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EUDAIMONIA E BEM SUPREMO EM ARISTOTELES Marco Antonio Zingano(UFRGS) Gostaria de revisitar uma conhecida nogéo da ética aristotélica: a nogao de eudaimonia, Meu objetivo ébem modesto: quero tao-somente por em relevo alguns pontos que, creio eu, devem ser levados em consideracao por todo intérprete que Guiser apresentar um tratamento de maior folego dessa nocao em Aristételes. Tem-se diccutido muito para saber se se deve interpretar o bem supremo como um bem secrevo" ou "dominante”. Proporei uma tese forte do bem supremo tomado como inclusive (semnoentanto sustentar a versaomaximalista: doponto devista quantitavo iiNfendlerei uma versao modesta do bem supremo). Para tanto, sugiroem II uma nove tnterprotacao para EN 16 1098al6-18:trata-se de ler ocritério formal da perfeicaoatitulo deunmodo particular deserdas virtudes. Aofazeristo, tecereialgumas considers goes sobre a relagao entre os livros Ie X da Ethica Nicomachea, Embora estes livros este} scumarmente ligados,, nao pretendo aqui analisar a argumentagdo @ respeito da contemplacao no tiltimo livro da EN. Limitar-me-ei a sugerit uma interpretagao que, Gquer-me parecer, faz justiga a ambos os livros, tornanclo-os consistentes Uh como outro I WER Hardie, num artigo bastante conhecido" , propés o que me parece Str a boa interpretacao dessa nocao aristotéica, a saber, que eucaimonia é um fim de segunda ordem. Desejar a eudaimonia como tiltimo fim nao significa desejar um certo Fee fetrimento de outros, mas sim desejar uma harmonia entre nossos fins; a ee (Hardie, W.The final goo in Aristotle's Ets, publicado originalmenteem Pslosophy XL(1965) pp.277- 95, ver também seu Aristotle's Ethical Theory(1968 e 1980),pp.12-27. ANA (Ynca volume 1 jnuimero 2 194 11 analYfnca volume 1 antimero 2 1994) 12 MARCO ANTONIO ZINGANO eudaimonia é, assim, a realizacao completa e harmoniosa de fins primérios, fins primériossendo aqueles fins em vista clos quais todasas outras coisas sao feitas. Nossas ages dirigem-se todas a realizagao de fins primérios; a eudaimonia é a harmnonia destes fins primarios num todo coerente. A eudaimonia 6, entao, um fim de segunda ordem; e Hardie falou conseqiientemente da eudaimonia como um fim inclusivo, cuja caracteristica é precisamente incluiroutros fins de um certo modo (modoharmonioso). A eudaimonia é um fim de segunda ordem; ou melhor, deveria ser. Isto 6, para Hardie, o que Arist6teles deveria ter dito e o que em certos momentos pelo menos Aristoteles insinuou; nao é porém o que Arist6teles acabou por escrever. Ao contrario, para Hardie, Aristoteles explicitamente sustenta que 0 bem supremo é unicamente uma certa atividade, a vita contemplativa. £ 0 que Aristoteles teria feito notavelmente na Ethica Nicomachea X7-8; ao invés de defender uma tese do bem supremo atitulo de fim de segunda ordem, Arist6teles passa a defender a tese de que o bem supremo é exclusivamente uma atividade, a atividade contemplativa. Pode-se, é claro, mostrar que esse bem supremo, a contemplacio, nao é incompativel com outros fins, e que, portanto, uma vida na qual ele se realiza pode também incluir certos outros fins, a saber, ou bem aqueles que favorecam a contemplagao, ou bem, pelo menos, aqueles que nao impecam ou causem obstaculos a atividade contemplativa. Se isto de certa forma mitiga o carter exclusivista do bem supremo, ele nao deixa contudo de ser um bemdominante e,nesta medida, opde-se a tese pelo menos sugerida por Aristoteles no livro Ida EN de que o bem supremo nao é um bem (acompanhado - ou nao - por outros bens que nao o entravam), masa harmonia entre os bens: mesmo sendo um sucedaneo pratico aceitavel, é logicamente incompativel com o bem supremo a titulo de fim de segunda ordem. Hardie distingue, assim, duas concepgdes que se confundem na exposicao que Arist6teles faz da doutrina do bem supremo: a concepgao do bem inclusivo e ado bem dominante. Tal confusao parece explicar muito do que os comentadores consideraram como insatisfatério na ética aristotélica. Ela, porém, nao 6, para Hardie, a tinica:esta confusao esta estreitamente conectadacom umaoutra dificuldade, a tese aristotélica sobre a deliberagao. Aristételes sustenta que nés s6 deliberamos EUDAIMONIA E BEM SUPREMO EM ARISTOTELES sobre meios, nunca sobre fins. Ora, para Hardie, 0 fracasso de Aristoteles em ver que a razao pratica nao se limita a somente encontrar meios esta vinculado ao seu fracasso ‘em esclarecer satisfatoriamente a nogao de bem inclusivo; se o tivesse feito, teria visto que a razao é necessaria para estabelecer que fins devem fazer parte de um tal fim inclusivo, Nao tendo feito tal esclarecimento, foi levado a uma andlise incompleta da deliberagao. Nao quero analisar agora esta segunda tese de Hardie. Para falar sucintamente, nao me parece convincente. Meu ponto, no entanto, é outro. Hardie cita uma passagem do primeiro livro da Ethica Nicomachea que parece sustentar fortemente uma doutrina do fim supremo como dominante, a despeito das insinuajoes presentes neste mesmo livro em defesa de uma doutrina do fim supremo inclusivo. A passagem nao 6 tinica® , mas por assim dizer, é o lugar especial no qual se toma evidente a confusao entre fim inclusivo e dominante. Aristoteles escreve em ENT 6: © bem humano é uma atividade da alma segundo uma virtude; havendo varias virtudes, segundo a melhor e mais perfeita® (2) Uma outra passagem citada pot Hardie (e outros comentadores) que evidenciaria tal confusao & Ethica Eudemia 121214b6-14. Nela Arist6teles nos diz. que todo ser capaz de viver segundo uma escolha deliberada fixa um objetivo eordena as suas agdes paraa obtencao desse fim, sendoumsinal deestulticia nao o fazer (uma segunda mao acrescentou um “deve” no ms, Vaticano 1342, transformando o “fixa“ fem’"deve fixar”). Embora haja um singular que parece reforcar ocarater inicodo fimsupremo (214b12: Ey tiv tov tyietépav 16 Giiv ed), esta passagem limita-se a mostrar a estreita relacdo de andlise existente entre (i) um fim primério em relagao ao qual as outras coisas sao feitas e (ii) o bem supremo em vista do Gual os bens primérios sao perseguidos, sem por isso prejulgar a natureza da relagao (ji). Em EE 12 “Arist6teles nao sustenta nenhumna tese a respeito de ti); ele mostra tao-somente a importancia de uma investigacao sobre (ii) a partir de (i) G)ENT 6 1098al6-18: 16 évOpdonwvov dyab6v yogis Evéprera Yiveran naw’ doctiy, et BE Rheions ai pera Kosa tip pion xed teherotaryy .A respeito de tédetov, ver Met. 16;ha, para Aristoleles, dots sentidos Bascos de tehetov, a saber, o decoruplelude (quantitativo), segundo 0 qual algo tetov porque tem todas as suas partes, eo de perfeicao (qualitative), segundo o qual algo € sédetov quando representa 0 iaigino em sua especie. AfistOteles pode passar de um para outro sentido muito ficilmente, usando