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Ana Sofia Carrilho

DIREITO PENAL II
Apontamentos
Teoria da Infracção
Nota: estes apontamentos estão feitos, essencialmente, com base nas aulas práticas leccionadas pela Prof. Dra. Helena
Morão, materiais por ela fornecidos e complementados com o Manual da professora Maria Fernanda Palma e professor
Figueiredo Dias.
Abreviaturas:
FD – Prof. Figueiredo Dias
FP – Prof. Maria Fernanda Palma
HM – Prof. Helena Morão
TC – Prof. Taipa de Carvalho

 O CRIME É UM FACTO TÍPICO, ILÍCITO, CULPOSO E PUNÍVEL

ACÇÃO

FD: defende que o momento da acção não é relevante e consequentemente, este problema
deverá tratar-se na tipicidade.

FP: interessa discutir o momento da acção de forma autónoma, antes de discutir a tipicidade. Se
a acção não for penalmente relevante nem sequer pode ser tipificada.

- Para verificar se a acção é penalmente relevante tem que se ter em conta que tenha
havido um COMPORTAMENTO HUMANO E VOLUNTÁRIO.

Excluem-se pensamentos, Existe intenção de praticar o


Humano porque o Dto Penal
vontades (coisas comportamento, e o agente
foi pensado para os homens
interiores), porque estes tinha a possibilidade de adoptar
e não para animais ou
por si só não colocam em ou não aquela conduta
acontecimentos naturais.
perigo bens jurídicos. (fundamenta-se no p. da culpa e
no p. da necessidade da pena).

CATEGORIAS DE COMPORTAMENTOS (voluntários ≠ não voluntários)

 Actos praticados sob coacção: só se considera que o comportamento seja involuntário


quando haja coacção física. Quando existe coacção moral, há voluntariedade de
comportamento, embora a vontade esteja condicionada, ou seja, nos casos de coacção
psicológica/moral é necessário fazer uma análise mais detalhada e avançar nas etapas de
análise.
 Acções passionais: são claramente actos voluntários, é verdade que a lei atenua as
penas neste tipo de crimes, mas não deixam de ser comportamentos voluntários (ex: A
mata B por ciúmes)
 Acções praticadas em estado de inconsciência: verifica-se nos casos de embriaguez
letárgica (o chamado coma alcoólico, quando o embriagado já não tem controlo nenhum
sobre si por estar literalmente inconsciente), sonambulismo, hipnose, perdas de
consciência, ataques de epilepsia. (análise mais detalhada em seguida)

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 Acção ou omissão livre da causa: exemplo do motorista que não respeita as horas de
descanso e adormece causando um acidente. Embora esteja num estado de
inconsciência aquando do acidente, esse estado de inconsciência é-lhe imputável por
não respeitar o período de descanso.

SONÂMBULISMO

Maioria doutrinária: aponta a sonambulismo como sendo um acto involuntário.


FP: defende que em certos casos pode haver voluntariedade.

HIPNOSE

ROXIN: defende que há voluntariedade (justificada pela barreira do carácter) pois só as


pessoas capazes de adoptar certo comportamento em estado de consciência é que conseguirão
fazê-lo sob hipnose.
HM: diz haver sempre acção e voluntariedade, pois está provado cientificamente que os
comportamentos dos agentes sob hipnose nada mais são do reflexos do seu carácter.
FP: defende que não há voluntariedade.

ACTOS REFLEXOS: são involuntários e incontroláveis. É o sistema


Actos nervoso periférico que controla o movimento, a acção.
Inconscientes
AUTOMATISMOS: são acções que praticamos habitualmente mas
inconscientemente (ex: conduzir, andar, escrever, etc.). Aqui o
movimento, acção, é controlado pelo sistema nervoso central.

ROXIN: pega no elemento biológico para criar um critério normativo. Segundo ele, o
automatismo é a manifestação da personalidade de cada agente e, sendo assim, o
comportamento é penalmente relevante. (ex: está um grupo de turistas no castelo de S. Jorge, há uma derrocada e A
ao cair agarra o B que acaba por cair também. Para Roxin esta é uma manifestação da personalidade do A) HM concorda.

JACOBS: critica bastante a visão de Roxin. Jacobs é um preventista de prevenção geral. Pode
haver acções instintivas que possam não ser um comportamento penalmente relevante. Para o
autor o agente pode não ter tempo de reagir da forma que lhe é exigida pelo direito. Tem que se
fazer uma análise, caso a caso, verificando se o agente teve tempo de conhecer o perigo e se
teve tempo para se motivar pela norma.

FP: aplica o critério da previsibilidade, em relação ao contexto que desencadeia o automatismo.


Se o contexto for previsível o sujeito deve estar preparado para o facto, sendo assim o seu
comportamento penalmente relevante. (ex. de imprevisibilidade: existência de uma cratera numa autoestrada)

TIPICIDADE - OMISSÃO

Existem omissões puras e omissões impuras. Entre elas há um concurso aparente de normas
por subsidiariedade, porque o desvalor (omissão) é comum a ambas as normas.

- as omissões impuras advêm do art.10º CP, sendo uma técnica de tipicidade indirecta.
FD e FP dizem mesmo que sem esta norma não existiriam omissões impuras.

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- as omissões puras estão previstas na parte especial do CP.

Omissões impuras Omissões puras

Norma principal (art.10º CP) Norma subsidiária (parte especial do CP)

Art.10º CP + Parte Especial (activa) Parte Especial (omissiva)

Posição de garante ________________________________

Crimes de resultado Crimes de mera inactividade

Imputação objectiva entre o resultado ________________________________


e a omissão

POSIÇÃO/DEVER DE GARANTE

Antigamente, aplicavam-se as teorias formais, em que a posição de garante derivava:

 da lei Para além das teorias formais, FD já defendia o


 do contrato ≠ monopólio de meios de salvamento com justificação
 ou da ingerência. da posição de garante.

Actualmente, aplicam-se as teorias materiais/funcionais, que apoiam a convicção de posição


de garante na relação de dependência entre o garante e o garantido. Estas teorias dividem-se em:

 Dever de protecção do bem jurídico (garante de protecção):


o Relações de protecção familiar ou análogas
o Comunidade de risco
o Assunção voluntária e efectiva do bem jurídico

 Deveres de vigilância de fontes de perigo:


o Por parte dos próprios proprietários da fonte de perigo
o Ingerência (ex: quem atropela tem de salvar)
o Fontes de perigo humanas (crianças, subordinados) FD continua a defender a figura do
monopólio de meios de
salvamento e inclui-a nos deveres
de vigilância, mas por maioria de
razão faria mais sentido que esta
figura estivesse configurada nos
deveres de protecção.

