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Semiótica e semiologia: os conceitos e as tradições

Por Winfried Nöth

O estudo dos signos começa com as origens dos homens, pois entender e interpretar o
mundo e os homens significa estudar signos. Porém, o advento da ciência geral dos
signos é de tempos mais recentes. A Antigüidade grega tinha uma filosofia do signo,
que era uma teoria do conhecimento humano. A Idade Média desenvolveu a sua própria
“doutrina dos signos”, que culminava numa tipologia elaboradíssima dos signos. Na
Renascença foram publicadas mais obras significativas sobre os signos, sob designações
tais como scientia de signis ou tractatus de signis.

Origens dos conceitos na história da mediciana

Nomes específicos para designar essa ciência geral dos signos surgiram relativamente
tarde. Entre eles, os termos semiótica e semiologia se firmaram como as designações
mais conhecidas para a ciência do signo, às vezes como sinônimos, às vezes como rivais
terminológicos. Alternativas terminológicas, tal como semasiologia, sematologia ou
semologia caíram em desuso. Também caiu em desuso um antigo sentido do conceito
de semiótica ligado à sinalização militar, embora, no Novo Dicionário Aurélio (edição de
1975), encontra-se ainda a seguinte definição de semiótica: “arte de comandar
manobras militares por meio de sinais, e não de voz”.

Tanto o termo semiótica quanto o termo semiologia têm as raízes de suas constituintes
iniciais e principiais nas palavras gregas semeîon, ‘signo’, e sema, ‘sinal’, ‘signo’. Tal
como a gramática e a aritmética ou a biologia e a filologia, que são campos de estudos
de diversas áreas de conhecimento humano, a semiótica e a semiologia, nas suas
origens, são os campos de estudo dos signos e dos sinais.

Na sua forma neo-grega, semeiotiké, o conceito aparece, pela primeira vez, no contexto
da medicina. Desde a Antiguidade, o diagnóstico médico é descrito como a “parte
semiótica” da medicina. O médico grego Galeno de Pérgamo (139-199), por exemplo,
classificou o diagnóstico médico como um processo de semêiosis. Aquilo que os antigos
designaram como semeiótica, portanto, ainda não era a teoria geral dos signos, mas
uma de suas áreas específicas, a saber, o aprendizado médico dos sintomas. Na
medicina dos séculos XVII e XVIII, a forma grega semeiotica se encontrava ao lado da
forma latina semiótica (desde 1490). Desde o início do século XVII, surgiram as
primeiras variações do conceito de semiologia, que correspondem à mais importante
alternativa terminológica para o conceito semiótica. Em um tratado latino, de 1617, C.
Timpler define o ensino dos signos fisionômicos do corpo humano como semiologica ou,
também, semeiologica.

As tradições filosóficas

O primeiro a aplicar a terminologia da medicina diagnóstica dentro do campo da


semiótica geral, foi J. Schultetus. Em sua Semeiologia metaphysike de 1659, o autor
postulou uma teoria geral dos signos para designar o ensino dos signos, que, na filosofia
da Idade Média, era estudado como doctrina ou scientia de signis.

Em paralelo, no mesmo século, surgiu o termo semiótica para designar a teoria geral
dos signos. A partir dessa tradição, ampliaram-se, nos séculos XVII e XVIII, os domínios
da semiótica para uma ciência geral do conhecimento da natureza humana, denominada
como semiótica moralis. Uma síntese dessa tradição da semiótica pode ser encontrada
na obra de Christian Wolff (1679–1754).

Em 1690, John Locke, em seu Essay concerning human understanding, definiu a


semiótica, sob o nome de semeiotiké, como um dos três grandes ramos dos estudos do
conhecimento humano ao lado da física e da ética. Semiótica, para Locke, era um
sinônimo da lógica; a semiótica deveria tratar principalmente das palavras, por serem
os signos mais relevantes.

Também na Metaphysica (1739) de Alexander G. Baumgarten encontram-se os


conceitos de semiotica e semiologia philosophica. O filósofo e fundador da estética
moderna entende esses conceitos como o campo de estudo dos sistemas de signos da
língua, da escrita, dos hieróglifos, da heráldica e da numismática, entre outros. Em
1764, Johann Heinrich Lambert publicou a sua obra Semiótica ou a doutrina da
designação das idéias e das coisas, como o segundo volume de seu Novo organon.

A tradição que assim se funda para estabelecer uma ciência semiótica, reconhecida
como ciência filosófica, tem sua continuidade no século IX na obra de Bernard Bolzano.
Em sua Teoria da ciência (§§ 637) de 1837, o autor desenvolve mais uma teoria original
do signo, sob o título Semiótica. No final desse século, em 1890, o filósofo e
fenomenólogo Edmund Husserl, publicou uma das suas obras principais sob o título
Sobre a lógica dos signos (semiótica).

Charles Sanders Peirce (1839-1914), que dedicou a sua vida inteira aos estudos
semióticos, nunca usou o conceito de semiologia e não se refere à semiótica com o
termo moderno inglês de semiotics. Com respeito à tradição da semeiotiké de John
Locke, Peirce prefere os termos no singular, semiotic, semeiotic ou até semeotic. No
plural, de vez em quando, Peirce usa o conceito de semeiotics, mas jamais a forma
latinizada de semiotics. O semioticista americano Charles Morris (1901-1979) preferia a
designação teoria dos signos, mas na sua obra encontra-se também a forma singular,
semiotic.

