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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO

SUL

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL

LINHA DE PESQUISA: DIREITO, CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO

INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO POLÍTICO: DAS ORIGENS AO DEBATE ATUAL


ESTADO, DEMOCRACIA E CIDADANIA

DEJALMA CREMONESE

Ijuí, janeiro de 2008


SUMÁRIO

SUMÁRIO.................................................................................................................................................2

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................................5

1. O HOMEM, O CONHECIMENTO E A IDEOLOGIA......................................................................9

1.1. O conhecimento é próprio do homem...............................................................................................9


1.1.1. O conhecimento empírico............................................................................................................10
1.1.2. O homem da palavra sagrada.....................................................................................................11
1.1.3. O homem do pensamento mitológico...........................................................................................12
1.1.4. O mito nosso de cada dia............................................................................................................12
1.1.5. O homem do pensamento filosófico.............................................................................................14

1.2. Visões sociais de mundo...................................................................................................................15


1.2.1. A ideologia e a utopia.................................................................................................................15

2. CONCEPÇÕES GERAIS SOBRE O ESTADO................................................................................19

2.1. Etimologia da palavra Estado..........................................................................................................19

2.2. Diferentes entendimentos sobre o Estado.......................................................................................20

2.3. Os elementos do Estado....................................................................................................................22

2.4. O Estado e o poder...........................................................................................................................24

2.5. A função do Estado...........................................................................................................................26

2.6. Justificativas teóricas do Estado......................................................................................................27

3. O PENSAMENTO POLÍTICO DAS SOCIEDADES PRIMITIVAS E ORIENTAIS....................30

3.1. O Estado primitivo...........................................................................................................................30

3.2. O Estado Oriental.............................................................................................................................32


3.2.1. Exemplos de teocracias orientais................................................................................................35

4. O PENSAMENTO POLÍTICO DA SOCIEDADE GREGA............................................................45

4.1. Os gregos: precursores da política e da democracia......................................................................45


4.1.1. A etimologia da palavra política.................................................................................................47
4.1.2. A origem do conceito democracia...............................................................................................50
4.1.3. Uma democracia escravista........................................................................................................55

4.2. A origem da filosofia na Grécia........................................................................................................57


4.2.1. A filosofia é “filha” da pólis.......................................................................................................57
4.2.2. Os pré-socráticos........................................................................................................................59
4.2.3. A contribuição dos sofistas na construção da política grega......................................................60
3

4.2.4. O método socrático.....................................................................................................................63


4.2.5. Platão e a busca do Estado ideal................................................................................................65
4.5.6. A cidade como realidade perfeita em Aristóteles.........................................................................68

5. O PENSAMENTO POLÍTICO DA SOCIEDADE ROMANA........................................................73

5.1. O Direito, o Exército e a Política.....................................................................................................74

5.2. Marco Túlio Cícero...........................................................................................................................76

5.3. Políbio................................................................................................................................................78

6. O PENSAMENTO POLÍTICO DA IDADE MÉDIA........................................................................80

6.1. O cristianismo primitivo..................................................................................................................81

6.2. O fim do Império e a Idade Média..................................................................................................83

6.4. Santo Agostinho................................................................................................................................84

6.5. O fim do pensamento medieval e o início do Renascimento..........................................................86

7. O PENSAMENTO POLÍTICO RENASCENTISTA........................................................................90

7.1. Maquiavel: contexto histórico..........................................................................................................91

7.2. Estrategista da arte da guerra.........................................................................................................94

7.3. Fundador da Ciência Política Moderna..........................................................................................96

7.4. A natureza humana...........................................................................................................................98

7.5. A questão do Estado........................................................................................................................100

7.6. O estilo das obras de Maquiavel....................................................................................................102

7.7. Síntese das idéias de O Príncipe....................................................................................................103

8. A DEFESA DAS IDÉIAS ABSOLUTISTAS....................................................................................106

8.1. O Leviatã: o deus mortal de Thomas Hobbes...............................................................................106

9. A DEFESA DAS IDÉIAS LIBERAIS...............................................................................................119

9.1. O liberalismo de Locke: o cidadão com direitos naturais............................................................119

9.2. O Estado democrático de Rousseau..............................................................................................125

9.3. A democracia moderna: filha do Estado Liberal..........................................................................127

9.4. A sociedade civil e o Estado............................................................................................................129

9.5. O direito à resistência: a tese de Hume.........................................................................................132


4

10. PARTICIPAÇÃO E INSTITUIÇÕES: O DEBATE DA TEORIA DEMOCRÁTICA


CONTEMPORÂNEA...........................................................................................................................136

10.1. Participacionistas e institucionalistas..........................................................................................136

10.2. Participação na obra A Democracia na América de Aléxis de Tocqueville...............................139

11. A DIFÍCIL CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL.......................................................144

11.1. Brasil colonial: ausência de direitos e de poder público.............................................................145


11.1.1 A “conquista” da terra brasilis................................................................................................146
11.1.2. A escravidão............................................................................................................................147
11.1.3. O analfabetismo.......................................................................................................................150

11.2. A Independência e a República no Brasil: participação incipiente...........................................151


11.2.1. Um Estado sem nação.............................................................................................................151
11.2.2. Uma República sem povo........................................................................................................153

11.3. Os vícios das instituições e da cultura política brasileira...........................................................154

11.4. Os direitos sociais emergem quando os direitos civis e políticos fenecem.................................158

12. VICISSITUDES DA POLÍTICA BRASILEIRA...........................................................................162

12.1. O caso Renan e a degeneração da política..................................................................................162

12.2. Maquiavel: o “Old Nick” anda solto!..........................................................................................164

12.3. (In) fidelidade partidária.............................................................................................................165

12.4. Reforma Política: entraves e perspectivas..................................................................................166

12.5. Seria o fim do petismo?................................................................................................................168

12.6. O lulismo é maior que o petismo..................................................................................................169

12.7. Para quê Reforma Agrária?.........................................................................................................171

12.8. Mais Estado e menos mercado.....................................................................................................174

12.9. O caráter individualista e pouco solidário do brasileiro............................................................176

12.10. O Capital Social: um ingrediente a ser considerado................................................................177


INTRODUÇÃO

O homem é, por natureza, “um animal social e político” (zoon politikon). “Aquele que
não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou é um
bruto (selvagem)”, são afirmações atribuídas ao filósofo grego Aristóteles e encontram-se na
obra A Política. Também é lapidar, neste sentido, a afirmação da filósofa Hannah Arendt, escrita
na obra A condição humana (1995, p. 31), enaltecendo o caráter social e político do homem:
“Nenhuma vida humana, nem mesmo a vida de um eremita em meio à natureza selvagem, é
possível sem um mundo que, direta ou indiretamente, testemunhe a presença de outros seres
humanos”. Essas citações significam afirmar que nenhum de nós é uma ilha, que necessitamos e
carecemos da presença do outro para a nossa realização e, mais ainda, toda ação do homem
depende, inexoravelmente, da presença de outros.

Seguindo o pensamento de Aristóteles, não basta a convivência em sociedade para


caracterizar nosso aspecto social e comunitário, pois desta forma também vivem as formigas e as
abelhas. Mas, então, o que pode nos diferenciar dos outros seres do mundo? Aristóteles aponta
para a conotação racional do homem, a utilização peculiar do pensamento (logos) para a
construção e transmissão do conhecimento. Diz o filósofo que “todos os homens têm o desejo de
saber”, pois só o homem conhece e tem consciência de si mesmo. 1 Além do aspecto racional, o
homem diferencia-se dos demais seres pelo senso ético (bem e mal, certo e errado), senso
estético (culto ao belo) e, o mais importante de todos, por viver na cidade (pólis), pela
politicidade (vida cívica).

O homem foi feito, assim, para a vida da cidade (bios politikós, derivado de pólis, a
comunidade política), ou seja, o fim último do homem é viver na pólis, onde se realiza como
cidadão (politai), manifestando, o termo de um processo de constituição de sua essência, a sua
natureza. Então, é próprio do homem não apenas viver em sociedade, mas viver na
“politicidade”. A verdadeira vida humana deve almejar a organização política, que é uma forma
superior e até oposta à simples vida do convívio social da casa (oikia) ou de comunidades mais
complexas. A partir da compreensão da natureza do homem, determinados aspectos da vida

1
Conferir Aristóteles (1969, I, 980a 1-2).
6

social adquirem um estatuto eminentemente político, tais como as noções de governo, de


dominação, de liberdade, de igualdade, do que é comum, do que é próprio.

Por fim, é possível perceber que a reflexão de Aristóteles sobre a política não se separa
da ética, pois a vida individual está imbricada na vida comunitária; esta é a razão pela qual os
indivíduos se reúnem em cidades (e formam comunidades políticas), não apenas para viverem
em comum, mas para viver “bem” ou para a “boa vida”. Portanto, o fim da cidade é não só
assegurar aos cidadãos a vida e sua conservação (zein), mas o viver bem (euzein), (PRÉLOT,
1973, Livro I. p. 135). Deste modo, a vida política se destina a garantir a qualidade e a perfeição
da vida. Para que isso aconteça, é necessário que os cidadãos vivam o bem comum, ou em
conjunto ou por intermédio dos seus governantes; se acontecer o contrário (a busca apenas do
interesse próprio), se dá a degeneração do Estado.

Este livro serve como uma introdução ao pensamento político ocidental. Pretende ser
um apanhado sobre os pensadores clássicos da filosofia e da ciência política. Expõe, de forma
sucinta, as teorias mais significativas sobre o tema em questão. Mesmo o leitor com pouco
contato com esta disciplina verificará que muitas discussões ocorridas, algumas há mais de dois
mil anos, ainda têm muito a ser aproveitar para se compreender a sociedade e o mundo
contemporâneo. Isso porque fazemos parte da cultura ocidental. Carregamos, ainda, muito das
civilizações passadas, principalmente dos gregos e romanos. Sem contar a contribuição de mais
de dois mil anos de religião cristã sobre nós.

O primeiro capítulo trata da questão do homem e das diferentes formas de


conhecimento: conhecimento empírico, mítico e religioso, filosófico-científico. Este capítulo
trata ainda das visões sociais de mundo: ideologia e utopia. Trata-se de um apanhado das formas
de conhecimento humano e, ainda, da concepção clássica de ideologia e utopia. Optou-se ligar o
tema ideologia a este capítulo para que se perceba que no ato de conhecer nos influenciamos por
nossos valores e outros interesses que, aparentemente, não fazem parte do objeto a ser
conhecido: interesses econômicos, políticos, etc. É um capítulo fundamental para a compreensão
das idéias e temas dos próximos capítulos.

O segundo capítulo discorre sobre as concepções gerais do Estado. Neste capítulo, o


leitor saberá da etimologia do termo e dos diferentes entendimentos sobre o Estado: seus
elementos, forma de poder, funções, além das relações de classes em seu interior. Há, também,
uma rápida exposição sobre os quatro paradigmas que justificam o Estado. O capítulo é uma
introdução às diversas teorias que justificam o Estado, dando ênfase a teoria contratualista, pois
seus autores serão estudados em capítulos posteriores.
7

No capítulo terceiro, o estudante conhecerá um pouco mais sobre a organização política


das sociedades primitivas. O capítulo inicia abordando uma teoria sobre o Estado primitivo
descreve, também, o Estado oriental e o papel da teocracia, as características do poder do Estado
Antigo. Importante destacar que a fundamentação teórica deste capítulo ampara-se, basicamente,
nos argumentos das Lições sobre a Filosofia da História do filósofo alemão G. W. Friedrich
Hegel.

O capítulo quarto trata do pensamento político da sociedade grega clássica. Nele


verificar-se-á a etimologia do termo política, além de uma melhor elucidação do conceito de
democracia. Por exemplo, a “democracia escravista” dos gregos. Há uma abordagem sobre a
origem da filosofia: pré-socráticos, Sócrates e os sofistas, Platão e Aristóteles. Este capítulo deve
ser bem compreendido para que se note a influência dessa civilização sobre o pensamento
ocidental e, também, como os gregos influenciaram os romanos, tema do capítulo seguinte.

O quinto capítulo versa sobre o pensamento político da sociedade romana. O leitor verá
que o lugar comum de que os romanos apenas assimilaram a cultura grega não se confirma. Os
romanos, por exemplo, deram grande contribuição ao direito moderno e à política moderna, além
dos grandes pensadores dessa sociedade. Com o declínio do Império Romano, o Ocidente vê
surgir o cristianismo primitivo.

O capítulo sexto tem por objetivo analisar o pensamento político da Idade Média. Se
perceberá a grande influência, nesse período, da Igreja em todos os setores da vida. Conhecerá,
também, um pouco do pensamento dos doutores da Igreja, principalmente Santo Agostinho,
como o autor da obra Cidade de Deus e Cidade dos Homens aproveitou e adaptou para o
pensamento cristão a teoria de Platão. O pensamento cristão só perderá influência no século XV,
com as pesquisas experimentais, principalmente de Copérnico e Galileu. Pensadores do período
renascentista.

No capítulo seguinte o tema é sobre o pensamento político no período renascentista. O


leitor compreenderá por que este período foi denominado de Renascimento, o que os pensadores
da época buscavam e contra o que “se levantaram”. O capítulo também trata da teoria de um dos
maiores pensadores políticos da história: Maquiavel. Compreenderá por que a teoria política é
dividida em antes e depois de Maquiavel. É importante lembrar que Maquiavel viveu num
período de reunificação dos Estados, sendo que ao florentino também interessava a união da
Itália, para que se tornasse um Estado forte.

O oitavo capítulo aborda o Estado absolutista moderno. Basicamente, é uma exposição


sobre o maior teórico do Estado absolutista: Tomas Hobbes. O que é o estado de natureza para
8

este pensador, por que Hobbes é um contratualista, qual a sua justificativa para o Estado.
Hobbes também viveu num período conturbado da Inglaterra, sua preocupação maior era com a
melhor forma de governo. O pensamento de Hobbes choca-se com a teoria liberal.

No capítulo nono o leitor verá os diferentes entendimentos sobre o liberalismo, quem


são seus maiores teóricos, quais as diferenças entre o pensamento de John Locke e de Rousseau.
Por que esses pensadores, à maneira de Hobbes, são chamados de contratualistas. O que
significa o estado de natureza para esses pensadores, o que entendem sobre sociedade civil. O
pensamento liberal é o que vai comandar a política moderna. Até hoje esses autores são
referências para o Estado moderno. Se perceberá a importância, por exemplo, do pensamento de
Rousseau para os debates sobre participação popular, democracia e cidadania.

O capítulo décimo analisa as diferenças entre duas escolas de pensamento, referentes à


democracia participativista e à democracia institucionalista. O leitor conhecerá os maiores
defensores dessas duas escolas de pensamento. Compreenderá por que esse tema tem muita
relevância para os debates atuais em torno da melhor forma de democracia.

O capítulo décimo primeiro aborda o tema da cidadania em relação ao nosso país.


Como o tema da cidadania foi tratado nos diferentes períodos da história do Brasil. Desde o
Brasil colônia, passando pela independência e república até os dias atuais. Há, também, uma
distinção entre direitos civis e direito sociais.

O último capítulo é um olhar crítico da política brasileira atual. O leitor acompanhará o


quadro político brasileiro, os políticos de hoje e seus comportamentos frente ao país. Temas
recorrentes, como: ética na política, fidelidade partidária, reforma política, partidos, presidente
da república, reforma agrária. Enfim, temas que não saem dos noticiários. Temas que, por mais
habituados que estejamos – e, talvez, por isso mesmo, pelo hábito –, não damos a devida
atenção.

Lembrando sempre que este livro serve de introdução ao tema da política: ao tratar da
questão do Estado, da Democracia e da Cidadania. Para quem desejar aprofundar mais o
conhecimento, pode recorrer à bibliografia disponível na última parte deste livro. Que a leitura
seja proveitosa não só para a formação acadêmica, mas que contribua para todos que se
interessam pelo tema da política: das origens ao debate atual.
1. O HOMEM, O CONHECIMENTO E A IDEOLOGIA

1.1. O conhecimento é próprio do homem

Já Aristóteles (Metafísica, I, 980a 1-2) expressava que “todos os homens têm o desejo
natural de conhecer”, que é próprio do homem a descoberta, a curiosidade sobre as coisas, faz
com que o mesmo se realize no mundo. O homem, como ser-no-mundo, difere-se dos demais
animais e das coisas pelo seu aspecto pensante: conhece e tem consciência de si mesmo. Ao
pensar desoculta, desvela o sentido das coisas, se aproxima da essência, do âmago, do ser das
coisas. Além de conhecer, o homem tem a capacidade de criar e inovar, por isso busca
incansavelmente o novo, possibilitando o progresso, com o avanço das ciências e das novas
tecnologias. Ontem, o homem vivia isolado nas cavernas sofrendo as mais variadas privações;
hoje, vive organizado em sociedade usufruindo comodidades, organizado politicamente, criando
e inovando tecnologias. E mais, avanços na aviação e na informação fazem do homem um ser
global: o mundo tornou-se uma pequena aldeia: um exemplo disso é a rede mundial de
computadores (Internet) que possibilitou a aproximação entre as pessoas das mais variadas partes
do mundo.1

É notório também que, com o passar do tempo, o homem foi acumulando


conhecimento. Sabemos hoje muito mais do que os nossos antepassados sabiam graças ao
espírito inovador do homem e ao seu espírito de conquista. Se o homem pensa, cria o
conhecimento, quer dizer que é capaz de pensar por si mesmo, em síntese: que pode decidir o seu
destino e os rumos da humanidade.

1
Este primeiro capítulo foi inspirado nas aulas do saudoso professor Dr. Dom Edmundo Luís Kunz, quando tive a
oportunidade de conhecê-lo e ser seu aluno na Faculdade de Filosofia Imaculada Conceição de Viamão (RS)
(primeiro semestre de 1988). Foi a última turma a que Dom Edmundo ministrou suas aulas. Logo após veio a falecer
no dia 12 de setembro do mesmo ano. Conferir, igualmente, Kunz (1986).
10

Pensar é buscar o âmago das coisas, é se apossar da essência do objeto, do ser (aquilo
que há de mais profundo). Para os filósofos gregos o ser era denominado de logos2, a alma das
coisas, o fundamento dos seres, o recolhimento do múltiplo na unidade.

Assim, o homem, desde o princípio se perguntou sobre as origens das coisas: de onde
vem tudo e qual o elemento comum que tudo constitui. Os gregos chamaram este princípio
fundamental de arché, princípio imperante de onde tudo nasce ou de que tudo vem a ser 3. No
entanto, nem sempre foi assim, pois houve épocas em que a busca da explicação para as origens
das coisas não se dava pela razão (logos). No princípio, as explicações para as questões naturais
(mundo) e existenciais da vida humana se davam pelas idéias religiosas ou por narrativas
mitológicas.

A passagem de um tipo de conhecimento para outro fez com que a imagem do homem
também passasse por transformações (uma mentalidade para outra). Essa mudança não se deu de
uma hora para outra. Longos foram os períodos de transformações, e mais, sempre
acompanhados por um processo intermitente de profunda crise. É uma mentalidade da
humanidade (civilização) que termina e outra que começa a surgir. E, nesse momento, surge a
crise, isto é, quando o homem perde o fundamento sem ter ainda encontrado algo que realmente
o sustente. É nesse momento de transição que a crise se estabelece e leva o homem a se
perguntar: assim como fez Santo Agostinho, logo após a queda do Império Romano: “Quid sum
ego” (Quem sou eu?) Esta questão leva o homem inexoravelmente a um novo paradigma, um
novo ser cheio de esperanças, pronto a consolidar uma nova mentalidade, uma nova civilização.

1.1.1. O conhecimento empírico

Sabemos que o conhecimento segue uma escada de diferentes degraus. O primeiro


desses degraus chama-se de conhecimento empírico ou, também, conhecimento ordinário. Essa
forma de conhecimento é proporcionada pela experiência ou o contato imediato de nossos
sentidos (audição, visão, percepção) com os seres individuais da realidade do mundo, contato
esse percebido e firmado pelo juízo e pela linguagem. Em síntese, o conhecimento empírico é o
conhecimento adquirido pelos indivíduos no dia-a-dia. É o acúmulo de conhecimento adquirido
pelas práticas da vida, pela experiência da vida.

2
Conferir o trabalho de Abbagnano (2003, p. 630).
3
Conferir a obra clássica de Gaarder (1995, p. 45-60).
11

Por milhares de anos o homem se pautou por essa forma de conhecimento. O homem
de outrora carecia de informações mais apuradas (conhecimento filosófico ou científico), por
isso recorria à experiência dos mais velhos para solucionar questões de ordem natural ou
existencial. Dentro da comunidade, os homens mais velhos detinham o saber, sendo por isso
mesmo respeitado e valorizado. Por essa razão hoje costumamos dizer: “vivendo e aprendendo”,
“Fulano ou Beltrano é um homem de experiência”, “a experiência é a mestra da vida”, o que
caracteriza esta forma de conhecimento.

O conhecimento empírico apresenta algumas características que lhe são próprias.


Inicialmente, é um conhecimento acima de tudo pragmático: brota das necessidades e dos
interesses da vida; conhecemos aquilo de que temos necessidade para viver: conhecer para viver
e não conhecer por conhecer. Segundo, é um conhecimento individual – não universal – que vale
rigorosamente só para casos vividos. Por exemplo: se uma determinada erva “curou” as dores de
fígado ou estômago de Maria ou Pedro, não significa que os resultados sejam alcançados de
maneira geral e universal e possam curar os males hepáticos e estomacais de toda a humanidade.
Terceiro, é um conhecimento trazido pela vida e não buscado intencionalmente, como o
conhecimento científico; por isso, é um conhecimento alógico, ametódico, desordenado,
assistemático e acrítico. Por fim, pode-se afirmar que o conhecimento empírico se fundamenta
no senso comum, que consiste na apreensão de certos princípios e verdades por todos que
possuem uma natureza racional normal, pois brota espontaneamente da natureza de todos os
homens: são princípios ou verdades “sentidos” como evidentes.

1.1.2. O homem da palavra sagrada

O mistério sempre cercou o homem e o conhecimento empírico (da experiência da


vida) não conseguiu responder às questões ligadas à origem e ao destino das coisas e da
humanidade. A grande questão era: qual é o sentido da vida humana e da natureza? É assim que
surge o homem da palavra sagrada (homem religioso), aquele que recorre ao sobrenatural para
explicar os fatos da vida, do quotidiano. No decorrer da história humana, a religião sempre teve
um papel fundamental, pois ditou regras morais, estabeleceu juízos de valor (bem e mal),
“salvou” e “condenou” os hereges, enfim, foi capaz de determinar o caminho a ser seguido,
segundo os critérios das elites hierárquicas de cada instituição religiosa. Foi assim nas
sociedades primitivas com o comando dos sacerdotes (xamã), da mesma forma nas sociedades
teocráticas orientais (povos da Babilônia), no Egito, e no povo hebreu. O panteísmo
12

antropomórfico dos gregos e romanos (deuses imortais) não deixava de influenciar e interferir
diretamente na vida dos homens (considerados mortais). Por fim, a instituição da Igreja Católica
Apostólica Romana (cristianismo), bem como outras grandes religiões do mundo (hinduísmo,
maoísmo, islamismo) cumprem fielmente a conotação da dominação e controle das mentes e
corações de boa parte dos seres humanos. Diante disso questiona:-se: Poderia o homem
prescindir do aspecto sagrado? A fé advém do temor (medo)? Como podemos explicar tais fatos?

1.1.3. O homem do pensamento mitológico

O mito não é apenas uma história fantasiosa, ou uma narração fictícia. O mito pode
consistir em uma história que traz consigo um fundo de verdade, uma mensagem. Quase sempre
é imbuída de um princípio de valor de cunho ético, cujo objetivo é reger e manter uma
comunidade unida e organizada. O mito, neste sentido, é buscado pela reflexão, para chegar ao
conhecimento.4 Platão utilizou esse recurso na célebre passagem da República, na alegoria da
caverna, onde o referido filósofo fez uma clara distinção entre o mundo sensível (mundo real) e o
mundo inteligível (mundo ideal). Os gregos, por muito tempo se utilizaram da prerrogativa
mitológica, os mais eminentes dramaturgos foram Sófocles e Eurípedes que escreveram Édipo
rei, Sísifo, Prometeu acorrentado, entre outros.

1.1.4. O mito nosso de cada dia

O mito é histórico5. Resultado de uma criação coletiva da própria sociedade, os


homens, desde os primórdios, o tem utilizado para explicar o enigmático, o desconhecido. O
mito serviu e ainda serve para abrandar e acalmar os temores da existência humana. Ele traz
consigo uma resposta e, também, uma esperança para os problemas da vida. No entanto, pode
conduzir, ditar valores e comportamentos em uma sociedade. Assim, o mito não é mera ilusão ou
fantasia, ele precisa ser examinado, desafiado e refletido. Só a reflexão pode explicar o mundo e
entender a vida. Ao contrário, crenças e estereótipos, costumes e hábitos passarão a ser
considerados naturais, aceitos e justificados como algo imutável ou incontestável.

4
Para um estudo mais aprofundado sobre o mito, ver Vernant (1973).
5
Ver o trabalho de Campbell (1990).
13

Como veremos nos capítulos posteriores, a modernidade emergiu da superação do mito


religioso medieval (razão teológica), para o mito da razão instrumental. A razão desvelou e
transformou o mundo. O homem passou da “idade das trevas” para a “idade das luzes”, do
pensamento único, para o pensamento diverso, plural e múltiplo. A razão impulsionou o
pensamento científico e, este, a técnica e o progresso.

O homem moderno acreditou que a ciência poderia resolver todos os problemas da


humanidade. Tornou-se um mito a salvação pela ciência e pela tecnologia6. Entretanto, a
promessa não pôde ser cumprida. O certo é que as conquistas modernas passam, em nossos dias,
por um esgotamento e uma crise acentuada. O conceito de progresso passa a ser questionado na
medida em que, por um lado, avançamos, por outro, pagamos um alto preço pelo consumo de
boa parte dos recursos minerais e naturais, além da degradação do meio ambiente. Vive-se como
se esta fosse a última geração a habitar o planeta Terra. O progresso fugiu do controle. A ciência
que emancipou o homem pode destruí-lo a qualquer momento: o perigo nuclear é iminente. Além
disso, o progresso veio para uma pequena parcela da população na medida em que cresce, a cada
dia, o abismo entre ricos e pobres.

O mundo tornou-se uma “aldeia global” (comunidade única), graças às novas


tecnologias da informática (GONÇALVES; GONÇALVES, 1995). No entanto, os homens vêem-
se cada vez mais isolados, fragmentados, órfãos de esperanças. Não se tem um projeto de
“Comunidade” (projetos comuns). Vive-se, literalmente, em uma sociedade sem consenso. As
soluções tendem a ser individualizadas (pessoas, instituições, países), como se o problema
também fosse localizado e particularizado. Prevalece o individual em detrimento do coletivo.
Com o ceticismo em relação à ciência e ao progresso, o homem pós-moderno procura preencher
o vazio com novos mitos.

Apesar de todo o avanço dos últimos séculos, vê-se aumentar a angústia, a ansiedade e a
insegurança, juntamente com inúmeras perguntas que carecem de respostas convincentes.
Ninguém pode fugir do peso da própria existência humana. Para tentar preencher este vazio
surge, a cada dia, uma nova droga, uma nova crença, seita religiosa, ou, uma nova terapia que
promete a “salvação” ou “solução” dos problemas espirituais e existenciais de uma forma rápida
e segura.

Nunca as clínicas médicas de cirurgia plástica tiveram tanta procura. Lutando contra a
natureza, ou contra a lei da gravidade, milhares de pessoas estão na lista de espera por uma
cirurgia que lhes faça sentir melhor (mais jovem), ou parecer com aquela modelo ou atriz

6
Conferir Horkheimer (1976).
14

famosa. Se os meus heróis são belos, tenho que parecer com eles, por isso a padronização de
narizes, seios e bumbuns. O ser da pessoa foi substituído pelo “aparecer”, pois a “imagem é
tudo”. Por isso, “todos para a academia”. Não para formar e moldar o cérebro e a razão, como
faziam os gregos (embora também cultuassem o corpo belo), mas, para malhar e moldar os
músculos. O que importa é a massa muscular, um corpo turbinado em detrimento dos neurônios.

Ao comprar objetos e bens supérfluos, espera-se comprar a própria felicidade.


Precisamos de uma nova roupa, um novo carro, uma nova casa. Quando não podemos consumir
nos sentimos fracassados e inúteis. Paga-se caro pelo lazer, mas, sem jamais descansar. O que
importa é o hedonismo (prazer a qualquer custo), curtir a vida o máximo possível, pois, só temos
o “hoje”, o amanhã é uma incógnita.7

Urge, então, a construção de um novo paradigma que restabeleça as relações entre os


homens, com a natureza e com o próprio universo. Não uma razão mitológica, nem mesmo uma
razão instrumental individualizada. É possível uma nova razão que se possa definir para além
dos mitos e da instrumentalidade? O desafio está lançado.

1.1.5. O homem do pensamento filosófico

Como vimos na seção anterior, no princípio a humanidade se amparou no


conhecimento mitológico para explicar as origens das coisas. No entanto, aos poucos o homem
evoluiu e com ele evoluiu o nível de conhecimento: do conhecimento empírico, para o
conhecimento da palavra sagrada, juntamente com o conhecimento mitológico. Mais tarde, surge
o homem do conhecimento filosófico: aquele que procura explicar os fatos com argumentos
lógicos, utilizando a razão como princípio fundamental, procurando desvelar o ser alethéia (des-
ocultação - desvelamento). Foi o filósofo grego Tales de Mileto quem primeiro buscou elementos
racionais para explicar a realidade cósmica. Tales, assim como Pitágoras, Anaxímines,
Anaximandro, integram o grupo de filósofos denominados de pré-socráticos que procuravam
explicar questões cosmológicas a partir dos elementos da natureza (água, fogo, ar, átomo)8.

Surge, deste modo, o homem do pensamento filosófico, com características


diferenciadas dos demais tipos de conhecimento. O homem racional (filosófico) tem, primeiro,
7
“Vivemos presos ao imediato. À Medida em que o homem mais desconhece a razão de ser de sua vida, tanto mais
ele se agarra às pequeninas coisas do cotidiano. Tanto menos ele conhece o sentido de sua vida, e mais é tomado de
uma angústia e paixão, que deixam a impressão de uma pressa de chegar sem que ele saiba onde” (MENDONÇA,
1991, p. 17).
8
Conferir Barnes (1997) e Os Pensadores (1999).
15

uma visão da realidade a partir de si mesmo (autônoma), desvinculada do conhecimento


transmitido pela tradição e baseado nas crenças e mitos; segundo, um conhecimento que
desoculta, desvela, busca a essência (arché); terceiro, uma visão de totalidade (não parcial) que
atinge a todos os homens e não a uns em particular. Ou é uma verdade universal ou não é
verdade (assim pensavam e se defendiam do relativismo dos sofistas). O debate do conhecimento
filosófico se fará presente nos capítulos que seguem deste trabalho. Por hora, ainda é pertinente
discutir dois temas que integram as visões sociais de mundo dos nossos tempos: a questão da
ideologia e da utopia.

1.2. Visões sociais de mundo

1.2.1. A ideologia e a utopia

De compreensão diversa e muitas vezes arbitrária e complexa, a palavra ideologia foi


literalmente inventada por Destutt de Tracy em (1801) na obra Eléments d’Idéologie (Elementos
de ideologia), e definida como “o estudo científico das idéias e as idéias são o resultado da
interação entre o organismo vivo e a natureza, o meio ambiente”, ou seja, uma parte da zoologia.
Essa primeira definição foi classificada como empirista e científico-naturalista, isto é, positivista
(Apud LÖWY, 1998, p. 10).

Mais tarde o filósofo Karl Marx, na obra A ideologia alemã (1846), retoma o termo,
definindo-o, em sentido pejorativo, como “ilusão ou falsa consciência”, correspondendo a
interesses de classe. A ideologia se constitui, assim, como processo de inversão que apresenta o
imaginário como se fosse um ente real, num processo de coisificação do ser humano. A “falsa
consciência” é a estrutura reificada da qual predomina o pensamento burguês. O proletariado é
contaminado por elementos da consciência burguesa reificada, tal como se evidencia em sua
separação entre luta econômica e luta política (Apud McDONOUGH, 1983, p. 53). É necessário,
portanto, ultrapassar a falsa consciência para chegar à consciência de classe. 9 O difícil é “matar”
o pequeno burguês que existe dentro de cada trabalhador, dentro de cada um de nós.

9
A ideologia no sentido pejorativo esteve sempre ligada às idéias de que serviria para obscurecer a verdade e
manipular as pessoas através do engano. Neste sentido, a ideologia quase sempre leva à defesa do status quo,
(OUTHWAITE, W.; BOTTOMORE, T., 1996, p. 371).
16

Ainda para Marx, “as idéias da classe dominante são em todas as épocas as idéias
dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é ao mesmo tempo a
força ideológica dominante” (Apud HALL, 1983, p. 64).

Na tradição da herança marxista, a ideologia designa o conjunto de concepções de


mundo ligadas às classes sociais: “luta ideológica”, “ideologia revolucionária”, “formação
ideológica” são exemplos de entendimento dos significados de ideologia. Por exemplo, para
Lênin a ideologia estava vinculada aos interesses de classe, seja ela burguesa ou proletária
(LÖWY, 1998, p. 10).

Já para Gramsci a ideologia pode ser reduzida a “concepções de vida”, filosofias,


concepções de mundo, sistemas de pensamento, formas de consciência e senso comum. Para o
filósofo italiano, a função da ideologia é aglutinar as classes: “A ideologia contribui para
‘cimentar e unificar’ o bloco social”. A ideologia é vista principalmente como ‘cimento’ que
aglutina a estrutura (na qual a luta de classes tem lugar) e o domínio das superestruturas
complexas (HALL, 1983, p. 71). Em outras palavras, a ideologia, para Gramsci, é a acumulação
de ‘conhecimentos’ populares e as maneiras de ocupar-se com a vida cotidiana – o que ele chama
de ‘senso comum’ (HALL, 1983, p. 65).

Para Althusser (1987), outro pensador marxista, a ideologia está institucionalizada em


aparelhos que servem diretamente aos interesses da classe dominante e da supremacia do Estado
capitalista, a quem o autor chamou de Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE). Esses aparelhos
ou instituições se utilizam das idéias e da persuasão (arte do convencimento ou da famosa
“cantada”) para alcançar os seus objetivos, isto é, produzir o consenso e o entendimento entre as
classes sociais e legitimar a ordem existente. Podem observar muitas instituições que são
encarregadas pelo sistema de reproduzir as idéias dominantes, entre elas, a família (hierarquia e
disciplina); a escola (elitismo, individualismo e competição); a Universidade (visão
mercadológica do saber); os Meios de Comunicação Sociais (MCS) dentre os quais, a televisão,
o rádio, o jornal, as revistas (a propaganda, o consumo, o supérfluo, o culto à imagem, a
sociedade do espetáculo, o efêmero, a mediocridade, a futilidade, o descartável; a religião:
distorção do real e aprisionamento das mentes; o direito: os tribunais, os sindicatos.). Além dos
recursos da persuasão, Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), o poder dominante detém, ainda,
o poder da coerção, da força e da violência. Essas instituições são chamadas de Aparelhos
Repressivos de Estado (ARE), prestando, com seu aparato logístico e bélico, todo apoio
necessário em caso de convulsão social. Pode-se citar as Forças Armadas (Exército, Marinha,
17

Aeronáutica), bem como os diferentes tipos de polícia que existem para defender a propriedade
privada ou os interesses dos poderosos capitalistas.

Na obra Ideologia e utopia (1929) Mannheim, segue a concepção de ideologia de forma


semelhante a forma que Lênin, porém, o autor restringe o conceito definindo como “os sistemas
de representação que se orientam na direção da estabilização e da reprodução da ordem vigente”.
Em outras palavras, para ele, a ideologia é o conjunto das concepções, idéias, representações,
teorias, que se orientam para a estabilização, legitimação ou ainda reprodução da ordem
estabelecida. Ou seja, são todas aquelas doutrinas que têm certo caráter conservador no sentido
amplo da palavra. Que consciente, inconsciente, voluntária ou involuntariamente servem à
manutenção da ordem estabelecida.

Diferentemente da ideologia, Mannheim define utopia como aquela que define as


representações, aspirações e imagens-de-desejo que se orientam na direção da ruptura da ordem
estabelecida e que exercem uma função subversiva (Apud LÖWY, 1998, p. 11).

Michael Löwy, na obra Ideologias e Ciências Sociais, assim diferencia as visões sociais
de mundo:

Utópicas Ideológicas
Visões
sociais de
mundo

Quando legitimam, justificam,


defendem e mantêm a ordem
Quando têm uma função crítica, social do mundo.
negativa, subversiva, quando apontam
para uma realidade ainda não existente
(LÖWY, Apud CORRÊA, p. 23).

Para Bourdieu, as diferentes classes sociais estão envolvidas numa luta propriamente
simbólica para imporem a definição do mundo social mais conforme aos seus interesses... As
ideologias (...), produto coletivo e coletivamente apropriado, servem a interesses universais,
comuns ao conjunto do grupo (Apud Corrêa, 1999, p. 28).

Pode-se dizer que a ideologia é o instrumento de manipulação das massas populares,


objetivando a manutenção da ordem social vigente defendendo os interesses particulares de
18

grupos e classes dominantes. Ou seja, a ideologia é a ocultação da realidade, ou, como diz Warrat
(Apud CORRÊA, 1999, p. 29), a ideologia é a coerção da persuasão.

Por fim, a palavra utopia vem da etimologia grega topos = lugar + eu/ou (em parte
alguma - espaço que não existe). Sem lugar, lugar inexistente, ainda não existente, mas que pode
vir a existir10. Thomas Morus: A Utopia (1516). Já nos séculos XVIII e XIX surgem os filósofos
utópicos: Charles Fourier, Saint-Simon, Etiénne Cabet. No século XX, para Mannheim e Bloch,
a utopia passa a ser vista como forças subversivas e transformadoras da ordem histórico-social
existente (p. 30). Bloch: O princípio da Esperança. (Sonhos diurnos). Huxley: Admirável
Mundo Novo. Para Löwy e Herkennhoff, a utopia é a representação daquilo que não existe ainda,
mas que poderá existir se o homem lutar para a sua concretização. A utopia é o grande motor das
revoluções.

Este capítulo discorreu sobre as diferentes formas de conhecimento, além das visões
sociais de mundo. O importante é perceber como os valores e interesses desempenham funções
chaves no ato de conhecer. É de fundamental importância a assimilação deste capítulo para a
compreensão dos capítulos seguintes.

10
Ver Os Pensadores (1999), especialmente o capítulo Utopia: a arte de cultivar sonhos?
2. CONCEPÇÕES GERAIS SOBRE O ESTADO

2.1. Etimologia da palavra Estado

De pólis advém o conceito de política, que é a ciência/arte de governar a cidade. Para


os romanos, a civitas ou res pública é chamada de status, que significa situação ou condição. Na
modernidade, o Estado surgirá com instituição que conhecemos atualmente: para o francês,
Estado será État, Staat para o alemão, Stato para o italiano, e Estado para o espanhol e para o
português.

A denominação etimológica de Estado feita por Dallari (1995, p. 43) é que a palavra
tem origem latina, status, que significa estar firme, denotando situação permanente de
convivência e ligada à sociedade política, aparecendo pela primeira vez em O Príncipe, de
Maquiavel, escrito em 1513. Portanto, o conceito de Estado, na forma que entendemos hoje, é
recente, uma definição moderna. Nem sempre o Estado, do modo que conhecemos hoje, existiu.
Foi apenas no início da Idade Moderna (séculos XVI-XVII) que ele tornou-se uma realidade.
França, Inglaterra, Espanha e Portugal foram os primeiros Estados a se unificarem. 1 Maquiavel,
na obra O Príncipe (1513), inicia a discussão teórica sobre o Estado: “Todos os Estados, todos os
governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou
principados”.2 No entanto, isso não significa que antes da formação do Estado moderno não
existissem outras formas de governo e de poder.

1
Segundo Schwartzman (1970), Portugal em 1600 já era Estado absoluto.
2
Conferir a obra O Príncipe, de Maquiavel (1983), principalmente o Capítulo I De quantas espécies são os
principados e de que modos se adquirem.
20

2.2. Diferentes entendimentos sobre o Estado

Entende-se o Estado como sendo um corpo de pessoas (unido por laços sociais)
vivendo em um determinado território, organizado politicamente, estando subordinado à
autoridade de um governo (poder jurídico e de coerção), capaz de garantir a soberania e o bem
comum.

Para Azambuja (1971), o Estado é uma sociedade que se constitui essencialmente de


um grupo de indivíduos unidos e organizados, permanentemente, para realizar um objetivo
comum. Essa sociedade política é determinada por normas de direito positivo, é hierarquizada na
forma de governantes e governados e tem como finalidade o bem público.

O Estado emerge na tentativa de superar o instinto natural do homem e implantar


definitivamente a sociedade política. Na visão de Azambuja, o instinto social leva ao Estado, que
a razão e a vontade criam e organizam (1971, p. 3). 3 O Estado, então, é uma criação artificial do
homem. O homem, desde seu nascimento, encontra-se submetido à tutela do Estado. Mesmo
contra a sua própria vontade, o homem é obrigado a seguir os ditames do Estado, razão pela qual
“da tutela do Estado o homem não se emancipa jamais” (p. 3). Se acaso o homem transgredir as
vontades do Estado, ou não acatá-las, sofrerá as sanções de tal procedimento. O Estado impõe
pesados impostos, obriga ao serviço militar (sacrificar a vida em uma guerra, “morrer pela
pátria”), impõe a lei mesmo contra a vontade dos cidadãos: “O Estado aparece, assim, aos
indivíduos e à sociedade, como um poder de mando, como governo e dominação. O aspecto
coativo e a generalidade é que distinguem as normas por ele editadas, suas decisões obrigam a
todos os que habitam o seu território” (p. 5). Por fim, Azambuja sintetiza a sua noção de Estado,
como “a organização político-jurídica de uma sociedade para realizar o bem público, com
governo próprio e território determinado”.

Os termos Nação e Estado, também são tratados por Euzébio Queiroz Lima (1957).
Para Queiroz Lima o “Estado é uma nação organizada”. O referido autor ao iniciar sua obra,
começa pela definição do termo nação, entendendo-o como um conceito vasto e como a mais
complexa das formas por que as sociedades humanas se apresentam (1957, p. 2). O que antecede
a nação é uma ordem civil, não existe nacionalidade onde não existir ordenamento civil. O
conceito de nacionalidade, em Queiroz, fica subentendido nos conceitos apresentados pelo
mesmo nas afirmações de outros escritores. Assim, Queiroz Lima cita H. Hauriou, que entende o

3
“Assim, a causa primária da sociedade política reside na natureza humana, racional e perfectível” (AZAMBUJA,
1971, p. 3).
21

termo nação “como uma população fixada no solo, na qual um laço de parentesco espiritual
desenvolve o pensamento da unidade do grupamento”. Cita, igualmente, o conceito de nação,
segundo o entendimento de Jellinek: “quando um grande número de homens adquire a
consciência de que existe entre eles um conjunto de comuns de civilização, e que esses
elementos lhe são próprios (...). O conceito de nação é essencialmente subjetivo, é resultante de
um certo estado de consciência” (1957, p. 4).

O conceito de Estado, em Queiroz Lima, está ligado diretamente com a organização


política, onde as condições físicas, biológicas, psicológicas, econômicas, intelectuais, morais e
jurídicas giram em torno de um governo que administra sob o poder de coação uma autoridade
que provém do uso incontido da força. Queiroz Lima entende que o Estado está igualmente
ligado ao direito, ou melhor: o Estado está a serviço do direito.

Outro autor a definir o Estado é Sahid Maluf (1995). Para Ele, não existe uma definição
única de Estado. Há vários autores, cada um com uma concepção ou doutrina diferente. Para
Maluf o “Estado é o órgão executor da soberania nacional (...) O Estado é apenas uma instituição
nacional, um meio destinado à realização dos fins da comunidade nacional...” (1995, p. 11).
Ainda segundo Maluf (1995, p. 19-22), o Estado é entendido ainda como a sociedade política
necessária, dotada de um governo soberano, a exercer seu poder sobre uma população, dentro de
um território bem definido, onde cria, executa e aplica seu ordenamento jurídico, visando o bem
comum.

Já para José Geraldo Filomeno (1997), o Estado é um tipo especial de sociedade, sendo
fundamental analisá-lo nos aspectos sociológico, político e jurídico. Com vistas a explicar sua
origem, estrutura, evolução, fundamentos e fins: “o Estado é um ser social e, portanto único,
embora complexo e não simples, em atenção aos diversos aspectos que apresente: método
científico, método filosófico, método histórico e método jurídico” (PEREZ Apud FILOMENO,
1997, p. 17). O Estado deve estar a serviço do homem: o Estado “é mero instrumento para a
realização do homem, tendo em vista sua fragilidade e impossibilidade de bastar-se a si mesmo”
(1997, p. 18).

Aderson Menezes (1996) diz que o Estado é uma sociedade de homens, fixada em
território próprio e submetida a um governo que lhe é originário: “O Estado é uma pessoa
politicamente organizada da nação em um país determinado”.

Michael Mann (1992, p. 167) define o Estado como sendo constituído de quatro
elementos fundamentais: o Estado é um conjunto diferenciado de instituições e funcionários,
expressando centralidade, no sentido de que as relações políticas se irradiam de um centro para
22

cobrir uma área demarcada territorialmente, sobre a qual ele exerce um monopólio do
estabelecimento de leis autoritariamente obrigatórias, sustentado pelo monopólio dos meios de
violência física. Tal posição encontra sustentação a partir de uma visão mista, a qual foi referida
originalmente por Max Weber. Parte-se do princípio que o Estado é um conjunto de instituições
decorrentes do desenvolvimento de desigualdades sociais quanto ao exercício do poder de
decisão e mando. É classicamente identificado com a idéia de soberano.

A idéia de Estado advém do desenvolvimento das formas de governo como resultante


das diversas maneiras de dividir o poder entre governantes e governados. O Estado é um
conjunto de instituições especializadas em expressar um dado equilíbrio e uma condensação de
forças favoráveis a um grupo e/ou uma classe social. Ele assegura a unidade de qualquer
sociedade dividida em interesses, particularmente de classes, mas também estamentais, pois
garante o monopólio (centralizado ou descentralizado) do uso da força nas mãos do grupo, da
classe ou do estamento dominante.

2.3. Os elementos do Estado

Fazem parte do Estado, segundo a concepção de Azambuja (1971), três elementos


fundamentais: uma população, um território, um governo independente, ou quase, dos demais
Estados. Cada elemento é essencial, “não pode existir Estado sem um deles” (p. 18). Da mesma
forma Azambuja define os conceitos povo e nação como sendo integrantes de uma população de
um Estado. Povo é, segundo o autor, o grupo humano encarado na sua integração, numa ordem
estatal determinada, é o conjunto de indivíduos sujeitos às mesmas leis. O elemento humano do
Estado é sempre um povo, ainda que com ideais e aspirações diferentes. Já o conceito de nação é
entendido como “indivíduos que se sentem unidos pela origem comum, pelos interesses comuns
e, principalmente, por ideais e aspirações comuns” (p. 19). O povo é uma entidade jurídica,
nação é uma entidade moral, é uma comunidade de consciências unidas por um sentimento
comum. O patriotismo é citado por Azambuja como exemplo. Os conceitos de raça, língua e
religião são conceitos coadjuvantes, não constituem a característica fundamental da nação, mas o
que une um povo até constituir uma nação é a identidade de história e de tradição, onde o
passado comum é condição indispensável para a formação nacional (p. 22). Uma definição de
Mancini, professor de Direito Internacional de Turin, em 1851, conceituou o termo nação da
seguinte forma: “Nação é uma sociedade natural de um homem, na qual a unidade de território
23

de origem, de costumes, de língua e a comunhão de vida criara a consciência social” (Apud


AZAMBUJA, 1971, p. 22).

Considerando ainda outros comentadores pode-se citar, de forma resumida, quatro


elementos do Estado.4

O primeiro elemento do Estado é a População. Ela representa a massa total dos


indivíduos que vivem dentro dos limites territoriais de um país, incluindo os nacionais e os não-
nacionais. É importante que a população de um determinado Estado torne-se uma nação. Por
nação entende-se o conjunto homogêneo de pessoas ligadas entre si por vínculos permanentes de
sangue, idioma, religião, cultura e ideais – ou um grupo de indivíduos que se sentem unidos pela
origem comum, pelos interesses comuns e, principalmente, por ideais e aspirações comuns.
Exemplos de nações que não constituem um Estado: na Espanha, catalaneses (Cataluña), os
judeus até 1948 não haviam constituído um Estado, os bascos na França, Espanha e Irlanda (ETA
- Pátria Basca e Liberdade) procuram formar um Estado: os eslavos, sérvios, albaneses e croatas
– Guerra da Bósnia (bálcãs), gregos e turvos (Chipre), os curdos, muçulmanos (há no mundo
cerca 1,3 bilhão de muçulmanos, que formam a maioria da população ou minorias significativas
em quase 60 países. A Organização da Conferência Islâmica, que pretende "assegurar o
progresso e o bem-estar de todos os muçulmanos do mundo", tem 57 países – membros). Por fim
é possível afirmar que não existe Estado sem nação, mas há muitas nações que não constituem
um Estado.

O segundo elemento do Estado é o Território. O Território é a base física propriamente


dita, o âmbito geográfico da nação, onde ocorre a validade da sua origem jurídica. Também não
existe Estado sem Território. Integram o Território: o solo, o subsolo, o espaço aéreo, as
embaixadas, os navios e aviões de uso comercial ou civil e o mar territorial (200 milhas), no caso
brasileiro. Azambuja cita o povo judeu como um exemplo de povo que até há pouco tempo era
uma nação, mas não consistia ainda um Estado, por faltar-lhe um território. Somente em 1948
formou-se o Estado de Israel, da mesma forma os nômades, os ciganos, por exemplo.

O terceiro elemento é o Governo. Por Governo entendemos a instituição (de caráter


temporário) responsável para a efetivação de políticas públicas. O Governo pode estar nas mãos
de um partido mais à esquerda, centro ou direita, nas mãos de líderes religiosos, chefes tribais ou
soldados com armas. O Governo é uma das mais antigas invenções humanas. Para isso sempre

4
Para Maluf, os elementos que constituem o Estado são os materiais, compostos pela população e território; os
elementos formais, constituídos por um governo soberano (poder) e um ordenamento jurídico; e o elemento final, o
bem comum (1995, p. 23).
24

nos voltamos para as primeiras civilizações orientais da Babilônia, Síria e do Egito (6 mil anos
atrás...). O Governo é, positivamente, o conjunto das funções necessárias à manutenção da ordem
jurídica e da administração pública.

Como formas de Governo, podemos citar o Unitário: governo centralizado, no mundo


em mais de 50 Estados. A Grã-Bretanha é um exemplo de Estado unitário. O Estado
Democrático/Federal é quando o poder do governo é dividido entre um governo central e vários
governos locais (divisão de poderes). Exemplo: Estados Unidos (e seus 50 Estados), Austrália,
Canadá, México, Alemanha, Índia, Brasil. Temos ainda Governos Confederados: que formam
uma aliança de Estados independentes. O órgão central do Governo Confederado tem o poder de
tomar decisões pelos demais. A Comunidade dos Estados Independentes, como os extintos em
1991 após a queda da União Soviética, é um exemplo de Confederação.

Podemos citar como Sistemas de Governo o Presidencialista e Parlamentarista. O


Presidencialismo está intimamente ligado à separação de poderes: Executivo, Legislativo e
Judiciário (agindo de forma independente). O presidente é o chefe maior. Já no Sistema
Parlamentarista, o chefe maior é o Primeiro Ministro. O Primeiro Ministro é escolhido do partido
majoritário ou da coalizão de partidos que fizeram maior número de acentos no parlamento.

Por fim, temos último elemento do Estado denominado de Soberania. Por soberania
entende-se, segundo Pinto (1975), “a capacidade de impor a vontade própria, em última
instância, para a realização do direito justo”. Em outras palavras, a soberania significa
autonomia, sem intervenções externas. A soberania é a forma suprema de poder: é o poder
incontestável e incontrastável que o Estado tem de, dentro de seu território e sobre uma
população, criar, executar e aplicar o seu ordenamento jurídico visando o bem comum.

