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FR.t\GMENTOS DE
UM DISCURSO
AMOROSO
Tradução
HORTENSIA DOS SANTOS
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
CIP-Bnsll Catalogaçlo-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Uvros, RJ.
CDD - 808.803S4
81-0446 CDU - 82-82:392.61
1. Figuras
3
e �,mo , {tito c:,tc livro
2. Ordem
3. Referéncias
Para compor este sujeito apaixonado, foram "montados"
pedaços de origem diversa. Há o que vem de uma leitura regular,
a do Werther de Goethe. Há o que vem de leituras Insistentes (o
Banquete de Platão, o Zen, a psicanálise, certos mifticos,
Nietzsche, os /ieder+ alemães). Há o que vem de leiturm ocasio
naú. Há o que vem de conversa de amigos. Há enfim o que vem
de minha própria vida.
O que vem dos livros e dos amigos aparece às vezes na margem
do tato, sob a forma de nomes para os livros e de iniciais para os
amigos. As referêncim dadas assim não são de autoridade, mas de
amizade: não irrvoco garantias, lembro apenas, por uma e,pécie
de saudação dada de passagem, o que seduziu, convenceu, o que
deu por um instante a satisfação de compreender (de ser com
preendklo ?). Deixou-se portanto esses lembretes de leituras, de
escuta, no estado quase sempre incerto, inacabado, que convém
a um discurso cu/à Instância não é outra senão a memória de
lugares (livros, encontros) onde tal coisa foi lida, dita, ouvida.
Porque, se o autor empresta aqui ao sujeito apaixonado a sua
"cultura", em troca o sujeito apaixonado lhe passa a inocência
do seu imaginário, indiferente aos bons costumes do saber.
5
Assim sendo é um
enamorado que
fala e que diz:
«Me abismo, sucumbo . . . »
9
A h/s,,iar-st
e
4. Apaixonado pela morte? muito para uma metade; half in love
with easeful death (Keats): a morte liberada do morrer. Tenho ·
entio esta fantasia: uma hemorragia doce que niro escorreria de
nenhum ponto do meu corpo, uma consumpçlo quase imediata,
calculada para que eu tenha tempo de des-sofrer antes de desa
parecer. Instalo-me fugitivamente num falso pensamento de
morte (falso como uma chave falsificada): penso na morte ao
lado : penso nela segundo uma lógica impensada, derivo fora da
dupla fatal que liga vida e morte ao mesmo tempo que as opDe .
10
Abismar-se
luto sob uma fuga; me diluo, desmaio para escapar a esta compa
cidade, a essa obstrução, que me torna um sujeito responsável:
solo: é o 6xtase.
11
«Na doce calma dos teus bra<sos»
11
«Adorável !»
1 . "Num belo dia de outono, saí para fazer compras. Paris estava
adorável naquela manhL. .. , etc."
Um mundo de perc:epções vem bruscamente formar uma impres
slo ofuscante (ofuscar, é no fundo Impedir de ver, de dizer): o
tempo, a estaçlo, a luz, a avenida, a caminhada, os parisienses, as
Plderul compras, tudo isso contido em algo que /d tem vocaç(o de lem
brança : um quadro, em suma, o hieróglifo da benevo]Encia (assim
como Greuze• o teria pintado), o desejo bem humorado. Paris
inteiro 4 minha disposiçfo, sem que eu queira alcanÇll-lo; nem
apatia, nem cupidez. Esqueço todo o real que, em Paris, ultra
passa seu charme : a história , o trabalho, o dinheiro, a mercadoria,
a dureza das grandes cidades; s6 vejo nele o objeto de um desejo
esteticamente retido . . Do alto do Pl!re-1..achaise .. , Rastignac
D1l11c desafiava a cidade : Agora, nós dois; eu digo a Paris: Adorável!
13
.
Adorável
a esperança - de que o objeto amado se oferecerá ao meu
desejo.
LACAN: "Nl'o é todos o s dias que se encontra o que é feito para lhe dar a
Imagem exata do seu desejo" (Semin4rio, I, 163).
PROUST: cena da especialidade do desejo: encontro de Charlus e Jupien no
p,tlo do "Hõtel de Guermantes" (início de Sodom11 e Gomo"a).
14
AdoráJJ�I
16
Afirmaç1Jo
•�111111 (a11ullo que me ocorre), não saio nem vencedor, nem vencido: sou
lrdwco.
( 1 >lzcm-me : es.,e género de amor não é vi4vel. Mas como avaliar
n viabilidade? Por que o que é vravel é um Bem? Por que durar é
melhor que inflamar?)
e
SCHELLING: "O essencial da tragédia 1... ) um conftlto real entre a liber
dade do sujeito e a necessidade em tanto que objetiva, conflito que tcnni
na, não pela derrota de uma ou de outra, mas porque todas duas, ao mesmo
tempo vencedoras e vencidas, aparecem na indiferença p erfeita" (citado
por Szondl, 12 ).
WERTHER: "Ô meu caro, se tensionar todo o ser 6 prova de força, por que
tão grande tenslo seria fraqueza?" (S3 s. )
J. - LB: conversa.
17
Afirmação
4. Hll duu aftnnações do amor. Primeiro, quando o apaixonado
encontra o outro, há afirmaçfo imediata (psicologicamente :
deslumbramento, entusiasmo, exaltaçfo, projeçfo louca de
um futuro reallz.ado: sou devorado pelo desejo, a impulslo de
ser feliz): digo sim a tudo (me tomando cego). Segue-se um
longo túnel: meu primeiro nm é roído pelas ddvidas, o valor
. amoroso é a todo instante ameaçado de depreciação: é o momen
to da paixlo triste, a ascenslo do ressentimento e da oblação.
Posso sair, porém, desse tdnel; posso ·'sobrelevar", sem liquidar ; o
Nietzsche que a.firmei uma primeira vez, posso novamente afirmar, sem
repetir, porque entfo, o que afirmo, é a afirmaçlo, nlo sua
contingência : afirmo o primeiro encontro na sua diferença, quero
sua volta, nfo sua repetição. Digo ao outro (antigo ou novo):
Recomecemos.
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Um pontinho do nariz
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Alteraçilo
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Agony
22
Amar o amor
23
Ser ascético
ASCESE. Seja por se sentir culpado em relação ao se, amado, seja por
querer impression�o com sua Infelicidade, o sujeito apaixonado esboça
uma conduta asdtica de autopuniçio Cm� de viver, de vestir, etc.).
:e
2. A ascese (a veleidade da ascese) se dirige ao outro: volte-se, olhe
me, veja o que voe§ faz de mim. uma chantagem: ergo diante
do outro a figura do meu próprio desaparecimento, tal como ela
certamente se produzirá, se ele Rio ceder (a quê?).
24
A topos
25
A topos
R.11. : conversa.
26
O ausente
• No originlll "en soufúance" ; diz-se de uma mercadoria que não foi p1ocu
rodo. a. "�ouffranoe" .. sofrimento.
27
Ausl11cia
115, as "chansons de toile "••, dizem ao mesmo tempo a imobili
dade (pelo ronrom do tear) e a ausência (ao longe, ritmos de via
gem, vagas marinhas, cavalgadas). De onde resulta que todo
homem que fala a ausência do outro, feminino se declara: esse
homem que espera e sofre, está milagrosamente feminizado. Um
homem nlo é feminizado por ser invertido sexualmente, nw por
E.e. estar apaixonado. (Mito e utopia: a origem pertenceu , o futuro
pertencerá àqueles que têm algo femirQno.)
E..B.: carta.
lH
Ausência
29
Ausência
Rusbrock ("O desejo aí está, ardente, eterno: mas Deus está acima dele, e os
braços erguidos do Desejo nlo atingem nunca a plenitude adora
da." O discurso da Ausência é um texto de dois ideogramas: há
os braços erguidos do Desejo, e há os braços estendidos da Carin
cia. Oscilo, vacilo entre a imagem pálida dos braços erguidos e a
imagem acolhedora e infantil dos braços estendidos.)
RUSBROCK. 44.
30
Ausé11du
31
A carta de amor
WERTIIER, 7S.