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Comunidade de Risco: FP diz que deve haver um dever de auto-responsabilização prévia. O


agente tem de se auto-vincular a ser garante do bem jurídico, pois tem que efectivar algum
comportamento de onde se pode extrair que ele assumiu essa responsabilidade. (ex. C é instrutor de
escalada, e D contrata o C. Sendo C instrutor e aceitando dar aulas a D, está a auto-vincular-se a proteger os bens jurídico de D que
estão susceptíveis de ser lesados pela actividade)

Monopólio de meios de salvamento:


FD: critério da solidariedade do individuo. Justifica-se apenas quanto aos bens
jurídicos mais relevantes (vida, integridade física, etc.), desde que não implique um grande
custo para o agente que tem posição de garante.
FP: defende que deva haver na mesma uma auto-vinculação à protecção do bem
jurídico. Tem de haver um vontade prévia que justifica a responsabilização. ! A prof. FP defende o
critério da auto-vinculação a todos os deveres de protecção. !

Ingerência: fundamenta-se no princípio da liberdade e da igualdade. Se a ingerência é uma


posição de garante, então porque é que está prevista no art. 200º/2 CP?
FD + TC: no estado de necessidade há posição de garante.
FP: a ingerência não tem que ser ilícita.
TC: na legítima defesa a questão da ingerência não se coloca porque o ingerente é o
agressor.
HM: defende que o art.200º/2 não tem aplicabilidade porque há sempre a hipótese de
o agente poder ser responsabilizado por tentativa.

IMPUTABILIDADE OBJECTIVA

TEORIA DO RISCO: é necessário que o agente tenha criado, aumentado ou não diminuído
(este último, quanto à missão) um risco.

 1ª fase – EX ANTE : momento em que o agente actue, aplica-se um juízo de


previsibilidade subjectiva e considera-se se a situação/comportamento costuma ser
perigosa ou não. O risco tem que ser proibido. É o momento em que vemos se há
desvalor objectivo da acção.

 2ª fase – EX POST : concretização do risco no resultado. Se apenas existir desvalor


da acção e não do resultado, o agente apenas poderá ser punido por tentativa. Tem de
haver sempre desvalor do resultado.

Diminuição do risco

ROXIN: havendo diminuição do risco para o bem jurídico devido à conduta do agente, este não
pode ser penalmente responsável. Havendo diminuição do risco já não há desvalor da acção.

PAULO SOUSA MENDES: critica Roxin porque este verifica a diminuição do risco na fase ex
ante, enquanto que Paulo Sousa Mendes apenas o faz na fase ex post, pois na fase ex ante não
deixa de haver um risco proibido.

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CONCRETIZAÇÃO DO RISCO PROIBIDO – CAUSALIDADE

É aqui que a teoria do risco se afasta da teoria da causalidade adequada. Há que saber
quando há risco proibido e permitido.

Actividades arriscadas, mas permitidas, reguladas por um corpo de regras:


 Conduzir é uma actividade arriscada, mas permitida, logo, se o condutor respeitar as
regras de trânsito estará no âmbito do risco permitido.
 Caso das cirurgias, se se verificar o caso previsto no art.150/1 CP há risco permitido.
 As lesões provocadas em competições desportivas, que implicam uma certa violência,
são justificadas se a violência resultar do âmbito das regras do jogo.

- QUANDO NÃO HÁ REGRAS tem que se fazer uma interpretação do caso de acordo com o
conceito material de crime. (ex: A compra uma viagem a B na companhia aérea que tem mais percentagem de acidentes
de aviação, e o avião acaba mesmo por cair, não se poderá imputar objectivamente o resultado, porque não há uma verdadeira
concretização do risco no resultado)

 Nos crimes por acção, a teoria do risco exige sempre um nexo de causalidade
(concretização do risco no resultado). Relaciona-se com a lógica do p. da culpa, ou seja,
que haja uma alternativa causal. A teoria do risco assenta numa causalidade científico-
natural.
 As omissões assentam num juízo hipotético.

CAUSALIDADE ALTERNATIVA: quando há concurso de causas reais, em que estas


concorrem no resultado, mas que qualquer uma delas por si só produziria o resultado. O
resultado é objectivamente imputável a ambos.

CAUSALIDADE CUMULATIVA: cada uma das causas são insuficientes por si só para gerar
o resultado, mas cumulativamente acabam por produzir o resultado. Os agentes são punidos por
tentativa impossível.
A causalidade cumulativa coloca problemas À teoria do risco, quando
a outra causa se podia prever e devia adoptar-se um certo
comportamento.

A doutrina costuma resolver estes casos pelo p. da confiança,


pois o agente que cumpre as regras poderá confiar que os demais
também vão cumprir.

FD: isto tem limites, porque se for claro que o outro agente não vai
cumprir não se pode invocar o princípio da confiança.

INDUBIO PRO REO: quando não se consegue concluir qual o agente que concretizou o
resultado, punem-se os agentes apenas por tentativa.

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ESFERA DE PROTECÇÃO DA NORMA

 Em casos de omissão na esfera de protecção da norma: p.e. o médico que recusa prestar
os deveres de assistência médica a um paciente que entra nas urgências quando ele está
de serviço.
o As omissões não têm relevância na causalidade cientifico-natural, fazendo-se
neste casos um juízo hipotético (10º/1 CP), só a possibilidade de evitar o
resultado é que torna o resultado imputável ao agente.
 No caso do médico, se ele não assiste por estar a atender um outro paciente, o resultado
não lhe é imputável, no entanto, se ele não assiste porque decide ir ver a bola naquele
momento o resultado já lhe é imputável porque uma conduta diferente da sua parte
poderia te evitado o resultado.

- No entanto, nem todos os casos nos permitem ter a certeza se o resultado era ou não evitável:

ROXIN: defende que não é preciso demonstrar que a acção devida seja manifestamente
necessária. Basta demonstrar que a acção teria diminuído o risco no resultado.

FERNANDA PALMA: diz que só podemos imputar objectivamente o resultado a omissões se


se provar que ela tinha evitado, com segurança e certeza, o resultado.

 Argumentos contra ROXIN: legalidade, igualdade (não se pode interpretar requisitos,


como é o caso do indubiu pro reu, de maneira diferente na acção e na omissão) e culpa
(não há certezas, logo, não será correcto censurar sem saber se há necessidade).

 Nem todas as omissões ilícitas interrompem o nexo de causalidade


o Ex: se o A atropela o B e foge, e passado uns minutos passa o C pelo local e
nada faz em relação a B (omissão de auxílio), sendo uma omissão pura não faz
sentido que esta interrompa o nexo de causalidade de um crime de resultado.

COMPORTAMENTO LÍCITO ALTERNATIVO

Causa virtual: é irrelevante. Corresponde normalmente a um facto de terceiro ou a um


acontecimento natural. É um raciocínio que se baseia num acontecimento que existiu mesmo.

Comportamento lícito alternativo: é relevante. É um comportamento que o agente tenha tido,


o que nunca chegou a existir foi o comportamento que o agente deveria ter tido e não teve.