Sempre o mesmo termo. Ver C. Kirwan, Metaphysics [> A and E (Oxford, 2nd ed. 1993) pp. 167-168, que distngue tes sentido Cuatro", “perfeto”& “Zompleto ”, em 1021b30 Aristételes procura reduzi-los ‘03 dois sentidos basicos) ANA (ca volume 1 atimero2 1994 13 ANA| (ncn volume 1 riimero 2 1994 14 MARCO ANTONIO ZINGANO. Hardie nao deixa de assinalar que a virtude mais perfeita deve ser o saber te6rico. Embora isso nao fique claro em EN I, a defesa de tal tese parece ocorrer em EN X?7: Se a felicidade 6 atividade segundo virtude , esté correto dizer que é segundo a virtude mais forte. Esta seré a virtude da melhor parte. Seja esta parte o intelecto ou outta coisa que por natureza parece dominar, comandar e conhecer as coisas belas e divinas, seja algo ele mesmo divino ou o que é mais divino em nés, a sua atividade segundo a virtude especifica serda felicidade perfeita. Que é a atividade contemplativa, isto jé foi dito". Esta passagem apresenta diversos problemas que nao posso analisar aqui por exemplo, por que Aristételes escreve “intelecto ou uma outra coisa”, ou mesmo para que texto nos remete se nao hé passagem na Ethica Nicomachea em que jé tenha dito que a atividade em questao é a contemplacao. Minha preocupagao nao é com os detalhes do texto, mas como que é sugerido nesta passagem. Lendo asduas passagens -ncia, parece inevitavel supor que “a melhor e mais perfeita virtude” de EN Téa mesma “virtude mais forte” de EN X, a saber, a contemplacao. Isto parece plausivel. Ao falar de” muitas virtudes” “em EN, Aristételes estaria propondo uma lista do tipo “coragem , temperanca, magnanimidade e todas as outras virtudes morais particulares, mais prudéncia-contemplacao”, esta tiltima sendo a virtude perfeita. Desta lista, supde-se que Aristételes esteja nos convidando a escolher uma virtude-acontemplacéo-em detrimento das outras; a atividade segundoessa virtude seria a felicidade”, (AEN X7 1177a12-18: E18 éotiy Hp EvbeyLovie kar Gpeniy évépye.e, edLoyov Kat Hy KparitHy dum 8 av ein 109 dpiatov. cite 54 wos wdt0 elte GAAO TL 6 BiyxaTe PoaLY Boxel GpxeLy Kai HtEToBaN Kai Ewotay Exew nepi codGv Kai Oeiooy, Erte Beto Sv Kak abrd ete tay Ev Fiiv 1 BersratoV, 4 tovtoD Evépyeta Kore: tiv cintiav Aperiy ein dv H TeAeia edSayiovia, bn 8 dati raprtUR, HyprToL. (6) Segundo esta interpretagao, € mais conveniente dizer ndo que Aristateles esteja referindo-se a0 intelecto em EN I 6, mas sim que da uma descrigao que se mostraré mais tarde, no livro X, como. unicamente satisfeita pela gogia. Para a defesa dessa interpretagao, ver A. Kenny, The Nicomackeart EUDAIMONIA E BEM SUPREMO EM ARISTOTELES Tudo isso parece muito plausivel. Ocorte contudo que nao é evidente essa fusao entre prudéncia e contemplacao em proveito desta ultima. Esta dificuldade obrigou Gauthier, por exemplo,emseu grande comentario a Ethica Nicomachea, a supor que texto referido por "j foi dito” é 0 Protrepticus, obra justamente na qual, por forte influéncia platonica, Aristoteles assimilou a prudéncia a contemplagao” . Ha de se notar, além disso, que, em EN I, Arist6teles argumenta em favor do uso da razao, que pode ser tanto 0 uso pratico como o puramente contemplativo, Ora, mais adiante, ne livro EN VI, ha uma clara distincao da parte de Arist6teles entre sabedoria teorica € pratica. Ambos os usos tém valor; mas é claramente insinuado que o valor moral esté {ho lado do uso pratico, a sabedoria tedrica versando sobre assuntos que naosao objeto dedeliberacao oudecisdo pratica. Isto parece vir ao encontro daobservacao -verificada com inaudito horror em nosso século - de que cientistas podem ser sumamente pérfidos. Tudo isso sugere que, embora claramente interligados, os argumentos apresentados em EN I e X tém escopos diferentes e precisam de mediag6es para poderem finalmente fazer parte de uma mesma demonstracao an ‘Assim, convém verificarsea relagao entre estas duas passagensndo se revela menos direta do que se supunha a primeira vista. Uma vez descoladas uma da outra, percebe-se quea passagem da ENT6 pode receber uma outra leitura se aproximada de Sutras passagens do que EN X 7. Refiro-me em particular & seguinte passagem da Ethica Eudemia 1117: Conception of Happiness (Oxford Stadiesin Ancient Philosophy, 1991, vol suplem.pp.67-80) e Aristotle ‘onthe Perfect Life (Oxford, 1992); Kenny sustenta que Arist6teles defendeuumatese dominante dobem supremo na EN, passando a defender a tese inclusivista na EE. (6) Gauthier Joli, Ethigue a Nicomaque, comment. pp.873-876. analtica volume nimer02 1994 15 analYnca volume 1 niimero 2 1994 16 MARCO ANTONIO ZINGANO Cada virtude, de certo modo, como se diré mais adiante, existe naturalmentee de uma outra maneira, na qual é acompanhada de prudéncia Esta passagem sugere que, além da diversidade das virtudes particulares, deve-se levar em conta também 0 fato de serem as virtudes binérias. O ponto aqui consiste em distinguir os modos de ser da virtude moral. Nao ha somente virtues morais; ha também, por exemplo, virtudes das fungdes reprodutivas da alma, queno sao levadas em consideracao pela anélise moral. Do ponto de vista que contempla todos os tipos de virtude, a distingao sera tripartite:as virtudes podem ser ounaturais, ou adquiridas pelo habito ou, ainda, obtidas mediante 0 uso da razao. Do ponto de vista restrito, porém, a virtude moral, ha dois modos somente. O primeiro consiste na virtude moral adquirida pelo habito; o segundo consiste na virtude moral (adquirida pelo habito) acompanhada de razao. Aristételes chama o primeiro de virtude (moral) natural, aperi pvary, Isto pode ser enganador, pois alguém poderia imaginar que a peti Qvaixh em questao opde-se ao mesmo tempo A virtude adquirida pelo habito e“aobtida pelo uso da razéo, sendo-nosdadanaturalmente. Isto na0é 0caso. A anilise estdagorarestrita as virtudes morais;e Aristételes declara expressamenteque “nenhuma das virtudes morais nos pertence naturalmente”(EN II 1 1103al9). As virtudes morais naosaonemnaturais nemcontra a natureza;nés temos, isto sim, naturalmente (g0oe1) a capacidade de recebé-las, e esta capacidade é aperfeioada pelo habito!. Em vista (1) EE M17 1234438-30. Mantive o nos sintaticamente ambiguo, como ocorre no original; comparando porém com EN VI(EE V) 13144b4-8: naar Yap Boxe Exacta. tov HPGv dmépzer oboe Ros ..ccLi Lov ‘tporov, pode-se sugerir que deve ser ligado a pioet e nao a éxéom™m, (8) Ha portantotrés fatoresa distinguir. Primeiro, ha o fator puramente natural, ofatode que se éhomem €, por conseguinte, se tema capacidade de agir como homem. Segundo, agindo de uma forma e nao de outra,cria-seo habito ou a disposigao de agir assim e nao diferentemente. Terceiro, hé aintervengao da raz3ono interior da virtude moral: aqui esté a marca do propriamente humano na acdo. Uma passagem da Politica é bastante ilustrativa a este respeito:"os homens