FREUD: à sua noiva Martba: "Ahl esse jantineiro Bünslowl - Que sorte
11 dele de poder alojar minha bem amada" (Correspondência, 49).
GOETIIE: citado par Freud.
l}
Carta
33
A catástrofe
.14
Catástrofe
ETIMOLOGIA: "pânico" est4 llgado ao deus Pan; mas pode-se josu com as
otimolostas como com a.� palavras (sempre se fez ls.,o) , o finslr que ''pfnl·
co" vem do adjetivo sreso que quer dizer "tudo".
F.W.: convena.
35
Fazer uma cena
CENA. A ÍlgWll via toda "cena" (no sentido doméstico do termo) como
troca de contestações recíprocas.
36
Cena
WERTHER, 1 2 3 B.
ETIMOLOGIA: cnixot �ttchos): fila, fileira.
37
Cena
Charlotte empurra sempre sua parte para proposições gerais
("Você me deseja porque isso é impossível) e Werther conduz
a sua para a contingência, deusa das feridas amorosas ("Sua deci
do deve vir de Albert"). Cada argumento (cada verso do dístico)
é escolhido de ta1 modo que seja simétrico e por assim dizer
igual a seu lrmã'o, e no entanto acrescido de um suplemento de
protesto : enfim, de uma super-oferta. Essa super-oferta nlo é
outra coisa senão o grito do Narciso : E eu! E eu!
(X ... tinha de bom o fato de na:o explorar a frase que lhe era
dada; por uma espécie de ascese rara, els não se aproveitava da
linguagem.)
38
Cena
WERTHER, 1 2S.
3q
Cena
40
Elogio das lágrimas
41
Chorar
lhe escorrerem docemente pelo rosto, "elas lhe pareceram tio sa
borosas e tio docos, nlo só ao coraçlo mas â boca".
(Do mesmo modo: em 1 199, um jovem monge pega a estrada para
uma das abadias de Cisterciennes, no Brabant,• para obter atra
vés de preces o dom das lágrimas.)
2. Talvez chorar seja muito geral; talvez nlo se deva dar a todos os
choros a mesma sipificaçfo; talvez haja no mesmo enamorado
vitrios sujeitos que se empregam em modos vizinhos, mas dife
rentes de "chorar". Qual é esse ..eu" que tem ·1itgdrnas nos
oDtos''? Qual é esse outro que um dia desses estava "à beira das
lágrimas"? Quem sou eu que choro "todas as lágrimas do mflU
corpo"? ou derramo ao acordar "uma torrente de 14grlmas"?
Se tenho tantas maneiras de chorar, é porque, talvez, quando
choro, me dirijo sempre a algu6m, e o destinatário das minhas
lágrimas nl'o é aempre o mesmo: adapto minhas maneiras de
chorar ao tipo de chantasem que pretendo exercer ao meu redor
atrav6s das lágrimas.
42
Chorar
ma ofereço um interlocutor empático que recolhe a mais "venla-
......,, dadelra" das mensagens, a do meu corpo e nlo a da minha língua:
"Que slo as palavras? Uma lágrima diz muito mais."
43
Laetitia
44
Circunscre,,er
45
O ciúme
TALLEMANT DES RtAUX : Luis XIII: "Seus amores eram amo1cs ostra
nhos: ele nio tinha nada de apaixonado, a nlo ser o ciúme" (Jlistorietas, I,
338).
4b
Ciúme
que repartir. tenho que me curvar diante da repartiçã'o: as deusas
do Destino nl'o slo por acaso elas também as deusas da RepartJ
çll'o, as Moiras - das quais a última é a Muda, a Morte? Além
disso, se eu nã'o aceitar a repartiçfo do ser amado, nego sua per
l'oiç:ro, pois é próprio da perfeição ser repartida: Mélite se reparte
porque ela é perfeita, e Hypérion sofre por isso: "Minha tristeza
1tt1•11111 ero verdadeiramente sem limites. Precisei me afastar." Sofro
ussim duas vezes: pela repartiçfo em si e pela minha impoténcia
do suportar sua nobreza.
47
«Sofro pelo outro»
48
Compaixl/o
49
«Quero compreender»
50
Compreender
4. Interpretaçl'o: não é Isso que quer dizer seu grito. &se grito, na
verdade, ainda é um grito de amor: ''Quero me compreender, me
- 1• fazer compreender, me fazer conhecer, me fazer beijar, quero que
e
alguém me leve com ele". isso que significa o seu grito.
BANQUETE, 81.
A.C.: carta.
ETIMOLOGIA: os Gregos opunham 611ap (onar), o sonho wlgar e lnrap
(hypar), a rufo profética (sempre desacreditada). Assinalado por J.-L.B.
51
«Que fazer?»
WERTHER, 47 .
S2
Conduta
53
A conivência
54
Conivlncia
D.F.: conversa.
ss
«��do..me� de� querer . .. �
WERTIIER. 41.
PROUST, O Caminho de Guemumta, li, S62.
56
Contactos
I• du pedido de amor. O sentido (o destino) eletriza minha mio;
vuu rospr o corpo opaco do outro, obrigá-lo (quer ele responda,
111u,r se retire ou deixe ficar) a entrar no jogo do sentido: eu vou
/atl-lo falar. No terreno amoroso não há acting-out : nenhuma
111il11ro, talvez mesmo nenhum prazer, nada a nilo ser signos, uma
111lvl<la<le tumultuada de fala: instalar, a cada ocasião furtiva, o
111101110 (o paradigma) da pergunta e da resposta.
57
Acontecimentos, entraves
contrariedades
58
Continglncias
1 . Nu Incidente, nlo é a causa que me det6m e repercute em mim, é
• 111trutura. Toda a estrutura da relaçlo vom a mim como se puxa
111111 toalha: seus denülhados, suas armadilhas, seus Impasses
(1ulm como eu podia ver Paris e a Torre Eiffel na minúscula lonte
11110 anfeitava o porta-caneta de nacre). Nlo recrimino, nlo suspei·
111, nlto procuro as causas; vejo com temor a extensão da situaç(o
111 11 unl estou envolvido; nlo sou o homem do ressentimento, mas
l i tio ru tnlidade.
S9
O cora«jão
3. O coração é o que creio dar. Cada vez que esse dom me é devolvi•
do, é pouco dizer, como Werther, que o coração é o que resta de
mim, uma vez tirado todo o espírito que me atribuem e que nlo
quero; o coraçlo é o que me resta, e esse coração que me resta
no coração, é o coração pesado: pesado pelo refluxo que o en•
cheu dele mesmo (só o enamorado e a criança têm o coração
pesado).
WERTIIER,67.
60
Coraçllo
1 X . .. deve partir por algumas semanas, talvez mais; no último
l1111111te ele quer comprar um relógio para a viagem; a balconista
lha lll;r. gracinhas: "Quer o meu? O senhor deveria ser bem jovem
,1uanllo eles custavam esse preço, etc."; ela nlo sabe que tenho o
,·onl{'ão pesado.)
61
O corpo do outro
(Eu via, friamente, tudo de seu rosto, de seu corpo : seus cílios,
a unha do dedlo do pé, a · finura das sobrancelhas, doa lábios, o
brilho dos olhos, certo grlo de beleza, uma maneira de esticar os
dedos ao fumar; eu estava fascinado - a fascinação nlo é outra
62
Corpo
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A conversa
64
Declaração
65
A dedicatória
66
Dedicatória
.?. Tenho o seguinte medo: que o objeto dado não funcione bem,
por causa de um defeito malicioso: se for um cofre (como foi difí
cil encontrá-lo), por exemplo, a fechadura nlo funciona (a loja
era mantida por damas da alta sociedade ; e ainda por cima se
chamava: "Becawe / /ove": será que é po rque eu amo , que Isso
nlío funciona?). O gozo do presente entlo se apaga, e o sujeito
fica sabendo que aquilo que ele dá, ele nlo o tem.
