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D417p Denzin, Norman Kk. 0 planejamento da pesquisa qualitativa : teorias e abordagens / | Norman K. Denzin, Yvonna S. Lincoln ; tradugéo Sandra Regina Netz, ~ Porto Alegre : Artmed, 2006, 432 p. ; 25 om. ISBN 85-363-0663-7 | | 1. Ciéncias socials - Pesquisa qualitativa. 2. Pesquisa | qualitativa.{. Lincoln,Yvonna. 11. Titulo, cpu 3:001.89 Catalogagao na publicagao: Jalla Angst Coelho - CRB 10/1712 Para quem? Pesquisa qualitativa, representacées e responsabilidades sociais* CCresci em um mundo onde falar da me dos outros era uma forma de vida, um ato do dia-a-dia. Para to- dios nés, meninose meninas era uma espéci de jogo ou perfrmance,Indepersente dabrincadeira—“tima’, “wova’, “desafio",“trava-lingua” ou simplesmente “jogo-de-palavras”— a maior pare dela ea ridiculs, tum humor surreal que pouco conservava da realida- ei “Tua mie € tio gorda que quebrou a cadeia ali mentar" “Tua mie € tio pilida que virou dublé do Gasparzinho—o Fantasminta Camarada", “Tea mie tio burma que ela penseva que a mancha vermelha ‘no colar do teu pai fosetinta de caneta". Mais ddoque qualquer coisa, era um esforgo para dominara retafore absurda, uma forma de arte que inha ain- tengio de enter, ndo de Voce poderiaimaginar que como uma crianga crescendo em um mundo desses eu conseguia lidar com qualquer tipo de insult, oua0 menos estar pre- parada para qualquer calinis langada contra minha Michelle Fine, Lois Weis, Susan Weseen e Loonmun Wong me, ou, nesse sentido, contra minha familia, meus araigos ou as famfis de meus amigos, Porém, quan- do comece a faculdade e passe a ler regularmente Jornais, monografase livros-texto, percebi que mui ‘os académicos,jomalists, laboradores de polices «politicos haviam adotado o jogo-de-palavras em outro nivel. Em todos os anos em que bringuel com esse jogo, raramente ouvi criticas mais mordazes € maldosas quanto as palavas que jorraram da boca do diretor da previdéncia do condado de Riverside (California), Lawrence Townsend: “Toda a vee que ‘enxergo uma mendiga na rua,eu me pergunto: Send ue era uma mie que estava na lista do Auailio as Familias com Filhos Dependentes atravessendo tenopausa— que j ndo consegue mais reproduzi ce ganhar dinheiro para se sustentar?". Criancas ja clsseram que meu cabelo era tio crespo que parecia nil afticanos saudando o Black Prue, mas nunca nin- guém me disse na minhe cara que toda mina fami "Este capitulo traz mais detlhes a respeito de um antigo mais antigo escrito pelos dis primeiros autores incculato “Witing the ‘wrongs’ of field work" (Fine e We's 1996) Os dados agi relatadas foram reunidos cam a generos ajuda da Spencer Founda tion da Carnegie Foundation, os (ne a ET m0 Schadar Daniel Pate ct se 1965, 050 uma 28 de analists e politicos inelainds Dinesh ‘Souza, o garoto-mmaravitha da extrema dieita, (Kelly 1997, pb Neste mos em re ai sao, idamnos com as decisdes que torna- 10 a@ modo de representar 25 conse~ cigs da pobreza sobrea vida de homens e de mmu- eres pores da classe trabalhadora em uma época em que o Estado exerce uma vigilinciae um escaut nio punitivos. J discutimos eam amigos ¢ com cole- gasalgumas dessas quesibes — alemadameate deno- rinadas rca, demas e implesmente pesuisa. Alguns acham que estamos "fazendo muito banulho por nada’ Outros sentem: alvads por esarmes falando "em. alto e bom tom” arespeio dessa nava geracio de pro- blemas. Muitos gostariam que continudssemos a nos esconder sob o manto até certo ponto transparente da pesquisa qualitatva; e ainda somes obrigados atemtar incitar um dislogo pablico sobre os pesquisadores © sobre as responsablidades em diregdo a uma nogio de pesquisa pela justia social ‘Como escrevemes a respeito de comunidades pobres ¢ da politica social erm uma época de triunfo rita, e como procuramos ser