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ean mr co Y e is eigenen a mn Peirceanos (Grupo de pesquisa cadastrado no CNPq). E. presi- Cee ate SORE ie ea cae ee eee oo eee ae cere nen one te Cou eect As comunicacées e as artes estado convergindo? Lucia Santaella No mundo antigo ¢ na Idade Média, 0 que hoje chamamos de artes visuais era considerado como artesa- ato utilitério, dentro do mesmo paradigma de outros tipos de artesanata como fabricagio de méveis, sapates etc. Essa situagio s6 veio a se modificar no Renascimento, quando os artistas conseguiram levantar o status das artes ao colocar em destaque seu carter intelectual ¢ teérico. Por volta do século XVIII, o sistema das artes foi codificado nas cinco belas artes: pintura, escultura, ar- quitetura, poesia € misica. © adjetivo “belas” (em in- les fine) implicava, além da beleza, a habilidade, a su- perioridade, a elegancia, a perieigio ¢ a auséncia de fi nalidades préticas ou utilitérias, em contraste com o artesanato mectnico ¢ aplicado, Durante alguns séculos, pelo menos do Renasci- mento até meados dos séeulo XIX, a arquitetura, a pintu- ra ea escultura eram as trés principais artes visuais da Europa. Essas artes floresceram porque eram apoiadas pelos individuos e grupos mais ricos e poderosos daqu las sociedades: rei, principes, aristocratas, a Igreja, mer- cadores, governos nacionais, conselhos municipais etc. ‘As mudancas trazidas pela revolucio industrial, pelo de- senyolvimento do sistema econémico capitalista e pela cemergéneia de uma cultura urbana e de uma sociedade de consumo alteraram ieremediavelmente 0 contexto social no qual as belas artes operavam, Desde entio e cada vez mais, nossa cultura foi percendo a proeminéncia das be- las letras ¢ belas artes para ser dominada pelos melos de comunica Nesse contexto, as expresses “meios de massa” ¢ cultura de massa” denotam os sistemas industriais de comunicasao, sistemas de geragio de produtos simbsli- cos fortemente dominados pela proliféragio de imagens. ‘Tiata-se de produtos massivos porque so produzidos por grupos culturais relativamente pequenos e especializados « distribuidos a uma massa de consumidores. Na lista dos meios de massa incluem-se geralmente a fotografia, o ci- nema, a televisto, a publicidade, os jornais, as revistas, 08 ‘quadrinhos, livros de holso, fitas e CDs. Uma caracteris- tica comum aos meios de massa esti no uso de méquinas tais como cimeras, projetores, impressoras, satélites etc. méquinas capazes de gravar, editay, eplicar e disseminar imagens e informagio. Os produtos culturais gerados por esse sistema sfo baratos, seriados, amplamente disponi- vveis e passiveis de uma distribuigio répida, Para alguns, os meios de massa tiveram origem com a invengfo da prensa manual gutenbiergufana que permi- tiu a reproducio do livro. Entretanto, esse proceso reprodutivo nao € comparivel As situagbes em que bi- Indes de individuos sto expostos cotidianamente a um espectro de meios de massa, uma experiéncia que 86 fai inaugurada no século XX. A questio proposta por este trabalho, sé as comuni- cagdes eas artes estdo convergindo, além de complexa, é deliberadamente polémica. Para muitos, a comunicagio identifca-se exclusivamente com comunicagéo de mas- a5 enqquanto as artes se restringem ao universo das belas artes. Se nos limitarmos a essas visdes parciais tanto da comunicagio quanto da arte, a pergunta sobre as possi- veils convergéncias de ambas nio fiz sentido. Entretanto, além de parciais, essas visSes sio, sobretudo, anacrdnicas Alimentar separatismo conduz a severas perdas tanto 2 As comunicacoes e as artes esto convergindo 7 para o lado da arte quanto para o da comunicagio, Por que perde a arte? Porque fica limitada pelo olbar conser- vador que leva em consideracdo exclusivamente a tradi- co de sua face artesanal, Por que perde a comunicagio? Porque fica confinada aos esteredtipos da comunicagéo de massa F justamente para evitar parcialidades e anacronis- ‘mos que estou empregando ambas as palavras no plural: comunicacdes e artes. Colocé-las no plural significa flagci-las na complexidade de suas situagdes atuais, to- ‘mando essa complexidade como ponto de vista privilegi- ado para a consideragio de suas historicidades. Ora, 0 que esse ponto de vista nos revela é a impossibilidade de paracdo entre as comunicagées ¢ as artes, uma indissociagao que veio crescendo através dos iltimos sé- culos para atingir um ponto culminante na contem- poraneidade, Com isso, nfo se pretende desprezar ou minimizar as especificidades das comunicagdes, de um lado, e das artes, do outro, Convergir nao significa identificar-se. Sig- nifica, isto sim, tomar ramos que, no obstante as dife- rengas, dirigem-se para a ocupacio de tervitorios comuns, nos quais as diferencas se rogam sem perder seus contor- hos préprios. So esses ramos que este trabalho visa ex- plorar. Que caminhos interatuantes as comunicagGes e a3 artes vieram percorrendo especialmente no tiltimo sécu- Ine meio, desde que o campo das comunicagées passou a cocupar lugar cada vez mais dilatado nas culturas das soci- edades industriais e pés-industriais? Que conseqiléncias a revolugZo tecnolégica trouxe para as artes a partir da invengio da fotografia? Quais foram as reagGes dos artis- tas diante da