"1 (Não é sõ um objeto que se dá: X ... faz anüise, Y ... também quer
ser analisado: a análise como dom de amor?)
ll11•w•• 4 . "A esse deus, 6 Fedro, dedico esse discmso ... " Não se pode dar
linguagem (como fazê-lo passar de uma mão a outra?), mas pode-
• li se dedlal-la - já que o outro é um pequeno deus. O objeto dado se
PI I.S.: converso.
BANQUETE : discurso de Agáton, 101.
RJI.: conversa.
67
Dedicatória
reabsorve no dito suntuoso, solene, da collillgraçfo, no gesto pocl,
tico da dedicatória; o dom se exalta na voz única que o diz, H
essa voz é medida (métrica); ou ainda cantada Olrica); esse é o
princípio do Hino. Nada podendo dar, dedico a própria dedica,
tória, que absorve tudo que tenho a dize r :
68
Dedicatória
t,. Nlo posso portanto te dar o que . acreditei escrever para vocé,
tenho que me render a esse fato: a dedicatória amorosa é impossí
vel (eu não me contentaria com uma subscriç(o mundana, fingin
do te dedicar uma obra que escapa a nós dois). A operação na
qual o outro está envolvido nã'o é uma subscrlçll'o. E., mais profun
damente. uma Inscrição: o outro está inscrito, ele se inscreveu no
texto, deixou aí seu rastro múltiplo. Se vocé fosse apenas aque
le(a) a quem foi dedicado esse livro, você não sairia da dura con
diçlo de óbjeto (amado) - de deus; mas tua presença no texto ,
pelo próprio fato de que vOOI! é irreconhecível nele, não é a de
uma figura analógica, de wn fetiche, é a de uma força, que passa ,
a partir daí, a preocupar. Pouco importa , então, que você se sinta
continuamente reduzido ao silêncio, que teu próprio discurso te
pareça sufocado pelo discurso, monstruoso, do sujeito apaixona-
,._,llnl do: em Teore1T11J, o "outro.. nfo fala, mas ele inscreve alguma
coisa em cada um daqueles que o desejam - opera o que os mate
máticos chamam de catástrofe (a desorganização de um sistema
por um outro): é verdade que esse mudo é um anjo.
69
«Somos nossos próprios demônios»
1 . Uma força precisa arrasta minha linguagem para o mal que posso
faz.er a núrn mesmo: o regime motor do meu discurso é a roda
livre : minha linguagem aumenta de volume, sem nenhum penll•
menta tático da realidade. Procuro me faz.er mal, expulso a mim
mesmo do meu paraíso, me empenhando em procurar em mim
imagens (de ciúme, de abandono, de humilhaçfo) que me podem
ferir ; e, aberta a ferida, eu a sustento, e a alimento com outru
imagens, até que uma outra ferida venha desviar a atençfo.
70
Demônios
71
Domnei
72
Dependência
e
t.luas veus: de quem _eu arno�Ae q__uem ele depende . aí que
começo a reclamar ; pois a decido supenoY,âaquaÍ sou o objeto
l'l lllmo e sem importfncia, me parece dessa vez completamente
Injus ta : nlo estou mais na Fatalidade que como bom sujeito trá
alco linha escollúdo para mim. Sou daí devolvido a esse estado
hl1tõrico, onde o poder a.ristoc:ratico começa a sofrer os primeiros
aulpes da reivindicaçã'o democrática: "Nilo h4 razão para que seja
ru que, etc."
73
O despelado
74
Despelado
75
A alvorada
1 . Werther fala do seu cansaço ("Deixa que eu sofra até o fim: apesar
Werther de todo meu cansaço, ainda tenho forças para chegar até lll"). A
preocupaçã'o amorosa implica num desgaste que força o corpo
tanto quanto um trabalho físico. "Eu sofria tanto, diz algul!m,
s.s. eu lutava tanto o dia todo com a imagem do ser amado, que, de
Wcrthcr noite, eu dormia muito bem." E Werther, pouco antes de INI
suicidar, se deitou e dormiu por muito tempo.
WERTHER, 103.
S.S. : relatado por S.S.
WERTHER, 140.
STENDHAL,Annance, l l S.
76
O mundo siderado
......
banca o imbecil. Sinto frio."
(0 mundo está cheio sem mim, como na Náusea; ele brincn de
viver atrás de uma vidraça ; o mundo está num aqudrio; vejo-o de
perto e entretanto separado, feito de uma outra substância ; me
abandono continuamente fora de mim mesmo, sem vertigem , sem
névoa, na exatidão , como se estivesse drogado. "Oh , quando essa
magnífica Natureza, ai exposta diante de mim , me parece tão
fria quan�o uma miniatura envernizada ...'�)
WERTHER, 1 02.
77
Desrealidade
2. Toda CCK!__versa
geral que so_u_ o_brjgado a auistir (senã'o a partlcl·
par)_ � arrepia� ·mê"-gela. Me parece que a linguagem dos outro,,
da qual estou exclu(do, esses outros a investem derrisoriarnent, ·
eles afirmam, contestam, discutem, expõem : que é que eu tenho
a ver com Portugal, o amor entre os cachorros ou o último m1m1,
ro do Petit Rapporteur? .. Eu vivo o.mundo - o outro mundo
como uma histeria generalizada.
78
Desrealidade
e
cm simpatia com ele: "amar" a realidade? Que desgosto para o
enamorado (para a virtude do enamorado)! como Justine no
... convento de Sainte-Marie-des-Bois.
t ..11,1 estou fora de todo ''tr;Lfico associativo ": ColuàJ.e, no seu cartaz ,
nlo consegue me associar: minha consciência está dividida em
dois pela vidraça do café.
b. Ora o mundo é i"eaJ (ou o digo de outro modo), ora ele é desreal
(eu o diso com dificuldade). Nlo é (conforme se diz) a mesma
fuga da realidade. No primeiro caso, a recusa que oponho al reali
dade se pronuncia através de uma fantasia: tudo ao meu redor
muda de valor em relaçlo a uma funçlo , que é o Imaginário; o
enamorado se separa cntlo do mundo, ele lrrealiza porque
fantasia de um outro lado as peripécias ou as utopias do seu amor;
ele se entrega à Imagem, e em relaçlo a ela todo "real" o-incomo
da. No segundo caso , perco também o real , mas nenhuma substi-
1 -...11 tuição imaginária vem compensar essa perda : sentado diante do
79
Desrealidade
cartaz de Coluche, não "sonho" (nem mesmo com o outro); nfo
estou nem mesmo mais no Imaginário. Tudo está imóvel, petrl,
ficado, imutável, quer dizer insubstituível: o Imaginário e1ld
(passageiramente) excluído. No primeiro momento, sou nou,
rõtico, irrealizo; no segundo momento sou louco, desrealizo.
80
Romance/drama
DRAMA. O sujeito apaixonado nlro pode ele mesmo escrever seu romance
do amor. S6 uma forma multo arcaica poderia recolher o acontecimento
que ele declama sem poder contar.
-.,11..r 1 . Nas cartas que envia a seu amigo, Werther conta ao mesmo tempo
os acontecimentos da sua vida e os efeitos da sua paixfo ; mas é a
literatura que provoca essa mistura. Porque, se eu tenho um
diário, pode-se duvidar que esse diário relate os acontecimentos
propriamente ditos. Os acontecimentos da vida amorosa sfo tio
í(iteis que só tem acesso à escritura através de um esforço Imenso :
nll'o se tem coragem de escrever aquilo que , ao ser escrito, denun-
cia a própria mediocridade : "Encontrei X ... em companhia de
Y ... " "Hoje, X ... nfo me telefonou", "X ... estava de mau hu-
mor", etc : quem reconheceria af uma história? O acontecimento,
ínfimo, só existe através da sua repercussfo, enorme : Diário das
minhas repercussiJes (minhas mágoas, minhas alegrias, minhas
Interpretações, minhas razões, minhas veleidades): quem com
preenderia alguma coisa? Só o Outro poderia escrever meu
romance.