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IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA

- A tipicidade subjectiva é constituída pelo DOLO e pela NEGLIGÊNCIA.

O DOLO tem dois elementos:

 Cognitivo (representação)
 Volitivo (vontade)

TIPOS DE DOLO:

 Dolo directo: caracteriza-se pela vontade livre e consciente do agente; o agente age
daquela maneira porque quer, é aquela a sua intenção. (art.14º/1 CP)
 Dolo necessário: o agente assume a consequência necessária à realização da sua
conduta. (art.14º/2 CP)
 Dolo eventual: ocorre quando o agente, mesmo não querendo efectivamente o resultado,
assume o risco de o produzir. (14º/3 CP)

Os casos de NEGLIGÊNCIA estão previstos no CP, logo, se não houver nenhum caso previsto,
nem se prossegue À análise do art.15º CP (ex: homicídio por negligência).

ERRO

 Erro ignorância: ignora-se o facto de, p.e., ser uma coisa alheia. Neste erro não há
dolo, logo, só nestas situações se aplica a 1ª parte do art. 16º/1 CP.
 Erro suposição: supõem-se que o elemento se verifica, mas afinal de contas não se
verifica. Segue o regime da tentativa impossível (art.23º/3).

ABERRATIO ICTUS

Aqui não há erro ignorância, nem erro suposição, há apenas uma falha na execução.

Limites das “aberratio ictus”: o limite da “Aberratio ictus” acaba quando há dolo em relação a
mais do que uma pessoas.

 Casos em que não há presença do objecto: p.e. A envia uma bomba pelo correio a B,
mas por engano a bomba acaba na caixa de correio de C e é este que morre com a
explosão. – a “aberratio” não resolve de maneira eficaz estes casos, porque neste caso o
agente não poderia ser punido por tentativa em relação a B, porque nem chega a invadir
a esfera jurídica deste.
o FP: resolve este caso através do erro sobre a identidade da pessoa ou sobre o
objecto. Não há razão para excluir o dolo, logo, esta será a melhor opção.

DOLO ALTERNATIVO

Há dolo alternativo quando o agente quer atingir um ou outro objecto, mas ele apenas
quer atingir um deles, não os dois.

FP: faz uma dupla valoração do dolo, violando o p. da culpa, visto que defende haver
concurso efectivo ideal de crime consumado e de tentativa.

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SILVA DIAS: (relativo ao caso 6, em que há um cavalo e um cavaleiro e há dolo


alternativo em relação a ambos) mesmo que o agente acerte no cavalo e não no cavaleiro, este
deverá ser punido pelo crime mais grave que é a tentativa de homicídio.

ERRO SOBRE O PROCESSO CAUSAL

O agente atinge exactamente o objecto que queria mas de maneira diferente daquela que
tinha planeado.

FP: diz que o agente quando coloca em perigo um bem jurídico, deve prever que esse
bem possa ser lesado de outras maneiras supervenientes.

ROXIN: há casos em que o erro sobre o processo causal releva ( como é o caso do caso
7, em que o agente empurra a vítima de uma ponte para que esta morra afogada, mas no entanto,
esta morre porque cai em cima de um barco que ia a passar). O prof. dá um exemplo em que o
erro sobre o processo causal releva: caso em que o A dá a B um medicamento com o intuito de o
deixar infértil, mas no entanto o medicamento não gera infertilidade a B, mas sim cegueira.
Neste caso há um concurso efectivo ideal, uma tentativa à ofensa da integridade física e uma
ofensa à integridade física dolosa consumada.

DOLUS GENERALIS

Existem momentos autónomos e pluralidade de acções.

FINALISTAS: pune-se o agente por um único crime consumado.

WELZEL: teoria da acção final – desde que o agente tenha planificado logo a segunda
acção (para encobrir a primeira), só deverá ser punido por um único crime consumado por haver
unidade de acção, caso contrário não é punido por um único crime consumado, mas sim por
vários crimes. FP concorda.

 A actualidade é característica do dolo !


o WELZEL: no caso do marido que quer matar a mulher dali a 15 minutos, mas
enquanto carrega a arma a mulher entra na sala, a arma cai no chão e dispara
acabando por matar a mulher. Aqui haverá negligência, não há dolo, porque
naquele momento (actualidade) não havia vontade de matar.

DOLO EVENTUAL

FD: basta ver se há um sério risco para o bem jurídico.

FP: ver se há sobrevalorização dos interesses do agente em relação ao bem jurídico da


vítima.
Nota: Estas duas opiniões podem ser ambas conjugadas, para uma resolução menos duvidosa , nestes casos de dolo eventual.

CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO - ILICITUDE

TIPICIDADE: verifica-se se há desvalor da acção e do resultado.



ILICITUDE: verifica-se se o agente actuou ou não com um direito que justifica o seu
comportamento.

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ARTIGO 31º./1 CP – existem causas de exclusão da ilicitude; causas de justificação que


excluem a responsabilidade penal.

É possível aplicar a ANALOGIA às causas de justificação?


SIM, por força do princípio da legalidade, visto que as causas de justificação
excluem a responsabilidade penal do agente e isto traduz-se numa utilização de analogia
favorável.

CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO QUE NÃO ESTÃO EXPRESSAMENTE PREVISTAS NA


LEI (SUPRA-LEGAIS)

DIREITO DE NECESSIDADE DEFENSIVO: o pressuposto base do direito de necessidade é a


existência de um crime actual. Neste caso, do direito de necessidade defensivo, permite-se lesar
bens jurídicos do mesmo nível, desde que verificado o pressuposto da actualidade.
Ex: B, sonâmbulo, levanta-se durante a noite com uma arma na mão e dirige-se ao
quarto de A com essa arma. A assusta-se e temendo pela sua vida acaba por matar o B com uma
pancada na cabeça feita com o candeeiro que se encontrava na sua banca de cabeceira ( aqui há uma
razão de necessidade defensiva, porque A não tinha outra maneira de se defender daquele ataque iminente por parte de B que se
encontrava num estado de inconsciência).

LEGÍTIMA DEFESA PREVENTIVA: em Portugal, apenas a prof. FP defende esta tese. Na


legítima defesa preventiva prescinde-se do pressuposto da actualidade, mas aqui nunca se
podem lesar bens jurídicos fundamentais do agressor.

UNIDADE DO SISTEMA
Há causas de justificação quer no Direito Civil, quer no Direito Penal, embora com
alguns pressupostos diferente. No entanto, um comportamento que não seja justificado no
Direito Civil também não pode ser justificado no Direito Penal, e vice-versa. É uma questão de
unidade do sistema, tal como nos refere o art.31º. CP.