hegemonia dos meios de comunicagio? Que apropriagées ¢ usos os meios de comunicagao tém feito da arte? Que paptis socisis vitais a arte pode desempe- har na ambigncia cultural das midias? Para chegar a acenar com algumas respostas a essas Perguntas, devo apresentar, antes de tudo, alguns pressu- postos que tém guiado meu pensamento tendo em vista a compreensio dos campos das comunicagées e das artes, assim como de suas interrelagdes 2 ® 2005 Pontos de partida para a reflexdo E notével 0 acentuado crescimento de complexida- de do campo comunicacional dos anos 1980 para c4. Para fazer frente a essa complexidade, tenho utilizado como categorias analiticas a configuragio das culturas huma- has em stis grandes eras civlizatérias: a era da comuni- cagio oral, a da comunicagio escrita, a da comunivagéo impressa, a era da comunicagio propiciada pelos meios de comunicagio de massa, a era da comunicagio miditica ¢, por fim, a era da comunicagio digital. Conforme jé cexplicitei em outras ocasides (SANTAELLA 20032: 13-14, 78), embora as eras sejam seqilenciais, 0 surgimento de uma nova era ndo leva 2 anterior e anteriores ao desapare- cimento, Elas vio se sobrepondo e se misturando na cons- tituigfo de uma malha cultural cada ver mais complexa € densa ‘A cra da comunicagio oral refere-se as formagdes culturais que tm na fala seu processo comunicativo fun damental. A escrita refere-se 3 introducao das formas de registro do acervo cultural através da eseritura pic- togrifica, ideogrifica, hieroglfica e também fon ferentemente da escrita manual, a era da impressio, tam- bém chamada de era de Gutenberg, propiciow a re- produtibilidade da eserita em cépias geradas a partir de uma matea Processos comunicativos ndo so epifendmenos so- ciais. Ao contrétio, a introdugio de novos meios de co- municagio conforma novos ambientes culturais, sendo capaz de alterar as interagées sociais ¢ a estrutura social em geral, Isto assim se da especialmente porque 0s meios de comunicagio slo insepardveis do nivel de desenvolvi- ‘mento das forgas produtivas de uma dada sociedade, de ‘modo que eles estio sempre inextricavelmente atados 20 modo de producio econdmico-politico-social Para o tema da convergéncia entre as comunicagies € as artes, as eras culturais que devem nos interessar <0 aquelas que entraram em vigor a partir da cultura de mas- sas, pois, antes disso, dficilmente podertamos encontrar modos de convergéncia entre ambas. Isso se explica, em © 2005 >primeiro lugar, porque, embora a comunicacio faca parte de nossa esséncia antropolégica, foi 86 no momento his- térico em que @ comunicagio massiva comegou a s¢ ins- taurar, a partir da revolugio industrial, que os dois cam- pos, comunicagdes ¢ artes, também comecaram a se entrecruzar. Antes disso, desde o Renascimento, a cultura se limitava a uma dis separados, de um lado, a cultura erudit, isto é, a cultura superior das belas letras e das belas artes, privlégio das classes economicamente dominantes, de outro lado, a cultura popular, produzida pelas classes subalternas res- ponsiveis pela preservagio ritualistica da meméria cul- tural de um povo. Em varios outros trabalhos (SANTAELLA, 20032: 183-194, 2003b: 209-230), coloquei bastante énfase no fato de que, desde a revolucio industrial, estamos assis- ‘indo a um evidente crescimento das midias e dos signos ‘que por elas transitam, Nao ¢ nenhuma novidade dizer que, no século XIX, a revolugio industrial trouxe consi- ‘go mSquinas capazes de expandir a forga fisica, muscular dos trabalhadores e, portanto, méquinas responsévels pela aceleragio da producio de bens materiais para o mercado capitalista, O que no costuma ser tio lembrado quanto io em dois campos nitidamente deveria € que, junto com as maquinas de produgio de bens materiais, também surgiram méquinas de produgio de bens simbélicos, maquinas mais propriamente semidticas, como a fotografia, a prensa mecdnica e ci- nema, Essas sio maquinas habilitadas para produzir e reproduzir linguagens e que funcionam, por isso mesmo, como meios de comunicagio. ‘Da prensa mecinica resultou a explosio do jornal e a multiplicagio dos livros. A eles, principalmente ao jor- nal, a fotografia alin taco dos fatos noticiados. Deixando & fotografia a tarefa de testemunhar os acontecimentos, o cinema, fotografia ‘em movimento, tirou partido da temporalidade que Ihe € inerente para desenvolver a habilidade de contar histéri~ a5, rivalizando com a prosa literdria na faculdade, que até entdo cra exclusiva desta dltima, para criar narrativas ficcionais se com seu potencial de documen- As comunicagdes @ as artes estao convergindo 7 Essas méquinas ou meios de comunicagio da era cletro-mecénica foram logo seguidos pela irrupcio de urna segunda revolugio industrial, a eletro-eletrénica, Com esta, vieram 0 ridio e a televisio, que instauraram 0 apo- geu da comunicagio massiva, Na apresentagio da segun- da edigZo do livro Cultura das midias ([1996] 2003a) menciono a tese, que venho defendenda desde 1980, so- bre a inoperincia das separagées rfgidas entre cultura eru- dita, popular e cultura de massas, quer dizer, a cultura de massas no deve ser vista como uma terceira forma de cultura estranha as anteriores. Ao contrério, a cultura de rmassas provocou profundas mudanges nas antigns