implica primeiro na compreensão dos fatores que a impulsionaram, o chamou a atenção das autoridades das cidades para a situação em que se
contexto em que ela se deu e as transformações que permeavam a encontravam as escolas e que os mesmos não poderiam mais se isentar
Europa no final da Idade Média. desta responsabilidade, uma vez que, a educação era função do Estado.
Neste sentido, este trabalho tem por objetivo principal analisar a Para promover o progresso e desenvolvimento das cidades era necessá-
contribuição do pensamento de Lutero para as propostas educacionais rio a atuação de pessoas bem preparadas e bem instruídas. Isto só seria
que ocorreram no contexto da Reforma Religiosa, e das transforma- possível através de uma educação de qualidade.
de Lutero eram ainda fortemente medievais, sua teologia era fundamente A intenção de Lutero com a afixação das 95 teses, na véspera do
marcada pelo pensamento escolástico medieval, embora criticasse a teo- dia de Todos os Santos, era suscitar uma discussão acadêmica e des-
logia escolástica e suas bases filosóficas em Aristóteles. pertar para mudanças no interior da Igreja e não promover uma ruptura
Até aqui a existência de Lutero dava-se em silêncio, apesar do na cristandade. Mas seria possível? Estaria realmente Lutero certo de
grande poder intelectual que possuía. Porém, a partir de 1517, após que suas teses ficariam apenas no campo da discussão?
fixar as 95 teses que condenavam a venda de indulgências e questio- A afixação das teses em si não se constituía nada fora do normal,
navam o poder do papa, na porta do castelo de Wittenberg, em poucos pois na Idade Média era comum ações deste tipo com o intuito de
meses tornara-se o homem mais conhecido da Alemanha. Segundo levantar debates a respeito das matérias expostas. As teses repre-
Collinson, o acontecido em 31 de outubro de 1517 “foi comparado a sentavam objeções de caráter provisório, por meio das quais Lutero
um homem que tateia subindo à torre de uma igreja no escuro, pendu- desejava chamar a atenção da Igreja para o tema em questão. (GRE-
rado a uma corda até perceber que está tocando um sino que acorda a EN, op.cit.). Até então, não havia razões para se pensar em Lutero
aldeia inteira.” (COLLINSON, op.cit., p.77). como um reformador, pois nem ele mesmo se considerava como tal.
Lutero já havia demonstrado, em pregações anteriores a 1517, Foi somente a partir de 1528, que em algumas passagens escassas, se
suas reservas com relação ao propósito das indulgências, o que não referiu à reforma desencadeada por ele. (LIENHARD, op.cit.). Entre-
Para tanto, afirmava: como Luzuriaga, reconhecem a tradução da Bíblia para o alemão, como
sua principal obra educativa. Contudo para que sua interpretação fos-
Também cada cidadão deveria pensar o seguinte: Até agora dis-
pendeu inutilmente tanto dinheiro e bens com indulgências, mis- se correta, enfatizava a necessidade do ensino das línguas antigas,
sas, vigílias, doações, espólios testamentários, missas anuais pelo latim, hebraico e grego, uma vez que as considerava úteis e neces-
falecimento, ordens mendicantes, fraternidades, peregrinações e
toda a confusão de outras práticas deste tipo; estando agora livre sárias a toda cristandade, pois o conhecimento das mesmas evitaria
desta ladroeira e doações para o futuro, pela graça de Deus, que os tropeços, a compreensão equivocada, os erros que muitos clérigos
doravante doe, por agradecimento e para a glória de Deus, parte
disso para a escola, para educar as pobres crianças, onde está cometiam, pois
empregado tão bem. (id. ibid., p. 305). os sofistas disseram que a Escritura é obscura; pensavam que a
Palavra de Deus fosse muito obscura por natureza e que se ex-
Percebe-se de sua parte, um esforço em mobilizar todos, a favor pressava de maneira muito estranho. Mas não vêem que o erro
da educação dos mais simples, embora em sua concepção, o dever todo está no desconhecimento das línguas. Do contrário, se enten-
recaísse sobre as autoridades das diversas cidades alemãs. Verifica-se dêssemos as línguas, jamais teria sido dito algo mais claro do que
a Palavra de Deus. ( LUTERO, op. cit., p. 315).
então, um interesse pela educação nacional.
Em sua proposta de criação de novas escolas para a formação de Os sofistas a que se referia Lutero eram os escolásticos das uni-
pessoas que atuassem na sociedade, quer como pregadores do Evan- versidades medievais, que por falta de domínio das línguas utilizaram-
notas de rodapé
1
Refere-se a preceitos educacionais porque neste período não havia ainda um sistema escolar nos moldes como hoje é concebido.
2
A prática das indulgências remonta ao século XI. A princípio elas envolviam somente as penas impostas pela Igreja aqui na terra, abrangendo
posteriormente às do purgatório e as que diziam respeito a pessoas já falecidas. As indulgências eram entendidas como a remissão, por parte
da Igreja, de uma pena imposta ao penitente, após ele ter confessado e sido absolvido. Desta forma, a indulgência não era aplicada antes da
confissão e da absolvição. Porém, facilidades foram associadas à aquisição das mesmas, o que levou alguns a acharem que a indulgência dava
cobertura aos pecados que ainda seriam cometidos. (LIENHARD,1999).
3
O termo Corte refere-se ao local, ou seja, ao extenso império que compreende a morada do príncipe e seus descendentes, bem como, ao grupo
de pessoas que a constituem. Para Norbert Elias (2001), esta instituição é definida como uma “configuração social” definida pelas relações so-
ciais que lhe são próprias, envolvendo os seguintes elementos: ordem hierárquica e rígida etiqueta. A Corte agregava em si tanto a esfera pública
quanto a privada, servia à administração do Estado e era a residência do rei. (ELIAS, 2001).
4
A burguesia deste período não possuía a mesma conotação que possui hoje. Compreendia geralmente os comerciantes, mas abrangia também,
os mestres das principais corporações de ofício existentes em cada burgo. Essa burguesia urbana dedicou-se ainda muito cedo em garantir sua
autonomia, bem como a de suas cidades, em relação aos seus senhores, quer fossem leigos ou eclesiásticos. ( FALCON, op. cit.).
5
Delumeau define o renascimento como “a promoção do Ocidente numa época em que a civilização da Europa ultrapassou, de modo decisivo,
as civilizações que lhe eram paralelas. (...) Entre 1320 e 1450 abateu-se sobre a Europa uma conjunção de desgraças: privações, epidemias,
guerras, aumento brutal da mortalidade, diminuição de metais preciosos, avanço dos Turcos; desafios esses que foram vencidos com coragem
e com gênio. A história do Renascimento é a história desses desafios e dessas respostas. A crítica do pensamento clerical da Idade Média, a
recuperação demográfica, os progressos técnicos, a aventura marítima, uma estética nova, um cristianismo reelaborado e rejuvenescido: eis os
principais elementos da resposta do ocidente às tão variadas dificuldades que no seu caminho se haviam acumulado.” (DELUMEAU, 1983, p.
20,21, a). Para Mousnier, o renascimento foi um florescimento da vida em todos os sentidos, e embora suas maiores expressões tenham se dado
entre 1490 a 1560, não ficou restrito a este período. Um fluxo de vitalidade levantou a sociedade européia, transformando toda a civilização. Esse
vigor “renovou a vida da inteligência e a dos sentidos, o saber e a arte.” (MOUSNIER, op.cit., p. 2).
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