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17/04/2018 OS ANDES CENTRAIS | Tempo Ameríndio

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OS ANDES CENTRAIS

19 de Novembro de 2016 por Tempo Ameríndio

(h ps://ancientamerindia.wordpress.com/2016/11/19/os-andes-centrais/1-andes-centrais/)
Área total andina, na costa do Pacífico da América do Sul. Fonte: Internet.

As várias culturas dos Andes na América do Sul criaram uma das civilizações mais sublimes que o
mundo conheceu. No contexto de um formidável e transcendente ambiente, estes antigos povos não
sobreviveram e prosperaram como dedicaram um tempo e energia preciosa em realizações estéticas,
desde elaborados rituais a vastas cidades, de delicados trabalhos em ouro a têxteis sumptuosos.

Dados os extremos ambientais é surpreendente que os seres humanos tivessem vivido durante tanto
tempo e que tivessem prosperado nos Andes Centrais. O extremo Oeste da América do Sul inclui a
costa desértica mais seca do mundo, numa estreita faixa que dá lugar há mais longa – a segunda
maior cadeia montanhosa do planeta – e a uma das maiores e mais densas florestas tropicais, situada
a partir do bordo Este da Cordilheira andina. Os habitats da montanha, a costa marítima, o deserto e
a selva requerem distintas estratégias de adaptação e promovem diferentes padrões evolucionários,

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no caso dos Andes denominados de Montanha Árida, Oásis-Marítimo e Floresta Tropical. Os Incas
foram uma sociedade da montanha mas o seu império incorporava povos adaptados às outras
condições.

Nenhuma destas três zonas oferece um balanço satisfatório de água e terra para a agricultura, deste
modo as populações indígenas tiveram que desenvolver organizações sociais em que a viagem,
reciprocidade, diversificação e controlo são cruciais. Estas preocupações encontram-se naturalmente
na cultura, já que esta expressa as crenças fundamentais e as práticas dos criadores de arte. O mar,
dando abruptamente lugar ao deserto, que por sua vez ascende rapidamente para os Andes e que
seguidamente desce para a selva, providencia estas tradições com uma série de extraordinários
contrastes. A unidade, assente no equilíbrio da dualidade, as relações complementares parecem
imbuir a arte, a política e a religião desta área.

As dunas de areia do deserto, algumas das quais sem qualquer registo de precipitação, mergulham
rapidamente no Oceano Pacífico onde as profundas correntes de Humbolt, de águas frias, acomodam
uma prodigiosa cadeia alimentar marítima. As proteínas disponíveis pelo mar fazem da área costeira
uma fonte vital para as populações das montanhas, assegurando a necessidade de comércio, até
mesmo de conquista, ao longo dos séculos. Além do mais, a costa árida actuou como um refúgio
perfeito para a preservação de arte enterrada. Os povos antigos tinham consciência da natureza
preservativa da areia seca; até as culturas da montanha enterraram aqui os seus tesouros assim como
enviaram os seus corpos e trabalhos de arte para se manterem intactos na outra vida. De facto, a
mumificação artificial iniciou-se no norte do Chile com a cultura Chinchorro, séculos antes dos
famosos Egípcios iniciarem uma tradição similar no dito Velho Mundo.

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As várias regiões dos Andes centrais. Fonte: Internet.

A costa do deserto é segmentada pelos rios que vêm de Este para Oeste, trinta dos quais ligam
directamente ao oceano as altas fontes glaciares dos Andes. No entanto, estas correntes com relativa
baixa quantidade de água não são suficientes para irrigar as areias ao longo das suas margens, para
além de alguns hectares. O efeito derradeiro do ambiente da costa foi o de isolar e regionalizar as
primeiras culturas costeiras em pequenas unidades. Assim, os estilos de arte costeira variam
tipicamente de um vale para outro. No entanto, sobretudo através de grandes projectos hidráulicos,
os estados Nazca, Moche e Chimú conseguiram unificar amplas áreas costeiras. Mais tarde foram os
Incas imperiais que conseguiram integrar todos os Andes, de maneira a que os ambientes
complementares da costa e montanha juntos pudessem providenciar uma base de sustentação para
todos. Mesmo assim, nem os poderosos Incas podiam evitar a dilaceração periódica trazida pelo
conhecido El Niño, uma força maciça de desastre ambiental que continua a fustigar as costas andinas
ainda nos nossos dias. Incaracterísticas correntes de águas quentes trazem consigo chuvas torrenciais,
produzindo cheias e erosão que alteram profundamente a costa em cada geração. Em parte, o El Niño

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é responsável pelo estado ruinoso das antigas capitais costeiras como Cerro Blanco ou Chan Chan.
Este é um dos muitos factores dos quais o ambiente dos Andes desafia a existência humana, trazendo
a sua imprevisibilidade um sentimento de ansiedade aos seus habitantes.