2.4. O Estado e o poder

O Estado, sede do poder, torna-se palco de lutas políticas. Pelo fato de aqueles que
estão no poder gozarem de legitimidade, a oposição às vezes se encontra na alternativa de aceitar
os procedimentos autorizados pelo aparelho do Estado ou de se arriscar a uma prova de força.

Nunca tivemos na história um Estado que interviesse tanto no quotidiano pessoal do


indivíduo como na atualidade. Michael Mann (1992, p. 169) descreve que
25

...o Estado pode avaliar e taxar nossa renda e riqueza na fonte, sem o nosso consentimento
ou o de nossos próximos ou parentes (o que o Estado, antes de 1850, nunca fora capaz de
fazer); ele estoca e pode usar imediatamente uma maciça quantidade de informações
sobre cada um de nós; pode fazer cumprir a sua vontade no mesmo dia em quase todos os
lugares sob o seu domínio; sua influência sobre a economia global é enorme; ele até provê
diretamente a subsistência da maioria de nós (via os empregos que oferece, as pensões
previdenciárias, etc.).

O Estado atual penetra na vida cotidiana mais do que qualquer Estado histórico. Seu
poder infra-estrutural cresceu enormemente. Não há um lugar para se esconder do alcance infra-
estrutural do Estado moderno, conclui o autor. Pode-se levantar um questionamento a partir
dessas afirmações: mas afinal, quem controla esses Estados? Mann afirma que é “uma elite
estatal autônoma”.

Mann (1992, p. 168-169) enumera duas características do poder do Estado. A primeira


seria o poder despótico da elite estatal. O autor apresenta o exemplo do Imperador chinês, que,
como filho do Sol, “possuía” a totalidade da China e podia fazer o que desejasse com qualquer
indivíduo ou grupo dentro de seu domínio. O Imperador romano, apenas um “deus” menor,
adquiriu poderes que, em princípio, também eram ilimitados fora da área restrita de afazeres
nominalmente controlada pelo Senado.

Alguns monarcas do início da Europa moderna também reivindicaram poderes


absolutos, divinamente derivados (embora eles próprios não fossem divinos).

Em contrapartida, o poder infra-estrutural – segunda característica do poder estatal – “é


a capacidade do Estado de realmente penetrar a sociedade civil e de implantar logisticamente as
decisões políticas por todo o seu domínio” (1992, p. 168-169). A existência do Estado, que
fundamenta a legitimidade e garante a continuidade do poder, é também a condição para que
possa afirmar-se a superioridade da competência dos governantes.

Com o nascimento da propriedade individual, nasce a divisão do trabalho, a sociedade


se divide em classes, com a dos proprietários e a dos que nada têm. Dessa divisão nasce o poder
político, o Estado, cuja função é essencialmente a de manter o domínio de uma classe sobre
outra, recorrendo, inclusive, à força e, assim, a de impedir que a sociedade dividida em classes se
transforme num estado de permanente anarquia. Mann apresenta três formas de poder: o
econômico – os que detêm a riqueza; o ideológico – os que se apossam do saber e o político – os
que têm a força.

O poder econômico é aquele que se vale da posse de certos bens, necessários ou


percebidos como tais, numa situação de escassez, para induzir os que não os possuem a adotarem
26

uma certa conduta. Na posse dos meios de produção reside uma enorme fonte de poder por parte
daqueles que os possuem contra os que não os detêm.

O poder ideológico é aquele que se vale da posse de certas formas de saber, doutrinas,
conhecimentos, às vezes apenas de informações, ou de códigos de conduta, para exercer uma
influência sobre o comportamento alheio e induzir os membros do grupo a realizar ou não uma
ação.

Essas três formas de poder contribuem, conjuntamente, para instituir e para manter
sociedades de desiguais divididas em fortes e fracos, com base no poder econômico, e em sábios
e ignorantes, com base no poder ideológico. Mann 5 apresenta outras funções do Estado como a
de a manutenção da ordem interna, servindo diretamente à classe dominante; a de defesa, a de
agressão militar, dirigida contra o ataque dos inimigos estrangeiros; a de manutenção das infra-
estruturas de comunicação (estradas, rios, sistema de mensagens, cunhagens, pesos, mercados...).

2.5. A função do Estado

Ao Estado compete manter o equilíbrio da sociedade de classes, atuando sempre e


garantindo sua reprodução enquanto tal, “filtrando” as contradições em seu interior, uma vez que
para ele convergem as forças em choque. Só podemos entender um determinado tipo de Estado a
partir da análise das classes que o compõem. Assim, o Estado goza de certa autonomia. Ele tem a
função de direção, que implica pensar a longo prazo. As funções do Estado podem ser: a)
técnico-econômica: que tem por objetivo viabilizar o objeto econômico da(s) classe(s)
dominante(s); b) função ideológica: de criar o consenso e, c) função política: manutenção do
nível da luta de classes através da coerção.

Para Max Weber, por Estado se há de entender uma empresa institucional de caráter
político, em que o aparelho administrativo leva adiante, em certa medida e com êxito, a
pretensão do monopólio da legítima coerção física, com vistas ao cumprimento das leis
(Economia e Sociedade).

O fim da política são tantas quantas sejam as metas a que se propõem os detentores do
poder em um determinado momento. Logo, o Estado não pode ser definido pelos fins a que se
propõe, mas pelos meios utilizados para a execução desses fins. O fim último da política é a

5
Mann, (1992, p. 179).
27

manutenção da ordem pública nas relações internas e da integridade territorial em relação aos
demais estados.

O Estado legitimaria a divisão de classes sociais? Certamente. Esta foi a crítica feita
por muitos autores das Ciências Sociais.

E, por classes sociais, entende-se, segundo Theotônio dos Santos (1991, p. 41), como os
agregados básicos de indivíduos numa sociedade, os quais se opõem entre si pelo papel que
desempenham no processo produtivo do ponto de vista das relações que estabelecem entre si nas
organizações do trabalho e quanto à propriedade.6 As classes sociais compõem uma comunidade
de interesses em oposição aos outros agregados sociais (da mesma formação social ou
sobreviventes de formações anteriores ou base de futuros agregados). Isto os faz tender a uma
comunidade de:

a) Consciência de classe: unidade de concepção de mundo e de sociedade segundo


seus interesses gerais de classe, o que dá origem a uma ideologia;

b) Situação social: modo de comportamentos, atitudes, valores, interesses imediatos,


distribuição de renda, ação e interesse político diante dos partidos e do Estado.

Como “classe dominante”, podemos citar ainda a burguesia: industrial (indústrias), a


financeira (bancos), a burguesia agrária (empresas rurais) e a burguesia comercial (lojistas e
atacadistas). Como “classe dominada”, podemos citar o proletariado (se dedicam ao trabalho
manual: operários, agregados, funcionários administrativos e não-manuais: trabalhadores
automatizados). Existem ainda camadas intermediárias compostas por pequenos empresários
(prestação de serviços, alfaiates, taxistas, profissionais liberais). Por fim, existem as camadas
excluídas (sacoleiros, catadores de papel, bóias-frias, camelôs).

2.6. Justificativas teóricas do Estado

Por séculos historiadores e teóricos da política, entre outros, têm-se questionado sobre
qual a possível origem do Estado, mas poucos chegaram a um consenso. O que temos é uma
resposta aproximada, porém não-conclusiva sobre a origem do mesmo. Vamos elencar as
principais teorias que tentam responder a esta controversa questão.

6
Analisar a obra de Santos (1991).
28

A primeira teoria trata da Teoria da força. Esta teoria defende que o Estado nasceu da
força, quando uma pessoa ou grupo controlou os demais (poucos submeteram muitos) o Estado
surge com a luta de classes (visão marxista). Na concepção marxista o Estado defende os
interesses daqueles que pertencem a classe dominante (donos do poder econômico). Para Marx o
Estado é visto como dominação de classe.7 Igualmente para Max weber, o Estado não se deixa
definir a não ser pelo específico meio que lhe é peculiar, tal como é peculiar todo outro
agrupamento político, ou seja, o uso da coação física (WEBER, 1999, p. 56). Consiste em uma
relação de dominação do homem sobre o homem, fundada no instrumento da violência legítima.
Definição de Estado para Weber: “empresa institucional de caráter político onde o aparelho
administrativo leva avante, em certa medida e com êxito, a pretensão do monopólio da legítima
coerção física, com vistas ao cumprimento das leis”.

A segunda teoria é a Teoria evolucionária. Segundo esta teoria o Estado desenvolveu-se


naturalmente a partir da união de laços de parentesco, onde o mais forte (guerreiro mais hábil ou
caçador e pescador ou o mais velho) detinha o controle do poder. Evolução do bando – clãs –
tribos (caçadores e coletores nômades) até agricultores e pastores (nascimento do estado).

A terceira teoria é chamada de Teoria do direito divino. Para os teóricos que defendem
esta teoria, o Estado nasceu na Europa, entre os séculos XV e XVIII. Defendem que o Estado foi
criado por Deus, e Deus delegou o poder divino de governar aos reis (despotismo esclarecido).
Como exemplo da Teoria do direito divino temos as experiências dos governos absolutistas de
Henrique VIII e Luís XIV.

Jean Bodin e Bossuet defendiam o poder divino dos reis para administrar o Estado. Diz
Bodin:

Nada havendo de maior sobre a terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos, e
sendo por Ele estabelecidos como seus representantes para governarem os outros
homens, é necessário lembrar-se de sua qualidade, a fim de respeitar-lhes e reverenciar-
lhes a majestade com toda a obediência, a fim de sentir e falar deles com toda a honra,
pois quem despreza seu príncipe soberano, despreza a Deus, de quem ele é a imagem
na terra" (BODIN Apud CHEVALLIER, 1986, p. 61).

Da mesma forma, para Bossuet, o Rei é a própria presença de Deus na terra:

7
Da mesma forma, para Pateman, “o Estado está inescapavelmente comprometido com a manutenção e reprodução
das desigualdades da vida cotidiana, enviesando decisões em favor de interesses particulares” (Apud HELD, 1991,
p.149).
29

Considerai o príncipe em seu gabinete. Dali partem as ordens graças às quais procedem
harmonicamente os magistrados e os capitães, os cidadãos e os soldados, as províncias
e os exércitos, por mar e por terra. Eis a imagem de Deus que, assentado em seu trono
no mais alto dos céus, governa a natureza inteira... Enfim, reuni tudo quanto dissemos
de grande e augusto sobre a autoridade real. Vede um povo imenso reunido numa só
pessoa, considerai esse poder sagrado, paternal e absoluto; considerai a razão secreta,
que governa todo o corpo do Estado, encerrada numa só cabeça: vereis a imagem de
Deus nos reis, e tereis idéia da majestade real (BOSSUET, Apud CHEVALLIER, 1986,
p. 97-98).

Em outras épocas da história antiga, tivemos, igualmente, a teocracia como forma de


governo, como no Império Egípcio, Chinês, bem como entre os Astecas e Maias. Mais próximo
dos nossos tempos tem-se a experiência do imperador Mikado que governou o Japão até 1945.

Por fim, a Teoria do contrato social: a mais significante das teorias da origem do
Estado. O Estado nasce do contrato social. Nos séculos XVII e XVIII os filósofos John Locke,
Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau desenvolveram esta teoria. Do “estado de natureza”
para o “estado civil”.8

Este capítulo teve por objetivo conceituar o Estado. Por isso se insistiu na análise do
Estado (funções, poderes, forma de poder, relações de classe). Abordou, também, as principais
teorias que justificam o Estado, dando ênfase a teoria contratualista, que será estudada nos
capítulos seguintes.

8
Os capítulos 8 e 9 deste trabalho irão discorrer sobre a teoria do contrato social. Para a evolução do Estado
conferir, igualmente, o trabalho de Pasold (2004).
3. O PENSAMENTO POLÍTICO DAS SOCIEDADES PRIMITIVAS E ORIENTAIS

3.1. O Estado primitivo

Ao mencionarmos o Estado primitivo, convém lembrar a fragilidade nas suas relações


políticas, as quais eram muito diferentes das que conhecemos na atualidade. Inicialmente, é
pertinente definir alguns conceitos, como bando, tribo, caçadores e coletores, agricultores e
pastores, que julgamos consistirem passos fundamentais para compreender a evolução até
alcançarmos o estágio final denominado Estado.1

Patrícia Crone (1992, p. 84) afirma que a primeira civilização da história, ainda em
tempos remotos, foi produto da religião, isto é, as suas relações não estavam submetidas aos
poderes de um chefe de ordem material, mas sim sob o domínio de uma imaginação dotada de
autoridade suprema: “Quem detinha o poder eram os deuses, e não seus escravos, que possuíam
a terra”. Assim, as manifestações religiosas estavam ligadas essencialmente aos fenômenos da
natureza, tudo o que fosse misterioso, tudo o que o homem não entendesse, o inexplicável, era
atribuído à força divina: o sol, as estrelas, a lua, o trovão, são exemplos de divindades da época.

Crone cita o bando como o primeiro estágio da evolução política da humanidade. No


bando, a organização é mínima; em contrapartida, a barbárie é uma constante. A tribo é
considerada o segundo estágio da evolução, pois são sociedades ordenadas em referência a
parentesco, sexo e idade. Embora sendo um estágio superior ao bando, a tribo ainda não alcança
uma organização capaz de estruturar a comunidade no aspecto social e econômico, nem mesmo
no aspecto coercitivo: todos tomam as decisões ao mesmo tempo (1992, p. 84). Em
conseqüência, há desunião, destruição e morte, pois “a atividade humana não pode ser
coordenada em larga escala e a fissão é uma parte normal do processo político” (p. 82). Após

1
Importante lembrar que o Estado como nós conhecemos na atualidade é uma criação da modernidade (séculos XVI
e XVII). No entanto, alguns autores defendem que o Estado surgiu desde a origem da própria civilização. Esta
evolução é evidenciada neste capítulo.
31

iniciar pelo bando, é necessário que a tribo seja destruída para que realmente aconteça a
estruturação do Estado.

Os coletores e caçadores, segundo a descrição de Gamble (1992), são sociedades


originárias da pré-história e formam as primeiras manifestações de poder objetivadas em uma
comunidade humana, isto é, são os pioneiros na elaboração e na estruturação de uma forma
precária de Estado. Com os coletores e caçadores, temos a “sociedade de abundância original”,
caracterizada por uma curta semana de trabalho e poucas preocupações, graças a uma despensa
naturalmente bem estocada, abastecendo uma pequena população. Da mesma forma, os coletores
e caçadores foram vistos como sábios econômicos, tomando decisões perfeitamente sensatas,
evitando o desperdício e, conseqüentemente, a crise e a fome em tempos de escassez. Atualmente
os estudiosos os recordam como povos providentes e previdentes, são exemplos de bons
administradores de recursos, guiados pelo princípio do menor esforço e da eficiência na
conservação de calorias de alimentos. Pode-se presumir então que o Estado não iniciou com os
coletores e caçadores, mas com os povos que começaram a cultivar a terra, os agricultores, e
cuidar dos rebanhos, os pastores, daí a afirmação: “Os caçadores e coletores não constituíram os
primeiros Estados, mas formavam os primeiros ‘caçadores’ de Estado”.

É possível perceber então as origens neolíticas como fases importantes onde aparece a
domesticação dos animais e plantas como fator central na transformação da sociedade em relação
à estatitude final. Surge, então, a transição da selvageria para a parceria decorrente da revolução
econômica e científica, oriundas das relações, primeiramente, dos caçadores e coletores, para a
agricultura e pastoris. A partir do desenvolvimento da agricultura e de seu acúmulo, passa-se à
criação de normas, direitos e deveres decorrentes dessa realidade.

As relações de poder e a organização política parecem ser uma atividade constante


desde as sociedades primitivas. Neste sentido, os primeiros líderes da sociedade primitiva eram,
simplesmente, os mais fortes, que acabavam negociando, com os demais membros, certos
privilégios. Assim, com o passar do tempo, o homem, aos poucos, desenvolve sua inteligência, a
qual proporciona o avanço tecnológico, se igualando ao detentor do poder através da força física:
nessa fase, quem detém o machado ou as lanças tem, igualmente, o poder. Utensílios que serão
usados para a caça (garantindo a sobrevivência), para a proteção do grupo e para a conquista de
novos territórios. A tecnologia estenderá seus benefícios ao homem na produção eficiente dos
alimentos e dos agasalhos e, ainda na incrementação do cultivo intencional e organizado de
plantas comestíveis (cultivo do arroz e do milho e, na América o trigo) e do pastoreio de animais
(ovelhas, bois, cavalos). Percebe-se então que “o poder não é só das forças ou das armas, é muito
32

mais dos que detêm a tecnologia do cultivo e do pastoreio”. Os constantes conflitos entre tribos
primitivas, assim como os freqüentes ataques e saques aos rebanhos e ao armazenamento de
alimentos, possibilitou a criação de uma nova classe, a guerreira, a classe militar. Desta realidade
surge a institucionalização e as relações entre os poderes como o comandante versus comandado,
e na escolha de um novo comandante na ausência ou morte do mesmo.

3.2. O Estado Oriental

Os estudos de Gaetano Mosca (1968) remetem para antes do início do terceiro milênio
a.C. o surgimento das primeiras manifestações de fundar corpos políticos capazes de
organizarem-se sob uma direção única e fundarem vastos impérios com população numerosa.

Crescente Fértil.2

Estudos, na modernidade, acenam para a região da baixa Mesopotâmia, banhada pelos


rios Tigre e Eufrates, e, no Egito, pelo Nilo, como sendo as regiões onde se desenvolveram as
primeiras civilizações. Outras civilizações surgiram como uma forma de organização política e
formação de um tipo de Estado, na Ásia Central e Meridional, igualmente ao norte da Babilônia
e na Ásia Menor; durante o segundo milênio, nasceram os impérios do Mitaneus e do Hititas
(MOSCA, 1968, p. 18-19).

Mosca cita os povos Arianos, no segundo milênio a.C., como formadores de Estados
desenvolvidos. A China apresenta-se sob o governo de Confúcio (séc. VII a.C.), como importante

2
Mapa da Crescente Fértil. Disponível em http://www.ff.ul.pt/paginas/jpsdias/histfarm/crescentefertil.gif. Acesso
em dezembro de 2007.
33

organização social e política. O autor (p. 19) apresenta algumas características comuns aos
estados orientais.

“1ª O chefe do Estado era, ao mesmo tempo, chefe militar, juiz supremo e coletor de
impostos;

2ª As dimensões territoriais eram grandiosas, o que favorecia a diferenciação entre as


classes, que acabavam subordinando-se umas às outras”.

O império dos Persas foi o primeiro Estado a conseguir unificar todos os países de
civilização mais ou menos antiga, que se estendiam do mar Egeu até os confins da Índia,
compreendendo também o Egito. A unificação do império Persa compreendia os impérios da
Babilônia, Egito e Lídia sob o governo de Ciro (559 a.C.), até o governo de Dário de Hestapses
(485 a.C.).

A forma de governo que dominante nos impérios orientais era a monarquia absoluta ou
o poder despótico assumido pela autoridade de um homem que era a encarnação da própria
divindade e governava despoticamente, suprimindo qualquer resquício de liberdade dos súditos.

Do ponto de vista material, os povos orientais nos legaram a domesticação de animais,


que serviram para o desenvolvimento do homem no decorrer da história: o boi, o asno, o cavalo e
o carneiro foram úteis para o homem, não só para o transporte como para alimentação e proteção
contra o frio (lã); na agricultura, o cultivo do trigo, cevada e arroz, servindo para a alimentação
do homem. Do ponto de vista cultural, herdamos a matemática e a astronomia. Sob a visão das
leis, herdamos o Código de Hamurábi, em vigor na Babilônia, desde 2.200 a.C. numeradas e
sancionadas as regras mais indispensáveis à moral social, capaz de impor regras e propiciar a boa
convivência entre as sociedades. A religião dos povos orientais foi de suma importância para a
humanidade: primeiro, o budismo; logo após, o cristianismo e o islamismo, provindas do velho
judaísmo.

Segundo Rubim e Aquino (1988, p. 87):

As civilizações do Oriente próximo – chamado, igualmente, de Ásia Ocidental ou Ásia


Anterior – compreendiam os povos do Egito, da Arábia, da Síria, da Palestina, da
Mesopotâmia, da Armênia, do Irã e da Ásia Menor. Foi nessa região que surgiram as
primeiras civilizações da Antigüidade (região chamada Crescente Fértil), faixa de terra
que forma a Mesopotâmia, a Síria e a Palestina.

O poder político oriental estava ligado, essencialmente, ao poder religioso: a autoridade


se sustentava em uma religião (1988, p. 90).
34

O poder teocrático significa o governo de Deus (teo = Deus + cracia = governo, poder),
ou seja, o imperador, faraó, patriarca, monarca, exerce o poder objetivando a vontade divina, o
que o torna um ser transcendente, imortal, imbatível, infalível, e conseqüentemente,
incontestável, restando aos demais súditos acatar suas ordens.3 A teocracia, segundo Queiroz
Lima, é a participação da autoridade divina no governo dos homens. Assim, no Oriente podem-se
exemplificar duas realidades: “ora o monarca é o representante da divindade, a sua vontade é
divina, a sua pessoa é a de um próprio deus, descendente de deuses, com poderes ilimitados
sobre a pessoa, a vida e a propriedade dos súditos; ora o poder do monarca é subordinado ao
poder divino e por ele rigorosamente limitado”. O autor conclui afirmando que o Egito é o
exemplo mais perfeito da primeira forma e o povo judeu é o exemplo da segunda.

O Estado Oriental é composto pelas civilizações mediterrâneas da Antigüidade oriental,


da qual fazem parte a Babilônia, o Egito, povos Hititas e Hebreus (3º ao 1º milênio a. C.), China,
Índia e Pérsia, que desembocariam na Grécia (territórios compostos pelas realezas micenas e
cretenses) e Roma (formada por realezas etruscas). Como características principais desse modelo
de Estado, podemos citar: a larga expressão territorial; o Estado unitário, centralizado no rei
(monarquia teocrática); o regime autoritário e totalitário; e a praticamente ausência de garantias
individuais das pessoas frente ao Estado.

O poder nos impérios orientais era, segundo Chauí (1994), exercido por um chefe de
família ou de famílias (clã, tribo, aldeia), cuja autoridade era pessoal e arbitrária, decidindo sobre
a vida e a morte de todos os membros do grupo, sobre a posse e distribuição das riquezas, a
guerra e a paz, as alianças, o proibido e o permitido. O poder estava sempre nas mãos dos que
detinham o poder econômico (proprietários da terra e dos rebanhos). Além disso, detinha o poder
religioso, que servia de aparato ideológico para a perpetuação e a incontestável supremacia do
poder; e o poder militar, concentrando a chefia do exército e a decisão sobre a guerra e a paz; em
decorrência disso, o chefe era rei, sacerdote e capitão.

O Poder no Estado Antigo possuía as seguintes características, segundo a classificação


de Chauí:

a) despótico ou patriarcal: exercido pelo chefe de família sobre um conjunto de


famílias a ele ligadas por laços de dependência econômica e militar e por alianças matrimoniais;

3
A palavra teocracia foi criada por Flavius Josephus, historiador judeu que viveu entre os anos 37 e 100 da era
cristã, tendo chegado a assumir o posto de general e a exercer grande influência na Judéia. Josephus teve atuação
muito importante como intermediário entre romanos e judeus, tendo, no final de sua vida, após a queda de
Jerusalém, no ano 70, adotado a cidadania romana, vivendo em Roma e recebendo uma pensão do Estado. Sua
principal obra, Antigüidade dos judeus, de caráter histórico, é um repositório de informações sobre a vida do povo
judeu desde a criação do mundo; encontram-se aí também referências à organização e à vida de outros povos antigos
(JELLINEK Apud DALLARI, 1995, p. 53).
35

b) total: o detentor da autoridade possuía poder supremo inquestionável para decidir


quanto ao permitido e ao proibido (a lei exprime a vontade pessoal do chefe): “Aquilo que apraz
ao Rei tem força de lei”. Chefe do poder religioso, militar e econômico;

c) incorporado ou corporeificado: o detentor do poder figurava em seu próprio corpo


as características do poder, apresentando-se como manifestação da própria comunidade: a
cabeça, encarnava a autoridade que dirige; o peito, a vontade que ordena; os membros superiores
- encarnava os delegados que o representavam (sacerdotes e militares) e os membros inferiores -
encarnavam os súditos, que o obedeciam. Essa divisão demonstra a hierarquia e a concentração
do poder na cabeça e no peito do dirigente;

d) mágico: o detentor do poder possuía força sobrenatural ou mágica. A palavra, gestos


e desejos do rei tinham força para matar e curar, sua maldição destruía tudo quanto fosse
amaldiçoado por ele. Dele dependiam a fertilidade da terra, a vitória ou a derrota na guerra,
início ou fim de uma peste, fenômenos meteorológicos, cataclismos;

e) transcendente: por ser de origem divina, o rei era divinizado e acreditava-se em sua
imortalidade, como condição da preservação da comunidade. Essa divinização o colocava acima
e fora da comunidade;

f) hereditário: era transmitido ao primogênito do rei ou, na falta deste, a um membro da


família real4.

3.2.1. Exemplos de teocracias orientais

Hegel, em Lições sobre a Filosofia da História, defende que a história universal segue
um caminho definido, inicia no leste e termina no oeste, tendo a Europa como centro: “a Europa
é o fim da história universal, e a Ásia é o começo”. 5 Podemos entender história universal como
sendo o “disciplinamento da arrogância da vontade natural”, realidade em que se encontram
inseridos os impérios do Oriente (China, Índia, Pérsia), África e o Novo Mundo (as Américas).
Para o pensador germânico, esses povos estão submersos no “puramente particular” (fechados
aos conceitos universais), bárbaros, a-históricos, atrasados, enclausurados em si mesmos, não
alcançando a “liberdade subjetiva”.6
4
Classificação de Chauí (1994).
5
A partir de agora a obra de Hegel Lições sobre a Filosofia da História Universal aparecerá no texto como LiFH.
6
Para um maior aprofundamento da teoria de Hegel sobre a Filosofia da História, conferir o trabalho de Hyppolite
(1971)
36

Seguindo o pensamento hegeliano, o conceito “liberdade” é acessível somente para


alguns povos. No Oriente, somente um é livre, isto é, o rei despótico; já no mundo grego e
romano, alguns são livres em decorrência da participação efetiva dos cidadãos nas decisões da
pólis, e, finalmente, no mundo europeu moderno (impérios germânicos) todos são livres. Dessa
forma, temos, inicialmente, o despotismo; logo após, surgem a democracia e a aristocracia e, por
último, a monarquia.

O Oriente é considerado por Hegel como a infância da humanidade, por estar


subordinado às determinações do soberano, que está no centro do poder exercendo o comando
centralizador, autoritário e despótico sobre os súditos. Nesse estágio, visualiza-se um momento
de estagnação e retrocesso em que os indivíduos permanecem como meros espectadores da
história, comprovando-se a inexistência da reflexão em sua própria liberdade subjetiva.

Cabe ao mundo grego ser comparado à adolescência da humanidade, “porque é ali que
as individualidades se formam”. A Grécia é “o segundo princípio da história universal”, na
medida em que o seu povo contempla a união da moralidade com a individualidade, ou seja,
estabelece aquilo que denota o livre querer dos indivíduos: “Eis aí a união do princípio moral e
da vontade subjetiva ou o reino da bela liberdade”.

O império romano é considerado o “áspero labor da idade viril da história”, ou seja, o


terceiro momento da universalidade abstrata, “porque o varão não depende do arbítrio do senhor,
nem do capricho individual da beleza, mas serve ao fim universal, no qual o indivíduo atinge o
seu próprio fim”.

Ocorre, a seguir, uma mudança da perspectiva do indivíduo perante o Estado, uma vez
que o homem grego, o cidadão (dono de propriedade e de escravos) filosófico (reflexivo),
participa efetivamente nas decisões políticas da cidade, onde encontra a “alegria e a satisfação”,
o que não acontece com o homem romano, em que o indivíduo encontra o trabalho rude e áspero.

Se Roma conquistou a Grécia pelas “armas”, a Grécia conquista Roma pela cultura,
pelo saber e pela religião. Comprova-se tal afirmação analisando-se as divindades romanas, que
são as mesmas gregas: Roma torna-se um panteão de divindades e de todas as espiritualidades
herdadas da cultura grega. À internacionalização da cultura grega chamamos de helenismo.

No quarto momento da história universal, Hegel apresenta o mundo germânico


moderno como síntese da tese (Grécia) e da antítese (Roma). Corresponde à velhice, não como
fragilidade (natural), mas velhice no sentido da perfeita maturidade e força. Emerge o Estado
moderno como força autônoma desapegada aos ditames da Igreja, com uma política laica: “o
Estado não é mais inferior à Igreja, nem lhe é subordinado”. Hegel compreende “Estado” como
37

uma palavra que expressa mais do que estruturas políticas de uma comunidade, de tal sorte que
uma expressão de alcance maior como “cultura nacional” traduziria melhor seu significado.

Pode-se afirmar que o Estado, para Hegel, é a base e o centro dos demais elementos
concretos da vida de um povo, uma vez que totaliza a Arte, o Direito, a Moral, a Religião e a
Ciência. O Estado é o “Todo Moral”, a “Realidade da Liberdade”, a “Objetividade do Espírito”,
a “Idéia Divina, tal como existe sobre a Terra”. Dessa maneira, o ápice da liberdade é o Estado,
ou a Cultura Nacional, como verdadeiro “indivíduo histórico”, que é o objeto de estudo próprio
da filosofia da história de Hegel.7

O mundo oriental está caracterizado pelo despotismo, do qual apenas um é livre, o


chefe. O espírito dos demais encontra-se submerso na particularidade indiferenciada. “A
liberdade dos indivíduos existe somente como acidente de uma substância que é, na verdade, a
consciência natural na pessoa do chefe supremo, o déspota, o teocrata” (FLOREZ, 1983, p. 264).
A figura do chefe é confundida com a própria divindade, como se o próprio Deus fosse
personificado para reger e comandar o Estado.

Três nações fazem parte do mundo oriental: a China, a Índia e a Pérsia. Entretanto,
somente a última terá a capacidade de intuir o “ser em si”, isto é, terá capacidade de chegar a
uma subjetividade. A China e a Índia não chegarão de forma alguma a atingir o status de povos
históricos do mundo, visto que, para Hegel, a história propriamente dita de um povo começa
quando este se eleva à consciência. Como não há consciência nesses povos, não há oposição
(contradição), e, como não há oposição, não há possibilidade de síntese (superação) (WEBER,
1993, p. 204).

Hegel considera a China como sendo o princípio propriamente oriental. A história da


China, comenta Hegel, é uma história fechada em si mesma, tendo pouca relação com o mundo
exterior. A dependência do indivíduo frente ao Estado é total, visto que este Estado se baseia
exclusivamente sobre uma relação social patriarcal, sustentada e caracterizada pela piedade
familiar objetiva.

Os chineses são denominados meros copiadores da cultura européia. O espírito se


encontra ausente na religião, arte, geometria e na medicina. Hegel conceitua a religião como
sendo a interioridade do espírito, porque, na verdadeira religião o indivíduo é livre. O que se nota
é o contrário no homem chinês, o princípio da religião é de dependência a respeito de um poder
superior. “É que os chineses veneram a natureza como se fosse o supremo” (HEGEL, 1975, p.
254).

7
Conferir, igualmente, a explanação e o entendimento de Hegel sobre o Estado nas LiFH (1975, p.101-126).
38

O homem não pode permanecer subordinado ao sensível, unicamente. Necessita, na


concepção de Hegel, ter algo mais interior, como o pensamento que penetra prontamente no
objeto, sendo que existe algo pensado que se transforma em algo universal e, num modo geral, a
religião da China se refere a uma substância natural e particular.

Os povos orientais não tiveram uma concepção definida sobre o Estado. A preocupação
essencial da época não contemplava esse aspecto polarizador. É mister entender também que a
concepção de Estado que conhecemos na atualidade só passa a vigorar com o entendimento do
Estado Moderno, essencialmente com a filosofia política de Maquiavel (rompimento da política
com os ditames morais da Igreja Católica) em que se sobressai o Estado laico sobre o poder
eclesiástico.

Segundo Hegel, o império chinês é o mais antigo de que se tem notícias e, desde o
princípio, encontra-se fora do processo que o pensador chama de histórico, por lhe faltar a
“oposição entre a existência objetiva e a liberdade subjetiva, fica excluída qualquer
mutabilidade, e o estático que sempre ressurge substitui aquilo que chamaríamos de histórico”
(1975, p. 105). Dessa maneira, Hegel exclui a China da História Universal à medida que não
existe a subjetividade da pessoa, uma vez que o substancial (que se apresenta como moral) não é
parte integrante do sujeito, mas subordinado ao despotismo do chefe do governo.

Neste caso o indivíduo não possui liberdade e vontade, está inteiramente subordinado
ao chefe, “por isso, o elemento da subjetividade falta nesse todo do Estado, assim como este não
se baseia na convicção” (1975, p. 108). Quem representa a convicção neste Estado é somente um
sujeito, o imperador, e ao povo cabe acatar as suas ordens. O povo chinês encontra-se
subordinado frente ao poder estatal, pois “no Estado, eles têm ainda menos personalidade, pois
nele predomina a relação patriarcal, e o governo baseia-se no exercício do cuidado paternalista
do imperador que mantém a ordem” (1975, p. 108).

É notável a subordinação e a dependência dos súditos em relação ao governo patriarcal


despótico exercido na China. Não existem castas ou classes que defendam seus interesses, mas
sim o chefe versus os súditos que comanda e determina as leis. A dependência dos súditos afeta,
igualmente, a dimensão religiosa, “o imperador é, ao mesmo tempo, o chefe do governo e da
religião” (1975, p. 116). O que resta, então, é uma religião estatal, isto é, assumida e direcionada
pelo chefe. Hegel afirma que este não é o tipo de religião que o homem moderno europeu
cristianizado conhece, pois inexiste “o recolhimento do espírito em si mesmo na contemplação
de sua própria essência” (1975, p. 116).
39

Ao fazer referência à Índia, Hegel afirma que esta nação se encontra da mesma forma
que a China, ou seja, fechada em si mesma e estagnada. Porém, a Índia tem relações externas
com a história universal, sendo que esta nação é considerada como depósito de riquezas que,
desde os tempos mais remotos, tem servido para a exploração e, o que é pior, para o
enriquecimento das nações ocidentais. “A Índia [conclui Hegel] só foi conquistada até hoje”
(1975, p. 280).

A Índia, como a China, é, igualmente, uma terra fechada em si mesma, “permanece


estática e fixa, atingindo o mais perfeito desenvolvimento para dentro de si mesma” (1975, p.
123). O que se sobressai é o caráter da fantasia e do sentimento expostos em seu território. A
religião indiana, como um todo, é panteísta universal, sobressai-se a religião hindu, em que
buscam o sol, a lua, as estrelas, o Ganges, o Indo, os animais e as flores como deuses.

A Índia foi importante e, por isso mesmo, mencionada pela maioria dos pensadores
modernos ocidentais, à medida que a mesma relaciona-se com os países europeus do mundo
novo, fornecendo-lhe produtos que serviram de comércio, intercâmbio cultural, dominação e
riqueza.

Sobre a possibilidade de existir um Estado racional, Hegel afirma que os indivíduos


precisam chegar a uma liberdade subjetiva, isto é, que impõe diferenças entre si, realidade que
não acontece na Índia, onde as diferenças dão-se apenas entre classes. A classe dos brâmanes é a
principal, à medida que o divino é proferido e aprovado (freqüentemente chegam ao poder). A
segunda classe é a dos guerreiros Chatrias, que apresentará a força subjetiva e a coragem para
manter o domínio sobre o povo restante e perpetuar o Estado. A terceira classe Vaisias
encarregava-se da agricultura, indústria e comércio. A quarta é a classe dos Sudras, a classe do
serviço, “cujo objetivo é trabalhar para os outros, a troco de um salário que lhe garanta um meio
de subsistência” (1975, p. 127).

A forma de organização e o fundamento do Estado, na concepção hegeliana, constituem


“realidade espiritual em que se realiza o ser consciente do espírito, a liberdade da vontade como
lei” (1975, p. 139). Essa realidade não acontece na China, pois a lei é a vontade moral do
imperador, reprimindo e anulando a liberdade e a individualidade do sujeito.

Na Índia sobressai a imaginação como primeiro aspecto da subjetividade, que significa


a unidade do natural mais o espiritual. Na China há um despotismo moral, “na Índia um
despotismo sem qualquer princípio, sem regra de moralidade objetiva e a religião tem por
condição e fundamento a liberdade da vontade” (1975, p. 139).
40

O princípio de evolução inicia-se com a história da Pérsia, por isso esta história
constitui o verdadeiro começo da história universal. Com o império persa, começa a franca
conexão com a história universal. Esta conexão, afirma Hegel, “não é aparente nem externa, mas
uma conexão de conceitos” (1975, p. 323). Sendo assim, o império persa é o primeiro povo
histórico submetido às evoluções e revoluções, únicos testemunhos de uma vida histórica. Na
Pérsia, o homem pode separar-se da natureza, visto que sua religião não é a idolatria, não adora
as coisas individuais da natureza, como faziam os indianos, mas o universal.

Ao comparar a Pérsia com a China e a Índia, Hegel afirmou a superioridade da primeira


sobre as demais. Pode-se comparar as características de uma sobre as outras: enquanto que a
China e a Índia encontram-se estáticas e fechadas em si mesmas, a Pérsia está “sujeita aos
desenvolvimentos e transformações que por si só já demonstram uma situação histórica” (1975,
p. 149). Por isso a Pérsia é considerada o império que se inicia e desenvolve juntamente com o
conceito de História Universal. Fazem parte do Império Persa: os assírios, babilônios, medos e
persas.

No Estado israelita, temos a presença de Deus (Javé) como poder supremo, onde o rei
era apenas chefe civil e militar, estando, juntamente com os demais súditos, subordinado aos
preceitos da lei ditadas por Deus (QUEIROZ LIMA, 1957, p. 60).

Segundo Hegel, a história põe à mostra “uma dialética de princípios nacionais”. Os


princípios da Grécia e de Roma, por exemplo, são vistos como formas antitéticas de uma
tentativa de expressar a idéia de liberdade na sociedade, sendo a última uma reação contra a
visão da primeira. Nesse confronto dialético, surge o quarto momento do espírito, o qual alcança
a totalidade na figura do Estado germânico, como síntese concreta da individualidade livre dos
gregos e do legalismo abstrato dos romanos. Graças ao cristianismo é que o espírito alcançou sua
plena maturidade.

O espírito germânico é o espírito do mundo moderno, cujo fim é a realização da


verdade absoluta, como autodeterminação infinita da liberdade, que tem como conteúdo sua
própria forma absoluta... O princípio do Império Germânico deve ser ajustado à religião cristã
(HEGEL, 1975, p. 571). Vê-se que, dessa forma, Hegel coloca o Estado germânico num patamar
transcendente, relacionando-o com a própria divindade.

O que uniu os povos germânicos foi o cristianismo e, com a religião cristã, o espírito
superior encerrou a reconciliação e a libertação, enquanto o homem adquiriu a consciência em
sua universalidade e infinitude. “O espírito realizou-se e, por isso, o fim dos dias chegou: a idéia
do cristianismo alcançou sua plena realização” (1975, p. 568).
41

O Estado, segundo Hegel, “... simboliza a unidade da vontade universal e essencial com
a vontade subjetiva, estabelecendo, assim, a moralidade entre os indivíduos, pois somente o
Estado tem no homem existência racional... Somente neste tem sua essência. Todo o valor que o
homem tem, toda sua realidade espiritual, a tem mediante o Estado...”

O Estado é o fim e os cidadãos são os instrumentos (1975, p. 101). O Estado, dessa


forma, é o momento mais elevado em que o espírito se realiza em um determinado povo, e esse
povo é, segundo Hegel, o povo germânico.

Por outro lado, ao se referir à África, Hegel a incluiu na participação da “trindade”


Europa, Ásia e África, como totalidades que estão unidas pelo Mar Mediterrâneo, mas a excluiu
da história universal. “A África não tem interesse histórico próprio, é o país filho, envolvido na
escuridão da noite, distante da luz da história consciente” (1975, p. 264).

A concretização do Estado hegeliano precisa de uma base que unifique os elementos da


vida de um povo, como arte, direito, moral, religião e ciência, e que constitua, assim, o “todo
moral”, a “realidade da liberdade” e a “idéia do divino” tal qual existe sobre a terra. Na África,
conforme Hegel, inexiste uma realidade histórica. “Não há nenhum fim, nenhum Estado que
possa seguir; não existe nenhuma subjetividade, apenas sujeitos que se destroem” (1975, p. 182).

A realidade da África é, segundo a posição de Hegel, como a realidade dos orientais,


fechada em si mesma, sendo que a situação do negro não é suscetível de desenvolvimento e
educação, pois permanece estagnada até os dias de hoje. Os africanos, diz Hegel, não têm
chegado ao reconhecimento do universal. “Sua natureza consiste em estar enclausurada em si
mesma. O que nós chamamos de religião, Estado, o que é em si e por si, o que tem validade
absoluta, não existe todavia para eles” (1975, p. 182).

Por fim, Hegel distingue o velho do novo mundo, por este ser pouco conhecido dos
europeus. O novo mundo compreende as Américas do Sul e do Norte e a Austrália. É essencial a
separação do velho mundo do novo, pois este último é novo não somente no relativo, mas em seu
absoluto, evidenciado até mesmo nos caracteres próprios, físicos e políticos.

Hegel diferencia a América do Norte da América do Sul. A primeira constitui a


prosperidade, visto que foi colonizada por povos de religiosidade protestante 8 nos seus traços
fundamentais. Progrediram graças ao desenvolvimento da indústria, da população, à ordem civil
e a uma firme liberdade; toda a confederação constitui apenas um Estado e tem os seus centros
políticos. A América do Sul, espanhola, católica, em vez de ser colonizada, foi conquistada. As

8
Sobre a ligação entre religião protestante e capitalismo ver Weber (2004).
42

repúblicas repousam somente no poder militar, toda a sua história é uma revolução constante;
Estados confederados separam-se, unem-se de novo, e todas essas mudanças são operadas por
revoluções militares.

Hegel reconhece que os povos que habitaram as terras no Novo Mundo tinham entre si
uma cultura, embora rude, limitada por suas tradições, leis adivinhatórias, seus ritos, cultos,
deuses e que repetem em sua consciência. Porém, ao entrarem em contato com os europeus,
pelos quais foram “descobertos”, perderam a sua individualidade cultural. “A conquista desses
países assinalou a ruína de sua cultura da qual conservamos notícia” (1975, p. 171).

O Novo Mundo, assim como a África, ficará, também fora da história universal, pois é
necessário que estes povos deixem o espírito dos interesses particulares e orientem-se pelo
espírito da razão e da liberdade. Os americanos não desejam formar Estados jurídicos e uma lei
jurídica formal. Para Hegel, um verdadeiro Estado e um verdadeiro governo somente se
produzem quando já existem diferenças de classe, “quando for grande a riqueza e a pobreza, e se
der uma relação tal que uma grande massa já não possa satisfazer suas necessidades da maneira
que estava acostumada” (p. 175).9

Outro exemplo de teocracia foi o Egito. Predominou neste povo, a monarquia


despótica, em que o soberano era considerado um Deus (CHAUÍ, 1994, p. 96). O soberano era
dono de todas as terras dos círculos aristocráticos; estes eram responsáveis pelo culto das
divindades, acumularam poder e riqueza, desfrutavam de privilégios (isenção de impostos).

No Egito temos, igualmente, o poder teocrático, exercido pelo faraó, o grande rei, que
detinha o poder do Estado dominando os demais. O Estado detinha o poder de administrar a
irrigação da agricultura do Rio Nilo, onde controlava a produção dos alimentos.

O Rei dirigia o Estado como divindade, detinha o poder centralizando-o em suas mãos;
da mesma forma, incutia a ideologia de que tudo dependia dele; comandava a natureza, protegia
e castigava os demais cidadãos, exercia poder sobre o tempo de bonança e miséria; por isso o
faraó era chamado de o “filho do sol” 10. É importante lembrar que o faraó detinha, igualmente, o
poder religioso, nomeando os demais sacerdotes como assistentes do “grande” sacerdote, e o
poder militar, decidindo sobre a arte da guerra e da paz.
9
Conferir a crítica de Enrique Dussel sobre o preconceito de Hegel ao se referir à África e às Américas como povos
que não alcançaram a consciência histórica (DUSSEL, 1993, p.13-58).
10
O faraó era um deus, filho de deuses, e sua autoridade era divina. No Egito, entretanto, a existência simultânea de
muitos deuses determinava um engenhoso sistema de limitações das prerrogativas reais. Se o faraó tinha sobre as
outras divindades a incontestável superioridade de ser uma entidade viva, nem por isso lhe era fácil invadir o campo
de privilégios dos outros deuses, defendidos por poderosos colégios sacerdotais, pouco dispostos a consentir tais
invasões. E como as diversas divindades tinham competência especializada, a ação de uma criava para outras
limitações intransponíveis (VILLENEUVE Apud QUEIROZ LIMA, 1957, p. 61).
43

No modo de produção asiático, o Estado é o grande detentor da propriedade da terra, e


os que participam dele, automaticamente podem usufruir dos seus benefícios, o que não acontece
ao restante do povo, que lhe convém servir ao estado, ser explorado, pagar impostos e trabalhar
em serviços forçados (BARBOSA; MANGABEIRA, 1985, p. 81-98).

Na visão de Diakov e Kavalev (1987, p. 97), as classes sociais e o Estado surgem em


épocas e em condições diferenciadas. E, para confirmar o escrito acima, constata-se que o Estado
surge na medida em que há diferenças de classe, o que aconteceu no Egito no fim do IV milênio
antes da nossa era, à medida que começava a irrigação do Nilo propiciando o cultivo agrícola em
seu vale. A produção excedente absorvida pelo Estado tornou possível a diferença de classes.

Para Marx, o indivíduo, na comunidade oriental, “não passa de um acidente ou um


elemento puramente natural”, pois encontra-se submetido à vontade não de si próprio, mas à
vontade do déspota real (encarnação visível de deus) (MARX Apud PINSKY, 1984, p. 14).

O Estado, segundo o entendimento de Engels, na Origem da família, da propriedade


privada e do Estado, é a força de coesão da sociedade civilizada e que, no decorrer da história,
serviu aos interesses da classe dominante: “uma máquina destinada a reprimir a classe oprimida
e explorada” (ENGELS Apud PINSKY, 1984, p. 21). O que faz a história mover-se, desde os
tempos mais antigos, é a ambição: “seu objetivo determinante é a riqueza - mas não a da
sociedade e sim de tal ou qual mesquinho indivíduo” (p. 22).

É, contudo, quase uma unanimidade afirmar-se que o Estado seja um instrumento que
possibilita à classe dominante exercer sua dominação violenta sobre as demais classes
dominadas (CLASTRES Apud PINSKY, 1984, p. 73).

É necessário, inicialmente, para o surgimento do Estado, “que exista antes divisão da


sociedade em classes sociais antagônicas, ligadas entre si por relação de exploração”, isto
significa que a classe dominante exerça uma relação de exploração à classe dominada. Tal
situação será possível em sociedades que ultrapassarem o necessário para a sua sobrevivência,
acumulando produtos na propriedade privada, privatizando o excedente da agricultura,
priorizando o econômico. Neste sentido, o Estado só é possível nas sociedades civilizadas, então,
toda sociedade não-primitiva é uma sociedade de Estado, não importando o modelo social e
econômico a ser seguido, em oposição às sociedades primitivas, que “são sociedades sem
Estado”, pois não se preocupam em acumular e a gerar desigualdades. Na sociedade primitiva, o
chefe não dispõe de “nenhum poder de coerção, de nenhum meio de dar uma ordem”, não é
desse modelo que surgirá o poder despótico.
44

Este capítulo procurou analisar a “evolução” do Estado. Trouxe pensadores das ciências
políticas e da filosofia que discorreram sobre o tema, especialmente Hegel e sua Filosofia da
História. O importante, para o estudante, é perceber as transformações do Estado não só nos
períodos históricos, mas também as concepções de Estado para as diferentes sociedades e
civilizações.
4. O PENSAMENTO POLÍTICO DA SOCIEDADE GREGA

4.1. Os gregos: precursores da política e da democracia

Partimos para a análise do mundo grego e, à medida que o conhecemos, vamos aos poucos
notando as razões que nos aproximam desse povo. Os conceitos de filosofia, história, arte e política
que conhecemos na atualidade têm, sua origem na civilização grega. Por tal razão, como vimos no
capítulo anterior, Hegel, nas Lições sobre a filosofia da história, afirmava que, “entre os gregos,
sentimo-nos de imediato em casa, pois nos encontramos na região do espírito” e no referido povo
dá-se a “verdadeira ascensão e por real renascimento do espírito” (HEGEL, 1975, p. 189).

A história grega é dividida por Hegel em três momentos decisivos: Inicialmente, com a
formação da real individualidade; em segundo lugar, com a autonomia e prosperidade na vitória
externa e, em terceiro, com o período de decadência. O fator geográfico foi preponderante para a
formação cultural, econômica e política da Grécia. O litoral entrecortado e o mar favoreceram o
intercâmbio comercial e cultural com outros povos (navegação, migração, contemplação).

Ao se falar em Estado grego, consideramos que o mesmo inexista como Estado único, isto
é, que totalize toda a civilização helênica. A característica que realmente harmoniza esta realidade é
a cidade-estado, ou seja, “a pólis, como a sociedade política de maior expressão” (DALLARI, 1995,
p. 54). Em termos cronológicos, podemos mencionar o século VI a.C. como o início da civilização
grega e o século III a.C. como o término da mesma.

O Estado grego apresenta algumas características fundamentais:

a) Em oposição ao Estado oriental, temos na Grécia uma reduzida expressão territorial (na
forma de pólis ou cidade-estado);

b) O conjunto de cidadãos é que toma as decisões políticas;


46

c) O conceito e a prática da democracia surgem no tempo de Péricles, pela primeira vez na


história;

d) Surge o pensamento político;

e) Os cidadãos usufruem intensamente dos direitos que a participação política proporciona.

Foi na antiga Grécia que se iniciaram os argumentos lógico-racionais, ultrapassando, dessa


forma, a visão mítica mediante a qual o homem, até então, orientava-se. Os aspectos geográficos,
políticos e sociais contribuíram, intensamente, para que a antiga Grécia fosse o berço da
racionalidade ocidental. Hegel comenta que a “Grécia é a mãe da filosofia, isto é, da consciência de
que o ético e o jurídico se revelam no mundo divino e de que também o mundo tem validade”
(HEGEL, 1975, p. 400).

A história começa com os gregos, porque com eles se inicia a consciência e a realização de
um fim de natureza universal e não de qualquer fim, ao contrário das nações do Oriente, nas quais a
história encontra-se submersa em uma consciência natural e particular. Assim, como os orientais são
considerados povos infantis, isto é, devem aprender o caminho para alcançar a história universal, a
Grécia é considerada a adolescência, que começa a negar o estabelecido e procura afirmar-se com
uma identidade própria. O entendimento de Thadeu Weber vai nessa direção, ao descrever que os
gregos representam o espírito juvenil, porque começam a fazer-se livres, através da consciência.
Com a juventude começam, propriamente, as contradições. Superá-las significa elevá-las e guardá-
las, num nível superior (WEBER, 1993, p. 208).

Assim, o homem grego alcança o espírito universal na medida em que se desprende dos
fatos de natureza particular e começa a produzir as coisas por si mesmo.

A cidade grega deixa transparecer a autêntica face do Estado, determinada e instituída por
um acordo entre os indivíduos que, reconhecendo-se mutuamente, fazem um contrato e se definem
como livres: é uma “obra-de-arte política”.

Para que os cidadãos gregos exercessem a participação efetiva na pólis, seria necessária a
permanência e a perpetuação de escravos para mantê-los e sustentá-los. Argumenta Hegel: A
escravidão era a condição necessária de semelhante democracia, onde todo cidadão tinha o direito e
o dever de escutar e pronunciar na praça pública discursos sobre a administração do Estado, de
exercitar-se nos estádios e tomar parte das festas (HEGEL, 1975, p. 460). O homem grego, para
47

alcançar sua plena cidadania, deveria estar isento dos trabalhos manuais da vida cotidiana, deixando
estes encargos para os escravos.