levadas a sério por amas as audigncias, sdbemos que & essericial consi- dderarmos o poder. as obrigacSes as responsabilid: des da pesquisa social em sta plenitude. Entretant, nna montagem contemporinea das representagdes perversas dos homens ¢ das mulheres pobres ¢ da classe trabathadora, especialmente das pessoas de cor, escrevemos com ¢ para os organizadores da comuni- dade, os elaboradores de politics, os ativstas loca 0 publica ¢ para os alunos de graduacae. Este capitulo representa uma andlise conereta — talvez uma atualizagdo — do que Michelle Fine (1994, p. 70) chamou de “trabalhar © elemento de tunido € separagio” Grande parte da pesquisa qualtativa tern repradu- Zido, quando cheia de conmadigdes. umn discurso colonizador sobre o “outro”, Esteensaio € uma ten- tativade rever como os proetos de pesquisa quali- tativa tem Fidado com essa questio do outro © de © PLANEJAMENTO DA PESQUISA QUALITATIVA primeiro momento, exsinine tlemento gue une ¢ divide o Eu do Outro 1 tica do cotidiano, ou seja, aquilo que tanto sep quanto funde as identistades pessoais com af como inventamos os oars. A seguir et abiordye moda como os pesquisidores qualitativos ham esse elementa 4.) [por meio] de unt, ddesordenada de epistemologias & medida gue repensamos como os pesquisadores falam “dos” e “para os” outros 16 mesmo tempo em qu ocluitras a nds mesmose rhossos investimentos, encod indo a que permeiam no ciemente de un centre 0 Eu eo Outro. juestdes sobre mécodas, bieas ¢ ce separagio Nao necessariamente procuramos nos em uma simples relexiridade sobre o modo come nossa diversidade de eus (ude. feminino, masculino, franco, materia emp 10 05 quis fazernos Into, embora esse trabalho seja obviamente impor rante (Weis ¢ Fine, no prelo), Em vez disse, agui uma série de pontos auto Sncia ertica em tomo das questo sertara responsabilidade, ou sj. transformaracons- citncia publica e o “senso commun” sobre as classes pobres ¢ trabathadoras,escrever em formates relacionem as vidas 3s estrururas racials ¢ is eco mias e construir historias ¢ andlises que interrr pam e reformulem os mantras da década de 1990 que responsabilizaram a vitina Escrevendo contra noss9s priprios prin acreditamos que seria dtl manifestar claramente a politica ¢ 0 conhecimento envolvides nas decises que tomamos. Flexibilizando nossas reflexividades Tanta historicamente como nos dias de hoje, 2 relagio entre o pesquisadar eo sujeito tem sido "cbs ‘ngs textos das ciéncias Socials, tem prote do prisilégios, assegurado um distanciamento e e3 coberto as contradicdes” (Fine, 1994, p. 72). Him po, existe uma tendéncia a se en ccurecic wcontanine or potencial, algo para ser separado, neutralizado, ainimizado, adronizado e controlado. Essa clasif- casio do mundo do pesquisador€ evdente no estilo lieréiohistorcamente dominante da ciéncia social (Madigan, Johnson e Linton, 1985), o qual basea-se emuma “clara entincia” dos agpectos subjetivos ou pessoas da experiéncia (Morauski e Bayer 1995), penicularmente daguelesreferentes aos pesquisado- 163 Conforme expica Ruth Behar (1993, p.273):"Pe- BE dines revelagdes dos outros, mas pouco ou nada re- Bream “ulnerdiis, porém permanecemos invulnerdveis. A nuseosinformantes esta carregar ofardo das repre seniagdes, enquanto nos escondemnosatrés do man: toda suposta neutralida Mesmo que seja verdadera a afirmacdo de que _cspesquisadores nunca esto ausentes de nossos tex- tos, continua havendo exatamente o probleme de eacontfar um modo de “escrever sobre o eu [e, acres- nari 05505 reflexividades pollicas} dentro do texto" (Bilig, 1994, p. 326). O simples fato deinscrir brevemente informacies autobiogrficas 08 pessoas geralmente serve para estabelecer ¢ afirmar toridade do pesquisador, servindo, no final das contas, para produ textos nos quais “howe uma satitizagao do eu” (Okely, 