tornam-se bons e virtuosos mediante trés fatores. Estes trés fatores sao a natureza, 0 habito e a azo (@ba1s #05 26106). Com efeito, & preciso primeiro ter certa natureza, a saber, ser homem e nao um outro tipo de animal; deste modo, tem-se o EUDAIMONIA E BEM SUPREMO EM ARISTOTELES dlessa capacidade natural de recebé-las que é aperfeigoada pelo hébito, Aristoteles chamou de natural tal tipo de virtude, mas nao se deve esquecer que se trata de uma Santude moral natural, peti gvatxh , obtida pelo habito. Talvez tenha sido para evitar este tipo de mal-entendido que Arisi6teles tomou a precaucio de, numa passagem, lembrar que a virtude natural em questao é uma virtude adquirida pelo Pabite, apeth i gvoixi | £&.otH (EN VI19 11514218). Mediante tal virtude, o homem faz o que deve ser feito. Mas homem nao faz somente o que deve ser feito; ele o faz também de um certo outro modo, isto , sabendo e escolhendo por deliberacao o que cota fazendo. A diferenca reside nao no resultado da acao, mas no modo de agit. Em smbos os casos o homem pratica atos justos: pelo primeiro modo, ele faz precisamente Sue deve ser feito; pelo segundo, ele faz isto apreendendoas razGes em questao, Este segundo modo corresponde a virtude (natural) acompanhada de prudéncia, isto € a vituude moral no interior da qual opera a virtude intelectual pratica que é a prudéncia vAristoteles denomina este segundo modo de virtude (moral) propria, xupia apeti. A Virtudle moral propria nao pode vir desacompanhada de prudéncia, pois ela éjustamente + vittude moral no interior da qual operaa virtude intelectual do que deve ser feito ou evitado (a prudéncia). ‘A passagem da Ethica Eudemia IL 7 citada acima remete a passagem do livro comumbEV_ENVI131144b4-17. La Aristotelescomega dizendo quenossas qualidades tmorais si0 adquiridas de um certo modo naturalmente, isto €, pelo habito,a partir de lima capacidade naturalmente presente, mas que ha também um outro modo de ser dessas qualidades. Quando se aprende arazao (114412: éév 68 An voow) do porque istodeve ser feito, uma diferenca ocorreno agit: noseio da mesma disposicao, avirtude —_— corpo e a alma com cetta qualidade, Para algumas qualidades, de nada adianta ter nascido com tal Tatpreza, pois os habitos as fazem mudar; com efeito,algumas, pendendonaturalmente para am boss Taos: dinigem-se ao pior e a0 melhor por efeito do habito. Os outros animais vive sobretudo pele tatureza, alguns poucos segundo os habitos, o homem porém também pela raza0. Com efeit, cle £0 {unico que possui razao, por conseguinte é preciso harmonizar estes fatores entre si, pois os hamens {asm cnuiga coisa contra os habitos econtra a natureza porefeito da razao, seestao persuadidos de que é melhor agir diferentemente” (VI 13 1532a39-b8). ANA (rca olume! “or ANA| (Ynca olume | 1994 18 MARCO ANTONIO ZINGANO que antes era natural é agora virtude propria. Aristételes conclui em 1144b14-17: Eassim como hé duas espécies da parte opinante,a habilidadee a prudéncia, assim também ha duas espécies de virtude da qualidade moral, a virtude natural ea virtude propria, e destas duas virtudes a virtude propria nao se_produz sem prudéncia As virtudes morais nao sao alteragdes entre contrarios (&A2o16ce1¢) mas aperfeicoamentos teAetacetc) denossacapacidade deagir ounaoagir facea diferentes situagées. Arist6teles quer certo rigor de vocabulario: assim como nao dizemos que a construgéo do (primeiro) telhado “altera”a casa mas sim que a “complemenia’, assim também as virtudes morais nao “alteram” propriamente nossa capacidade natural mas a“complementam” ou a “aperfeicoam” em uma diregao em detrimento da outra diregao contréria sem por isso passar de um contrario ao outro”. Nossa capacidade de agir € uma capacidade racional dos contrarios: 0 que eu posso fazer, eu posso deixar de fazer. Pelo habito de agir assim enao de modo contrario eu aperfeic6o (se agir assim for virtuoso) ou deturpo (se agir assim for um vicio) minha capacidade de agir. Assim, a virtude moral é um aperfeicoamento de minha capacidade natural de agir. Agora, toda virtude moral humana é, para Aristoteles, tal que, mesmo nao sendo, num caso particular, acompanhada de razo ou deliberacao, tem de poder ser acompanhada de raza”. Deste modo, a razao deliberativa que sempre tem de poder operar em seu interior a aperfeigoa se de fato opera em seu interior; em relacao aeste aperfeicoamento, a virtude moral sera vista como incompleta ou imperfeita se nao operar no seu interior a apreensao de razdes de que sempre tem de poder ser capaz. Reencontramos aqui o par virtude natural - virtude prépria sob a forma de virtude incompleta ou imperfeita - virtude completa ou perfeita. A virtude propria é a virtude (9) Cf. Physica VIT3; ver R. Wardy, The Chain of Change, Cambridge 1990, pp.209-213, (10) CEEN IL4 1106a3-4: ai. 5° &pedai mpooupécers twEs jf ofx GvED ApoaIpéoras,”as virtudes S20 um tipo de escolha deliberada ou nao sao sem escolha deliberada” EUDAIMONIA E BEM SUPREMO EM ARISTOTELES perfeita na qual ocorre a apreensao de razdes. Nao é possivel tera virtude propriasem Pettude moral natural, pois a virtude propria € esta virtude moral tornada perfeita pela apreensao de razoes. A relacao entre virtuce incompleta ou imperfeita e virtude perfeita ¢ semelhante aquela existente entre habilidade e prudéncia. A prudéncia € pore habilidade, mas nem toda habilidade & prudéncia: somente a habilidade de aaesentrar os meios em relacdo ao fim que é bom é dita prudéncia, a habilidade de encontrar os meios para os fins que nao s4o bons sendo chamada de navovpr'c- De eecdo semelhante, a virtude propria é uma virtuce moral, mas nem toda virtude moral évirtude propria; ha também a virtudenatural, em quenao ocorre a apreensao de raz6es que caracteriza a virtude propria". esi Aristoteles escreve em EN I 13 que “a felicidade é uma atividade da alma segundo virtude perfeita”(I 13 1102A5-6; CF. 10 11004). Virtude perfeita nao parece mais aqui ser uma virtude em detrimento de outras, mas um modo de ser da pave moral em detsimento de um outro modo seu de ser. Esta é a razao alias por ue criangas nao tém_ acesso a felicidade: a faculdade deliberativa da crianga & “impereita”, atehéc (Polit. 