81
Drama
atrás da cena)." O rapto amoroso {puro momento hJpnõtloal
tem lugar antes do discuno e atrm do prosa!nio da consclfnala 1
o "acontecimento" amoroso é de ordem hied.tica: é minha pr6o
pria lenda local, minha historinha santa que declamo para mim
mesmo, e essa declaraçlo de um fato consumado (imóvel, embal,
samado, afastado de todo prazer) é o discurso amoroso.
82
«Um ar embara'iado»
Wl!RTHER, 1 25.
83
«Como o céu estava azul »
84
Encontro
vando o amor, mas me livrando da hipnose), seja abandonando
esse amor, e retomando o caminho, procurândo reiterar; com
outros, o encontro do qual guardo o deslumbramento: porque ele
é da ordem do "primeiro prazer" e nfo sossego enquanto ele nlo
volta: a.fumo a afirmaçlo, recomeço,_sem repetir.
85
A nave fantasma
ERRÃNOA. Apesar de que todo amor i vivido como (mico e que o suJolto
rejeite a ldila de repeti-lo mais tarde em outro lugar, às vezes ele surproon•
de em si m esmo uma esp6cie de di.fUslo do desejo amoroso; ele com•
preende entio que está dmtinado a eaar atl a morte, de amor em amor,
86
Fênix que ela morre, mas apenas que renasce (posso então renas
cer sem morrer?).
Desde que não estou transbordanle e que no entanto não me mato ,
w,.,,11.., é fatal a errância amorosa. O próprio Werther conheceu este esta
do - ao passar da "pobre Uonore" à Charlotte ; na verdade o
movimento nlío progrediu, mas, se Werther tivesse sobrevivido,
teria reescrito as mesmas cartas para uma outra mulher.
• 1 li. 3. A errância amorosa tem seus lados cômicos : parece um balé, mais
ou menos rápido conforme a velocidade do sujeito infiel ; mas é
W11111•1 também uma grande ópera. O Holand6s maldito é condenado
a errar sobre o mar até encontrar uma mulher de uma fidelidade
eterna. Sou esse Holandês Voador; nlo posso parar de errar (de
amar) por causa de urna antiga marca que me destinou, nos
tempos remotos da minha Infância profunda, ao deus Imaginário,
que me afligiu de uma compulsll'o de fala que me leva a dii.er "Eu
te amo" , de escala em escala, até que qualquer outro escolha essa
fala e a devolva a mim; mas ninguém pode assumir a resposta
impossível {que completa de uma forma insustentável), e a errân
cia continua.
R.S.B.: conversa.
87
Os óculos escuros
1 . X ... saiu de férias sem mim, e não me deu nenhum sinal de vld1
desde a sua partida: acidente? greve dos Correios? indiferonç1?
tática da distância? exercício de um querer-vivor passageiro (111u1
Mmc de juventude é gritante, ele nlo ouve")? ou simples inorencia? Cada
Sevigné vez mais mç �gust:io, passo por todos os atos do roteiro da espt·
ra. Mas, assim que X ... reaparecer de uma maneira ou de outn,
pois não pode deixar de fazê-lo (pensamento que deveria irnodi1·
ta.mente tomar vi toda angústia), que lhe direi? Devo esconder
dele minha perturbação? - que já passou ("como vai voei?")?
Fazê-la explodir agressivamente ("Nilo está ceno, vod bem qu,
poderia.. ."") ou dramaticamente ("Que preocupaç/Jo voei m,
deu")? Ou ainda, deixar passar delicadamente essa perturbaçlo,
ligeiramente, para tomá-la conhecida sem afligir o outro (ºEu
estava um pouco preocupado... ")? Uma segunda angústia tom1
conta de mim, que é de ter que decidir sobre o grau de publici
dade que darei a minha angústia primeira.
88
Esconder
89
Esconder
90
Amor inexprimível
Nro existe indireta mais eficaz, para dizer a tristeza, que esse
"ao longo da noite". Se eu tentasse também?
ou:
91
Escrever
ou ainda :
.........
111,1111,v
quais o amor a projeta e a nivela). Diante da morte do filho ainda
criança, para escrever (mesmo que sejam apenas farrapos de escri
tura), Mallarmé se submete à dJvlsl'o parental :
Mie, chora
Quanto a mim, eu penso
S . Saber que não se esaeve para o outro, saber que as coisas que vou
escrever nlo me farlo nunca amado por aquele que amo, saber que
o escritura não compensa nada, não sublima nada, que ela es�
precisamente ai onde voce não está - é o �meço da escritura.
93
A espera
94
Espera
luto: fico inteiramente lívido . Assim é a peça; ela pode ser encur
tada pela chegada do outro; se ele chega no primeiro ato, a acollú
da é calma; se ele chega no segundo ato, há ..cena", se ele chega
no terceiro ato, é o reconhecimento, a açlo de graças: respiro
P-llh, profundamente, como Pelléas saindo do subterrâneo e reencon
trando a vida, o aroma das rosas.
4. O ser que espero não é real. Assim como o seio da mie para o
bebê, "eu o crio e o recrio sem parar a partir da minha capacidade
W111nll'IIII de amar, a partir da carência que tenho dele": o outro chega onde
eu o espero, onde eu já o criei. E se ele nlo vem, alucino: a espera
é um delúio.
Ainda o telefone: a cada toque, atendo apressadamente, penso
que é o ser amado que me chama (pois ele tem que me chamar);
mais um esforço e "reconheço" sua voz, estabeleço o diálogo,
pronto a me voltar colérico contra o importuno que me despertar
do meu delírio. Do mesmo modo, no café, toda pessoa que entra,
pela mínima semelhança da silhueta, é, num primeiro movimento,
reconhecida.
95
Espera
E.B.: carta.
96
Eu te amo
R.H.: conversa.
97
Eu-te-amo
linguagem (a 11nica assunçlo do eu-te-amo seria apostrof4-lo,
Nietzsche dar a ele a expansão de um nome: Arlane, eu te amo, diz Dlonf
sio).
98
Eu·te-amo
S. Eu te amo - Eu também.
Eu também nfo é uma resposta perfeita, porque o que é perfolto
tem que ser formal, e a forma aqui é defeituosa, porque ela nlo
retoma literalmente o proferimento - e é próprio do proferimento
ser literal. Entretanto, essa resposta, pelo modo como ela é fanta
siada, é suficiente para pilr em nlOVimento todo um discurso do
Rnuncau jllbilo: júbilo ainda mais forte quando surge de uma reviravolta:
99
Eu-te-amo
100
Eu-te-amo
101
Eu-te-amo
físico, corporal, labial da palavra: abre teus lllbios e que isso 1111
daí (sê obsceno). O que eu quero, desesperadamente, é obt,r,
palavra. Mágica? Mítica? A Fera - que foi encontrada na sua felõ·
ra - ama a Bela; a Bela, evidentemente, nlo ama a Fera, mas, no
final, vencida (pouco importa por quê; digamos: pelas corwm111
que tem com a Fera), lhe diz a palavra mágica: "Eu te amo,
Ravel Fera"; e imediatamente, através do rasgo suntuoso de um acorde
de harpa, aparece um novo sujeito. Essa história é arcaica? 811
uma outra: um cara sofre porque sua mulher o abandonou: 111
quer que ela volte, ele quer - precisamente - que ela lhe dlp
eu te amo, e ele corre, por sua vez, atris da palavra; pua temll•
nar, ela o diz: e entfo ele desmaia: e! um filme de 1975. E afndl o
mito, de novo: o Holandés Voador erra 11 procura da palavra; 11
Nave ele a obtiver (por juramento de fidelidade), ele nlo errará maia
fantasma (o que importa no mito, do é o domínio da fidelidade, é 1ou
proferimento, seu canto).
10. Encontro singular latravés da língua aleml): uma mesma palavr1
(Bejahung) para duas afirmaÇOes: uma, tomada pela psfcanállle,
é destinada à depreciaçlo (a afirmaçfo primeira da criança deve
ser negada para que haja acesso ao inconsciente); a outra, coloca·
da por Niet7.sche, é modo da vontade de poder (nada de psfcol�
gico, muito menos de social), prodUÇlo da diferença; o sim do1-
sa última afirmaçlo se toma inocente (ensloba o reativo): 6 o
amém.