1992, p. 5). Entetanto, inundar o texco com ruminagdes sobre as subjet _tades do pesquisador tamibém tein o potencial de si- Lencar 0 partcipaitessujeitos” Cal, 1996). via também riecessrio Sliéntar que ur apelo A inclusio da experiacia subjetiva do pesquisador dentro do que tradicionalmente imagina-se ser uma imutria de estudo traz implicacées distntas para pe suisadores que estejam em situagies diferentes. Nas ios de pesquisadores relativamente prvilegiados que estudam individuos cujas experiéncias foram mmarginalizadas, 0 potencial do modo reflexivo de lenciat 0s sujeitos € particularmente preocupante. fc para a reflexividade escorregar para um tema que Patricia Clough (1992, p. 63) denominou uma “ex- teoversio compulsiva de interforidatle”. Nas palavras de Renato Rosaldo (1989): Se o vicio da etnograia «léssca foi uma escorregadela do ideal do afastament para a verdadeira indiferenga, 9 da anual tee & tendéncia de o Eu auto-absorvitio perder to- f “almente de vista o Outro que Ihe sejaculturalmente diferente” (p. 7). Todavia, partindo de uma perspecti- Tecompletamente diferente e sobreposta, alguns te6- ticos da raca (p ex, Ladner, 1971; Lawrence, 1995, sobre 16s miesmos; TeRames OF outros Matsuda, 1995) sugericam que, para as pessoas de cor cujas historias nunca foram contadas, “a afirma- io de nossa presena subjetiva como criadores € intérpretes do texto (é um] ato politico” (Lawrence, 1995, p. 349). De acordo com Donn ray (1991 192), “A visio € sempre uma questio do poder de. ver—e taliez da violencia implicita em nossas prati- Teas de visualizacdo”; dererminar a quem é permitido esse poder de ver e falar a respeito do que se vé, as- sim como do que esté escondido do escrutinio — ou quem se apropria desse poder — € uma questio que esté no cere de nossos exames sobre nossas es- Ponsabilidades sociais de escrever ou de reapresen- tar em uma Epoca em que os pobres soem tm ata que des1Syic- Asim, em nossas preocupagées com a representagis e com as responsebilidades, busca- tos narrar uma forma de reflexividade nesses tem- pos bastante mediocres. 4 Sujeito textual No restante deste capitulo, fazemos uma refle- xo a respeito dos materias escothidos para um lvro escrito por Michelle Fine ¢ Lois Weis sobre os habi- {antes urbanos pobres e da classe trabalhadora no final do século XX, The unknown city (1998). Nesse trabalho, Michelle ¢ Lois concentram-se nas vozes, 1a politica, nas desilusdes e nas esperancas de jovens bangs. Esses homens e essas mulher afro-americanos, brancos ¢ latinos, pobrese da clas- se trabalhiadora — apresentam historias oras de suas Tutas, vtérias e paixdes, trazendo detalhes de vidas repletas de trabalho (e de sua fala), de educacio, de vida familar, de espiritualidade, de sexuaidade, de violencia nas ruas © em seus lares e de movimentos sociais que parecem ter perdido seu vigor. Nossa and- lise sugere que esses jovens adultos, homens e mu- heres, constituem um eleitorado da democracta ame- ricana que € desconhecido, do qual nao se ouviu falar, e que érepresentado negativamente, Entre 0s 23 e os 35 anos, sem 06 recursos ¢ também sem a nogio de direito tipicamente relatada pelos membros da Gera- fo X, eles so expostose dissecados pela midia como a causa dos problemas nacionais. Descritos como se fossem 0 motivo para o aumento da criminalidade urbana, so julgados como se personificassem a ne- cessidade dé uma reforma na previdéncia, como se estivessem no centro da decadéncia moral. Ainda que © PLANEJAMENTO DA PESQUISA QUALITATIVA grande parte de politica social contemporinea desti- ne-se a “conserti-os”, nossa investigacdo revela que cles tém muito a conter aos eleboradores de politicas € 20 reso da América final dos anos de 1990 testemunhou uma en- saurrada de livros escritos a respeito, e, 3s vezes, ape- sat daqueles individuos