Com picos tão altos como no Monte Aconcagua a 6.960 m, os Andes ficam apenas abaixo dos
Himalaias em altitude, enquanto ultrapassam estes últimos três vezes em longitude, estendendo-se
por 7.500 km. Apesar das montanhas serem a fonte dos rios costeiros, existe um volume de água
extremamente baixo nos rios montanhosos. Dadas as encostas montanhosas serem de precipício,
apenas ténues áreas de terra arável podem ser exploradas. A combinação de altitude extrema e a
consequente força dos raios solares ultra violeta representa um calor abrasador durante o dia,
baixando a temperatura 50 graus durante a noite. Poucas plantas alimentícias crescem, das quais
apenas ervas secas no planalto a 4.800 m, batatas a 4.200 m, milho a 3.400 m, e coca – um estimulante
e supressivo de apetite – a 1.200 m.

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Condições gerais do ambiente nos Andes centrais. The Incas and their Ancestors. Thames & Hudson,
2004.

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The Incas and their Ancestors. Thames & Hudson, 2004.

Duas fontes de energia, tectónica e solar, modelaram a Cordilheira Sul Americana numa terra de
extremos ecológicos. A energia tectónica compele o movimento de Oeste da placa continental para
fatigar o movimento marítimo de Este da placa de Nazca em níveis elevados, superiores a 15 cm por
ano. A base oceânica cava-se numa abismal trincheira já que é subtraída debaixo da terra firme. A
longa margem continental está em compressão, impulsionada para cima e apertada num longo
paralelo de altas montanhas que se estendem da costa das Caraíbas da Colômbia até à Terra do Fogo.
O clima é produto da energia solar conformada pela atmosfera e o oceano, sendo que à milhões de

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anos atrás a Cordilheira central cresceu suficientemente alto para dividir o clima continental entre os
regimes do húmido Este e o seco Oeste. Normalmente toda a precipitação andina vem do distante
Oceano Atlântico. As altas escarpas do Este capturam muita da humidade criando sombras de chuva
a Oeste onde prevalece o regime árido do Pacífico.

Onde os Andes são mais altos e largos o plano montanhoso forma um H gigantesco, sendo a barra de
ligação formada pelos picos de Nudo de Vilcanota. A distância Oeste, a Cordilheira Negra, apresenta-
se em frente do deserto de Atacama. A secção a Este, a Cordilheira Branca, faz frente à Amazónia e
amortece as nuvens vindas do Atlântico que trazem quase toda a chuva para a região andina. A Sul
dos picos de Vilcanota as duas alturas divergem para enquadrar o planalto, uma imensidão de terra
fechada através de planícies elevadas com 800 km de comprimento. A drenagem escorre para Sul
através de uma rede de bacias e lagos. No Sul do Chile estas formam caldeiras de sal e as parcas
terras com ervas que aí se encontram são chamadas de puna salgada. À medida que os Andes se vão
tornando mais altos tornam-se secos. No entanto as pastagens da puna não são salgadas no planalto
Norte, que forma a mais larga extensão de ininterrupta terra direita arável dos Andes, à volta do lago
Titicaca, que drena a Sul para a Bolívia no lago de Poopó.

A Norte das montanhas de Vilcanota, as terras altas lascam-se em longas e estreitas distâncias em
paralelo com a Cordilheira Negra e Branca, recortadas por numerosas pequenas punas de ervas e
uma rede de bacias de serra baixa, chegando a um airoso ponto baixo tropical no Equador. À medida
que a altitude decresce aumentam as chuvas e as terras com vegetação, conjuntamente com as bacias
das serras do Norte do Peru que são relativamente luxuriantes. Cerca de 90% da água andina desce
para a linha divisória Atlântica, enquanto apenas 10% desce para o Pacífico.

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Fonte: Internet.

Os Andes também canalizam as correntes maritimas. Fortes ventos diários, vindos do oceano, são
desviados para Norte, pela Cordilheira Negra, causando o fluxo do mar para Norte ao longo da
margem continental. Correntes ascendentes levantam-se das profundezas da trincheira tectónica
propulsionando correntes extremamente frias mas ricas em nutrientes aquáticos para a superfície. As
correntes frias geraram uma inversão de temperaturas, inibindo as chuvas costeiras, produzindo
assim o deserto de Atacama. Desde o centro do Chile até à boca do rio Santa, no Norte do Peru, existe
pouco ou nenhum recife continental. O rio Santa irrompe pela Cordilheira Negra e arremessa águas
abundantes para o oceano. A Norte dele os Andes afastam-se da costa como um longo recife

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continental, emergindo uma planície costeira que se expande para Norte, compreendendo terras
agrícolas abundantemente irrigadas da Cordilheira mais quente e baixa, dando lugar a grandes vales
de oásis no Norte do Peru.