Eu-te-amo é ativo. Se afiJ'IJ1ª_�mo força - contra outras forçu.
Quais? Mil forças do mundo que do todas forças depreclatlv11
(a ciência, a doxa, a reiuidade, a n17.l'o, etc.) Ou ainda: contr1
a lmgua. Assim como o amém está no limite da língua, sem lip·
çfo com seu sistema, tirando dela sua "capa reativa", tamb6m n
proferimento de amor (eu-te-amo) está no limite da sintaxe,
aceita a tautologia (eu-te-amo quer diz.er eu-te-amo), afasta 1
servidlo da Frase (é apenas uma holofrase). Como proferimento,
eu-te-amo nlo é um signo, mas luta contra os signos. Aquele quo
Rio diz eu-te-amo (entre cujos lábios o eu-te-amo nlo quer passar)
estA condenado a emitir signos múltiplos, incertos, duvidoso11
1 avaros, do amor, seus indícios, suas "provas": gestos, olhuo1,
\ suspiros, a]us(les, elipses; ele tem que se deixar interpf'f!tar;
ela fica dominado pela instância reativa dos signos de amor, alio,
nado no mundo servil da linguagem porque ele não diz tudo (o
102
Eu-te-amo
escravo é aquele que tem a língua cortada, que sô pode falar por
trejeitos, expressões, caretas).
Os "signos" de amor alimentam uma imensa literatura reativa:
o amor é representado, recolocado numa est.6tica das aparências
(no fim das contas, é Apolo que escreve os romances de amor.)
Como contta-sigoo, eu-te-amo estJ do lado de Dionísio: o sofri
mento Rio é negado (nem mesmo a queixa, o desgosto, o ressen
timento), mas ele nl"o fica interiorizado por causa do proferimen
to: dizer e/J-te-amo (repeti-lo) é expulsar o reativo, lançj-lo DO
mwido surdo e dolente dos signos - dos atalhos da fala (que DO
entanto nl'o paro de atravessar).
Como proferimento, eu-te-amo estJ do lado do gasto. Aqueles
que querem o proferimento da palavra (líricos, mentirosos, erran
tes) slo ·sujeitos do Gasto; eles gastam a palavra como se fosse
impertinente (vil) que ela fosse recuperada em algum lugar;
eles estl"o no limite extremo da linguagem, lá onde a própria
linguagem {e quem no seu lugar o faria?) reconhece que nlo tem
proteçro, trabalha sem rede.
103
O ex1lio do imaginário
Werther 1 . Tomo Werther nesse momento fictício (na própria ficçio) em qu1
ele teria renunciado a se suicidar. Só lhe resta entlo o exílio: nfo
seria se afastar de Charlotte (ele jã o fizera uma vez sem 19'
sultado), mas se exilar da sua imagem, ou pior ainda: interrom,
per essa energia delirante que se chama Imaginário. Começa entlo
Hugo "uma espécie de longa Insônia". F.sse é o preço a pagar: a morll
Freud da Imagem contra minha própria vida.
(A paixfo amorosa é um delírio; mas o delírio nlo é estranho,
todo mundo fala dele, ele fica entlo domesticado. O-que 6 enla·
mático é a perda de delírio : se entra em quE?)
( O ponto mais sensível desse luto na:o será que devo perder uma
llt11(11agem - a linguagem amoro� ? Acabaram os "Eu te amo".)
I OS
Ex11io
FREUD. "Essa revolta é, às vetes, tio intensa que o sujeito podo ch1pr 1
sair da realidade e a se agarrar ao objeto perdido graças a uma pslcoM 1111-
cinatória do desejo" (Mr:tapncologta, 1 93).
WINNICOTT. "Exatamente antes que a perda soja re99enticla, podHI pu
ceber na criança. através da utilização excessiva do objeto transacional, 1
recusa do medo que esse objeto perca sua signjficaçio (Jogo t: Rullátl1,
265).
1 ()(,
Fading
1 07
Fading
3 . O ciúme faz sofrer menos, pois o outro está vivo nele. No fadln1,
Juan de o outro parece perder todo o desejo, a Noite o leva . Sou uhln
la Ouz donado pelo outro , mas esse abandono se duplica com o abandu
no que ele próprio sofre : desse modo sua imagem fica lnv1d1,
liquidada ; nlo posso mais me apoiar em nada, nem mesmo nn
desejo que o outro leva para outro lugar: fico de luto por um
objeto que está ele mesmo enlutado (daí, compreender atd ,,u,
ponto precisamos do desejo do outro , mesmo que esse daaeJu
não se dirija a nós).
1 08
Fadi,ig
ti. Nada mais doloroso do que uma voz amada e cansada: voz exte
nuada, rarefeita, exangue, poder-se-ia dizer, voz do fim do mun
do, que vai ser tragada muito longe pelas águas frias: ela está
110 ponto de desaparecer, como o ser amado está 110 ponto de
morrer : o cansaço é o próprio infinito: o que nio acaba de acabar.
Basa voz breve, curta, quase sem graça pela raridade, esse quase
nuda da voz amada e distante torna-se em mim uma rolha mons
truosa, como se um cirurgiio me enfiasse um tampão bem grosso
de algodão na cabeça.
1 09
Fading
1 10
Faltas
111
Faltas
BANQUETE: Fedro: ''Se um homem ama e comete uma mil açfo [ .. ,) 111
�ofre muito mais se for surpreendido por seu amigo que por seu pai" (4 J I .
112
« Dias eleitos»
foESTA. O sujeito apaixonado vive cada encontro com o ser amado como
uma festa.
"Vivo dias tão felizes quanto aqueles que Deus reserva a seus
hlli,1 eleitos; e aconteça o que acontecer não poderei dizer que não
provei das mais puras alegrias da vida."
(En tã'o, nfo significa nada para você ser a festa de alguém?)
WERTHER, 28.
WERTHER, 1 21.
JEAN-LOUIS BOUTIES, Destruidor de Intensidade.
1 13
A fofoca
BANQUETE: começo.
BANQUETE: Agáton : ''Vem cá, Sócrates, te estende aqui perto de mim,
para que eu possa U!Ufruir, em contacto contigo, dos sábios pensamento,
que tiveste no vestíbulo aqui perto ..." ( 31) B a entrada de Alclb(lld11
(153-1 54).
1 14
Fofoca
WERTHER, 1 8.
115
A exuberância
GASTO. Fig\llll pela qtlaJ o sujeito apaixonado visa e hesita ao mesmo 1,m
po colocar o amor numa economia de gasto puro, de perda "a troco d,
nada",
WERTHER, S3 e 1 24.
GREGO: noção estóica {Os Est6kos).
WERTIIER, 1 21, retomado a propósito de Werthcr e de Albert, 1 1 3.
lJ6
Gasto
tempo ... Calcule bem sua fortuna, etc." De um lado, há o ena.mo,
rado Werther que gasta seu amor todo o dia, sem espírito de
reserva e de compensaçito, e, do outro, há o marido Albert, que
poupa bem sua felicidade. De um lado, uma economia burguesa
da fartura, de outro, uma economia perversa da disperslo, do
desperdício, do furor (furor wertherinus).
117
A gradiva
118
Gradiva
1 19
Gradiva
f.W.: conversa.
WINNICO'IT: a Mie.
1 20
Identificações
2. Devoro com o olhar toda rede amorosa e nela localizo o lupr que
seria meu se dela fize� parte. Percebo homologias e nlo analo
gias: constato, por exemplo, que sou para X ... o que Y ... é para
Z ... ; tudo que me dii.em de Y .•. me atinge diretamente; mesmo
que a pessoa me. seja indiferente, até deaconhecida; estou preso
num espelho que se desloca e que me capta em toda a parte onde
houver uma estrutura dual. Pior ainda: pode acontecer que por
outro Jado eu seja amado por quem nio amo; ora, essa situaçlo,
longe de me ajudar (pela gratificaçlo que ela implica ou pelo
derivativo que ela poderia constituir) me é dolorosa: me vejo no
outro que ama sem ser amado, encontro nele até os gestos de
minha infelicidade: me sinto ao mesmo tempo vítima e carrasco.