LEGÍTIMA DEFESA
Pressupostos:
- ACTUALIDADE:
 FD – ofensa em curso ou iminente.
 FP + TC – afere-se pelo art.22º./2 CP, tendo de se encaixar em alguma das alíneas.
- PROPORCIONALIDADE:

 FD – defende que a legítima defesa se rege por limites ético-sociais, e não pelo
pressuposto da proporcionalidade.
o Caso em que o agressor é inimputável (desprovido de culpa) e nos casos de
simples provocação.
Casos em que FD diz
o Situações de crassa desproporcionalidade (em causa, bens jurídicos de valor
não se poder recorrer
diferente).
à legítima defesa
o Agressores em relação aos quais haja posição de garante.
o Agentes de segurança pública nunca exercem um direito de legítima defesa.

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 FP + TC – defendem a existência de uma proporcionalidade qualitativa: decorre do


princípio da dignidade da pessoa humana, que se subdivide nos princípios da
insusceptibilidade da agressão e da igualdade de protecção de bens jurídicos. Só se pode
lesar bens fundamentais do agressor para defender bens da mesma ordem de valor.

Nota importante: na legítima defesa actua-se SEMPRE contra o AGRESSOR, não contra
terceiro (se não, nem seria um caso de legítima defesa, pois só há necessidade de defesa em
relação ao agressor).

O QUE ACONTECE QUANDO UM AGENTE PENSA ESTAR A ACTUAR EM


LEGÍTIMA DEFESA E NÃO O ESTÁ, PORQUE A AGRESSÃO DE QUE É ALVO É
LÍCITA?
Este é um caso em que o agente está erro sobre os pressupostos da legítima defesa, por
achar que está a ser alvo de uma agressão ilícita quando ela de facto é lícita. A sede legal deste
erro está no art.16º./2 CP.

 Teoria dos elementos negativos do tipo: defende que o erro recai sobre o tipo,
excluindo o dolo tipo, o que faz com que o agente apenas possa vir a ser punido por
negligência.
 Welzel: diz que não faz sentido haver exclusão do dolo, porque matar uma mosca não é
a mesma coisa que matar uma pessoa, quanto muito exclui-se a culpa, não o dolo. Esta
teoria é completamente afastada pelo art.16º./2 CP.
 Artigo 16º./2 CP: aproxima-se da teoria dos elementos negativos do tipo, mas difere
desta porque esta exclui o dolo do tipo e o 16º./2 exclui o dolo da culpa.

FD – o dolo da culpa exclui-se porque apesar de o agente actuar


dolosamente, tipicamente ele não atinge o grau de culpa que
normalmente se verifica nestes casos de dolo.

Só se os elementos objectivos estiverem verificados é que se verifica uma causa de


exclusão da ilicitude. Caso não se verifiquem estes elementos objectivos, há um caso de erro do
16º./2 CP.

CUMULAÇÃO DE ERRO COM EXCESSO ( FP + TC )

Caso em que não há excesso: se o A tem 1,90m, pesa 120kg e agride o B que tem 1,50m e pesa
50 kg, não há excesso se o B se defender da agressão do A com uma navalha.

 Existe excesso consciente e inconsciente.


Há erro sobre a necessidade do
meio (art. 16º/2 e 3 CP). Ex: o A no
Não há erro sobre a escuro pensa que B, que o vai atacar, tem um
grande “caparro”, mas afinal ele é um
necessidade do meio (aplica-se
“lingrinhas”, mas o A defende-se com um
analogicamente o art.33º. CP) golpe de navalha.

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 Razões censuráveis: art. 33º./1 CP


 Razões incensuráveis: art.33º./2 CP (FP – 33º./2 + 16º./3)

FP – aplica-se analogicamente o art.33º. CP nos casos de excesso extensivo (ou seja que
prescinde já da actualidade) e nos casos de proporcionalidade qualitativa.

CONFLITO DE DEVERES (motivações)

Casos em que há um impossibilidade fáctica de ser exigível a realização simultânea de dois


deveres de igual valor. Como o próprio Direito não pode dar a indicação ao agente sobre qual o
dever que deve cumprir, a decisão caberá no espaço de livre decisão do agente. A única
exigência que o Direito faz é que o agente cumpra um dos deveres em conflito, não podendo
optar por não cumprir nenhum.

Exemplos:

1. Tenho duas pessoas na mesma situação de morte iminente, escolho salvar o meu amigo
e não o desconhecido.
2. Ambos na mesma situação, decido salvar um francês em vez de um muçulmano porque
sou racista.
Não é por a motivação ser racista que eu vou conseguir salvar os dois, pois eu
só posso salvar um. Quando as pessoas estão ao mesmo nível eu sou livre de
fazer a escolha que quiser para salvar uma delas, porque só uma pode ser salva e
há um conflito de deveres – MOTIVAÇÕES LÍCITAS.
3. Um médico salva a vida de um idoso em vez da vida de uma criança (ambas são vidas
humanas, e ambas valem o mesmo).
4. Há um incêndio numa casa onde está uma pessoa e na casa ao lado há outro incêndio
onde estão cinco pessoas, o bombeiro decide salvar a casa onde estava apenas uma
pessoa (cinco vidas não valem mais do que uma, valem o mesmo).
5. Há dois pacientes vítimas do mesmo acidente, no entanto, há um que chega primeiro ao
hospital e é ligado à única máquina disponível, o outro chega cinco minutos depois,
igualmente em estado grave. Pode o médico abdicar do tratamento do primeiro para
salvar o segundo, ligando a máquina a este?

Há conflito de deveres de acção e de omissão. O médico tem o dever de não


interferir no processo de salvamento. Se ele desligar a máquina do primeiro
paciente está a praticar um homicídio por acção, se não ligar o segundo paciente
à máquina está a cometer um homicídio por omissão. A jurisprudência tem
defendido que prevalece o dever de omitir, não podendo o médico desligar a
máquina do primeiro para salvar o segundo.

CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO – ELEMENTO COGNITIVO/SUBJECTIVO

É necessário que o agente saiba que vai ser vítima de um crime, a falta de
conhecimento/consciência afasta a legítima defesa.
No art. 32º. Não está presente nenhum elemento subjectivo, no entanto, considera-se
que está implícito nas causas de justificação e na caracterização da acção.
Se este elemento faltar o facto (a defesa) é ilícito. Artigo 38º./4 CP : regula-se a falta de
elemento subjectivo através da aplicação analógica deste artigo.

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Os estados de inconsciência (embriaguez, efeito de drogas, etc.) não justificam a


utilização da legítima defesa como causa de exclusão da ilicitude.

PARTICIPAÇÃO NA AUTO-COLOCAÇÃO EM RISCO / HETERO-COLOCAÇÃO


EM RISCO CONSENTIDA
O Código Penal não prevê casos de auto-lesões, sendo estas normalmente atípicas
(salvo o caso do art. 135º. CP). Se estas são normalmente atípicas, a hetero-colocação em risco
consentida também o será, desde que se tenha perfeita noção dos riscos que se corre. Aqui não
há consentimento, há apenas uma sujeição ao risco.
Ex: A vai conduzir em contra mão para a ponte Vasco da Gama e B vai com ele.