A Cordilheira apresenta muitas formas severas de stress crónico e episódico sobre os humanos.
Alimentar as pessoas não é fácil por causa da baixa produtividade e da limitada diversidade biótica
que tipifica o deserto e os ecossistemas das altas montanhas. Nos Andes Centrais a maioria das
pessoas vive tradicionalmente acima dos 2.500 m, onde os corolários adversos da altitude incluem
terreno áspero, topografia frágil, declives escarpados, solos pobres, terra arável limitada, estações de
crescimento curtas, altos ventos, aridez, elevada radiação solar, chuva errática, nutrição precária, frio
e hipoxia. O descanso e o trabalho são mais esforçados e a energia mais requerida acima dos 2.500 m
devido ao aumento das necessidades respiratórias e circulatórias. Além do mais, para manter a
temperatura do corpo nas frígidas terras altas é requerida uma energia adicional para sustentar
elevados índices da base metabólica. Deste modo, o frio e a anoxia obrigam as pessoas a comerem
mais, sendo que se estima que os montanheses necessitem cerca de mais 11.5% de calorias do que as
pessoas das terras baixas. Consequentemente, custa proporcionalmente mais o suporte de vida e da
civilização nas montanhas do que nas terras baixas. A vida é também mais precária porque faltas de
comida comparáveis, causadas pela seca e outros desastres, exercem uma grande dureza nutricional a
grandes elevações do que em terras mais baixas.

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Uma manada de lamas no vale de Calca, Peru. The Incas. Thames & Hudson, 2011.

Dado que as terras montanhosas consistem numa série de zonas agrícolas dependendo da altitude, a
estratégia adaptativa desenvolvida pelos povos andinos foi a verticalidade e a sua base de
subsistência consistiu na agropastorícia. Com a intenção de obter toda a comida e materiais
necessários, as pessoas de diferentes altitudes transcorreram fisicamente as zonas de recursos,
comerciando entre si num sistema de estrita reciprocidade, estendendo-se este princípio às relações
de parentesco em ordem a cimentar os níveis de interdependência social e económica neste sistema
vertical. Os montanheses dependiam mais de diferentes zonas de recursos para obterem bens
alimentares essenciais e materiais artísticos do que as populações costeiras. Por essa razão foram os
povos da montanha que geraram em larga escala os movimentos de unificação politico-religiosa,
através das zonas ecológicas. Estes movimentos, a um grau limitado, incorporaram as imagens e
produtos da selva. A arte das montanhas reflecte uma preocupação com a sobrevivência e incorpora o
conceito em si de verticalidade. A um nível prático, os montanheses sempre dependeram dos
camélidos americanos – lamas, alpacas, guanacos e vicunhas – para a obtenção de proteínas,
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combustível e tecidos. Estes animais eram cruciais para o transporte de objectos e pessoas através do
terreno rugoso, figurando na iconografia das terras altas e em alguma da costeira. A verticalidade não
foi apenas uma dinâmica socio-económica, ela também é expressa de forma mais abstracta,
alcançando a partir de uma forte ênfase topográfica na arquitectura, inclusive nos recorrentes padrões
escalonados das artes visuais.

Apesar da selva amazónica nunca ter estado formalmente unificada com a costa ou a montanha,
estava inquestionavelmente envolvida ao nível da inspiração, simbolismo e comércio de bens
materiais exóticos. As terras baixas ribeirinhas eram frequentemente concebidas como lugar de
origem, certamente como focos de abundância e fertilidade. Animais como o temível caimão e o ágil
macaco podem ser vistos em obras de arte distantes dos habitats da selva. A Amazónia funcionava
como uma importante fonte de produtos estéticos inacessíveis e altamente requeridos, como penas,
tintas e fibras de plantas. No entanto, as florestas de chuva mantinham-se demasiado remotas e
inacessíveis para uma conquista por parte dos andinos.

Mesmo os ambientes mais marginais têm as suas vantagens para a arte e a sociedade. A própria
dureza e incompatibilidade das diferentes zonas parece ter desafiado os povos antigos a forjarem
fortes organizações sociais. Essas redes sociais encontraram nos artistas suporte e proeminência, da
mesma forma que os providenciaram com diversos materiais, imagens e ideias. Contudo,
paralelamente à ênfase do controlo, estandardização e pensamento colectivo, as culturas andinas
também parecem ter desenvolvido um clima social de virtuosismo artístico; talvez vindo do mesmo
espírito determinado que lhes permitiu construir impérios na orla do mundo. A interacção entre a
criatividade e os constrangimentos é, sem duvida, uma das características mais interessantes da
sociedade, arte e arquitectura dos Andes.

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