13 1260a14), por causa de suaidade (EN 110 1100a1-3; cf. MATL 4 118501-9): a crianga esta em processo de apreender razdes, ela ainda nao as apreende perfeitamente, embora possa jé fazer precisamente 0 que deve ser feito (a prudéncia no entanto requer tempo e experiéncia). Ora, se relermes a passBe que aac jelo a discussao (EN I 6 1098a16-18), parece razodvel sustentar que Aristoteles esteja sugerindonao que devemos escolher uma virtude dentreas presentes num lista dotipo”coragem, temperangaetc+ prudéncia-contemplagao”,mas sim. que,apropésito soe tudes morais, devemos escolher o modo proprio de ser destas virtudes, isto & © modo no qual elas ven acompanhadas da virtude intelectual pratica ab dvOpdomvov ayaBSv woxtic Evéprera Yivetan Kort GpetH Bi BF Melons a apetai, kata Ty dpiotny Kai teAKLOsETNY _ (D/A semethanga para no fo de que xavoupria'é uma habilidade para omal,a virtude natural send sempre para o bem, pois é uma exceléncia. ANA (Yca volume imero2 1994 19 ANA {Ynca volume 1 anvimero 2 1994 20 MARCO ANTONIO ZINGANO O”mais perfeito” refere-se ao duplo aperfeicoamento: a virtude moral aperfeigoa a disposigéo natural, a virtude intelectual aperfeicoa a virtude moral natural. A felicidade é a atividade segundo a virtude propria e nao segundo a virtude moral natural. Bem mais adiante, nolivro X, Aristotelesintroduzira umnovo argumento para mostrar que, se a felicidade é a atividade segundo virtude perfeita, isto é, segundo virtude que inclui apreensao de razées, isso nao $6 nao é incompativel como ha fortes razoes para suspeitar que a felicidade primeira sera a atividade que inclui aces segundo a “virtude mais forte”, xat& tiv xpatiomy, isto é, a virtude mais alta (a contemplacao) da parte mais alta (a parte intelectual em geral). Mas isto € um outro argumento. mM O que parecia ser uma defesa muito forte da tese do bem dominante pode ser interpretado, se tenho razao, como perfeitamente compativel com a tese do bem inclusive. Nesta segunda parte, quero sugerir que uma das passagens citadas por Hardie como insinuando a tese inclusivista vai bem mais longe do que isso: introduz uma resposta bem precisa A natureza do bem supremo a titulo de fim de segunda ordem. Refiro-me & passagem EN I 5 1097bl6-20. Aristdteles argumenta que a felicidade, sendo o bem preferivel a todos, nado conta como um bem ao lado dos outros (ui, covarpr6ovpevn, 1097b17), pois, se o fosse, torna-se-ia mais preferivel ainda com a adicao do mais infimo bem. Esta passagem foi bastante discutida mais recentemente econvém inicialmente fazer algumas consideracées filolégicas. Ha duas trad uges possiveis, segundo se toma o participio no modo indicativo ou contrafatual™. Neste (12)T- Irwin menciona as duas possibilidades, preferindo a estrutura contrafatual (Nicomchean Ethics, Hackett 1985, pp. 15 € 304). R. Heinaman (Eudaimonia and Self-sufficiency in the Nicomachean Ethics, Phronesis 33 11988, pp 31-53), S. White (s Aristotelian Happinessa Good Life or the Best Life, Oxford Studies EUDAIMONIA E BEM SUPREMO EM ARISTOTELES Liltimo caso, Aristételes estaria dizendo que, visto que a felicidade éo bemsumamente preferivel, 6 um absurdo logico pensar que o acréscimo de um bem a tornaria mas preferivel ainda, Ora, se ela contasse como um bem ao lado dos outros, oacréscimo do ees infimo bem acarretaria tal conseqiiéncia, Esta leitura favorece a tese inclusivista a respeito do bem supremo. Optando, porém, pela sintaxe no modo incicativo, 0 que ‘Atispateles estaria dizendo € que, considerando os bens em si mesmos, um a um felicidade € 0 bem preferivel a todos; agora, 0 acréscimo de um bem (mesmo de um iefimo bem) a tornaria mais preferivel do que sem este bem - assim compreendida a passagem, Aristételes estaria dizendo que a eudaimonia nao contém todos os bens, € {jue estes bens exteriores a felicidade,. quando Ihe sio acrescentados, a tornam Bulls breferivel ainda. Esta letura 6 compativel coma tese dominante do bem supremo: © ponto de discussao ¢ o seguinte: a mengao do acréscimo ce um (infimo) ema felicidade implica ou bem um resultado possivel (no caso da leitura no modo pe eativo), ou bein uma hipétese légica absurda (no caso contrafatual) ? Creio que ha indicios suficientes para optarmos pelo ultimo caso. ArisiGteles est fazendo uma ejlise conceitual. Uma das notas do conceito de eudaimonia consiste em que é 0 supremamente preferivel (comefeito, bens emsipodemser perseguidosem vistadeles see poseem vistada felicidade, afelicidade nao podeser perseguidaem vista de outra oisa do que ela mesma). Se o conceito se comporta assim, entao a eudaimonia nao pode contar ao mesmo titulo do que os outros bens; caso contrario, © mais infimobem, Pondo Ihe acrescentado, a tornaria menos preferivel do que o resultado do acréscimo ~ por conseguinte ela nao é a mais preferivel. ‘Gutros textos de Aristoteles indicam que o problema aqui é uma hipotese Jogica absurda e nao uma consideracao sobre resultados possiveis de acrescimos de aaa cedlaionia, Um argumento semelhante jé tinha sido exposto nos Tépicos (HI 3 117a16-24), Aristoteles escreve que, geralmente, um miimero maior de bens ¢ Se sn Anciet Philosophy VIM 1990, pp.100-143, part. pp.119-120) e A. Kenny (op. sit) defenderam a estrutura gramatical no modo indicative. ANA ly TICA volume 1 aimnero 2 1994 21 ANA! (Ynca volume 1 rnimero 2 1994 22 MARCO ANTONIO ZINGANO preferivel a um niimero menor. Isto ocorre tanto do ponto de vista absoluto - um bem acrescido de um outro é preferivel a ele somente - como quando 0 grupo menor faz parte do grupo maior - dado um grupo de bens, é preferivel o grupo que contéma ele ea outro bem. Ha excegdes, porém. Uma delas ocorre quando um dos bens tem o outro por fim: neste caso, os dois bens tomados conjuntamente nao sao preferiveis a um s6 dentre eles; por exemplo, a soma da cura e da saide nao é preferivel A satide, pois nés desejamos a cura em vista da satide. Ora, este parece ser 0 caso da eudaimonia: tudo ‘© mais é perseguido em vista dela. A soma de um infimo bem e a eudaimonia nao é preferivel a eudaimonia, pois esse bem é em vista da eudaimonia Oargumento parece simples e elaborado para combater sofismas; na ética, porém, ele tem uma funcao bem precisa. O segundo capitulo do primeiro livro da ‘Magna Moralia é particularmente instrutivo a respeito de sua importancia. Posta a questao a respeito da natureza do bem supremo, duas solugoes sao aventadas para serem em seguida rejeitadas. A primeira consiste justamente em dizer que o bem supremo conta como um bem entre os outros bens ( 1184a16: dg Kai adtod cwvapi®tovjiévor). Esta solucao é considerada inaceitavel: o bem supremo sendo a felicidade, se a felicidade é posta como um bem ao lado de outros, a soma desses bens com a felicidade sera melhor do que a felicidade; sendo agora 0 maximamente preferivel, essasoma éa felicidade, que por conseguinte sera melhor do queelamesma, © que é absurdo. O exemplo dado para ilustrar essa impossibilidade é 0 mesmo empregado nos Tépicos: a cura ea satide. Resta assim a hipétese de que o bem supremo existe isoladamente (1184425: xopis), para além dos bens em si. Essa solucao é prontamente rejeitada também como absurda. Mas entao como funciona o bem supremo a titulo de principio? A mesma resposta positiva aparece no corpo da rejeicao das duas hipoteses: “nés concebemos a felicidade como composta de muitos bens” (1184a18-19: thy 3 edSompovia ex TOMAGV Gya8Gv ovvti6epey), “a felicidade é composta de certos bens” (1184a26-27: yap