polari- dades entre a cultura erudita e a popular, produzindo no- vas apropriagées e interseccdes, absorvendo-as pars den- tro de suas malhas. Em sintese, a comunicaglo massiva deu inicip a um provesso que estava destinado a se tornar cada vez mais absorvente: a hibridizagdo das formas de comunicacio e de cultura De fato, um denominador comum aos meios de mas- sa esté na mistura de meios ou multimeios. Meios de massa slo, por naturezs, intersemiétices. O cinema, por exemplo, envolve imagem, didlogo, sons ¢ rufdos, combinando as hrabilidades de roterista, fotdgrafos, figurinistas, designers cendgrafos com a arte dos atores, qnuitos deles treinados no teatro. Dessa mistura de meios e linguagens resultam experigncias sensério-perceptiv ricas para 0 receptor. ‘Mas, ao mesmo tempo, a mistura atinge um dos alvos a que ‘os meios de massa aspiram, a facilitcio da cormanicacéo, pois o significado de uma imagem pode ser reforcado pelo idlogo e pela miisica que a acompanba. Também na publi- cidade, 0 texto direciona o sentido da imagem de acordo com 0 programa persuasivo pretendido. A intersemioticidade dos meios de massa colocava~ se em agudo contraste com a pureza estética que era tipica das belas artes, especialmente da pintura e da escultura Entretanto, as artes que, desde o Renascimento, estavam protegidas pelo invélucro de potentes sistemas de codificagao, como é o caso da perspectiva monocular na pintura € o sistema tonal na miisica, nfo ficaram imunes as transformagoes culturais que as maguinas reprodutoras B As comunicai 18s © as artes estdo convergindo 7 de linguagem, rebentos da revolugao industrial e inaugu- rais da comunicagio massiva, estavam trazendo para 0 universo da cultura, Do impressionismo até 0 abs- tracionismo informal de Pollock, assistiu-se a um ‘gradativa ¢ cada vez: mais radical desconstrugio dos siste- ‘mas de codificagio visuais herdados do passado renas- centista. A par dessa desconstrugio, as artes foram crescentemente incorporando os dispositives tecnolégicos dos meios de comunicagio como meios para a sua pr6- pria producto. Dentro do préprio modernismo, mais especifica- mente, no dadaismo, que foi uma das vertentes mais transgressoras das vanguardas estéticas nas primeiras dé. cadas do século XX, j havia brotado um slargamento critco das categorias da arte que teve seu prosseguimen- t0 no desmantelamento das fronteiras entre arte € nio- arte, arte ¢ cultura popular massiva, efetuado pela Arte Pop e pelas diferentes formas © movimentos artisticos nas Aécadas de 1960-70: Minimalismo, Novo Realismo, Ase Conceitual, Arte Fovera, Arte Processual, Anti-Forma, Land Art, Arte Ambiental, Body Art, Performance etc Esse periodo, agitado pelo desfile incessante de novas tendéncias, foi acompanbado pela intensificagio do aces so dos artistas teenologias de comunicagio, nfo apenas 4 fotografia ¢ 0 cinema, mas também 9 som, com a intro dugio do audiocassete © de uma ampla disponibilizagio de equipamentos de gravacio € video. ‘A coincidéncia dos meios de comunicagio com os mmeios de produgio de arte foi tornando as relagies entre ambas, comunicagées ¢ artes, cada vez: mais intrincadas. (Os artistas foram se apropriando sem reservas desses mei os para as suas criagdes. Isso se acentuou quando comeca~ ram a surgir, por volta dos anos 1970-80, novos meios de producio, distribuicio e consumo comunitacionais instauradores do que tenho chamado de cultura das midias que apresenta uma légica distinta da comunicagio massiva. ‘Trata-se de dispositivos tecnolégicos que, em oposigao 208 ieios de massa — estes 96 abertos para 0 consumo — propiciam uma apropriagio produtiva por parte do indivi- duo, como, por exemplo, as méquinas fotocopiadoras, os a 2005 iapositivos, os filmes super 8 ¢ 16 mum, 0 offer, 0 equipa- ‘mento portal de video, 0 videodiseo interativo ete. Gragas «esses equipamentos, facilmente disponiveis ao artista, ori ginaram-se formas de arte tecnolégica que deram eonti- nuidade & tradigio da fotografia como arte. Desde 0 nascimento do modernism, os artistas de- monstraram uma verdadeira fascinagao pelas novas tecnologias. Graduslmente, as tecnologias foram tomando a linha de frente do experimentalismo nas artes até 0 ponto cde muitos curacores terem abandonado as formas tradicio- nais de arte, pintura e escultura, por considerd-las no con- temporineas, A fotografia, imagens digitalizadas, videos, filmes e, principalmente, as varias formas de instalagéo arte ambiental mididtica passaram a ocupar um espaco legitimizado em museus e gelerias Ao fazerem uso das novas tecnologias mididticas, os artistas expandiram 0 campo das artes para as interfaces como desenko industrial, « publicidade, o cinema, a televi- io, a moda, as sub-culturas jovens, 0 video, a computagio agrifica etc. De outro lado, para a sua propria divulgacio, a arte passou a nevessitar de materiais publicitarios, repro- dugdes coloridas, catélogos, criticas jornalisticas, fotogra- fias e filmes de artistas entrevistas com ele(a)s, programas de ridio e TV sobre ele(a)s. Embora possa parecer que um tal tipo de material seja secundério, cada vee mais, as midias desermpenham um papel crucial no sucesso de uma carce: ra, Por isso mesmo, muitos artistas buscam manipular ¢ controlar suas imagens ¢ a disseminacio de suas