agrupados como pobrese per tencentes 3 classe trbalhadora, Porém, os membros desse grupo, particularmente os ovens, so essencial- mente desconhecidos, e, a0 mesmo tempo, tio vist- seis enquanto “espetéculo moral” (Roman, 1997), ainda que fundamentalmente invisives (A Franklin, comunicagio pessoal, 14 de outubro de 1997). A medida que nossa nacdo afast-se de suas necessida- des, de seus desejos, de seus pontos fortes e de seus anseios, abandonamos uma geraclo. Milhdes de crianges pobres e da classe trabalhadora continuam crescendo em meio 20s destrogos da reestrururaco corporativa global, inftuenciados pelo antigo alvoro- 60 das fabricas urbanas, pelo nacionalismo america- roe pelo racismo revigorados e por um esgotemento em larga escala da rede de seguranca publica — sen- do, ao mesmo tempo, testemunhas do crescimento dda violéncia em suas comunidades e com freqiténcia ‘em seus lars, Na maioria das vezes,culpam a si mes- os ¢ uns 20s outros. O Estado afast-se do bem- ‘estar socal, € as corporagées fogem dos centros ur- banos; 0 norte, ¢ 0s Estados Unidos, desaparecem surpreendentemente na hora de se atrbuira culpa ‘Com a forga conferida aos pedidos de revogacdo de direitos civis, de agio afrmativa da previdéncia e das politicas de imigracéo, cabe observar que as wares de homens e mulheres pobres e pertencentes &s classes twabalhadoras nunca sio ouvidas, The unknown city revla nfo apenas angistias co- smuns entre os membros da classe pobre etrabalha- dora, mas uma América urbana que, a0 final do sé- culo XX, apresenta profundas cisées. Apesar da legislacdo e da politica social dos anos de 1960, des- tinada a diminuir a desigualdade € a promover a ‘coesto social, no final da década de 1990 somes uina nacZo profundamente dividida a0 longo de classes racias, nica, sociais e linhas de genera, Naquele momento, nossas metas 20 realizarmos a pesquisa para The unknown cy eram examina a exsténcia de aibutos comuns entre os americanos e 2 natureza ‘india da sociedade americana, tendo por foca 0 que chamamos de “comunidades de diferenga”, A medi- da que individuos de baixa renda aceitam migalhas emma das nagbes mas rcas do mundo, Buscamos além disso, colocaressas vozes no centro dos deba- tes nacionais sobre politica social, eno a sua mat gem, onde atualmente se encontram. Este capitulo faz uma reflexio consciente do trabalho da elabora- Glo daquele livro — das dores de cabera e das lutas [por que passamos & medida que entramos na batalha das representagies do final do século XX que ocor- rem nos habitantes urbanos pobres da classe traba- Thadore, a respeto e apesar destes, mas que raramente contam com sua participacio, Em meio ao desloca- mento econémico ¢ a uma esfera pilbica contra, procuramos reapresentar as vidas navegantes de ho- mens e de mulleres em mares de alegriae de desiu- slo, de taiva e de risos, de desespero e de oracdes. Embora tentéssemos fugir cos limites exigtios das categorias demogréficas essencialistas, o que ouvi- ‘mos de Jersey City Butfalo acabou nos trazendo de volta para essas categorias. Em outras palavras, ape- sar de tudo que sabernos, eos, ensinamos ¢ escre- vemos a respeito de raca, de classe e de género como construgbes sbciais (Fine, Powell, Weis e Wong, 1997), carregados de poder e complexidade, sempre entre spas, quendo escutamos as fitas com as gravagies das entrevistas de homens afto-americanos que vi- vernem Jersey City ou em Buffalo, icamnos impressio- nnados coma diferenga destas em relacdo 3s dos ho- mens brancos, ou 3s das mulheres latinas ou das afo-americanas. Na relidade, tanto as bases mat vias bastante distintas e as Gscunstancias histricas cumulativas de cada um desses grupos quanto enor- me variedade encontrada “dentro” das categorias ex- giram respeito intelectual e politica, Assim, conta- mos a “grande