(Por essa homologia, sobrevive - se vende - o romance de amor.)
1 21
/dentificaçl/o
1 22
Identificação
1 23
As imagens
WERTHER, 89.
1 24
1. As Imagens das quais sou excluído me são cruéis: mas 11s veus
lumbém (reviravolta} fico preso na imagem. Ao me afastar da cal·
Ç11lln de um caf6 onde tenho que deixar o outro acompanhado, eu
me vejo indo embora sozinho, andando, meio abatido, pela rua
deserta. Converti minha excluslo em imagem. Essa imagem, onde
minha ausência está presa como num espelho, é uma imagem
triste.
.....
'""''
Uma pintura romântica mostra, sob uma luz pola.ri7.ada, um
amontoado de destroços frios: nenhum homem, nenhum objeto
nesse espaço desolado ; mas, por isso mesmo, por pouco que eu
•�•h h osteja tomado pela tristeza amorosa, esse vazio pede que eu me
projete nele; me vejo como um boneco, sentado sobre um dos
blocos, abandonado para sempre. "Estou com frio, diz o enamo
rado, voltemos", mas não h4 nenhuma estrada, o barco está
quebrado. Existe um frio espedal do enamorado: friozinho do
beM (seja do homem, ou do animal) que precisa de calor mater
no.
1 2S
A laranja
Werther I . Werther: "Ar. laranjas que eu tinha guardado, as únicas que ainda h•
via, fizeram um excelente efeito, s6 que, a cada fatia que, por edu
cação, ela oferecia a uma vizinha indiscreta. eu sentia o coraçle
como que traspassado." O mundo esU cheio de vizinhos ind!I,
eretos com os quais temos que compartilhar o outro. O mundo
é exatamente isso: uma Imposição de partr1hll. O mundo (o mun,
dano) é meu rival. Os Importunas me atrapalham a toda hora : um
conhecido encontrado por acaso e que forçosamente se senta 1
nossa mesa; vizinhos de restaurante cuja vulgaridade fascina vtll,
velmente o outro, a ponto de ele nem prestar mais atençfo se falo
ou não; até um objeto, um livro, por exemplo, no qual o outru
estll mergulhado (tenho ciúmes do livro). Tudo que abala Uplra,
mente a relação dual, altera a cumplicidade e desfaz o sentimenlo
de posse, é importuno. "Vod também me pertenc:e", dia o
mundo.
WERTHER, 24.
1 26
Importunas
1 27
«Mostre-me quem devo desejar»
INDU ÇÃO. O ser amado é desej ado porque um outro ou outros mo1l11•
ram ao sujeito que ele é desejável: por mais especial que seja , o deuJo
amoroso é descoberto por indução.
1 28
Indução
1 29
O informante
1 30
lnfonnante
Tudo que vem do exterior 6 uma ameaça; seja sob forma de abor
recimento (sou obrigado a viver num mundo do qual o outro
esü ausente), seja sob a forma de ferimento (se esse mundo me
faz um discurso indisc:reto sobre esse assunto).
Ao me dar uma lnformaçl"o insignificante sobre quem amo,
o Informante me revela um segredo. ES9e segredo nlo 6 profundo;
ele vem do exterior; é o exterior do outro que me estava escondi-
1i11111,1 do. A cortina se abre ao contrario, do sobre uma oena íntima,
mas sobre uma sala pública. A inforrnaçfo me é dolorosa, nl'o
importa o que ele diga : um pedaço fosco, ingrato, da realidade me
cai sobre a cabeça. Para a delicadeza amorosa, todo fato tem
qualquer coisa de agressivo: irrompe no Imaginário um pingo de
"sabedoria., , mesmo que seja vulgar.
131
«Isso não pode continuar»
WERTIIER, 1 24.
1 32
lnsuport(ÍJ)e/
. ,Assim é a vida
Cair sete vezes
E se levantar oito."
1 33
O irreconhecível
GIDE: falando de sua mulher: ' 'E como ê sempre preciso amor p ara com•
preender o que difere de você. -" (Et nunc manet in te, 1 1 51).
134
verter minha ignorância em verdade. Nio é verdade que quanto
mais se ama, mais se compreende; o que a açlo amorosa consegue
de mim, é apenas uma sabedoria : nlo tenho que conhecer o
outro ; sua opacidade nlo é de modo algum a tela de um segredo,
mas sim uma espécie de evidl!ncia, na qual fica abolido o jogo da
apar!nda e do ser. Experimento entã'o es.u exaltaçfo de amar
profundamente um desconhecido , que o será sepre : movimento
místico: tenho acesso ao conhecimento do desconhecido.
1:35
A languidez de amor
2 . ..e você vai diz meu outro você vai finalmente me responder IU
sofro a tua ausência te quero sonho com você para voC, conUI
SoUers você me responde teu nome é um perfume espalhado tun •
brilha entre os espinhos faz reviver meu coração com vlnl11
fresco me faz uma colcha de rnartha sufoco sob essa máscara p1II
drenada arrasada nada existe além do desejo."
3. "... pois desde que te vejo por um instante, não me é mais pouf,
vel articular uma palavn: mas minha língua se quebra e um ra11
sutil desliza de_ repente sob a minha pele : meus olltos nlo rim
olltar, meus ouvidos zumbem, o suor escorre pelo meu corpo, um
arrepio toma conta de mim; fico mais verde do que o capim,
Safo e por pouco me sinto morrer."
SOLLERS: "Paraíso".
136
languidez
1 37
Lembrado?
WER'JllER, 99.
J.-LB. : conversa.
1 38
Lembrado
•Nftlnlnll• Me vejo usim comido na ponta dos lábios pela fala dos outros,
dissolvido no éter da Fofoca. E a fofoca continuará sem que dela
eu jll nlo seja, hll muito tempo, o objeto : uma energia lingüística,
fútil e incasãvel, triunfará sobre minha própria lembrança.
1 39
«E lucevan le stelle»
WERTHER, 62.
140
Lembrança
141
A loqüela
3. Vou fazer um papel : sou aquele que vai chorar; represento esse
papel diante de mim e ele me faz chorar: sou para mim mesmo
meu próprio teatro. E ao me ver chorar assim, choro mais ainda;
e se os choros diminuem, torno a me dizer bem depressa a palavra
cruel que vai relan?-los. Tenho em mim dois interlocutores,
empenhados em mostrar o tom, de réplica em réplica como nas
antigas esticõmitis : há um gozo na fala desdobrada, redobrada,
levada � a confusão final (cena de palhaços).
(1. Werther tem uma tirada contra o mau humor : "Seus olhos se
enchem de lágrimas." II. Ele conta uma cena fúnebre de adeus
w.. 111rr diante de Charlotte ; essa narrativa o deixa abatido pela viÔlêncfa
e ele enxuga os olhos com um lenço. Ili. Werther escreve li Char
lotte e representa para ela a imagem de seu futuro túmulo: "E
ao me descrever isso U'o vivamente, choro como urna criança."
IV. "Aos vinte anos, diz Mme Desbordes-Valmore, dores profun
llu111 das me fizeram renunciar ao canto, porque minha voz me fazia
chorar.")
1 43
«Estou louco»
1 44
3. m cem anos considera-se que a loucura (literária) consiste nisso:
"Eu é um outro": a loucura é uma experiência de despersonall
zaçfo. Para mim, sujeito apaixmado, é exatamente o contrário:
o que me deixa louco é tomar-me um sujeito, nlo poder me
Impedir de sê-lo. ••Eu nikJ sou um outm": é o que constato
assustado.
145
A última folha
146
Magia
gesto (inclinar a vela nova sobre a vela já acesa, esfregar d�n
te u mechas, ter prazer em ver o fogo pegar, encher os olhos
desa luz íntima e forte) promessas cada vez mais vagas, que
abrangiam - por medo de escolher - "tudo que nlo vai bem no
mundo"."