4.1.1. A etimologia da palavra política

A palavra “política” provém dos vocábulos gregos pólis, politeia, política, politikè. – ê
Pólis: a Cidade, a região, ou ainda a reunião dos cidadãos que formam a cidade; – ê politeia: o
Estado, a Constituição, o regime político, a República, a cidadania (no sentido do direito dos
cidadãos); – ta política: plural neutro de políticos, as coisas políticas, as coisas cívicas, tudo o que é
inerente ao Estado, à Constituição, ao regime político, à República, à Soberania; – ê politikè
(techné): a arte da política (PRÉLOT, 1964, p. 7). Em sentido comum, a política é essencialmente a
vida política, a luta em torno do poder; é o fenômeno em si mesmo.1

Para Kitto (1970), a formação da pólis grega resulta, entre outros fatores, de migrações dos
dórios, beócios e tessálios (1.200 a.C. em diante). Os núcleos urbanos, construídos em torno das
fortalezas micênicas, se transformam em comunidades político-religiosas autônomas. Ática, Argos,
Atenas, Esparta, Tebas, Mileto e Corinto estabelecem relações comerciais entre si e através de todo
o Mediterrâneo. Em torno de 1.000 a.C., o intercâmbio comercial transforma-se num processo de
colonização e escravização de outros povos; “pólis é a palavra grega que traduzimos por cidade-
estado. É uma má tradução porque a pólis comum não se assemelhava muito a uma cidade e era
muito mais que um Estado” (1970, p. 107).

No entendimento de Marilena Chauí (1994, p. 371), pólis significa cidade, entendida como
comunidade organizada, formada pelos cidadãos (politikos), isto é, pelos homens nascidos no solo
da cidade, livres e iguais, portadores de dois direitos inquestionáveis: a isonomia (igualdade perante
a lei) e a isegoria (o direito de expor e discutir em público opiniões sobre ações que a Cidade deve
ou não realizar)2. Ser cidadão, para os gregos, significava usufruir certas vantagens que nenhum

1
Para Moses Finley os gregos foram os verdadeiros fundadores da política (1998, p. 31-32).
2
Sobre a “palavra” (a importância da discussão), observa Aristóteles (Pol. I; 2): “É evidente que o homem é um animal
mais político do que as abelhas ou qualquer outro ser gregário. A natureza, como se afirma freqüentemente, não faz nada
em vão, e o homem é o único animal que tem o dom da palavra. E mesmo que a mera voz sirva para nada mais do que
uma indicação de prazer ou de dor, e seja encontrada em outros animais..., o poder da palavra tende a expor o
conveniente e o inconveniente, assim como o justo e o injusto. Essa é uma característica do ser humano, o único a ter
noção do bem e do mal, da justiça e da injustiça. E é a associação de seres que têm uma opinião comum acerca desses
assuntos que faz uma família ou uma cidade”.
48

outro homem conhecera. Como afirma Minogue (1998, p. 19): “Os cidadãos tinham riqueza, beleza
e inteligência diversas, mas como cidadãos eram iguais”.3

É exatamente na pólis grega (cidade) que se tem uma forma mais acabada e apurada da
vida social organizada, o que a diferencia, e muito, das sociedades anteriores. Segundo Jaeger (s.d.),
é da pólis que deriva o que entendemos atualmente por “política” e “político”, e mais, “foi com a
pólis grega que apareceu, pela primeira vez, o que nós denominamos Estado - conquanto o termo
grego se possa traduzir tanto por Estado como por cidade. Sendo Estado e pólis equivalentes” (p.
98).

Segundo a descrição de Chauí (1994, p. 371), ta politika são os negócios públicos dirigidos
pelos cidadãos: costumes, leis, erário público, organização da defesa e da guerra, administração dos
serviços públicos (abertura de ruas, estradas e portos, construção de templos e fortificações, obras de
irrigação, etc.) e das atividades econômicas da cidade (moeda, impostos e tributos, tratados
comerciais, etc.).

Civitas é a tradução latina de pólis, portanto, a cidade, como ente público e coletivo. Res
publica é a tradução latina para ta politika, significando, portanto, os negócios públicos dirigidos
pelo populus romanus, isto é, os patrícios ou cidadãos livres e iguais, nascidos no solo de Roma.

Pólis e civitas correspondem (imperfeitamente) ao que, no vocabulário político atual,


chamamos de Estado: o conjunto das instituições públicas (leis, erário público, serviços públicos) e
sua administração pelos membros da cidade. Ta politika e res publica correspondem
(imperfeitamente) ao que se designa, contemporaneamente por práticas políticas, referindo-se ao
modo de participação no poder, aos conflitos e acordos na tomada de decisões e na definição das leis
e de sua aplicação, no reconhecimento dos direitos e das obrigações dos membros da comunidade
política às decisões concernentes ao erário ou fundo público.4

Dizer que os gregos e romanos inventaram a política não significa dizer que, antes deles,
não existissem o poder e a autoridade política propriamente dita. 5 Para compreendermos o que se

3
O trabalho de Minogue (1998) é uma excelente síntese do pensamento político ocidental.
4
Para Châtelet (1985, p. 13), a pólis, a cidade grega, é entendida como um dos produtos mais marcantes do “milagre
grego”.
5
Segundo Minogue (1998, p. 20), os gregos foram os pioneiros na política, o que vem antes deles, o despotismo
oriental, não é política.
49

pretende dizer com isso, convém examinarmos como era concebido e praticado o poder nas
sociedades não greco-romanas.6

Chauí afirma que os gregos e romanos foram os pioneiros na política, mesmo que, no
começo, os gregos e romanos tivessem conhecido a organização econômico-social de tipo despótico
ou patriarcal, que era própria das civilizações orientais (1994, p. 374). Assim, um conjunto de
medidas foi tomado pelos primeiros dirigentes - os legisladores -, de modo a impedir a concentração
do poder e da autoridade nas mãos de um rei, senhor da terra, da justiça, das armas, representante da
divindade.7

Afirmar que os gregos e romanos foram inventores da política não significa a instituição de
uma “sociedade e uma política cujos valores e princípios fossem idênticos aos nossos” (CHAUÍ,
1994, p. 376). Em primeiro lugar, a “economia era agrária e escravista, de sorte que uma parte da
sociedade - os escravos - estava excluída dos direitos políticos e da vida política. Em segundo lugar,
a sociedade era patriarcal e, conseqüentemente, as mulheres também estavam excluídas da cidadania
e da vida pública. A exclusão atingia também estrangeiros e miseráveis” (1994, p. 376-377).

Quem realmente participava da pólis? A cidadania era exclusiva dos homens adultos, livres
e nascidos no território da cidade. Como nos diz Chauí (1994, p. 377):

A diferença de classe social nunca era apagada, mesmo que os pobres tivessem direitos
políticos. Assim, para muitos cargos, o pré-requisito da riqueza vigorava e havia mesmo
atividades portadoras de prestígio que somente os ricos poderiam realizar. Era o caso, por
exemplo, da liturgia grega e do evergetismo romano, isto é, de grandes doações em
dinheiro à cidade para festas, construção de templos e teatros, patrocínios de jogos
esportivos, de trabalhos artísticos.

Como vimos, o conceito política, no sentido originário, provém de pólis (politikos) cidade
e tudo o que se refere a ela; conseqüentemente, a tudo que é urbano, civil e público.

6
Conferir a análise de Chauí (1994, p. 371-381) sobre o conceito de política, segundo a etimologia. A invenção da
política, segundo a autora, dá-se com os gregos e romanos, bem como todo o vocabulário político que conhecemos
atualmente refere-se aos gregos e romanos. A política é entendida pelos gregos como “vida boa”, como racional, feliz e
justa, própria dos homens livres. Para os gregos, a finalidade da vida política é a justiça (entendida como concórdia) na
comunidade.
7
Não apenas a política inicia com os gregos, mas “a poesia épica, a história, o drama, a filosofia com todos os seus
ramos, desde a metafísica até a economia, a matemática e muitas das ciências naturais - tudo isto começa com os
Gregos” (KITTO, 1970, p. 14).
50

O filósofo Platão, na obra A República, tratou da política e do Estado ideal 8. Tratou das
formas ideais e degeneradas de política. Também Aristóteles tratou sobre o tema na obra A Política.
Este foi o primeiro tratado sobre a natureza, funções e divisões do Estado sobre as várias formas de
governo. Originalmente, a política é apenas uma ciência do Estado. Aristóteles tratou das três formas
de poder: o poder paterno: pelo interesse dos filhos; o poder despótico: pelo interesse do senhor e, o
poder político: pelo interesse de governantes e governados. Atualmente o conceito de política se
ampliou e refere-se a atividades que de alguma forma têm por referência a pólis.

4.1.2. A origem do conceito democracia

A palavra democracia, de origem grega, significa, pela etimologia, demos - povo e


kratein - governar. Foi o historiador Heródoto quem utilizou o termo democracia pela primeira vez
no século V antes de Cristo (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 179).9

Há um entendimento unânime sobre as várias e possíveis “invenções” da democracia em


períodos e espaços determinados da história e da geografia do Ocidente: “como o fogo, a pintura ou
a escrita, a democracia parece ser inventada mais de uma vez, em mais de um local [...] depende das
condições favoráveis” (DAHL, 2001, p. 19). Grécia e Roma consolidaram por séculos seus sistemas
de governos, possibilitando e permitindo a participação de um significativo número de cidadãos.
Com o desaparecimento das civilizações clássicas, a democracia desaparece juntamente e, por um
bom tempo ficará fora de cena no Ocidente.

A democracia grega era uma democracia direta em que os próprios cidadãos tomavam as
decisões políticas na pólis. O modelo de democracia dos antigos foi denominado de democracia
pura, pois consistia em uma sociedade com um número pequeno de cidadãos, que se reunia e
administrava o governo de forma direta. Já as democracias modernas nascem com a formação dos

8
Sobre a questão do Estado em Platão, Jaeger, na Paidéia (2003, p. 1330) afirma que: “... para Platão o Estado nunca é o
mero poder, mas sempre a estrutura espiritual do homem que o representa”. E o governante, para Platão, deve conhecer
os valores supremos, “... isto é, das coisas de que vale a pena preocupar-se na ação” (JAEGER, 2003, p.1372).
9
A proposição deste capítulo não é aprofundar o debate sobre a origem da democracia clássica dos gregos e romanos
(democracia antiga). No entanto, sugerimos alguns autores que tratam o tema: Anderson (1998), Arendt (1995), Hegel
(1975), Minogue (1998), Kitto (1970), Jaeger (s.d), Chauí (1994), Aranha e Martins (1993), Barker (1978), Aquino
(1988), Pinsky (1984) e Coulanges (s/d). O desdobramento dos debates sobre o desenvolvimento do conceito de
democracia, bem como os limites de seus pressupostos desde a democracia clássica ateniense até as vertentes
contemporâneas, já foram muito bem expostos nos trabalho de Held (1987) e Dahl (2001), entre outros.
51

Estados nacionais e tendem a configurar-se de maneira um tanto diferenciada. A complexidade da


sociedade moderna exige uma outra forma de organização política, a da democracia indireta
(também chamada de democracia representativa): “essa combinação de instituições políticas
originou-se na Inglaterra, na Escandinávia, nos Países Baixos, na Suíça e em qualquer outro canto
ao norte do mediterrâneo” (DAHL, 2001, p. 29). Já do ano 600 ao ano 1000 d.C., os Vikings, na
Noruega, faziam experiências com Assembléias Locais, mas só os homens livres participavam:
“abaixo dos homens livres estariam os escravos” (p. 29). Também na Inglaterra, ainda no Período
Medieval, emerge o Parlamento Representativo das Assembléias, convocadas esporadicamente, sob
a pressão de necessidades, durante o reinado de Eduardo I, de 1272 a 1307.

Bem mais tarde, nos séculos XV e XVI, a democracia reaparece gradativamente nas
cidades do Norte da Itália no período renascentista:

Durante mais de dois séculos, essas repúblicas floresceram em uma série de cidades
italianas. Uma boa parte dessas repúblicas, como Florença e Veneza, eram centros de
extraordinária prosperidade, refinado artesanato, arte e arquitetura soberba, desenho urbano
incomparável, música e poesia magnífica, e a entusiástica redescoberta do mundo antigo da
Grécia e de Roma (DAHL, 2001, p. 25).

É assim que, lenta e gradativamente, a democracia vai consolidando-se nas sociedades


avançadas da modernidade. Impulsionado pelas revoluções liberais, como a Revolução Gloriosa na
Inglaterra (1688/89), a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789), o homem
moderno passa a ver garantida, nas suas respectivas Constituições, a defesa dos direitos individuais
(vida, liberdade e propriedade). Tem-se aí a consolidação da democracia liberal, defendida,
principalmente, por John Locke. É certo, porém, que tais direitos foram restritos a uma pequena
parcela da população e que a desigualdade perdurou por muito tempo: na Inglaterra, em 1832, o
direito de voto era para apenas 5% da população acima dos vinte anos de idade. O que está em jogo
nas constituições liberais e nos sistemas políticos modernos são única e exclusivamente os interesses
da classe burguesa e o freamento da participação para o restante da população.

Nota-se que, mesmo que a democracia inventada pelos gregos nos séculos V e IV a.C.
fosse elitista e escravista (participação restrita), ela não deixou de significar um avanço em relação
às tiranias teocráticas das civilizações orientais que a antecederam. Logo após este período, a
democracia desapareceu por séculos e, depois disso, foi só no final do século XVIII e no século XIX
que a idéia voltou a se tornar importante; e só no século XX é que ela se viu devidamente afirmada
52

na prática10. É somente depois da Primeira Guerra Mundial que a desaprovação geral da democracia
foi substituída pela aprovação generalizada (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 180).

É necessário ressaltar, ainda, que as civilizações greco-romanas eram, de certa forma,


mediterrâneas, ou seja, dependiam desse mar para o intercâmbio comercial e cultural: “O transporte
marítimo era o único meio viável para a troca de mercadorias a média e a longa distância”
(ANDERSON, 1998, p. 20). É inconcebível entender as civilizações antigas sem o mar, pois o
mesmo era, segundo Anderson, “condutor do brilho duvidoso da Antigüidade” (Idem, p. 21).

Como vimos, a democracia foi uma criação da genialidade dos gregos, mais precisamente
da pólis (cidade-estado) de Atenas. O termo foi concebido a partir das profundas reformas sociais e
políticas de Clístenes, no final do século VI a.C. É importante ressaltar que o termo “democracia”
não pode ser entendido sob a tradução cômoda e reducionista de ser o “governo do povo”. Para os
gregos, “democracia” representava o governo dos demos, que eram um tipo de distrito territorial
composto por homens livres capazes de tomar as decisões da “cidade” (pólis) isto é, uma forma
direta de exercer a ação política, sem as formas representativas das democracias modernas.11

No chamado período arcaico, (séculos. VIII a VI a.C.), ocorreram grandes alterações com
o desenvolvimento das atividades comerciais, o que determinou o aparecimento de diversas pólis
(cidades-estados) na Grécia Antiga. A passagem da predominância do mundo rural da aristocracia
(donos de terras) para o mundo urbano vem acompanhada de outras mutações igualmente
importantes, como o surgimento da escrita, da moeda, das leis escritas e culminaram no
aparecimento de uma nova racionalidade, a filosofia (logos), que deu autonomia ao homem grego de
pensar por si só. A origem do cosmos e do homem não será mais explicada a partir dos mitos e das
divindades, mas a partir da própria razão do homem.

A conseqüência de tais alterações para a política se faz sentir de maneira diferente


conforme o lugar. Mas em Atenas, sobretudo, desenvolveram-se as concepções de cidadania e de
democracia, que viveram o seu momento de apogeu no século V a.C. 12 Em oposição à idéia
aristocrática de poder, o cidadão poderia e deveria atuar na vida pública independentemente da

10
É claro que houve muitas experiências democráticas, como vimos na página anterior, mas a afirmação da democracia é
recente.
11
Conferir o artigo de Karnikowski (2000).
12
No século V havia talvez de uns 80 a 100 mil escravos em Atenas para 30 a 40 mil cidadãos (WETERMANN Apud
ANDERSON, 1998, p. 176).
origem familiar, classe ou função.13 Todos são iguais, tendo o mesmo direito à palavra e à
participação no exercício do poder.

Na verdade, eram considerados cidadãos aproximadamente 10% da população ativa da


cidade, sendo excluídos os estrangeiros, as mulheres e os escravos.14 No entanto, o importante é que
se desenvolveu uma nova concepção do poder, opondo a democracia à aristocracia e o ideal do
cidadão ao do guerreiro.15

O homem (cidadão) era detentor do saber - o ser da filosofia, tinha direito de filosofar, de
participar da academia (culto à beleza física) - do estudo e do poder (direito de comandar
politicamente todos os interesses da pólis, como leis e normas administrativas). A produção cultural,
o pensamento filosófico, a academia eram uma exclusividade dos varões, isto é, de uma minoria. Ser
cidadão, segundo o teórico Coulanges (s/d), “é todo o homem que segue a religião da cidade, que
honra os mesmos deuses da cidade, (...) o que tem o direito de aproximar-se dos altares e, podendo
penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembléias, assiste às festas, acompanha as
procissões, e participa dos panegíricos, participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das
vítimas. Assim esse homem, no dia em que se inscreveu no registro dos cidadãos, jurou praticar o
culto dos deuses da cidade e por eles combater” (s/d, p. 135). Os escravos e os bárbaros não podiam
tomar parte dos ambientes sagrados.

Segundo alguns teóricos, apenas 10% da população eram considerados cidadãos em


Atenas. A fim de reduzir as despesas do Estado, o governo restringiu o direito de cidadania: somente
os filhos de pai e mãe atenienses seriam considerados cidadãos. As mulheres, os metecos
(estrangeiros) e os escravos continuaram desprovidos de quaisquer direitos políticos (AQUINO,
1988, p. 200).16 A mulher era considerada o “não ser”. Equiparada aos escravos, cuidava dos

13
Hannah Arendt (1995, p. 41) apresenta uma diferença substancial entre a pólis e a família, na pólis todos são iguais, na
família há diferenças: “A pólis diferenciava-se da família pelo fato de somente conhecer ‘iguais’, ao passo que a família
era o centro da mais severa desigualdade”.
14
Os dados sobre o número exato de habitantes (cidadãos, escravos e bárbaros) de cada cidade-estado são divergentes
entre os estudiosos. Diz Kitto (1970, p. 110) que “só três poleis tinham mais de 20 mil cidadãos - Siracusa, Acragas
(Agrimento), na Cicília, e Atenas”. Segundo Anderson (1998, p. 176), Atenas talvez tivesse uma população de 250 mil
pessoas.
15
Segundo Aranha e Martins (1993, p. 191), apenas 10% dos atenienses eram considerados cidadãos (cerca de meio
milhão de habitantes), trezentos mil eram escravos e cinqüenta mil metecos (estrangeiros).
16
“O cidadão era o homem cujos pais fossem ambos atenienses natos, sendo 20% da população, os outros 80% eram
considerados ‘bárbaros ou comuns’ (THOMAS, 1967, p. 62); “É verdade que havia ali uns 80.000 escravos de ambos os
sexos, e apenas 40.000 cidadãos, o que daria dois escravos para cada cidadão” (BARKER, 1978, p. 45). Ainda sobre a
população de Atenas: “A população total de Atenas na época pode ser estimada de 300.000 a 400.000 habitantes. Este
total inclui: i) cidadãos, suas esposas e seus filhos, totalizando mais de 160.000 pessoas; ii) os metecos, ou estrangeiros
afazeres “domésticos”, servia como instrumento de procriação, não participando, portanto, das
decisões da pólis.17 O filho, de preferência, deveria ser homem, sendo candidato em potencial para
exercer a cidadania. O escravo servia de mão-de-obra para sustento e manutenção dos cidadãos (60
mil para 30 mil cidadãos).18

Algumas características principais da pólis grega: reduzida expressão territorial; o centro


da vida política é o povo, ou o conjunto dos cidadãos; surge nas cidades-estado gregas, pela primeira
vez na história, o conceito e a prática da democracia ateniense (no tempo de Péricles); nasce,
igualmente, o pensamento político e o Direito Constitucional; os cidadãos gozam intensamente de
direitos de participação política. Em síntese, o grego é, por excelência, o homem dado aos debates
na Ágora, aos discursos e às discussões políticas (PRÉLOT, 1973, Livro I, p. 32).19

Agora (Praça Pública) de Atenas.20

residentes, a quem os atenienses dispensavam tratamento generoso, e que chegavam a 45.000, contanto só os adultos, ou
a mais de 90.000, incluindo as crianças; iii) os escravos, cujo número se estima em 80.000”.
17
A função essencial das mulheres, na Grécia, era apenas a procriação, além de serem equiparadas aos escravos:
Aristóteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do público, eram os trabalhadores que “com o
seu corpo, cuidavam das necessidades (físicas), da vida” (Política 1254b25). “As mulheres que, com seu corpo,
garantem a sobrevivência física da espécie. Mulheres e escravos pertenciam à mesma categoria e eram mantidos fora das
vistas alheias - não somente porque eram propriedade de outrem, mas porque a sua vida era “laboriosa”, dedicada a
funções corporais” (ARISTÓTELES Apud ARENDT, 1995, p. 82-83).
18
A democracia ateniense, segundo Aquino (1988, p. 196), era uma democracia escravista, pois o trabalho escravo era a
base da vida econômica da sociedade, e os trabalhadores escravos, que consistiam senão a maioria, pelo menos uma
parcela considerável da população da Ática, não possuíam quaisquer direitos civis ou políticos.
19
Péricles faz o elogio da democracia. Segundo o estadista, a democracia ateniense é a escola da Grécia e ressalta seu
aspecto original: “não imitamos a Lei dos nossos vizinhos” (PRÉLOT, 1973, Livro I, p.56). Também Eurípedes e
Isócrates deixaram seu testemunho em favor da democracia. Diz Isócrates: “Estabelecemos entre os outros a nossa
Constituição” (p.64)
4.1.3. Uma democracia escravista

A brilhante civilização grega no período clássico (séculos V e IV a.C.) emergiu sob o


regime escravista. Não existe cidadão nem pólis sem a contribuição massiva dos escravos; por isso,
costuma-se afirmar que a democracia grega era escravista. Os escravos eram utilizados na
manufatura, na indústria, na agricultura e na vida doméstica. O número de escravos para cada
cidadão difere de comentador a comentador. Alguns afirmam que existiam de 3 a 7 escravos para
cada cidadão. Aristóteles e Platão, dois grandes pensadores da Antigüidade, são unânimes ao afirmar
a necessidade do trabalho escravo para o ócio do cidadão: “O melhor Estado não fará de um
trabalhador manual um cidadão, pois a massa de trabalhadores manuais é hoje escrava ou
estrangeira” (ARISTÓTELES Apud ANDERSON, 1998, p. 26). Platão excluía os artesãos dos
benefícios de participar da pólis: “O trabalho permanece alheio a qualquer valor humano e em certos
aspectos parece mesmo a antítese do que seja essencial ao homem” (Apud ANDERSON, 1998, p.
27).

Como vimos, é preciso considerar a democracia grega dentro da lógica da escravidão. Para
isso muitos pensadores da Antigüidade clássica não apenas aceitaram, mas justificaram a existência
da escravidão.

Jaime Pinsky (1988) relata, no capítulo primeiro de sua obra 100 Textos da História
Antiga, que o comércio de escravos era uma prática comum entre os amoritas já no século XIX a.C.
e que o Código de Hamurábi justificava a escravidão: “Se um homem comprou um escravo ou
escrava e (se) este não tiver cumprido um mês (de serviço) e (se) uma moléstia (dos membros) se
apossou dele, ele retornará a seu vendedor e o comprador que despendeu. Se um homem comprou
um escravo ou uma escrava e (se) surgir reclamação, seu vendedor satisfará a reclamação”
(CÓDIGO DE HAMURÁBI, GG. 278 / 282 Apud PINSKY, 1984, p. 9).

Entre os hebreus, a prática da escravidão seguia algumas regras estabelecidas. Primeira: os


escravos trabalhariam seis anos para seu patrão e, no final do mesmo ano, seriam libertos (ano
sabático). Segunda: os escravos não poderiam ser maltratados, vindo, se isso acontecesse, o seu

20
Ao centro a Ágora (praça pública = debate público), acima, à direita, vê-se o Parthenon, símbolo do poder ateniense no
fim do século V. O Parthenon era um dos templos da acrópole de Atenas. Ictinos e Calícrates (arquitetos); Fídias (diretor
da obra), que viveu entre os anos de 447/433 A. C..
56

dono (o patrão, a sofrer duras penas). Geralmente os escravos provinham dos hebreus de outras
nações ou eram comprados como forasteiros que peregrinavam por terras hebraicas.21

Até mesmo o grande filósofo grego Aristóteles justificava a escravidão por considerar que
há homens escravos pela sua própria natureza e somente um poder despótico (legítimo) é capaz de
governar.22

A necessidade do Estado é decorrente, segundo Aristóteles, das necessidades individuais. O


homem só sentiu falta do Estado quando a satisfação de suas necessidades elementares não bastava.
Só o Estado poderia dar ao indivíduo proteção para que ele realizasse seus ideais éticos, morais e
políticos.

A família apenas dá ao homem a sobrevivência física. O Estado é, portanto, utilitário. A


escravidão não era só admitida como até justificada. Os governantes deveriam ser os dotados de
aptidões espirituais. Àqueles que não possuíam dotes intelectuais - escravos e estrangeiros - estavam
reservados os trabalhos mais humildes. O escravo era considerado incapaz para exercer a cidadania.

O escravo, para Aristóteles, era considerado um bem animado que estava a serviço de
outros instrumentos. Aristóteles difere os instrumentos de produção dos instrumentos de ação, sendo
que o escravo pertence ao segundo e as máquinas ao primeiro. O escravo é propriedade de seu
senhor, isto é, faz parte do mesmo, então o escravo pertence ao senhor por completo. Por natureza,
“o escravo não pertence a si mesmo, senão a outro, sendo homem, esse é naturalmente escravo; é
coisa de outro, aquele homem que, a despeito de sua condição de homem, é uma propriedade e uma
propriedade sendo de outra, apenas instrumento de ação, bem distinta do proprietário”
(ARISTÓTELES, A política, Livro I, 4, 1253b 25ss Apud PINSKY, 1984, p. 12). No Império
Romano, o escravo é uma espécie de homem de segunda categoria, sendo utilizado como mão-de-
obra para a sustentabilidade dos cidadãos. Os escravos estavam submetidos ao poder de seus amos.
Esta norma já estava estabelecida como direito dos povos; “pois podemos observar que, de um
modo geral, em todos os povos, o amo tem sobre os escravos poder de vida e de morte, e tudo aquilo

21
Pode-se conferir o Livro do Êxodo (21.1-11, 20-21, 26-27); Levítico (25.39-52), In. BÍBLIA SAGRADA.
22
A visão que Aristóteles tem sobre a mulher, os escravos e os estrangeiros (bárbaros) é de seres excluídos da cidadania.
Conferir Minogue (1998, p. 22).
que se adquire por intermédio do escravo pertence ao amo” (PINSKY, 1984, p. 15). O bárbaro que,
sendo estrangeiro23, não tendo sangue grego, nem ser humano era considerado. 24

4.2. A origem da filosofia na Grécia

Para Werner Jaeger (2003, p. 1062), “[em] última instância, foi do ventre materno da poesia,
a mais antiga paidéia dos gregos, que tanto a Filosofia como a Retórica brotaram, e à margem desta
origem não poderiam ser compreendidas”. Em nota (nota 6, p. 1062) acrescenta Jaeger: “A filosofia
grega só pode ser avaliada na sua importância como membro do organismo da cultura, desde que
seja ligada, da maneira mais íntima, à história da cultura grega”.

4.2.1. A filosofia é “filha” da pólis

O homem grego abandonou, aos poucos, a explicação mitológica (religião) e passou a dar
explicação racional para os problemas de ordem cosmológica (origem do mundo) e antropológica
(origem do homem).25 Os filósofos fundamentavam suas idéias em conceitos universais. Por
exemplo, o conceito de justiça deveria contemplar a justiça a todos os homens e, não apenas a
interesse de grupos, como defendiam os sofistas. Os filósofos trouxeram importantes contribuições
para o pensamento político. Críticos dos costumes e da sociedade do seu tempo foram também
23
Se ao cidadão dá-se o direito de participar das decisões e dos cultos da cidade, ao estrangeiro, o contrário: “O
estrangeiro é aquele que não tem acesso ao culto, a quem os deuses da cidade não protegem e nem sequer tem o direito
de invocá-los” (COULANGES, s/d, p. 135). “Admitir um estrangeiro entre os cidadãos é ‘dar-lhe participação na
religião e nos sacrifícios’ (DEMÓSTENES, IN Neaeram, 89, 91, 92, 113, 114 Apud COULANGES, s/d, p. 136);
“Ninguém podia naturalizar-se cidadão de Atenas, quando já o fosse de outra cidade” (PLUTARCO, Sólon, 24. Cícero,
Pro Caecina, 34, Apud. COULANGES, s/d, p. 136): “O estrangeiro não tinha direito algum. Se entrava no recinto
sagrado que o sacerdote havia delimitado para a assembléia, era punido com a morte. As leis da cidade não existiam para
ele. Se cometesse algum delito, tratavam-no como um escravo e puniam-no sem processo, pois a cidade não lhe devia
nenhuma justiça” (ARISTÓTELES, A Política, III, I,3. Platão, Leis, VI Apud COULANGES, s/d, p. 136): “Podia-se
acolher bem o estrangeiro, velar por ele, estimá-lo mesmo se fosse rico ou honrado, mas não se lhe dava parte na religião
e no direito. O escravo, de certa maneira, era mais bem tratado que o estrangeiro; na verdade, sendo membro de uma
família, da qual participava do culto, estava ligado à cidade por intermédio de seu senhor; os deuses protegiam-no. Por
isso a religião romana dizia que o túmulo do escravo era sagrado, mas não considerava igualmente sagrado o do
estrangeiro” (Digesto, liv. XI, tít.7, 2; Liv. XLVII, tít. 12, 4, Apud COULANGES, s/d, p. 137).
24
É importante mencionar que a palavra bárbaro, para os gregos, não contém o mesmo significado que entendemos
atualmente, não era um termo de desprezo ou repugnância, mas apenas era considerado bárbaro “aquele que não falava
grego”, ou “pertencesse a alguma tribo selvagem da Trácia, ou a uma das luxuosas cidades do Oriente, ou do Egito, que,
como os gregos bem sabiam, tinha sido um país organizado e civilizado muitos séculos antes de a Grécia existir
(KITTO, 1970, p. 12); “O estrangeiro (bárbaro) não era cidadão” (AQUINO, 1988, p. 191).
25
Sobre os gregos e a história da filosofia conferir o trabalho de Finley (1998), especialmente o capítulo VIII.
58

adversários do regime democrático, por entenderem que a sua base não era o saber verdadeiro, pois
permitia que a falsidade e a incompetência, desde que apoiada na vontade da maioria, se
impusesse26. Pesou também, na sua oposição à democracia 27, a existência de concepções elitistas
acerca da natureza humana: eles não acreditavam na igualdade fundamental entre os seres humanos.
Aristóteles, por exemplo, defendia a escravidão e o predomínio masculino como uma decorrência da
própria natureza: há pessoas que, por natureza, tendem para o mando: outras para obedecer - entre
estas últimas coloca os escravos. A visão negativa acerca da democracia perdurou entre os
intelectuais até por volta do séc. XVII.

Política e Filosofia nasceram na mesma época. Por serem contemporâneas, diz-se que “a
Filosofia é filha da pólis” e muitos dos primeiros filósofos (os chamados pré-socráticos) foram
chefes políticos e legisladores de suas cidades. Por sua origem, a filosofia não cessou de refletir
sobre o fenômeno político, elaborando teorias para explicar sua origem, sua finalidade e suas
formas. A esses filósofos devemos a distinção entre poder despótico e poder político.28

26
Para Platão, por exemplo, há um paralelismo entre Estado e Homem. Às “formas estatais da timocracia, da oligarquia,
da democracia e da tirania, Platão distingue um tipo de homem timocrático, oligárquico, democrático e tirânico; e entre
esses tipos de Homem, tal como as diversas formas de Estado, estabelece diferentes graus de valor, até chegar ao tirano,
último grau da escala e reverso do homem justo” (JAEGER, 2003, p. 928-929).
27
Sobre a concepção de “Homem Democrático” para Platão: “Tão cedo viverá entre canções e vinho, como beberá água
e emagrecerá; tão cedo se dedicará ao esporte como se sentirá mole e inativo ou entregue apenas aos interesses especiais.
Às vezes lança-se na política, levanta-se e fala, outras vezes retira-se para o campo, por achar formosa a vida rural, ou
então dedica-se à especulação. A sua vida carece de ordem, mas ele a chama de vida formosa, liberal e feliz. Este
homem é uma antologia de diversos caracteres e alberga um tesouro de ideais que se excluem uns aos outros” (PLATÃO
Apud JAEGER, 2003, p. 950).
28
Ser filósofo é ser, segundo Castoriadis (1987, p.114), cidadão por excelência: “O filósofo foi, na Grécia, durante um
longo período inicial, nada mais nada menos que um cidadão. Por isso, às vezes, foi chamado a “dar leis” à sua cidade
ou a uma outra. Sólon é o exemplo mais célebre”.
59

4.2.2. Os pré-socráticos

Heráclito de Éfeso29

Pode-se afirmar, inicialmente, que a preocupação essencial dos primeiros pensadores


gregos era com o cosmos (natureza), no qual procuravam a arché (origem, essência) de todas as
coisas.

O primeiro grande filósofo que a história apresenta é Tales de Mileto, nascido no século
VI30, que procurou, pela razão, o primeiro princípio - a “arché” - que pudesse explicar toda a
realidade cósmica. Foi o primeiro a lançar as bases do materialismo espontâneo ou da filosofia da
natureza: “Tudo na Natureza derivava de um elemento básico, a água” (AQUINO, 1988, p. 212). E
chega a esta conclusão: uma vez que as chuvas geram a fecundidade e todos os seres vivos têm
necessidades de umidade, é a água o elemento primordial de onde nascem todos os seres e que
compõe os mesmos. Outros importantes pensadores surgem neste período: Anaxímines teorizou que
a natureza se desenvolveu a partir do ar (a própria alma é ar); Anaximandro 31, afirmou que o apeiron
(matéria) é a base do mundo.

29
Disponível em http://www.educacion.yucatan.gob.mx/images/fotos/tn_200411183168.jpg. Acesso em 28 de novembro
de 2007.
30
Ver também OS PENSADORES. História da Filosofia. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. Especialmente, cap.
Os Primeiros Filósofos.
31
Para Jaeger (1993, p.183), Anaximandro é a figura mais importante dos físicos milesianos, para elucidarmos o espírito
daquela filosofia arcaica. É o único de cuja concepção do mundo podemos obter uma representação exata. Nele se revela
a prodigiosa amplitude do pensamento jônico. Foi ele quem primeiro criou uma imagem do mundo de verdadeira
profundidade metafísica e rigorosa unidade arquitetônica. Foi ele também o criador do primeiro mapa da terra e da
geografia científica. Remonta, igualmente, aos tempos da filosofia nascida em Mileto, a origem da Matemática grega.
60

Na segunda metade do século VI a.C., surgiram os Pitagóricos (escola fundada por


Pitágoras). Acreditavam que o número era a essência do Universo, “a medida de todas as coisas” (a
matemática = geometria e Aritmética)32. Com Heráclito (fim do séc. VI a.C. e começo do século V),
foram criados os fundamentos da concepção dialética do mundo, pois “tudo está em constante
movimento”, devir (vir-a-ser).

Para Parmênides de Elea (fim do século VI a.C.), o ser é e o não-ser não é (o devir é
impossível). Procurou distinguir aquilo que era objeto puramente da razão (o que chamou Verdade)
e o que era dado pela observação, pelos sentidos - o que denominou opinião. Na visão de Aquino
(1988, p. 213), Parmênides abriu a discussão que ainda hoje persiste, como as questões entre a razão
e a experiência, entre teoria e prática, idealismo e materialismo.

Demócrito (470 a.C. – 370 a.C) afirmava que a natureza era composta de partículas sólidas
e indivisíveis - os átomos, cujos arranjos e movimentos condicionavam a diversidade dos fenômenos
naturais e sociais.

4.2.3. A contribuição dos sofistas na construção da política grega

Protágoras: o mais iminente sofista.33

32
Pitágoras também esboça uma teoria da harmonia musical, ligada aos números: “Conta-se que Pitágoras, examinando
a música, teria descoberto que o som varia de acordo com o comprimento da corda, numa relação proporcional simples:
diminuindo pela metade o comprimento da corda obtém-se uma oitava acima; um acorde (ou harmonia) mais simples é
produzido quando o comprimento das cordas está na razão de 3:4:5. a música, em suma, é uma relação numérica, e se
desagradável, sem harmonia, é porque a relação entre os números não se encontra em uma proporção justa” (OS
PENSADORES, 1999, p. 28).
33
Disponível em http://www.mundocitas.com/fotos/968.jpg. Acesso em 27 de novembro de 2007.
61

A partir da metade do século V, após as guerras persas até o final do século seguinte, o
poder político da antiga aristocracia e da tirania foi substituído, em várias cidades gregas, pela
democracia escravocrata, comandada pela oligarquia34 que, pela primeira vez, assume a vida política
de Atenas. Atenas é o centro da vida cultural grega. O desenvolvimento da nova ordenação
democrática, com comícios, assembléias e tribunais, tornou possível a participação dos cidadãos
comuns na administração da pólis. No entanto, essa participação estava limitada àqueles que tinham
eloqüência e persuasão, como os antigos representantes aristocráticos, cuja cultura e formação
política provinham da tradição familiar, o que não é o caso dos novos detentores do poder. Como
eles não tinham essa formação, foi necessário educá-los para poderem competir em igualdade de
condições e alcançar o objetivo colimado na pólis. Em decorrência dessa necessidade, surgiram em
Atenas mestres que propugnaram a constituição de técnicas de persuasão. Esses novos mestres se
chamavam sofistas.

Sofista significa educador. Não educação popular, mas formação de elites (educação dos
nobres), de chefes políticos. Para se ter esta instrução, pagava-se, por vezes, bastante caro. Esses
mestres eram itinerantes, circulavam de terra em terra, tinham acesso a várias formas culturais, aos
usos e costumes de diferentes povos e lugares. Desse contato tiveram oportunidade de comparar as
diversas instituições políticas, éticas e religiosas. Constataram a convenção humana, por acordo e
pelo hábito, na cultura, costumes e leis; em conseqüência dessa observação, acabaram difundindo a
idéia de que tudo é relativo35.

Segundo Cotrim (1995)36, os sofistas destacaram-se como mestres do saber político e da


retórica37. Eles deveriam propiciar aos alunos habilidades da polêmica e da oratória, sem as quais
um político estava privado de sua principal virtude. Esta é a capacidade da oratória de cada um que
determina o que é justo e não o conhecimento profundo das leis. As técnicas de discurso não
procuravam a verdade, mas provar um determinado ponto de vista; em alguns casos, falseavam-na

34
Ricos proprietários de terras (OS PENSADORES, 1999, p. 16).
35
“Os sofistas foram considerados os fundadores da ciência da educação. Com efeito, estabeleceram os fundamentos
pedagógicos, e ainda hoje a formação intelectual trilha, em grande parte, os mesmos caminhos” (JAEGER, 2003, p.
349).
36
Ver o livro de Cotrim (2002).
37
Escreve Jaeger (2003, p.366): “Antes dos sofistas não se fala de gramática, de retórica ou de dialética. Devem ter sido
eles os seus criadores. Ainda Jaeger (2003, p. 368): “Unida à gramática e à dialética, a retórica tornou-se fundamento da
formação formal do Ocidente. Desde os últimos tempos da Antigüidade formam juntas o chamado trivium, que
juntamente com o quadrivium constituíra as sete artes liberais, que, sob esta forma escolar, sobreviveram a todo o
esplendor da arte e cultura gregas...”. O quadrivium dizia respeito a Aritmética, Geometria, Música e Astronomia.
62

conscientemente. Essa indiferença ao tema de que se tratava e a tese que se defendesse levou ao
desprezo às doutrinas, devendo o aluno ser capaz de defender qualquer tese, verdadeira ou falsa, boa
ou ruim. Assim, atribuíram relatividade a todas as noções, regras básicas e valores humanos. O
aluno deveria conhecer as disciplinas que consideravam a palavra como tal: gramática e retórica.
Persuadir era tão importante que Protágoras chegou a afirmar: “Devemos tornar a parte mais fraca
em mais forte”. E, segundo Górgias, a palavra é o dom com o qual podemos fazer tudo, envenenar e
encantar. O trabalho com a palavra dependia do ensino da gramática, de que eles são os iniciadores,
da crítica literária, da prosa artística, com o ritmo próprio e distinto da poesia, que é também criação
deles, tudo isso tendo em vista a eloqüência. Não descuravam, porém, da Matemática, Aritmética,
Geometria, Astronomia e Música.

Dentre os principais sofistas, destacam-se: Protágoras de Abdera, Górgias de Leôncio,


Trasímaco de Calcedônia, Pródico de Cléos, Hípias de Hélade, Crítias de Atenas, Cálices, Antifonte,
Lécrafonte, Alicidamos, Hipódamos de Mileto. Os sofistas contribuíram para o abandono da
filosofia da natureza, não somente pela mudança na circunstância filosófica, mas também pelas
necessidades criadas pela prática democrática da sociedade ateniense. O advento da democracia
trouxera consigo uma notável mudança na natureza da liderança: já não bastava a linhagem, mas a
liderança política passava pela aceitação popular. Numa sociedade em que as decisões são tomadas
pela assembléia do povo e onde a máxima aspiração é o triunfo, o poder político, depressa se fez
sentir a necessidade de se preparar para ele. Qual era a preparação idônea para o ateniense que
pretendia triunfar na política? Um político necessitava, indubitavelmente, ser um bom orador para
manipular as massas. Necessitava, ainda, possuir algumas idéias acerca da lei, acerca do que é justo
e conveniente, acerca da administração e do Estado. Este era, precisamente, o tipo de treino que os
ensinamentos dos sofistas proporcionavam.

Como contribuição dos sofistas, tem-se o abandono do pensamento mítico-religioso; a


aceitação do racionalismo heracliteano da ordem do universo (uso da razão); a convicção de que as
leis e as instituições são resultados do acordo ou decisão humana: convencional. Os sofistas eram
relativistas, isto é, não acreditavam na possibilidade de os seres humanos chegarem a um saber
objetivo, universal, de modo que, “tudo é relativo”. Esta posição - o relativismo - combinava com a
sua forma de ensinar a argumentar: não interessava tanto o conteúdo científico, mas a capacidade de
convencer os demais. Os filósofos foram severos adversários dos sofistas, exatamente por não
63

concordarem com o seu relativismo. Outra característica era o convencionalismo das instituições
políticas e das idéias morais (tudo se resolve por convenções).

É fácil compreender a transcendência destas reflexões da Sofística. Com elas, inaugura-se o


eterno debate acerca das normas morais, acerca da lei natural (phisis) e da lei positiva (nomos). O
debate começa com os sofistas na filosofia grega; mas não termina com eles, como veremos.

4.2.4. O método socrático

Sócrates.38

Sócrates (470-399 a.C.) foi considerado o homem mais sábio da antiguidade clássica. Era
filho de Sofronisco (escultor) e Fenarete (parteira). A profissão de sua mãe o influenciou a ser
“parteiro” não de crianças, mas de idéias, de conhecimento (ajudou os seus discípulos a pensar de
maneira diferente). Sócrates não fundou escola filosófica, tinha o método do diálogo (na Ágora e
nos ginásios). Fascinou jovens, homens e mulheres da época.39

O tema central de sua filosofia eram as questões antropológicas (o conceito que o homem
pode ter do próprio homem). Enquanto os pré-socráticos perguntavam “o que é a natureza ou o
fundamento último das coisas?”, Sócrates perguntava: “o que é a natureza ou a realidade última do

38
Disponível em http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a4/Socrates_Louvre.jpg/300px-
Socrates_Louvre.jpg. Acesso em 28 de novembro de 2007.
39
Para maiores informações sobre a vida e a filosofia de Sócrates conferir a obra Sócrates: vida e obra (1999).
64

homem?”. A resposta a que Sócrates chegou é de que a essência última do homem é a sua alma,
psyche, nossa sede racional, inteligente e eticamente operanti, ou consciência, a personalidade
intelectual e moral. O pensamento socrático influenciou todo o Ocidente, da antigüidade até os dias
de hoje. Diz Sócrates: “é do aperfeiçoamento da alma que nascem as riquezas e tudo o que mais
importa ao homem e ao Estado”.

O método de Sócrates seguia dois passos: primeiro ele adotava uma posição de ignorante
frente ao interlocutor, dava a entender que era ignorante, fingia que não sabia; com o desenrolar das
acaloradas discussões ia, aos poucos, colocando o debatedor, que achava que sabia, em contradição
até o mesmo se dar conta de sua própria ignorância. A partir desse momento provinha o segundo
passo, que era o processo da “maiêutica” o momento de dar à luz novas idéias. Dessa forma, o
filósofo conquistou amigos e inimigos.40

A característica da filosofia socrática é a introspecção: “conhece-te a ti mesmo” (torna-te


consciente de tua ignorância), que foi retirado do oráculo de Delfos (templo). É preciso, diz
Sócrates, “bem pensar para bem viver”. Sócrates não deixou nada escrito, conhecemos sua obra
graças aos seus discípulos Platão e Xenofonte.

Sócrates tomou parte dos assuntos políticos de sua época, foi um combativo guerreiro. Foi
também um crítico da democracia de sua época, combateu os vícios existentes na pólis, por isso, foi
perseguido e condenado à morte. Teve a oportunidade de fugir (pena do ostracismo = exílio
político), mas, preferiu morrer. O sábio grego foi condenado à morte, sob a acusação de corromper
os jovens, pregar falsos deuses (ateísmo). Quem o condenou foram os poderosos da época (os
acusadores: Anito, Mileto e Licon)

Josten Garden – no livro O Mundo de Sofia traça um paralelo entre Cristo e Sócrates:
Ambos eram pessoas carismáticas e considerados enigmáticos em vida; Nenhum deixou algo
escrito, o que sabemos deles nos vem dos seus discípulos; Ambos eram mestres da retórica; Ambos
desafiaram os poderosos, bem como criticaram os costumes de sua época; Ambos acabaram

40
“No diálogo Ménon, Platão descreve Sócrates praticando a maiêutica com um escravo e levando-o a conceber noções
sobre intrincada questão matemática (relativa aos ‘irracionais’). Mesmo que não se trate, no caso, do relato de uma fato
efetivamente ocorrido, ou se teria sido outro o conteúdo da conversação de Sócrates e o escravo, não importa: a situação
descrita por Platão é certamente representativa do menosprezo de Sócrates pelos preconceitos sociais da própria
democracia ateniense. Demonstrar publicamente que um escravo era capaz, se bem conduzido pelo processo educativo,
de ter acesso às mais importantes e difíceis questões científicas era sem dúvida provar que ele era pelo menos igual, em
sua alma, a qualquer cidadão” (SÓCRATES, In: OS PENSADORES, 1999, p. 27).
65

pagando com a vida e, paradoxalmente permanecem vivos, influenciando todo o Ocidente com a sua
filosofia.

4.2.5. Platão e a busca do Estado ideal

Platão.41

Platão nasceu em Atenas em 420 a.C., quando a civilização grega se encontrava em


declínio. A falta de uma tradição biográfica confiável compromete a verdade sobre este ilustre
filósofo. Sabe-se que no ano 380 Platão funda uma Academia (Escola de Formação Filosófica). 42 O
filósofo não tomou parte em assuntos políticos.43 Teve como mestre Sócrates, cuja preocupação era,
exclusivamente, com as questões humanas, ao contrário dos filósofos anteriores, que se
preocupavam com o cosmos (ver pré-socráticos).44

41
Disponível em http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/4a/Plato-raphael.jpg. Acesso em 28 de novembro de
2007.
42
Platão argumenta que todo processo educativo de uma criança, ou a iniciação cultural da mesma, esbarra na falta de
interesse em aprender. Platão menciona que esta falta de interesse não deve ser combatida pela coação ou por medo
servil ou por castigo, mas deve-se aplicar métodos condizentes aos alunos à medida que “aprendem como quem brinca”
(JAEGER, 2003, p. 915).
43
Platão é um crítico da pólis: “Platão calunia Atenas o máximo possível: graças a seu imenso gênio de diretor de teatro,
de retórico, de sofista e demagogo, conseguirá impor, por séculos futuros, esta imagem: os homens políticos de Atenas -
Temístocles, Péricles - eram demagogos; seus pensadores, sofistas (no sentido que ele impôs); seus poetas, corruptores
da cidade; seu povo, um vil entregue às paixões e às ilusões. Platão falsifica, com conhecimento de causa, a história”
(CASTORIADIS, 1987, p. 115).
44
“Platão permanecerá, segundo se crê, oito anos ao pé do mestre” (PRÉLOT, 1973, Livro I, p. 89).
66

Uma das principais passagens da filosofia platônica está expressa na alegoria da caverna, na
qual Platão faz oposição entre o mundo ideal e o real. Para Platão, o mundo ideal é o verdadeiro: “A
terra é uma profunda caverna que a luz da razão não consegue atravessar. Somos prisioneiros
acorrentados nessa caverna e os objetos que vemos são meras sombras da realidade, a passar nas
paredes escuras, diante de nossa vida. O mundo perfeito, o mundo real, existe numa idéia (no céu) e
o mundo em que vivemos é apenas uma imagem imperfeita”.45

Após a leitura da obra A República, pode-se concluir que o diálogo da obra é uma descrição
da república ideal, que consiste na composição harmônica de três categorias (os governantes
filósofos, os guerreiros e os que se dedicam aos trabalhos produtivos). Conclui-se, igualmente, que o
Estado de Platão inexiste no plano terreno, existe apenas no plano ideal, ou seja, o Estado ideal de
Platão é o perfeitamente justo. Platão, no Livro VIII da República, trata sobre as formas de governo
e classifica em ideais e corrompidas. As formas ideais de governo são: a monarquia, considerada a
melhor de todas (é o governo bom de um só); aristocracia (governo bom de um grupo) e a
timocracia (desejo de honrarias). Já as formas de governo consideradas corrompidas são: a tirania
(governo mau de um só), a oligarquia (governo mau de um grupo, governo dos ricos) e, por fim, a
república/democracia (governo das multidões). A democracia é a pior das boas e a melhor das más
formas de governo.46 Platão distingue um governo bom de um ruim pelo consenso e a força
(legalidade ou ilegalidade).

A função principal dos governantes, na República, consiste em assegurar a felicidade aos


governados, dando-lhes saúde, contentamento e descanso. Platão concebe um Estado ideal onde a
justiça atende aos desejos e necessidades humanas, satisfazendo-os, e posiciona-se contra os ideais
políticos sofísticos, para os quais o direito nasce da força. Platão dividia o Estado em três classes:
dos lavradores, que fornecem os alimentos; dos guerreiros, que protegem os lavradores e garantem a
integridade territorial do Estado; dos magistrados, que se encarregam do bem-estar geral dos
habitantes do Estado. A classe governante, composta de homens idosos, desapegados dos interesses

45
Sobre a filosofia política, Platão elaborou três obras que mencionam e enfocam a política: - A República, O Político e
As Leis (mais especificamente em A República e As Leis. Embora tenha tratado de temas políticos em outras obras, é
sobretudo nessas duas que ele desenvolve uma teoria do Estado, na qual princípios éticos e políticos são combinados.
Considera, Platão, a política como arte de tornar os homens justos e virtuosos, porém sob o governo dos melhores). Na
obra Política, Platão apenas questiona se a autoridade final no Estado deve recair num indivíduo - alguém que
personifique a arte de governar - ou na lei. Conferir Rowe (1989, p. 26), “Platão: A busca de uma forma ideal de
Estado”.
46
Norberto Bobbio (1997, p. 45-48), capítulo II, referente a Platão; Prélot (1973, Livro I, p.87-120); Durant (2000, p.29-
68)
67

materiais e familiares, tem, para Platão, mais importância do que a dos trabalhadores e a dos
guerreiros.