historia" de pessoas que vivem na pobreza, bem como as histéras espectticas narrdas através do género, da raga e da etnicidade. Logo, es- crevemos com e por umn conhecimento pés-estrutu- } ral de identidade e de possibilidade, sempre retor- | nando 2 bases materials “comuns” (2 economia, 0 | Estado e 0 corpo) & medida que nos movers att \ pede muangs de “trengs’ Sobre a estruturagao do trabalho Sobre a comunidade Talvez nosso dilema teSrico mais inguietante g «_Tesse erm tomo da questio:entio, o que ainal cons- til uma comunidade? Como escrever a respeito de comunidades imobiliia,limitadas pela terra, como *Bafalo ou Jersey Ci espacos “reais” geograficamen Fe vilidos, com oSdigos postaisvariados, nos quais, Sentietanto, Go pouco descobrimos em matéria de tiogafias ou de visdes psicol6gica ou socialmente scompartthadas A partir de nossos interesses teéricos, confinna- bios plas narratives que reunimos,reconhecemos que ‘avatiagdoe a5 cisdes profundas encurtaram seu cami sho por meio das vidas dentro dessas comunidades Nuancas dentografices simples, por racaletnicidade, inex, classe, geracdo ¢ Sexualidade marcaram dis tinges dramiticas em termos de expeciencia, Dentro dos bairros locais Ou de grupos racaislémicos, 0 g¢- nero, a sexualidade eas divides entre as geragdes ou sam por um fim a0 que, 3 primeira vista, eparente- mente seriam continuidades interas (West, 1993). Poe ‘esemplo, dentro de uma regio de Jersey City que pre- sumivelment seria a*mesta”,ffo-amicricarosfazem referénca 3s priticas da poliia local apresentando his- tis de importunagao e de medo, a0 passo que é bem mais provivel que os brancos reclamem de um au- mento na criminalidade e gabem-se de ter urn cunha- do poiial, Enquanto os brancos de Jersey City dés- ceteram os “bons e velhos tempos” da seguranca’ econbmica, sonhando com o dia em que estvessem se madando para Bayonne, os afro-americanos resi- dents na mesma qudra nutriam poucas recordagdes melancSlicas dos “bons e velhos tempos", ¢ sempre ctavam “ser parados nos sinaisvermelhos” em Bayon- ag com rece de que acabassem tendo que ficar mais empo por Ié do que haviam planejado Em momentos histSricos de inseguranca no e regb.c em tempos diffceis em termos econdmicos,2 resumids harmonia ene ai éocunidades pobres sda classe Wabaladora € destruida por mais outras Ssbes internas, pelas acusagdes, pela culpa uspelta, As coalizbes so poucas, mesmo qué haja MBifos momentos de interdependéncia pela sobre vencia, Dentro dos laes, as diferencas-e os conti os explodem atravessando géneros e geracées. Um sentido pleno de comunidade é fctcio efrgi, sem re vulrerdvel a ameacas externas e a fissuras inter- as Mesmo que exsta uma hist6ria baseada na ¢ para set contada, a nogdo de coeréncia de clas wevalece apents se noss0s métodos deixarem de in- crogar diferencas por racaletnicidade, género e se- ualidade. Porém, ad mesmo tempo, a existéncia de attibutos comuns através das cidades — pela d ografa e pela biografia — chama muito a tengo. Poderiamos, portanto, escrever a respito da vida dentro dessas duas comunidades urbanas, Jersey City « Buflalo, como se a nogdo de comunidade néo fosse problemitica, como se estivésermos nos referindo @ tum espaco geogréfco de experiéncia compartilhada (Ou podesfamos, com igual faclidade e desconforto, apresentar um livro sobre homens e mulheres affo- _. americanos, homens e mulheres brancos, latinos ¢ l- tinas, como se cada ur cesses grupos conhecesse umn ‘mundo social totalmente isolado do outro. Ainda que Parte de nossos dados penda para este tltimo modelo, nossas inclinagSes tedricas e politcas nos fazem olhar 1a direco do Brimeiro, em busca dos mesmos princi- pios de linguagens comuns ¢ de experiéncias parale- las Nosso texto tentadialogar, ao mesmo tempo, nes- ses dois dialetos, com as quest8es que envolvern