Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
85
Terapias alternativas. Alternative therapies Terapias Alternativas.
Fitoterapia. phytoterapy. Fitoterapia.
Enfermagem pediátrica. Pediatric nursing. Enfermería Pediatríca.
Rev Esc Enferm USP
2003; 37(4):85-91.
INTRODUÇÃO gestantes-mães, já tinham utilizado a
Andréa Regiani Alves
Maria Júlia Paes da Silva fitoterapia para diversos males, incluindo ten-
Fitoterapia consiste no uso interno ou tativas de aborto (com sucesso ou não). Ou-
externo de vegetais “in natura” ou sob a for- tras, porém, conheciam, mas não utilizavam,
ma de medicamentos no tratamento de doen- por não acreditarem ou por não encontrarem
ças (1-9). Para Hipócrates a saúde significa a as plantas de que necessitavam (8).
harmonia do homem com a natureza, o equilí-
Outra pesquisa verificou a utilização de
brio entre os diversos componentes do orga-
terapias alternativas por enfermeiros brasi-
nismo entre si e o meio ambiente. Saúde e
leiros e procurou descobrir o como, o por quê
doença dependem da interação da mente com
e o quê os enfermeiros utilizavam ou indica-
o corpo e do homem com o meio em que
vam aos seus pacientes. A pesquisadora uti-
vive(10).
lizou uma abordagem qualitativa, tipo estudo
Vestígios geológicos evidenciam que a de casos e a coleta de dados partiu do dis-
utilização de plantas como meio de tratamen- curso dos profissionais entrevistados. Os
to pelo homem remontam mais de cinco mil resultados apontaram que os enfermeiros uti-
anos. Uma vez que os animais silvestres rara- lizavam, cada vez mais, métodos alternativos
mente se enganam na capacidade de distin- no cuidado de pacientes. Destes, 12,5%, uti-
guir as plantas de espécies alimentares das lizavam a fitoterapia como pratica alternativa,
tóxicas, acredita-se que a observação do com- e a justificativa era a falta de credibilidade em
portamento dos animais contribuiu para que recursos alopatas e a vontade de facilitar o
o homem pré-histórico descobrisse as pro- cuidado e a manutenção da saúde de seus
priedades curativas das plantas. O homem pacientes por um preço acessível a todos (11).
então, imitando os animais, aprendeu desde
No estado do Piauí, realizou-se um traba-
cedo o valor curativo das plantas, perceben-
lho com mulheres - mães de crianças até cin-
do que algumas eram terapêuticas e outras
co anos para comparar saberes científicos e
venenosas (8).
populares no uso de plantas medicinais em
No Brasil, o emprego de ervas medicinais condições de saúde-doença (5). Essas mães
era prática indígena, que somado a outras tinham pouco contato com médicos, mas
práticas trazidas por escravos africanos e muito contato com farmácias vivas, criadas
pelos portugueses, geraram uma rica cultura pela Universidade Federal do Ceará, a fim de
popular (8). viabilizar a utilização de plantas medicinais
àqueles que não tinham acesso a alopatia.
Com o advento da medicina alopata esse
método de cura foi deixado de lado até que, A pesquisadora apresentava às mães o
devido aos efeitos colaterais ou devido ao desenho de uma árvore onde as mulheres
alto custo dos medicamentos, a fitoterapia foi colocavam a parte que era utilizada da planta,
novamente colocada em destaque (11). Vale e o desenho de um corpo para descobrir onde
lembrar que, apesar de ser um método barato eram utilizadas nas crianças. Complementava
e não-agressivo, pode causar efeitos informações a essas mães, com o seu saber
colaterais quando utilizada de forma incorre- científico, o que caracterizou uma verdadeira
ta, como relatam enfermeiras de Pronto So- troca de experiências. Ressaltou-se que a uti-
corros que encontraram pacientes intoxica- lização das plantas medicinais como integran-
dos ou com crise de hipertensão, quando mis- te dos programas de atenção básica em saú-
turaram, por exemplo, ephedra e cafeína (7). de pode ser uma alternativa terapêutica, por-
Para evitar esses efeitos e a utilização errada que tem baixo custo, havendo uma facilidade
das plantas, muitas pesquisas científicas vêm na aquisição e uma compatibilidade com a
sendo feitas a fim de alertar e indicar o uso cultura da população atendida (5).
correto de determinadas plantas (3-9,12).