No Estado platônico, não há propriedade privada nem laços familiares. Para assegurar uma
“sadia” descendência, o Estado é que decidia quem poderia ter ou não ter filhos. Era de competência
do Estado, também, preparar física e intelectualmente a juventude. Os magistrados fiscalizavam a
educação para que o indivíduo fosse preparado a fim de exercer uma função para a qual tivesse
melhor capacidade. Eram os magistrados que escolhiam os mais notáveis para participar do grupo de
filósofos e governantes. Platão entendia que só os mais inteligentes seriam capazes de governar e,
entre os mais capazes, ele incluía o filósofo.47 Vê-se, assim, que Platão era adepto da sofocracia, ou
seja, o poder dos sábios. Somente eles teriam condições de administrar e comandar o Estado. O
poeta, no entanto, não estava incluído na condução do Estado48.

Embora o pensamento político de Platão contivesse idéias utópicas, ele expressava uma
confiança na força fundamental do Estado. A convite do tirano de Siracusa, Platão tentou pôr em
prática seu ideário político. Não durou muito. Seu modo austero de conduzir negócios públicos
incompatibilizou-o com o governante.49

Assim como Sócrates, Platão teceu acaloradas críticas às lideranças políticas que conheceu
ou que foram anteriores a ele. Nem Péricles, nem Címon, nem Milcíades, nem Temístocles
encontram mérito aos seus olhos, porque nenhum deles tornou melhores os seus concidadãos. Bem
pelo contrário (PRÉLOT, 1973, Livro I, p. 104).

47
Platão defende, no livro A República, que o governo ideal seria o governo dos filósofos. “A proposta de Platão, no que
se refere ao governo filosófico: que os filósofos se tornassem governantes, ou os atuais governantes se tornassem
filósofos” (ROWE Apud RECHEAD, 1989, p. 17-28).
48
Para Platão, a poesia fala às paixões e instintos humanos, e o homem moralmente superior domina os seus sentimentos
e, quando se vê submetido a fortes emoções esforça-se por refreá-las (JAEGER, 2003, p. 985).
49
Thomas (1967, p. 72-82), no capítulo VIII “Platão, que sonhou com um mundo melhor”, apresenta o idealismo
platônico, Platão como discípulo de Sócrates e menciona a obra A República como a primeira utopia da História.
68

4.5.6. A cidade como realidade perfeita em Aristóteles

Aristóteles.50

Como vimos anteriormente, Platão projetou na República o Estado ideal, construindo assim
a primeira utopia da história. Já Aristóteles, ao contrário, afirmou que “este” é o verdadeiro mundo e
a realidade está neste mundo, nos seus objetos, acontecimentos e ações. Segundo Prélot (1973, Livro
I, p. 123), “Platão simboliza o ideal, Aristóteles, o real; Platão representa a filosofia, Aristóteles a
ciência”.

A principal obra de Aristóteles sobre a teoria clássica das formas de governo é A Política,
que está dividida, segundo a compreensão de Bobbio, em oito livros (BOBBIO, 1997, p. 55).
Destes, dois (o terceiro e o quarto) são dedicados à descrição e à classificação das formas de
governo; o primeiro, trata da origem do Estado; o segundo da crítica às teorias políticas precedentes,
em especial a platônica; o quinto, trata das mudanças das constituições; o sexto, estuda as várias
formas de democracia e de oligarquia; o sétimo e o oitavo, tratam das melhores formas de
constituição (lei fundamental de um Estado).51

Para Aristóteles, assim como Platão, três são as formas de governo e três são os desvios e
corrupções dessas formas: As formas boas são a monarquia (governo bom de um só); a aristocracia
(governo bom de um grupo); e a terceira aquela que se baseia sobre a vontade popular, que parece

50
Disponível em http://mundofilosofico.arteblog.com.br/images/mn/1181965835.jpg. Acesso em 28 de novembro de
2007.
51
Aristóteles pode ser considerado como o fundador da Ciência Política, tal a sua observação metódica da realidade. Foi
o primeiro autor do direito Constitucional. Foi autor da obra A Constituição de Atenas, onde o filósofo registrou as
várias formas e alterações constitucionais que passou a cidade de Atenas (PRÉLOT, 1973, Livro I, p. 175). A obra
também pode ser lida como uma história política de Atenas.
69

apropriado chamar de “timocracia”, mas que a maioria chama apenas de “politie” que significa
Estado ou Constituição. As formas más ou as degeneradas são: a tirania (governo ruim de um só);
oligarquia (governo mau de poucos) e a democracia. Três são as formas boas de governo e três são
os desvios e corrupção dessas formas: o Reino e o desvio tornam-se tirania; a Aristocracia e o desvio
torna-se oligarquia e a Timocracia com seu desvio torna-se democracia.

O critério para distinguir uma forma boa ou má de um governo é o interesse comum e o


interesse pessoal, ou seja: quando um governo comanda pensando somente em seu benefício, temos
o desvio e a degeneração; quando o governante governa em favor do interesse de todos, temos um
governo bom e ideal. Aristóteles, na Ética a Nicômano afirma que das formas de governo citadas
anteriormente “delas a melhor é o reino, e a pior é a timocracia (...) e a democracia é o desvio menos
ruim: com efeito, pouco se afasta da forma de governo correspondente” (ARISTÓTELES Apud
BOBBIO, 1997, p. 58).

A reflexão de Aristóteles sobre a política é de que ela não se separa da ética, pois a vida
individual está imbricada na vida comunitária. Diz Aristóteles que o objeto da ética é uma espécie de
política52. A razão por que os indivíduos se reúnem nas cidades (e formam comunidades políticas)
não é apenas a de um viver em comum, mas a de viver “bem” ou a boa vida. 53 Para que isso
aconteça, é necessário que os cidadãos vivam o bem comum, ou em conjunto ou por intermédio dos
seus governantes; se acontecer o contrário (a busca do interesse próprio), está formada a
degeneração do Estado).54 O homem, para Aristóteles, é um “animal político”; isto significa que o
homem tinha a necessidade de conviver na pólis, pois somente na “cidade” é que o homem pode
realizar a virtude (capacidade), o que é peculiar dos gregos, sendo que os “bárbaros” não viviam
assim.55 Para Aristóteles, a vida política destinava-se a garantir a qualidade e a perfeição da vida
(PRÉLOT, 1973, Livro I, p. 135). O homem é o verdadeiro cidadão: “corajoso, moderado e liberal,

52
“E vê-se que esta conclusão está em conformidade com o que dizíamos, no início, isto é, que a finalidade da vida
política é o melhor dos fins, e que o principal empenho dessa ciência é fazer com que os cidadãos sejam bons e capazes
de nobres ações” (Arist. Etic. Nic. 1099b; 30).
53
O fim da cidade, conforme a descrição de Prélot (1973, Livro I, p. 135), é não só assegurar aos cidadãos a vida e a sua
conservação (zein), mas o viver bem (euzein). A vida política destina-se a garantir a qualidade e a perfeição da vida.
54
Aristóteles define a cidade grega como aquela que condiz em “viver como convém que um homem viva”
(ARISTÓTELES Apud CHÂTELET, 1985, p. 14).
55
A pólis, para Aristóteles, é, segundo a descrição de Kitto (1970, p. 129), “o único ambiente dentro do qual o homem
pode concretizar as suas capacidades morais, espirituais e intelectuais”; Barker (1978, p. 16), afirma que a “pólis era
uma sociedade ética”.
70

magnânimo, praticando a justiça, observando a eqüidade, comportando-se como perfeito amigo, em


suma, o homem bom e belo” (p. 136).

Nota-se que os filósofos gregos tratavam a política como um valor e não como um simples
fato, considerando a existência política como finalidade superior da vida humana, como a vida boa,
entendida como racional, feliz e justa; própria dos homens livres. A vida superior só existe na cidade
justa e, por isso mesmo, o filósofo deve oferecer os conceitos verdadeiros que auxiliem na
formulação da melhor política para a Cidade.56

Aristóteles justifica a escravidão por considerar que há homens escravos pela sua própria
natureza57 e somente um poder despótico (legítimo) é capaz de governar. 58 Seu pensamento político
está registrado nas obras A política e Ética a Nicômaco, e também nas cento e cinqüenta
constituições que elaborou, das quais só restam fragmentos. O estilo prático, lógico e sistemático de
Aristóteles contrasta com o de Platão, que era imaginativo, literário, poético e alegórico.

A política (pólis - cidade), para Aristóteles, é uma ciência que deve procurar o bem-estar do
homem59. Ela deve oferecer aos governantes, condições para adaptar sua forma de governo às
necessidades do povo. Esse pensamento é decorrente do estudo e da observação dos diferentes
métodos dos governos e das diferentes formas de condução de reformas administrativas. O seu livro
A Política é resultado da observação dos governos de Creta, Cartago, Esparta e Atenas, e de estudos
de obras de pensadores do passado, como Faleas, Hipódamo e Platão. Ele é um tratado da arte de
governar. Sugere medidas práticas para superar impasses e aponta os defeitos dos sistemas políticos
nas sociedades gregas.

As necessidades dos indivíduos, segundo Aristóteles, são satisfeitas apenas dentro do


Estado60. O homem só sentiu falta do Estado quando inexistia a possibilidade de satisfação de suas

56
Uma das razões para que o homem se una na pólis, “não é apenas a de viver em comum, mas a de viver bem”
(ARISTÓTELES Apud BOBBIO, 1997, p. 58).
57
“É evidente, portanto, que alguns homens são livres por natureza, enquanto outros são escravos, e que para estes
últimos a escravidão é conveniente e justa” (Arist. Pol. I; 20).
58
A visão que Aristóteles tem sobre a mulher, os escravos e os estrangeiros (bárbaros) é a de seres excluídos da
cidadania. Conferir Minogue (1998, p. 22).
59
“Cumpre-nos tentar determinar mesmo que em linhas gerais, o que seja esse bem e de que ciências ou faculdades ele é
objeto. E, ao que parece, ele é objeto da ciência mais prestigiosa e que prevalece sobre tudo. Ora, parece que esta é a
ciência política, pois é ela que determina quais as ciências políticas que devem ser estudadas em uma cidade-estado...”
(Arist. Et. Nic. 1094a; 25).
60
“A prova de que o Estado é uma criação da natureza e tem prioridade sobre o indivíduo é que o indivíduo, quando
isolado, não é auto-suficiente; no entanto, ele o é como parte relacionada com o conjunto. Mas aquele que for incapaz de
viver em sociedade, ou que não tiver necessidade disso por ser auto-suficiente, será uma besta ou um deus, não uma
necessidades elementares. Só o Estado poderia dar ao indivíduo proteção para que ele realizasse
seus ideais éticos, morais e políticos, enquanto que a família apenas dava ao homem a sobrevivência
física. O Estado é, portanto, utilitário. A escravidão não era só admitida como justificada. Os
governantes deveriam ser os dotados de aptidões espirituais.

Quanto à propriedade privada, Aristóteles não comungava com Platão pela abolição da
mesma; ao contrário, pugnava por uma organização adequada da propriedade dentro do Estado. Para
que o indivíduo pudesse realizar o seu bem-estar, o Estado deveria favorecer a liberdade individual
para o progresso da instituição humana.61

Para cumprir bem suas funções, o Estado deveria:

a) ter um governo que ordenasse e regulasse a vida do próprio Estado;

b) distribuir entre os cidadãos os órgãos administrativos do Estado.

Segundo Aristóteles, a forma de governo decorre de vários fatores: clima, riqueza


econômica, situação geográfica, número de cidadãos e do “caráter” de um povo. Para classificar
uma forma de governo, dever-se-ia verificar o número de pessoas que participam do mesmo, depois
examinar quais os objetivos desse governo, ou seja, quais os interesses que eles defendem. Desse
modo, Aristóteles entendia que havia formas puras e impuras de governo. Se o governo atendesse ao
bem-geral de todos os cidadãos, o mesmo seria puro e, ao contrário, quando o governo atendesse ao
interesse dos grupos que estão no poder, seria, então, impuro. Assim, se um governo representado
por uma única pessoa atendesse ao bem-estar dos cidadãos, seria uma monarquia; porém, se o
monarca agisse em benefício próprio, ter-se-ia uma tirania. A aristocracia era um governo de minoria
que agia no interesse da comunidade; passando a usar o poder apenas no interesse do grupo, seria
uma oligarquia. Quando a maioria participa do governo, tem-se a democracia; porém, quando ela é
apenas pretexto para a defesa de interesses pessoais tem-se a demagogia.

Para Aristóteles, cada povo é que deve escolher a sua forma de governo. Isso porque
distinguia Estado e governo. O Estado é o conjunto dos cidadãos e o governo o conjunto de pessoas
que ordenam e regulam a vida do Estado, mediante o exercício do poder. Para um bom governo, é

parte do Estado” (Arist. Pol. II: 10).


61
Ver Aristóteles. Pol. II; 5 a 24.
necessário bem distribuir o poder entre os órgãos que administram esse ente público. A idéia de um
poder legislativo, executivo e judiciário nasceu dessa concepção administrativa62.

Para a formação do Estado, Aristóteles apontou alguns critérios: ter um pequeno território,
com poucos habitantes, para que todos pudessem se conhecer e ter acesso à vida pública. Com isso,
evitar-se-ia que uns se tornassem muito ricos e outros, extremamente pobres. Para Aristóteles, a
desigualdade social é fonte de injustiça. Porém, ele não deu maiores atenções às questões tributárias,
às dívidas públicas, ao custo dos exércitos, às esquadras permanentes e às relações internacionais
(talvez porque admitisse guerras de conquista). A cidade deveria estar perto do mar, para facilitar o
intercâmbio comercial. Os que participassem do governo deveriam ser proprietários de terra.63

A Grécia clássica, com sua política, sua democracia, seus pensadores, serve de referência
até os nossos dias, é um capítulo que o estudante deverá compreender muito bem para que note a
influência dessa civilização sobre o pensamento ocidental. Por exemplo, no próximo capítulo o
estudante verá como os gregos influenciaram os romanos.

62
“Obviamente, as atividades do estadista e do legislador concernem de perto ao Estado. A constituição é um modo de
organizar aqueles que vivem no Estado”. “... O Estado é a soma total dos cidadãos” (Aristóteles, Política, III, 1 a 2).
63
Para um aprofundamento da teoria política de Aristóteles, conferir o Capítulo II de Durant (2000, p. 69-107)
5. O PENSAMENTO POLÍTICO DA SOCIEDADE ROMANA

O mundo romano é caracterizado, por Hegel, com aspectos de virilidade inicial no


desenvolvimento da personalidade. A formação do Estado romano deu-se da deliberada união de
bandos predadores nômades e, na sua origem, sua permanência tornava necessária a mais severa
disciplina e o sacrifício pessoal em prol do grande objetivo: a união de todos.

Todo cidadão, no período inicial, era incentivado à carreira militar, com o objetivo de
fortalecer o Estado, visando à conquista de outros povos através da luta armada. Com o mundo
romano, tem-se a terceira forma de realização do espírito, pois o pensamento e a reflexão elevam-se
ao nível universal. Há, no mundo romano, uma submissão do indivíduo à constituição do Estado:
aqui o Estado se destaca sobre os indivíduos e constitui um fim abstrato em si ao qual os indivíduos
devem servir. O universal sobrepõe-se ao indivíduo [...] não existe aqui alegria e brincadeira, senão
duro e amargo labor (FLOREZ, 1983, p. 266).

O homem romano, dessa maneira, vê-se submetido ao poder do império, fundamentando o


seu ser na mais pura exterioridade.

Como vimos, Hegel considerou o Oriente como sendo a infância da humanidade,


submergida ainda no despotismo; o mundo grego, como a juventude; a idade adulta é representada
pelos impérios romano e germânico; o mundo cristão, corresponde à velhice. Aqui, diz Hegel, não se
deve tomar o exemplo biológico à letra. A velhice natural é a fraqueza, mas a velhice do espírito é a
sua maturidade perfeita. Assim, somente o povo germânico estaria apto a identificar-se com a
história universal, sendo a concretização da manifestação do espírito. “Graças ao cristianismo, esse
povo alcançou a consciência de que o homem é livre como homem e que a liberdade de espírito
constitui sua mais própria natureza” (HEGEL, 1975, p. 68).
74

5.1. O Direito, o Exército e a Política

Se o homem grego era um homem contemplativo com direito à reflexão filosófica, à


participação nos interesses da pólis, o homem romano era um homem voltado para a práxis; em
outras palavras, um espírito eminentemente prático, fundamentando sua segurança em valores
externos.1 A praticidade romana baseava-se em três sólidos pilares: a) a legislação social e
individual: da qual os romanos foram mestres inigualáveis, compilada no direito romano, que
garantia os direitos do cidadão e que apontava os seus deveres para com o Estado; b) a organização
política: era o modelo admirável de administração, que dava unidade ao vasto império; c) as águias
romanas (força militar): davam proteção aos cidadãos contra agressões externas2.

A partir destes fundamentos, o homem romano teve uma visão imperialista do mundo,
tendo a cidade de Roma como centro do império. E, sem dúvida, a organização política dos romanos
teve importância decisiva para a manutenção do seu poder, visto que perdurou por vários séculos.

O Coliseu Romano.3

Civitas é a tradução latina de pólis, portanto a cidade como ente público e coletivo. Res
publica é a tradução latina para ta politika, significando, portanto, os negócios públicos dirigidos
pelo populus romanus, isto é, os patrícios ou cidadãos livres e iguais, nascidos no solo de Roma.
1
Segundo Arendt (1995, p. 69), ser filósofo não tinha muita importância na república romana.
2
Ver Funari (1993), especialmente o capítulo 2.
3
Vista lateral do Coliseu, símbolo do poder romano. Disponível em http://www.ctiturismo.com.br/figuras
%20gerais/europa/italia%20coliseu.gif. Acesso em 04 de dezembro de 2007.
75

Pólis e civitas correspondem (imperfeitamente) ao que, no vocabulário político atual, chama-se de


Estado: o conjunto das instituições públicas (leis, erário público, serviços públicos) e sua
administração pelos membros da Cidade. Ta politika e res publica correspondem (imperfeitamente)
ao que se designa contemporaneamente por práticas políticas, referindo-se ao modo de participação
no poder, aos conflitos e acordos na tomada de decisões e na definição das leis e de sua aplicação,
no reconhecimento dos direitos e das obrigações dos membros da comunidade política às decisões
concernentes ao erário ou fundo público.

Em termos gerais, a idéia filosófica dos romanos procede da Grécia. O ideário


expansionista dos romanos com sua máxima divide et impera, divide e reina, não favorecia a
reflexão filosófica. Orientados para uma vida prática, governamental e jurídica, por exemplo, sua
estrutura representava avanços em relação ao pensamento grego.

Para os romanos, o Estado é um organismo necessário e vital à vida social; portanto, não
anula o indivíduo, segundo o entendimento da teoria platônica. No Estado não se reconhece o direito
à rebelião aos poderes públicos, porque a relação dos indivíduos com o Estado está fundada num
“contrato” em que a delegação dirige o governo do Estado. Os romanos entendem a lei como um
pacto dos órgãos constitutivos do Estado.

Mapa do Império Romano no tempo de Cristo.4

4
Mapa do Império Romano no tempo de Cristo. Disponível em http://www.pilb.t5.com.br/mapas/mapa11.jpg>. Acesso
em 04 de dezembro de 2007.
76

O termo direito, etimologicamente, vem da palavra latina jus e significa aquilo que é
ordenado, consagrado e sagrado. Da mesma raiz vem justo, justiça. Justo é o que está de acordo com
jus, e justiça é a “vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu”. Em latim existe a
palavra directus, que significa ficar em linha reta, direito, sem desvio.

A expressão “Direito Romano” designa pelo menos três fatos: a) o conjunto de leis que
vigoraram no Império Romano cerca de 12 séculos, desde a fundação de Roma, em 753 a.C., até à
morte do Imperador Justiniano, em 565 d.C.; b) o direito privado, que atingiu grande esplendor,
sendo que o mesmo não ocorreu com o direito público; c) o corpo jurídico organizado por
Justiniano, no século VI, que se tornou conhecido como Corpus Juris Civilis5.

Nos doze séculos de existência do Direito Romano, ele não permaneceu imutável; pelo
contrário, sofreu contínuas e sucessivas modificações em função do tempo e dos interesses da
“classe dominante”, que se revezava no poder. O Direito Romano também não era o mesmo nas
diferentes regiões do Império. Sem contar que também as lutas sociais contribuíram para as
modificações profundas no direito privado. Em função dessas modificações políticas, o Direito
Romano pode ser dividido nos seguintes períodos: Realeza (754 a.C. a 510 a.C.); República (510
a.C. a 27 a.C.); Império (27 a.C. a 284 d.C.); Principado (27 a.C. a 284 d.C.) e Dominato (284 a.C. a
564 d.C.). O Direito Romano formado nesses doze séculos pode ser dividido em: Jus publicum
(público) e privatum (privado). O jus privado divide-se em jus civile (direito civil), jus naturale
(direito natural) e jus gentium (direito dos povos).

5.2. Marco Túlio Cícero

Cícero (106-43 a.C.) foi um patrício romano e governante da República, escritor, orador,
estudioso da retórica, epistológrafo e pensador. Embora tivesse qualidades inerentes à atividade
filosófica, como o gosto pela especulação e pela abstração, dedicou-se aos problemas políticos,

5
“A grande obra do pensamento romano é o direito. Ao contrário das leis da Grécia clássica – (...) –, o direito romano
tem um caráter impessoal e técnico. Forma um todo coerente e sistemático, de forma que cada parte não conflita com as
demais. Nesse sentido, porém, ele é de certo modo herdeiro do pensamento abstrato dos gregos, com seu ideal de um
todo harmônico e bem proporcionado” (OS PENSADORES, 1999, p. 85).
77

procurando agir sobre a opinião pública. Escreveu, no entanto, várias obras morais, políticas e
metafísicas, quase sempre restritas à situação vivida pelos romanos naquela época.6

O seu pensamento político está registrado em duas obras: De República e As Leis, ambas,
até no título, de inspiração platônica. Sob a forma de diálogo, no De República expõe a melhor
forma de governo. Conclui que a República Romana é a melhor. Afirma, também, que o Direito
Natural provém da natureza racional do homem, e que o homem é fonte de todos os direitos, como
também todos os homens são iguais por compartilhar da mesma comunidade humana. No De
Legibus, discute as relações entre o direito positivo e a justiça ideal. Nesse livro distingue: a) jus
naturale (direito natural), lei de acordo com a natureza racional e a ética do homem; b) jus gentium
(direitos dos povos), são leis de cada Estado, cidade, povo; c) jus civile (direito civil), é a legislação
elaborada pelo Estado.

Cícero segue a divisão tradicional no que se refere às formas de governo. Divide-as em:
realeza (todos os assuntos públicos estão na mão de um só); aristocracia (quando a autoridade
pertence a algumas pessoas escolhidas) e governo popular (aquele em que o poder pertence ao
povo). O fim do Estado é, para Cícero, tal como para Aristóteles, o bem-estar da cidade (PRÉLOT,
1973, Livro I, p. 204).

Pronunciamento de Cícero.7

6
Para Prélot (1973, Livro I, p.179), Cícero é um romano helenizado. Considerado o maior orador latino, escreveu As
Leis e A República, onde estudou o Estado, o ideal do melhor governo e do melhor cidadão (p.192). Ver capítulo“A
Filosofia de Cícero (p. 83 a 85) em: Os Pensadores (1999) e, Chevallier (1982), especialmente o Livro II: Dos Impérios
aos Estados-Nações.
7
Cícero denunciando Catilina. Afresco de Cesare Maccari (1840/1919). Data: 1882/1888. Roma, Senatto della
Repubblica. Disponível em http://www.dezenovevinte.net/artistas/biografia_hbernardelli_arquivos/cicero.jpg. Acesso
em 28 de novembro de 2007.
78

5.3. Políbio

Políbio (201-120 a.C.) foi um homem de ação e historiador. Foi discípulo de Aristóteles.
Era de origem grega, mas sofreu a influência direta da cultura romana. A obra principal de Políbio é
Histórias em que descreve os acontecimentos desde o princípio da II Guerra Púnica (no ano 221
a.C.) até a tomada de Corinto (146 a.C.). Acrescenta uma introdução até a época da I Guerra Púnica
(246 a.C.), tornando-se assim o historiador de Roma vitoriosa da sua rival Cartago (PRÉLOT, 1973,
Livro I, p. 182).

Políbio viveu no século II a.C., não é um filósofo, mas um historiador. Grego de


nascimento foi deportado para Roma depois da conquista da Grécia. Nesse livro, o autor faz uma
exposição pormenorizada da Constituição Romana, redigindo um pequeno tratado de Direito
Público Romano, no qual descreve as várias funções públicas. O motivo da descrição da
constituição do povo, cuja história narra, é explicitado: “Deve-se considerar a constituição de um
povo como causa primordial do êxito ou do insucesso de todas as ações”.8

O historiador monstra a importância que teve a excelência da constituição romana para


explicar o sucesso da política de um povo que em menos de 53 anos conquistou todos os outros
Estados, impondo-lhes o seu domínio.

Políbio vê a história como cíclica (repetição contínua de eventos que tornam sempre sobre
si mesmos - o eterno retorno do mesmo). Do mesmo modo, acontece com as formas políticas, que se
transformam com o tempo. A teoria das formas políticas como ciclo é deduzida da história das
cidades gregas (crescimento, esplendor, decadência). Políbio aposta no governo misto (Rei “tirano”,
a aristocracia e a democracia). A constituição mista romana é citada como exemplo, pois Roma teve
êxito em suas conquistas em virtude de um governo misto9.

8
Escreve Chevallier (1982, p. 149): “Esse grego romanizado (...) busca em suas histórias explicações para a
superioridade de Roma, que, em meio século, subjugou quase toda a terra habitada. Encontra-a em sua Constituição e
fez da análise desta a preocupação central de sua obra”.
9
“De resto os romanos não haviam chegado a esta forma mista, produto da mistura feliz de três formas puras, através
apenas do raciocínio. A experiência tivera seu papel... Foi em meio às numerosas lutas e dificuldades que os romanos
aprenderam, à sua própria custa, qual o melhor partido a seguir” (CHEVALLIER, 1982, p. 149).
79

Malgrado a influência dos gregos sobre Roma pode-se notar que os romanos deram
importantes contribuições para o pensamento político e jurídico. A influência de Roma só decai com
o nascimento de outro grande movimento espiritual: o cristianismo. Tema do próximo capítulo.
6. O PENSAMENTO POLÍTICO DA IDADE MÉDIA

Tanto na teoria política romana - como na de Cícero, ainda na Antigüidade -, quanto na


teoria política medieval, é mantida a preocupação normativa que prevalece no pensamento grego.
Nesse sentido, também na Idade Média se busca definir as virtudes do rei justo e bom. A Idade
Média tem como característica fundamental a predominância do pensamento religioso. Como
conseqüência, as teorias políticas enfatizam a supremacia do poder espiritual sobre o poder temporal
e toda ação se acha atrelada à ordem moral cristã. Por exemplo, Santo Agostinho, no final do
Império Romano, já afirmava que todo o poder vem de Deus.

A interferência da Igreja nos assuntos políticos provocou diversos atritos entre papas e
imperadores, determinando a formação de facções opostas entre aqueles que defendiam o poder do
papa e os defensores da autonomia do imperador.

Mais tarde, porém, houve a ruptura. Nomes como Dante Alighieri (1265-1321), Marsílio de
Pádua (1280-1341) e Guilherme de Occam contribuem para o rompimento com o pensamento
político medieval. Alighieri autor do clássico A Divina Comédia, também escreveu um livro sobre
política no qual defendeu a autonomia do poder temporal. 1 Mais radical ainda é Marsílio de Pádua
(1280-1341), que acentuou novos valores desligados da tutela religiosa e fundados na vontade do
povo. Nas palavras de Prélot (1973, Livro III, p.13), Marsílio era um inimigo irreconciliável da
hegemonia sacerdotal – precursor da liberdade de pensamento e da democracia moderna. Teria sido,
segundo certos autores, o primeiro a “libertar a sociedade laica da pressão do clero”.

1
“A Dante (não nos iludamos sobre isso) agradava que o papado guardasse fidelidade ao seu papel, sem entregar-se à
usurpação, da mesma forma que lhe agradava um Império que instalasse a paz mundial e a justiça. Queria-os
independentes um do outro, mas em harmonia, cooperação e coordenação. Marsílio, ao contrário, sente pelo papado
como instituição, e também por toda a organização e hierarquia clericais, um ódio profundo, inesgotável. Propõe-se a
desmascarar a intromissão do poder eclesiástico na comunidade civil (numa palavra: Estado). Visa absorver ao máximo
o eclesiástico no secular, substituindo, por uma notável inversão do estado das coisas, o monismo ‘teocrático’ por uma
monismo laico” (CHEVALLIER, 1982, p. 240).
81

6.1. O cristianismo primitivo

A Palestina, na época, estava sob o domínio dos romanos. 2 A dependência se fazia valer na
política e na economia, sendo o governador nomeado pelo próprio imperador romano. As taxas de
impostos cobradas eram altas. Elas deveriam ser depositadas diretamente nos cofres do Império. Os
israelitas habitavam a Palestina e tinham como crença religiosa a fé no Deus Javé (onipresente,
onisciente, mas, ao mesmo tempo, fazendo parte da luta de seu povo). Esse povo era regido por
patriarcas (inspirados por Deus) que tinham a função de unir o povo e manter a crença no Deus Javé
(desde Abraão, Isaac, Jacó e descendência). Por muito tempo esse povo esperava o Messias (enviado
de Deus, o escolhido, o ungido) que teria a missão de salvar e redimir os pecados da humanidade.
Esse momento chegou. Boa parte do povo de Israel acreditou que um homem chamado Jesus seria o
messias, o Salvador.3

Este “enviado” de Deus deixou, no curto período de sua vida pública, por um lado uma
mensagem de amor e fraternidade, por outro fez denúncias contra os poderes religiosos, econômicos
e políticos da época. O ativismo profético e libertador de Jesus o levaram aos tribunais, sendo
julgado e condenado à crucificação (pena capital romana). Ao morrer, o “Messias” deixou aos seus
amigos mais próximos (apóstolos e discípulos) a missão de levar adiante seu projeto. 4 Foram os
apóstolos e discípulos que formaram as primeiras comunidades cristãs. São Pedro e São Paulo
(romano convertido ao cristianismo) foram os mais importantes arquitetos do cristianismo
primitivo.5 O cristianismo surge, assim, como uma seita clandestina dentro do Império Romano,
uma religião de escravos.6

2
Como sabemos, a religião oficial dos romanos era o politeísmo panteísta (diversidade de deuses), herdado da cultura
grega. Ver Funari (1993, p. 15 a 20). Cap. “Os Homens e o Sobrenatural”.
3
Jesus Cristo nasce sob o reinado de César Augusto (PRÉLOT, 1973, Livro I, p. 208).
4
“Antes de voltar ao Pai, no dia da Ascensão, Jesus ordenou aos discípulos que pregassem o Evangelho a toda a criatura
através do mundo inteiro” (NUNES, 1978, p.1). “Essa doutrina revelada por Jesus Cristo foi ensinada e difundida pelos
seus Apóstolos nos quatro Evangelhos, nos Atos, nas Epístolas e no Apocalipse” (NUNES, 1978, p.3). É bem clara a
mensagem de Cristo para os cristãos: conquistem todas as almas do mundo. O mundo inteiro deve ouvir a palavra de
Deus.
5
No Novo Testamento, aparecem as cartas de São Paulo e São Pedro às comunidades cristãs recém-formadas: Coríntios,
Efésios, Tessalonicenses, Gálatas, Romanos...).
6
Prélot (1973, Livro II, p. 238) afirma que as primeiras comunidades cristãs eram células clandestinas, que não tinham
nenhuma organização no plano jurídico.
82

Nos primeiros séculos da era cristã, havia uma grande interação entre fé e política ou entre
fé e vida cotidiana. O próprio Livro dos Atos dos Apóstolos evidencia isso, ao afirmar que os
cristãos tinham uma vida em comum, partilhavam o pão, eram unidos pela oração e refletiam sobre
a palavra de Deus. Esse estilo de vida e empenho social foi motivo de muitas perseguições contra os
cristãos.

Essas perseguições levaram à morte milhares de cristãos. No entanto, no início do século


IV o Império Romano começa a sua decadência, os dias estão contados para a sua grande ruína, os
bárbaros (Godos, Visigodos e Estrogodos) estão prestes a tomar a grande capital Roma. 7 Com um
golpe político extraordinário, o imperador romano Constantino assimila os cristãos ao seu governo,
isso foi em 313.8 Isso significa afirmar que os cristãos ganham a liberdade condicional para exercer
seu culto livremente, algo inédito até então. Claro que o ato de Constantino foi mais um ato político
do que propriamente um ato de bondade. Vendo que o Império Romano entrava em decadência e o
número de cristãos aumentava, Constantino concedeu a liberdade 9. No fim do século IV da nossa
era, a religião cristã passa ser a religião oficial do Ocidente. Forma-se a Igreja Católica (universal)
Apostólica (proveniente dos apóstolos) Romana. A partir de então, tem-se a unificação entre Igreja e
Estado. Unificam-se os poderes temporais e espirituais. Usando as palavras de Prélot (1973, Livro
II, p. 274), “houve uma cristianização do império”.

Entra-se, assim, em um novo período da história. Chega-se ao fim do período clássico


greco-romano e inicia o período denominado de Idade Média. 10 A mentalidade medieval, que
perdurará por quase mil anos, será sustentada pela característica teocêntrica (Deus como centro). A
religião fará parte da totalidade da vida do homem europeu, desde o latim (língua oficial da Igreja),

7
O trabalho de Lot (1980) discute de maneira detalhada o fim do mundo antigo e o princípio da Idade Média.

8
O Edito de Milão emitido pelo imperador romano Constantino, marca o fim das perseguições e inaugura a era da
tolerância para com o culto cristão, o dever de obediência às ordens do soberano (PRÉLOT, 1973, Livro II, p. 238-239).
9
“Pelo documento de 313 (Edito de Milão), a religião cristã torna-se legal, lícita, adquirindo finalmente o direito de
existência, após renhido e prolongado combate. O culto cristão passa a ter a mesma liberdade concedida aos demais.
Restituem-se às Igrejas os lugares de culto que foram objeto de confisco e alienação, assim como outros arrestados.
Cristãos e pagão são colocados em pé de igualdade” (CHEVALLIER, 1982, p. 170).
10
“A Idade Média é caracterizada como uma era de obscurantismo pela época seguinte, que, arrogante, se autodenomina
Renascimento. O próprio termo ‘Idade Média’ já traz embutida essa carga de desprezo: indica que o período, que se
estende por cerca de mil anos, não passa de um intervalo entre o esplendor do mundo greco-romano e seu ‘renascimento’
posterior... É impossível, porém, ignorar as realizações culturais dessa época. A própria Igreja, quase sempre acusada
como a principal culpada pelo retrocesso da cultura, é também responsável pela conservação de quase tudo o que se
preservou do pensamento clássico greco-romano” (OS PENSADORES, 1999, p. 104).
83

a música (gregoriana), até a arte (gótica). A visão do homem será marcada pelo dualismo: corpo e
alma, céu e inferno, bem e mal.

Na política, o sonho foi sempre de realizar a “Cidade de Deus”. E o sacro-império, que


tinha o imperador ungido pelo papa, proclamava bem alto esta intenção: realizar a idéia medieval de
cristandade pela cooperação harmônica dos dois poderes supremos, o poder do império no temporal
e o poder do papado no espiritual. Só mais tarde acontecerá a ruptura da unidade política e religiosa,
finalizando o período medieval.

6.2. O fim do Império e a Idade Média

O homem romano não conseguiu dar continuidade ao seu poderoso Império. A grande
extensão territorial, razão do sucesso imperial, foi, ao mesmo tempo, o ponto fraco da sua própria
administração política. Muitos povos acabaram reconquistando a sua emancipação. Outra razão da
decadência seria o desleixo de alguns imperadores, voltados apenas para a satisfação de seus
interesses pessoais (pão e circo ao povo). Em 410 da era cristã, os bárbaros invadiram e incendiaram
a capital do mundo (Roma), decretando, mais tarde, em 476, a queda do império 11. Neste momento,
surge o homem da transição, que haveria de “salvar” a humanidade do colapso total: o último dos
romanos e o primeiro medieval na pessoa de Santo Agostinho. Cai, neste sentido, o homem da
segurança exterior e surge o homem da segurança interior.

Como vimos, o imperador Constantino, no século IV, concedendo a paz à Igreja, une-a com
o Estado. Desde então, o governo e a Igreja começaram a se ajudar. Aos poucos, por influência de
certas idéias filosóficas racionalistas, foi formando-se a concepção de que a fé estaria desligada da
realidade e da razão, assim como a separação entre o corpo e o espírito. O corpo era coisa ruim e só
servia como morada do espírito. Essas idéias afetaram fortemente a Igreja, que começou a praticar
um tipo de religião que desligava a fé da vida diária do cristão. Segundo esta concepção, o cristão
poderia viver a fé sem se comprometer com a realidade em que estivesse inserido. Criou-se, assim, a
prática de uma fé sem ação e uma política sem valores éticos.

11
“A voz fica-me na garganta e os soluços interrompem-me ao ditar estas palavras. Foi conquistada a cidade que
conquistou o mundo’. Assim São Jerônimo (347-420) anuncia a invasão e a pilhagem de Roma” (OS PENSADORES,
1999, p. 103).
84

Ao mencionar a Idade Média nos vem em mente um período histórico compreendido entre
os séculos V e XV, desde a decadência do Império Romano do Ocidente, invadido pelos bárbaros do
Norte da Europa, do qual foi decretada a queda final em meados do ano de 476.

Não custa lembrar que o Império Romano foi o centro e o coração do mundo, construído
por um homem essencialmente prático, que desde pequeno era treinado para a arte da guerra e o
respeito à pátria. Esse homem conquistador fez de Roma sua própria casa e o mundo estava
subjugado aos seus pés. Sobre a religião, os romanos herdaram a mesma dos gregos (politeísmo
panteísta). Uma das virtudes dos guerreiros romanos era a conquista de povos vizinhos sem destruir-
lhes a cultura (herdavam o que o povo havia conquistado de melhor).

6.4. Santo Agostinho

Santo Agostinho de Hipona12

Santo Agostinho foi considerado o “último dos antigos e o primeiro dos modernos”. Viveu
a transição do romano (inteiramente pagão, imperial, conquistador) para a virtude pessoal do
cristianismo.

Agostinho viveu até os seus 30 anos gozando dos prazeres do mundo. Como um bom
romano soube usufruir dos jogos, bebidas e mulheres. Após passar por crises existenciais e diversas

12
Disponível em http://heritage.villanova.edu/vu/heritage/history/saints/augustine1.jpg. Acesso em 28 de novembro de
2007.
escolas filosóficas, converteu-se ao cristianismo: a primeira frase de sua obra As Confissões
expressa tal realidade: “Inquieto está o meu coração enquanto não repousar em vós”.13

Por mil anos, o período medieval terá um tipo de pensamento, ou seja, o teocentrismo
(Deus é o centro de tudo) na cultura, na política, na sociedade, tudo está voltado para Deus em
termos hierárquicos; os valores terrenos vêm em segundo plano, seguidos pela política e, por último,
pelo indivíduo.

Em termos de política, temos a unificação do Estado com a Igreja (O Estado, sob o


comando do Imperador, dono do poder temporal; e a Igreja, comandada pelo Papa, dono do poder
espiritual), ou seja, temos a privatização do poder político (em vez de imperium, dominium). O
homem medieval, dentro dessa visão, tinha o sonho de construir a “Cidade de Deus” de Santo
Agostinho, no plano material. Nas palavras de Arquillière (Apud PRÉLOT, 1964, p. 22), “o
agostinismo político domina o pensamento medieval”.

O período medieval é marcante também no que se refere ao dualismo herdado, já


anteriormente, da tradição filosófica platônica e agostiniana, onde os conflitos dão-se entre dois
pólos bem fundamentados: corpo x alma, luz x trevas, bem x mal, pecado x ascese, matéria x
essência; neste sentido, tudo o que pertence ao corpo é pejorativo e pecado (a negação do corpo),
pois tudo o que provém da natureza é essencialmente mau, e a salvação depende apenas da ascese
individual e da graça de Deus.

Em termos filosóficos, aparece a filosofia como serva da teologia. São necessários


argumentos racionais para fundamentar a fé; assim, temos a conciliação entre fé e razão 14. Duas
correntes de pensamento destacam-se no período medieval: a patrística, formada pelos padres da
Igreja. Com o objetivo de defender os ideais cristãos perante os pagãos e convertê-los ao
cristianismo, os padres herdaram essencialmente a filosofia de Platão. Entre os nomes mais
proeminentes, citamos Santo Agostinho, Boécio, Isidoro, João Damaceno e a Escolástica, que
retoma a filosofia aristotélica. São Tomás de Aquino elaborou a síntese magistral do cristianismo
com o aristotelismo, fornecendo bases filosóficas para a teologia cristã numa tentativa de
compatibilizar a fé e a razão.

13
“A vida de Santo Agostinho, minuciosamente narrada por ele próprio em Confissões, é quase uma demonstração, na
prática, de seu pensamento: experimentou o ceticismo quanto ao conhecimento, sofreu o abismo do homem em pecado,
reencontrou a esperança na graça divina, conheceu a felicidade e a certeza da verdade na fé” (OS PENSADORES, 1999,
p. 97).
14
Ver Os Pensadores (1999), capítulo “Entre a Fé e a Razão”.
86

A partir dos séculos XI e XII, inicia o crescimento do comércio, a expansão das cidades e a
inevitável ascensão de uma nova classe: a burguesia, que durante vários séculos fora dominada pelos
senhores feudais. As Cruzadas foram fundamentais para o intercâmbio comercial com o Oriente. A
criação de centros culturais laicos impulsionou um novo conhecimento, totalmente autônomo dos
poderes da Igreja. As Universidades de Oxford, Cambridge, Bolonha, Salermo, Paris e Coimbra são
exemplos dos Centros Culturais Europeus. Por fim, o pensamento medieval dava sinais iminentes de
fraqueza, não tardando a constituição de um novo pensamento: o Renascimento e a Modernidade já
embrionárias de um novo paradigma.

6.5. O fim do pensamento medieval e o início do Renascimento

Como vimos, a característica principal da Idade Média foi centralizada no pensamento


religioso (teocentrismo = Deus no centro de tudo). A instituição Igreja regeu a vida em todas as suas
dimensões. Já no Renascimento, o que predominou foi o pensamento antropocêntrico (o homem no
centro do universo). O “humano” como forma negativa, vista anteriormente na Idade Média, passa,
agora, a ser exaltado. A expressão da beleza física do homem inspirou escultores e pintores
renascentistas, juntamente com a filosofia humanista (expressão máxima do homem em suas
diversas formas). A visão de um mundo medieval limitado, finito e enclausurado em si mesmo dá
lugar à transparência, clareza e inovação.

O Deus medieval, religioso-cristão, aos poucos foi ultrapassado por outra "divindade", a
razão, que ordenara uma mudança radical na visão de mundo na modernidade. A razão não será a
contemplativa ou teológica, que dava sustentação à Revelação divina e ao poder da Igreja sobre os
homens; ela será instrumental, afim de objetivar, modificar e transformar a natureza que, antes, era
intocável. A confiança na razão impulsionou a pesquisa pelo método experimental, que favoreceu a
ciência. Em conseqüência, temos a tecnologia e o progresso. Se antes tínhamos o geocentrismo (a
terra como centro do universo), no Renascimento teremos o heliocentrismo (o sol como centro)
desde o método experimental de Copérnico (1473-1543) e da sua comprovação por Galilei (1564-
1642)15.

15
Ver Nicola Abbagnano (1982), vol VI, especialmente o capítulo VII.
87

A razão traz consigo uma nova imagem do mundo: com a criação da bússola e a descoberta
da pólvora, o homem europeu lançou-se à navegação conquistando as terras do Ocidente, ou o
"Novo Mundo", possibilitando o comércio (mercantilismo) com outros povos. Com as revoluções
astronômicas de Copérnico e Kepler e a física de Galilei, a descoberta das Índias, a inovação da
tipografia (imprensa), surge a era das técnicas, substituindo a era medieval da contemplação,
orientada e dominada pela figura de Deus 16. Os fenômenos naturais não serão explicados pela
teologia ou pela "vontade de Deus", mas serão explicados por eles mesmos: "a natureza é um livro
aberto pronto para ser pesquisado e explorado", não se cansam de afirmar os pensadores. Defendem-
se, assim, a observação e a experimentação utilizando hipóteses lógico-racionais, cálculos
matemáticos e princípios geométricos como instrumentos fundamentais para a compreensão dos
fenômenos naturais.

A passagem de uma mentalidade para outra sempre gera a crise no ser humano, uma vez
que as idéias do passado são colocadas em xeque e busca-se uma nova fórmula para dar sustentação
ao novo pensamento. O homem passa e, passando, não leva consigo a bagagem dos velhos valores, e
é urgentemente necessário solidificar e fundamentar a sua vida em novos valores que dêem
segurança a este “novo” homem. Os antigos valores vão-se desmantelando, o sonho da cidade eterna
não se concretiza, grandes rupturas acontecem na Igreja como o Cisma da Cristandade (1379-1417),
quando um Papa comanda a Igreja de Roma e outro lidera a de Avinhão. A Reforma Protestante
coopera com a fragmentação religiosa.17 Novas formas de interpretações bíblicas fazem do homem
um ser com novas possibilidades frente ao mundo.

A marca referencial da política moderna será a laicização, ou seja, uma política laica,
desligada dos ditames autoritários da tradição da Igreja. Como vimos acima, a política estava
diretamente ligada à Igreja, sendo que não diferia muito um Príncipe de um Bispo, Rei ou Papa. Na
Modernidade, o poder político não é fruto de favor divino. Na modernidade, tem-se a afirmação dos

16
“O resultado último do naturalismo do Renascimento é a ciência. Nela confluem: as pesquisas naturalísticas dos
últimos Escolásticos que tinham dirigido a sua atenção para a natureza, desviando-a do mundo sobrenatural considerado
desde então inacessível à pesquisa humana; o aristotelismo renascentista, que elabora o conceito de ordem necessária da
natureza; o platonismo antigo e novo, que insistira na estrutura matemática da natureza; a magia, que havia patenteado e
difundido as técnicas especulativas destinadas a subordinar a natureza ao homem; e, finalmente, a doutrina de Telésio,
que afirma a autonomia da natureza, a exigência de explicar a natureza por meio da natureza” (ABBAGNANO, 1982, p.
7).
17
Reforma liderada por Matinho Lutero (1483-1546). “O individualismo religioso de Lutero é uma reação ao forte
enraizamento social da Igreja, que progressivamente foi adotando padrões mundanos de organização. Isso, em certo
sentido, explica-se pelas necessidades políticas do papado, que passa a ressaltar os rituais e as aparências em detrimento
do conteúdo sobrenatural da religião”. Lutero contesta a autoridade papal e dos “representantes de Deus” na terra. (OS
PENSADORES, 1999, p. 176-177).
88

grandes Estados monárquicos unificados (exemplo: França, Inglaterra, Espanha). Pela primeira vez
na história aparece expresso o vocábulo "Estado", como o entendemos hoje, na expressão de
Nicolau Maquiavel, com O Príncipe (1513/ 1514): "todos os domínios que tiveram e têm impérios
sobre os homens são Estados, e são Repúblicas ou Principados" (O Príncipe, cap. I).

Aumenta então a teorização dos filósofos em busca de um Rei competente e implacável


que fosse capaz de unificar os Estados, então fragmentados. Em conseqüência disso, temos uma
rápida concentração dos poderes no Estado no Rei. Luís XIV, no século XVII dirá : "L'Etat c'est
moi" (O Estado sou eu). Aparece, igualmente, o conceito de soberania de Jean Bodin (1576), como
poder supremo na ordem interna18. Contra o feudalismo e o regime senhorial, contra a submissão ao
papado e do império, a razão do Estado cresce em decorrência desses teóricos.

Na filosofia, a partir do século XVII, surge o cartesianismo (filosofia de René Descartes),


"a dúvida metódica" e a famosa frase: "Penso, logo existo"; a ciência da natureza de Galileu, a
experimentação e a razão teórica, bem como a elaboração acerca da origem e das formas de
sabedoria política, a partir das idéias do direito natural, do direito civil hobbesiano e da política laica
ou profana de Maquiavel.

Depois de mil anos tendo o poder teocêntrico sido hegemônico na mentalidade do homem
Ocidental, surge na história o Renascimento (séculos XV - XVI), considerado por alguns cientistas
como marco intermediário entre a Idade Média e a Modernidade. Uns apresentam as
particularidades desse período afirmando que o mesmo traz características próprias. Outros afirmam
que o Renascimento representa um retorno às tradições greco-romanas, ou seja, uma re-descoberta
da Antiguidade clássica pelos humanistas, que buscam fontes para argumentos históricos, culturais,
políticos e filosóficos visando à fundamentação desse novo saber.

No período renascentista, como já vimos, o homem viverá uma profunda crise, pois vai,
aos poucos, perdendo os "valores" que lhe davam segurança e ainda não conseguia alcançar um
porto seguro. O mundo europeu religioso, fechado, dá sinais de esgotamento. As transformações
ocorrem em diversas áreas: nas artes (do gótico para o humanismo); nos conflitos entre os
intelectuais ateus e religiosos nas universidades religiosas e laicas (cultural); na formação dos

18
“Assim como o navio não é mais do que a madeira, sem forma de embarcação, quando lhe tiramos a quilha, que
sustenta o costado, a proa, a popa e o convés, também a República, sem um poder soberano que una todos os seus
membros e partes, e todos os lares e colégios, num só corpo, não é mais República’. Tal é, para Bodin, o ponto principal
e mais necessário para que se compreenda bem, partindo da definição notável e clássica que ele deu de república
(evidentemente no sentido de coisa pública, ou comunidade política, ou, em suma: Estado): República é um reto
governo de vários lares e do que lhes é comum, com poder soberano” (BODIN Apud CHEVALLIER, 1982, p. 316).
89

estados nacionais, separação entre Igreja e Estado (política); na visão de mundo (do geocentrismo =
terra no centro do universo para o heliocentrismo = sol como centro do universo, com a revolução
de Copérnico e de Galileu Galilei); na economia, em que o feudalismo é substituído gradativamente
pelo mercantilismo, possibilitando o enriquecimento da burguesia favorecido pelas navegações, ao
descobrirem novas rotas comerciais com o Oriente e, posteriormente, com as Américas.19

O humanismo renascentista encontra-se estreitamente ligado a uma exigência de renovação


política. Pretende-se renovar o homem não apenas na sua individualidade, mas também na sua vida
em sociedade. O regresso às origens é, por um lado, entendido como o regresso de uma comunidade
histórica determinada, povo ou nação, às suas origens históricas, às quais poderá ir buscar nova
força e novo vigor, e, por outro, como regresso à base estável de toda e qualquer comunidade.

19
Estado Moderno como detentor da força/autoridade racional e territorialmente universal foi um fator chave no
desenvolvimento dos Estados capitalistas contemporâneos. Conferir o trabalho de Nunes (2003).
7. O PENSAMENTO POLÍTICO RENASCENTISTA

O sonho de construir a "cidade terrena" torna-se irrealizável, em virtude do esfacelamento


da unidade político-religiosa, tão esperada pelos reis e papas, representantes da entidade temporal e
espiritual. Os imperadores nomeavam bispos e influenciavam na escolha dos papas. A ruptura se dá
também dentro do próprio Estado. Com o descobrimento da pólvora, o regime feudal entra em
falência, porque termina a segurança dos castelos. As nações, originárias da Idade Média,
organizam-se em Estados e conquistam autonomia completa.

Os filósofos da época dão início a um novo tipo de pensar (cultura), baseado na experiência
de um homem que buscava a verdade na própria natureza e não somente na revelação divina. A
experiência está abrindo os segredos da natureza, desocultada a partir de si mesma. Pode-se afirmar
que o homem moderno é o homem da razão experimental, pois exalta a razão natural e a natureza.
Galileu Galilei, Giordano Bruno1 e Campanella inovam no método de explorar a natureza através da
experimentação. Antes, a natureza era apenas contemplada a partir da revelação divina.