o comm ¢ especiica, sem dir nenhuma delas. De- cidimos que The untnown ay teria dois formatos de capitulo: um que previlegia grips (sca dork utto que explora as formas como os indiviuos p0- bres e da classe trabalhadora percorrem terrenos simi- lares (educagdo, mazemidade, crime) em suas vidi Preparando o rotero de uma histria na qual lang- ‘mos um retrato semifctcio de cada comunidade, 30- brepusemos camadas de uma matria analitica das di ferengas “de dentro”. Para nossa anise — dentro das cidades e entre elas —, deslocamo-nos delicadamente entre ¢Goeréndid e@ diferench entre Ironteras defini das eimites porosog entre bairos que compartiham valofés-e aes de interpretagdes controverses. Sobre a “raga” Robin Kelly (1997, p. 4) descreve seu tilimo lino a como “uma defesa da humanidade das pessoas negras «uma condenacio de estudiosos e de elaboradores de politicas por sua inabildade de enxergar a complexi- dade”. Alguns académicos abordam essa complexida- de: Henry Louis Gates (2985) escreveu belos textos sobre a “raca", sempre empregando a palavra entre aspas; Michael Dyson (1993) manifesta sua opinio conttria a definigSes nacionalistas limitadas ou es- sencialistas tanto em relacio & cor da pele quanto & lingua; Kimberlé Crenshaw (1995) nos obrige a teori- ar nas intersegSes entre a raga € 0 género; e Stuart Hall (1981) narra a instabilidade contextual das ER ua © PLANEJAMENTO DA PESQUISA QUALITATIVA dads caciais, assim como Michael Omi ¢ Howard ‘Winant (1986). Da mesrma forma que esses tesricos, _oss0s informantes utilizanvempregam/imaginam a “rapa tanto como uma ficgioinstévele incerta quanto ~como um aspecto fundamental, inapagfve, da biografia ‘eda experigncia social. Narealidae, alguns de n0ssos informantes, como o que citamos abaivo,sugerem que a “raga” constitui um terrtério inerentemente indef- nivel, que oferece narrativas que nfo envolvem tantoa ‘negagdo, mas sim a complexidade ‘Mur: Teu pai? “Lua: E, meu pai era 0 portoriqueno mais louco cue ‘voce j vu nos anos de 1970. Meu Dees, ‘Mar: Qual aformagio da sua mle? ‘Luisa: Mina mae... ria mae foi eriada na igrejacaté- lica, mas,na época dela, quando uma mules de or- gett irlandesa e alema sala com umm rapaz chinés naguela época, ra assim — no isso ndo podia de jeito nenbum, Meu av6 teve que largar a familia in- teira por causa da minha avs, para eles fcarem jun- 105, Todo mundo rejeitou elena fami Mar: Porque ele se casou com umn. “Luisa: £, porque ee se easou com minha a6 ‘Mur: E quanto 3 familia da tua mic? “Luis: Essa € fama da minba mae ‘Mun: Ea do teu av8? Liga: Meu a6, ele foi para o Vietnl, Segunda Guerra ‘Mundial, ab, esqueci o nome. Eu sei que foi uma guerra importante. ‘Mut: Guerra da Corgi? Luisa , uma coisa esim, 36 no eonsigo lembrar o que foi, Ble foi condecorado com honras e tudo aa, rminha mae me disse ‘Mur: Por isso que voc saiu bem diferente? Luisa: €, eu sou uma mistura ‘Mune Voce tem sangue chinés? Luisa: Isso. Teno sangue irlandés e alemo, portori quenho ¢ italiano, bem variado, Eu sou uma espé cie mista ‘Mun: Bu fquel curiasa. A primeira vez que vi voce, et achel que voc® tivesse vindo do Oriente Médio, Luisa: Do Oriente Médio? Mun: E. Luisa Ah, no! Meu Deus Eu parego mestno uma mis- ‘ura. Eu parego com tudo, Teno todas essas perso naldades diferentes que siraplesmente aparecem © tempo intero.Juro por Deus Néo estou mentindo, ni estou mesmo, Quando iniciamos nossas entrevistas em Jersey City e Buffalo, também foros movidos pelo pens®- mento pés-estrutural nas questGes relaiva 3 "rac “Tein eit ent as ides de Stuart Hall (1997) espe- cifcamente, com o desejo dé feconheser a atitical dade, os desempenhos e, na realidade, 5 “rates” ta Sel aimlo Far de uma goa desanguc€ assim por diane), construimos um protocolo de en- twevistas que generosamente convidava noss0s infor mantes