CULPA

Causas de exclusão em sentido amplo:


 Imputabilidade
 Consciência da ilicitude

Causas de exclusão em sentido estrito:


 Estado de necessidade desculpante
 Excesso de legítima defesa não censurável
 Exclusão do dolo da culpa

FP: o fundamento da culpa é a vontade, defende uma ideia de culpa pela vontade porque o
agente é culpado por fazer a escolha da acção.

FD: adopta o critério da culpa pela personalidade. A culpa não é só aquilo que fazemos, é
aquilo que somos.

Critérios de censurabilidade

FP: tende às particularidades do caso concreto. As emoções não são apenas forças que nos
condicionam, pois podem ser educadas. As próprias emoções exprimem valores , logo estas
podem ser valoradas positivamente ou negativamente. Tem de se analisar a estrutura emocional
do agente. Importa a qualidade ética da emoção.
 Admite a aplicação analógica de causas de exclusão da culpa. P.e. mãe que tem dois
filhos a morrer nos seus braços, mas esta não consegue escolher nenhum dos dois então
deixa que ambos morram – CONFLITO DE DEVERES DESCULPANTE no fundo não seria
justo não desculpar o acto desta mãe, porque ela cometeu uma acção que acaba por ter relevância para o Direito que foi a igua ldade

(direito reconhecido constitucionalmente) entre os dois filhos, não se exige a uma mãe que tenha de escolher entre um dos filhos.

o Caso Kimura: caso de uma mãe japonesa que vivia nos EUA com a sua família,
e após saber que o marido a traía tentou suicidar-se com os dois filhos, só que
ela sobreviveu e os dois filhos morreram. A verdade é que Kimura só falava
japonês e só tinha convivência com pessoas da sua cultura, e visto que na sua
cultura a infidelidade do marido significava que a mulher falhara e reproduzia-
se numa vergonha, sendo que no Japão em que os filhos são vistos como uma
extensão da mãe, esta mãe matou os filhos para os salvaguardar da vergonha
que iria provir. (este caso gera alguma controvérsia, porque coloca-se em causa

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até que ponto a cultura do agente, sendo que este vivia nos EUA, poderia
predominar).
FD: critério do homem médio, do homem fiel ao Direito, o que este faria em determinada
situação.

FALTA DE CONSIÊNCIA DA ILICITUDE - Art 17º ≠ Art. 16º/1, 2ª parte

Quando existe falta de consciência da ilicitude é necessário saber qual o artigo a aplicar.
Enquanto o art16ª/1, 2ª parte fala de uma consciência razoavelmente indispensável, por
interpretação a contrario o art. 17º fala de uma consciência razoavelmente dispensável.

FD: há crimes que são axiologicamente relevantes, ou seja que todo o homem médio sabe que é
crime (ex: homicídio, furto, ofensa à integridade física, corrupção).
 Por isso o artigo 17º aplica-se quando se tratem de comportamentos axiologicamente
relevantes.

Exemplo:
A começa a trabalhar numa empresa como secretária, passados 15 dias, A entra na sala
de reuniões para distribuir os cafés que lhe hão sido pedidos e houve algo sobre o lançamento de
uma OPA. A quando chega a casa e pergunta ao seu filho, dono de uma empresa, o que era uma
OPA, visto que ela tinha ouvido que a empresa na qual trabalha iria lançar uma. O filho de A
não perdeu tempo e mandou investir. A acabou por dar informação privilegiada a um investidor
sem se aperceber.
FD: aqui basta o dolo para que a pessoa se possa confrontar com o facto do seu
comportamento ser lícito ou ilícito. Diz que neste caso o comportamento não é axiologicamente
relevante, mas axiologicamente neutral, por isso não é um caso do 17º, mas sim um caso do
16º/1, 2ª parte, porque o agente não tinha que saber desta proibição. O conceito de dolo não é só
o conhecimento dos elementos do tipo de crime, mas também ter conhecimento das proibições.

 Pelo art. 16º/1, 2ª parte (comportamento axiologicamente neutral) exclui-se o dolo


(tipo) e pode ser-se punido por negligência caso esta esteja prevista.
 Pelo art. 17º (comportamento axiologicamente relevante) pode ser-se punido por crime
doloso.

JOSÉ ANTÓNIO VELOSO: o campo de aplicação do art. 16º/1, 2ª parte não deve caber nos
casos dos agentes de sector (aquele que exerce uma actividade num sector de uma forma estável
e tem um maior de ver de informação).

FP: concretiza a ideia do prof. José António Veloso, recorrendo ao caso concreto, pois a ideia
do professor, em certos casos, poderia ter dificuldade de aplicação, como é o caso da secretária
que trabalha no sector há 15 dias.
Para os sectores, existem três critérios:
 Experiência profissional
 Evidência das normas violadas
 Perigosidade da conduta do agente

Nota: pela ideia dos critérios dos sectores, a secretária, a ser punida, seria punida por
negligência, por força do art. 16º/1, 2ª parte.

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 A ilicitude é um acto praticado contrário ao Direito, logo, a consciência da ilicitude


verifica-se quando o agente sabe que está a praticar um comportamento contrário ao
Direito.

Censurabilidade no art. 17º - FD: critério da rectitude da consciência errónea, ou seja, ele está
em erro, mas a sua acção é recta. Três requisitos:
 Incriminação controversa, estão em jogo dois valores jurídicos, em que a ordem jurídica
deu prevalência a um quando podia dar a outro (ex: aborto)
 É necessário que o agente realize o outro valor.
 É necessário que o agente actue motivado pela razão do comportamento.

LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA

FD: a liberdade de consciência nuca permite excluir a tipicidade e a ilicitude penal.

 Um facto praticado pela nossa própria liberdade de consciência pode ser típico?
o P.e. as injúrias ao PR, se considerarmos que cabe dentro do nosso direito à
política, sim, mas se não, não será típico nem ilicitude, porque está na nossa
esfera de liberdade de consciência.

FACTO DE CONSCIÊNCIA: facto praticado ao abrigo da liberdade de consciência,


constitucionalmente protegida. Nestes casos há exclusão da tipicidade e da ilicitude.

CRIME DE CONVICÇÃO: o facto praticado encontra-se já fora do âmbito da liberdade de


consciência. Estes factos são já típicos e ilícitos.

Decisão de consciência

AUGUSTO SILVA DIAS assenta a sua teoria sobre a decisão de consciência no imperativo
categórico de Kant, na ideia de universalidade, traduzindo-se a decisão de consciência no
comportamento que o agente adopta no campo da sua liberdade de consciência que não ofende
outrem.