A verificação dos fenômenos e dos fatos é o novo caminho para se chegar ao conhecimento
da realidade, pois a razão humana introduz, agora, um novo modo de compreender o universo.
Dessacralizou-se o mundo, que perdeu o senso de mistério e não apela para uma causa transcendente
de explicação: explica-se por si mesmo e para si mesmo. Deus, na Idade Moderna, é uma causa
supérflua, pois a visão exclusivamente experimental e positiva não tem lugar para valores espirituais
(Deus), que não é objeto físico, atingível pela experiência externa 2. "Deus está morto; nós o

1
“Mas... se a terra não é o centro do universo, por que insistir num centro? Se a hierarquia do mundo se rompe, para que
buscar uma hierarquia? Por que não haveria outro mundo com outros sóis e outras vidas?... As indagações são de
Giordano Bruno” (OS PENSADORES, 1999, p. 153). São questões representativas do “espírito” do Renascimento.
2
“Galileu pretende desimpedir a via da investigação científica dos obstáculos da tradição cultural e teleológica. Por um
lado, polemiza contra ‘o mundo de papel’ dos aristotélicos; por outro, quer subtrair a investigação do mundo natural aos
limites e aos estorvos da autoridade eclesiástica. Contra os aristotélicos, afirmava a necessidade do estudo direto da
natureza. Nada é mais vergonhoso nas disputas científicas, diz ele (Op., VII, p. 139), do que recorrer a textos que amiúde
foram escritos com outro propósito e pretender utilizá-los para responder a observações e experiências diretas”
matamos", nos dirá Nietzsche, mais tarde; o Deus da ordem moral morreu. O que é válido é a razão
"penso, logo existo" de Descartes, o homem moderno é o homem da certeza matemática. Na
política, surge o realismo de Nicolau Maquiavel, o fundador da ciência política moderna. Maquiavel
tratou a política como ela é, e não como fizeram os pensadores anteriores (Platão e Santo
Agostinho), que imaginaram a política como deveria ser (plano ideal). Diz Prélot (1973, p. 43): o
método de Maquiavel é a observação direta e indireta, feita de contatos e leituras.

7.1. Maquiavel: contexto histórico

Nicolau Maquiavel.3

Nicolau Maquiavel nasceu em meio a uma grande crise econômica e política, no dia 3 de
maio de 1469, em Florença, na Itália renascentista 4. Naqueles tempos, a Itália sentia a ausência de
um Estado central, reinando uma grande confusão onde imperava a tirania em diversos e pequenos
principados. Estes não tinham dinheiro para financiar exércitos regulares, e acabavam socorrendo-se
de mercenários que, ao bel-prazer e conforme seus próprios interesses, terminavam por conquistar
os próprios principados que deveriam defender. A Itália era uma vítima impotente frente a diversos
impérios, como o Franco, o Germânico, o Hispânico, entre outros. Também na área econômica a

(ABBAGNANO, 1982, p. 14).


3
Imagem de Nicolau Maquiavel. Disponível em http://n.i.uol.com.br/licaodecasa/ensmedio/historiageral/maquiavel.jpg.
Acesso em dezembro de 2007.
4
Ver Sadek (1991, p. 14 a 17).
decadência é visível. A ordem comercial está calcada nos feudos, e estes estão em declínio, cada vez
com menos poder; em ascensão está a burguesia.5

A produção manufatureira instalada em antigos clientes da Itália amplia mercados,


oferecendo produtos mais baratos. Outro aspecto que atingia a Itália era a primazia dos espanhóis e
portugueses nas descobertas além-mar. Em 1494, quando Lourenço (o Magnífico) e Júlio de Médicis
são expulsos de Florença, instala-se o regime republicano do monge Savanarola, oportunizando a
Maquiavel iniciar sua vida pública, trabalhando em um cargo na chancelaria. Quatro anos depois, a
oposição, com o apoio do papa Alexandre VI, derruba e mata Savanarola, sobrando para Maquiavel
o cargo de chanceler. Enfrenta inúmeros problemas decorrentes da decadência florentina em relação
às cidades vizinhas. O filho do papa Alexandre VI, César Bórgia, avançava sobre Florença exigindo
o retorno dos Médicis. Este personagem inspirou Maquiavel a escrever O Príncipe, e impressionou
tanto, que Maquiavel acreditava que Bórgia seria o homem providencial, capaz de unir a Itália,
opondo barreiras às intervenções estrangeiras, Em 1506, Maquiavel escreve um discurso sobre a
preparação militar florentina, defendendo a criação de uma milícia nacional. Porém, apesar de todos
os esforços, ele é derrotado por um conluio envolvendo o papado e os espanhóis, juntamente com
um levante interno exigindo a volta dos Medícis ao poder. Maquiavel é preso, torturado e exilado
em sua propriedade particular em San Casciano. Procurando reconquistar os favores da família
tirana, escreve O Príncipe e oferece-o a Lourenço de Médicis, não conseguindo seu objetivo; porém,
é permitido-lhe retornar a Florença.

Maquiavel buscava a unificação da Itália, que então era dividida em uma série de pequenos
principados, com regimes políticos, desenvolvimento econômico e cultura variados. Isso fazia com
que ela fosse alvo de constantes conflitos e invasões por parte dos estrangeiros. Aos 29 anos, durante
o governo de Soderini, ele passou a ocupar o posto da Segunda Chancelaria, onde cumpriu uma
série de missões, tanto fora da Itália como internamente, destacando-se sua preocupação em instituir
uma milícia nacional. No entanto, com o retorno dos Médicis ao poder, e com o exílio de Soderini,
suas tarefas diplomáticas sofreram uma brusca interrupção. Em 1512, ele foi demitido e, ainda,
proibido de abandonar o território florentino por um ano e de freqüentar qualquer prédio público.
Em fevereiro de 1513, foi considerado suspeito de participar de uma conspiração contra o governo
dos Médicis, sendo por isso torturado e condenado à prisão e a pagar uma pesada multa. Ainda neste
ano ele sai da prisão, mas não consegue retornar à vida pública. Exilado em sua própria terra,

5
Sobre a concepção de Estado em Maquiavel, Hobbes, Locke e Marx, conferir o trabalho de Gruppi (1996).
93

impedido de exercer sua profissão, passa a morar na propriedade que herdara de seu pai em São
Casciano. Neste tempo em que ficou retirado em sua propriedade, ele escreveu suas obras, textos
que resultam de sua experiência prática e do convívio com os clássicos.

O pensador florentino percebeu que a instabilidade italiana estava na fragmentação do


Poder (cada cidade tinha uma família no poder). 6 O Vaticano estabelecia a unidade. Maquiavel
propõe a unificação da Itália criando um centro único de Poder, o que traria a estabilidade. A Itália e
a Alemanha ficam atrasados quanto à unificação, ao passo que as nações européias a fazem,
colocando em risco a soberania destes países sem centralização do poder e tornando-os alvos fáceis
de constantes ocupações. É nesse contexto de insegurança que Maquiavel se encontra em sua Itália,
na República de Florença.7

Maquiavel era filho de Bernardo, um advogado pertencente aos ramos mais pobres da
nobreza. Maquiavel era de estatura média, magro, fronte larga, olhos penetrantes e lábios finos. 8
Muito pouco se sabe de sua infância, apenas que leu muito os clássicos latinos e italianos, mas que
não dominou o grego. Do fim da adolescência em diante, sua biografia se confunde com a história
de Florença e da Itália. Amava, sobretudo, a cidade que o viu nascer e os assuntos de Estado. Por
isso faz o possível para voltar à vida pública, da qual foi excluído em 1513. Neste ano, na cidade
italiana de San Casciano, este exilado político ocupa-se todas as manhãs em administrar a pequena
propriedade a que estava confinado e, à tarde, joga cartas numa hospedaria com pessoas simples do
povoado. A noite, vestia trajes de cerimônia e passava a conviver, através da leitura, com homens
ilustres do passado. A oportunidade de voltar à política chegou em 1526, quando foi nomeado
secretário dos Cinco Provedores das Muralhas, cargo no qual deveria cuidar das fortificações da
cidade e tratar da defesa em geral.

Em 1527, Maquiavel, acreditando que o saque de Roma pelas forças do imperador Carlos V
libertaria Florença do jugo dos Médicis, tenta voltar à Chancelaria, o que não acontece. Isso debilita
sua saúde e provoca seu óbito no dia 21 de junho de 1527, com 58 anos de idade. Maquiavel faleceu
sem ter visto realizado os ideais pêlos quais lutou toda a sua vida. Porém, deixou um valioso legado:

6
A Itália no tempo de Maquiavel estava dividida, muito semelhante às cidades-estados dos gregos.
7
Enquanto a Itália permanecia dividida, semelhantes às cidades-estados gregas, a França, Espanha e Inglaterra já haviam
se unificado.
8
Ver Maquiavel – vida e obra. In: MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe: escritos políticos. São Paulo: Abril, 1983. (Os
Pensadores).
94

o conjunto de idéias elaboradas no seu exílio. Talvez nem ele mesmo soubesse a importância desses
pensamentos. Apesar disso, revolucionou a história das teorias políticas, dividindo-a em duas fases
distintas.

Nicolau Maquiavel não foi apenas filósofo, foi também historiador, estudioso, estrategista,
poeta e artista. Com boa parte dos intelectuais renascentistas pesquisou sobre as guerras que
aconteceram em momentos passados de sua época.

7.2. Estrategista da arte da guerra

Como vimos na seção anterior, Maquiavel viveu num período de constantes guerras e de
fragmentações territoriais. Os problemas financeiros foram uma constante em sua vida.9 Os fatos
mais marcantes da sua biografia foram a precoce participação na política, isso em 1507, quando
Maquiavel foi indicado como Chanceler. Maquiavel também tornou-se um especialista em assuntos
militares10. A Renascença italiana, além de ser reconhecida pelo seu brilhantismo artístico, foi
marcada pelo interesse literário, filosófico e tático pela guerra. A guerra nesse tempo surgirá como
um trabalho de arte, a guerra começa a ser uma preocupação essencial de mentes privilegiadas que a
consideram como qualquer outra coisa à sua volta. Os homens influentes das mais diferentes áreas,
dramaturgos, poetas, músicos, pintores ou escultores, "escreveram sobre estratégias e táticas de
guerra e sobre isso davam conselhos" (NISBET, 1982, p. 70).

O interesse pela guerra provinha do declínio de todo o sistema feudal na Europa e do


limitado tipo de arte da guerra, do gênero milícia, bem típico da Idade Média, em que a guerra era o
esporte de uma pequena classe: a cavalaria. Porém, no século XV, essencialmente na Itália, a arte da
guerra tornou cada vez mais importante o trabalho de soldados e oficiais mercenários. Muitas tropas
mercenárias eram contratadas por cidades-Estados e principados, a guerra era "providenciada" no
sentido de tirar proveito de tal acontecimento: "Tendo tudo a ganhar com participação na guerra, os
mercenários providenciavam - ou assim pensava Maquiavel, entre outros renascentistas - para que
houvesse guerras em número suficiente, com suas oportunidades de pilhagem e saques" (NISBET,

9
Conferir o trabalho de Sartori (1965, p.47), principalmente o capítulo III “O Qüiproquó do realismo político”.
10
Ver Sadek (1991).
95

1982, p. 70). Maquiavel propõe algo diferente ao escrever A Arte da Guerra, pois até então as
guerras eram feitas por mercenários que lutavam para quem pagasse mais.

A Itália foi pioneira na utilização das tropas mercenárias como organização, assim como na
utilização de armas de fogo, o que transformou a guerra numa atividade democrática, ou seja, os
fortes castelos não resistiram mais aos constantes bombardeios. Surge a função essencial dos
engenheiros, do fundidor de armas e do artilheiro, homens que pertenciam a classes sociais
subalternas, passando a desempenhar um papel fundamental para a arte da guerra.

Os humanistas italianos contribuíram, durante o Renascimento, para que houvesse uma


consagração literária à arte bélica, o que chegou a glorificá-la. Era uma oportunidade nova que os
humanistas vislumbravam como meio de libertação do homem, seus talentos e poderes do sistema
eclesiástico e feudal tido como inimigo número um dos humanistas. Como é sabido, o conceito
moderno de individualidade buscava a ruptura a tudo o que era imposto pelas estruturas dominantes
medievais e que acabavam confinando a individualidade humana. No Renascimento importante será
a ousadia de atitudes, a liberdade, a "obtenção de fama e celebridade, e acima de tudo, liberdade de
mente e imaginação das tradicionais obrigações para com a cavalaria, bem como para com a guilda,
o mosteiro, a igreja e o solar" (NISBET, 1982, p. 70).

Maquiavel, assim como outros “estrategistas” da arte da guerra escreveu a obra A arte da
guerra, publicado em 1521. A própria guerra tornou-se um meio de brilhante realização individual
na medida em que houvesse alguma contribuição para "o aperfeiçoamento da filosofia e da arte de
guerra". Leonardo da Vinci orgulhou-se não só de suas pinturas ou esculturas mas das contribuições
tecnológicas e estratégias para a arte da guerra. Os administradores renascentistas incentivavam,
chegavam a pagar boas quantias, às inovações e estratégias que contribuíssem para os tempos de
guerra.

Em síntese, Maquiavel foi um observador, um mestre na tática da guerra. Condenou as


tropas mercenárias, acreditava que o príncipe devesse confiar em um exército próprio e nunca ficar
nas mãos dos mercenários, pois estes são muito ambiciosos, bastando alguém pagar mais, para eles
passarem para o lado dos inimigos. Mostra também que, mesmo não estando em guerra, o príncipe
deve estar preparado para ela, tendo estratégias, conhecendo a história de outras batalhas, sabendo
por que tiveram grandes vitórias ou grandes derrotas, para corrigir os erros nas derrotas e imitar as
estratégias vitoriosas. Maquiavel chegou a organizar e chefiar o exército florentino.
96

7.3. Fundador da Ciência Política Moderna

Maquiavel foi um realista, não se preocupou com o que se deveria fazer mas com o que se
faz. Até então, a teoria do Estado e da sociedade não ultrapassava os limites da especulação
filosófica. Em Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino ou Dante, o estudo desses assuntos vinculava-se
à moral e era uma teoria de ideais de organização política e social. À mesma regra não fogem seus
contemporâneos, como Erasmo de Rotterdam, no Manual do Príncipe Cristão, ou Thomas More, na
Utopia, que constroem modelos ideais do bom governante na base de um humanismo abstrato. Em
todas as obras, sua preocupação era a construção do Estado italiano, por isso tratou a política tal qual
ela é seguidor de Tácito, Políbio, Tucídides e Tito Lívio. Examina a verdade como ela é.

O universo mental de Maquiavel é bem diverso. Observa que a experiência jamais engana e
o erro é produto do pensamento especulativo; o objeto de suas reflexões é a realidade política, a
busca do entender como as organizações políticas se fundam, se desenvolvem, persistem e decaem.
Conforme Maquiavel, quem observa com cuidado os fatos do passado pode prever o futuro em
qualquer república e usar os remédios aplicados desde a Antiguidade. Atualmente, os estudos têm
procurado romper com a tradição de crítica do ponto de vista moral, ou com a utilização da obra de
Maquiavel como instrumento ideológico. Procura-se mais amplamente determinar a contribuição
específica que ele deu à história das idéias, especialmente ao que se refere à ciência política.

Maquiavel lia muito sobre os antigos historiadores. Ele rejeitava o idealismo de Platão,
Aristóteles e São Tomas, de Aquino. Acreditava numa realidade concreta, tal como ela é, e não como
se gostaria que ela fosse. A história política se divide em duas partes, uma antes e outra pós-
Maquiavel. Os valores que antecedem a Maquiavel são de ordem religiosa: Deus era o centro, a
política seguia em segunda ordem e, por último, o indivíduo. Após Maquiavel, a política torna-se o
valor mais importante juntamente com a valorização do indivíduo. Maquiavel não tratou de valores
espirituais.

Rompendo com todos dogmas da tradição religiosa, o autor florentino afirma que qualquer
um pode chegar ao poder, tendo dinheiro, é claro. Considerou o homem como fundamentalmente
mau, corrupto, ingrato e covarde. Com Maquiavel começa a ter importância a individualidade.
Maquiavel separa ética de política, dizendo que a primeira diz respeito às questões do indivíduo e a
97

última, às coisas públicas. A ética é a-política. Já a política pode ser ética ou a-ética 11. O poder
político fascina, pois, através dele, as pessoas podem destinar recursos que nenhuma outra pode,
mandar atacar, fazer isto ou aquilo. Já a religião é pouco citada em sua obra, mas o autor a percebia
como um valor, uma vez que poderia ser manipulada e utilizada como meio político, por lidar com
paixões e desejos humanos.

Diferente dos teólogos, que partiam da Bíblia e do Direito Romano para formular teorias
políticas, diferente também dos renascentistas, que partiam das obras dos filósofos clássicos para
construir suas teorias políticas, Maquiavel parte da experiência real do seu tempo. O fundamento do
seu pensamento político é o contexto moderno, porque busca oferecer respostas novas a uma
situação histórica nova, que seus contemporâneos tentavam compreender lendo autores antigos,
deixando escapar a observação dos acontecimentos que ocorriam diante de seus olhos.

Maquiavel não admite um fundamento anterior e exterior da política (Deus, natureza ou


razão). Toda a cidade, diz ele, tem, originariamente, dois pólos: o desejo dos grandes de exprimir e
comandar e o desejo do povo de não ser oprimido nem comandado 12. Essa divisão prova que a
cidade não é homogênea e nem nascia da vontade divina, da ordem natural ou da razão humana. Na
realidade, a cidade é feita por lutas intensas que obrigam a instituir um pólo superior que passa a
unificá-la e dar-lhe identidade. Assim, a política nasce das lutas sociais e é obra da própria
sociedade dar-lhe identidade. A política resulta da ação social a partir das divisões sociais. Não
aceita a idéia de boa comunidade política constituída para o bem comum e a justiça. Para ele, a
política é a divisão entre os grandes e o povo. A sociedade é dividida e não uma comunidade una,
homogênea. Para Maquiavel, a imagem de una é uma máscara com que os grandes recobrem a
realidade social para enganar, oprimir e comandar o povo. A finalidade da política é a tomada e a
manutenção do poder e não a justiça e o bem comum.

Quando Maquiavel eternizou seus conhecimentos, ele apenas observou o passado (as
guerras), analisou onde estavam os erros e acertos das mesmas: neste contexto, analisou como os
reis e príncipes agiam antes, durante e depois das conquistas. Enviando isso à família Médicis,
expressou o que um príncipe deveria ou não fazer para conquistar novos reinos e mantê-los. Assim

11
“A política tem uma ética e uma lógica próprias. Maquiavel descortina um horizonte para se pensar e fazer política que
não se enquadra no tradicional moralismo piedoso. A resistência à aceitação da radicalidade de suas proposições é
seguramente o que dá origem ao ‘maquiavelismo’. A evidência fulgurante deste adjetivo acaba velando a riqueza das
descobertas substantivas” (SADEK, 1991, p. 24).
12
Extraído de Chauí (1994).
98

mudou a forma de fazer política, só que isso rendeu-lhe vários críticos à sua obra mais conhecida, O
Príncipe, obra esta que relata suas "experiências" de governos.

A democracia é a tentativa de horizontalizar o poder, tornar o indivíduo cidadão e isso


implica ser responsável com a dimensão pública, o que torna difícil este processo, de fazer
democracia, pois as pessoas não gostam de se comprometer com o público. Maquiavel não era
democrata, pois em sua época não existia democracia; ele percebe o homem com seus interesses e ai
a necessidade de um poder centralizado para evitar os interesses particulares. Maquiavel propõe a
monarquia; na melhor das hipóteses, a Aristocracia como melhor forma de governo.

Maquiavel, tendo convicções republicanas, participa do governo, é atuante e circula


diplomaticamente pêlos países vizinhos e internamente em seu país. Vislumbra um modelo a ser
seguido em César Borgia, condottiere empenhado na ampliação dos Estados dos Pontifícios. De
regra, era o que a Itália precisaria seguir para chegar à unificação. Defensor das idéias republicanas,
Maquiavel admite que a extrema corrupção (como a "instalada" na Itália) é a causa e o efeito da
queda dos Impérios, e que com a virtude (virtú) de um grande homem, de "pulso quase real",
somente assim, poder-se-ia restabelecer a ordem.

Acreditava na república e referia-se a esta enfatizando a sucessão dos governantes. E, acima


de tudo, preocupou-se com o exército. Ditador e sábio, percebia o valor do exército natural.
Afirmava sua brutalidade e insensibilidade pela incansável valorização da guerra, e tinha como
grande poder o conhecimento das paixões e fraquezas humanas, meios (considerados por ele) de
dominação e atração do povo, que tinha de ser adaptado aos interesses do Estado, ou, então,
aniquilado.

7.4. A natureza humana

Uma das conclusões de Maquiavel, em 1513, quando escreveu O Príncipe, é de que os


homens são todos egoístas e ambiciosos, só recuando da prática do mal quando coagidos pela força
da lei. Que os desejos e as paixões seriam os mesmos em todas as cidades e em todos os povos. E
que, quem observa os fatos do passado pode prever o futuro em qualquer república.

Para Maquiavel, a natureza humana é intrinsecamente maligna. Os homens, os indivíduos,


são dotados de atributos negativos, de paixões e instintos negativos, de paixões e instintos
99

malévolos, tais como a ingratidão para com seus benfeitores, a volubilidade do caráter, a simulação
das intenções, a covardia ante os perigos e a avidez do lucro 13. Não vê, pois, como Aristóteles, a
sociabilidade como um impulso associativo natural ("O homem é, por natureza, um animal político",
necessariamente ligado aos vínculos sociais).

Pessimista, Maquiavel define seus semelhantes como inconstantes, egoístas e maldosos;


mais propensos ao mal do que ao bem, fazendo este último somente sob coerção. Também são
invejosos, ineficientes, mentirosos e ambiciosos. E, assim, também o são os governantes. Mesmo
assim, ainda há esperança para ensinar aos homens um comportamento político efetivo. Maquiavel,
usando-se do método comparativo em suas obras, comparou o comportamento presente com o
passado, acreditando que o comportamento humano permanece o mesmo através da história14.

A contradição básica está na sua visão da natureza humana. Os homens fazem o bem
apenas por coação. São mentirosos e facilmente iludidos, sentem inveja, são mais propensos para o
mal do que para o bem... “Os homens ‘são ingratos, volúveis, simuladores, covardes ante os perígos,
ávidos de lucro’” (O príncipe Apud SADEK, 1991, p. 19).

Com base em sua leitura e reinterpretação de textos clássicos da História Humana,


Maquiavel conclui que os homens não mudam; em todos os tempos, as pessoas humanas são iguais,
movidas pela apaixonada e intuitiva busca de poder, prestigio e posses, que os faz serem "ingratos,
volúveis, simuladores, covardes ante os perigos, ávidos de lucro". Nesta visão negativa de natureza
humana - que ele afirma ser realista - Maquiavel não está sozinho. Um provérbio de Confúcio já
dizia "Porque me odeias, se nada fiz para ajudar-te?". A visão religiosa do Antigo Testamento
também, é de um homem essencialmente mau, "pecador", que quer se sobrepor aos outros matando,
roubando, cobiçando tudo o que é dos outros. Isto desde Caim e Abel.

13
“E é exatamente assim que Maquiavel os pinta. Sem deixar de acrescentar traços suplementares. Ávidos os homens,
sim, e interesseiros: resignam-se mais facilmente com a morte de um pai do que com a perda de um patrimônio. E
invejosos, ciumentos, insaciáveis nos seus desejos, eternos descontentes que só aspiram ao que não possuem. E ingratos,
inconstantes. E dissimulados, mentirosos, velhacos: basta-lhes um pretexto para faltarem à palavra empenhada. E
medrosos, covardes: somente uma coisa lhes cala fundo – é o medo do castigo” (CHEVALLIER, 1982, p. 267).
14
“Aquele que estudar cuidadosamente o passado pode prever os acontecimentos que se produzirão em cada Estado e
utilizar os mesmos meios que os empregados pelos antigos. Ou então, se não há mais os remédios que já foram
empregados, imaginar outros novos, segundo a semelhança dos acontecimentos” (Discursos, Livro I, cap. XXXIX Apud
SADEK, 1991, p. 19).
100

Para Maquiavel, só o Poder Político, terreno, mundano, pode enfrentar o conflito e a


anarquia decorrentes das paixões e instintos humanos, porém apenas de forma precária e
transitória15. Para Maquiavel, o que detém o Poder Político - o Príncipe, o Chefe de Estado - pode
aumentar o tempo de duração das formas de convívio entre os homens - e manter-se no poder. Para
tanto, deve ele estudar cuidadosamente a história passada. Com o que, poderá prever os
acontecimentos que se sucederão - dada a natureza humana imutável - e antecipar-se ou preparar-se
para estes acontecimentos, tomando as mesmas medidas antes já tomadas por outros governantes, ou
medidas (remédios) semelhantes. Pode-se aprender com a história: sobre a natureza humana, sobre
como conquistar o poder, e sobre como mantê-lo.

O poder é uma relação entre os homens, uma relação temporal, mutável e sensível que pode
ser rompida a qualquer momento. Esse poder, que é exercido no mínimo por um homem sobre o
outro, pode também ser exercido por grupos sociais, pelas classes sociais, para estabelecer uma
ordem mais ampla conforme sua ideologia. Deter o poder significa ter a possibilidade de ser
obedecido, gerando com isso também a detenção da faculdade de permitir.

O que viabiliza o exercício do poder é a possibilidade real do uso da violência. O que, na


verdade, viabiliza o exercício do poder não é o emprego direto e generalizado da violência, do poder
nu e cru, mas a ameaça, a possibilidade de seu uso, após alguns casos de efetiva aplicação.

O primeiro fator que se sobressai como determinante do poder é a força. Quem detém a
força, detém a possibilidade de represália em caso de desobediência, Quem detém a força pode
sancionar, ameaçar, punir e até mesmo matar, individual e coletivamente. A força pode se apresentar
como força bruta, física, militar, religiosa ou econômica. O segundo fator determinante do poder é a
influência. Regra geral, a influência advém da própria força, religiosa, econômica ou política. Mas,
nas sociedades mais complexas, a influência pode advir de fatores mais inesperados, que vão desde
a convergência ideológica até a corrupção ou chantagem.

7.5. A questão do Estado

15
“Mas onde fica a religião em tudo isso? Percebe-se facilmente que ela só interessa a Maquiavel sob o ângulo do
Estado, da sua conservação e da sua grandeza. Serva da política, ela é uma insubstituível polícia do Estado, um
admirável meio disciplinar do qual a coisa pública não poderia abrir mão” (CHEVALLIER, 1982, p. 270).
Maquiavel foi um dos maiores defensores do Estado independente. Buscou o conhecimento
por si só. Foi um pensador da modernidade. Esse período da história foi marcado pelo poder e pela
influência da Igreja no Estado, onde Deus é o centro de tudo e os Papas exercem poder sobre os
governantes e sobre o povo16. Porém, Maquiavel buscou exatamente o contrário, ele defendeu uma
política laica (leiga, do povo, sem nenhuma ligação com a Igreja); ele rompeu com a tradição
religiosa e com a moralidade, mas tratou com a realidade da maneira como ela é, do modo como as
coisas realmente são e não como elas deveriam ou poderiam ser.

Para Maquiavel, os domínios que existiram e existem sobre os homens foram ou são
repúblicas e principados. Os principados ou são hereditários (o príncipe é senhor pelo sangue) ou
novos (récem-fundados). Ele afirma que é mais fácil manter Estados herdados cujos súditos já estão
acostumados a uma família reinante, mas que é de bom alvitre não transgredir os costumes
tradicionais e saber adaptar-se a situações imprevistas: "A dificuldade está nos principados novos"
(O Príncipe, capítulo III, Dos principados mistos). Os homens mudam de governantes com
facilidade e sempre esperam melhorias. Ao passar do tempo, percebem que não melhoram,
voltando-se contra os mesmos. O soberano fará, assim, inimigos, pois não poderá manter a amizade
dos que o ajudaram a conquistar o poder e também não poderá aplicar medidas drásticas contra os
mesmos. Por isso, o príncipe precisará sempre manter-se ao lado dos habitantes de um território para
dominá-lo. Maquiavel, partindo do pressuposto de que os Estados anexados são previamente
existentes, e quando são da mesma região é mais fácil dominá-los, especialmente se não estiverem
habituados à liberdade, diz que para isso basta eliminar a antiga dinastia governante. Quando se trata
de mesma língua e costumes, o domínio é mais fácil, para tanto, deve-se extinguir a linhagem dos
antigos governantes e manter as mesmas leis e os mesmos tributos. Na hipótese de conquistar uma
província com língua, leis e costumes diferentes, recomenda, como meio para manter a dominação,
que o príncipe se fixe na mesma.

Recomenda Maquiavel que o governante de um território estrangeiro (organizado em forma


de colônia) deve liderar e defender os vizinhos mais fracos, procurando debilitar os mais poderosos.
Os romanos, onde instalaram colônias, apoiaram os menos poderosos - sem aumentar-lhes as forças
- e abateram os mais poderosos, impedindo que os Estados estrangeiros exercessem sobre suas
colônias sua influência. Com isso, preveniram-se de disputas futuras. Nesse sentido, afirma
Maquiavel que o mal identificado no início é de fácil cura, mas difícil de diagnosticar e que, quando

16
É claro, como já foi mencionado, que o poder da Igreja estava em franco declínio no século XVI.
102

não é logo identificado, torna-se de fácil identificação mas de difícil, senão impossível, cura. E que é
isso que ocorre com os negócios do Estado.

7.6. O estilo das obras de Maquiavel

As obras de Maquiavel são instigantes, desconexas e paradoxais. Com julgamentos sempre


exatos e decisivos, mas que, no entanto, os sentidos quase sempre se definem ocultos, usando de um
número reduzido de palavras que podem dar vários sentidos em seu entendimento. Maquiavel é,
também, contraditório em suas relações com os mesmos exemplos da história. A obra de Maquiavel
prima por argumentos confusos e pela ambigüidade. Por exemplo: os Estados, ou são Repúblicas ou
são principados, os príncipes devem escolher entre o amor e o medo, a clemência e a crueldade, a
atitude liberal ou a mesquinhez. Os soldados em batalha devem conquistar ou morrer. Os súditos
serão bem tratados ou oprimidos, as medidas extremas podem ser bem ou mal utilizadas.

Dentre as principais obras de Maquiavel destacam-se: O Príncipe (1512 a 1513); Os


discursos sobre a primeira década de Tito Lívio (1513 a 1519); a Arte da guerra (1519 a 1520), e,
por último, sua História de Florença (1520 a 1525).17 Ao lado destas publicações, escreveu a
comédia A mandrágora, considerada obra-prima do teatro italiano; uma biografia sobre Castruccio
Castracani e uma coleção de poesias e ensaios literários.

A preocupação de Maquiavel, como pensador político, era documentar essa corrupção;


explicá-la e estabelecer se poderia ou não ser remediada. Utilizou um método comparativo em suas
obras, estudando o comportamento passado e presente. Como já foi colocado, a sua principal obra é
O Príncipe, destinada a mostrar ao "novo" príncipe dos Médicis como ganhar, manter e aumentar o
poder político. Esse príncipe triunfará apenas se dedicar suas energias à guerra: "pois a força é justa,
quando necessária". A obra O Príncipe, segundo Prélot (1964, p. 23), é o título da obra que, de fato,
significativamente, abre a politologia moderna.

Para muitos, a obra de Maquiavel é considerada uma idéia lunática, atéia e satânica, pois a
idéia de que a finalidade da política é a retomada e conservação do poder e de que este não provém

17
Em 1520, torna-se historiador oficial da república indicado pela Universidade de Florença. Ver Os Pensadores.
História da Filosofia (1999). Esp. Cap. “Um Cenário de Luz e Sombra” (156 e ss.) “Um príncipe maquiavélico”.
103

de Deus nem de uma ordem natural feitas de hierarquias fixas exigiu que os governantes
justificassem a ocupação do poder assumido.

7.7. Síntese das idéias de O Príncipe

O Príncipe (1513) foi publicado somente em 1532, cinco anos após a morte de seu autor.
Neste livro, Maquiavel transmite todo o seu conhecimento e sua experiência, buscando ensinar a
arte da guerra. Nele o autor diz como conquistar, aumentar e manter o poder, e avisa também dos
perigos que existem em se manter o poder.

O Príncipe divide-se em 26 capítulos, subdivididos em 5 temas centrais: apresentação das


diversas espécies de principados e do modo pelo qual o poder pode ser adquirido e mantido;
discussão sobre a organização militar do Estado; debate sobre a conduta do príncipe;
aconselhamento sobre assuntos de especial interesse para o príncipe; e, por fim, exame da situação
italiana da época.

Descrédito com as tropas mercenárias:

O descrédito com as tropas mercenárias aparece evidenciado em suas obras. Para


Maquiavel, a utilização dos mercenários pêlos governantes, para a prática da guerra, era um
desperdício e uma inutilidade, em termos militares, além de destruir o verdadeiro conceito de
cidadania.

Maquiavel condena as tropas mercenárias, bem como os generais que as utilizam, por
entender que os mesmos não buscam a paz porque esta não lhes interessa; muito pelo contrário, é
pela arte da guerra que é possível o lucro, para isso as qualidades menos elevadas como a avidez, a
desonestidade, a violência será uma constante. Os homens honrados e bons não combaterão, pois
não se sujeitarão a tal prática. Uma leitura mais atenta da obra de Maquiavel A Arte da Guerra
mostra-nos a preocupação com a estruturação de um exército de cidadãos e com a eliminação
definitiva dos exércitos mercenários18.

18
Maquiavel, além de suas realizações teóricas a respeito das milícias tenta, em 1498, quando ocupa um cargo na
Segunda Chancelaria, posição considerável na posição do Estado, instituir uma milícia nacional (ver SADEK, 1991, p.
15).
104

A virtu e a fortuna:

Maquiavel toma em consideração a hipótese de as coisas do mundo serem governadas pela


sorte ou por Deus, que os homens não possam corrigi-las nem remediá-las. Mas sustenta como mais
provável que a sorte (fortuna) seja árbitro de metade das ações humanas, deixando aos homens o
comando da outra metade (virtú)19. A sorte mostra seu poder, não se depara com a resistência da
"Virtude Ordenada" e dirige os seus ímpetos para onde não houver defesa para contê-la. A ação
humana - parece dizer Maquiavel - não pode eliminar todos os riscos, mas pode e deve eliminar as
reviravoltas inconcludentes e transformar o risco numa possibilidade de êxito. O homem que se
compromete com a história tem uma tarefa precisa e jamais deverá desesperar: o resultado da sua
ação transcende-o e pode conduzí-lo, por atalhos e caminhos distantes, à vitória da tarefa que lhe é
cara20.

O entendimento sobre o Estado

Maquiavel foi o criador do termo Estado entendido na concepção moderna. Sobre a


compreensão de Estado em Maquiavel, pode-se afirmar que diferentes foram as opiniões sobre o
problema do Estado, cada filósofo entendeu de maneira diferente o conceito de Estado, de acordo
com o pensamento e o contexto histórico da época: para Maquiavel, "O Estado passa a ter suas
próprias características, faz política, segue sua técnica e suas próprias leis". Trata-se já da linha do
pensamento experimental: as coisas como elas são, a realidade política e social como ela é, a
verdade efetiva. Maquiavel faz uma obra descritiva e prescritiva com alternativas ao poder para
obter a estabilidade e unificar a Itália.

Maquiavel certamente não foi o único pensador deste período. Mas, certamente é possível
dizer que foi o mais importante tal a pertinência de suas idéias em relação à política. A seguir,
apresenta-se Thomas Hobbes, outro nome a ser considerado na teoria política moderna.

19
Ver Sadek (1991, p. 21 a 24). Virtú x Fortuna.
20
“Não ignoro ser crença antiga e atual de que a fortuna e Deus governam as coisas deste mundo, e de que nada pode
contra isso a sabedoria dos homens... Todavia, para que não se anule o nosso livre arbítrio, eu, admitindo embora que a
fortuna seja dona da metade das nossas ações, creio que, ainda assim, ela nos deixa senhores da outra metade ou pouco
menos” (MAQUIAVEL. O príncipe Apud WEFFORT, 1991, p. 43).
8. A DEFESA DAS IDÉIAS ABSOLUTISTAS

Este capítulo trata, especificamente, de Thomas Hobbes, um dos principais defensores das
idéias absolutistas na modernidade. Considerado um pensador contratualista (passagem do estado de
natureza para o estado civil), Hobbes escreveu O Leviatã, no qual defende as idéias monárquicas da
Inglaterra.

8.1. O Leviatã: o deus mortal de Thomas Hobbes

Thomas Hobbes.1

Thomas Hobbes nasceu em 5 de abril de 1588 na cidade inglesa de West Port2. Estudou na
Universidade de Oxford, onde se formou em 1608. Foi preceptor de uma família de nobres ingleses
e esta ligação foi fundamental para a formação da base da sua teoria política, pois permitiu que ele
se aprofundasse nos estudos e, principalmente, viajasse pelo continente europeu.

1
Imagem de Thomas Hobbes. Disponível em
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/d/d8/Thomas_Hobbes_(portrait).jpg/250px-
Tomas_Hobbes_(portrait).jpg. Acesso em dezembro de 2007.
2
Sobre os dados biográficos e bibliográficos ver Hobbes (1997; 1993).
106

Hobbes era um defensor do regime monárquico, dizia que um rei era mais capaz que uma
república. Achava que a democracia era um perigoso sistema de governo. Foi o primeiro teórico
considerado contratualista, ou seja, defendia a idéia de que a origem do Estado e/ou sociedade está
em um contrato. Suas principais obras foram O Leviatã, De Cive e Os Elementos do Direito Natural
e Poético. Morreu em 4 de dezembro de 1679.

Filósofo e cientista político, inglês de origem pobre, Hobbes teve sua infância marcada
pela ameaça da invasão espanhola. Estudou em Oxford, onde dedicou a maior parte do seu tempo à
leitura de livros de viagens e a estudar cartas e mapas. Foi preceptor do Duque de Devonshire, com
quem viajou à França e à Itália, e fez outras viagens, nas quais teve contato com Francis Bacon e
René Descartes.

Em Paris, onde se encontrava devido aos descontentamentos que causou na Inglaterra,


Hobbes escreveu sua obra-prima O Leviatã, livro que englobava todo o seu pensamento. Apesar de
defender o absolutismo monárquico, esta obra causou mal-estar a Carlos II, que também se
encontrava exilado. Hobbes volta então para a Inglaterra e vive em paz com o regime lá instaurado.
Com a volta da monarquia um tempo depois, Hobbes, apesar da desconfiança, volta a gozar da
proteção de Carlos II, que lhe pede apenas que evite atritos, como os que já havia promovido com o
clero. O seu pensamento crítico, muitas vezes, fez com que se parecesse confuso: era cristão e
criticou a Igreja, era monarquista e criticou erradas formas de monarquia. Hobbes desgostou-se com
a direção dos acontecimentos de sua pátria e desejava o restabelecimento da monarquia.

A liberdade, para Hobbes, fora do Estado é ilimitada, livre de qualquer princípio moral,
humanitário ou ético. Portanto, do mesmo modo como pode vitimar pela sua liberdade, pode
também ser vítima. O indivíduo está amedrontado a toda hora, pois a qualquer instante pode perder
seu bem maior que é a vida. Existe, para Hobbes, esta cisão, optativa, entre a liberdade, que significa
guerra geral e a limitação da liberdade, mas com paz e segurança. Há para ele, portanto, um estado
natural, onde a liberdade é a ausência de oposição, o homem livre é o que não é impedido de fazer a
sua vontade; mas, se a ânsia por liberdade está em cada ser humano, por que limitá-la na
constituição do Estado civil? Porque o homem livre torna-se o mais selvagem dos animais, tendo a
liberdade como valor supremo, e sendo ela condição para a guerra, pode então acarretar a perda
absoluta dela. Entre a perda de um valor maior que é a vida e a limitação da liberdade, a segunda é a
107

preferível. Só existe liberdade, segundo Hobbes, dentro do Estado soberano. Ela acontece na
estruturação do Estado, com o soberano freando as liberdades de cada um.3

A sua principal obra, O Leviatã, apresenta uma espécie de síntese de seu pensamento. Nele
Hobbes firma o seu ideal de que o Estado é um monstro poderoso, um Leviatã. Ele determina toda a
postura de um Estado monárquico.

O livro divide-se em quatro partes. Na primeira, ele fala das características e dos recursos
utilizados pelo homem, na sua relação com os outros. Na segunda parte, ele faz reflexões sobre os
fenômenos que engendram as relações entre os homens. Na terceira, justifica a tese da vontade do
Estado. Na quarta, reflete sobre a religião civil. O ideal mais demonstrado nesta obra é a teoria
contratualista, que afirma ser o Estado formado pelo acordo hipotético entre os homens, apoiados na
idéia de que só ele iria ficar exposto à barbárie, pois contaria somente com as suas forças para
defender-se de uma humanidade sem regras, onde cada um poderia proceder frente ao outro da
maneira que as suas forças permitissem. Essa concepção é fruto do seu conceito de liberdade.

Em O Leviatã, Hobbes explicita sua visão de Estado, segundo a qual é preciso ter um
Estado dotado de espada, armado, para forçar os homens ao respeito. O Leviatã é quem tem
liberdade, oferecendo segurança. Seu maior objetivo era fundir a sociedade e o poder (Estado), de
modo quee um não pudesse viver sem o outro. Neste estado, o príncipe, ou governante, tem poderes
ilimitados; ele é absoluto, ele é quem decide o futuro do seu povo (súditos).

O Leviatã, que significa monstro marinho, dá o título a um estudo filosófico do


absolutismo (centralização do poder de um monarca). Leviatã é o governo soberano, que tem a
função de garantir a segurança, o avanço econômico, a saúde e o bem-estar dos súditos. Na obra,
Hobbes defende a idéia de que os homens primitivos viviam no seu estado natural, onde não
existiam leis, sabedoria e tecnologia. Por isso, estavam uns contra os outros pelo desejo de poder, de
riquezas e de propriedades (homo homini lúpus, ou "o homem é o lobo do homem"). O estado de
natureza é uma condição de guerra, porque cada um se imagina (com ou sem razão) poderoso,
perseguido, traído4.

3
“O dever do homem enquanto cidadão é renunciar ao poder indiscriminado e arbitrário sobre todas as coisas,
subordinando-se ao Estado” (ROSENFIELD, 1993, p. 28).
4
“Com isto se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter
a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens
contra todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo
durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida” (HOBBES, 1997, Leviatã, cap. XIII, p. 109).
108

Para o título de sua principal obra, Hobbes escolheu o nome de Leviatã, indicativo de sua
concepção do Estado como um monstro todo-poderoso. Todas as associações dentro do Estado,
declarava ele, são meros "vermes nas entranhas do Leviatã". A essência da filosofia política de
Hobbes está diretamente ligada à sua teoria da origem do governo. Pensava que, no início, todos os
homens tinham vivido em estado natural, sujeitos não a uma lei, mas ao próprio interesse. Muito
longe de ser um paraíso de inocência e de bem-aventurança, o "estado de natureza" era uma
condição de miséria universal. Para escapar da guerra de cada um contra todos, os homens, por fim,
se uniram entre si para formar uma sociedade civil.

Hobbes pretendia a formação de um contrato, submetendo todos os direitos naturais dos


indivíduos a um único poder soberano, um monarca suficientemente poderoso, que fosse capaz de
coagir todos os indivíduos para a prática da ordem. Desse modo, o soberano, embora não fosse uma
parte do contrato, tornava-se a sede da autoridade absoluta. 5

O povo, por seu lado, concederia tudo pela grande bênção da segurança 6. Hobbes não
reconheceu nenhuma lei da Igreja ou de Deus como limitação da autoridade do Príncipe, chegando à
conclusão de que ao poder assim formado é permitido governar despoticamente, não por ter sido
ungido por Deus, mas porque o povo lhe deu autoridade absoluta. Como o homem no Estado de
natureza é um inimigo em potencial, há a necessidade de um contrato que estabeleça um acordo
entre eles. Um contrato para constituírem um Estado que refreie os lobos, que impeça o egoísmo e a
destruição mútua.

Nesse contexto, nasce o Estado com o intuito de refrear os lobos e impedir o desencadear
dos egoísmos e a conseqüente destruição mútua. O Leviatã pretende dar uma justificação racional e,
portanto, universal, da existência do Estado e, ainda, indicar as razões pelas quais os seus comandos
devem ser obedecidos. É o Estado o momento positivo do desenvolvimento histórico da
humanidade. A teoria do Estado em Hobbes é a seguinte: quando os homens primitivos vivem no
estado natural, como animais, eles se jogam uns contra os outros pelo desejo de poder, de riquezas,
de propriedades. È um impulso à propriedade burguesa que se desenvolveu na Inglaterra, onde cada
homem é um lobo para seu próximo.
5
Afirma Hobbes, no De Cive (1993, p. 55): “Qualquer um que julgasse ser preferível ao homem ficar naquele estado,
quando tudo é permitido a todos, estaria em contradição consigo mesmo. Pois, por uma necessidade natural cada qual
deseja o que é bom para si, não havendo ninguém que considere um bem para si essa guerra de todos contra todos que é
inseparável do estado natural”.
6
“... Contudo, ninguém deve duvidar que os homens, caso não existisse o medo, seriam levados por sua natureza mais
sofregamente para a dominação do que para a sociedade” (HOBBES, 1993, De Cive, cap. I, p. 52).
109

Thomas Hobbes foi materialista e empirista, deu valor somente ao que é provado pela
experiência. Afirma que há leis eternas, e que essas leis são simples nomes, palavras vazias.
Antropologicamente, afirma que entre o homem e o animal há apenas uma diferença de grau e não
de essência. Em sentido do agradável (sentimento, sensibilidade), aprovamos ou reprovamos algo. A
religião é somente uma esfera do sentimento, a ciência explica tudo, desaparece a fé. "Se se alcança
a ciência, se elimina a fé".

Em 1640, deu-se um período de crise na Inglaterra, no reinado de Carlos I, que vê sua


posição ou sistema sendo ameaçado, questionado por idéias liberais parlamentaristas. Em 1689, as
idéias liberais tomam conta da Inglaterra. Hobbes se decidiu por defender as idéias da monarquia, as
idéias absolutistas, decorrentes de uma situação vigente. Distingue o Estado Natural e o Contrato
Social7.

No estado de natureza existe insegurança; não há lei ou norma, cada um faz o que bem
entende. No estado natural o homem goza de liberdade total, tendo todos os direitos e nenhum dever.
Mas, sendo sua natureza egoísta, cada um busca satisfazer os seus próprios instintos, sem nenhuma
consideração pêlos outros. Segue-se uma luta de todos contra todos, na qual o homem se porta em
relação ao outro como um lobo. Os homens são iguais em capacidades de espírito e corpo e na
esperança, porém aí surge a desconfiança, a guerra, de todos contra todos. Insegurança: "Quem pode
mais, chora menos". A própria disposição para o conflito já é uma guerra. Existe uma ausência de
leis, uma antecipação tomando medidas para que não se transgrida alguma coisa. Portanto, a melhor
forma de precaver-se é antecipar-se, dada à ausência de legislação.

Os homens, segundo Hobbes, são considerados, por natureza, todos iguais, quanto a suas
capacidades e faculdades8: inteligência e capacidade física. São iguais quanto a seus desejos e
quanto ao fim. Quando dois homens querem usufruir um só objeto ao mesmo tempo, eles se tornam
inimigos. As causas desta discórdia são a competição, a desconfiança e a glória. O homem, para
Hobbes, contrariando a tese de Aristóteles, não é um ser essencialmente político, "feito para viver

7
“As idéias de Hobbes sobre a religião, assim como toda a sua teoria da natureza humana e da organização política, não
podem ser compreendidas sem se levar em conta duas ordens de fatores. Por um lado suas idéias constituem elementos
que se vinculam à sua metafísica materialista e à sua teoria nominalista da natureza do conhecimento... Por outro lado,
as teorias do homem e do Estado, formuladas no Leviatã e em Sobre o Cidadão, inserem-se num processo histórico de
lutas sociais e econômicas bem definido: os conflitos entre o poder real e o poder do Parlamento na Inglaterra do século
XVII” (HOBBES, 1997, Introdução, p. 17).
8
“Que cada um reconheça os outros como seus iguais por natureza. A falta a este respeito chman-se orgulho”
(HOBBES, 1997, Capítulo XV, p. 129).
110

com os outros em sociedade politicamente estruturada"9; para Hobbes, os homens são diferentes uns
dos outros, são separados entre si pelo egoísmo, ódio e inveja. Assim o Estado não é natural entre os
homens, por isso é urgente que se construa um Estado artificial com a finalidade de organizar,
preservar e proteger o homem do próprio homem.

A condição natural em que os homens vivem entre si é uma condição de guerra de todos
contra todos, de inimizade constante e, o que é mais terrível, o medo da morte, sob forma violenta,
impera no homem a individualidade: "Cada qual tende a se apropriar de tudo aquilo que necessita
para sua própria sobrevivência e conservação" (REALE; ANTISERI, 1990, p. 498). É importante
lembrar que, no estado natural, não existe progresso nem empreendimento: "O homem trava uma
luta constante na tentativa de sobreviver, acaba confrontando-se com o interesse ou a vontade do
outro, fazendo com que o conflito e a destruição seja inevitável no estado natural, em que vive. O
homem, por estar essencialmente preocupado com a ameaça do perigo de morte, acaba esquecendo-
se de outros empreendimentos, como as atividades industriais e comerciais, cujos frutos
permanecem sempre incertos, nem pode cultivar as artes e tudo aquilo que é agradável, em suma,
cada homem permanece só, com o seu terror de poder a, cada instante, perder a vida de modo
violento" (REALE; ANTISERI, 1990, p. 498).

Para Hobbes, o homem, no estado de natureza, iguala-se em suas paixões, isto é, no


esforço de satisfazer o desejo e de afastar o indesejável. Assim ele se expressa sobre o conflito entre
os homens: "O mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação,
quer aliando-se com outros" (HOBBES Apud ABRAÃO, 1999, p. 237).

Para a salvação do homem, que está em constante conflito no estado de natureza, é


necessária a construção de um homem artificial, ou seja, a instituição de um corpo político, que é o
Estado Soberano10. O objetivo principal do Estado é garantir a paz, evitando assim a guerra. A
guerra será justificada à medida que restaure a paz e a concórdia em um estado de natureza, em que
o homem permanece num eterno conflito. Em síntese: "O Estado representa, na mesma medida, o
fim do Estado de natureza e a inauguração da sociedade civil" (ABRAÃO, 1999, p. 239).
9
O argumento contra Aristóteles é: “Bem sei que Aristóteles, no livro primeiro de sua Política, (...), afirma que por
natureza alguns homens têm mais capacidade de mandar, querendo com isso referir-se aos mais sábios (...), e outros têm
mais capacidade para servir (...); como se o senhor e o servo não tivessem sido criados pelo consentimento dos homens,
mas pela diferença de inteligência, o que não só é contrário à razão, mas também contrário à experiência. Pois poucos há
tão insenssatos que não prefiram governar-se a si mesmos do que ser governados por outros” (HOBBES, 1997, Leviatã,
cap. XV, p. 129).
10
“O Estado deduz-se desta a-sociabilidade originária, sendo uma instância ‘artificial’, não-natural, que marca a
diferença específica dos homens em relação aos animais” (ROSENFIELD, 1993, p. 27).
111

O Leviatã contempla conceitos que até então não haviam entrado em cena: vislumbra o
monopólio da força utilizada pelo Estado, a Soberania centralizada, a supremacia dos territórios
nacionais. Em sua teoria, Hobbes se opõe à visão aristotélica, dizendo que o homem está em estado
de natureza, onde "o homem é lobo do homem", que, por natureza, se encontra em estado de guerra
onde a luta é de todos contra todos e que, através de um pacto ou contrato social, estrutura-se o
Estado (artificial), um Estado com organização, regras, leis e que forma uma sociedade.

Outro fator fundamental para o autor é a liberdade, pela qual o homem afirma o pacto
social. Ele deixa de lado o seu estado de natureza e passa a fazer parte de uma nova sociedade, o
Estado.

Para Hobbes, a propriedade privada não existe no estado de natureza, onde todos têm
direito a tudo e, na verdade, ninguém tem direito a nada11. Mas o poder do Estado tem que ser pleno,
é a condição para existir a própria sociedade, a sociedade nasce com o Estado. A igualdade é um
fator que leva à guerra de todos. Apresenta o Estado como monstruoso e o homem como belicoso,
mas é também porque nega um direito natural ou sagrado do indivíduo à sua propriedade privada.
No seu tempo, e ainda hoje, a burguesia vai procurar fundar a propriedade privada num direito
anterior e superior ao Estado: por isso, ele endossará Locke, dizendo que a finalidade do poder
público consiste em proteger a propriedade. Se existe Estado, é porque o homem o criou. Se
houvesse sociabilidade natural, jamais poderíamos ter ciência dele, porque dependeríamos dos
equívocos da observação.