obras atra- -vés dos varios canais de comunicacio. Caracterfstica marcante da cultura das midias esté na intensificagdo das misturas entre as midias por ela provocada: filmes sio mostrados na televistio ¢ dispo- niilizados em videos a publicidade faz uso da fotografia, do video e aparece em tuma variedade de midias; canais de ‘TV a cabo especializam-se em filmes ou em concertos, 6peras e programas de arte etc. Com isso, as misturas entre comunicagées ¢ artes também se adensam, tornan- do suas fronteiras permedveis. Empréstimos, influéncias ¢ intercdmbios ocorrem em ambas as diregées. As repro- dgées fotograficas de chiras em livros, os documentirios 2005 sobre arte, as publicidades que se apropriam das imagens de obras de arte, as réplicas tridimensionais de esculturas vendidas em museus, tudo isso foi levando o conheci mento sobre as artes para um pitblico cada ver maior, um wento da existéncia da arte, de sua histéria e tendo acesso a ela, mesmo que seja por meio de reprodugdes em cartdes pos- tis, calendirios, on por meio de programas de televisio, videos etc. Essa popularizagio das artes facilitada pelas midias é sem diivida responsivel pelo aumento conside- nivel do mimero e do tamanko dos museus ¢ das galerias e pelo impressionante aumento de pitblico que acede a esses lugares, Até os anos 1970, 0 papel desempenhado pelas artes na sociedade era sombreado pela onipresenca dos meios de masse, particularmente a televisio. A partir dos anos 1980, quando se deu a irrupgio dos debates culturais ¢ artisticos sobre a pés-modernidade, foi se tornando cada ‘vez mais notavel a multiplicidade e diversificagao das pro- dgbes artsticas e o aumento de sua competitividade no cenirio social, o que encorgjou a construgio de novos museus, eles mesmos obras de arte arquiteténicas, como, por exemplo, a Nova Galeria de Stuttgart, 0 museu Guggenheim, em Bilbao, ¢ a reforma da Nova Galeria ‘Tate em Londres, que sfo claramente obras expressivas do tipo de sensibilidade que nossa época dispensa & arte. ‘A construgio de museus desse porte ¢ 0 enorme in= vestimento financeito implicado funcionam como indices seguros da absorgio da arte pela cultura oficial e alto co- mércio, Uma das marcas mais relevantes da arte moder- nista es artistas contra as normas soc ais. Até hoje, artistas, eviticos e curadores ongulham-se dessa heranga e encontram dificuldades em desistir dela, Para ‘muitos, a autenticidade da arte depende de uma atitude adversiria em relagdo 4 sua cooptacio pela légica do capi- tal, Entretanto, o que tem sido chamado de sociedade do espeticulo (penoKD 1997) resultou em um pacto inehuté- vel entre ess atitudes adversdras ¢ os valores consumistas, © aumento do tamanho ¢ do ntimero de museus os habilitou & produgdo de mega exposigdes de pintores € maior mimero de pessoas foi tomando conheei wa na rebeligo. ‘As comunicacées ¢ as artes esto convergindo ? escultores consagrados. Essas exposigées, financiadas por pacotes de empresas privadas e drgos governamentais ¢ amplamente divulgadas pelas midias, trazem como re- toro um adluxo extraordindrio de visitantes. Além disso, as exposigdes so acompanhadas de uma pletora de midias com fungio didatica ¢ informativa: videos documentarios, salas multimidia, sites na internet ¢ CD-Roms. A safda do edificio, o visitante vé-se mergulhado em uma ampla loja de produtos relacionados a exposigio: livros, cartdes postais, canetas outros objetos que se situam em uma zona suspeita entre a arte ¢ 0 kitsch consumista Ass misturas j& bastante intrincadas entre comunica Bes ¢ artes, enscjadas pela cultura das midias, foram incrementadas com 0 surgimento da cultura digital ou cibereultura devido & convengéncia das midias que a cons- titui. As primeiras obras de arte computacional foram contemporineas do aparecimento do computador. A uti- lizacdo das telecomunicagées, isto é, das transmissées de informagdes através de fone, telex, fax, slow scan TV e das interagdes de artistas via satélit antecipou a atual disseminagio da arte nas ¢ das redes planetirias. Fazendo uso da realidade virtual distribuida, do ciberespago compartilhado, da comunicacio nic lo- cal, dos ambientes multiusudtios, dos sites colaboratives, da Web TY, dos net games, as artes digitais, também cha- mmadas de artes interativas, desenvolvem-s em eventos artisticos, nos mesmos ambientes que também servem as comunicagies, tornan- do porosas ¢ movedicas as fronteiras intercambiantes das comunicagées ¢ das artes. © que se apresenta atualmente, portanto, como jf postularam Fred Forest ¢ Mario Costa, no manifesto so- bre “a estética da comunicacao”, langado em 1983 (cos- 1 1987), 6a impossibilidade de separacio nitida entre as artes © as comunicagées. Como se pode constata, tanto de um ponto de vista stérico quanto de um ponto de vista sinerénico, as con- ‘vergéncias entre as comunicagdes e as artes constituem ‘uma questio que, além de inegavel, € multifacetada. ‘Ten- do isso em vista, optei por dar a essa questo um trata- mento seletivo, quer dizer, escolhi alguns temas que me 5 [As comunicacdes e as artes estao convergindo ? parecem os mais pertinentes para colocar tais convergén- cias em relevo, como se segue. As afinidades & atritos entre a fotografia e a arte Fotografias sio consideradas mais objetivas