EXEMPLOS:
 1. O agente é chamado para ir à tropa, fazer o serviço obrigatório, mas ele é pacifista,
enquanto tal deveria ter-se pronunciado a cerca disso no prazo fixado, mas não o fez.
No entanto, o agente não compareceu, mas não poderia ser punido por deserção, porque
o seu comportamento é universalizável, se ninguém fizer serviço militar não há guerra.
Havendo alternativas para exercer a objecção de consciência, que era o caso,
assegura-se a liberdade de consciência.
 2. Pai e mãe apresentam-se com o filho doente no hospital, que precisa ser operado e
levar uma transfusão de sangue, visto que os pais são testemunhas de Jeová não
autorizaram a transfusão. Podiam os pais ser punidos por homicídio? Não, porque o
médico não deixa de operar uma criança só porque os pais não autorizam, há vários
meios para suprir a falta de autorização.
 3. Marido e mulher estão em casa, a mulher sente-se mal e precisa necessariamente de
uma transfusão de sangue, mas visto que ela era Jeová, o marido respeitou a suas

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crenças e não a levou ao hospital, acabando a mulher por morrer. Pode o marido ser
punido por homicídio por omissão? Não. O tratamento médico só é legítimo quando o
paciente quer. O paciente tem o direito de não ser tratado, Costa Andrade, entre outros,
diz mesmo que nestes casos o médico deixa de ter posição de garante. Se o médico
tratar sem autorização, comete um crime (156º).
 4. A mulher precisa de levar uma transfusão de sangue, mas como o marido é Jeová,
não a leva ao hospital. Aqui existe um crime por convicção. AUGUSTO SILVA DIAS
recorre à desculpa por haver violação do p. da dignidade da pessoa humana. FD aplica
tudo ao art.17º (faz mais sentido a ideia de A. S. DIAS).

EXEMPLO/ESQUEMA: A, casado com B, tem por hábito embriagar-se quando vê os jogos


de futebol da sua equipa favorita, mas A embriaga-se sempre de forma extrema, de forma a ficar
inimputável, e nesse estado costuma fazer várias “besteiras” inclusive bater na sua mulher, B.
Ontem era a grande final do campeonato, a equipa favorita de A estava a jogar e A decidiu que
não ia beber para evitar bater na mulher, que coitadinha não merecia. Mas a sua equipa estava a
jogar tão mal que o A teve de afogar as suas mágoas no álcool e voltou a bater na mulher
quando chegou a casa.
Há crime de ofensa à integridade física imputável a A?
 Há uma acção penalmente relevante.
 Tipicidade objectiva: há desvalor da acção e concretização do risco no resultado.
 Tipicidade subjectiva: há dolo eventual.
 Causas de justificação: não existem.
 Culpa: o art.20º/4 permite considerar imputável um inimputável, no entanto, só nos
casos de dolo directo (FP) ou ainda de dolo necessário (FD, mas não faz muito sentido).
Deste artigo nunca deriva o dolo eventual, isso é unânime, logo o agente seria
considerado inimputável, não podendo ser punido pelo crime de ofensa à integridade
física (art. 20º/1 + 143º).
Pode responder pelo crime de embriaguez (295º)?
 Acção penalmente relevante
 Tip. Obj: verificada
 Tip. Subj: verificada
 Causa de justificação: não existem.
 Culpa: existe culpa, porque no crime de embriaguez ele já é imputável.

PUNIBILIDADE

TENTATIVA

A tentativa assenta no critério da ingerência e é verificada na perspectiva “ex ante”. Há


tentativa (actos de execução) quando o agente interfere na esfera jurídica de outrem.

A tentativa verifica-se quando começa a ilicitude, é neste limiar que pode haver
flagrante delito.

ROXIN: defende que há dois critérios cumulativos da tentativa: a ingerência e uma estrita
conexão temporal entre o acto e a tentativa (não fará muito sentido, porque há casos em que não

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há conexão temporal entre o acto e a tentativa e, no entanto, faz todo o sentido punir o crime
tentado)

FP: basta o critério da ingerência.

ACTOS PREPARATÓRIOS: não são puníveis (salvo disposição em contrário), porque não
chega a haver uma interferência na esfera jurídica de terceiro.

ACTOS DE EXECUÇÃO: são puníveis porque já existe uma interferência na esfera jurídica
de terceiro.

ARTIGO 22º/2

 Alínea a) – serve para crimes de forma vinculada (p.e. roubo, assenta sempre na
subtracção de património alheio; furto; burla) – aqui a tentativa pode estar acabada ou
inacabada.
 Alínea b) – serve para os crimes de forma livre, que podem ser praticados de qualquer
forma (p.e. homicídio, ofensa à integridade física) – aqui a tentativa está sempre
acabada.
 Alínea c) – é sempre cumulativa com as alíneas a) ou b), quando aplicável, e é a
chamada tentativa inacabada.

Tentativa impossível

É verificada ex post. Pode verificar-se uma tentativa impossível por inexistência do objecto ou
tentativa impossível por ineptidão do meio.

 Art. 23º/3 – aplica-se o critério do observador médio (para verificar o pressuposto do


“manifestamente impossível”).

Nota: na matéria da tentativa, nos casos práticos, quanto à tipicidade objectiva, o resultado não
se imputa ao agente, verifica-se ex ante se há actos de execução (art.22º/2). Na tipicidade
subjectiva ter em atenção que não há tentativas negligentes, a tentativa é sempre dolosa
(qualquer tipo de dolo).

Punibilidade da tentativa (art.23º/1 e 2 CP)

 Salvo os casos em que a lei prevê expressamente o crime tentado (p.e. tentativa de furto
– art.203º/2), a tentativa só é punível se o respectivo crime consumado tiver uma pena
superior a três anos (p.e. a tentativa de homicídio é punível porque a pena prevista,
sendo de oito a dezasseis anos, é superior a três anos – art. 131º).
 O nº 2 do artigo 23º prevê a moldura penal da tentativa, que se traduz numa atenuação
da pena aplicável ao crime consumado, nos moldes do artigo 73º CP.

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DESISTÊNCIA

 A desistência tem como efeito o afastamento da punibilidade do facto tentado.

Voluntariedade da desistência

Para se verificar a voluntariedade da desistência temos de recorrer a critérios objectivos


(para uma mais simples compreensão do problema, não será incorrecto aplicar o critério do
homem médio). É voluntária a desistência que decorre da vontade, motivação, domínio
psicológico do agente. É involuntária quando o agente abandona a execução ou impede o
resultado em virtude do receio.

EXEMPLOS: A prepara-se para matar B, mas entretanto passa um gato preto e visto que
A é extremamente supersticioso, acaba por ir embora ≠ A prepara-se para matar B, mas
entretanto vê um polícia a aproximar-se e vai-se embora.

No caso do gato, as condições objectivas são as mesma, com gato ou sem gato ( a
superstição é um critério subjectivo que não releva para afectar a voluntariedade da desistência),
por isso parte-se do pressuposto que o agente decidiu desistir voluntariamente – neste caso a
desistência afasta a punibilidade da tentativa.
No caso do polícia, as condições objectivas não são claramente as mesmas com ou sem
polícia, será óbvio que a motivação para a desistência, do ponto de vista do homem médio,
tenha sido o aparecimento do polícia e não por sua própria vontade – neste caso a desistência,
por ser considerada involuntária, não afasta a punibilidade da tentativa.