Levando em conta que a natureza do homem não é amigável como a dos animais que
vivem em comunidade, surge a necessidade de um pacto social, um contrato realizado entre súditos,
que cria o Leviatã (o Estado), onde todos concedem seus direitos para o Estado governar, unindo
assim as forças de todas as pessoas em uma só pessoa: o Leviatã, tornando-o o deus terreno, o qual
somente fica submisso ao Deus imortal. O deus mortal, o Leviatã, terá a função de proteger o
homem, de permitir a convivência harmoniosa na sociedade, tornando possível a construção de
moradias confortáveis, o comércio, o desenvolvimento do Homem e da Terra.

Desse modo, constituiu-se o Estado, que governa pelo temor que apresenta a seus súditos,
pois sem esse temor ninguém abriria mão da liberdade natural. Com o medo da morte violenta e da

11
“Pertence à soberania todo o poder de prescrever as regras sobre através das quais todo homem pode saber quais os
bens de que pode gozar, e quais as ações que pode praticar, sem ser molestado por nenhum de seus cidadãos: é a isto que
os homens chamam propriedade. Porque antes da constituição do poder soberano (conforme já foi mostrado) todos os
homens tinham direito a todas as coisas, o que necessariamente provocava a guerra” (HOBBES, 1997, p. 148).
112

dor, todos se refugiam no Estado, onde os homens não podem levantar-se contra o soberano, pois
não pode alguém se queixar do que ele mesmo construíra e, se alguém rebelar-se, haverá castigo.
Assim, para os súditos terem um pouco de liberdade, criaram-se, através de pactos mútuos, leis
artificiais que permitem ao súdito escolher qual a sua profissão, o lugar onde vai morar, ou seja, o
súdito aparenta-se senhor de sua vida, mesmo que seja servo do soberano.

É desse modo que o Estado consegue reinar e passar por cima de qualquer um. Nada que o
Estado faça pode ser chamado de injustiça, pois ele é o soberano instituído pelo povo, o qual lhe deu
todo o poder de decidir o que é melhor e a força para fazer cumprir a decisão, caso necessária.

O estado de natureza é uma condição de guerra - porque cada um se imagina, com razão ou
sem, poderoso, perseguido, traído -, causada por três motivos principais: Competição, o homem
busca o lucro; a Desconfiança: o homem busca a segurança e, por isso, age por antecipação; e a
Glória: o homem busca a reputação.

Pela teoria de Thomas Hobbes, no estado de natureza os indivíduos vivem isolados, há


perigo constante, há insegurança, estão em luta permanente, ou seja, o homem vive em estado de
guerra, devido ao medo da morte violenta. Para se proteger, usavam armas e cercavam as
propriedades. Mas somente essas garantias não eram suficientes porque havia uma percepção social,
como a luta entre fracos e fortes, e, por isso o que vigora é o poder da força.

A lei natural é um preceito ou regra geral estabelecida pela razão, mediante a qual se
proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessários para
preservá-la12.

O que leva as pessoas a organizarem-se é o medo da morte. A razão sugere sempre a vida.
Três pontos são importantes na lei natural: primeiro, é de procurar a paz e seguir; segundo, é a auto-
defesa, a intenção não é a morte; e, terceiro, é que os homens cumpram os pactos que celebram.
Nesta situação, é impossível conseguir a felicidade, porque todos vivem perseguidos pelo temor de
serem atacados uns pêlos outros. Nisso, os homens fazem um pacto, um contrato social, no qual
renunciam a alguns direitos colocando-os nas mãos de um só homem, o Soberano. Assim nasce o
Estado. Hobbes foi identificado como o ideólogo do Estado Absoluto.

12
“Definindo, portanto, lei natural é um ditame da reta razão sobre as coisas a fazer ou omitir para garantir-se, quando
possível, a preservação da vida e das partes do corpo” (HOBBES, 1993, p. 58-59).
113

A alternativa para que o homem possa salvar-se em comunidade e não perecer é a


instituição de leis naturais, que o homem deverá cumprir. Três delas são essenciais: a primeira regra
é que se esforce para buscar a paz, mas, se não a obtiver é justificável que a busque sob todos os
recursos e benefícios da guerra; a segunda, é a imposição de renúncia do direito sobre tudo, cada
homem deve abrir mão de todos os seus direitos, tendo em vista que o direito individual é causador
de todos os males; a terceira lei, depois que o homem renunciou a todos os seus direitos, é "que se
cumpram os acordos feitos", da qual decorrem dois conceitos fundamentais: a justiça e a injustiça. A
primeira, é quando os acordos são feitos, respeitados e mantidos entre os homens; a injustiça é a
transgressão dos mesmos.

Porém, para o cumprimento desses acordos, para que a lei seja aplicada e respeitada, é
necessária a coação, ou seja, o uso da força para se obter um resultado esperado, diante dos acordos
previamente estabelecidos. "Não existe pacto sem a espada" 13. Faz se necessária a entrega dos
direitos particulares à mão de um único homem ou de uma assembléia capaz de governar, e
representar os anseios de todos os homens. É importante ressaltar que esse pacto é apenas
hipotético, não é firmado entre os súditos e o soberano, mas somente entre si. O soberano é excluído
do pacto, cabendo a ele cumprir a paz e o governo. "O poder do soberano ou da assembléia é
indivisível e absoluto" (REALE; ANTISERI, 1990, p. 500). Talvez esteja aí a novidade do Estado
Absolutista, sendo governado por reis com direitos ilimitados, sem vínculo com a Igreja, mas sim
como conseqüência de um Pacto Social.

As leis não são deduzidas, por Hobbes, de um instinto natural, nem de um consentimento
universal, mas da razão que procura os meios de conservação do homem; elas são imutáveis, por
constituírem conclusões tiradas do raciocínio. A obediência moral é um meio para uma "vida social
pacífica e confortável". As leis, no entanto, necessitariam de um reforço como garantia de seu
cumprimento em salvaguarda do pacto social. Torna-se, então, indispensável um governo que fosse
seguido por todos os componentes do corpo social, e isto haveria de requerer que esse governo
tivesse toda a força, porque somente assim seria capaz de corresponder à sua finalidade de exercício
despoticamente.

13
“E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem a força para dar a menor segurança a ninguém. Portanto,
apesar das leis da natureza (...), se não for instituído um poder suficientemente grande para a nossa segurança, cada um
confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção para todos os
outros” (HOBBES, 1997, p. 141).
114

Hobbes define que "uma lei de natureza é um preceito ou regra geral, estabelecido pela
razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida ou privá-lo
dos meios necessários para preservá-la, ou omitir aquilo que pense poder contribuir melhor para
preservá-la". (HOBBES, 1997, p. 113)

Hobbes é um contratualista. Acredita que a origem do Estado está no contrato. Os homens


viveram naturalmente, sem poder e sem organização, o que somente surgiu depois de um pacto
firmado por eles, estabelecendo as regras de convívio social e de subordinação política.

O contrato só é possível quando há noções nascidas de uma longa experiência da vida em


sociedade. O contrato social é um Estado artificial. É produto de uma convenção. É um pacto, um
acordo. Para pôr fim a esse conflito, o autor apresenta o contrato social, que é uma renúncia do
estado de natureza para então estabelecer regras e leis, formando, assim, o estado artificial. O
contrato é feito entre os súditos. Esse pacto social consiste na transferência do poder de governar a si
próprio a um terceiro - o Estado - para que este governe a todos, impondo ordem, segurança e
direção à conduta da vida social.

O Leviatã, governo, pode ser um homem ou uma assembléia de homens que reduz suas
diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O Soberano se conserva fora e isento
de qualquer obrigação, não faz parte do Pacto Social, pois, no momento da realização do contrato
não existe ainda o soberano, que surge devido ao contrato. Os súditos acatarão todas as ações do
Soberano, pois reconhecem serem deles mesmos tais ações.

Daí surge a necessidade de um pacto. O contrato social ocorre quando uma multidão de
homens concordam e pactuam, cada um, com cada um dos outros, que a qualquer homem, ou
assembléia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos
eles, sem exceção, deverão autorizar todos os atos de decisões, tal como se fossem seus próprios
atos e decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos do restante dos
homens. Portanto, pacto social é o processo intermediado do estado de natureza para o Estado
artificial, tendo o consentimento de todos os súditos. Hobbes afirma que não existe pacto sem
espada. Ninguém tem a liberdade de resistir à espada do Estado em defesa de outrem, seja culpado
ou inocente. Por essa liberdade, priva a soberania dos meios para proteger-nos, sendo, portanto,
destrutiva da própria essência do Estado. É preciso que exista um Estado dotado da espada, armado,
para forçar os homens ao respeito. Desta maneira, a imaginação será regulada melhor, porque cada
um receberá o que o soberano determinar. Os súditos têm garantia de serem protegidos pelo
115

Soberano, porque devem fidelidade a este. O súdito prometeu obedecer a fim de não morrer na
guerra generalizada; por isso, tanto faz a sua vida ser ameaçada por um Soberano impiedoso e
ímpio, quanto por um governante que o julgou concedendo-lhe a mais ampla defesa.

O Estado resulta de um contrato social e os contratos sem ameaça de espada são apenas
palavras, impotentes para garantir a segurança dos homens. O único meio de realizar este propósito,
que consiste em defendê-los da invasão dos outros Estados e defendê-los de si mesmos, conferindo
todo o poder e potência a um só homem ou a uma só assembléia de homens, ou seja, reduzir todas as
vontades a uma só vontade, nomear um homem ou uma assembléia de homens para representar a
pessoa de todos, assumindo tudo o que diz respeito à paz e à segurança comum.

O resultado é a verdadeira união de todos na mesma pessoa, feita por contrato de todo
homem com todo homem. É como se cada um dissesse a cada um: "Cedo e transfiro meu direito de
governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de
transferir a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações" (HOBBES, 1997,
p. 144). Feito isso, a multidão se une de tal maneira em uma só pessoa, o que é chamado de Estado.
Pelo contrato, o povo é obrigado a permanecer fiel ao compromisso assumido e não pode, de
maneira alguma, voltar à confusão da multidão desunida, nem transferir o poder a outro.

O homem tem certas diferenças em relação aos animais. A formiga e abelha, por exemplo,
exercem uma sociedade natural, ou um acordo natural. Já em relação ao homem dá-se um acordo
artificial, pois todos são instituídos a serem uns mais que os outros; dá-se então a competição, a lei
do mais forte é que vence.

Para que um Estado funcione, o Soberano deve ser juiz das opiniões e das doutrinas,
conduzir a paz e regulamentar as ações, de onde resulta a concórdia. É ao Estado que compete
prescrever as regras sem as quais ninguém teria segurança na posse da propriedade, isto é, as regras
do meu e do teu, do bem e do mal, do legal e do ilegal nas ações, ao que se denominam lei civis. A
ele compete o direito de julgar, ouvir e decidir todas as controvérsias que surgem a respeito da lei,
civil ou natural, ou com respeito aos fatos. A ele compete o direito de declarar e executar a guerra e
a paz com outros Estados e tomar as providências para realizá-la. A ele cabe escolher todos os
conselheiros, ministros, magistrados e oficiais.

O Estado Soberano é o Deus mortal, somente ele detém todos os direitos, está acima da
justiça, tem poder de interferir nas opiniões, "julgar, aprovar ou proibir determinadas idéias. Todos
116

os poderes devem se concentrar em suas mãos" (REALE; ANTISERI, 1990, p. 501). Nem mesmo a
Igreja lhe submete o poder; assim, o Estado também pode interferir em matéria de religião.

Hobbes diz que o Estado tem que ser absoluto, o seu poder deve ser pleno - condição
absoluta e necessária para existir a sociedade. Hobbes vai beber na fonte de Jean Bodin - século XVI
- primeiro teórico a afirmar que no Estado deve haver um poder soberano, como vimos
anteriormente.

O instinto de conservação é peça fundamental na filosofia de Hobbes, quanto à sua idéia de


força genética do comportamento. Governa também no homem o instinto de conservação que, por
sua vez, este leva ao desejo da paz. Em nível de relações morais, é que cada um "não faça aos outros
o que não gostaria que lhe fizessem a si" (HOBBES, 1997, cap. XXI). E preciso evitar a ingratidão,
os insultos, o orgulho, enfim, tudo o que prejudique a concórdia.

As leis são deduzidas, por Hobbes, como razão para a conservação dos homens, ou seja,
todos devem obediência às leis do Estado, do Soberano. Hobbes foi o pioneiro do utilitarismo,
porque justificava a obediência moral como meio para uma "vida social pacífica e confortável". Era
indispensável, portanto, um governo absoluto que fosse seguido por todos os integrantes (súditos) do
corpo social. Os homens não poderiam contrariar o "Leviatã", pois ele garantia a paz, a segurança, a
liberdade. Se alguém tentar destruir ou conspirar contra o Soberano e for morto, ele próprio é o autor
da sua morte. A liberdade e a garantia da vida estão no cumprimento e obediência às leis. Todos os
poderes encontram-se nas mãos do Soberano, inclusive o poder de decisão em matéria religiosa.

No Estado Artificial, não basta o fundamento jurídico. E preciso que exista um Estado
dotado de espada: aliás, a imaginação será regulada melhor, porque cada um receberá o que o
Soberano determinar. Mas o Soberano deve resolver todas as pendências e arbitrar qualquer decisão.
Hobbes desenvolve essa idéia, e monta um Estado que é condição para existir a própria sociedade. A
sociedade nasce com o Estado. Não há alternativa: ou o poder é absoluto ou continuamos na
condição de guerra, entre poderes que se enfrentam. O Soberano não assina o contrato, este é
firmado apenas pêlos que vão se tornar súditos, não pelo beneficiário. Por uma razão simples: no
momento do contrato não existe ainda soberano, que só surge devido ao contrato. Disso resulta que
ele se conserva fora dos compromissos e isento de qualquer obrigação. No Estado absoluto de
Hobbes, o indivíduo conserva um direito à vida talvez sem paralelo em nenhuma outra política
moderna. Hobbes diz que o Soberano governa pelo temor que impõe a seus súditos. Porque, sem
117

medo, ninguém abriria mão de toda a liberdade que tem naturalmente; se não temesse a morte
violenta, o homem não renunciaria ao direito que possui por natureza.

Segundo a teoria de Thomas Hobbes, a função do Soberano é garantir: 1° - a defesa dos


ataques estrangeiros e das injúrias recíprocas; 2° - a paz e o progresso (industrial) e a satisfação do
bem viver; 3° - a centralização dos poderes, que se dará nas mãos de um homem (ou assembléia) na
medida em que representam toda a vontade coletiva, por meio da pluralidade de vozes, a uma só
vontade; 4° - o pacto entre os homens, que é fundamental para a estruturação de um governo
Soberano: "Eu autorizo e cedo o meu direito de governar-me a mim mesmo a esse homem ou a essa
assembléia de homens, com a condição de que tu lhe cedas o teu direito e autorizes todas as tuas
ações da mesma forma"; 5° - a superação do medo e da morte pela esperança, que garantirá a
segurança e o direito à vida.

Hobbes é considerado o maior teórico do Estado absolutista. o interessante é que o


estudante perceba que o desejo de Hobbes por um estado forte decorre de sua filosofia da natureza
humana. O estudante verá, no próximo capítulo, que o teoria hobbesiana choca-se com a teoria
liberal e que o principal nome da teoria liberal também era inglês, e viveu quase no mesmo período
de Hobbes. Trata-se de John Locke.
9. A DEFESA DAS IDÉIAS LIBERAIS

Há vários entendimentos sobre o conceito “liberal”. Por isso, inicialmente pretende-se


definir o que se entende por liberalismo. A primeira idéia nos diz que o liberalismo está ligado à
democracia burguesa.

O liberalismo é um fenômeno histórico que se manifesta na Idade Moderna e tem seu


epicentro na Europa, na área Atlântica, mas que exerceu influência notável nos países colonizados
pelos europeus. Antes do século XIX, o termo indicava uma atitude aberta. Tolerante e/ou generosa.
Ou as profissões exercidas por homens livres. Hoje, a palavra assume muitos significados, de acordo
com o país. Na Inglaterra e Alemanha, designa um posicionamento entre a esquerda e a direita. Nos
EUA, refere-se à esquerda, detentora de velhas e novas liberdades civis. Na Itália, os liberais são os
defensores da livre iniciativa econômica e da propriedade intelectual. Assim, em termos de idéias, o
conceito é ambíguo. O liberalismo jurídico preocupa-se principalmente com determinada
organização do Estado, capaz de garantir direitos aos indivíduos. O liberalismo político trata da luta
política parlamentar, baseada no chamado “justo meio” como expressão da arte de governar; capaz
de promover mudanças, porém nunca a revolução. Síntese entre conservação e inovação. O
liberalismo econômico defende que o máximo de felicidade comum depende da livre busca de cada
indivíduo, da própria felicidade, principalmente a livre iniciativa econômica. O liberalismo, em
síntese, prioriza o indivíduo em contraposição ao coletivismo.

9.1. O liberalismo de Locke: o cidadão com direitos naturais


119

John Locke.1

John Locke nasceu na Inglaterra, no ano de 1632 2. A Inglaterra, a partir da segunda metade
do século XVII, transformou-se num império mercantil promissor. Nesse período a burguesia, como
classe social, começa a ascender economicamente e a buscar os direitos individuais, os direitos
cidadãos. Nasce, neste sentido, o cidadão, justamente com a Inglaterra, sendo Locke o seu teórico.

Em 1689, Locke publicou pela primeira vez, três grandes obras: Dois Tratados sobre o
Governo Civil, Ensaio Filosófico sobre o Entendimento Humano e a Carta sobre a Tolerância.3 O
Ensaio Filosófico sobre o Entendimento Humano é a principal obra de Locke e versa sobre a sua
compreensão do espírito humano, ou melhor, da capacidade de conhecer. Essa obra foi considerada a
Bíblia do Iluminismo.

Locke combateu duramente a doutrina das idéias inatas defendidas por Platão e Descartes.
Para Platão, o homem já trazia consigo (ao nascer) o conhecimento impregnado em sua alma, ao
qual teria acesso através da reminiscência (recordação). Locke combateu ferozmente tais idéias.
Defendeu que nossa mente, no instante do nascimento, é como uma tábua rasa (papel em branco)
que vai adquirindo conhecimento na medida em que os sentidos se confrontam com a realidade:
“nada existe em nossa mente que não tenha sua origem nos sentidos”. Locke defende a idéia

1
Imagem de John Locke. Disponível em http://www.geocities.com/rationalargumentator/John_Locke.jpg. Acesso em
dezembro de 2007.
2
Ver Almeida Mello (1991).
3
Ver Chevallier, (1983, p. 29). Tomo II.
120

empirista de que tudo provém da experiência. A reflexão é o nosso “sentido interno”, que se
desenvolve quando a mente se debruça sobre si mesma, analisando suas próprias operações.

Nota-se que Locke lutará para derrubar as idéias inatas, que podem justificar uma
ideologia, uma dominação. Por exemplo, os poderosos têm idéias inatas, já nascem com a idéia que
irão dominar e explorar o povo e então isso nós devemos aceitar?

Vê-se algumas críticas que Locke cerra contra os teóricos que defendem as idéias inatas (já
nascemos com o conhecimento). De fato, se houvessem idéias inatas, elas deveriam estar presentes
na mente das crianças e do selvagem crescido longe da civilização. Mas a experiência mostra
claramente o contrário. A sua verdade não pode ser averiguada: admitida a existência de idéias
inatas, não provenientes da experiência, torna-se impossível verificar o seu valor como também
distinguir o verdadeiro do falso, porque não podemos confrontá-la com a experiência, que é o único
modo de estabelecer se alguma coisa é verdadeira ou falsa.

Locke também examina o processo cognitivo (intelecto). No momento do nascimento a


alma é uma tábua rasa: não tem nenhuma idéia. O conhecimento humano começa com a experiência
sensível e é condicionada por ela. Nada está na mente sem antes passar pela experiência. Afirma
também que as capacidades do conhecimento são inatas, mas as idéias são adquiridas pela
experiência. Locke ataca frontalmente o princípio das idéias inatas, como também todo o
pensamento a priori, pois, se a verdade é inata em nossas mentes, de nada valem a observação e a
experiência. Na melhor das hipóteses, elas podem confirmar o nosso conhecimento, mas nunca lhe
acrescenta nada4.

Para Locke, adquirimos as nossas idéias de fora, todas as nossas idéias provêm da
sensação. Assim resta indagarmos: De onde vieram nossas idéias se não são inatas? Como
poderemos saber se nossas idéias, assim surgidas, são verdadeiras? Quanto pode o entendimento
humano compreender e que tipo de conhecimento está ao seu alcance? Conhecer para Locke
significa perceber uma relação entre as idéias. Ora, as idéias são de dois tipos: há idéias simples, que
derivam imediatamente da sensação ou de uma experiência interior que é a reflexão. Também,
existem idéias complexas que são combinações das idéias simples. Antes de experimentarmos a

4
Para Locke, o espírito humano é uma tabula rasa ou um white paper, onde nada está escrito. “As idéias que se gravam
nessa tabula ou nessa folha só podem promanar da experiência. É nela que o espírito vai buscar todos os seus materiais
para depois os modelar, combinar, transformar, com uma habilidade infinita” (CHEVALLIER, 1983, p. 32, Tomo II).
121

sensação, não podemos pensar, pois tudo aquilo que se encontra no intelecto deve passar, antes
primeiramente, pelos sentidos.

Não há princípios práticos inatos, pois estes não alcançam uma recepção universal, sendo
que é impossível para uma mesma coisa ser ou não ser. Notemos que os princípios práticos são
passageiros, se fossem inatos teriam que permanecer sempre. Vislumbramos como princípio moral,
de prova e exemplarmente, o aborto, que é uma idéia adquirida, se fosse inata deveria permanecer.

Um princípio prático precisa de prova, já não é evidente ou deveria sê-lo, o que é evidente
não é inato. O não matar é um princípio evidente, mas não é inato. No princípio teórico, não há
concordância entre ambas. Locke contesta o acordo universal dos inatistas e refuta-os dizendo que
isso não prova o que é inato, diz que a razão não descobre coisa alguma.

A outra obra importante de Locke chama-se Dois Tratados sobre o Governo Civil. É nela
que Locke teoriza contra as idéias absolutistas. A vontade intelectual de Locke é de demolir a
doutrina do direito divino dos reis de governar. Considerava Locke a teoria do direito divino dos reis
de governar um veneno para a política. Procurava ele um contraveneno que fosse capaz de destruir
tais idéias.

Assim como Hobbes e Rousseau, John Locke é considerado um pensador contratualista.


Isto é, a sociedade civil moderna será instituída e organizada a partir de um contrato entre todos os
indivíduos. Locke também parte do estado de natureza, passando pelo contrato, até chegar ao
governo civil. O estado de natureza de Locke não é de inimizade e guerra como o de Hobbes. No
estado de natureza de Locke os indivíduos estão regulados pela razão, há uma organização pré-
social e pré-política onde todos nascem com os direitos naturais: vida, liberdade e propriedade
privada. Sobre a razão natural: “Ensina a todos os homens, que, sendo todos iguais e livres, nenhum
deve prejudicar o outro, quanto à vida, à saúde, à liberdade, ao próprio bem”. E, para que ninguém
empreenda ferir os direitos alheios, a natureza autorizou cada um a proteger e conservar o inocente,
reprimindo os que fazem o mal – direito natural de punir5.

5
“O contrato social de Locke em nada se assemelha ao contrato hobbesiano. Em Hobbes, os homens firmam entre si um
pacto de submissão pelo qual, visando a preservação de suas vidas, transferem a um terceiro (homem ou assembléia) a
força coercitiva da comunidade, trocando voluntariamente sua liberdade pela segurança do Estado-Leviatã. Em Locke, o
contrato social é um pacto de consentimento em que os homens concordam livremente em formar a sociedade civil para
preservar e consolidar ainda mais os direitos que provém originalmente no estado de natureza. No estado civil os direitos
naturais inalienáveis do ser humano à vida, à liberdade e aos bens estão melhor protegidos sob o manto da lei, do arbítrio
e da força comum de um corpo político unitário” (ALMEIDA MELLO, 1991, p. 86).
122

O direito de propriedade, segundo Locke, é a extensão de terra que cabe a cada homem, é o
que ele tem capacidade de lavrar, semear e cultivar. Locke não fala em acumulação da propriedade
para fins especulativos. Locke afirma que os homens se juntam em sociedades políticas e submetem-
se a um governo com a finalidade principal de conservar suas propriedades, pois o estado natural
não a garante. O Estado é soberano, mas sua autoridade vem somente do contrato que o faz nascer:
este é o fundamento liberal do pensamento de Locke.

John Locke foi médico, filósofo e político, defendeu idéias liberais e influenciou o sistema
político da época. Sustentou que o poder não é somente do Soberano, mas, de todos. A idéia de
Locke é que se forme estados por livre associação para produzir mais. Na época de Locke nota-se a
ascensão da burguesia que, mais tarde, estará à frente da Revolução Francesa (1789).

Na visão de Locke, os homens se juntam em sociedades políticas e se submetem a um


governo com a finalidade principal de conservar suas propriedades. O Estado natural (isto é, a falta
de um Estado) não garante a propriedade. Locke foi um teórico relacionado com a monarquia
parlamentar liberal.

O contexto histórico em que nasceu John Locke não foi o de uma aparente tranqüilidade,
muito pelo contrário, o século XVII foi marcado por constantes lutas entre a “coroa”, tendo o rei
como representante do poder soberano (representado na Inglaterra pela dinastia Stuart, defensora do
absolutismo) versus o “Parlamento”, tendo como representante a burguesia ascendente, partidária do
liberalismo. Em toda a sua vida, Locke teorizou contrariamente ao absolutismo, principalmente ao
governo Stuart, vindo a ser perseguido, o que o levou a se exilar, só retornando à sua pátria após o
triunfo da Revolução Gloriosa, com a implantação da República na Inglaterra, ou seja, o triunfo do
liberalismo político sobre o absolutismo.

Jonh Locke é também chamado de filósofo contratualista, uma vez que entende que para a
boa regulamentação de uma sociedade, ou para a mesma garantir direitos, ou até mesmo ser feliz.
Tornar-se necessárias a elaboração e a construção unânimes de um contato social que conceda de
fato todas as garantias possíveis para a realização concreta de tais empreendimentos. Assim, Locke
parte do estado de natureza onde o homem vive num estágio pré-social e pré-político com liberdade
e igualdade.

O estado de natureza de Locke é diferente do estado de natureza hobbesiano (uma vez que
este é baseado na insegurança e na violência: “guerra de todos contra todos”); para Locke, o estado
123

da natureza é de relativa paz, concórdia e harmonia. Um dos direitos do homem no estado natural é
a propriedade privada. Por teoria da propriedade, em Locke, entende-se a posse de bens móveis e
imóveis. Como vimos, a propriedade já é realidade no estado de natureza e, sendo uma instituição
anterior à sociedade, é um direito natural do indivíduo que não pode ser violado pelo Estado. Em
Hobbes, quem detém a propriedade é o soberano e os súditos não têm direito algum; em Locke o
objetivo final é que o Estado garanta o direito de propriedade6.

Como a razão natural na compreensão de Locke ensina que todos os homens são iguais e
livres, porém com direitos aos bens, sempre surge o perigo iminente da invasão e da tomada dos
bens de uns sobre os outros, na medida em que todos são proprietários. A saída é estabelecer um
contrato entre os homens que dê total segurança e proteção aos proprietários, não vindo a acontecer
a usurpação de uns sobre os outros. Então, o contato social é a realização da passagem do estado de
natureza para a sociedade política ou civil e visa exclusivamente preservar e proteger a comunidade
tanto dos perigos internos quanto externos.

O contrato é, igualmente, um “pacto de consentimento em que os homens concordam


livremente em formar a sociedade civil para preservar e consolidar os direitos que possuíam
originalmente no estado de natureza”. Assim, o homem concebe “a sociedade política ou civil”. O
próximo passo é a escolha de uma forma de governo capaz de garantir efetivamente os direitos dos
cidadãos. Diz Locke: pode ser qualquer forma de governo, desde que “o governo não possua outra
finalidade a não ser de conservação da propriedade”.

O Governo civil contará com o poder Legislativo como sendo o mais importante entre os
demais. A ele caberá a elaboração das leis, tendo como sustentação o poder delegado pelo povo,
tornando possível a existência de “leis e regras estabelecidas como guarda e proteção às
propriedades de todos os membros da sociedade, a fim de limitar o poder e mudar o domínio de cada
parte e de cada membro da comunidade; pois não se poderá nunca supor seja vontade da sociedade
que o legislativo possua o poder de destruir o que todos intentam assegurar-se entrando em
sociedade e para o que o povo se submeteu a legisladores por ele mesmo criados”. (LOCKE, 1973,
p. 77, 96, 127).

6
“Em suma, o livre consentimento dos indivíduos para o estabelecimento da sociedade, o livre consentimento da
comunidade para a formação do governo, a proteção do direito de propriedade pelo governo, o controle do executivo
pelo legislativo e o controle do governo pela sociedade, são, para Locke, os principais fundamentos da sociedade civil”
(ALMEIDA MELLO, 1991, p. 87).
124

Em síntese, para Locke, a função do Estado é garantir os direitos naturais (vida, liberdade,
propriedade). Entre os direitos que, segundo Locke, o homem possuía quando no estado de natureza,
está o da propriedade privada, que é fruto de seu trabalho. O Estado deve, portanto, reconhecer e
proteger a propriedade. Locke defende também que a religião seja livre e que não dependa do
Estado.

Locke passou para a História, justamente, como o teórico da monarquia constitucional, um


sistema político baseado, ao mesmo tempo, na dupla distinção entre as duas partes do poder, o
Parlamento e o Rei, e entre as duas funções do Estado, a Legislativa e a Executiva, bem como na
correspondência quase perfeita entre essas duas distinções - o poder Legislativo emana do povo
representado no Parlamento; o poder Executivo é delegado ao Rei pelo Parlamento.

9.2. O Estado democrático de Rousseau

Jean Jacques Rousseau.7

Com Jean Jacques Rousseau (1712-1778) nasce a concepção democrático-burguesa do


Estado. Assim como para Hobbes e Locke, também para Rousseau existe uma condição natural dos
homens, mas é uma condição de felicidade, de virtude e de liberdade, que é destruída e apagada pela
civilização.8 É a concepção oposta àquela de Hobbes. Para Rousseau, é a civilização que perturba as

7
Imagem de Jean Jacques Rousseau
8
Ver Nascimento (1991).
125

relações humanas, que violenta a humanidade, pois os homens nascem livres e iguais (eis o princípio
que vai se afirmar na revolução burguesa), mas em todo lugar estão acorrentados.

A sociedade nasce, igualmente, de um contrato, ele apresenta a mesma mentalidade


comercial e o mesmo individualismo burguês. O indivíduo é preexistente e funda a sociedade
através de um acordo, de um contrato.

Para Rousseau o único órgão soberano é a Assembléia, e é nesta que se expressa a


soberania.9 A assembléia, representando o povo, pode confiar a algumas pessoas determinadas
tarefas administrativas, relativas à administração do Estado, podendo revogá-las a qualquer
momento. Mas o povo nunca perde a sua soberania, nunca a transfere para um organismo estatal
separado.10

A afirmação da igualdade é fundamental para Rousseau. O homem só pode ser livre se for
igual: assim que surgir uma desigualdade entre os homens, acaba-se a liberdade. Para o liberal, há
liberdade na medida em que se leve em consideração a desigualdade entre proprietários e não-
proprietários: sendo que a igualdade mataria a liberdade. Ao passo que, para Rousseau, o único
fundamento da liberdade é a igualdade: não há liberdade onde não existir a igualdade11.

Rousseau não compreende que o surgimento da propriedade privada foi um grande


progresso em relação à sociedade dos bárbaros - embora um progresso doloroso. O que originou a
propriedade privada não foi um ato isolado, em que um indivíduo colocou um marco e se declarou
proprietário da terra: a propriedade é fruto de um processo econômico de desenvolvimento das
forças produtivas. Rousseau não soube indicar como se superaria a propriedade privada.

Rousseau tem em vista a democracia da Antiga Atenas, porém, vê, igualmente, limitações
neste modelo (cidadão versus escravo). Afirma Rousseau: “a democracia de que falo não existe,
nunca existiu e talvez nunca existirá; também essa condição natural, a que devemos aspirar, não

9
Escreve Nascimento (1991, p. 197-198): “Rousseau não admite a representação ao nível da soberania. Uma vontade
não se representa. ‘No mundo em que um povo se dá representante, não é mais livre, não mais existe’”.
10
“O primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer: ‘Isto é meu’, e encontrou pessoas bastante simples
para crê-lo, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, mortes, quantas misérias e horrores
não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado aos seu
semelhantes: ‘Guardai-vos de escutar este impostor; estais perdidos se esquecerdes que os frutos são para todos, e que a
terra é de ninguém (ROUSSEAU Apud WEFFORT, 1991, p. 2001).
11
“Um povo, portanto, será livre quando tiver todas as condições de elaborar suas leis num clima de igualdade, de tal
modo que a obediência a essas leis signifique, na verdade, uma submissão à vontade geral e não à vontade de um
indivíduo em particular ou de um grupo de indivíduos” (NASCIMENTO, 1991, p. 196).
126

existe, nunca existiu e nunca vai existir”. A sociedade, para Rousseau, nasce de um contrato,
também com uma mentalidade comercial e o mesmo individualismo burguês.

Em síntese, algumas idéias conclusivas de Rousseau: tem-se, com o autor, o debate da


democracia ideal e pura (a sabedoria do povo e o governo democrático); o pacto social dá origem à
vontade geral do povo soberano; o contrato social faz nascer a sociedade civil, que, por isso,
enraíza-se sempre na vontade geral do povo; a idéia de soberania liga-se à idéia de vontade geral; a
vontade geral soberana é inalterável e pura; em seu dever-ser, que é sua única maneira de ser, ela
não pode falhar nem errar; todo governo legítimo é republicano, seja ele uma monarquia, uma
aristocracia ou uma democracia e, por fim, a conclusão de que “nunca existiu verdadeira democracia
nem jamais existirá”.12

9.3. A democracia moderna: filha do Estado Liberal

Pode-se apresentar duas diferenças básicas para o termo democracia. Para os antigos, a
democracia era entendida como democracia direta; já para os modernos, como representativa.13

O termo democracia, vai além do entendimento simplista de um conceito que é lembrado


apenas no tempo de eleições, quando, num “gesto” democrático, todos vão às urnas “exercer a
democracia”. Ou, quando se ouve, pela mídia que “caiu um governo ditador e instaurou-se um
regime democrático”. Para Bobbio, “o voto não é para decidir, mas para eleger quem deverá
decidir”. Isso significa afirmar que a maioria da população votará consciente ou não em um grupo,
delegando, assim, a esta minoria o poder de governá-los. Democracia não significa que “todos”
participem do processo eleitoral. Para Kelsen, um dos maiores teóricos da democracia moderna, a
eleição é o elemento essencial da democracia real, pois possibilita a seleção dos líderes para o
progresso (2000, 372).

Bobbio cita uma frase ilustrativa da Corte Suprema dos EUA, por ocasião das eleições no
ano de 1902, para demonstrar o caráter “sagrado” do processo eleitoral daquele país, mesmo que
quem dela participe seja apenas uma minoria: “A cabine eleitoral é o templo das instituições
americanas, onde cada um de nós é um sacerdote, ao qual é confiada a guarda da arca da aliança e

12
Para aprofundar o debate sobre Rousseau conferir a obra de Goyard-Fabre (2003).
13
Este debate segue a idéia de Bobbio (2000).
127

cada um oficia do seu próprio altar” (2000, p. 272). É possível perceber que a democracia ocidental
é um processo relativamente novo. As revoluções Americana e Francesa datam seu início.14

A democracia na Modernidade, fez algumas “promessas” que até agora, na visão de


Bobbio (1997, p. 27), não foram cumpridas. A primeira é de que a democracia ainda continua
subordinada a um poder “invisível”, isto é, interesses que subordinam os poderes políticos. Aqui se
pode entender a superioridade de um grupo ou pessoa, que detém o controle do poder econômico ou
ideológico: “A democracia não conseguiu derrotar por completo o poder oligárquico, é ainda menos
capaz de ocupar todos os espaços nos quais se exerce um poder que toma decisões vinculatórias para
um inteiro grupo social”. A segunda, os “mesmos” permanecem no poder. De eleições em eleições
acabam se elegendo sempre os “mesmos”. Terceiro, “ausência do crescimento da educação para a
cidadania”, cada vez mais o povo vê-se desacreditados, dos meios políticos, a apolitização virou
uma constante.

Bobbio remete a Alex de Tocqueville para justificar a ignorância política da maioria da


população em relação à política e denúncia a usurpação dos “eleitos” aos bens públicos. Tocqueville
lamenta a degeneração dos costumes públicos em decorrência da qual “as opiniões, os sentimentos,
as idéias comuns são cada vez mais substituídas pelos interesses particulares” e pergunta “se não
havia aumentado o número dos que votam por interesses pessoais e diminuído o voto de quem vota
à base de uma opinião política”, denunciando esta tendência como expressão “de uma “moral baixa
e vulgar”, segundo a qual “quem usufrui os direitos políticos pensa em deles fazer uso pessoal em
função do próprio interesse”. Quarto, os “mais sábios, os mais “honestos” e os mais “esclarecidos”
são escolhidos (BOBBIO, 1997, p. 27).

Seguindo a concepção de Bobbio, pode-se definir a democracia como “um conjunto de


regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem ‘quem’ está autorizado a tomar as decisões
coletivas e com quais procedimentos”. Para que se realize a “verdadeira” democracia, deve-se dar as
reais condições para se escolher. Para que isso, “é necessário que aos chamados a decidir sejam
garantidos os assim denominados direitos de liberdade, de opinião, de expressão das próprias
opiniões, de reunião; de associação, etc” (BOBBIO, 2000, p. 20).

A democracia nasceu de uma concepção individualista da sociedade e do Estado. Para isso,


ocorreram três eventos que caracterizaram a filosofia social da Idade Moderna: o contratualismo

14
Bobbio apresenta o conceito de democracia em dois sentidos: a democracia pode ser entendida no sentido “ideal” e no
sentido “real”.
128

(séculos XVI e XVII), o nascimento da economia política (Smith) e a filosofia utilitarista (de
Bentham a Mill). Neste sentido,

O estado liberal é o pressuposto não só histórico, mas jurídico do estado democrático...


estado liberal e estado democrático são interdependentes... é pouco provável que um estado
não liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte, é
pouco provável que um estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades
fundamentais (BOBBIO, 2000, p. 20).

Um dos principais obstáculos do projeto político-democrático atual é a complexidade das


sociedades “que passaram de uma economia familiar para uma economia de mercado, de uma
economia de mercado para uma economia protegida, regulada, planificada, que aumentaram os
problemas políticos que requerem competência técnicas” (2000, p. 34).

Tecnocracia e democracia são antitéticas. Defende Bobbio (2000, p. 34) que “a democracia
sustenta-se sobre a hipótese de que todos possam decidir a respeito de tudo. A tecnocracia, ao
contrário, pretende que sejam convocados para decidir apenas aqueles poucos que detêm
conhecimentos específicos”. Ou seja, há uma “sensível” mudança nos rumos da política atual,
inverteram-se os termos; ao invés da democracia, tem-se a tecnocracia. O segundo obstáculo citado
por Bobbio é o crescimento do aparato burocrático: “estado democrático e estado burocrático estão
historicamente muito mais ligados um ao outro do que a sua contraposição pode pensar” (2000, p.
34). O terceiro obstáculo é a “ingovernabilidade” da democracia. Isso significa que o Estado é
incapaz de solucionar as demandas oriundas da sociedade civil. Como vimos, foi o Estado liberal
que alargou o estado democrático e ambos contribuíram para emancipar a sociedade civil do
sistema político. Portanto, a democracia é uma criação da classe burguesa.

9.4. A sociedade civil e o Estado

O conceito “sociedade civil” vem sendo muito utilizado por comentadores e teóricos das
Ciências Sociais e Ciências Humanas nos diais atuais. Porém, o conceito “sociedade civil” aparece
hoje como sendo exatamente o oposto do que era no princípio.
129

Primeiramente, o termo “sociedade civil”, no sentido original, nos remete para o início da
Modernidade (XVI-XVII), mais precisamente para os teóricos jusnaturalistas como Thomas Hobbes
e John Locke. Para os mesmos, a sociedade civil contrapõe-se à “sociedade natural”, sendo
sinônimo de sociedade política, ou seja, como sendo o próprio Estado (BOBBIO, 1983, p. 1206). A
sociedade civil nasce com o jusnaturalismo de Hobbes, varia sensivelmente entre os pensadores
posteriores, sem perder o seu sentido original, permanecendo até a posição de Kant.

Entende-se por “estado de natureza”, de modo geral, a tudo o que se refere a um estágio de
pré-sociedade, pré-político, em que não existe progresso, nem técnica e o medo da morte é uma
constante, a paz está sempre ameaçada... Já a sociedade civil é entendida como a constituição do
Estado propriamente dita, existe uma constituição, que garanta a propriedade, a segurança, a paz, a
decência, a participação, a ciência e a benevolência.

Quando os teóricos contratualistas querem dar um exemplo do “estado de natureza” citam


os povos da América. Hobbes assim se refere: “Em muitos lugares da América, os selvagens não
tem nenhuma forma de governo, a não ser o governo de pequenas famílias, cuja concórdia têm como
fundamento a concupiscência natural”.15 Da mesma forma, John Locke afirma que “em muitos
lugares da América não havia nenhum governo” e de que “aqueles homens... por longo tempo, não
tiveram nem rei, nem repúblicas, vivendo, apenas em bandos”. 16 Assim, o conceito de sociedade
civil adquire um novo significado, como sendo uma sociedade de “civilizados”, onde civil não é
mais adjetivo de “civitas” (cidade), mas de “civilitas” (civilizados).

Para os contratualistas, “sociedade política” e “sociedade civilizada” são dois significados


que se sobrepõem. O Estado se contrapõe ao estado de natureza e ao estado selvagem.

Rousseau usa o termo “sociedade civil” no sentido de “sociedade civilizada”. É importante


perceber que “civilizada”, para Rousseau, tem uma conotação negativa. Diz o teórico: “o primeiro
que, após haver cercado um terreno e passou a dizer isto é meu e achou os outros tão ingênuos que
acreditaram, foi o verdadeiro fundador da Sociedade Civil”. Já para Hobbes e Locke, a Sociedade
Civil é a sociedade política e ao mesmo tempo a sociedade civilizada. Para Rousseau, a Sociedade
Civil é a sociedade civilizada, mas não necessariamente ainda a sociedade política, que surgirá do
contrato social e será uma recuperação do estado de natureza e uma superação da Sociedade Civil

15
Conferir HOBBES, T. Leviathan, cap. XIII, (Apud Bobbio, 1983, p. 1207).
16
Conferir LOCKE, J. Segundo tratado, parágrafo 102, (Apud Bobbio, 1983, p. 1207).
130

(1983, p. 1208). A Sociedade Civil de Rousseau é, do ponto de vista hobbesiano, uma sociedade
natural.

Hegel trata da questão da Sociedade Civil no livro Filosofia do Direito. Para Hegel, a
Sociedade Civil é o momento preliminar para a estruturação do Estado. A Sociedade Civil não é
mais a família (sociedade natural) e ainda não é o Estado (forma mais ampla da eticidade). A
Sociedade Civil se coloca em Hegel entre a forma primitiva e a forma definitiva do Espírito
Absoluto. Sendo assim, a Sociedade Civil, em Hegel, já possui algumas características do Estado,
mas não é ainda propriamente Estado, Hegel define-a como “Estado externo”, ou “Estado do
intelecto”. O que falta à Sociedade Civil para ser um Estado é a característica da organicidade (1983,
p. 1206).

A Sociedade Civil de Hegel é mais extensa e abrange também a regulamentação externa


(estatal) dessas relações, sendo, portanto, já uma forma preliminar e, por isso, insuficiente de
Estado. Para Locke, a Sociedade Civil é a sociedade política (Estado), que não passa de uma
associação de proprietários, bem diferente da concepção hegeliana de Estado.

Em Marx é que se dá a passagem do significado de Sociedade Civil em sociedade


burguesa. Diz Marx: “A emancipação política foi, ao mesmo tempo, a emancipação da sociedade
burguesa da política e da aparência de um conteúdo universal” (MARX, K. Apud BOBBIO, 1983, p.
1209). É necessário afirmar que o conceito “civil”, em alemão bürgerlich, significa “burguês”. Para
Marx a Sociedade Civil é o espaço onde têm lugar as relações econômicas, ou seja, as relações que
caracterizam a estrutura de cada sociedade, ou a “base real” sobre a qual se eleva uma superestrutura
jurídica e política. Sintetizando, a Sociedade Civil, a partir de Marx, passa a significar a sociedade
pré-estatal.

Na visão de Gramsci, a Sociedade Civil e o Estado diferem-se entre ambos. A Sociedade


Civil, para Gramsci, é o conjunto de organismos vulgarmente denominados privados, enquanto a
sociedade política ou Estado é o conjunto de organismos que correspondem à função de hegemonia
que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e ainda ao domínio direto ou de comando que se
expressa no Estado ou no Governo Jurídico. Para Marx, a Sociedade Civil compreende a esfera de
relações econômicas e, portanto, pertence à estrutura. Gramsci entende por Sociedade Civil apenas
um momento da superestrutura. Particularmente, o da hegemonia, que se distingue do momento do
puro domínio como momento da direção espiritual e cultural, que acompanha e se integra de fato
131

nas classes efetivamente dominantes, e que deve acompanhar e integrar nas classes que tendem ao
domínio, o momento da força pura força (1983, p. 1210).

Gramsci chama de Sociedade Civil o momento da elaboração das ideologias e das técnicas
de consenso, às quais deu particular relevo e modificou o significado marxista da expressão,
voltando parcialmente ao significado tradicional, segundo o qual a Sociedade Civil, sendo sinônimo
de Estado, pertence, segundo Marx, não à estrutura, mas à superestrutura.

Hoje, entende-se a Sociedade Civil, como a esfera das relações entre indivíduos, entre
grupos, entre classes sociais, que se desenvolvem à margem das relações de poder que caracterizam
as instituições estatais. Bobbio cita Max Weber para explicar a Sociedade Civil nos nossos dias.
Segundo Weber, a Sociedade Civil é o espaço das relações do poder de fato e o Estado é o espaço
das relações do poder legítimo. Assim entendidos, Sociedade Civil e Estado não são duas entidades
sem relação entre si, pois entre uma e outra existe um contínuo relacionamento (1983, p. 1210).

A Sociedade Civil organizada garante a possibilidade do surgimento e organização de


inúmeras instituições e movimentos sociais capazes de atuar, em suas respectivas atividades, na
transformação das realidades sociais em que se encontram. De fato, a Sociedade Civil é, por
definição, o espaço das lutas sociais.

9.5. O direito à resistência: a tese de Hume

David Hume.17

17
Imagem de David Hume. Disponível em http://www.centrofilosofia.org/images/david_hume.gif. Acesso em dezembro
de 2007.
132

Frente à imposição de uma cultura dominante e dos possíveis descasos e desmandos do


Estado, é possível haver alguma manifestação de resistência e direito de rebelar-se? São legítimas
tais posições?

David Hume (1711-1776), filósofo empirista escocês, em seu livro Ensaios Morais,
Políticos e Literários, trata sobre a questão, entre outras, da obediência passiva, isto é: como é
possível um pequeno grupo, instituído de poder, governar, de maneira irrestrita e muitas vezes de
maneira unilateral,a maioria?

Para Hume (1996), as origens do governo são normalmente obscuras e freqüentemente


legitimadas através do uso do controle da opinião e, na prática, da coação através de todo tipo de
atos de violência. Refutou, igualmente, o absolutismo (direito divino de governar da monarquia) e,
ao mesmo tempo, a teoria liberal de John Locke, que pregava a idéia de que a sociedade funda-se
num contrato primitivo. Na visão de Hume, tal teoria implicaria na “possibilidade de revogação de
contrato”, isto é, na possibilidade e na aceitação incondicional do direito de rebelar-se.

A função essencial da justiça é a promoção da paz entre os homens e a busca pelo interesse
coletivo: “Dado que a obrigação de justiça assenta inteiramente nos interesses da sociedade, os quais
exigem a mútua abstinência da propriedade, a fim de preservar a paz entre os homens, é evidente
que, se acaso a execução da justiça implicar conseqüências altamente perniciosas, essa virtude deve
ser suspensa e substituída pela utilidade pública, nessas emergências extraordinárias e urgentes” (p.
213).

Fica evidente que a obrigação da justiça é servir aos interesses da sociedade, mas, se acaso
tal execução da justiça implicar conseqüências malévolas para a maioria do povo, ela deverá ser
imediatamente suspensa e substituída pela utilidade pública. Da mesma forma Hume condena a
subordinação irrestrita dos homens em relação à lei, pois a mesma só é válida quando considerar o
bem público; caso contrário, o homem tem o direito de rebelar-se e resistir: “A máxima que a justiça
seja cumprida mesmo que o universo seja destruído é evidentemente falsa e, sacrificando os fins aos
meios, revela uma idéia absurda da subordinação dos deveres” (p. 213).

Para Hume, o governo obriga o homem a ser obediente e fiel aos seus ditames (mandos e
desmandos) desde que o governo esteja cumprindo a utilidade pública, isto é, cumprindo sua função;
caso contrário, lhe é permitido, em casos extraordinários, desobedecer e ser infiel: “... O senso
comum nos ensina que, como o governo nos obriga à obediência apenas porque esta é favorável à
133

utilidade pública, esse dever terá sempre que se submeter, nos casos extraordinários em que a
obediência acarretar de modo evidente a ruína pública, à obrigação primeira e original” (p. 213).

Dessa forma, o filósofo admite e recomenda resistência em casos extraordinários. Quando


o povo não tem mais a quem recorrer e se esgotam todas as alternativas possíveis, pode-se organizar
a insurreição. Embora Hume opte para que se conserve a fidelidade dos homens perante o governo,
fica uma lacuna, para que em último refúgio, atos de revolta aconteçam: “Nos casos desesperados
em que o povo encontra-se em perigo iminente de sofrer violência e tirania... Admitindo-se,
portanto, a resistência em casos extraordinários, o único problema que merece ser discutido entre
bons pensadores é qual o grau de necessidade capaz de justificar a resistência, tornando-a legitima e
recomendável” (p. 214). Assim, é lícito prescindir das regras da justiça em caso de necessidade
urgente.

É função de um governo, diz Hume, preocupar-se com o andamento de sua administração e


deixar de lado a preocupação excessiva e os cuidados de quando se pode permitir, ou não, a
resistência. Hume condena os filósofos que trataram de maneira acentuada a questão da resistência,
e acredita que esses filósofos teriam maior êxito acaso se dedicassem à difusão da doutrina geral do
governo: “Devemos, além disso, considerar que sendo a obediência um dever, em circunstâncias
normais, é nela que, sobretudo se deve insistir; nada poderia ser mais absurdo do que enumerar com
excessiva preocupação e cuidados de todos os casos em que se pode permitir a resistência” (p. 214).

Hume se pergunta: Por que alguns pensadores insistem no direito à resistência? Ele
mesmo tenta responder-se ao apresentar duas razões fundamentais para tal resistência: “A primeira é
que seus adversários levaram a doutrina da obediência a tais extremos, não só nunca referindo as
exceções em casos extraordinários (o que poderia ser discutível), mas chegando até a negá-las
expressamente, que se tornou necessário insistir nessas exceções, em defesa do direito à verdade e
de liberdade ofendidas”. A segunda, “assenta na natureza da constituição e da forma de governo da
Inglaterra”. O pensador refere-se aqui aos magistrados e príncipes ingleses que estão acima das leis,
imunes de qualquer questionamento e punição por qualquer injúria ou delito que possam cometer.
Nestes casos de abusos, é legitima a prática da resistência: “(...) e assim, para este caso há a solução
excepcional da resistência, sempre que se chegue à situação extrema de só por esse meio se poder
defender a constituição” (p. 214).