a "brincarem” com a “raga” como fizemes. dade, pedimos a eles que descrevessem identificagdesraciais especifcasrelaco- nnadas 20 tempo ¢ a0 contexto — quando preenchiam formulérios para o censo, quando caminhavam den- trp de supermercados, quando estivessem sozinhos ou com amigos Informantes de cor procuravamn agir com polider, acompanhando-nos em nossa “orincadeira”, ‘mas depois de és horas, jéestavam ivtados com es sas perguntas. Os entrevistados brancos ou tinham certeza de que os estavamos chamando de racistas, ou evzavam identiicar-se como brancos — e,em vez ds- 50, definiam-se como irlendeses,italianos ou seres hhumanos. Nem é preciso dizer que essa “brincadeira”_ das pergu eee ficion Hlouve muitos angurneritos no sentido de que 2 raga ndo devia fezet tanta diferenca2 E também queciamos escrever esse livro, no pela tlic liberal, ‘mas por compromtssos politicos profundos em rea- fo as analises que envolver a classe, a raga € 0 g2- nero e“Aidéia do que deveria ser feito”, Ainda assim, A medida que escutdvamos.nossos dados, percebia- ‘mos que a5 histSras de vida, da forma como foram narradas, estavam to embebidas pelo discurso da racializagdo que os leitores no poderiam distinguit nem sequer tm grupo racial de informante “enti mo” ao lerem o transcrito. Historias pessoais de vo- lencia e da estrutura familiar, estilo narrativo, 0 d- nikeiro na vida das pessoas, o desejo de criticer (publicamente) homens casamentos violentos, 0 acesso a recursos materiis, as relagdes com 0s fami- liares¢ o Estado, descrigSes da interacZo com a pol ca— todos eses pontos foram revels pla “rae A*raca” é um lugar onde o pés-estruturaismo ¢ realidad vvdas precisam dllogar raga” € uma construgao & ‘im ocdade rachi fie profundas consequencas “Pa.ocoldano, pare 2 identidade e para o5 mot ITATIVA, 197 expe. ania sangue,e sl de ent 05 nore » fzemos, «eles que wsrelacio- eenchiam, vam den- zinhos ou agir com reader”, scomes- w tinham icistas,ow nver dis- ou seres nncadeira’_ quea também ve liberal, em re aeosi daassim, percebia- 1 foram curso da sistinguir 2 “andi is de vio- ive, 0 di + criticar Mas nos: Para quem? preocupamos com um modo de escreversobre“raca” para um piiblico profundamente voltado para es ‘questo, Estarfamos considerando ess categoria trivial, como se no fosse problemstica? Agindo dessa forma, ‘Geinscrevemos sua posicionalidade fxae essencilis- ta. Seré que, em ver disso, ns a problematizamos teo- Hicamente, tendo plena consciéncia do impacto con centrado que produairé sobre ocotidiano Sim, a“racz uma construgao social, mas se confunde tanto com racismo que possui umm poder enorme nas vidas e ‘as comunidades, Pra os informantes com os quais falamos, a “raga de fato existe — ela satura cada poro de suas vidas. Como podemos desestabilizarteorica- Rete essa nogio 20 meSTHO Tempo eth qie reconhe- ‘eos a presena vita da "raga"? : Pata di tin exerplo tive, mas impressionante, temos aqui um problema que, pela apazénca, pode ser umm “problema de amostragem” relacionado & “raga”. Nessas duas cidades, lutamos para encontrar pessoas afro-americanas latinas ejovens adultos bran- os que estivessem no “mesmo grau de pobreza” ena “mesma condligao de membros da classe trabalhado- a fim de que a classe ndo confundisse a compare- so por racaletnicidade E adivinhe o que aconteceu? (O mundo esté cheio de confusdes. Embora de fato xéssemios encontrado individuos Brancos pobres € “Peverceites¥ csse trabalhadora, a etensio € pro- “TTuridade de sua pobreza nem chegevam perto da se- ‘Tyeridade da amostraafro-americana. Apesar de vasci: tharmos meticulosamente bairros marcados por questBes racials, nossa busca ambiciosa pela compa- rbilidade da amostragem ficou muitos das pro- fundas “relidadesvivides” da pobreza muigeracio-

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