ROXIN: cria a figura da tentativa fracassada e diz que esta é aquela que não admite
desistência (ex: A quer violar uma mulher bonita e vê a B de longe agarrando-a para a violar, no entanto, quando a
encosta à parede percebe que B é uma mulher feia e vai-se embora – aqui a desistência não deixa impune o facto
praticado por A).

Desistência de tentativas inacabadas (art. 22º/2, c) CP)

Nos casos em que o agente ainda não criou todas as condições indispensáveis à
consumação do facto, a desistência dá-se por omissão (art.24º/1 “desistir de prosseguir na
execução de um crime).

Desistência de tentativas acabadas (art. 22º/2, a) e b)

Nos casos em que o agente já criou todas as condições para a consumação do facto,
tornando-se necessário que haja da sua parte uma intervenção activa destinada a impedir a
consumação da realização em curso.
 24º/1 (“impedir a consumação”): aqui não interessa como é que o agente evita a
consumação, o que interessa é que a não verificação da consumação se deva a um
comportamento activo do agente com o intuito de a impedir. No entanto, se por um
motivo que o agente não controla, a consumação tenha sido evitado não pelo agente,
mas por outra causa, este não será punido desde que se tenha esforçado seriamente para
evitar a consumação (art.24º/2).

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 24º/1 (“impedir a verificação do resultado não compreendido no tipo de crime”): esta é


uma situação em que já existe consumação, mas apenas uma consumação material, não
formal, ou seja, só é possível haver desistência quando não se tenha ainda verificado o
resultado atípico. Para que o agente não seja punido por tentativa tem de evitar a
verificação do resultado atípico ou mesmo que esse resultado não se tenha verificado
por conduta de terceiro, basta que o agente se tenha esforçado seriamente para evitar o
resultado. Exemplo: A abandona um bebé numa floresta. A praticou o crime de exposição ou abandono (art.138º
CP), este é um crime de perigo concreto. Ou seja, o resultado atípico aqui seria a ofensa à integridade física ou a morte,
visto que a exposição ou abandono do bebé acabaria por lesar a criança de alguma das maneiras. A ofensa à integridade
física ou a morte da criança não são factos típicos do crime de exposição ou abandono, mas a consumação desse crime
pode levar aos resultados atípicos anteriormente referidos. Ou seja, se A voltasse para buscar o bebé e ele tivesse perfeito
de saúde, a desistência afastava a punição da tentativa por evitar o resultado atípico, no entanto se o bebé estivesse já
doente, A poderia ser punida por tentativa. Nestes casos aplica-se também o nº2 do art.24º, mesmo que o bebé tenha sido
salvo por terceiro, bastava que A tivesse feito um sério esforço para o salvar.

Desistência parcial

Exemplo: A quando tenta a realização de um furto qualificado, traz consigo uma arma
(art 204º”, f) CP), no entanto decide não a usar deitando-a fora, levando a cabo apenas o furto
intencionado. A doutrina dominante tem considerado que esta desistência é relevante.

Desistência nos crimes agravados pelo resultado

Exemplo: B decide praticar um roubo com uma arma de fogo que se propõe a usar
unicamente em caso de resistência para assustar a vítima, disparando para o ar ou para o chão.
No entanto, quando a vítima resiste, por negligência, o B atinge a vítima matando-a. Face a este
acontecimento, o B desiste do furto. A maioria doutrinária atribui relevância a esta desistência
visto que existe claramente voluntariedade (≠ ROXIN).

COMPARTICIPAÇÃO

Nota: a comparticipação verifica-se na imputação objectiva e não na punibilidade. Ver resoluções de exames para perceber melhor
o esquema de resolução dos casos.
AUTORIA E PARTICIPAÇÃO (art.26º CP)

Autores: são a figura central do acontecimento criminoso (do ilícito típico).

Cúmplices: constituem figuras secundárias, sendo meros auxiliares do autor. Não


realizam o tipo de ilícito, mas participam de um tipo de ilícito realizado por outrem (o autor).

Instigador: aquele que incita outrem à prática do facto.

AUTORIA

ROXIN, “concepção do domínio do facto”: o autor é quem domina o facto, quem de é


“senhor”, é dele que depende a realização típica do facto. Esta concepção limita-se aos delitos

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dolosos gerais. Autoria imediata (domínio da acção); autoria mediata (domínio da vontade):
co-autoria (domínio funcional do facto).

o Autoria imediata: “quem executar o facto, por si mesmo”. É aquele que


exercita o facto pelas suas próprias mãos, aquele que tem o domínio da acção.
o Autoria mediata: “quem executar o facto (…) por intermédio de outrem”.
Nesta figura existe sempre um homem-de-trás e um homem-da-frente. É o
homem-de-trás, que é o autor mediato. O princípio do domínio do facto, quando
aplicado à autoria mediata exige que todo o acontecimento seja obra do
homem-de-trás, só assim se pode qualificar o homem da frente como
instrumento. Traduz-se no domínio (da vontade) que o homem-de-trás tem
sobre o homem-da-frente, domínio esse que exerce através de coacção ou erro.
Desta figura excluem-se os casos em que o homem-da-frente executa o facto de
forma culposa e dolosa, sem coacção ou erro”.

EXECUÇÃO DO FACTO EM CO-AUTORIA

3ª alternativa do art. 26º/1: “quem (…) tomar parte directa na execução do facto, por
acordo ou conjuntamente com outro ou outros”´

Concepção dos actos de execução: para que os agentes sejam considerados co-autores, têm de
praticar pelo menos um acto de execução (art.22º/”CP).

ROXIN, “domínio do facto funcional: cada co-autor tem uma função para determinado facto,
existe uma distribuição de funções, mas a sua função é aquela que se ele não prestar o facto
dificilmente se concretiza.

Punição: cada co-autor é punido na moldura penal prevista para o facto decidido e executado
conjuntamente, tal como se o houvesse cometido sozinho.

CUMPLICIDADE ( = participação)

Segundo a lei portuguesa, a única forma de participação é a cumplicidade. A


cumplicidade afigura-se acessória do facto ilícito-tipico.

O fundamento da punição da cumplicidade reside no contributo que o comportamento


do cúmplice oferece para a realização pelo autor de um facto ilícito-tipico.

Quanto ao momento temporal da cumplicidade, ele reportar-se-á à fase de preparação


do facto principal. A cumplicidade só pode contribuir para a realização do facto pelo autor
enquanto aquele não tiver sido ainda completamente realizado, visto que, a cumplicidade ex
post facto não existe. Pode discutir-se se esta consumação se refere à consumação formal ou
material; quanto a este assunto a jurisprudência alemã tem considerado que a cumplicidade é em
princípio possível até ao término material do facto, contra ROXIN que defende que a
cumplicidade como tal não existe para além da consumação típica.