Da semiologia saussureana à semiótica internacional

No século XX, o conceito de semiologia se impôs novamente a partir da obra


fundamental de Ferdinand de Saussure (1857-1913), o Curso de lingüística geral, de
1916. Sem referência às tradições semióticas anteriores, o fundador do estruturalismo
lingüístico definiu a semiologia como uma nova e futura ciência geral da comunicação
humana, que estudaria a “vida dos signos como parte da vida social”. A base dessa
nova semiologia seria a lingüística estrutural, o seu programa seria a extensão do
campo da lingüística da linguagem verbal para a comunicação não-verbal, cultural e
textual. Neste espírito estruturalista e trans-lingüístico, a semiologia começou a se
estabelecer a partir dos anos 40 e 50 (Buyssens, Hjelmslev) e com uma fama crescente
nos anos 1960 na França (Prieto, Barthes, Mounin, Greimas), no resto da Europa e na
América Latina.

No início, o modelo lingüístico saussureano exigia que a semiologia fosse um campo de


pesquisa restrito aos códigos de signos arbitrários e intencionais, por exemplo, o código
dos sinais de trânsito, dos marinheiros ou dos jogos de carta. Em extensão desta
semiologia, também chamada de semiologia da comunicação, surgiu um ramo
complementar chamado de semiologia da significação para o estudo de signos e sinais
não-intencionais na natureza e na cultura.

Paralelamente ao desenvolvimento da semiologia saussureana, em outros países a


semiótica continuava o seu desenvolvimento de maneiras independentes sob outras
influências, tal como a semiótica de Peirce (Alemanha e Brasil), de Charles Morris (EUA)
ou da informática e da cibernética (Moscou e Tartu). Nessas tradições, o nome do
campo de pesquisa dos processos sígnicos não era semiologia, mas semiótica de
maneira que surgiram dúvidas entre os semioticistas do mundo sobre a questão se a
semiótica e a semiologia eram dois campos de pesquisa diferentes ou um e o mesmo
com duas designações diferentes, dependente da tradição de pesquisa.

Por sugestão de Roman Jakobson e com o apoio de Roland Barthes, Emile Benveniste,
A. J. Greimas, Claude Lévi-Strauss e Thomas A. Sebeok, o comitê fundador da
Associação Internacional de Estudos Semióticos, em 1969, decidiu que, a partir de
então, o conceito semiótica seria empregado como conceito geral para definir esse
campo, anteriormente designado como semiologia ou semiótica. Essa decisão tem sido
seguida internacionalmente com o resultado de que o termo semiótica é hoje o nome
internacionalmente mais comum para designar o campo de pesquisa dos signos,
sistemas e processos sígnicos.

Resíduos de distinções

Como assuntos de terminologia, são raramente resolvidos por completo, em


conferências internacionais, não é de se estranhar que sobraram uns resíduos de
opiniões sobre diferenças entre os conceitos de semiótica e de semiologia, às vezes bem
fundadas em sistemas complexos de teorias semióticas, às vezes também em
concepções históricas hoje ultrapassadas. Um breve resumo de várias opiniões sobre o
assunto é o seguinte:
(1) Quem fala de semiótica se enquadra na tradição da teoria geral dos signos,
especialmente de Charles Sanders Peirce, ao passo que os que preferem o
conceito de semiologia se vêem na tradição semio-lingüística de Ferdinand de
Saussure.
(2) Enquanto a semiótica é a ciência geral dos signos, que inclui o estudo dos
signos da natureza não humana, a semiologia é uma ciência humana que vai
além da lingüística, estudando fenômenos trans-lingüísticos (textuais) e códigos
culturais.
(3) Em Hjelmslev, encontra-se a concepção de que a semiologia é uma
metassemiótica que contém uma teoria dos mais diferentes sistemas de signos.
Estes, por sua vez, são definidos como “semióticas”.
(4) Semiótica e semiologia são sinônimos. Uma certa preferência do termo
semiologia nada mais indica senão a proveniência do autor de um país de fala
românica. Um argumento de purismo lingüístico, que se ouviu na França nos
anos de 1970, era que o conceito de semiologia é uma melhor tradução do
termo inglês semiotics para as línguas romanas e, por isso, é preferível ao termo
semiótica, por um motivo puramente estilístico.

Semiótica e semiologia no século XXI

No início do século XXI, todas as distinções entre semiótica e semiologia esboçadas


acima parecem coisas do passado. A semiótica internacional se desenvolveu sem as
restrições propostas por aqueles que acharam uma divisão entre semiótica e semiologia
necessárias. No Brasil, por exemplo, há programas de estudos semióticos, mas não de
estudos semiológicos. Porém, o progresso da pesquisa feito sob o nome de semiótica
não invalida aqueles feitos em décadas anteriores sob o nome de semiologia.

Winfried Nöth é professor de linguística e semiótica e diretor do Centro Interdisciplinar


de Estudos Culturais da Universidade de Kassel, professor visitante na PUC de São
Paulo, membro honorário da Associação Internacional de Semiótica Visual. Autor dos
livros em português: Panorama da semiótica de Platão a Peirce (1995), A semiótica no
século XX (1996), Semiótica: Bibliografia comentada (1999, com Lucia Santaella),
Imagem: Cognição, semiótica, mídia (4ª ed. 2005, com Lucia Santaella), Semiótica e
comunicação (2004, com L. Santaella) e Manual da Semiótica (no prelo, EDUSP)
<http://www.uni-kassel.de/~noeth>.

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