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Vv; loi 22/09/2017 - 05:00 A salamandra ingressa no cenario Por César Felicio ‘Uma leve brisa chamada Henrique Meirelles prineipiou no ar rarefeito de Brasflia. Bastou um conjunto de indicadores econdmicos melhores do que o esperado neste terceiro trimestre para que esta hipétese entrasse no cendrio de 2018. Hé circunsténcias que conspiram a favor do ministro, e os protagonistas desta conjura querem acreditar que a economia esté descolada da politica. £ visivel que Michel ‘Temer, que por ora poderia ter o cognome de governante mais impopular do planeta Terra, esta com dificuldades de influenciar na propria sucesso, sobretudo depois do escéndalo da delacdo da JBS, em 17 de maio. Antes da varivel Meirelles, alimentou um baldo de ensaio a respeito de uma mudanga de sistema de governo sem consulta popular. Muito dificil. Mesmo parlamentaristas historicos temem a reagiio que a iniciativa despertaria, e também suas consequéncias. 0 Centro acuado pelo Ministério Pablico estava sem cartas nas maos. O governismo de base parlamentar e sem expresso eleitoral propria, do qual Gilberto Kassab é um emblema, procurava apenas algum abrigo legal na reforma politica para a sobrevivéncia, com fantasmagorias como distritfo, distritao misto e outras. Existe ambiente para uma candidatura de Meirelles As forcas empresariais assistem a divisao e o declinio do PSDB. Um dado que se sobressai nas tltimas pesquisas é a posigdo desfavordvel tanto de Alekmin quanto de Jodo Doria nas sondagens. Depois de uma arrancada firme, Doria parou de subir. O governador paulista perde substdncia, Estio ambos no quarto lugar, no meio do caminho que leva de Ciro Gomes a Marina Silva. So derrotados em todas as simulagdes de segundo turno, por todos os rivais. O PSDB paga o prego da indefinigdo em relagao ao destino de Temer, e no caso dos paulistas a conta é paradoxalmente amarga: a bancada paulista do partido votou pela aceitagio da primeira demincia contra o presidente, mas Alckmin e Doria parecem contaminados pela toxicidade do pemedebista. 0 antipetismo para os tueanos parece ter se convertido em uma armadilha. Engrossou um caldo de rejeigao & atividade politica que por ora resultou em Jair Bolsonaro. fo deputado fluminense, sempre isolado, sempre visto como um politico folelérico, com seus preconceitos, suas incoeréncias e seu extremismo, que se converteu no antagonista a Lula e ao lulismo. Muitos apostam que a maquina eleitoral, o tempo na televisdo e a capacidade de arrecadagao dio a Alckmin ou Doria o favoritismo na hora decisiva. Tanto um quanto outro se empenham em construir aliangas amplas. 0 governador com PSB e PTB e Doria com DEM, PMDB e o proprio PSD de Meirelles, mas a forga da internet e a enormidade da descrenga desencadeada pela Lava-Jato, além das mudangas na legislagao, relativizam estes fatores. Parte expressiva do eleitorado encontrou seu anti-Lula e ele é um radical de direita sem compromisso com as reformas. Cabe ao centro encontrar seu espago. Avangaram contra a esquerda e agora precisam de um antibolsonaro. Caso o ex-presidente seja inabilitado pela Justiga, o que é muito provavel que aconteca, a situagao fica ainda pior tanto para Alckmin quanto para Doria. Um tergo do eleitorado brasileiro se tornaré imensamente ressentido contra toda e qualquer forga que identifique como responséveis pela queda do lider. Candidaturas mais palatdveis aos néufragos do petismo tendem a ganhar alguma substancia, Neste sentido Meirelles pode ser providencial. Seria um outsider, apesar de fruto da elite goiana (seu pai foi procurador eral de contas; seu avd prefeito de Andpolis; seu tio vice-governador). O sucesso como executivo, a gestao inegavelmente bem sucedida no Banco Central ¢ os feitos no Ministério da Fazenda borram o fato de jé estar em seu tereciro partido. tempos de reputagées em derretimento, Meirelles serviu a Lula e a Joesley Batista e agora trabalha para Michel Temer, sem que qualquer acusago Ihe maculasse até o momento, im Estando em todas as partes sem estar em nenhuma, pode-se ler Meirelles como a salamandra da mitologia grega. Anda nas brasas e nfo se queima. Existe ambiente politico para sua candidatura, caso Doria e Alckmin nfo consigam, um ou outro, agregar a centro-direita. Duvidoso é se existira ambiente econdmico. Uma coisa ¢ despertar confianga em investidores, a outra é criar este sentimento na massa do eleitorado. Um em cada quatro pesquisados no levantamento CNT/MDA divulgado esta semana ‘pensam que o nivel de emprego ird melhorar. Ha sete meses, era um em cada trés. As expectativas esti se deteriorando. Para a massa cleitoral, nfo ha descolamento entre politica e economia, Os tomadores de decisiio apostam que pode haver. Fernando Henrique conseguiu reverter de modo abrupto o cenério eleitoral e fazer convergir as expectativas da base e do topo da piramide em 1994. No bindmio que tira 0 sono de qualquer eleitor médio, que é 0 de inflagio e o de desemprego, no havia comparagio possivel no quadro de 23 anos atrés. A inflagdo desorganizava nfo apenas a economia, mas a vida cotiiana e seu combate tinha mais apelo do que o do desemprego. ‘Nesta recesso 0 nivel de emprego se deteriorou de um modo que estava esquecido hé muitos anos. A inflago causou algum espanto no ano da corregio dos desequilibrios provocados pelo governo Dilma, mas nada que se ombreie a0 desmantelamento do mercado de trabalho. Enquanto o eleitor médio se sentir vulnerével, um ministro da Fazenda nfo tem. ativos a oferecer. Esta sensagao de vulnerabilidade tende a diminuir nos préximos meses. Conforme as projegdes da consultoria Tendéncia, ainda que a taxa de desemprego patine, a renda real deve crescer 2,4% este ano e 1,2% no préximo; a massa salarial deve subir 2,6% agora e 2,8% em 2018 e a oeupagao da populagio sai de 0,1% de erescimento para 1,6%. F mais gente conseguindo se virar, ainda que em ocupagées precérias. Se isso seria suficiente para blindar Meirelles dos miasmas do Palicio do Planalto é uma inedgnita. César Felicio ¢ editor de Politica. Escreve as sextas-feiras E-mail: cesar.felicio@valor.com.br

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