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Só existe cumplicidade quando o cúmplice presta auxílio doloso a um facto doloso. A


cumplicidade deve ser admitida mesmo nos casos em que o cúmplice não conheça exactamente
as circunstâncias concretas em que se vai desenvolver o ilícito penal (p.e. quem entrega uma
arma a outrem para cometer um assalto, deve ser considerado cúmplice, ainda que não tenha
informações sobre o lugar, a forma ou o tempo em que vai decorrer o assalto).

Auxilio material vs auxilio moral

A prática do facto do autor não tem de ficar na dependência do contributo do cúmplice


(sendo esta a principal diferença entre a cumplicidade e a co-autoria). Coloca-se a questão de
saber se há cumplicidade quando o auxílio se traduz numa prestação material que não vem a ser
utilizada pelo autor (p.e. A dá as chaves da loja a B, para este a furtar, no entanto, B encontra a
porta aberta e não utiliza a chave), nestes casos será correcto dizer que basta que o acto de
cumplicidade aumente as hipóteses de realização típica por parte do autor.
O auxílio moral traduz-se no auxílio psíquico, no favorecimento ou fortalecimento do
autor na sua decisão. São exemplos de auxílio moral: aconselhamento técnico, transmissão de
informações sobre hábitos e horários da vítima, sobre utilização de instrumentos ou sobre
alarmes ou outras instalações de segurança.

Punição do cúmplice: a pena do cúmplice é determinada em função da pena aplicável ao autor


do facto, especialmente atenuada (segundo os ditames dos artigos 72º e 73º CP)

Cumplicidade e tentativa

Cumplicidade na tentativa: se existiu cumplicidade, mas o facto do autor se ficou pela


tentativa punível, esta cumplicidade é também punível, embora de forma duplamente atenuada
de forma especial em função da cumplicidade (art.27º/2) e em função da tentativa (art.23º/2).
Ter em atenção porque poderá haver nestes casos uma desistência relevante que afasta a
punibilidade.

Cumplicidade falhada: casos em que alguém tenta prestar auxílio à prática de um facto ilícito-
tipico por outrem e, esse outrem, recusa o auxilio ou não se decide pelo facto. Esta
cumplicidade não é punível porque o auxílio acaba por não se verificar e não pode falar-se em
cumplicidade sem auxilio.

INSTIGAÇÃO

Artigo 26º - “(…)quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto,


desde que haja execução ou começo da execução.”

Apesar de o instigador ser um mero participante e actuar numa fase que se distancia da
fase da execução, sem exercer qualquer domínio do facto, há factores criminológicos que
determinam que a instigação tem a mesma “necessidade da pena” que a autoria, visto que, o
instigador acaba por criar o risco proibido que dá inicio à execução criminosa por parte do
instigado, criado assim um risco mediato de ataque ao bem jurídico.

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Instigação em cadeia

Existe, normalmente, três intervenientes: o homem-de-trás, o intermediário e o instigado


(autor principal).

 No casos de mera intermediação, o autor material será o homem-de-trás, visto que o


intermediário se limita a exteriorizar o desvalor da acção instigadora. O homem-de-trás
acaba por realizar uma instigação (indirecta) do facto principal e o intermediário é
considerado cúmplice material na instigação. Isto verifica-se independentemente do
intermediário passar a mensagem ao destinatário, ou não.
o Quando não haja individualização do destinatário por parte do homem-de-trás,
ele pode ser escolhido pelo intermediário, segundo critérios objectivos dados
pelo homem-de-trás. No entanto, se o intermediário tem a iniciativa de
contactar um terceiro para praticar o facto, o homem-de-trás fica de fora,
assumindo o intermediário o papel de instigador.
 Nos casos de contributo autónomo do intermediário:
o Causalidade psíquica alternativa: o autor principal realiza o facto, determinado
quer pelo homem-de-trás, quer pelo intermediário, cabendo ao instigado decidir
que informação usar para praticar o facto. Nestes casos o homem-de-trás deve
ser considerado instigador indirecto e o intermediário instigador directo.
o Causalidade psíquica cumulativa: casos em que o autor principal realiza o facto,
determinado quer pelo homem-de-trás, quer pelo intermediário, não
preenchendo, isoladamente, nenhum dos contributos em cadeia para o desvalor
do resultado, podendo aqui o homem-de-trás e o intermediário, apenas serem
considerados cúmplices morais (art.27º/1).
 Caso do intermediário de boa fé: é irrelevante que o intermediário aja de boa ou má
fé, visto que o que releva é a entrega da mensagem ao instigado, independentemente da
boa fé do intermediário, logo, o homem-de-trás, nestes casos, continua a assumir o
papel de instigador (indirecto) do facto principal.

AUTORIA E PARTICIPAÇÃO NO “CRIME CONTRATADO”

CASO: “A decide matar B e, para esse efeito, contacta com C, propondo-lhe a realização do
facto, a troco do pagamento de uma certa quantia. A proposta é acompanhada de um plano de
execução e encobrimento bastante minucioso traçado pelo próprio A, que abrange data, hora,
local, modo de execução, arma a utilizar, elementos de identificação e localização da vítima, e
ainda a simulação do móbil do crime. C afirma a sua aceitação, mas entrega todos os elementos
de que dispõe à entidades policiais e não realiza o facto.”

 A autoria mediata, traduz-se em “quem executar o facto, por si ou por intermédio de


outrem”; a instigação consiste em “quem, dolosamente, determinar outra pessoa à
prática do facto, desde que haja execução ou começo da execução”.

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Solução da instigação

Se considerarmos o A como instigador, este deverá ser absolvido do crime de tentativa


de homicídio, por não se ter verificado qualquer “execução ou começo de execução” do autor
material C. Realmente o A tentou instigar o C à prática do facto, no termos da 4ª proposição do
artigo 26º, mas a mera tentativa de instigação não é punida entre nós. Nem a contratação, nem o
recebimento do pagamento podem ser considerados actos de execução do instigado, por falta de
proximidade, quer temporal quer espacial, com a esfera de protecção da vítima. Mesmo
existindo intermediários de instigação em cadeia, estes deverão ficar igualmente impunes. Nota:
esta solução parece a mais correcta.

Solução da autoria mediata

De acordo com esta orientação o A seria um autor mediato com pleno domínio do facto.
Esta tese assenta essencialmente na motivação pessoal do executor. Para CONCEIÇÃO
VALDÁGUA, a subordinação voluntária do autor material à decisão do homem-de-trás será
uma forma de domínio do facto que fundamenta a autoria mediata. No entanto, no nosso caso
demonstra-se que a realização do facto não se encontra na mão do contratante, visto que o
aliciado pode mudar de ideias e deixar de ser sensível ao aliciamento.

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