edSorpovie. Eoriv EK Tay GyaBGV vyKEYLEVN). E, como conclusao do paragrafo, Ié-se oseguinte: EUDAIMONIA E BEM SUPREMO EM ARISTOTELES |A felicidade nao é algo outro separado dos bens que a compoem, ela € estes bens (1184a 28:29:00 Tap tar GRO i apis toOTEN Ht edBarHOviG, Lie xara) ‘A tese 6, assim, que o bem supremo nao conta numericamente come umbem porque ele é esses bens. Contar como umpbem écair numa falacia logica de tomar aclasse Pont im de seus proprios membros. Se o bem supremo é um bem ao lado de ‘antos cuitros,o acréscimo de um infimo bem tornaria esse grupo melhor do que ‘elemesmo, oquevaicontraa definicao postano inicio. Na EthicaNicomachen, Aristoteles desenvolve ‘oargumento de uma forma minima, insistindo porém para que aeudaimonia nao seja Mareen como guvapleuovuevn. Na Magna Moral, o argumento € apresentaco mais detalhadamente, o exemplo dos Tépicas sendo dado como ilustragao ‘Que o bem supremo seja esses bens nao é incompativel com a felicidade ser uma atividade. f uma ligao das trés Eticas de Aristoteles que © bem supremo nao é Sutra coisa do que a felicidade. Mas isso nao quer dizer que bem supremo e felicidade Culham a mestna definicao. A eudaimonia é definida como uma certa atividade em oposigao a um estado psicoldgico ou a uma simples disposicao do sujeito; 0 bem supremo é definido como o fim sltimo desta atividade. Assim como distinguimos Jogicamente o fim (¢ por conseguinte o fim ultimo ) da atividade, assim também distinguimoslogicamenteobem supremo dafelicidade Ofimultimoé aquele em vista ddo qual todos 0s outros sao perseguidos,ele mesmo contudo nao podendo estar em ‘ist de outro fim. Como bem supremo, ele tem de poder englobar todos os outtos bens”, A respeito destes bens, a divisdo aristotélicaé tripartite: ‘ha os bens da alma (as vittudes), causas proprias da felicidade, os bens do corpo ¢ os bens exteriores, cau528 Coadjuvantes, sem 05 quais contudo nao é possivel a felicidade Dizer que o bem _ (13) Heinaman, que defende 0 modo indicativo para o participio em 1097017, argumenta dit “assim compreendido, Aristotelesaceita que ha bens naoenglobados| pela eudaimonia’ E preciso ter cuidado sq A eudaimionia tem de peder englobar todos os bens Eistoo que Aristoleles attr Te Rhetorica tat jbio.26 sea feliidade 6 bem viver acompanhado de virtude, entao necessariamente S40 Sues ANA (Ynca volume 1 ose 23 ANA {Ynca volime 1 rnimero 2 1998 24 MARCO ANTONIO ZINGANO supremo é esses bens nao nega que a felicidade seja uma atividade; nao 6 a coisa que muda, mas o enfoque sobre a mesma coisa. Num contexto polémico, por exemplo em confronto com 0 estoicismo, a mudanga de enfoque é bastante titil. Os estoicos tomavam a virtude como causa nao s6 prépria, mas também suficiente da felicidade. Em Diégenes Laércio, encontramos uma versao aristotélica adaptada a esta polémica: Aristoteles manteve que a felicidade é a plenitude (ovprdiipaj.a) a partir de trés bens: dos bens da alma, os quais ele designa como primeiros em valor; dos segundos, os bens do corpo, como satide, forca, beleza e outros assim; dos terceiros, os bens externos, como riqueza, berco nobre, reputagdoe semelhantes “*. partes (136019: évéeyrn axbris eTvax épn) a nobreza de nascimento, a riqueza, o mérito, a satide, as honras, asorte, as virtudes, a prudéncia etc - isto 6, Aristoteles dé uma lista com casos de todos os tipos debens, pois “nao ha nenhumoutroalém destes' (1360b26:00 yap Forty GLa napé tata). A eudainonin tem de poder englobi-ls todes Isto, no entanto, nao quer dizer que, para que alguém seja feliz, tenha de fato de possuir todos os bens imaginaveis, Aristoteles nao sustenta uma tese maximalista, que seria obviamente um contra-senso. Um critério do ponto de vista da categoria da quantidade intervém: a felicidade € 0 caso para uma pessoa se um certo grupo de bens (segundo uma certa ordem e qualidade) 6tal que satisfaza condicaode auto-suficiéncia, isto 6, naocarece, no caso em questao, de qualquer outra coisa. Isto. nao quer dizer que a pessoa em questao tenha tudo; outros bens, aliés, podem ser incorporados sem com isso alteraro fato de que o conjunto de seus bens constitui um caso de felicidade (assim como, na direcao inversa, a perda de certos bens pode destruir o ser 0 caso da felicidade: Edipo & um bom exemplo disto). (04) Didgenes Laércio Vita V 30. A passagem continua dizendo que a virtude nao é suficiente sozinha paraa felicidade, pois precisa ser acompanhada dos dois outros tipos de bens. A tesedeque a elicidade um cupindjponc dos trés tipos de bens é atribuida a Critolao em Arius Didymus 46 10-13. Critolao, quem “imitari voluit antiquos” ( Cicero, de Finibus V I4), podia bem ter-se inspirado nas passagens citadas da Magna Moralia. Arius Didymus (ou a fonte que ele segue) critica a posicao de Critolao alegando que melhor seria falar em “ativagdo” e nao ovur.sipapa . Esses dois modos de falar nao sao porém excludentes. Por outro lado, quando Arius limita 0 ovpmAnpoje a somente bens do corpo e exteriores, sua critica est facilitada por causa da limitagao concedida (126.18-127.2; para uma outra interpretacao, ver J. Annas, The Morality of Happiness, Oxford 1993, 413-415). Em Didgenes Laércio, a EUDAIMONIA E BEM SUPREMO EM ARISTOT! ES © problema, porém, de apresentar a doutrina aristotelica na versio de SuRAipopa ex tpLdv &yo@av reside no fato de que, ao fazer economia da nocao aristotélica de auto-suficiéncia, obscurece um pouco a propria tese Em sua Fticas, ‘Aristoteles resolve o problema da quantidade desses bens queconstituem felicidade através da nosao de aabrépxe.ce: do ponto de vista da quantidade, para cada caso em consideracao, a quantidade necessaria de bens é aquela que da ao sujelto & auto- Suficiéncia, Obviamente nao s6 nao implica que uma vida feliz exija a totalidade de bens ou tudo aquilo que vale a pena conseguir, como varia numericamente 4 cada ceen(®! Alem disso, ¢ isto €0 mais importante, esse critério de quantidade aplica-se juntamente com um critério de qualidade (aquele que distingue trés tipos de bens e saan tm deles como causa propria da felicidade) -como a quantidade ¢ promiscua tem relagao aos objetos aos quais se aplica, um outro critério, qualitative, discrimina 0s tipose a ordem que os bens tém entre si. Anogao de ooixriipoua éx spray Gyadav mitiga alimportancia dessas distingdes e cria a impressae de que se trata sempre de um _ passagem continua com mais uma polémica contra 0s estos: “Anstoteles manteve is virtudes Paar rn ssevas, com efeito, um homem prudente, intemperante e incontinente pode também sof jgualmente justo” (V 31). tese éboa (de fato, Arstoteles sustentou um cert tipo de nao conexaoentre ie tudes), mas 0 exemplo éraim: analisei a doutrina da avtxwokovdia rv dpesov num argo 2 Se publicado proximamente nos Cadernos do CEPAME, “A Corexao das Virtudest Fig) Avistoteles sustenta