e con- éveis do que os desenhos e pinturas. A objetividade su- perior da camera resultou da mecanizagio ¢ da automagdo do registro das aparéncias visuais. Em fungio disso, mes- mo quand,a qualidade da resolugio da foto niio era tio ‘grande quanto hoje, a fotografia sempre se constituiu em ‘um signo dominantemente indexical. A luz refletida do objeto fotografado altera a quimica do filme a ser revela- do, de modo que o negativo e sua revelacio sfo, de fato, um reflexo direto do mundo externo. Hé uma relacio fisica, espacial, existencial entre a fotografia e 0 fotogea- fado, entee 0 signo e seu objeto referencial. Nao € por caso que, muito rapidamente, a fotografia adquitiu wm status privilegindo na sociedade, estando fadada a preci- pitar 0 declinio de uma arte até entao dominante, a arte do retrato, Mas essa era apenas a ponta do iceberg. primeiro grande estudioso das facetas ocultas des- se iceberg foi, sem dévida, Walter Benjamin, Realmente, sua reflexio fieou marcada pela lucidez com que dispen- sou 08 diagnésticos maniqueistas que costumam infestar os discursos ditos crticos quando uma nova tecnologia € inventada, A reprodutibilidade, a replicagéo massiva por meio de métodos maquinicos de produgio da imagem minou, Ge um s6 golpe, toca a estrutura valoraiva das helas artes. A mecanizagio destréi sua mistica, Por esta razio, ai ustrializagio, que marcou 0 inicio da era eletro-mecd- nica, provocou longos debates entre artistas ¢ crticos a respeito do impacto da maquina sobre a arte, Por alguns, a méquina foi demonizad, surgindo como inimiga mor- tal das artes. Outros lembraram que os artistas sempre uusaram ferramentas de alguma espécie e que a méquina & apenas uma ferramenta mais complex, Afinal, a camera obscura jd estava sendo utilizada hd séculos para se pro- diuzir a pintura 6 © 2005 A rigor, o problema da fotografia jé estava resolvido desde © Renascimento. Quando o cédigo da representa ao da perspectiva artificialis completou e corrigiu camera obscura, “faltava apenas descobrir um meio de fixar o reflexo luminoso projetado na parede interna da camera obscura, A descoberta da sensibilidade 8 luz de alguns compostos de prata, no comego do século XTX, vveio solucionar esse problema ¢ representou © segundo grande passo decisivo na invengio da fotografia” (A~ CHAO 1984: 30-32). De todo modo, entretanto, a miquina fotogrifica significou a substituigao da habilidade humana de pintar, 6 pincel do artista que fixa a imagem da camera obscura, pela mediacio quimica do daguerredtipo e da pelicula gelatinosa. Os efeitos dessa substituigio foram remar- céveis. Os argumentos de Benjamin a esse respeito corri- am na seguinte diregio: a obra de arte tradicional tinba tama presenga ou aura que advinha de sua autenticidade, de sua unicidade, de sua existéncia em um local geografi- co, Embora a gravura e suas técnicas reprodutoras ji fix zessem parte do universo da arte, 0 advento da repro- dutbilidade técnica, maquttica, foi sem precedentes. Seu impacto destruiu a aura da obra de arte, emancipando-a da tradigio e dos rituais magicos ¢ religiosas. Diferentemente da maioria dos criticos, Benjamin no lamentou 0 surgimento das tecnologias reprodutivas da imagem, concluindo que a invengio da fotografia ha- via transformado a prépria natureza da arte. Em meio ao debate, foi fialminante a questio levantada por Benjamin (1975: 19-20) no seu antoligico ensaio sobre “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”: “Gastaram- se vis sutilezas a fim de se decidir se a fotografia era ou nfo arte, porém no se indagou antes se essa propria in- vvengio nao transformaria o cariter geral da arte”. Depois da segunda guerra mundial, asidéias de Ben jamin foram retomadas por alguns eriticos importantes como André Malraux, Edgar Wind e John Berger. No seu livro Vozes do siléncio, Malraux (1954) propos sua teoria do museu sem muros com os seguintes argumen- tos: (2) of muscus mudaram irreversivelmente © mado © 2005, como a arte é experimentada; (b) as milhares de reprodu- es fotogedficas da arte constituem um “museu imagi- nério”, portanto, um museu sem muros; (¢) 0 musew ima- gindrio da continuidade 20 muse fisico, disponibilizando 20 individuo a arte de todos os tempos e todos os espacos. Na sua conferéncia sobre "A mecanizagao da arte”, ‘Wind (1960) desenvolveu a idéia de que a reprodugtio fo- togrifica da arte age retroativamente sobre 0 modo como ‘experienciamos diretamente as obras de arte. Por isso mes- ‘mo, o receptor tem muitas vezes uma sensacio de anti- climax quando vé uma obra pela primeira vez, depois de t@- 1a visto repetidamente em variadas reprodugées Em uma série sob o titulo de Modos de ver, prepa rada para a televisia, sob a direcfo de Michael Dibb (ac 2, 1972), Berger retomou as idéias de Benjamin colocan- do énfase no potencial politico, ja antevisto por Benja- min, da nova situagio resultante dos ambientes ou lin= ‘guagens da imagem (cf. WALKER 1994: 74-77). Enfim, os temores e predigées de que da fotografia decorreria a morte da pintura ficaram longe de se reali- var. Ao contrétio, na linha das premonicées benjami- nianas, a fotografia trouxe novos estimulos para a pintura cde maneiras variadas, pois 2 fotografia transformou, antes de tudo, os nossos modos de ver. Ela trouxe para