A Organização Mundial da Saúde – OMS -
Já na década de 80, tiveram início pesqui- tem, desde 1976, como objetivos de seus pro-
sas para verificar o uso de terapias alternati- gramas de promoção de terapias alternativas,
vas de gestantes e mães em Centros de Saú- a consideração da chamada medicina tradici-
86
Rev Esc Enferm USP
de na cidade de São Paulo. Investigou-se
sobre como eram utilizadas e sobre como eram
obtidos os conhecimentos sobre as plantas
onal, a difusão de praticas úteis e eficazes e a
integração dos conhecimentos e das técni-
cas da medicina ocidental nos sistemas de
2003; 37(4): 85-91. medicinais. Constatou-se, que 84,6% das medicina tradicional (13-15). Em 1978, na Con-
ferência de Alma-Ata, a OMS recomendou OBJETIVOS DO TRABALHO
O uso da fitoterapia no
formalmente o estabelecimento de políticas cuidado de crianças com
nacionais de saúde baseadas na utilização até cinco anos em áreas
• Verificar a utilização da fitoterapia em central e periférica da
dos recursos da medicina tradicional pelos crianças que freqüentam Centros de Saúde cidade de São Paulo
sistemas nacionais de prestação de serviços na cidade de São Paulo;
de saúde (13).
• Comparar os dados encontrados em um
No Brasil, em 1986, no Relatório Final da centro de saúde da área central com um Cen-
VIII Conferência Nacional de Saúde, apare- tro de Saúde da periferia da cidade, quanto à
ce pela primeira vez, em documento oficial, a utilização da fitoterapia em crianças.
proposta de introdução de práticas alterna-
tivas de assistência à saúde, no âmbito de METODOLOGIA
serviços de saúde, possibilitando ao usuá-
rio o direito democrático de escolher a tera-
pêutica preferida e a inclusão no currículo
• Tipo de estudo: o estudo desenvolvido
nesta pesquisa foi exploratório, descritivo e
de ensino em saúde do conhecimento de
de campo.
praticas alternativas (2).
• Local de estudo: o Centro de Saúde Paula
Em 1995, o Conselho Federal de Enfer-
Souza (região central) e o Centro de Saúde Dr.
magem - COFEN - aprovou o parecer 004/95,
José Pires, Engenheiro Goulart (região leste).
que trata das atividades em terapias alterna-
tivas, fundamentando-se na visão holística • Amostra do estudo: mães de crianças com
de totalidade o ser humano. Esse parecer é até cinco anos de idade que freqüentaram os 2
favorável às Praticas de Terapias Naturais Centros de Saúde e que aceitaram participar
de Saúde por profissionais de Enfermagem, do estudo no mês de dezembro de 2001. O to-
desde que estes possuam a comprovação tal da amostra equivale a 30% das mães que
de formação básica em tais terapias, pro- freqüentaram os Centros de Saúde durante o
porcionando o desempenho seguro para si mês, totalizando 60 mães em cada um dos Cen-
e para o cliente (16). tros de Saúde. A amostra foi aleatória.
A Secretaria Municipal de Saúde de São • Procedimentos de coleta dos dados:
Paulo afirmou que pretendia implantar, até o 1º) O projeto foi aprovado pelo Comitê de Éti-
final de 2001, a prática da medicina tradicio- ca e Pesquisa da Escola de Enfermagem da
nal chinesa na rede estadual de atendimento. Universidade de São Paulo, no mês de outu-
A proposta é criar centros para capacitação bro de 2001; 2º) Foi pedida a autorização à
de funcionários interessados em trabalhar chefia dos dois centros de saúde e, após apro-
com tais práticas. Para isso, continua sendo vação, foi solicitada a participação das mães
feito um levantamento na própria rede, para que freqüentaram os Centros de Saúde, atra-
identificar os profissionais já habilitados que vés de assinatura do Termo de Consentimen-
constituirão a equipe de capacitação (6). to Livre e Esclarecido, onde constavam os
objetivos da pesquisa, deixando claro sua li-
Tendo como senso comum que a periferia berdade de participação, seguindo as normas
é menos atendida alopaticamente, seja por da Resolução 196/96 do Ministério da Saúde;
dificuldade de acesso aos Centros de Saúde 3º) As mães foram entrevistadas individual-
ou por falta de recursos para iniciar um trata- mente, usando-se um roteiro onde foi verifi-
mento, e que por isso se utiliza de espaços cado o uso da fitoterapia como prática no
existentes no quintal da própria casa para o cuidado de crianças até cinco anos, qual plan-
cultivo de plantas medicinais para o tratamen- ta era utilizada, como teve acesso a esse co-
to de doenças, essa pesquisa procurou com- nhecimento, a forma de utilização e o efeito
parar a utilização de plantas no cuidar de cri- conseguido (Anexo).
anças com até cinco anos em regiões central
e periférica da cidade de São Paulo, bem como • Tratamento dos dados: Os dados
verificar o que vem sendo mais usualmente coletados foram trabalhados quantitati-
87
utilizado por mães, nos seus filhos. vamente através de freqüência e porcentagem.