assim uma tese modesta a respeito da quantidade de bens que consti & Oe aimonia: basta satisfazer, segundo a categoria da quantidede, a auto-suficiéncia. Isto nao requet ® ar fade de bens, mas uma quantidade que proteja seu possuidor, do melhor modo possivel em 302 Situagdo precisa, das vicissitudes da vida, permitindo-the dirigir sua vida e nao ser arrastado por ela See ae permanent Happiness Aristoftead Selon, Oxford Studies in Ancient Philosophy 3198,PP 8 123,e3p 99'S White (pci p.13435)escreve que “nao éclarooquantomaisoumenos Dens prec isamente G requerido pela concepcao modesta que delineiam’; ele tem eanaetnas tedo o que Aistoteles pode dizer € que, para cadacaso, é uma quantidade auto sufi rae rato feritig os limites da (axxpipiia em questao, White (p-124) critica Irwin mas creio que Irwin sraneedo ao assinalar que tem de incluir um nimero su‘iciente de exemplares de algurs {Pes ean aaa jose cada ipo determinavel de bem, compreendendo-se aqui por tipo determinavel osts tipos mais gerais de bem (externos, do corpo e da alma). Nbs nao precisamos de todos os bens, mas ANA (Ynca volume 1 mse 25 analUnica volume 1 rimero 2 1998 26 MARCO ANTONIO ZINGANO maximo de bens independentemente de sua ordem,o que naoé ocaso. Essa impressao ia de encontro ao sentimento (correto) de que nao se precisa ter todes os bens para ser feliz, e mesmo que é possivel o set com poucos, desde que se seja auto-suficiente. Isto nao impede contudo seu interesse ao por em relevo a ligao aristotélica de que o bem supremo nao é um bem ao lado de outros, mas uma colecao de bens, nao um bern mas esses bens. Iv J. L. Ackrill deu uma resposta préxima & que estou propondo num artigo bastante influente publicado em 1974". Ele reagiu vigorosamente contra Hardie a propésito da dupla concepgao aristotélica de supremo bem. Para Ackrill, Aristételes nao hesita entre um bem inclusivo e um bem dominante: eudaimonianao ¢ uma dentre as virtudes, mas todas elas. Obem supremo éo melhor sem contarcomo um outrobem: Eomethor, emelhor do que qualquer outra coisa, nao como bacon é melhor do que ‘vos ou tomates (e por conseguinte o melhor dos trés para escolher), mas no modo como bacon, ovos e tomates é um desjejum melhor do que ou bacon, ou ovos ou tomates - na verdade, é 0 melhor desjejum sem qualificagao. (p.346) O problema, no entanto, consiste em como dar uma interpretacao alternativa para EN 16 1098a-16-18. Se Ackrill tem razao, a passagem deveria apresentar “se ha mais de uma virtude, entao a eudaimonia é a atividade da alma segundo todas elas” € nao como 0 texto dos manuscritos: “entao segundo a melhor e mais perfeita”. Ele seguramente dealguns;ao filésofo nao cabe determinar precisamente quais (isto éfeito pelo prudente), ‘mas investigar sobre alguns em particular e sobre sua hierarquia. (16) Ackrill,}L. Aristotle on Eudaimonia. Dawes Hicks Lecture on Philosophy; Procedings of the British Academy 60, 1974 pp.339-358. EUDAIMONIA E BEM SUPREMO EM ARISTOTELES resolve o problema lendo esta passagem a luz de FE I 1 1219435-39: ja quea felicidade, como foi dito, é algo perfeito, e hi uma vida perfeita ¢ una vida imperfeita-edomesmo modo comoa virtude (pois| umaé total <éAn>, aoutra {parte -yop.ov>) -a atividade das imperfeitas sendo imperfeita a Felicidade sera a atividade de uma vida perfeita segundo virtude perfeita Ackrill considera que a referéncia aqui a todo e parte torna evidente que “rvirtude perfeita” significa “todas as virtudes” . No entanto, isso nao parece ao claro snaim. Arstoteles argumenta que o “perfeito” que se enconira em felicidade deve aevtret também nos membros de sua cefinigao. Nao claro em que sentido a cuclaimonia € perfeita; provavelmente o é porque €0 fim mais final. A vida perfeita parece o ser no sentido de completa - nao se tem eudaimonia por um pequeno lapso Fe tempo, mas sua terporalidade estende-se ao longo da vida, sentido em qué 2 Virtude é dita “perfeita” é provavelmente outro. A relacao todo-parte sugere uma oposicao entre ter uma (ou algumas) virtude(s) e ter todas as virtudes: mas nao ha penhum argumento anterior que suporte essa afirmacéo. © que se tem é que 2 redaitnonie’ uma atividade virtuosa, e nao hé por que supor que a virtucle em questao sejam todas as virtudes “ ia uma razao, porém, parase suspeitar de que a completudenaoéa melhor resposta.O desjejum de Ackrill podemuito facilmente passar de copioso a repugnante. ‘Aoescrever quea eudaimonia “contémas atividades quetém valor intrinseco”(P. 345), que “inclui tudo que é desejavel por si mesmo” (p.346), ou que “necessariamente srdui todas as atividades que tém valor”(p.347), Ackrill parece esposar a tese maximalista segundo a qual nao se pode acrescentar um bem 4 eudaimonia pordus tla a inclui todos os bens. Se for isto, Stephen White observoucorretamente que nao ccmonte a evdaimonia seria inatingivel como entraria em contradigao com fatos _—_ (a7) CLM. Woods, Aristotle's Eudemian Ethics 1, Il and VILL Oxford 1982, pp.98-99 ANA’ (Ynca volume 1 nimero 2 1994 27 ANA! (ca volume 1 rimero 2 1994 28 MARCO ANTONIO ZINGANO dbvios. Se nada pudesse ser acrescentado ao desjejum de Ackrill entao ele incluiria melao, batatas, muffins etc.eisto ad nauseam; eo que € pior, teria de incluir todos osovos. e bacon do mundo ete. ad maiorem nauseam. Esta tese maximalista obviamente nao pode ser aceita. O problema ficou mais grave quando a tese maximalista passou a ser entao alvo de criticas também na perspectiva de que toda interpretacao inclusivista da eudaimonia estaria comprometida, mais ou menos claramente, com tal tse!” No entanto, Ackrill nao se compromete obrigatoriamente com um desjejum tao farto, nem se compromete com a tese maximalista toda interpretacao inclusivista da felicidade. Apesar da ambigitidade de expressdo, fortalecida pela interpretagao da auto-suficiéncia como nao carecendo de nada a titulo de ter tudo , 0 ponto de Ackrill pode ser reformulado de modo aevitar esses escolhos, pois consiste propriamenteem assinalar que a eudaimonia inclui todos os bens intrinsecos no sentido de que se pode dizer de todo bem em si que é perseguido em vista da felicidade (por conseguinte, a cudaimonia tem de poder incluir todo bem)®. Isto néo implica que, para ser feliz, se tenha de ter todos os bens, mas sim que, se é 0 caso da eudaimonia, todos os bens em questao sao partes dela. Formalmente, a eudaimonia inclui todos os bens (e tem de poder inclui-los); materialmente, contudo, casos de eudaimonia incluem quantidades auto-suficientes de bens segundo uma certa ordem (a virtude é causa propria, os bens exteriores sao causas coadjuvantes da felicidade), sem necessariamente incluir todos os bens Mas como entao interpretar a virtude perfeita em EN16 1098a16-18? Numa outra passagem de EE I11, ocapitulo deonde Ackrill retiroua referéncia a virtude total, Aristételes excluia virtude da parte nutritiva da “virtude total” (1219621). Um pouco (18) 8. White, Aristotelian Happiness, p.123. 