nés pos- sibilidades de visualizagéo que seriam impossiveis a olho nu. Ela acabou por revelar que nosso préprio olhar é tam bém fruto de uma construgio com potenciais e limites definidos, uma construgto dependente de pontos de vista fisica e culturalmente instituidos, dependente da proxi- imidade ou distincia fisicas ¢ ideolégicas que estabelece- mos com os cbjetos percebidos. Em suma, foi a fotogra- fia que acabou com o mito de que nosso olhar € algo natural ¢ inoceate Desde 1839, a pintura entrou em didlogo com a fo- tografia, um didlogo que continua até hoje. Os pioneiros dda fotografia instantinea ou cronofotografia, Etienne- Jules Marey ¢ Eadweard Muybridge, exerceram uma profurnda influéncia sobre os artistas, desde o futurismo, especialmente Giacomo Balla, Marcel Duchamp e Kust Schwitters, até os cineastas de vanguarda de meados do As comunicacoes @ as artes estao convergindo ? século XX, como Hollis Frampton e Stan Brakhage. Seurat, Degas ¢ outros artistas encantaram-se com a ha- bilidade da cimera para capturar a sucesso do movi- mento em imagens fixas. Quando propuseram uma esté- tica mecanistica, os futuristas estavam abragando a tecnologia fotogrifica e aplicando-a em suas pinturas De fito, logo apts a invencio da fotografia, os pinto- res deixaram seus ateliés para flagrar a vida cotidiana do mesmo modo que os fotdgrafos. “Ingres, Millet, Courbet, Delacroix serviram-se da fotografia como ponto de refe~ réncia e de comparagio. Os impressionistas, Monet, Cezanne, Renoir, Sisley, fizeram-se conhecer expondo no atelié do fotégrafo Nadar e inspiraram-se nos trabalhos cientificos de seu amigo Eugene Chevreul” (virit.10 1994: 52), Considerando o modelo, a mulher, “como um animal” (de lnboratério’), Degas, por seu lado, comparou ebscura~ mente a visio do at a2 da cbjetiva: “Ato momento, o nu sempre foi representado em poses que pressupdem um pi- blico”. © pintor, entretanto, pretendia, simplesmente, sur- preender seus modelos € apresentar um documento tio congelado quanto um instanténeo, um documentério antes que uma pintura em sentido estito (tub: $2). por isso que, em Degas, “a composicio se assemelha a um en quadramento, uma colacagao nos lites do visor, onde os temas aparece descentrados, seccionados, vistos de baixo para cima em uma luz artificial, freqientemente brutal, comparivel A dos refletoresutilizados entio pelos profssi- conais da fotografia” (1p1D.: 33). ‘Tais hibridos entre a fotografia ea arte, que jé tive ram infcio com os impressionistas, perduram até hoje, A eles, Dubois (1994: 291-307) dedica um capitulo inteiro do seu O ato fotogréfico, Para esse autor, a questo ‘A fotografia ¢ uma arte?” esgotou seu sentido na medida mesma em que fot gradativamente surgindo a conscign- cia de uma reviravolta em que a verdadeira questio a ser colocada € justamente o inverso da anterior, ou seja: “a arte se tornou fotogritica”? ‘Embora a fotografia e a arte nunca tenham deixado de manter sua autonomia relativa, também nunca cessi- ram de manter relagées de atragio e repulsa, de incorpo- a ‘As comunicacdes @ as artes esto convergindo ? rugio e rejeigdo. Se, durante o século XIX, era a fotogra- fia que aspirava A condigio da arte, no século XX fei a arte que se impregnou de certas légicas formais, conceituais, perceptivas, ideolégicas ete que so préprias do fotogrifico. Tendo isso em vista, Dubois discute a cro- nologia detalhada da arte moderna para demonstrar con- vincentemente os fundamentos fotogesficos que esto nela incorporados. A primeira vista, nenhum artista poderia estar mais Jonge da fotografia do que Marcel Duchamp, no abandono radical que instituiu daquilo que ele chamava de “arte retiniana” em prol de uma arte baseada “na légiea do ato, da experineia, do sueit, da stuagio, da implicagio referencia!” (Ora, foi muito justamente essa ldgica que a fotografia inau- gurou. O que Duchamp ea fotografia tfm em cormum, par tanto, é “a impressio de uma presenga, como marca, sina, sintoma, como trago de um estar-af (ou de um ter estado-ai): uma relagio que ndo extrai seu sentido de si mesma, mas antes da relagio existencial — e muita vezes opaca — que a une ao que a provacou” (DUKOIS 18D. : 256-57). Phralelamente a Duchamp, outra relacio entre a arte e 4 Logica do fotogréfico encontra-se no movimento supre- mmatista russo, Nada estara aparenternente mais afistado da fotografia do que essa arte abstrata na sua rejeigio de qual- quer figuragio do mundo, Indo contra a f nas aparéncias, Dubois revela que um dos aspectos centrais da abstragio suprematistaesté na sua concepgio de um novo espaco ex- plicitamente vinculado a um género fotogrifico preciso: a fotografia aérea. Assim como o suprematismo, muitas obras ulterio- res da arte abstrata foram construidas com base nos ins- trumentos conceituais trazidos pela fotografia, Exemplo disso encontra-se no expressionismo abstrato, Como ja foi notado por Rosalind Krauss (1978, APUD DUBOIS LsiD.: 266), no ato de pintar, “a relagdo de Pollock com seu suporte de inscrigao ¢ justamente aquela que fundamenta a fotografia aérea: flutuagdo do ponto de vista, perda de qualquer quadro de referéncia preestabelecido (as cortogonais), deslocamentos multidirecionas ...” No dadaismo e surrealismo, surgiram as fo- 28 2005 tomontagens que fancionam