79 (66%)
1%
3% 6% 1% 1%
13% 32%
6%
2% 9%
26%
Alecrim Alho Camomila
Erva Cidreira Erva doce Funcho
88
Rev Esc Enferm USP
Guaco
Outros
Hortelã
Poejo
Limão
Figura 2 - Plantas mais utilizadas em crianças com até cinco anos em dois
2003; 37(4): 85-91. Centros de Saúde da rede pública na cidade de São Paulo(São Paulo, 2001)
Foram, em primeiro lugar, citadas a ele deve saber sobre seu uso, suas contra-
O uso da fitoterapia no
camomila em ambas as instituições (30% na A indicações e o modo de preparo. cuidado de crianças com
e 33% na B); em segundo a erva-doce com até cinco anos em áreas
central e periférica da
28% na instituição A e 22% na instituição B; Nos primeiros quatro meses de vida, o intes- cidade de São Paulo
em terceiro aparece a Hortelã com 12% na ins- tino não desenvolveu mecanismos de defesa
tituição A e 13% na instituição B. A camomila que lhe permitam lidar com proteínas estranhas
e a erva-doce são utilizadas para alívio da có- ou que não sejam do leite humano, o que revela
lica e acalmar as crianças e a hortelã para ali- que nesta idade é mais comum realmente os ca-
viar sintomas de gripe. sos de cólica. Sabemos também que a rotina do
sono da criança varia com as suas etapas
Buscando o componente ativo dessas evolutivas, bem como com as necessidades pe-
plantas encontra-se que a camomila tem efei- culiares de cada criança individualmente (4).
to antiinflamatório e calmante, o que é coe- Apesar de não termos coletado a idade exata
rente com o dito pelas mães sobre seu uso; a que as crianças tinham quando tomaram chás,
erva-doce beneficia o trabalho do estômago, as mães afirmavam com freqüência que “toma-
reduzindo a produção de gases e ainda pos- ram muito chá quando eram bebezinhos...”.
sui propriedades expectorantes. A hortelã
tem efeito febrífugo, béquico, expectorante, Em relação ao aprendizado de como e o
antiespas-módico, estimulante digestivo, que usar da planta, 45 (57%) das mães referi-
contribuindo para combater a prisão de ven- ram tê-lo obtido em casa com os pais e avós
tre, o que revela que realmente alivia os sin- (49% na instituição A e 67% na instituição B),
tomas da gripe, além de aliviar as cólicas in- ou seja, é um hábito cultural que tem se manti-
testinais também, como referem as mães en- do através das gerações; em segundo lugar,
trevistadas (7-10,12-15,17). Esta informação do há uma diferença, sendo que na instituição A
que é mais utilizado em crianças pelas entre- (mais central) foi com vizinhos e amigos e na
vistadas nos dois Centros de Saúde, indica instituição B (periférica) o aprendizado ocor-
ao enfermeiro quais as principais plantas que reu junto dos profissionais da área da saúde.
11% 8% 18%
1% 5%
57%
Com profissional da saúde De acordo com crenças ou tradições
Em casa com pais ou avós Em livros ou revistas
Vizinhos, conhecidos, amigos Outros
A figura 3 revela que 18% das mães apren- plasmas, 2 (2%) óleos e os outros 6% de manei-
deram o uso de fitoterapia através dos pro- ra variada. O chá mais utilizado é o de camomila,
fissionais de saúde, o que ao nosso ver, é um feito da flor, mostrando que o conhecimento da
bom sinal, pois inferimos que um profissio- parte da planta a ser utilizada está correto.
nal da saúde ao indicar o uso de uma planta,
deve estar embasado em conhecimentos ci- O modo de obter a planta citada pelas mães
entíficos para fazê-lo, pois ele está no papel foi “em algum tipo de mercado” pela maioria,
de um profissional ao fazer a indicação. 31 (40%) na instituição A e 37 (48%) na insti-
89
tuição B; 14 (18%) mães afirmaram conseguir
O modo de utilizar as plantas citado pelas em casa e 14 (18%) com vizinhos. Esses da-
mães foi semelhante em ambas as instituições: dos nos levam a questionar se essas plantas
55 (70%) chás, 16 (20%) xaropes, 2 (2%) cata- vendidas em mercado são confiáveis, já que Rev Esc Enferm USP
2003; 37(4):85-91.