29) Cf. R, Heinaman, Eudaimonia, p48 (20) Com efeito, Ackrill escreve que, se “(i) vocé nao pode dizer da eudaimonia que voc® a persegueem. vista de outra coisa, voce pode dizer de tudo mais que vocéo persegue em vista da eudaimonia” (p.346; grifosmeus). Naseqiiéncia, Ackrill escreve que” (li) vocé nao podedizer que voc® prefeririaeudaimonia mais algo extra a eudaimonia”. Se esse algo for um bem, Ackrill esté correto; mas se nao pertencer a esta EUDAIMONIA E BEM SUPREMO EM ARISTOTELES ais adiante, 6 dito que as duas outras partes que devem ser mantidas sao as duas partes da alma queparticipam da razao (1219528: 560 wépn wots 2.6700 netéxoveat), Isto €, aquela que éracional no sentido de poder receber razdeseaquela que é racional oe entiio de dar ou estabelecer razées. Ora, isto parece indicar que a virtude total ¢ aquela que tem estas duas partes, isto é, aquela na qual a virtude intelectual age no sa loca virtude moral avirtude propria), enquanto avirtudeimperfeitaéa virtude ‘moral natural que, sempre podendo aceitar razoes, nao sabe, contudo, dar ou mie thelecer razoes, Isto nos remete, assim a distingao entre virtude moral natural © vistude moral propria. A eudaimonia, sendo algo perfeito, requer a atividace segundoa virtude propria (perfeita) endo segundo a virtude natural“. O problema aqui aindanaoé de todas (oude quantas) virtudes, mas do modo deser decada virtude segundo a qual sua atividade conduz a eudaimonia v Resta um problema particularmente espinhoso a resolver. Num artigo publicado em 1958, Peter Geach chamou atengao a uma falacia cometida por alguns filosofos a propésito do bem supremo”. A falacia é bastante simples: todos nos percebemos a diferenca entre (i) “todo menino ama alguma menina’ ¢ (ji) “ha uma eenina que todo menino ama”. Esta falécia, que Geach chamou de “boy-and girl OE categoria, proprio Arisioteles observa que entao se pode aplicar o “topos” do “preferivel"(Tépicas m 2 117a21-23). Cf. Topiques, ed J. Brunschwig, Paris 1967,p.157, dat) Aristateles, nao parece, porém, satisfeito com esse vocabulio de todoe parte: No livro EN VI EE V), quando a virtude total passa a incluir explicitamente a sabedoria tedrica, AristGteles aprrsen ¢ Nias entre as virtudes moras imperfeitae perieita de um modo diferente, a saber, semelhanl. a relasao que existe entre habilidade e prucéncia(ct nota 11). Em EN VI asabedoria teérica ¢ parte da verteae otal (13 1144a5); a eazao € que é virtude de uma das duas partes racionais da alma Ua) Geach’ P-T. History of a Fallacy, Journal of the Philosophical Association (Bombay) V 19-20, 195%; republicado em Logic Matters, Oxford 1972, pp-1-13 analtfica volume 1 svimero2 1994 29 ANA\ Mrca vohime 1 riimero 2 194 30 MARCO ANTONIO ZINGANO fallacy”, consiste na passagem de (i) Vx 3y (xRy) a (ii) 3y_Vx (xRy). Entre outros fil6sofos, Geach acusa Aristételes de té-la cometido no inicio da Ethica Nicomachea: Se (a) hd, entao, um fim das agdes que desejamos por si mesmo, sendo 0 resto desejado em vista dele, e (Kat) se (b) nao escolhemos tudo em vista de outra coisa (se assim fosse, prosseguir-se-ia ao infinito, de tal forma que o desejo seria vazio e vo), é evidente que (c)este fim é o bem eo bem supremo. (11 1094a18-22) Para Geach, fica evidente aqui que Aristételes se sente autorizado a passar de “toda série cujos termos sucessivos estao na relagao em vista de tem um termo tiltimo” a “hd algo queé o termo ultimo de toda série cujos termos sucessivos esto na relagio emvista de". Ora,istonao éoutra coisa sendo cometer a falacia do menino-e-da-menina. Geach liquidou assim com os anos dourados dos comentadores desta passagem. Dos comentadores gregos antigos. Eustratioé quem mais impressiona. Ele nao S6 nao a viu; ele apostou na falacia, Ele interpretou a observagao semantica de Aristételes a respeito da nogao de “bem”(“bem” significa aquilo a que todo o resto tende) como uma definigao do Bem transcendental (tudo tende a um tinico bem que estdacimade todos)”. Defendendo umaleitura excessivamente platénica da passagem {a ponto de o impedir, por exemplo, de pelo menos analisar a critica de Aristteles a Platéoem EN 14), Eustratio influenciou fortemente a tradicao (principalmente através da traducao latina feita por Grosseteste) no sentido nao s6 de nao ver aqui nenhum problema, como também de localizar nesta passagem o que ha de mais precioso na ética aristotélica. Assim, pode-se ler em Alexander Grant, a respeito do regressus in (23) Eustrati in Eth, Nic. 11: 801 Hey yap Kowov Gyadv, ob maven Egicda Kai Bt & névae eotiv 400, tar te tanewvirepa Te Te GyMAdtEpR... T HEV Yap KOWEY Tog Reeve TOV SvEaV A dvea ear TO KOLVY ‘ayadiv, Smepéativ b Beds (CAG XX 6, 5-13; 13,5-6). Outros comentadores mitigaram essainterpretagio radical tentando voltar assim ao aristotelismo; Boécio da Dacia, por exemplo, estabelece um bem supremo para cada genera de ser; no caso dohomem, obemsupremo “consiste em conhecer a verdade, fazer o bem e ter prazer em ambos”(On the Supreme good, ed J. Wippel, 1987, p.29) EUDAIMONIA E BEM SUPREMO EM ARISTOTELES infinitum, que “este €0 argumento: sobre o qual esta baseado todo o sistema da Btica” Os editores modernos nao modificaram tal panorama: Tricot comenta em nota que “Atist6teles provou a existéncia do bem supremo; Gauthier-Jolif, com mais cautela, dizem somente que Arist6teles retomou uma prova de origem platénica bem caathecida de seu audit6rio; Dirlmeier menciona comaprovaca0 o juizodeGrant**. Proceder assim nao € mais possivel; € preciso agora esclarecer se Arist6teles cometeu ou nao tal falacia™. Busicamente, duas estratégias foram propostas para defender Aristoteles. A primeira consiste em revisitar aestrutura da passagem, Com efeito,oargumento tem, para Geach, a seguinte estrutura: “ja que_(b) € verdadeiro, entao (@) tambem é,e (2) E> que é dito por (c)”. A estrutura nao parece ser a melhor; foi observado que taramente xai introduz uma inferéncia, e, mesmo que introduzisse, a estrutura ceveria ere (b),entao (a), queé (c)’. Por que diabos entao Anist6teles teriainvertido aordem do argumento? No mesmo sentido, pode-se também considerar que 0 “se” nao figura como um conectivo légico de “se p € q, entao r”, mas, propriamente, introduz na primeira parte da protase algo como “no caso de p ser verdadeira, ¢ visto que r, entéo p seria algo como 1”, sem com isso concluir, mas somente indicar ou | (Gu A. Grant, Aristolle's Ethics, Londres 2 vols, 1885 (4ed); J. Tricot, Ethique & Nicomague, Paris 105% Co ice Jolt, Ethique a Nicomaque, Louvain 1958-1959; F. Disimeier, Nikomachische Ethk, Benim 1350 P- Aubengjue nao analisa 0 problema (Le probleme de tre chez Aristte, Paris 1962; La prudence chez Aristote, Paris 1963) (25) GEM. Anscombe atribuiu a falécia a