Uma das questões que mais surpreendia e intrigava o pensador era sobre a facilidade com
que a minoria pode governar com o consentimento da maioria. Nada mais surpreendente, diz Hume,
134

“do que a facilidade com que os muitos são governados pelos poucos, assim como a implícita
submissão com que os homens abdicam de seus próprios sentimentos e paixões em favor dos seus
governados” (p. 217). Como a maioria pode resignar-se? Como podem consentir aos mandos e
desmandos da minoria? Só há um meio para tal êxito, diz Hume, e esse meio é o controle da
opinião: “Se investigarmos que, como a força está sempre do lado dos governados, os governantes
se apóiam unicamente na opinião. O governo assenta, portanto, apenas na opinião; e essa máxima se
aplica tanto aos governos mais despóticos e militares como aos mais livres e populares” (p. 213).

Vimos que, na modernidade, o tema da participação e da representatividade ocupou um


espaço substancial nas teorias de Maquiavel, Hobbes, Locke e Rousseau. No período
contemporâneo, estes temas não perderam a relevância. Muito pelo contrário, são temas atuais que,
por um lado, são defendidos e, por outro, refutados por estudiosos da democracia. Apresentar este
debate é o que propõe fazer o próximo capítulo.
10. PARTICIPAÇÃO E INSTITUIÇÕES: O DEBATE DA TEORIA DEMOCRÁTICA
CONTEMPORÂNEA

10.1. Participacionistas e institucionalistas

Um debate que tem pautado a discussão da Ciência Política nas últimas décadas diz
respeito a duas concepções sobre a democracia: a corrente institucionalista (também chamada de
elitismo democrático) e a corrente participacionista. A primeira considera a necessidade de maior
institucionalização das instituições políticas democráticas (partidos políticos, eleições, poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário) como condição indispensável para a conquista de tal estado. 1
Para os institucionalistas, o problema central da construção da ordem política democrática refere-se
à criação de mecanismos que assegurem o processo de institucionalização de políticas democráticas.
Quanto maior for o grau de institucionalização das instituições democráticas, maior será a
possibilidade da existência de uma sociedade desenvolvida política e democraticamente.

A segunda concepção vê o maior grau de participação da sociedade civil, diretamente, na


função de governo, como condição fundamental para a construção de um Estado democrático,
desenvolvido politicamente.

A vertente institucionalista (elitismo democrático) foi inaugurada por Weber (1968/1987) e


Schumpeter (1961), que definem a democracia como um arranjo institucional para chegar a decisões
políticas e constituiu-se antes de mais nada numa competição entre elites. Os dois teóricos advogam
que a ampliação da democracia poderia ter como conseqüência a ineficácia administrativa. A
democracia seria, antes de mais nada, um antídoto contra o avanço totalitário da burocracia (Weber)

1
Sobre o debate entre as teorias participacionista e a institucionalista, conferir Limana (1992), Rover e Seibel (1998).
Entre os teóricos institucionalistas, Samuel Huntington é seu maior representante.
136

ou uma proteção contra a tirania (Schumpeter). Dahl (1956) e Lipset (1963) herdaram essa vertente,
renomeada por Held (1987, p. 176) de “democratas empíricos”. Eles aceitam a visão de Schumpeter
sobre a democracia como um processo de seleção de lideranças, mas rejeitam a idéia da liderança
exclusiva das elites, insistindo que a democracia ancora-se num complexo processo de consensos
sobre valores que estipulam os parâmetros da vida política. Mais recentemente, e principalmente em
função da crise do Estado de Bem-Estar, surgem na esteira da concepção elitista, os que Held
denomina de “Nova Direita”, as concepções de Hayeck (1960) e Nozick (1974), que representaram
as idéias liberais de Locke e John Stuart Mill. Contra esse projeto elitista de direita (democracia
legal), surgem teóricos contra-modelo da esquerda que desenvolvem a teorização da “democracia
participativa”, como Poulantzas (1980), Macpherson (1977) e Pateman (1970).2

Limana (1992), ao tratar da teoria participacionista, recorre às idéias de Rousseau e


Montesquieu desenvolvidas no Contrato Social e na obra A democracia na América,
respectivamente. A origem da teoria participacionista pode ser encontrada em Rousseau na defesa
teórica da democracia direta do Contrato Social e em Tocqueville, na abordagem que trata do
associativismo e da participação em A democracia. Como nos diz Limana: “para os autores que se
enquadram nesta teoria interpretativa, um estado democrático politicamente desenvolvido só é
possível de ser construído se houver participação direta, do conjunto dos cidadãos na gestão da coisa
pública, onde o nível de desenvolvimento político pode ser medido pelo grau de participação” (p. 4).

Considerado como um dos mais importantes teóricos contratualistas, assim como Hobbes
e Locke, Rousseau entende a participação dos indivíduos de maneira primordial na estruturação do
contrato social para instituir o Estado democrático. Também, para Rousseau, existe uma condição
natural dos homens, mas, diferentemente de Hobbes, é uma condição de felicidade, de virtude e de
liberdade, que é destruída e apagada pela civilização. Para Rousseau, é a civilização que perturba as
relações humanas, que violenta a humanidade, pois os homens nascem livres e iguais (eis o princípio
que vai se afirmar na revolução burguesa), mas em todo lugar estão acorrentados. Assim, o único
órgão soberano é a assembléia e é nesta que se expressa a soberania. A assembléia, representando o
povo, pode confiar a algumas pessoas determinadas tarefas administrativas, relativas à
administração do Estado, podendo revogá-las a qualquer momento. Mas o povo nunca perde a sua
soberania, nunca a transfere para um organismo estatal separado. Rousseau defende que “a
soberania não pode ser representada”, ao mesmo tempo em que a entende como o exercício da

2
Sobre as atuais concepções de democracia e os limites da participação de atores sociais, conferir Rover e Seibel (1998).
137

“vontade geral” (soma das vontades individuais). A vontade geral (aquilo que há de comum em
todas as vontades individuais) “jamais pode alienar-se”, na medida em que o soberano (um ser
coletivo), só pode ser representado por si mesmo” (ROUSSEAU 1978, p. 43-44). Deste modo,
Rousseau deixa clara sua preferência por um regime democrático que tem na participação direta dos
indivíduos a virtude maior.

Encontramos, no capítulo XV do Livro II do Contrato Social, argumentos de desprezo pelo


regime representativo de governo. Rousseau argumenta que, “desde que o serviço público deixa de
constituir a atividade principal dos cidadãos e eles preferem servir com sua bolsa a servir com sua
pessoa, o Estado já se encontra em ruína... À força de preguiça e de dinheiro terá, por fim, soldados
para escravizar a pátria e representantes para vendê-la” (ROUSSEAU, Apud LIMANA 1992, p. 6).
Sobre a representação dos deputados em relação ao povo, diz Rousseau que “os deputados não são,
nem podem ser seus representantes; não passam de comissários seus, nada podendo concluir
definitivamente. É nula toda lei que o povo diretamente não ratificar; em absoluto não é lei” (p. 6).

Rousseau tinha como modelo a democracia direta dos atenienses, mesmo vendo certas
limitações nesse modelo na medida que a sociedade era dividida entre cidadão e escravo. Talvez por
essa razão o próprio autor reconheça o caráter utópico de sua teoria: “a democracia que de fato não
existe, nunca existiu e talvez nunca existirá; também essa condição natural, a que devemos aspirar,
não existe, nunca existiu e nunca vai existir”.

Da mesma forma, Aléxis de Tocqueville, em A democracia na América, discute algumas


idéias que podem nos aproximar da teoria participacionista, além de tratar de conceitos como
igualdade de condições, liberdade e participação cívica, que fundamentam sua concepção sobre a
democracia.
138

10.2. Participação na obra A Democracia na América de Aléxis de Tocqueville

Aléxis de Tocqueville.3

Vamos tratar nesta seção sobre as principais idéias da obra A democracia na América
(1962), de Aléxis de Tocqueville. Nesta obra o autor tratou das condições sociais (organizações
sóciaio-política) como fundamento da construção da democracia norte-americana.4

Com o objetivo de estudar o funcionamento do regime político e analisar a vida sócio-


política dos norte-americanos, Tocqueville chegou a Nova Iorque, em 1831, com 25 anos de idade.
Como síntese dos seus estudos, surgiu a sua principal obra, A democracia na América (La
démocratie en Amerique), cujo primeiro volume é impresso em 1835 e o segundo, em 1840. Munido
de instrumentos empíricos, Tocqueville procurou construir teoricamente um “tipo ideal” de
democracia.

À primeira vista, o que mais impressionou a Tocqueville foi a igualdade das condições
entre os americanos: “a igualdade, e não a liberdade, constitui o verdadeiro sinal da democracia”. 5
Ao mesmo tempo em que exalta a igualdade, Tocqueville se contrapõe à aristocracia e ao
individualismo, afirmando que o individualismo é a ‘ferrugem das sociedades’, esvazia o cidadão de

3
Imagem de Aléxis de Tocqueville. Disponível em http://faculty.frostburg.edu/phil/forum/Tocquevillealt.gif. Acesso em
dezembro de 20007.
4
É importante destacar que a conexão entre os costumes de uma sociedade e suas práticas políticas, idéias expostas na
obra clássica de Tocqueville já fora discutida suficientemente por outros teóricos como Putnam (2000), Galvão Quirino
(2001), Limana (1992), Higgins (2005), a qual não convém aprofundar neste momento.
5
Para Tocqueville, liberdade e igualdade significam o mesmo que democracia.
139

toda substância, de civismo; estanca-lhe a fonte das virtudes públicas; dele torna a fazer um súdito,
se não um escravo, oscilando sem dignidade entre a servidão e a licença.

Na referida obra, Tocqueville inicia descrevendo os hábitos e os costumes, assim como a


organização social e política dos americanos, para depois tratar da estrutura de dominação, de suas
instituições políticas e das relações do Estado com a sociedade civil. 6 Tocqueville, ao elaborar o
conceito de democracia, apresenta-o como um processo universal, durável e todos os
acontecimentos, como todos os homens, servem ao seu desenvolvimento. Já na Introdução de A
democracia na América, Tocqueville (1962) atribui um caráter sagrado à democracia ao afirmar que
querer detê-la seria como lutar contra o próprio Deus, e só restaria às nações acomodar-se ao Estado
social que lhes impõe a Providência. Tocqueville cita a América como exemplo e deseja ver a França
tornar-se como os Estados Unidos: “Parece-me fora de dúvida que, cedo ou tarde, chegaremos como
os americanos, à igualdade quase completa” (p. 19). O objetivo do autor foi estudar os hábitos e os
costumes dos americanos na intenção de abstrair os ensinamentos fundamentais daquela experiência
democrática.

Tocqueville discordou, em outra passagem, das várias formas de socialismo da época,


assim como condenou o Estado intervencionista como sendo o único responsável pela direção
política da nação. Para ele, esse Estado interventor é um Estado despótico, no qual a liberdade dos
cidadãos tende a desaparecer. Da mesma forma, Tocqueville acredita que a democracia e o
socialismo não se vinculam senão por uma palavra, a igualdade; mas observa a diferença: a
democracia quer a igualdade na liberdade e o socialismo quer a igualdade na sujeição e na servidão
(p. 187).

No Prefácio de sua obra, Tocqueville deixa claro que o objetivo central é tratar do
próximo advento, irresistível e universal, da democracia no mundo. Tocqueville estudou a
democracia norte-americana com o objetivo de compreender e tirar proveito dos exemplos bem-
sucedidos daquele país, principalmente os princípios sob os quais repousam as constituições
americanas de ordem e equilíbrio de poderes e de profundo e sincero respeito ao direito, que são
indispensáveis a todas as repúblicas e que a todos devem ser comuns; e pode afirmar-se desde logo
que, onde não se encontrarem, cedo terá a república deixado de existir (p. 10).

6
Conferir o artigo intitulado “Tocqueville: sobre a liberdade e a igualdade”, de Célia Galvão Quirino (2001), em que a
autora comenta as principais idéias de A democracia na América (p.149-188).
140

Tocqueville tratou, igualmente, da situação social dos anglo-americanos e da origem


da democracia, que nasceu junto com a Colônia e permanece até nossos dias. Argumenta,
igualmente, sobre o princípio da soberania do povo na América e as leis que estão subordinadas à
soberania do povo. O autor descreve que o poder emana do povo e observa que este participa da
composição das leis, pela escolha dos legisladores, da sua aplicação mediante a eleição dos
agentes do poder Executivo; pode-se dizer que ele mesmo governa, tão frágil e restrita é a parte
deixada à Administração, tanto se ressente esta da sua origem popular e obedece ao poder de que
emana. “O povo reina sobre o mundo político americano como Deus sobre o universo. É ele a
causa e o fim de todas as coisas; tudo sai do seu seio, e tudo se absorve nele”, conclui Tocqueville
(p. 52).

Sobre o tema da soberania do povo, Tocqueville entende que é o povo que tem o
controle do governo em suas mãos: “é o povo que governa”, pois, “na América, o povo designa
aquele que faz a lei e aquele que a executa; constitui ele mesmo o júri que pune as infrações à lei”
(p. 136). Percebe-se, no decorrer da obra, que a América é sempre tratada como o exemplo da
democracia ideal.

Outro tema que Tocqueville considera importante é o da associação política. Diz o


autor que a América é o país do mundo de onde mais se tirou partido da associação e onde se tem
aplicado esse poderoso meio de ação à maior diversidade de objetos. Essa tradição associativa
dos norte-americanos vem de berço, “desde o seu nascimento, aprende o habitante dos Estados
Unidos que precisa apoiar-se sobre si mesmo para lutar contra os males e os embaraços da vida”
(p. 146). A associação visa alcançar vários fins com o objetivo de obter a segurança pública,
comércio, indústria, moral e religião. Nada há que a vontade humana se desespere de atingir pela
ação simples do poder coletivo dos indivíduos. A associação é causa de união e progresso: “A
associação enfeixa os esforços dos espíritos divergentes e os impele com vigor para uma única
finalidade claramente indicada por ela” (p. 147).

Esse interesse coletivo dos norte-americanos é enaltecido pelo autor francês:

Como se explica que, nos Estados Unidos, aonde os habitantes apenas ontem chegaram ao
solo que ocupam, aonde não levaram nem costumes nem lembranças, aonde se
encontraram pela primeira vez sem se conhecer, aonde, numa palavra, o instinto da pátria
pode apenas existir, como se explica que todos se mostrem interessados pelos negócios de
sua comuna, de seu cantão, e do Estado inteiro como se fossem deles próprios? (p. 183).
141

Assim, é o interesse coletivo que mais se sobressai entre os imigrantes:

Mal desembarcamos no solo americano, vemo-nos no meio de uma espécie de tumulto; de


todas as partes, eleva-se um confuso clamor; mil vozes chegam ao mesmo tempo aos
nossos ouvidos, cada qual a exprimir algumas necessidades sociais. Em nossa volta, tudo se
movimenta: aqui é o povo de um bairro que se reúne para saber se há de construir uma
Igreja; ali, trabalha-se para escolher um representante; mais além, os delegados de um
cantão dirigem-se à cidade a toda pressa, a fim de deliberar sobre certos melhoramentos
locais; noutra parte, são os agricultores de uma aldeia que abandonaram seus arais para
discutir o plano de uma estrada ou de uma escola. Reúnem-se cidadãos com a finalidade
exclusiva de declarar que desaprovam a marcha do governo, ao passo que outros se reúnem
a fim de proclamar que os homens da administração são os pais da pátria. E eis que outros
ainda, considerando a embriaguês como a principal fonte dos males do Estado, vêm
comprometer-se solenemente a dar o exemplo da temperança (p. 187-188).

A idéia principal da obra A Democracia na América resume-se na importância que


Tocqueville atribuiu à experiência prática dos americanos, aos seus hábitos, às suas opiniões, aos
seus costumes, na manutenção das suas leis. Ou seja, os hábitos e os costumes dos americanos
são as bases da manutenção das leis: “A minha finalidade foi mostrar, pelo exemplo da América,
que as leis, e, sobretudo os costumes, podiam permitir a um povo democrático permanecer livre”
(p. 242).

Nos estudos de Tocqueville, percebe-se também o orgulho dos anglo-americanos em


pertencer àquela nação, inclusive acreditam que são um povo “escolhido”, diferente dos demais
povos do mundo:

Ao mesmo tempo que os anglo-americanos estão assim unidos por ideais comuns, estão
separados de todos os demais povos por um sentimento, o orgulho. Há cinqüenta anos, não
se pára de repetir aos habitantes dos Estados Unidos que constituem o único povo religioso
esclarecido e livre [...] acreditam que se constituem uma espécie à parte do gênero humano
(p. 287).

Sobre a democracia dos gregos, Tocqueville tem a seguinte idéia:

Em Atenas, todos os cidadãos tomavam parte dos negócios públicos; havia ali, porém,
apenas vinte mil cidadãos, em mais de trezentos e cinqüenta mil habitantes; todos os outros
eram escravos e desempenhavam a maior parte das funções que hoje em dia pertencem ao
povo e mesmo às classes médias. Atenas, com o seu sufrágio universal, não era, pois, afinal
de contas, senão uma república aristocrática, onde todos os nobres tinham direito igual ao
governo (p. 360).
142

Todo o empreendimento pessoal e comunitário dos americanos está em manter a


democracia através de uma cada vez maior igualdade e liberdade; por isso, procuram se esforçar
para manter a coisa pública e a ajuda mútua: “Devo dizer que muitas vezes vi americanos
fazerem grandes e verdadeiros sacrifícios à coisa pública, e observei cem vezes que, quando
necessário, quase nunca se furtam de prestar fiel apoio uns aos outros” (p. 391). O espírito
público dos americanos sobressaía aos olhos de Tocqueville, além do apoio mútuo. Mais à frente,
fica ainda mais explícito o caráter associativo da vida civil dos americanos:

Os americanos de todas as idades, de todas as condições, de todos os espíritos, estão


constantemente a se unir. Não só possuem associações comerciais e industriais, nas quais
tomam parte, como ainda existem mil outras espécies: religiosas, morais, graves, fúteis,
muito gerais e muito pequenas. Os americanos associam-se para dar festas, fundar
seminários, construir hotéis, edifícios, igrejas, distribuir livros, enviar missionários aos
antípodas; assim também criam hospitais, prisões, escolas (p. 391-392).

Foi esse espírito cívico que fez dos Estados Unidos uma democracia participativa.

Neste mesmo argumento, Tocqueville descreve que a ação recíproca é fundamental para a
edificação do sentimento comunitário: “Os sentimentos e as idéias não se renovam, o coração não
cresce e o espírito não se desenvolve a não ser pela ação recíproca dos homens uns sobre os
outros” (p. 393). Da mesma forma, “para que os homens permaneçam civilizados ou assim se
tornem, é preciso que entre eles a arte de se associar se desenvolva e aperfeiçoe na medida em
que cresce a igualdade de condições” (p. 394).

Este capítulo trouxe ao conhecimento os debates atuais entre democracia participativista e


democracia institucionalista. É o grande debate dos pensadores da atualidade sobre a melhor
forma de democracia. No próximo capítulo trataremos da difícil construção da cidadania no
Brasil.
11. A DIFÍCIL CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL

Falar na construção da cidadania no Brasil é tocar num ponto nevrálgico da nossa história.
Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses por estas paragens, percebe-se que a
consolidação da cidadania ainda é um desafio para todos os brasileiros. Muito se tem discutido na
academia e fora dela, o jargão da cidadania está na moda nas instituições políticas e na opinião
pública, mas, concretamente, é um conceito ainda a ser construído.

Após a ditadura militar (1964-1985), pensava-se que, finalmente, os ares da democracia e


da cidadania iriam pairar no cenário político-social nacional. No entanto, a democracia poliárquica,
descrita pelo cientista político Robert Dahl (2001) (eleições livres, partidos políticos consolidados,
Congresso Nacional autônomo), não garantiu avanços significativos e a democracia social
(igualdade étnica, emprego, saúde, lazer, moradia...) ainda é utopia para milhões. Prevalece apenas
uma democracia eleitoral sobre a democracia social (cidadã). Por essa razão, as instituições políticas
e os políticos têm passado por um alto descrédito junto à opinião pública do país. Da mesma forma,
a cidadania é incipiente num país onde predominam a exclusão social e econômica, a desigualdade
social e a violência difusa.

Frente a essa situação, pergunta-se: Quais os principais obstáculos para a construção da


cidadania brasileira? A difícil construção da cidadania no Brasil está ligada exclusivamente ao “peso
do passado” (herança maldita), ou outras variáveis podem influenciar essa realidade? A cidadania
está meramente ligada à conquista de direitos sociais, civis e políticos? Como se deram as
conquistas desses direitos no Brasil, comparadas com outros países? Procurar responder a algumas
dessas questões é o objetivo maior deste capítulo. Para tanto, recorremos à fundamentação teórica de
autores das Ciências Sociais, reconhecidos estudiosos do tema.
144

A origem do conceito “cidadania” no contexto histórico-cultural e político provém dos


gregos, especificamente, por volta do ano 380 a.C. (período do pogeu daquela civilização). Embora
a cidadania fosse limitada a uma parcela social minoritária, pode-se afirmar que, tanto a democracia
quanto a cidadania grega, não deixam de ser conquistas inéditas e avanços significativos para a
História Ocidental.1 No entanto, a evolução e a real consolidação da cidadania dá-se na
Modernidade.2 Junto com a cidadania moderna nascem os direitos naturais (vida, propriedade,
liberdade) do homem liberal burguês, garantidos pelas consecutivas “Declarações de Direitos”
elaboradas a partir das revoluções liberais na Inglaterra (Revolução Gloriosa, 1688-89), Estados
Unidos (emancipação política, 1776) e França (Revolução Francesa, 1789).3

Este texto está dividido em quatro seções. A primeira trata da ausência de direitos e de
poder público no Brasil colonial. A conquista lusitana, o latifúndio, a monocultura de exportação, o
analfabetismo e a escravidão são “pesos negativos do passado” que ainda determinam a vida social,
econômica e política do Brasil. A segunda seção apresenta os dois fatos históricos mais relevantes
do Brasil do século XIX, a Independência e a República, considerando a quase nulidade da
participação de grande parte do povo neste processo. A terceira seção discute os vícios institucionais
e culturais da política brasileira. Males como o patrimonialismo, coronelismo, populismo, serão
discutidos a partir de alguns clássicos das Ciências Sociais do Brasil. Por fim, descreve-se que,
diferentemente de outros países, os direitos sociais emergem no Brasil em regimes políticos
ditatoriais, que excluem inexoravelmente os direitos políticos e civis.4

11.1. Brasil colonial: ausência de direitos e de poder público

Inicialmente, é preciso afirmar que, no Brasil, a construção da cidadania não seguiu a


lógica da trajetória inglesa. Houve no Brasil, segundo José Murilo de Carvalho (2002), pelo menos
duas diferenças importantes: a primeira refere-se à maior ênfase em um dos direitos, o social, em

1
No entanto, o objetivo deste artigo não é tratar deste ponto, sendo que o mesmo tem sido suficientemente tratado por
renomados teóricos como Minogui (1998), Coulanges (s/d), Aquino (1998), Barker (1978), Kitto (1970), entre outros.
2
Sobre a evolução do conceito cidadania na modernidade conferir o trabalho Domingues (2001).
3
Da mesma forma, não nos convém tratar aqui deste assunto. Pode-se aprofundar este tópico com os seguintes autores:
Saes (2000), Moisés (2005) e Marshall (1967).
4
Para esta seção foram utilizados argumentos dos seguintes autores: Vianna (1955, 1956), Holanda (2000) Faoro (2001),
Leal (1975), Prado Júnior (1994) e, principalmente, Carvalho (1996, 1997, 2000, 2000A.2002).
145

relação aos outros; a segunda refere-se à alteração na seqüência em que os direitos foram adquiridos:
entre nós o social precedeu os outros (p. 12).

Uma das razões fundamentais das dificuldades da construção da cidadania está ligada,
como nos diz Carvalho, ao “peso do passado”, mais especificamente ao período colonial (1500-
1822), quando “os portugueses tinham construído um enorme país dotado de unidade territorial,
lingüística, cultural e religiosa. Mas tinham deixado uma população analfabeta, uma sociedade
escravocrata, uma economia monocultora e latifundiária, um Estado Absolutista” (p. 18). Em suma,
foram 322 anos sem poder público, sem Estado, sem nação e cidadania.

11.1.1 A “conquista” da terra brasilis

Já no princípio da história do Brasil, as contradições apareceram. Primeiro, pode-se dizer


que o Brasil não foi “descoberto”, conforme comumente menciona-se, mas, sim, “conquistado”
pelos europeus (portugueses). O encontro dessas duas culturas (a européia versus a dos povos
nativos das Américas) foi o confronto trágico de duas forças em que uma pereceu necessariamente,
um encontro pouco amigável entre duas civilizações: uma considerada “desenvolvida”, por conhecer
certas tecnologias (a irrigação, o ferro e o cavalo) versus a nativa (“desconhecida” e, por isso
mesmo, considerada “bárbara”). Os nativos viviam ensimesmados com a natureza, com uma religião
diferente do cristianismo europeu. Suas crenças eram mescladas com os elementos da natureza: a
lua, o sol, as estrelas. Até mesmo a palavra “índio” foi o nome dado pelos europeus ao se
confrontarem com o "outro" e quem deu o nome, no caso, acabou se apossando, ficando dono.5

Bem antes de o europeu chegar a estas terras, o índio tinha suas normas morais e seus ritos
religiosos. Ele respeitava a si próprio e aos outros, à mãe-terra, às águas e à natureza como um todo.
Os espanhóis e, mais tarde, os portugueses chegaram, impuseram sua força e conquistaram com a
violência (armas) e a ideologia (religião): em uma das mãos, com a cruz do Cristo europeu,
simbolizando o poder da Igreja; na outra, a espada para a conquista. O resultado foi o extermínio,
pela guerra, escravidão e doença (sífilis, varíola, gripe), de milhões de índios. 6 Grande parte da
5
Sobre o encobrimento do outro, conferir Dussel (1993).
6
Callage Neto (2002, p.29) argumenta que as sociedades Ibéricas (Espanha e Portugal) foram marcadas pelo
“hibridismo do absolutismo autoritário contra-reformista católico, o despotismo corporativo muçulmano dos séculos que
o precederam na Península Ibérica e um incipiente liberalismo que se gerava com a presença judaica nos marcos da
Revolução Mercantil”.
146

população indígena foi dizimada rapidamente pelo homem “civilizado”. Calcula-se que havia no
Brasil, na época da “descoberta”, cerca de 4 milhões de índios. Em 1823, restavam menos de 1
milhão (CARVALHO, 2002, p. 20). Atualmente a demografia indígena, depois de ter sido reduzido
drasticamente, tem crescido de forma significativa nos últimos anos. Segundo o censo de 2000, do
IBGE, 734 mil pessoas (0,4% dos brasileiros) se auto-identificaram como indígenas, um
crescimento absoluto de 440 mil indivíduos em relação ao censo de 1991, quando apenas 294 mil
pessoas (0,2% dos brasileiros) se diziam indígenas.7

Outra característica do período colonial está ligada à conotação comercial. O Brasil serviu
à produção de monocultura para resolver o problema da demanda européia, fornecendo a cana-de-
açúcar. Isto exigia largas extensões de terras e mão-de-obra escrava dos negros africanos. No Brasil,
se configurou o latifúndio monocultor e exportador de base escravista. Outros ciclos de exploração
se sucederam no Brasil, como o da mineração (séc. XVIII), do gado, da borracha, do café...,
servindo assim, por muito tempo, apenas como fornecedor de matérias-primas à metrópole
(Portugal).8

11.1.2. A escravidão

No período colonial, a cidadania foi negada à quase totalidade da população; porém, os


mais afetados foram os escravos negros provenientes do continente africano. Para Carvalho (2002),
“o fator mais negativo para a cidadania foi a escravidão” (p. 19). Foi por volta de 1550 que os
escravos começaram a ser importados. Essa prática continuou até 1850, 28 anos após a
Independência. Calcula-se que até 1822 tenham sido introduzidos na colônia cerca de 3 milhões de
escravos. Na época da Independência, numa população de cerca de 5 milhões, incluindo 800 mil
índios, havia mais de 1 milhão de escravos (Idem, p. 19). É importante destacar que em todas as
classes sociais desse período havia escravos.9

7
Para maiores informações sobre a situação do indígena na sociedade brasileira atual, consultar relatório do IBGE
intitulado: Uma análise dos indígenas com base nos resultados da mostra dos censos demográficos. Este estudo está
disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/indigenas/indigenas.pdf.
Acesso em junho de 2005.
8
Para esclarecer este tema, é fundamental a leitura de Raymundo Faoro (2001). Principalmente o capítulo IV “O Brasil
até o governo Geral”.
9
Sobre o tema da questão racial no Brasil, conferir o trabalho de Fernandes (1972).
147

Depois de mais de 300 anos, o Brasil chegou à abolição da escravidão, mais por pressão
externa do que por um amadurecimento da consciência social da população. Neste sentido, a
abolição da escravidão no Brasil, no dia 13 de maio de 1888, foi um grande engodo, uma farsa. O
Brasil foi o último país de tradição cristã ocidental a abolir a escravidão, sendo que essa apenas
ocorreu, não pelo amadurecimento da consciência do povo brasileiro, mas da própria elite
pressionada pelos interesses econômicos internacionais. A Inglaterra, essencialmente por interesses
comerciais, exigiu, em 1850, o término do comércio negreiro, instituído com a Lei Eusébio de
Queiroz, que se constituiu num passo importante para a abolição - que só viria a acontecer 38 anos
depois.

Por isso, a data mais significativa para celebrar a história do povo negro, sua cultura, seu
anseio por liberdade e sua verdadeira participação na sociedade, centra-se no dia 20 de Novembro,
data da morte de Zumbi, martirizado em 1695 sob as forças expedicionárias do bandeirante
Domingos Jorge Velho. Zumbi, que significa a força do espírito presente, foi o principal líder da
resistência da comunidade de Palmares. Esse quilombo foi a mais importante organização de
resistência do povo negro no país, sendo, dentre vários, aquele que ocupou a maior extensão de terra
e o maior tempo de existência (1600-1695). Por volta de 1654, o quilombo dos Palmares (região
acidentada e de difícil acesso no interior de Alagoas), era composto por muitas aldeias onde os
negros viviam em liberdade. Eis o nome de algumas comunidades: Macaco, na Serra da Barriga,
com 8 mil habitantes; Amaro, no noroeste de Serinhaém, com 5 mil habitantes; Sucupira, à 80 km de
Macaco; Zumbi, a noroeste de Porto Calvo, e o Senga, à 20 km de Macaco. A população total de
Palmares, na época, atingiu mais de 20 mil habitantes, o que representava 15% da população do
Brasil.

Pela utilização da mão-de-obra escrava nas colônias, foi possível a formação e o


desenvolvimento dos Estados Nacionais na Europa e a construção das cidades. Além disso, realizou-
se a Revolução Industrial na Inglaterra, devido à importação de negros africanos, que eram mestres
ferreiros, marceneiros e carpinteiros, o que propiciou o acúmulo de riqueza gerador do capitalismo.
O sistema capitalista soube tirar proveito dessa situação, na conquista, na pirataria, no saque e na
exploração. Huberman (1986, p. 160) descreve que a acumulação de riquezas deveu-se “ao trabalho
e ao sofrimento do negro, como se suas mãos tivessem construído as docas e fabricado as máquinas
a vapor”.10
10
Segundo o sociólogo Florestan Fernandes (1978, p.9), os negros e os mulatos foram os que tiveram “o pior ponto de
partida” na transição da ordem escravocrata à competitiva. Isso significa afirmar que as condições estruturais dos negros
O escravo africano, além de sofrer a dominação econômica e religiosa, foi excluído,
igualmente, do pensamento filosófico europeu. Foi considerado povo a-histórico, irracional, bárbaro,
fechado em si mesmo, não tendo condições de ascender ao “espírito universal”. Hegel, no início do
século XIX, escreveu a obra Filosofia da história universal, onde percebe-se a ideologia racista,
superficial e eurocêntrica do filósofo alemão em relação à África. Páginas preconceituosas, que
maculam a história da filosofia mundial.

A situação do negro, hoje, continua sendo de marginalização e exclusão. Por isso, há a


necessidade de medidas não apenas afirmativas, mas, também, transformativas na emancipação da
etnia negra no país.11 Há muito que fazer para que a verdadeira abolição da escravidão aconteça,
principalmente na questão da educação, acesso ao trabalho e à renda. Dados demonstram que o
analfabetismo ainda é maior entre os negros: segundo dados do IBGE, em 1999, a taxa de
analfabetismo das pessoas com 15 anos de idade ou mais era de 8,3% para brancos e de 21% para
pretos e a média de anos de estudo das pessoas com 10 anos de idade ou mais é de quase 6 anos para
os brancos e cerca de 3 anos e meio para os negros.

Na questão do acesso ao trabalho, as diferenças são expressivas: 6% de brancos com 10


anos de idade ou mais aparecem nas estatísticas da categoria de trabalhador doméstico, enquanto os
pardos chegam a 8,4% e os pretos a 14,6%. Por outro lado, na categoria empregadores encontram-se
5,7% dos brancos, 2,1% dos pardos e apenas 1,1% dos pretos. Quanto ao rendimento mensal
familiar per capita e à distribuição das famílias por classes, os dados indicam que 20% das famílias
cujo chefe é de cor branca tinham rendimento de até 1 salário mínimo contra 28,6% dos chefes das
famílias pretas e 27,7% das pardas (IBGE, 1999). Segundo ainda os dados do IBGE, em 1999, a
população branca que trabalhava tinha rendimento médio de cinco salários mínimos. Pretos e pardos
alcançavam menos que a metade disso: dois salários. Essas informações confirmam a existência e a
manutenção de uma significativa desigualdade de renda entre brancos, pretos e pardos na sociedade
brasileira.12

e mulatos foram inferiores em relação aos brancos, causando marginalidades e desigualdades na sociedade brasileira.
11
Nancy Fraser (2001) analisa as estratégias, chamadas, por ela, de afirmação ou de transformação. Para vencer os
dilemas entre redistribuição e reconhecimento, podem-se adotar medidas afirmativas ou transformativas. As medidas
afirmativas têm por objetivo a correção de resultados indesejados sem mexer na estrutura que os forma. Já os remédios
transformativos têm por fim a correção dos resultados indesejados mediante a reestruturação da estrutura que os produz
(MATOS, 2004).
12
Além desses dados, podem-se encontrar outras estatísticas sobre desigualdades raciais na publicação Síntese de
Indicadores - 2000, editada também pelo IBGE.
149

11.1.3. O analfabetismo

Outra marca registrada do período colonial foi o analfabetismo. A maioria da população,


segundo Carvalho (2002) era analfabeta: em 1872, meio século após a Independência, apenas 16%
da população era alfabetizada.

Apenas a elite brasileira da época era portadora do conhecimento, enquanto o


analfabetismo predominava nas classes mais pobres: “quase toda a elite possuía estudos superiores,
o que acontecia com pouca gente fora dela: a elite era uma ilha de letrados num mar de analfabetos”
(CARVALHO, 2000A, p. 55). Entre os letrados, principalmente, era comum a formação jurídica
feita em Portugal: primeiro em Coimbra e, depois, em Lisboa. Além disso, Portugal proibiu o Brasil
de abrir universidades em seu território; em contrapartida, a Espanha permitiu, desde o início, a
criação de universidades em suas colônias (p. 16).

Tal contraste pode ser percebido, entre Espanha e Portugal, no que se refere ao número de
matrículas: “Calculou-se que até o final do período colonial umas 150.000 pessoas tinham-se
formado nas universidades da América Espanhola. Só a Universidade do México formou 39.367
estudantes até a independência. Em vivo contraste, apenas 1.242 estudantes brasileiros
matricularam-se em Coimbra entre 1772 e 1872”, quadro esse que será revertido apenas após a
chegada da família real ao Brasil, em 1808 (p. 62). No final do século XVIII, somente 16,85% da
população brasileira entre 6 e 15 anos freqüentava a escola (p. 70). É notável, de imediato, a
formação de bacharéis em Direito desde o início de nossa história. Somente em 1879 houve uma
reforma que o dividiu em Ciências Jurídicas e Ciências Sociais: “A reforma de 1879 dividiu o curso
em Ciências Jurídicas e Ciências Sociais, as primeiras para formar magistrados e advogados, as
segundas diplomatas, administradores e políticos” (p. 76).

É importante mencionar ainda que somente os advogados e médicos receberam o título de


doutores, “que podia referir-se tanto a médicos como a doutores em direito” (p. 90). Os cargos
políticos ocupados na esfera estatal pertenciam à elite, principalmente aos proprietários rurais. Essa
mesma elite circulava pelo país e por postos no Judiciário, Legislativo e Executivo, buscando
assegurar vantagens pessoais. Como conclui Carvalho (2002, p. 129), a burocracia foi a vocação da
elite imperial brasileira.
150

11.2. A Independência e a República no Brasil: participação incipiente

Inicialmente, é preciso afirmar que os dois fatos históricos de maior relevância do Brasil
no século XIX, a Independência e a República, respectivamente, ocorreram sem a real participação
da maioria da população. Ao contrário, a elite portuguesa, aliada à elite nacional, tomou as decisões
políticas necessárias para a manutenção dos seus próprios interesses. O objetivo desta seção é
demonstrar tais acontecimentos.

11.2.1. Um Estado sem nação

Acredita-se que a construção da cidadania esteja ligada essencialmente à construção de


uma nação e de um Estado. Isto é, tem a ver com a formação de uma identidade entre as pessoas
(tradição, religião, língua, costumes), com a construção de uma nacionalidade ou, sob o aspecto
jurídico, na formação de um Estado. Assim, o sentimento de pertencer a uma nação é um indicativo
importante para tal construção. Sentir-se parte de uma nação e de um Estado é condição fundamental
para a construção da cidadania: “Isto quer dizer que a construção da cidadania tem a ver com a
relação das pessoas com o Estado e com a nação. As pessoas se tornavam cidadãs à medida que
passavam a se sentir parte de uma nação e de um Estado” (CARVALHO, 2002, p. 12).

No Brasil, como veremos, o Estado precedeu a formação da nação. A formação do Estado


deu-se exclusivamente pela vontade da elite portuguesa, que aceitou e negociou com a Inglaterra e
com a elite brasileira a “independência” do país: “Graças à intermediação da Inglaterra, Portugal
aceitou a independência do Brasil mediante o pagamento de uma indenização de 2 milhões de libras
esterlinas” (p. 27).

A relação de dependência da colônia com Portugal não permitiu formar uma identidade
própria, nem edificar uma nação propriamente dita. A primeira manifestação de nossa nacionalidade
ocorreu, segundo Carvalho (2000A), apenas em 1865, na Guerra do Paraguai. A luta contra o
inimigo externo, a formação de uma liderança política (chefe inspirador), o culto ao símbolo
nacional (a Bandeira) e a união dos voluntários de todo o Brasil possibilitaram o advento de um
151

sentimento comum: o orgulho e a criação da primeira idéia de identidade nacional: “não vejo
consciência nacional no Brasil antes da Guerra do Paraguai” (p. 11). Os principais fatos políticos do
Brasil ocorreram para atender interesses individuais, ou de pequenos grupos hegemônicos. Assim foi
na Independência, como nos diz Costa (1981): “as coisas vão simplesmente acontecendo: no jogo
das circunstâncias e das vontades individuais, no entrechoque de interesses pessoais, de paixões
mesquinhas e de sonhos de liberdade, faz-se a independência do país” (p. 65). É importante afirmar
que a notícia da emancipação política do Brasil só chegou a lugares mais distantes após três meses
do fato ocorrido.

O poder político concentrou-se nas mãos dos proprietários. A vinda da família real para o
Brasil, em 1808, não passou de uma manobra (abertura dos portos) para beneficiar os ingleses e
franceses. Alguns anos mais tarde, as condições se mostravam favoráveis para a independência do
Brasil, o que veio a ocorrer em 7 de setembro de 1822; porém, à revelia do povo.13

Em sua obra A construção da ordem (1996), José Murilo de Carvalho trata, igualmente,
entre outras questões, do processo de colonização, do Brasil Imperial e da elite política. O autor
apresenta, logo na introdução, a diferença entre a evolução das colônias espanhola e portuguesa na
América. Para ele, a diferença básica é que os territórios espanhóis fragmentaram-se politicamente,
tornando-se Estados independentes, ao passo que os portugueses concentraram-se. Enquanto os
espanhóis passaram por períodos anárquicos (instabilidade e rebeliões), os portugueses não
recorreram a essas formas violentas. O domínio político português sobre a colônia foi intenso, sendo
que os capitães-gerais eram nomeados diretamente pela Coroa e a ela respondiam (p. 12).

Deste modo, o Brasil herdou, na construção de seu Estado, a burocratização do Estado


moderno, conforme fora descrito por Max Weber: “A ordem legal, a burocracia, a jurisdição
compulsória sobre um território e a monopolização do uso legítimo da força são características
essenciais do Estado moderno”. O Estado moderno utilizou quatro mecanismos: a burocratização, o
monopólio da força, a criação de legitimidade e a homogeneização da população dos súditos
(WEBER Apud CARVALHO, 2000A, p. 23).

13
Caio Prado Júnior procurou entender o país sob o enfoque da interpretação marxista, com o materialismo histórico
tendo servido de fundamento teórico para explicar o Brasil. Já Sérgio Buarque de Holanda faz sua análise em Raízes do
Brasil, partindo da Economia e da sociedade, de Max Weber. Celso Furtado, Nestor Duarte e Raymundo Faoro herdam a
vertente do patrimonialismo de Weber. Para Faoro, a formação do Estado português está na origem do Brasil, que é,
essencialmente, estadocêntrico, centralizado no poder da autoridade, pois é dela a distribuição do mesmo.
152

No período imperial, existiam dois partidos políticos com ideologias semelhantes: o


Conservador e o Liberal. O primeiro defendia os interesses da burguesia reacionária proveniente
dessa mesma classe, dos donos das terras e senhores de escravos (domínio agrário); enquanto o
segundo defendia os interesses da burguesia progressista, representada pelos comerciantes (domínio
urbano) (p. 182). Diz Carvalho que, até 1837, não se pode falar em partido político no Brasil,
existindo apenas a maçonaria.

No período colonial, assim como na República Velha (1890-1930), a grande maioria da


população ficou excluída dos direitos civis e políticos, com um reduzido sentimento de
nacionalidade. Isso não significa que não houve resistência por parte de alguns grupos
oposicionistas (abolicionistas, separatistas, monarquistas, anti-republicanos, luta pela terra...). Foram
muitas as formas de luta, no entanto, todos os movimentos foram duramente reprimidos e
aniquilados pelo poder central: a Balaiada no Maranhão e a Cabanagem no Pará (a mais violenta,
que vitimou 30 mil pessoas), a Farroupilha no Rio Grande do Sul, além de Canudos na Bahia, o
Contestado em Santa Catarina e a Revolta da Vacina no Rio de Janeiro, são alguns exemplos de
revoltas localizadas.

11.2.2. Uma República sem povo

Assim como a emancipação política (Independência), a Proclamação da República


brasileira apresentou características sui generis ao ser instituída, haja vista o seu caráter golpista e
elitista. O povo, por sua vez, não só não participou como foi tomado de surpresa com a proclamação
do novo regime. A frase de Aristides Lobo é bastante elucidativa, neste sentido: “O povo assistiu
àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam
sinceramente estar vendo uma parada militar” (LOBO, Apud CARONE, 1969, p. 289). Sobre o
caráter golpista da Proclamação da República, assim também se expressou Murilo de Carvalho
(2002): “Além disso, o ato da proclamação em si foi feito de surpresa e comandado pelos militares
que tinham entrado em contato com os conspiradores civis poucos dias antes da data marcada para o
início do movimento” (p. 80)

O processo eleitoral (participação política) da população durante os períodos imperial e


republicano foi insignificante. De 1822 até 1881, votavam apenas 13% da população livre. Em
153

1881, privou-se o analfabeto de votar. De 1881 até 1930 - fim da Primeira República -, os votantes
não passaram de 5,6% da população. Foram cinqüenta anos de governo, imperial e republicano, sem
povo.14

Assim, até o final da República Velha (1930), a participação política popular foi restrita.
Não havia propriamente um povo politicamente organizado, nem mesmo um sentimento nacional
consolidado. Os grandes acontecimentos na arena política eram protagonizados pela elite, cabendo
ao povo o papel de mero coadjuvante, assistindo a tudo sem entender muito bem o que se passava.15

11.3. Os vícios das instituições e da cultura política brasileira

Outro aspecto da vida política brasileira que marcou não apenas o período colonial e
republicano, mas, de certa forma, nossa história política atual, está ligado aos “males” ou “vícios”,
como o patrimonialismo, o coronelismo, o clientelismo, o populismo e o personalismo das nossas
instituições e lideranças políticas.16 Por exemplo, segundo DaMatta (2000), o populismo está vivo,
não apenas no Brasil, assim como em toda a América Latina. As lideranças políticas carregam
consigo, além do personalismo, uma boa dose do elemento messiânico, 17 que tem suas longínquas
raízes históricas no sebastianismo português. Vive-se ainda esperando que algum “herói sagrado”,
ou um “salvador da pátria” desça do Olimpo e resolva os problemas da população. Como bem
afirma Renato Janine Ribeiro (2000, p. 66), as pessoas carregam a “expectativa messiânica no
surgimento de algum pai da pátria que as livrará do desamparo”. É preciso parar de esperar por um
milagre sobrenatural: “a questão brasileira é a necessidade da laicização” (p. 80). DaMatta,

14
Quanto à participação política dos brasileiros no processo eleitoral, tem-se os seguintes dados: em 1950 – 16%; 1960 –
18%; 1970 – 24%; 1986 – 47%; 1989 - 49%; 1998 – 51% (CARVALHO, 2000A, p.17).
15
Nos anos de 1920 e 1930, boa parte da intelectualidade, como Alberto Torres, Francisco Campos, Oliveira Vianna e
Azevedo Amaral, defendia o fortalecimento do Estado para fazer as mudanças sociais necessárias. Para Alberto Torres,
“a sociedade brasileira era desarticulada, não tinha centro de referência, não tinha propósito comum. Cabia ao Estado
organizá-la e fornecer-lhe esse propósito” (Apud CARVALHO, 2002, p.93).
16
O tema do clientelismo e do personalismo também é discutido pelo antropólogo Roberto DaMatta (2000, p. 94): “O
Brasil, até hoje, combina clientelismo com liberalismo e personalismo com lealdade ideológica”. Investigação de
opinião realizada nos últimos vinte anos na América Latina tem mostrado que mais de 60% dos eleitores, na hora de
escolher seu candidato, levam em consideração muito mais a pessoa do candidato e não o partido ao qual pertence
(Apud BAQUERO, 2004, p. 156).
17
Entende-se por messianismo a esperança da salvação coletiva posta nas mãos dos indivíduos vistos como dotados de
dons especiais.
154

igualmente, trata da esperança messiânica da sociedade brasileira ao afirmar que “espera-se um


salvador da pátria” (p. 104).18

Depende-se sempre de um líder: “Já que somos incapazes de construir nossa grandeza,
quem sabe se um novo Dom Sebastião não o pode fazer por nós” (CARVALHO, 2000A, p. 24). Este
autor insiste na herança lusitana, que achou terreno fértil por estas paragens para crescer e proliferar:
o exemplo mais evidente foi, e continua sendo, a promiscuidade entre o público e o privado; assim,
corrupção, clientelismo e patrimonialismo parecem se perpetuar na terra brasilis.19

A análise de Caio Prado Júnior evidencia, da mesma forma, alguns vícios da política
brasileira, como o clientelismo e a dependência da metrópole.20

No período colonial, cerca de 60% da população ainda vivia no litoral, mas, aos poucos,
houve uma migração para o interior (ciclo da mineração); esta, porém, com a decadência desse
modelo econômico, volta-se para o litoral novamente. A economia, no período colonial, era baseada
na monocultura junto com o trabalho escravo. A colônia apenas devia fornecer matéria-prima à
metrópole, deixando a maioria da população brasileira com os parcos excedentes. Quanto à
organização social do Brasil, era constituída de escravos (totalmente excluídos) e mulatos (com
possibilidade de ascender socialmente através da Igreja). Caio Prado Júnior buscou explicitar,
igualmente, a base material do Brasil, evidenciando os pecados capitais do país: latifúndio,
monocultura, afã fiscal da metrópole, trabalho braçal/desqualificação e escravidão.

18
Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil (2000), tratou, igualmente, das origens da sociedade e da cultura
política brasileira, vendo nelas a continuidade da herança das nações ibéricas (Espanha e Portugal), que priorizavam uma
cultura personalista (responsabilidade individual) onde imperavam os vínculos pessoais nas relações sociais e políticas,
deixando os interesses coletivos em um segundo plano. Buarque de Holanda tratou, ainda, da repulsa ao trabalho, em
que o ócio é mais importante do que o negócio. E da promiscuidade entre o público e o privado na vida política do país.
19
“O Estado português delegou poderes da metrópole, preferiram manter a vinculação patrimonial a rebelar-se [...]. O
patrimonialismo também não sofreu contestação no momento da independência, graças à natureza do processo de
transição” (CARVALHO, In: CORDEIRO e COUTO, 2000, p.24). Da mesma forma, para Raymundo Faoro (2001), o
patrimonialismo é um dos principais eixos da cultura política brasileira. Com a implantação do capitalismo, surgiu um
Estado de natureza patrimonial, cuja estrutura estamental gerou uma elite dissociada da nação: o patronato político
brasileiro, que atua levando em conta os interesses particulares do estamento burocrático ou dos “donos do poder”. O
sistema patrimonial coloca os empregados em uma rede patriarcal na qual eles representam a extensão da casa do
soberano. Para Faoro, essa estrutura política e social tem permanecido na política brasileira desde o Estado Novo
(BAQUERO, 2006). Sobre o clientelismo, conferir o trabalho de Andrade (2005).
20
Caio Prado Júnior (1907-1990), em sua obra Formação do Brasil contemporâneo (1994), discorreu acerca do
povoamento do Brasil, do Tratado de Tordesilhas e do Tratado de Madri. No Norte, segundo o autor, prevaleceu a
cultura do cacau e da Companhia de Jesus; em São Paulo, o bandeirantismo. Refletiu ainda sobre a aliança entre
Espanha e Portugal.
155

Na Evolução política do Brasil (1993), Prado Júnior tratou da colônia e do processo de


ocupação da terra através das capitanias: para ele, “um ensaio de feudalismo que não deu certo”. No
Império, estimulou-se a agricultura e a pecuária, mas acabou prevalecendo o clientelismo político
através da doação de sesmarias. O clientelismo não foi uma prática recorrente apenas do Brasil
Colonial. Encontramos tal vício em diferentes momentos do cenário político, evidenciado, inclusive
nas últimas eleições gerais (2006). Esse fenômeno é mais amplo e atravessa toda a história política
do país. É um tipo de relação que envolve a concessão de benefícios públicos entre atores políticos.
O clientelismo aumentou com o fim do coronelismo, quando a relação passa a ser diretamente entre
políticos e setores da população, sem a intermediação do coronel, que perdeu sua capacidade de
controlar os votos da população. Na vigência do coronelismo, o controle do cargo público era visto
como importante instrumento de dominação e não como simples empreguismo. O emprego público
irá adquirir importância como fonte de renda nas relações clientelistas (CARVALHO, 1997).

A questão do coronelismo, outra característica da política brasileira, foi tratada por Victor
Nunes Leal, na obra Coronelismo, enxada e voto, publicada em 1948. Na concepção de Leal, o
coronelismo é visto como um sistema político, uma complexa rede de relações que vai desde o
coronel até o Presidente da República, envolvendo compromissos recíprocos. Leal se expressa da
seguinte forma: “o que procurei examinar foi, sobretudo, o sistema. O coronel entrou na análise por
ser parte do sistema, mas o que mais me preocupava era o sistema, a estrutura e as maneiras pelas
quais as relações de poder se desenvolviam na Primeira República, a partir do município” (LEAL,
Apud CARVALHO, 1997).