não existe nenhum controle de qualidade, pois mente a que está indicada no rótulo, se a co-
Andréa Regiani Alves
Maria Júlia Paes da Silva na nossa prática, ao olharmos os saquinhos lheita foi feita adequadamente, e outras ava-
em que são vendidas, não encontramos se- liações importantes para um bom preparo e
los de controle de alguma agência nacional resultado satisfatório do uso.
ou regional incumbida de verificar se o acon- O índice de satisfação com o efeito da
dicionamento é adequado, se a planta é real- planta pode ser visto na figura 4.
13 (16%)
66 (84%)
Surtiram Efeito Não Surtiram Efeito
Figura 4 - Índice de satisfação na utilização da fitoterapia em crianças de até
cinco anos em dois Centros de Saúde da cidade de São Paulo(São Paulo, 2001)
90
Rev Esc Enferm USP
ças, sendo seu conhecimento passado de ge-
ração para geração, independente da própria
indicação que o profissional de saúde faça no
2003; 37(4): 85-91. atendimento da criança.
REFERÊNCIAS
O uso da fitoterapia no
cuidado de crianças com
até cinco anos em áreas
(1) Castellano O. Introdução à fitoterapia. São (9) Nogueira MJC. Fitoterapia: a volta à nature- central e periférica da
Paulo: EDUSP; 1981. za. Enfoque 1984; 12(1):8-11. cidade de São Paulo
(2) Comissão Interministerial de Planejamento e (10) Souza D, Silva MJP. O holismo espiritualista
Coordenação. Resolução nº 8. Implanta a prá- como referencial teórico para o enfermeiro.
tica de fitoterapia nos Serviços Públicos de Rev Esc Enferm USP 1992; 26(2):235-42.
Sáude. Diário Oficial da República Federativa
(11) Barbosa MA. A utilização de terapias alter-
do Brasil, Brasília, 26 jun 1988. Seção 1.
nativas por enfermeiros brasileiros. [tese].
(3) França SC. Plantas contra tuberculose. Pesqui- São Paulo(SP):Escola de Enfermagem da
sa FAPESP 2001; 28(6):40-1. USP; 1994.
(4) Marcondes E. Pediatria básica. 7ª ed. São (12) O’ Neil CK. Herbal medicine getting beyond
Paulo: Savier, 1987. the hype. Nurs 1999; 29(4): 58-61.
(5) Medeiros LCM. As plantas medicinais e a en- (13) Organização Mundial da Saúde. Fundo das
fermagem – a arte de assistir, de curar, de cui- Nações Unidas para a Infância. Cuidados pri-
dar e de transformar os saberes.[tese]. Rio de mários da Saude: relatório da Conferência In-
Janeiro (RJ): Escola de Enfermagem Anna Néri/ ternacional sobre cuidados primários de Saú-
UFRJ; 2001. de. Alma. Ata, URSS, 6-12 de set 1978.
Brasília: UNICEF, 1979.
(6) São Paulo (cidade). Comunicado da Secretaria
Municipal da Saúde 001/2001. Diretrizes ge- (14) Pivetta M. Fitoterápicos, as lições de Krahô.
rais para Secretaria Municipal da Saúde sobre Pesquisa FAPESP 2001; (70):40-5.
Medicina Tradicional Chinesa: documento 1.
(15) Seravalle L. Introdução à discussão sobre o
Diário Oficial do Município. São Paulo, 25 jan
ensino de práticas alternativas em saúde. Saú-
2001.p.10-12.
de Debate 1996; 51:82-8.
(7) Moss TM. Herbal medicine in the emergency
(16) Atividades em terapias alternativas. Bol Inf
department: a primer for toxicities and
COREN 1995; 18(4).
treatment. J Emerg Nurs 1998;24(6):509-13.
(17) Vidigal M. Terapias alternativas: receitas na-
(8) Nogueira MJC. Fitoterapia popular e enfer-
turais para manter o corpo saudável e boni-
magem comunitária. [tese]. São Paulo (SP):
to. São Paulo: Europa; 1999.
Escola de Enfermagem da USP; 1983.
91
( ) comprados em algum tipo de mercado ( ) vendedor de rua ( ) outros,
6. Essas plantas surtiram o efeito desejado ?
( ) sim ( ) não , porque: Rev Esc Enferm USP
2003; 37(4):85-91.