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Inteligência artificial vai mudar todos os relacionamentos humanos... https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/03/inteligencia-artifi...

! ENTREVISTA DA SEGUNDA (HTTPS://WWW1.FOLHA.UOL.COM.BR/ESPECIAL/2017/ENTREVISTA-DA-SEGUNDA)

Inteligência artificial vai mudar todos os


relacionamentos humanos
Para historiador, Google, Facebook e Amazon competem em revolução digital e
redes sociais ficam arcaicas

5.mar.2018 às 2h00

EDIÇÃO IMPRESSA (//www1.folha.com.br/fsp/fac-simile/2018/03/05/)

Silas Martí

NOVA YORK

O historiador Andrew Keen, durante debate da União Europeia - Mélanie Wenger/ DLD

Quando descreveu os perigos da internet em seu primeiro livro há dez


anos, Andrew Keen ficou conhecido como o anticristo do Vale do Silício,

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uma rara voz dissonante num momento em que o mundo parecia celebrar
as maravilhas das redes sociais.

Em “O Culto do Amador”, o historiador que trocou seu Reino Unido natal


pela meca do “big tech” na Califórnia, onde fundou uma série de start-
ups que fracassaram, já falava na erosão da confiança em instituições que
são pilares da sociedade moderna.

Ele previu a era das “fake news”, com a crise da mídia tradicional diante da
ascensão da opinião de amadores na rede mundial, e o fim de certas
experiências humanas, como a solidão e a privacidade, que desapareceriam
num ambiente dado ao exibicionismo total.

Uma década depois, Keen aponta as consequências de um mundo


inebriado pela internet em seu mais novo livro. 

“How to Fix the Future”, recém-lançado nos Estados Unidos, descreve o


quadro de medo e paranoia que domina a época atual e aponta a eleição
de Donald Trump como fenômeno de um momento em que a crença cega
na suposta transparência do ambiente virtual acabou gerando sociedades
mais opacas.

Nesta entrevista, Keen comenta a crise de imagem do Vale do Silício, prevê


um futuro controlado por inteligência artificial e aponta ameaças que o
amor à tecnologia pode impulsionar, entre elas o levante de uma
tecnocracia digital na China e de uma nova guerra fria causada por
políticas digitais divergentes.

Folha - Seus livros e artigos são um alerta sobre os perigos da internet


há uma década. Como vê a rede mundial hoje?

Andrew Keen - Tenho uma visão histórica sobre a revolução digital e a vejo
como outras grandes mudanças tecnológicas e culturais do passado, como

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a Revolução Industrial e a Reforma Protestante, mas já não gosto mais de


usar essa palavra internet. 

A internet está em todos os lugares hoje em dia e provocou uma mudança


profunda na forma como aprendemos, conversamos e administramos
governos e os negócios.

É uma mudança tão forte quanto a Revolução Industrial, com a diferença


que já não há crianças trabalhando em fábricas que cospem fumaça nem o
surgimento de uma nova classe proletária.

Em vez disso, as empresas de tecnologia se tornaram as mais ricas e


poderosas do planeta e estão todas concentradas na costa oeste dos
Estados Unidos. Isso gerou outros níveis de riqueza e figuras como Jeff
Bezos, o dono da Amazon que é talvez o homem mais rico da história.

O que está no horizonte como próxima fase dessa evolução?

Sempre tendemos a superestimar a velocidade com a qual a tecnologia


pode mudar o mundo, mas acredito que nos próximos 15 anos a
inteligência artificial vai mudar todas as indústrias e todos os
relacionamentos humanos, por isso empresas como Google, Facebook e
Amazon agora estão competindo para ver quem vai dominar essa área.

Mas acredito que pode até haver uma nova empresa, uma espécie de novo
Google ou Amazon, que vai surgir e transformar todas as coisas. 

A inteligência artificial já é uma realidade, não é só conversa ou uma


propaganda vazia. E ela vai mudar a maneira em que pensamos sobre nós
mesmos quando começar a substituir as pessoas em fábricas ou a servir
fast food ou a trabalhar como médicos, advogados e até professores.

Os humanos podem se tornar obsoletos no futuro próximo?

Não penso isso, mas precisamos entender o que está acontecendo e


desenvolver novas formas de agir. Na era das máquinas inteligentes e dos

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algoritmos, precisamos entender o que só os humanos ainda conseguem


fazer.

Mas, enquanto essa reflexão não amadurece, acredita que a tecnologia e


as redes sociais vão continuar a agravar o quadro de descrença em
relação à política da atualidade descrito em seu livro mais recente?

A tecnologia não é o que levou Donald Trump ao poder ou o que está por
trás da xenofobia. Mas a realidade é que a revolução digital criou outras
formas de escassez. Há escassez de confiança e de capacidade de prestar
atenção. Estamos confiando cada vez menos em todas as coisas.