Aristteles em An introduction to Witigenstein's Tricine (Londzes 1959, pp 15-16)-em Intention (1958), ea escrevia que parece haver uma tansigdo iia" (423); J. Ackril tambérn oacusa, desculpando-o, porém, porque ofimem questao é un fim inclusiv (Aristotle seen noni 1974), Engberg-Pedersen apresenta uma ezaomuitosingular (ediscutivel inveriendo cerfermos da quest&o, pots, para ele, unicamente a nogdo de “estado eudaiménico” pode justifict 8 ao aerrvvede de parar em afgum ponto para cada série particular (Aristotle's Theory of Moral Insight, Ofond 1988, p3i).C. von Wright afirma que o eudaimonismo psicoligico seguramente cai a fla oar eentbbut a Aristoteles, a posigao nica da eudaimonia (que levou Arist6teles a consideré-la aa emt supremo) consistiria em ser 0 dnico fim que nao pode ser senso final endo que sei of ttre de odes as nossas agoes (The Varieties of Goodness, Londres 1963, p.89). W. Hardie procura ANA (nce volume 1 nimero2 1994 31 ANA| (ca volume 1 nuimero 2 1994 32 MARCO ANTONIO ZINGANO. anunciar que uma investigagéo vale a pena ser feita a este respeito. A segunda estratégia consiste em aceitar a estrutura de argumento e procurar no contexto proximo a afirmacao dealgo que permita passar de finsem si aum nico fim supremo. Esta estratégia parece ser mais recompensadora, pois, nos paragrafos seguintes, Arist6teles passa a falar de uma ciéncia arquitetonica suprema, a politica, @ qual tem de corresponder um fim de mesmas caracteristicas, isto é, um fim supremo”, A primeira estratégia retira sua forca basicamente de argumentos de ordem lingiifstica. Seu interesse é menor e subserviente A anidlise filoséfica. A segunda estratégia parece melhor, porém um leitor atento nao deixara de observar que, na ordem do texto, Aristételes sustenta primeiro a doutrina do bem supremo para s6 entao investigar aciéncia que dele deve ocupar-se- procedimento, alias, bem de acordo inocenté-lo: Aristoteles afirmaria aqui, primeiro, que hé fins em si (sua pluralidade é mencionada mais adiante em 1097a22-4) e, segundo, que, se ha um fim tinico, entao é muito importante saber qual é, sem or isso provar que ha um tinico bem tiltimo (Aristotle's Ethical Theory, pp.l6-17); T. Irwin observou que o regressus in infinittem pode indicar nao um absurdo, mas somente uma conseqiiéncia indesejavel da recusa de admitirum fim tiltimo tinico (Plato's Moral Theory, Oxford 1977, pp 51-52e295; posteriormente, sustentou que 0 regressus 6 uma condicao necessaria mas nao suficiente para a existéncia do bem, final; deve haver um bem supremo porque ha uma ciéncia suprema,a politica, e toda ciéncia visa a um bem, a cigncia suprema visando ao bem supremo: Aristotle's First Principles, Oxford 1988, pp.359-60,604); C Reeve tomaa passagem naocomoum argumentoa favorda existéncia do bem supremo, mascomouma definicao do bem supremo e um argumento acerca da escolha racional; o fim siltimo é garantido pela afirmagao de que ha algo, a politica, a que tudo esta subordinado (Practices of Reason, Oxford 1992,p. 110). Urmson preferiu dizer que “nds podemos ter um fim que englobe todos os outros” (Aristotle's Ethics, Oxford 1988, p.11); J. Cooper insistiu sobre a estrutura do argumento (Reason and Human Good in Aristotle, Harvard 1975, p.93);R. Kraut sugeriu queo se” da protase significa “caso for verdade que”, sendo uma indicacao proviséria endo uma demonstragao (Aristotle on the Human Good, Princeton 1989, pp.217-20), Pata uma defesa particular, ver T. Roche,, In Defense ofan Alternative View of the Foundation of Aristotle's Moral Theory (Phronesis 1992 pp.46-84); para uma reconstrucaolégica, B._illiams, Aristotle (on the Good: a formal sketch Phil. Quartely XIL 49 1962, pp-289-296) e C. Kirwan, Logic and The Good in Aristotle (Phil. Quartely XVII 67 1967 pp.97-114) 26). Broadie proce:de de um modo mais complexo. Ela detecta a faldcia jem 1094a1-3, nas primeiras linhasda Ethica Nicoraachea, tomando assim a observagaosemantica (correta) a respeitoda nogao debem EUDAIMONIA E BEM SUPREMO EM ARISTOTELES comseuhabito, Além disso, aafirmagao de uma ciénciasuprema (econseqiientemente Ge seu objetivo supremo) aparece mitigada por seu cardter arquitet6nico em relacao somenteaqueles fins quecaem sob uma tinica capacidadeno interior de um, variegado diefins que sao objetos de diferentes artes eciéncias, sem que hajanecessariamente ule Ciencia de todos os fins (EN 11 1094a6-10). Ambas as estratégias tem assim um porto feaco, Antes de. optar por uma ou outra, é preferivel entao procurar compreender cnatgmenteondeesta o problema. Ora, pivé dacriseécertamente (b); porconseguinte, convém primeiro analisé-lo com cuidado. ‘A primeira vista, (b) nos diz somente que se desejamos Aem vista de B, Bem vistade C Cem vista de De assim sucessivamente, nao havendo um limite onde pater, Entao nosso desejo sera vazio e vao. O argumento ad infinitum € um conhecido argumento desestabilizador. Nao parece estar em jogo aqui outra colsa do que ja estava presente no Lysis de Platao: ohorror infiniti exige um fir sltimo para ume série ae calmenteestabelecida. Uma passagem da Metafisica (a2994a8-10) parececonfirmar _ (109443: “o bem € aquilo para o qual tudo tende”) como conclusio da inferéncia de “cada Cols tende eee yee cing algo pata 0 qual tudo tende”. [sto ndo € formalmente valido, mas, segundo «1a ‘Aristoteles nao pretende que oseja. Formalmente, naohé como passar a um ‘96 fim supremo; Aristoteles passa a0 fim unico nao por analise conceitual, mas por forca “da idéia de uma atividade realmente pase ao ausenerglasde pessoas que tem de viver daquiloqueeleseseuscompanheiros fazeny "(Eis or Arletotle Oxford 1991, p10) [sto abriria 0 camino a nocBo do bern e a conclusio de que existe un tem supremo, No entanto, a autora observa que iso 36 mostra pele momento que os bens “S bens, © que significa que eles sio fins com valor’(p.11), dando valor as nossas atividades seriamente toanizadias rama hierarquia, sem provar que hé um tnico fim sob o qual todos os outros tombam. Sees teurara entao um novo argumento em 1034a18-22; se nao ha um fim Giltimo, nosso deseo aoe ige Mas isso ainda é compativel com uma multiplcidade de fins. Aristoteles finalmente passa sain pte um anico bem supremondo mediante andlise conceitual, mas por forga novamente “de aortas expentncia humana por ser wma condicaonecesséria para muito dessa experitnci 9 ato {ue sociedades humanas existem e s80 organizadas"(p.15), Essa organizagap © & politica, ciéncia prema a qual corresponde um fim supremo. Aestratégiaadotada por’. Broadie parece ne duplicar a aarena aa tarefa de Anstoteles 20 retroceder a faldcia a8 primeiras linhas da Ethia, além de complicar-secom uma explicagao: sobrea efetividade e seriedade denossasatividades que éirrelevante a questao. ANA! (Ynca volume 1 auimero2 1994 33

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