser achados comuns. Menos
frequentemente, pode acontecer início súbito de doença oportunista, como pneumonia
por Pneumocystis carinii, o que justifica a terapia com o sulfametoxazol-trimetropim.
Podem acontecer infecções bacterianas recorrentes, como otite média crônica, sinusite,
infecções cutâneas e do trato urinário, pneumonia, abcessos, osteomielite, sepse e
meningite.³ Podem acontecer também infecções do trato gastrintestinal, tuberculose,
micobacteriose atípica e também infecções virais. Candidíase oral costuma ser a
infecção oportunista mais precoce e mais comum.

Como consequência da predominância de casos secundários à transmissão perinatal, a


AIDS tem acometido principalmente crianças nos primeiros anos de vida.³ Dessa
forma a aplicação da semiologia e da semiotécnica é fundamental, com exame físico
completo e minucioso, com vistas à grande diversidade de manifestações que a AIDS
pode provocar em pacientes pediátricos. Estar atento a qualquer detalhe do exame
físico e da anamnese é, por tudo isso, fundamental, além de realização adequada do
pré-natal, e com boa conduta de profilaxia.

Conclusão

Pelos fatores citados, o presente artigo busca, com o relato de caso exposto,
exemplificar a abordagem de um caso de possibilidade de TV do HIV. Assim,
evidenciando a importância da anamnese na identificação de fatores de risco, dos
exames de sorologia no pré-natal para um eventual descobrimento de infecção, bem
como da orientação da profilaxia medicamentosa adequada da mãe e da lactente em
questão. Ademais, a revisão de literatura realizada busca integrar os conhecimentos
mais atuais a respeito do tema, em concordância com as protocolizações do Ministério
da Saúde.

Referências

[1] ERICOYOSHIMOTO, CRISTINA et al. Evolução clínica e laboratorial de recém-nascidos de mães


HIV positivas. Rev Assoc Med Bras, v. 51, n. 2, p. 100-5, 2005.

[2] BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da
transmissão vertical de HIV, sífilis e hepatites virais. 2017.

[3] SUCCI, RCM Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS). PRONAP-SBP, (1): 1-25,
São Paulo, 2000.

[4] SCOTT, Gwendolyn B. et al. Acquired immunodeficiency syndrome in infants. New England
Journal of Medicine, v. 310, n. 2, p. 76-81, 1984.

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