O autor tratou da relação entre o poder local e o poder nacional, na qual o coronelismo
estava inserido. Para ele, o coronelismo surge dentro de um contexto histórico específico, incrustado
na conjuntura política e econômica do Brasil no período da República Velha (1889-1930). No
âmbito político, cria-se o federalismo, que fora implantado em substituição ao centralismo imperial.
A partir do federalismo, criou-se um novo ator político com amplos poderes, o Presidente de Estado.
No âmbito econômico, segundo Leal, vivia-se a decadência dos fazendeiros, que também é
comentada por Carvalho:

esta decadência acarretava enfraquecimento do poder político dos coronéis em face de seus
dependentes e rivais. A manutenção desse poder passava, então, a exigir a presença do
Estado, que expandia sua influência na proporção em que diminuía a dos donos de terra. O
coronelismo era fruto de alteração na relação de forças entre os proprietários rurais e o
156

governo e significava o fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do


coronel.21

Fica explícito, a partir das considerações de Leal, que o coronelismo foi um sistema
político nacional baseado na “troca de favores” entre o governo central e os detentores do poder
local. As relações entre o poder local (coronéis) e o governo podem ser descritas como um caminho
de duas vias, ou seja, um necessitava do outro para sobreviver:

O governo estadual garantia, para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus
rivais, sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos, desde o delegado de polícia
até a professora primária. O coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de
votos. Para cima, os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca do
reconhecimento deste seu domínio no Estado. O coronelismo é a fase de processo mais
longo de relacionamento entre os fazendeiros e o governo (LEAL, Apud CARVALHO,
1997).

Leal (1975) seguiu a definição de Basílio de Magalhães para explicar a origem do conceito
de coronelismo no Brasil:

o tratamento de um ‘coronel’ começou desde logo a ser dado pelos sertanejos a todo e
qualquer chefe político, a todo e qualquer potentado, até hoje recebem popularmente o
tratamento de ‘coronéis’ os que têm em mãos o bastão de comando da política edilícia ou
os chefes de partidos de maior influência na comuna, isto é, os mandões dos corrilhos de
campanário (p. 20-21).

Leal acredita que o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto e a desorganização


dos serviços públicos locais sejam características próprias do coronelismo. Junto ao coronel está
ligado o voto de cabresto e a capangagem (p. 23).

Os trabalhadores rurais, desprovidos de qualquer estrutura que lhes possibilitasse mudança


de vida, eram dependentes do coronel: “completamente analfabeto, ou quase, sem assistência
médica, não lendo jornais, nem revistas, nas quais se limita a ver as figuras, o trabalhador rural, a
não ser em casos esporádicos, tem o patrão na conta de benfeitor. E é dele, na verdade, que recebe os
únicos favores que sua obscura existência conhece” (p. 25). A troca de favores era a essência do
compromisso coronelista, que consistia em apoiar os candidatos do oficialismo nas eleições

21
O artigo de Carvalho (1997) também encontra-se disponível em http://www.scielo.br/scielo. Acesso em 10 de março
de 2005.
157

estaduais e federais: “enquanto que, da parte da situação estadual, vinha carta branca ao chefe local
governista (de preferência o líder da facção local majoritária) em todos os assuntos relativos ao
município, inclusive na nomeação de funcionários estaduais do lugar” (p. 50).

Ao concluir esta seção, percebe-se que muitos outros vícios permanecem na vida política
brasileira. São necessárias, além da participação dos setores organizados da sociedade civil e do
olhar crítico e imparcial da mídia, outras formas de controle e responsabilização dos atos
administrativos das pessoas que ocupam cargos públicos. Trata-se aqui de inserir o conceito de
accountability, “que quer dizer autoridades politicamente responsáveis, autoridades que podem ser
responsabilizadas pelos seus atos, que devem prestar contas dos seus atos”. O accountability
(controle democrático) pode ser vertical (relação governantes e governados) e horizontal: quando
poderes externos podem punir o próprio governo. Através da autonomia dos poderes, autoridades
estatais podem controlar o próprio poder, que podem empreender ações que vão desde o controle
rotineiro até sanções legais ou inclusive impeachment, conforme o caso.22

11.4. Os direitos sociais emergem quando os direitos civis e políticos fenecem

A partir dos anos 20 inicia, paulatinamente, uma nova era na história política nacional. Os
tempos agora são outros, influências internas, como o processo crescente de urbanização,
industrialização, aumento do operariado, criação do Partido Comunista e a Semana de Arte
Moderna, bem como influências externas, a crise da Bolsa de Valores de Nova Iorque, acabam
modificando as relações econômicas e políticas no Brasil. Assim, na década de 1930 o Brasil vê
emergir, gradativamente, os direitos sociais: “A partir desta data, houve aceleração das mudanças
sociais e políticas, a história começou a andar mais rápido” (p. 87), principalmente com a criação do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e a Consolidação das Leis do Trabalho em 1943. 23
Fica evidente que, no Brasil, os direitos sociais não foram conquistados, mas, sim, conseqüência de
concessões de governos centralizadores e autoritários. Os sindicatos foram atrelados ao Estado de
aspiração fascista. Em termos políticos tivemos retrocesso, pois em 1937 Vargas instaura uma
ditadura apoiada pelos militares instituindo o Estado Novo, que só termina em 1945. Logo após esse

22
Ver estudos de Marenco dos Santos (2003) e O’Donnell (1998).
23
Diferentes autores que tratam do tema da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) são unânimes em afirmar que essa
legislação foi, em grande parte, copiada da “Carta del Lavoro” adotada pelo regime fascista italiano.
158

período, o país passou pela primeira experiência democrática (1945 até 1964), tendo como principal
característica política o populismo e o nacionalismo.

No entanto, depois da breve experiência democrática, os Brasil entrou, do ponto de vista


dos direitos civis e políticos, nos anos mais sombrios da sua história, o da ditadura militar. Houve
perseguição, cassação dos direitos políticos, tortura e assassinatos das principais lideranças políticas,
sociais e religiosas. Os Atos Institucionais (AIs) deram a tônica do governo. O AI 1, de 1964, cassou
os direitos políticos. O AI 2, de 1965, aboliu a eleição direta para a Presidência da República,
dissolveu os partidos políticos criados a partir de 1945 e estabeleceu um sistema de dois partidos. Já
o AI 5, de 1968, foi considerado o mais radical de todos, o que mais fundo atingiu direitos políticos
e civis. O Congresso foi fechado, passando o presidente, general Costa e Silva, a governar
ditatorialmente. Foi suspenso o habeas corpus para crimes contra a segurança nacional (p. 162),
houve cassações de mandatos, suspensão de direitos políticos de deputados e vereadores, além da
demissão sumária de funcionários públicos, censura à imprensa e a instituição da pena de morte por
fuzilamento.

No que se refere aos direitos sociais, percebe-se que houve uma sensível melhora na época
dos militares. Foram criados o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), Fundo de
Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS),
Banco Nacional de Habitação (BNH) e, em 1974, o Ministério da Previdência e Assistência Social
(p. 172).

Aos poucos, porém, o período da ditadura militar dá sinais de esgotamento e os ares de


novos tempos começam a soprar no cenário político do Brasil. Depois da pressão política da
oposição, da opinião pública, de intelectuais, artistas e da população em geral, os militares deixam o
poder, de forma negociada, no ano de 1985. Novos partidos foram criados e a nova Constituição
Federal foi promulgada em 1988. Essa Constituição, apesar da resistência de alguns setores
conservadores da sociedade (como o “Centrão” – deputados que defendiam as grandes propriedades
rurais), foi considerada a Constituição mais liberal de todas. O presidente da Constituinte, Ulisses
Guimarães, na época a designou como a “Constituição Cidadã”.

No entanto, apesar dos avanços políticos, os direitos civis e sociais são deficientes desde
1985. Há precariedade na questão da segurança e no acesso à Justiça, além das altas taxas de
homicídios: “A taxa nacional de homicídios por 100 mil habitantes passou de 13 em 1980 para 23
159

em 1995, quando é de 8,2 nos Estados Unidos” (p. 212). O Judiciário não cumpre seu papel: além da
morosidade nos trâmites e decisões, há, também, um número reduzido de defensores públicos.

Deu-se no Brasil, diferentemente de outros países, a lógica inversa: primeiro os direitos


sociais, depois os políticos e civis. Como bem argumenta Carvalho: “Aqui primeiro vieram os
direitos sociais, implantados em período de supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos
civis por um ditador que se tornou popular. Depois vieram os direitos políticos, de maneira também
bizarra. A maior expansão do direito do voto deu-se em outro período ditatorial, em que os órgãos de
representação política foram transformados em peça decorativa do regime” (p. 220). Além disso, os
direitos civis continuam inacessíveis: “Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis, a base da
seqüência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria da população. A pirâmide dos direitos foi
colocada de cabeça para baixo” (p. 220).24

Este capítulo procurou apresentar argumentos que comprovam a difícil construção da


cidadania no país. Como sabemos, o conceito cidadania sempre esteve e ainda está ligado à
conquista de direitos, tanto civis (individuais), quanto políticos e sociais. Percebe-se isso na história
das civilizações clássicas (greco-romanas); durante a modernidade (conquistas da sociedade liberal
burguesa); e, especificamente, o caso aqui exposto (experiência do Brasil).

Tem-se consciência de que o capítulo poderia ter avançado, principalmente, no debate


teórico atual da questão da cidadania global e da cidadania cosmopolita. No entanto, optou-se em
responder quais os principais obstáculos para a construção da cidadania brasileira. Pensa-se que, em
outra oportunidade, sejam contempladas tais questões.

Constatou-se que o latifúndio agro-exportador do período colonial, bem como o


escravismo e o analfabetismo, marcaram negativamente nossas origens e, até hoje, dificultam
avanços no âmbito político-social e econômico. Além dessas, outras razões foram e continuam
sendo entraves para a consolidação das instituições políticas, que impedem os avanços necessários
para uma cidadania plena. Na ordem política, permanecem ainda algumas mazelas históricas como o
patrimonialismo (promiscuidade entre o público e o privado), o personalismo (messianismo), o
coronelismo com sua nova roupagem, o clientelismo, além da corrupção, entre outros...

Percebeu-se também que as conquistas dos direitos no Brasil, comparadas com as de outros
países, deram-se de maneira tardia e inversa. Somente em 1824, mais de 320 anos após a chegada

24
No entendimento de José Murilo de Carvalho, a ordem de institucionalização clássica dos direitos de cidadania com
base em Marshall (civis, políticos e sociais) não obedeceu à mesma lógica seqüencial no Brasil.
160

dos portugueses, surgiram os primeiros direitos civis e políticos (antes disso estávamos submetidos à
lei da Coroa portuguesa). Aos poucos surgiram os direitos sociais, mas, exatamente no momento em
que os direitos civis e políticos estavam sendo negados, no período da ditadura de Vargas (1937-45)
e na ditadura militar (1964-1985).

Por fim, haveremos de concordar com Benevides (1994, 2000), ao afirmar que, no intuito
de reverter a realidade político-social excludente, ou de uma cidadania passiva ou sem “povo”, é
necessário recorrer à defesa de mecanismos institucionais, como o referendo, o plebiscito e a
iniciativa popular para a construção do que a autora chama de uma cidadania ativa ou democracia
semidireta: “Assim, discuto a participação política, através de canais institucionais, no sentido mais
abrangente: a eleição, a votação (o referendo e plebiscito) e a apresentação de projetos de leis ou de
políticas públicas (iniciativa popular): Como defendo a complementaridade entre representação e
participação direta, adoto, em decorrência, a expressão ‘democracia semidireta’” (p. 10) Embora
com grandes dificuldades, é possível reverter o processo através da educação política – entendida
como educação para a cidadania ativa e plena.

Este capítulo abordou o tema da cidadania com referência ao nosso país. Como esse tema
foi tratado nos diferentes períodos históricos.
12. VICISSITUDES DA POLÍTICA BRASILEIRA

Este último capítulo apresenta, de forma sucinta, um debate sobre os principais temas
que estiveram na pauta da política e da opinião pública no segundo semestre do ano de 2007. O
capítulo inicia tratando do caso Renan Calheiros, presidente do Senado, acusado de quebra de
decoro parlamentar, que acabou renunciando à Presidência da Casa para escapar da cassação. Por
duas vezes, os senadores absolveram Calheiros. Ainda tratando sobre os desmandos da política
brasileira, apresentamos os “ensinamentos” de Maquiavel para conquistar e manter-se no poder,
exemplo seguido por muitas lideranças políticas atuais. Outro tema que esteve na mídia foi a
questão da reforma política: essencialmente, a questão da fidelidade partidária. Não houve avanços
na dita reforma; mas, o Supremo Tribunal Federal (STF) ratificou a posição do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) de que o voto dado pelo eleitor pertence ao partido e não ao político.
Presenciamos, ainda, o afastamento do Governo Lula à proposta ideológica de seu partido, o PT.
Constatou-se que os candidatos do PT têm declinado sensivelmente sua votação no Congresso
Nacional, enquanto o voto dado ao candidato Lula tem evoluído, caracterizando uma nova onda de
populismo, o lulismo. O tema polêmico da reforma agrária voltou a ser manchete. De um lado, a
pressão do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), com ocupações, marchas na
luta pela terra; por outro, as milícias armadas dos fazendeiros. O governo se revelou, novamente,
omisso, mostrando pouca eficiência nesta problemática. Outros temas, como a democracia, a
questão do Estado, o caráter pouco solidário e a necessidade de construir capital social no Brasil
também foram abordados.

12.1. O caso Renan e a degeneração da política


162

A origem da palavra política, a partir de sua etimologia, provém do grego politikos (pólis,
cidade-estado) e se refere a tudo o que é urbano, civil e público. O homem político é aquele que não
apenas vive na cidade, mas faz desta a sua principal preocupação. E o homem grego era, por
excelência, o homem dado aos debates na Ágora, aos discursos e às discussões políticas. Também é
da genialidade grega a criação da democracia (demos + cracia), governo do povo que garantia ao
homem a isonomia (igualdade perante a lei) a isegoria (liberdade de opinião) e a filantropia
(fraternidade entre os cidadãos). Por isso o elogio de Péricles: “não imitamos a Lei dos nossos
vizinhos”, bem pelo contrário, como testemunha Isócrates: “Estabelecemos entre os outros a nossa
Constituição”. Neste sentido, a vida política entre os gregos destinava-se a garantir a qualidade e a
perfeição da vida. Como nos diz Prélot (1973), “o fim da política não é, pois, a conquista ou o
enriquecimento geral, mas sim a virtude coletiva. Ela não está acima da moral, mas prolonga-se”.
Isto é, a política é a arte de tornar melhor os cidadãos.

Analisando a conjuntura política brasileira atual, temos assistido exatamente ao inverso da


proposta grega sobre o real entendimento da política. Por aqui, os interesses individuais sobrepõem-
se aos interesses coletivos, o bem comum é substituído pelo bem privado e os vícios e mazelas tão
antigos das instituições e da cultura política, como o clientelismo, a corrupção, o patrimonialismo e,
agora, o lobbysmo, é o que domina. Entende-se por lobbysmo a prática que representa o interesse de
grupos (empresas) e procura influenciar nas votações legislativas e nas decisões dos administradores
governamentais, isto é, o lobbysmo consiste em dirigir todas as energias de quem o pratica a
obstaculizar, emendar e aprovar as propostas legislativas e as normas das agências reguladoras. Os
lobbystas operam ante governos locais, estaduais e federais.

Foi o caso do Presidente do Senado Renan Calheiros (representante das velhas oligarquias
regionais alagoanas), foi acusado de utilizar dinheiro de uma empresa privada (empreiteira) para
pagar despesas pessoais. Por isso o Conselho de Ética do Senado recomendou a votação da perda de
mandato de Renan por quebra de decoro. No entanto, Renan foi absolvido por duas vezes
consecutivas por seus pares no Senado. Com sua absolvição, perde a democracia, perdem as
instituições políticas, também perdem todos os eleitores e cidadãos do país. Fica apenas o
sentimento de impotência misturado com o sentimento de frustração e impunidade pairando no ar, e
a triste constatação de que tudo é possível e permitido no Brasil: enganar, corromper, apadrinhar,
mentir.
163

Por fim, entende-se que a vida política no sentido originário destina-se a garantir a
qualidade e a perfeição da vida, e que, para isso acontecer é necessário que os cidadãos vivam o bem
comum, ou em conjunto ou por intermédio dos seus governantes; se acontecer o contrário (a busca
do interesse próprio), está formada a degeneração da política. Infelizmente essa é hoje a realidade
política brasileira.

12.2. Maquiavel: o “Old Nick” anda solto!

O renascentista Nicolau Maquiavel (1469-1527) ganhou notoriedade na História e nas


Ciências Sociais por ter escrito O Príncipe (O Principal) (1513-1514). Considerado um dos
primeiros cientistas políticos da Modernidade, tratou a política de maneira diferenciada dos teóricos
anteriores. Enquanto Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Dante, ou mesmo
os seus contemporâneos, Erasmo de Rotterdam e Thomas More, imaginavam, e idealizavam e
conjeturavam sobre como a política deveria ser (ou como gostariam que fosse), Maquiavel, seguidor
de Tácito, Políbio, Tucídides e Tito Lívio, examinou-a com objetividade, tal qual ela é. A essência de
sua obra pode, então, ser resumida na questão do poder: como conquistar, aumentar e,
principalmente, recomendou estratégias para manter o poder político.

A história política pode ser dividida em duas partes, antes e depois de Maquiavel. Até então,
a política estava ligada aos valores religiosos, o teocentrismo dominava e ela seguia em segunda
ordem. Depois de Maquiavel, a ordem se inverte, a política torna-se o valor mais importante,
juntamente com a valorização do indivíduo. Maquiavel não tratou de questões e valores espirituais.
Talvez por esta razão o seu Príncipe tenha sido indexado, em 1559, pela Igreja Católica, na lista de
livros proibidas (Índex). É do sentido pejorativo dado pela Igreja à obra de Maquiavel que surgiu o
adjetivo maquiavélico, conhecido até nossos dias como aquele que tem um procedimento astucioso,
velhaco, traiçoeiro. Em inglês, a expressão “Old Nick” significa, literalmente, uma abreviação de
“Velho Nicolau”, termo com o qual, na Inglaterra, desde a época elizabetana, a literatura passou a
designar Maquiavel: como o próprio “Velho Diabo”.

O objetivo de Maquiavel era a unificação da Itália. Para isso, precisava de uma liderança
política (príncipe) destemida, engenhosa, habilidosa e forte (virtu), mesmo que, para alcançar este
fim, fosse necessário empregar certos meios pouco lícitos (pois os fins justificam os meios). O
164

príncipe (liderança política) situa-se para além do bem e do mal. Em nome do poder, tudo se
justifica: cupidez, rapacidade (avidez de lucro), fraude, dolo, roubo, libertinagem, deboche,
velhacaria, perfídia, traição, dissimulação. Tudo é permitido desde que se alcance o resultado
desejado; por isso, todos os meios são considerados honestos.

Neste sentido, acredita-se que os “ensinamentos” de Maquiavel e seu Príncipe foram


assimilados e postos em prática por uma boa parte das nossas lideranças políticas atuais. Muitos o
têm como livro de “cabeceira”, um manual de sobrevivência na política. Infelizmente trocou-se a
ética pelo ardil, a astúcia e o cinismo. O mau exemplo do Senado brasileiro absolvendo o presidente
da Casa, Renan Calheiros, acusado de diversas irregularidades (tráfico de influência, enriquecimento
ilícito, favorecimento a empresas) e o esforço empreendido pelo partido do governo para salvá-lo,
leva-nos a crer, infelizmente, que as práticas do “velho diabo” têm encontrado guarida no coração e
mentes de muitos... Sim, ele anda solto pelas bandas do “planalto” e até nas mais recônditas
“planícies”, estamos bem arrumados.

12.3. (In) fidelidade partidária

A migração partidária ou o conhecido “troca-troca” é a prática por que os políticos procuram


“acomodar-se” a um partido em que possam tirar proveito pessoal, independentemente de manter a
fidelidade à legenda pela qual foram eleitos. A infidelidade partidária tem sido uma marca da
política brasileira desde o período da democratização. No entanto, esta “naturalidade” do “troca-
troca” tem causado prejuízos às instituições políticas, sendo a principal causa do descrédito dos
políticos frente à opinião pública. Segundo a pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros
(AMD), 81,9% não acreditam nos políticos.

Estudos monstram que, de 1985 a outubro de 2001, quando foi encerrado o prazo de filiação
partidária tendo em vista a eleição de 2002, nada menos que 846 parlamentares, entre titulares e
suplentes, mudaram de partido na Câmara dos Deputados. Traduzindo esses números em
percentuais, chega-se a 28,8% dos políticos que assumiram uma cadeira na Câmara dos Deputados e
trocaram de legenda durante o mandato. Nos últimos 12 anos (desde 1995), foram registradas 854
migrações partidárias - média de 67 por ano. No primeiro mandato do presidente Fernando Henrique
Cardoso (1995-1998), foram 211. Na segunda gestão (1999-2002), 302. E, no primeiro Governo
165

Lula (2003-2006), 291. A atual legislatura, que começou em fevereiro, já contabiliza 50 (Dados do
Acervo da Câmara, publicados na Folha de São Paulo de 07/10/2007).

Segundo o cientista político André Marenco dos Santos, a migração partidária era
insignificante no primeiro sistema multipartidário brasileiro, especialmente entre 1950 e 1962, mas,
aos poucos, tem evoluído nas últimas legislaturas: quase 60% dos deputados, quando eleitos, já
haviam pertencido a mais de um partido no mesmo sistema partidário. Especialmente a partir de
1995, há claramente o crescimento de um tipo de migração que pode ser interpretada, segundo o
estudioso, como “adesão ao governo”. Ou seja, partidos da base aliada acabam sendo cobiçados e
inflados por parlamentares da oposição obcecados por emendas e cargos públicos. Por exemplo, na
atual gestão, o PR e o PTB (base aliada do governo) são os destinos prediletos dos infiéis
(oposição). Essas siglas têm juntas, na Câmara, 80% de suas bancadas formadas por deputados que
trocaram de partido com o mandato em curso.

Por fim, a lúcida decisão dos magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF) em ratificar a
posição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que o voto dado pelo eleitor pertence ao partido e
não ao político pode, com o tempo, beneficiar as instituições políticas do país. O TSE decidiu
também que a fixação de regras de fidelidade partidária recaiam sobre os cargos majoritários:
presidente da República, governadores, prefeitos e senadores. Esta decisão foi aprovada, e todos os
parlamentares que trocaram de partido a partir de 27 de março de 2007 (quando o TSE decidiu que o
mandato pertence ao partido e não ao candidato eleito) poderão perder o mandato (salvo quando o
parlamentar alegar perseguição interna do partido ou que o partido mudou a sua ideologia).

12.4. Reforma Política: entraves e perspectivas

"Você conhece alguém que fabrica uma chibata para apanhar com ela?"

Ex-Deputado João Caldas (PL-AL)

O debate sobre o Projeto de Lei (2.679 de 2003) da chamada reforma política tem ocupado
um lugar de destaque no meio político, na opinião pública e nas organizações sociais nos últimos
anos. No entanto, pouco se tem avançado no consenso e na efetividade da mesma. O que temos, até
o momento, são apenas dúvidas, desconfianças ou mesmo ceticismo sobre tal reforma. Diante disso
166

pergunta-se: se a reforma política vier a ser realizada, pode-se esperar que ela resolva as mazelas
culturais e institucionais da política brasileira?

O Projeto de Lei, da Comissão Especial de Reforma Política, dispõe sobre a fidelidade


partidária, pesquisas eleitorais, o voto de legenda em listas partidárias preordenadas, a instituição de
federações partidárias, o funcionamento parlamentar, a propaganda eleitoral, o financiamento de
campanha e as coligações partidárias, alterando a Lei n.º 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código
Eleitoral), a Lei n.º 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos) e a Lei n.º 9.504,
de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições).

No entanto, do jeito que a reforma política está sendo proposta é pouco provável que alcance
resultados satisfatórios. O próprio presidente Lula acredita que a reforma política só sairá do papel
caso seja convocada uma nova Assembléia Constituinte (paralela), com novos representantes
escolhidos pelo povo para tratar especificamente deste assunto. A idéia também foi defendida pelo
próprio PT no último Congresso do Partido. Como se fosse possível a neutralidade, a isenção e a
imparcialidade dos novos constituintes nas tomadas das decisões: estariam eles defendendo os reais
interesses dos eleitores ou continuaria sendo meros lacaios dos grupos privados?

Considerando o momento atual das instituições e dos atores políticos (alta desconfiança por
parte do eleitorado: 82% não confiam nos políticos), são mínimas as chances de que a reforma
política venha a ser realizada, mas, se vier, será pouco provável que alcance o êxito esperado. Nem
mesmo a idéia esdrúxula de convocar uma nova Constituinte resolveria o problema. A frase do ex-
deputado João Caldas, do PL de Alagoas, é elucidativa, ou seja, ninguém vai aprovar um projeto
que, daqui a alguns meses, ou nas próximas eleições, possa prejudicar ou comprometer a sua
(re)eleição. Assim, haveremos de concordar com a afirmação de Benevides: a julgar pelo andar
modorrento dos pretensos reformistas, caímos num círculo vicioso: não consolidamos a democracia
porque nos falta verdadeiros partidos, não temos partidos porque nos falta a verdadeira
democracia. Como nos diria Eça de Queiroz: estamos bem arranjados.

Apesar do quadro desolador, porém, é preciso manter a mobilização e não desacreditar.


Como nos ensina Comparato (1993), citando Gramsci: É preciso ser absolutamente pessimista no
diagnóstico, mas manter a mais acesa esperança na ação. Qual a saída? Acredita-se que somente
com a participação popular e a sociedade civil organizada a reforma política chegará a bom termo.
Sem a participação popular (diálogo com os eleitores), acredita-se que a reforma política tenderá a
manter os vícios culturais e institucionais da política brasileira (personalismo, clientelismo,
167

patrimonialismo e tantos outros “ismos”), vindo a enfraquecer ainda mais nossas instituições
políticas.

Por fim, a coerente e acertada posição do Supremo Tribunal Federal ao decidir que o voto
dado pelo eleitor pertence ao partido e não ao político (embora não tenha punido os políticos infiéis)
ameniza, em parte, o problema do troca-troca de partido (infidelidade partidária), prática comum no
meio político. Somente neste ano (2007), 50 parlamentares trocaram de partidos: 46 deputados na
Câmara Federal e 4 senadores (alguns, inclusive, trocando mais de uma vez de partido). Sem contar
os parlamentares que trocaram de partido por mais de uma vez...

12.5. Seria o fim do petismo?

O Partido dos Trabalhadores (PT) surgiu no início dos anos 80, com uma proposta ideológica
socialista e com bandeiras alternativas aos partidos tradicionais da história política brasileira
conhecida até então. As lideranças do partido eram provenientes, principalmente, dos movimentos
sociais, das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), fundamentadas na Teologia da Libertação (ala
progressista da Igreja Católica), de boa parte da intelectualidade brasileira e, ainda, das principais
Centrais Sindicais do país, de onde emergiu seu principal líder, Luiz Inácio Lula da Silva.

Durante as décadas de 80 e 90, o PT consolidou-se como um dos principais partidos de


oposição do Brasil, tendo a ética e a luta social como sua principal bandeira. No entanto, o partido
cresceu e aspirou a maiores possibilidades, inclusive a de chegar ao centro do poder (Presidência da
República). A expressiva votação do candidato Lula para presidente em 1989, indo ao segundo turno
e desbancando nomes como Brizola e Quércia, velhos conhecidos da política brasileira, credenciou
o candidato petista a sonhar sim, concretamente, com o cargo máximo do país. No entanto, as
derrotas nas eleições gerais de 1994 e 1998, respectivamente, foram cruciais para mudar os rumos
do partido. A mudança da “esquerda” para o “centro” do espectro político foi uma questão de tempo.
O próprio presidente reconheceu, recentemente, a sua própria mudança e a mudança no programa do
partido: “Eu perdi três eleições, e cada eleição que eu perdia, perdia por 15%. Chegou um dia em
que alguém me convenceu de que eu não precisava mais ficar fazendo discurso para agradar ao PT,
que eu não precisava mais ficar fazendo discurso para agradar aos 30% ou 35% que eu tive em
168

todas as eleições. Era preciso que eu me preparasse para ter do meu lado os 15% que faltavam. E
eu me preparei e ganhei a eleição”.

De fato, a evolução do voto petista de 1989 a 2006 foi bastante expressiva: em 1989, no
primeiro turno para a Presidência da República, o partido totalizou 11,6 milhões de votos, 16,1% do
total dos votos válidos. Na segunda tentativa, em 1994, foram 17,1 milhões de votos (27%); em
1998, 21,4 milhões de votos (31,7%). No entanto, sempre faltavam alguns percentuais e, em 2002,
depois de uma mudança radical no programa, bem como a formação de alianças com partidos de
centro e até de direita (PL), o candidato Lula somou nada menos do que 39,4 milhões de votos
(46,5%) no primeiro turno e venceu as eleições, no segundo turno, com mais de 52 milhões de votos
(61,2%). Em 2006, depois de quatro anos no poder, o candidato petista fez 46.662 milhões de votos
(48,6%) no primeiro turno, e se reelegeu, no segundo turno, fazendo mais de 60% dos votos válidos.

Mas e agora, para onde caminha o PT? Voltará às suas origens socialistas ou dará
continuidade ao seu governo de coalizão? O eleitor poderá esperar ainda um projeto de
desenvolvimento ao país, ou assistirá a práticas de rentismo à elite financeira nacional e
internacional e ao assistencialismo aos mais pobres (Bolsa Família)? Ao que tudo indica, depois do
3º Congresso do partido (3/9/2007), a tendência é permanecer “tudo como dantes, no quartel general
de Abrantes...”. Embora tenha sido aprovada uma resolução reafirmando o caráter socialista,
democrático e popular do partido, parece que nada mudará, pois é preciso manter tudo do jeito que
está pra ver como é que fica. No quesito manter as coisas como estão, o partido até acenou
inicialmente para a possibilidade de uma candidatura própria para a Presidência em 2010, mas, logo
após, pressionado por Lula, amenizou o discurso, recuou e aceitou a possibilidade de apoiar uma
candidatura a partir de partidos da base aliada (coalizão governista). Aliás, a única “novidade” foi a
aprovação do código de ética do partido... Conceito que anda meio escasso ultimamente no próprio
partido, bem como no meio político como um todo. Dentro desta lógica, pode-se afirmar que
assistimos, sim, à morte da ideologia da esquerda do petismo para ficarmos apenas com o “lulismo”,
o que não interessa à democracia brasileira.

12.6. O lulismo é maior que o petismo


169

Segundo pesquisa do Instituto Sensus (12 de outubro de 2007), a popularidade do presidente


Lula e a aprovação do seu governo continuam altas. A pesquisa encomendada pela Confederação
Nacional do Transporte (CNT) mostra números positivos, tanto para a avaliação do presidente
quanto para seu governo. Mais de 61,% dos brasileiros aprovam o governo do presidente Lula e
46,5% avaliam o desempenho do seu governo como positivo.

Apesar das crises e turbulências por que o partido do presidente (PT) passou nos últimos
tempos, a imagem de Lula continua inabalável. Se o cenário político e econômico se mantiver
estável nos próximos anos, é bem provável que, em 2010, o presidente Lula venha a fazer seu
sucessor ao Palácio do Planalto. Alguns nomes já estão sendo cogitados: Dilma Rousseff, Marta
Suplicy e Tarso Genro (do próprio PT), Ciro Gomes ou Nelson Jobim (da base aliada), ou, quem
sabe, o dele próprio (caso mexa na constituição). Não se descarta, também, a possibilidade de que
Lula volte a concorrer à Presidência da República em 2014.

O fenômeno do lulismo pode ser associado a uma nova onda de personalismo (culto à
pessoa) e populismo (fenômeno político caracterizado pela liderança de uma pessoa que geralmente
expressa carisma - popularidade), muito presente no cenário político da América Latina. O culto à
pessoa é maior que a ideologia dos seus próprios partidos. Por exemplo, no Brasil, prevalece a
imagem carismática e messiânica do presidente Lula, mesmo que a do próprio partido, o PT, não vá
tão bem assim.

Apesar de ter conquistado a Presidência da República, cinco governos estaduais e ter eleito a
segunda bancada da Câmara de Deputados (83), percebe-se que os votos dados ao PT no Câmara
Federal têm declinado. Foram 2,1 milhões de votos a menos, se comparados com as eleições de
2002, quando totalizou 16.094 milhões contra 13.990 milhões de 2006. Isto significa que o PT
perdeu no Congresso Nacional 13% de seu eleitorado entre uma eleição e outra. As perdas mais
significativas deram-se no Sul, 675 mil a menos (-22%) e no Sudeste, menos 1.902 milhão de votos
(-23%). Somente no estado de São Paulo o declínio foi de 1.062 milhão de votos (-21,5%). O
declínio poderia ter sido maior caso as regiões Norte e Nordeste do país não houvessem
incrementado a votação pró-Lula. No Nordeste (influenciado pelo Bolsa Família), o PT fez 374 mil
votos a mais (13%) e, no Norte 207 mil votos (31%).

Por outro lado, se traçarmos um paralelo entre o voto petista no Congresso Nacional com o
voto petista para presidente, constatamos que a votação de Lula foi duas vezes maior do que os
votos atribuídos aos candidatos petistas a deputado federal. Lula fez, nas eleições de 2006 mais de
170

46 milhões no primeiro turno contra 13 milhões de votos para o Congresso. Se compararmos ainda
os votos recebidos por Lula nas eleições de 2002 com as eleições 2006, percebe-se que houve um
crescimento de 39.455, em 2002, para 46.662, em 2006, um crescimento de 7.207 milhões de votos
(18,26%).

Em síntese, o lulismo pode ser caracterizado como uma forma de administração voltada para
a manutenção das políticas de mercado (política econômica ortodoxa: controle da inflação, remessas
recordes de lucros ao estrangeiro, benefícios aos banqueiros); do burocratismo estatal, gerenciado
pelos companheiros sindicalistas (45% dos cargos de confiança são compostos por sindicalistas); e,
pela prática populista assistencial do “Bolsa Família” (beneficiando os extremamente pobres).
Talvez por essas razões deu-se a vitória da reeleição e a manutenção dos percentuais de avaliação
tão positivos. Por outro lado, o PT não consegue o mesmo êxito conquistado pela sua principal
liderança, o presidente Lula. que pode sobreviver politicamente sem o PT. Mas, pergunta-se: o PT,
sobreviveria sem Lula?

12.7. Para quê Reforma Agrária?

Novamente a questão agrária está na pauta das discussões da opinião pública brasileira.
Reforma Agrária, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Via Campesina, agronegócios,
marchas e ocupações ocupam espaço na mídia em geral. Neste sentido, é correto afirmar que, no
Brasil, a questão agrária é um problema histórico que nos remete ao período colonial (capitanias
hereditárias) e permanece até nossos dias como uma das principais mazelas sociais do país. Diante
disso, a necessidade da Reforma Agrária ser implantada no Brasil se justifica pelas seguintes razões:

a) Gera desenvolvimento. Enquanto os Estados capitalistas desenvolvidos efetivaram a


reforma agrária diversas vezes no tempo e nos referidos espaços territoriais (pois entendiam que a
distribuição da terra beneficiava o próprio sistema), o Estado brasileiro opta pelo atraso, trata a
Reforma Agrária com desdém e até com coação e violência. Foi o caso da infeliz, retrógrada e
inconseqüente afirmação do subcomandante-geral da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, coronel
Paulo Roberto Mendes (20/09-07), ao pedir o fim da marcha dos sem-terra à fazenda Guerra no
município de Coqueiros do Sul (314 km de Porto Alegre): “Estou fazendo este pedido para que a
marcha seja parada pela força da lei, antes que seja parada pela força da bala”, disse o coronel.
171

Entende-se que no Estado Democrático de Direito o indivíduo tenha, em face do Estado, não só
direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de Direito é o Estado dos cidadãos
(Bobbio, 1990). Neste sentido, a função do Estado é garantir os direitos públicos de todos e não
apenas os direitos privados de poucos.

b) Resolve o problema da concentração da terra. Existem mais de 371 milhões de


hectares disponíveis para a agricultura no país. No entanto, o que é otimizado para a produção é
coisa ínfima; além do mais, a metade desta área é disponível para a criação de gado. Ao mesmo
tempo em que a vocação do Brasil é a agricultura, tem-se uma população faminta. Dados estatísticos
mostram que quase metade da terra cultivável está nas mãos de apenas 1% dos fazendeiros (poucos),
enquanto uma pequena parcela, menos de 3% da terra, pertence a 3,1 milhões de produtores rurais
(muitos). Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) comprovam,
igualmente, que cerca de 10% dos 4,9 milhões de imóveis rurais cadastrados no Brasil
correspondem à média e grande propriedade, ocupando quase 80% da área total das terras
cadastradas. Já os pequenos imóveis, que representam cerca de 90%, ocupam pouco mais de 20%
dessa área total.

c) Os minifúndios são produtivos, o latifúndio não. Indicadores comprovam que os


pequenos agricultores produzem mais. Boa parte dos alimentos vem dos proprietários que possuem
até 10 hectares de terra. Dos donos de mais de 1.000 hectares, sai uma parte relativamente pequena
do que se come. Ou seja: eles produzem menos, embora tenham 100 vezes mais terra. O latifúndio
(agronegócio) produz monoculturas de exportação gera poucos empregos, agrega pouco valor e os
lucros não são socializados. Neste quesito, percebe-se que o governo Lula tem priorizado mais o
avanço do agronegócio no Brasil do que a agricultura familiar. Este setor foi o que mais recebeu
incentivos do governo. Por exemplo, no plano safra 2006/2007 foram cerca de R$ 50 bilhões
destinados aos grandes produtores.

d) Ajuda a resolver os problemas sociais. É importante que as pessoas possam viver no


campo tendo condições dignas de plantar e colher. Se as nossas cidades já apresentam déficits
habitacionais, saneamento, educação e emprego, imaginem se a população urbana aumentar
drasticamente: não aumentaria o desemprego, a marginalidade, a violência? O que faremos se o
êxodo rural acentuar-se ainda mais? Como serão nossas cidades?
172

Por esses e outros motivos acreditamos que a Reforma Agrária, junto com outras políticas
mais audaciosas, possa contribuir para o desenvolvimento econômico e social, além de fortalecer a
democracia do Brasil; sem Reforma Agrária estamos fadados ao atraso econômico, político e social.

12.8. Os desafios da democracia na América Latina

Vive-se um momento peculiar no cenário político nacional. A eleição geral de 2006 foi a
quinta eleição direta consecutiva para Presidente da República. Isso representa um avanço na
história política do Brasil, essencialmente marcada por governos oligárquicos, populistas e
autoritários. Ao concluir o segundo mandato do Governo Lula, completam-se 24 anos de democracia
ininterrupta. Algo inédito até então. No entanto, é preciso aprimorar o regime democrático,
resolvendo os problemas de ordem estrutural (econômico e social).

Pode-se dizer que se conquistou, no Brasil, até o momento, uma democracia formal
poliárquica (eleições livres e freqüentes; liberdade de expressão; fontes de informações
diversificadas; autonomia para associações e cidadania inclusiva), segundo o pensamento de Robert
Dahl. Entretanto, como questiona Saramago, “até que ponto se permite que esse sistema seja
substancial?”, isto é, alcançamos uma democracia eleitoral e suas liberdades básicas; trata-se, agora,
de avançar para a consolidação de uma democracia cidadã e inclusiva (é preciso passar da condição
de meros espectadores para a de cidadãos participantes). A democracia é muito mais que um regime
governamental, é mais do que um método para eleger e ser eleito. O sujeito, mais do que eleitor, é
cidadão. De que adiante democracia se os problemas sociais e econômicos da maioria da população
ainda persistem?

Talvez por isso, segundo a pesquisa do PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento) feita na América Latina, 54,7% dos cidadãos estariam dispostos a aceitar um
regime autoritário se este resolvesse a situação econômica de seus países e respondesse às suas
demandas sociais; 56,3% avaliam que o desenvolvimento é mais importante que a democracia e
58,1% concordam, também, que o presidente possa ignorar as leis para governar. A democracia ideal
pressupõe que a participação pública e o espírito cívico dos cidadãos (associativismo, confiança e
cooperativismo) sejam aprimorados em busca de justiça social e da emancipação humana. E mais,
173

como diz Hélgio Trindade: “a construção da democracia participativa supõe uma combinação entre
cidadania democrática e representação política plena”.

A democracia latino-americana não pode ser uma democracia que facilita os


procedimentos, porém fracassa, para proporcionar liberdades cívicas e garantir os direitos humanos,
a que Larry Diamond denomina democracia iliberal (illiberal democracies), ou, ainda, a que
Marcello Baquero chama de democracia inercial: com inexistência de instituições sólidas,
comportamento político emocional e subjetivo, falta de fiscalização e predomínio de traços
clientelísticos, personalistas e patrimonialistas entre os representantes eleitos. É necessário que se
estruture na América Latina, nas palavras de Pablo González Casanova, uma democracia dos de
baixo onde os pobres vejam garantida a segurança social e econômica.

Além do autoritarismo democrático que se vive na cultura política latino-americana,


pode-se afirmar que impera uma típica democracia delegativa (Guillermo O’Donnell). Isso significa
afirmar a existência de frágeis instituições políticas, em que se sucedem crises de ordem sócio-
econômica (sucessivos planos econômicos), deterioração da autoridade presidencial, corrupção do
aparelho do Estado e violência generalizada. Isto é, a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso de
suas políticas é exclusiva do Presidente da República que, com a sua equipe pessoal, são o alfa e o
ômega da política (o presidente isola-se da maioria das instituições políticas) e os problemas da
nação são tratados por técnicos e burocratas, especialmente no que se refere à política econômica. A
oposição e a resistência das ruas, da sociedade, do Congresso ou de associações de representação de
interesse são silenciadas ou ignoradas. Prevalecem a centralização política e a personificação do
poder do presidente, o que Hélgio Trindade chama de hiperpresidencialismo: “o presidente se
considera legitimado por um poder delegado pelo voto para implementar, por mecanismos
autoritários, suas decisões políticas”.

A democracia pressupõe, igualmente, alternância de poder. A proposta de eleição


ininterrupta de Hugo Chaves na Venezuela e a cogitação de um plebiscito para o terceiro mandato de
Lula no Brasil diminuem as chances da consolidação e do fortalecimento da democracia no
continente.

12.8. Mais Estado e menos mercado


174

Nos anos 90, a América Latina passou por profundas reformas estruturais (neoliberais), a
partir das políticas de livre mercado impostas pelo Consenso de Washington. Fizeram parte desse
Programa de Reestruturação (ajustes) a reforma administrativa e previdenciária, que exigiram um
rigoroso esforço de equilíbrio fiscal; a redefinição do papel do Estado na economia, que causou, ao
contrário do que seus defensores alardeavam, recessão econômica, ingresso do capital externo,
desemprego, aumento do trabalho informal, conflitos sociais, flexibilização dos direitos trabalhistas,
precariedade e, ao mesmo tempo, o desmonte dos sistemas de seguridade social, de saúde e de
educação.

No Brasil, as políticas de reestruturação do Estado deram-se em meados dos anos 90. A


principal delas foi a chamada reforma administrativa, também conhecida como reforma “Bresser-
Pereira” (coordenada por Luiz Carlos Bresser-Pereira, então Ministro da Administração Federal e da
Reforma do Estado no governo de Fernando Henrique Cardoso).

Porém, mais tarde, o próprio Bresser-Pereira, em artigo publicado na Folha de São Paulo
(2002), reclamava da baixa confiança dos mercados internacionais frente à economia brasileira e da
vulnerabilidade da mesma frente às constantes crises econômicas mundiais. Talvez por isso, Bresser-
Pereira lamentou que sua Reforma Administrativa não tivesse alcançado os resultados esperados.
Em suas palavras: “cumprimos uma parte desse programa, mas, em vez de reconstruir
financeiramente o Estado, endividamo-lo ainda mais”. Em relação ao processo de privatização,
Bresser também reclamou: “em vez de privatizarmos apenas setores competitivos, privatizamos
também monopólios naturais”. No Brasil, houve a “flexibilização” do mercado e a multiplicação da
dívida: “em vez de controlar a entrada de capitais e reduzir a dívida externa, ampliamo-la; ao invés
de mantermos um câmbio relativamente desvalorizado, como fizeram todos os países que iniciavam
seu desenvolvimento, deixamos que a entrada de capitais valorizasse nossa moeda e aumentasse
artificialmente salários e consumo”. Seguimos, de joelhos, as normas das instituições internacionais:
“E tudo, nos anos 90, com o apoio do FMI, do Banco Mundial e dos mercados financeiros
internacionais”, conclui Bresser-Pereira.

A política das privatizações foi a principal medida das reformas estruturais, sendo que as
mesmas reduziram, consideravelmente, o tamanho e a função do Estado. O Brasil, desde os anos 90,
tem privatizado mais de 70% de suas empresas estatais. Porém, essa política tem encontrado
resistência na opinião pública: até há pouco tempo os serviços prestados por empresas públicas eram
considerados ineficientes, de baixa qualidade e mal administradas. Por outro lado, os serviços
175

prestados pela iniciativa privada eram sinônimos de qualidade e conforto. Essa percepção parece
estar mudando em nossos dias. Segundo dados do Instituto Ipsos, a maioria do eleitorado brasileiro
prefere que o Estado controle os serviços, sendo que 62% se mostraram contrários à política de
privatizações. Apenas 25% a aprovaram. Podem-se atribuir esses percentuais, entre outras razões, ao
alto custo e à questionável qualidade dos serviços privados, principalmente, nos setores da energia
elétrica, telefonia, estradas, água e esgoto.

Se, nos anos 90, presenciamos a uma onda que pregava o afastamento do Estado das
funções e do gerenciamento dos serviços públicos; agora pede-se que o Estado volte e cumpra sua
função social. Segundo a mesma pesquisa, 74% acreditam que o Estado deve ser responsável pelos
serviços essenciais da população. Em síntese, a maioria da população quer um Estado forte com
maior proteção social.

12.9. O caráter individualista e pouco solidário do brasileiro

O Informe do Latinobarômetro 2007, mediante um estudo realizado em 18 países da


América Latina, monstrou que, entre 2003 e 2007, o desempenho econômico e social dos latino-
americanos tem melhorado nos últimos 25 anos. Houve uma redução da pobreza, diminuição do
desemprego, melhor distribuição de renda, redução da inflação e um aumento no nível de consumo
da população. Por outro lado, os percentuais ligados à dimensão da solidariedade têm piorado. O
estudo mostra que, ao examinar efetivamente as atitudes individuais da região, ela se situa como
pouco solidária e individualista (as pessoas têm-se ocupado apenas com seus próprios problemas e
não tratam de ajudar os outros). Há uma evidente tensão entre as atitudes coletivas e as atitudes
individuais. Entre os mais solidários, encontram-se os venezuelanos e porto-riquenhos. Os chilenos,
equatorianos e paraguaios são os mais individualistas. Os brasileiros ocupam a 11ª colocação no
quesito solidariedade, ficando abaixo da média dos demais países do continente.

Aliás, esse caráter pouco solidário do brasileiro não chega a ser novidade. Já nos meados
do século passado, Oliveira Vianna (1955) havia percebido tal característica. O autor considerou o
insolidarismo como o traço mais marcante de nossa gente, razão pela qual defendia o papel coativo e
educador do Estado na formação do que ele chamava de um comportamento culturológico, capaz de
sobrepor-se ao espírito insolidarista. Vianna escreveu Instituições políticas brasileiras (1955), no
176

qual efetuou, na segunda parte, intitulada Morfologia do Estado, um estudo pertinente sobre o
significado sociológico do anti-urbanismo colonial (gênese do espírito insolidarista).

Para o autor, o espírito insolidarista tem sua origem nos primórdios da “colonização”.
Dessa maneira, criou-se, no Brasil o homo colonialis, tendo como característica fortes traços de
individualismo e desconfiança: “um amante da solidão, do deserto, rústico e anti-urbano”. Na
questão do trabalho, o homem brasileiro, comparado com outros homens do mundo, caracterizou-se
pelo particularismo e individualismo: “O trabalho agrícola, em nosso país – ao contrário do que
aconteceu no mundo europeu – sempre foi essencialmente particularista e individualista:
centrifugava o homem e o impelia para o isolamento e para o sertão” (p. 151). Não houve a
formação da solidariedade social, hábitos de cooperação e de colaboração, nem mesmo espírito
público. O que houve, na verdade, foi uma solidariedade social negativa. Em relação a outros povos
latino-americanos, e também na formação social e econômica, o brasileiro é, segundo Vianna,
essencialmente, individualista, não necessita da ajuda comunitária e vive de forma isolada. Estas
manifestações têm raiz na tradição cultural. O que existe, no Brasil, é apenas uma solidariedade
parental, isto é, desde que se mantenham os interesses fechados entre as famílias dominantes: “Essa
solidariedade inter-familiar e clânica é, assim, peculiar e exclusiva à classe senhorial” (p. 272).

No âmbito do comportamento político-partidário, percebe-se, igualmente, a carência de


motivações coletivas. Além disso, são muitas as citações em que Oliveira Vianna queixa-se da
inexistência da cooperação do povo do Brasil, da sua pouca participação na vida pública (que se
mantém desde o Império até a República) e, por que não dizer, até os nossos dias.
Por fim, o pioneirismo dos estudos de Oliveira Vianna, mais os dados do Informe do
Latinobarômetro 2007 evidenciam que práticas individualistas e insolidárias persistem nas relações
interpessoais dos brasileiros. Sem a dimensão da solidariedade, do civismo e do espírito público, o
projeto da construção de um Estado-nação estará sendo novamente adiado, ou, na pior das hipótese,
suplantado.

12.10. O Capital Social: um ingrediente a ser considerado

A aplicabilidade das políticas neoliberais globalizantes trouxe relações verticais


autoritárias, impostas pelas leis do mercado, que obtiveram crescimento econômico pouco
177

significante e, conseqüentemente, levaram a um agravamento dos problemas sociais em boa parte


dos países latino-americanos. Como resposta, suscitou a criação e o fortalecimento de antigos e
novos movimentos sociais contestatórios, que passam a utilizar os benefícios do capital social,
proliferando relações horizontais de confiança mútua, redes de cooperação, associativismo e
voluntarismo. Desta maneira, o capital social tem sido um instrumento eficiente para se contrapor à
hegemonia da política econômica e, aos poucos, indicar novas relações sociais que direcionam para
um novo modo de agir, mais solidário e participativo, fortalecendo a sociedade civil e o processo
democrático.

Ao mesmo tempo em que se constata uma desilusão com o desempenho da democracia,


bem como um elevado descrédito e desconfiança dos cidadãos frente ao desempenho dos
governantes e instituições políticas, nada melhor que, através do capital social, se possa pensar
estratégias que recuperem a credibilidade das instituições frente às demandas e exigências dos
cidadãos contribuintes. Neste sentido, há uma conclusão geral, aceita no meio acadêmico, de que a
consolidação e solidez da democracia de um país dependem de uma sociedade civil dinâmica e
participativa, orientada para a valorização das normas democráticas, baseada na ética, na moral e
nos costumes. Como afirma Baquero (2003), o capital social, frente à crise por que passam as
instituições democráticas, surge como um bem público capaz de gerar um novo contrato social,
baseado na cooperação recíproca, solidária e coletiva.

O debate em torno do capital social não é propriamente novo nas Ciências Sociais.
Teóricos, como Adam Smith, Tocqueville e Coleman, já haviam sugerido que, quanto maior a
participação dos indivíduos em associações comunitárias, com a valorização das normas e regras
democráticas, maior seria a contribuição positiva para o funcionamento e consolidação da
democracia. No entanto, é com a obra Making democracy work: civic traditions in Modern Italy
(1993), de autoria do cientista político norte-americano Robert Putnam, que o conceito ganha
notoriedade no meio acadêmico. Putnam investigou, por mais de 20 anos, as instituições públicas e a
diferença do funcionamento do sistema democrático italiano. Os resultados evidenciaram que, em
algumas regiões (Norte), foi possível o bom funcionamento da democracia; em outras (Sul), não se
evidenciou o mesmo sucesso.

Por fim, é importante mencionar que, nos últimos anos, a temática do capital social tem
evoluído para um nível de acalorados debates entre os teóricos das Ciências Sociais: alguns o têm
utilizado como instrumento para suas pesquisas, outros se empenham na crítica e na contestação do
178

conceito. O certo é que a análise do capital social continuará sendo, por um bom tempo, uma
inspiração teórica entre os cientistas sociais (para o bem e para o mal).

Este capítulo final faz uma análise crítica da política brasileira. Projetou-se este capítulo
para o fim do livro para que o leitor, acompanhando o quadro político brasileiro, pudesse refletir
como as teorias políticas dos capítulos precedentes podem explicar (se podem?) tal quadro. Depois
de ter lido uma introdução à história do pensamento político, com quais “olhos” o leitor percebe a
realidade política brasileira atual. É possível aplicar as teorias vistas para explicar o caso brasileiro?
Ou os pensadores e teorias nada têm de relevante para nossa realidade?
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