Isso começou com a maneira como a internet gerou um fetiche em torno


de amadores, minando nossa confiança em especialistas, curadores,
profissionais e críticos. Foi a natureza democrática dessa tecnologia que
nos levou a essa crise de confiança. 

Trump é o presidente da internet. Ele representa os piores elementos das


redes sociais, o narcisismo, a obsessão com o próprio ego, a inabilidade de
ouvir. É o primeiro presidente antissocial.

Qual o antídoto para isso?

Mesmo que a tecnologia tenha provocado essa crise, acredito que nossa
confiança possa ser reconstruída usando essa mesma tecnologia.

Seu livro dá exemplos bons e ruins de nações como Estônia e Cingapura,


que estão ancorando seus governos em inovações tecnológicas. Quais
são as vantagens e os perigos da ideia de país inteligente?

Nada é inevitável em relação à tecnologia, então tudo depende de como ela


é usada. A Estônia é um bom exemplo de como um governo pode ser mais
transparente com a tecnologia. Não é perfeito, mas está inspirando
sistemas parecidos em todo o planeta.

O caso de Cingapura é mais preocupante porque há uma ausência de

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democracia, mas até o sistema paternalista deles parece funcionar melhor


do que a democracia disfuncional que estamos vivendo agora nos Estados
Unidos.

A China também está avançando nesse cenário e exerce grande controle


sobre seus cidadãos censurando a internet e monitorando
manifestações online. Como avalia isso?

O modelo de países inteligentes tem problemas, mas em todos eles há um


grau de prestação de contas à sociedade que não existe na China.

Deveríamos estar bem mais preocupados com o caso chinês. Eles estão
construindo um sistema orwelliano, em que o governo determina o destino
das pessoas em termos de moradia, educação e privilégios sociais com base
nos dados que tem sobre eles.

Eles estão se aproximando cada vez mais de um regime totalitário. É um


pesadelo, uma tecnocracia digital onde os direitos individuais são
ignorados.

No século 21, podemos ter uma nova guerra fria em que a base do conflito
não será mais a diferença entre regimes econômicos e sim a maneira como
cada país conduz as suas políticas digitais.

Mas mudanças como a decisão dos EUA de acabar com a neutralidade da


rede não contribuem para um controle excessivo no resto do mundo?

Essa coisa de neutralidade da rede é uma ilusão completa, é “fake news”


criada pela esquerda americana.

Eles sugerem que o perigo está no controle da rede por empresas como
AT&T e Comcast, mas elas são minúsculas perto do Google e da Amazon.

Esse debate é um desperdício de tempo que só reflete o medo e a paranoia


dessa época em que estamos vivendo. 

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A real ameaça à democracia está em como o Facebook e o Google se


tornaram superpoderes globais enquanto o governo americano não
funciona. Ninguém ali trabalha.

Você acredita que os EUA deveriam seguir os passos da União Europeia e


impor mais restrições a essas empresas?

Os americanos sempre gostam de pensar que são mais avançados do que o


resto do mundo, mas nesse ponto ficaram muito para trás em relação aos
europeus. O século 21 já nos deu motivos para repensar as regras
antitruste.

Haverá cada vez mais pressão para uma proteção maior de dados pessoais,
como já existe na Europa. E penso que nas próximas eleições aqui os
candidatos vão disputar cargos com plataformas anti-Vale do Silício da
mesma forma que já atacaram Wall Street. 

O “big tech” está vivendo o auge de uma crise de imagem?

O espírito dessa época é outro. A histeria em torno das redes sociais já se


esgotou. Elas se tornam cada vez mais arcaicas e fora de moda.

Há dez anos eu era o único a dizer que elas enfraquecem a credibilidade e a


verdade, enquanto hoje todos concordam com isso. 

Elas prometiam transparência, mas nosso mundo só se tornou mais opaco


e ninguém sabe o que essas empresas fazem com todos os nossos dados. 

Os consumidores vão começar a peitar essas firmas. E o Google e o


Facebook vão precisar aprender algumas lições com outras indústrias,
como a dos automóveis, que se repensou para sobreviver. 

A tecnologia é tão perigosa quanto o nosso amor por ela.

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RAIO-X

Vida
Nasceu em Londres, em 1960, e hoje vive em Berkeley, nos Estados Unidos

Formação
Estudou história e ciências políticas na Universidade de Londres e na
Universidade da Califórnia, em Berkeley

Carreira
Em 1995, ele fundou a Audiocafe.com, que fechou cinco anos depois.
Trabalhou em empresas de tecnologia como Pulse 3D, SLO Media e Santa.
Ele hoje faz palestras sobre a revolução digital e é autor de quatro livros,
entre eles “O Culto do Amador” e “How to Fix the Future”

HOW TO FIX THE FUTURE


AUTOR Andrew Keen
EDITORA Atlantic Monthly Press
QUANTO US$ 16,30 (R$ 52,98), 288 págs.

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