como a atualizagéo mais evidente da hibridizagao entre a pintura ¢ a fotografia, manifestas nas fotomontagens stricto sensu de dentincia politica, nas fotomontagens mais plisticas ¢ liticas e nos agrupamentos multimidia de Kurt Schwitters e de George Grosz, mais cinicas ¢ agressives. Uma evolugio certa na utilizagao da fotografia pela arte foiassinalada pela Arte Pop. A reprodugio é 0 assunto central dessa arte realizada por meio do emprego sistemd- tico das técnicas da serigraia, do fae-simile, do transporte fotografico etc. Para Dubois (1utb.: 273), a relagio entre a Arte Pop e a fotografia privilegiada por nfo ser simples- ‘mente utilitria, nem estético-formal, mas quase ontol6gca. ‘Também do hiper-realismo a foto constitutiva, O artista projeta um slide sobre uma tela de grandes dimen- bes © nela pinta a imagem projetada, desmesuradamente aumentada, intensificando seus parimetros, a cos, 0 gro, a Juz, até colocar em relevo unm mais além do real. A pintura spira ser mais fotogréfica do que a prépria fotografia, Mesmo na arte conceitual, ambiental, arte corpo ral, no happening € nas artes performticas coloce-se a relagio com a fotografia na fungio que esta desempenha como meio de arquivagem, de suporte e de registro documentirio, Essa fungio é imprescindivel porque, sem cla, a obra que se realiza em um tempo tinico, irrepetivel , muitas ve miemséria, Se, no principio, a fotografia af se prestava ape- nas A documentagio de acontecimentos ritualisticos ¢ 2e5, inacessivel, ficaria sem registro e sem effmeros, com 0 tempo, esses tipos de obras passaram a apelar diretamente para as priticas fotogréficas, que, de subsidies, passaram a partes integrantes das obras. O esto © 0 ato do artista passaram a ser concebidos em fungéo das caracteristicas do dispositive fotogritfico. Por fim, nas instalagées fotogréficas e mas escultu- ras fotogréficas, que se tornaram tao proeminentes na arte contemporinea, o campo da arte e o campo da Fotografia tornam-se indiscerniveis. Foram também os avangos ras téenicas da foto, filme e video, adatadas pelos artistas, que os levaram a criar 0 que passou a ser conhecido como arte multimfdia, Por tudo isso, a complexidade formal e 2005 intelectual das relagées entre arte ¢ fotografia expressa-se em um jogo variado de dislogos e trocas que aponta mui- to certeiramente para o fato de que a arte, e mais especifi- camente a pintura, foi se tornando cada vez mais profun- damente fotogrifica, no sentido da incorporagio de uma logica da visualidade instituida pelo fotografico. Além disso, obras de arte de qusisquer naturezas convivem hoje com bilhdes de imagens produzidas e reproduzidas com a ajuda de méquinas. A mulkiplicagao desmedida de imagens fotogréficas foi tornando a foto- grafia 0 meio mais dominante do século XX. A fotogra- fia estd efetivamente em todos os lugares: nos jornais, nas capas e dentro das revistas, nos livros ilustrados, nos car- tazes, nos outdoors ¢ agora nas telas da hipermfdia em (CD-Roms ¢ na Web. Para avangarmos na reflexdo sobre essa questo, valeria a pena retomar o estudo sobre os paradigmas da imagem (SANTABLLA © NOTH 2002: 159- 187), pois nele se encontra um mapeamento muito geral do processo evohitivo da produgio de imagens que divide essa produgio em trés grandes paradigmas: © pré-foto- grifico, o fotogréfico e o pés-fotogrifico. A luz dessa di- visio, como se verd, a dominancia do fotog lo XX atinge proporsées gigantescas até o ponto de po- dermos afirmar que esse fbi, 0 fim e ao cabo, o século do paradigma fotogréfico. O pré-fotogrifico refere-se is imagens que so pro- duzidas artesanalmente, isto 6, feitas & mao. Estas englo- ‘bam as imagens nas pedras, nos murais, 0 desenho, a pin- tura, a gravura ea escultura, O fotogrifico diz respeito as imagens cuja produgio depende de uma conexio dinami- ce captagio fisica de fragmentos do mundo visive, isto & imagens que dependem de uma méquina de registro, implicando necessariamente a presenca de objetos que preexistem as suas imagens. Neste paradigma enquadra- se nfio apenas a fotografia, mas também o cinema, a TV, 0 video e a holografia. © paradigma pés-fotogrifico refe- re-se As imagens sintéticas, numéricas ou infogrficas, in- tiramente calculadas por computacio. Fstas nfo sio mais, como as imagens éticas, o trago de um raio luminoso cemitido por um objeto preexistente captado e fixado por fico no seu As comunicagdes e as artes estdo convergindo ? um dispositive foto-sensivel quimico (a fotografia, o ci- nema) ou eletrénico (video), mas sio @ transformagio de uma matriz de nlimeros em pontos elementares (0s pixels) visualizados sobre uma tela de video ou uma impressora Durante o século XIX, a presenga da pintura ¢ da fotografia na sociedade era ainda relativamente eqquil brada. Com a invencio do cinema, entio da televisio, da camera manual do video e da holografia, no século XX, a inflagio do paradigma fotogrifico adquiriu proporgdes desmedidas, diante do qual o pré-fotogrifico se encolheu. Foi s6 das itimas décadas do século XX para cé que 0 fotografico passow a softer a competigdo das imagens ps- fotogréficas ou computacionais 0 que neutralizou sua so- berania, além de ter produzido sobre o forogrifi impacto relativamente similar Aquele por este provocado sobre as imagens