147
«Eu sou odioso»
148
Monstruoso
149
Sem resposta
I SO
Mutismo
3. "A morte é sobretudo isso: tudo que foi visto, terá sido visto para
,
t.111,1111 nada. � o luto daquilo que percebemos. , Nesses breves instantes
lhl1I em que falo à toa, é como se eu morresse. Porque o ser amado se
toma um personagem de chumbo, uma figura de sonho que não {a-
i ""'' la, e o mutismo, em sonho, é a morte. Ou ainda : a Mie gratificante
me mostra o Espelho, a Imagem, e me fala: "2 voe.é". Mas a Mie
muda não me diz o que sou: n4'o tenho mais base, flutuo dolo
rosamente, sem existência.
ISI
«E a noite clareava a noite»
I S2
Nuvens
NlNENS. Sentido e uso do mau humor que toma conta do sujeito apaixo
nado no deconer de circunstâncias variadas.
WERTHER, 31 s.
J. - LB.: conversa.
1 53
Nuvens
1 54
A fita
OBJETOS. Todo objeto tocado pelo corpo do ser amado tomHC: parte
desse corpo e o sujeito se liga a ele apaJxonadamente.
155
Objetos
2. Fora esses fetiches, nlo há nenhum outro objeto no mundo
amoroso. 2 um mundo sensualmente pobre, abstrato, seco,
desinvestido; meu olhar atravessa as coisas sem reconhecer 1u1
sedução; estou morto para qualquer sensualidade a nlo ser aquol1
do ºcorpo encantado". Do mundo exterior a única coisa qu,
posso associar ao meu estado é a cor do dia, como se "o tompu
que est, fazendo" fos.,e uma dimensfo do Imaginãrio (a lmapm
nlo 6 colorida nem profunda; mas tem todas as nuances da luz ,
do calor, que se comunicam com o corpo apaixonado que u
sente mal ou bem, global.mente, unificadamente). No halku
japonts, o cõd.igo exige que haja sempre UDB palavra que lndlqu,
HaJltu o momento do dia e do ano ; e o kigo, a palavra-estaçlo. Do
haiku, a notação amorosa guarda o kigo , essa leve alusão à chuv1,
à tarde, ll luz, a tudo que banha, espalha.
1 56
O obsceno do amor
157
Obsceno
1 58
Obsceno
(.8 tolice ficar surpreso. O enamorado fica sempre ; ele nlo tem
tempo de transformar, de modificar, de proteger. Talvez ele
conheça sua tolice, mas não a censura. Ou ainda : sua tolice age
como urna clivagem, uma perverslo: é tolice, ele diz, mas. .. é
verdade.)
1 S9
Obsceno
1 60
PORQUE. Ao mesmo tempo em que se pergunta obsessivamente por que
nio 6 amado, o sujeito apaixonado vive na crença de que na verdade o
objeto amado o ama, mas não o dJz.
1 61
Porquê
1 62
Sobria ebrietas
1 63
Querer-possuir
1 64
O rapto
RAPTO. Episódio tido como inicial (mas pode ser reconstituído depois)
durante o qual o sujeito apaixonado é "raptado" (capturado e encantado)
pela imagem do objeto amado (nome populu: gamação; nome científico:
en11morarMnto ).
DJEDIDI: em úabe, por exemplo, /ítna diz respeito 11 gucm material (ou
ideol6gica) e ao ato de acduçfo sexual
1 65
Rapto
Rusbrock sujeito , a intimidade ("A ferida [... ) � de uma intimidade extra
ordinária"). Assim é a ferida de amor: uma abertura racUcal
Rusbrock (nas "raá.es" do ser), que nlo chega a se fechar, e de onde o IU·
jeito escorre, se constituindo como sujeito nesse próprio corri·
mento. Bastaria imaginar nossa Sabina ferida para fazer disso o
tema (o sujeito) de uma história de amor.
RUSBROCIC: "A medula dos ossos onde estão as raízes da via é o c:errtra d1
ferida" (16); e "a coisa aberta que estí no fundo do homem nlo se faah1
facilmente" (14).
ATHANASIUS KIROíER: hlst6ria da Galinha maravllbosa.
(Experimentum mlrabile de imagin.atione grdlinae), cm Otertok. 7 1 . - 11>
bre a hipnose, Génrd Miller, cm OrniCIIT, 4.
WEKTIIER, 3 e 29-43.
1 66
Rapto
espécie de embalo quotidiano um pouco vazio, prosaico (ele
cozinha ervilhas). P.aa "maravilhosa serenidade" nada mais é que
uma espera - um desejo: mmca fico apaixooado sem que o tenha
desejado; a vaga que abro em mim (e da qual me orgulho inocen
temente, como Werther) nada mais é que esse tempo, mais ou
menos longo, em que meus olhos procuram ao redar, disfarçada
mente, quem amar. Certamente é preciso algo que dê partida ao
amor, como ao rapto animal ; o engano é ocasional mas a estrutura
é profunda, regular, assim como é cíclico o acasalamento entre os
animais. Entretanto, o mito da ..gamação" é i.o forte (is.,o cai
sobre mim, sem que eu espere, sem que eu queira, sem minha
interferência), que se fica estupefato quando se ouve alguém
decidir se apaixonar: como Amadour vendo Florida na corte
tlept1meron do vice-rei da Catalunha: "Depois de tê-la olhado por muito
tempo, decidiu-se a amá-la". O qu6'? Vou deliberar se devo ficar
louco (o amor seria essa loucura que eu quero)?
1 67
Rapto
1 68
Rapto
O quadro é sempre visual? Ele pode ser sonoro, o âmago pode ser
llngü{stíco: pmso me apaixonar por uma frase que me é dita: e
nlo apenas porque ela me diz alguma coisa que vem tocar 1118U
desejo, mas por causa da sua construçlo (seu imago) sintática,
que vai morar em mim como uma lembrança.
1 69
Rapto
J.-LB. : conversa.
1 70
A repercussão
171
Repercussão
2. O espaço da repereusslo é o corpo - e� corpo imagin4rlo, li•
"coerente" (coalescente) que só pode vivé-lo sob a forma do u119
emoção generalizada. Essa emoção (análoga a uma vermelhhlla
que enrubesce o rosto, de vergonha ou de emoção) � um modo
E o medo tio comum - ao enfrentar determinada situaçlo
quando me vejo futura.mente em estado de fracasso, de lmpoalU·
Diderot ra, de escândalo. Na situaç(o amorosa tenho medo de minha pn\.
pria destruição, que entrevejo bruscamente, inevit4vel, bem con•
titu{da no dario da palavra, da imagem.
DIDEROT: "A palavra não 6 a coisa, ma, um clario i hlZ do qual a pen•
bemos."
RUSBROCX, 16.
1 72
Repercussão
1 73
Costume azul e colete amarelo
BANQUETE, 27.
1 74
Roupa
WERlllER, 94 e lS0-151.
1 75
Idéias de solução
SA!DAS. Soluções enpnosas, quaisquer que sejam, que clio ao 111J1llo ,,..
xonado um repouso passageiro, apesar de seu caráter quase sempre ....
tr6flco; manipulaçio fantasiosa das saídas possheis da crue amoro11.
1 76
Sai'das
DOUBLE BINO: "Situação na qual o rujelto nlo pode ganhar, faça o que
fizer: coroa eu ganho, cua você perde" (Bettelhelm, BS).
SCHILLER, citado por Szondi, 28.
1 77
A incerteza dos signos
SIGNOS. Seja para querer provar seu amor, seja para se esforçar em d•
fnr se o outro o ama, o sujeito apaixonado nlo tem à sua dllpo1"'9
nenhum sistema de signos seguros.
1 78
Signos
da noite e voltar quatro horas depois !", "Claro que é normal dar
uma volta quando se tem uma insônia", etc. Aquele que quer a
verdade, só tem por resposta imagens fortes e vivas, mas que se
tomam ambíguas, flutuantes, desde que ele tenta transfonm-las
em signos : como em toda mântica, o consultante amoroso deve
ele mesmo faz.er sua verdade.
tr-ud 3. Freud à sua noiva : "A única coisa que me faz sofrer, é estar impossi-
bilitado de te provar meu amor." E Gide : "No comportamento
1;1110 dela tudo parecia dizer: já que ele nllo me ama, nada me importa.