pré-fotograficas. O trago chave definidar da geraco computactonal de imagens esté no fato de que elas sio produzidas dentro do computador. HA basicamente txés estigios para isso. O primeiro envolve o input de dados na meméria do compu- tador que efetivamente descreve ou modela, € eno arma- zena, todos os parimetros do que viré a ser uma imagem. Assim que isso ¢ feito, 0 modelo pode ser manipulado, quer dizer, alterado ou refinado de algama maneira. Entio, 6 modelo € convertida em uma figura; um ponto de vista particular da figura ¢ escolhido e wétias téenicas sfio em- pregadas para completar ou “renderizar” a imagem final ‘Uma variedade de técnicas e programas foram desenvolvi- dos tanto para a introducto inicial do modelo abstrato den- tro da meméria do computador quanto para a finalizagio do processo, a visualizagio da imagem. Entre esses desen- volvimentas, destaca-se a produgéo de imagem 3-D. Desde o final dos anos 1970, na esfera da indiistria cultural, na televisio, nos comerciais, nos filmes e games, um bithGes de délares foram investidos para o aperfeigoa- mento dos sistemas tanto de hard quanto de software para 4 disponibilizacao de imagens animadas geradas computacionalmente, imagens que, a despeito de terem sido produzidas no computador, parecem fotograficamen- te realistas. 29 As comunicagses as artes estéo convergindo ? ‘Além disso, a manipulagio computacional da ima- gem ou processamento da imagem implica © poder do computador para produzir mudangas até mesmo em ima- gens que nio foram originalmente criadas dentro dele. Assim, imagens previamente existentes, por exemplo, fo- tos, reprodugoes fotogrificas, filmes ¢ videos, sio digital- mente armazenadas no computador para serem trabalha- das em uma multplicidade de modos possiveis, desde a adicio ¢ intensificagdo da cor até a indetectivel adigao, rearranjo, substituigo ou remogio de certos tragos ou partes da figura, No inieio dos anos 1980, essas t6 s6 estavam dispontveis Aqueles que padiam adquirir com- putadores grandes e caros. Entretanto, os desenvolvimen- tos da micro-eletrénica foram cada ver mais reduzindo 6s custos ao mesmo tempo que aumentavam a capacidade dos computadores ¢ a diversidade de seus programas de modo que eles se alojaram na televisio, na publicidade, nos meios impressos, na produgio de filmes ¢ videos ¢ estdo hoje até mesmo nos ambientes domésticos de usué- rios de poder aquisitive médio. Em suma, a digitalizagdo esté canibalizando ¢ regurgitando todos os tipos de imagem, fotogréficas ov no, De modo cada vez mais intenso, os processos tradi- cionais mecinicos € quimicos da fotografia vém sendo alargados pelo uso de cimeras digitais, scanners, progra- mas especializados em processamento de imagem ¢ no- vos modos de arquivamento, transmissio € exibicio de imagens on fine. ‘Quando as tecnologias disponiveis permitiram a in- trodugio de uma matriz de elementos {nfimos mani- puldveis na base fisica da imagem fotogrifica, entraram em crise, com isso, os principio indexicais definidores do paradigma fotografico. As tradicionais ontologias da fotografia que assumiam uma divisio clara entre signo € referente foram abaladas pela imagem digital. De uma perspectiva semistica, sem desprezar seus aspectos icdnicos e mesmo simbélicos, a particularidade da foto- agrafia reside na dominfncia de sua natureza indexical: a foto é, de fato, resultado de uma conexao fisico-quimica entre o referente e seu reflexo. Este carder, « forografia 30 % 2005 compartilha com os outros meios do paradigm fotogri- fico, cinema e video. A cena ou objeto, para o qual acémera apontou, ficou imprimido no filme. Com o advento da Cigitalizagio fotogréfica, ninguém mais pode ter certeza disso. Como fruto da mediacio simbélica dos progra- ‘mas computacionais,o indice pode ser transformado, apa- gado ¢ reconvertido a uma natureza puramente icénica, na pura danga das similitudes, sem vinculos existenciais com seu referente. Enfim, a simulacio € 0 forte do computador sua capacidade tanto para manipular imagens previamente exis- tentes quanto para gerar imagens ndo-indexicais & aquilo que 0 define como tecnologia crucial para o crescimento dos signos no mundo, rescimento este que agora independe do registro de objetos previamente existentes. ‘0 no significa que a pritca da fotografia tradici- onal esti condenada ao desaparecimento. Assim comoacon- teceu com a pintura na era da fotografia, com o cinema na ena da televiso e video, e com otelefone na era da internet, as antigas formas continuam, mas sf0 reposicionadas em relagio as novas. O problema adicional que se coloca, en- tretanto, é que imagens que parecem fotogrificas esto con- vivendo em promiscuidade com imagens efetivamente fo- togréficas. A imagem pés-fotogréfica nfo produziu mu- dangas na aparéncia, mas sim na substincia simbdlica da construgao da imagem, Quando a crenca nas aparncias € na sua morfogénese ¢ colocada em crise profunda, toda e qualquer imagem fica sob suspeita, ‘As misturas entre imagens ndo param A onipresenca do paradigma fotografico paralelo e entre- meado agora a0 pés-fotogrifico também nao deve nos levar a erer que a produgio de imagens midisticas pode dispensar 0 paradigma pré-fotogrifico das imagens que

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