Ora, eu a amava ainda e até mais do que nunca; mas nllo me era
mais possível prová-lo. E isso era o mais terrível de tudo."
Os signos nfo sfo provas, pois qualquer um pode produzir signos
falsos ou ambíguos. Volta-se entfo, paradoxalmente, 11 onipotên
cia da linguagem: já que nada assegura a linguagem, sustentarei a
linguagem pela última e única certeza: n/lo acreditarei mais na
interpretaç6o. Receberei toda palavra do meu outro como um
signo de verdade; e quando eu falar, nfo terei dllvidas de que ele
receberá como verdadeiro aquilo que direi. Daí a importância das
declarações; quero constantemente arrancar do outro a fórmula
do seu sentimento, e de minha parte digo a ele constantemente
que o amo: nada fica para ser sugerido, adivinhado: para que se
saiba uma coisa é preciso que ela seja dita; mas também, desde
que ela é dita, ela é provisoriamente verdadeira.
1 79
«Tutti Sistemati»
1 . Werther quer se situar: ..Eu ... seu marido! O meu Deus qua m,
Werther criastes, se tivesses me reservado essa felicidade, toda minha vtd1
nl'o seria senlo perpétua açfo de graças, etc.": Werther quer um
lugar jll ocupado, o de Albert. Ele quer entrar no sistema ("sltu1-
D.F. do", em italiano, se diz sistemato). Porque o sistema 6 um conJun·
to onde todo mundo tem seu lugar (mesmo se nlo for multo
bom); os esposos, os amantes, os trios, até os marglnaJs (drop,
transa}, bem instalados na sua marginalidade: todo mundo manm
eu. (Brincadeira: havia um certo número de crianças e de cadalru,
menos uma; enquanto as crianças dançavam em volta, uma sanho
ra tocava piano; quando ela parava, cada um se precipitava sobre
uma cadeira e se sentava, menos o mais tolo, o menos brutal, ou o
mais azarado, que continuava de pé, bobo, sobrando: o 11n1,
morado.)
D.F. : oonversL
1 80
Situados
1 81
«Nem um padre o acompanhava»
Sô. A figura diz respeito, não ao que pode su solidão humana do sujeita
apaixonado, mu à solidão "filosófica", j4 que o amor-paixlo hoje ,m
dia não está sob a responsabilidade de nenhum sistema maior de pen•·
mento {de discurso).
WERTilliR, 1 5 1 .
ETIMOLOGIA: religare, ligar.
BANQUETE , 37.
I R2
Só
BANQUETE, 167.
1 83
foram mordidos por uma cobra: "Diz-se que eles nlo querem falar
do que lhes aconteceu com nin guém, a na:o ser com aqueles quo
também foram vítimas da mesma coisa, como se fossem os (mico1
aptos a conceber e a desculpar h1do que eles ousaram dizer e fazer
Rusbrock durante a crise das suas dores". Pequeno grupo dos "Mortos de
Fome", dos Suicidas de amor (quantas vezes um mesmo enamo
rado nlo se suicida?) aos quais nenhuma grande linguagem (a nD'o
ser, fragmentariamente, a do Romance passado) emprestou sua
voz.
S. Porque sou só :
"Todo mundo tem sua riqueza,
só eu pareço desprovido.
Meu espírito é o de um ignorante
porque é muito lento.
Tao Todo mundo é clarividente
só eu estou na obscuridade.
Todo mundo tem o espírito perspicaz
só o meu é confuso
e flutua como o mar, e sopra como o vento.
Todo mundo tem seu objetivo
só eu tenho o espírito obtuso como um camponl!s.
Só eu sou diferente dos outros homens,
porque insisto em sugar o seio de minha Mie."
1 84
Idéias de suicídio
1 85
Suicídio
WERTHER, 83.
GIDE, Jornal, 1940, 66.
1 86
Tal
187
Tal
1 88
Tal
189
Ternura
MUSIL: "O corpo do innfo estava d(o docemente, com tanta bondada,
apertado contra ela, que ela se sentia descansar nele como ela nela; nada
mais se mexia, nem mesmo sou belo desejo" ()lomem um qualldlld11, li,
772).
ZEN: 11rltti, pua o budista, é o movimento das ondas, o processo cíclico.
Yrltti 6 doloroso, s6 o nlnâna pode acabar com ele.
1 90
Temun,
exclusiva, preciso admitir que aquilo que eu recebo outros tam
bém o recebem (u vezes me , dado ver o eapedculo). Aí onde
você é temo, você diz seu plural
191
«Todas as volúpias da terra»
192
Transbordamento
1 93
União
2. "Na sua metade, colo minha metade". Saio de um filme (que nem
llonsard era muito bom). Um pemonagem desse filme evoca Platlo e o
Andrógeno. Parece que todo mundo conhece esse negócio de duu
metades que procuram se colar - ao que vem jlDltar agora a histõ
ria do ovo, da película que parte e da homelete (o desejo 6 pre-
Lacan cisar daquilo que se tem - e dar aquilo que nfo se tem: questlo
de suplemento, nlo de complemento).
194
Uni6o
195
Uni6o
4. Sonho de total unifo: todo mundo diz que esse sonho 6 impOII(·
vel e no entanto ele insiste. Não desisto. ''Nas lápides das aopuJ.
turas de Atenas, em vez de transformar o morto em herõl, hJ
François cenas de adeus onde um dos esposos se despede do outro, u
Wahl mfos apertadas, no fim de um contacto que s6 uma tercolrl
força pode romper, é o luto que surge assim na exprelllo ( ... )
Eu nfo sou mais eu sem você". A prova do meu sonho ead no
luto representado; posso acreditar nele, pois ele é mortal (16 1
imortalidade é imposdvel).
1 96
Verdade
WERTHER, 90.
FREUD: "Um homem que duvida de seu pr6prio amor, pode, ou melhor,
deve duvidu de qualquer coisa menos importante" (citado par M. KJein,
320).
1 97
Vetdade
tal qual um metal priuitivo, nada mais pode alterá-lo: fica lnd,.
Wertbar trutível. Werther decidiu morrer: "Eu te escrevo isso tranqWJ"
mente, sem exaltaçfo romanesca". Deslocam,nto: nlo 6 a verd•
de que 6 verdadeira. é a lipçfo com o enpno que se toma Vir•
dadetrL Basta que eu teime. para estar na verdade: um "enpno..
afirmado infinitamente, ao contrú:io de tudo e contra tudo,
toma-se uma verdade. (Afinal de contas, talvez exista no amor
paixfo um pedacinho de verdade. .. verdadeira.)
WERTHER., 126.
GlllMM: "Joumal pour les F.rmite1": O Golem 6 um bonoco feito de barro
e cola. Ele li.lo fala. t empiepdo da casa. Nlo deft nunca wr. Na Na 11111
est6 escrito E�th (Ycrdad,). Cada dia que pusa ele crealD e ftca mall
forte. De medo, a prlmelra letra 6 apapda da 11111 tuta. pm que tique
apenas M,th (at41 morto); ele entlo m deafa e volta a I01' bmo. (G, 1,
Scholem, A Cobaia , o 1,u rtmbollrmo, Payot).
1 98
Tabula gratulatórla *
f
çrand confe:uion (Denoi!I). RONSARD, les A mours (Garnler); Ronsard
(Yrlque et amoureux (éd. de la Sirene). ROUGEMONT, l'Amour et /'Occl-
cnl (UCE. " 1 0 X 1 8"). RUSBROCK, CEu11re1 r:hoisil!r (trad. de Emest
ello, Pou.�sielgucs frêres). SAFOUAN, Etudes sur /'CEdipe (éd. du Seull);
Lc structurafü-me cn psychanalisc" (Qu 'est-ce que le stnir:turalisme?, éd.
(lu Scull). SAINTE·BEUVE, Port,Royal (Hachette, 6 vol). SEVERO SAR
PUY, "ln travestis" (Ar, Press, 20). SARTRE, Esquisre d 'une th� de,
l-motlons (Gallimard). 51:::ARLES. "The effor t to drive the other person
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