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Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro


Vigésima Quinta Câmara Cível

Apelação Cível nº 0002018-69.2008.8.19.0014


Apelante: DECIVANIA RANGEL DE FREITAS
Apelado: HEMOCLIN CLINICA HEMATOLOGICA LTDA EPP
Relator: Desembargador Luiz Fernando de Andrade Pinto

ACÓRDÃO

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA.


ALEGAÇÃO DE ERRO EM RESULTADO DE EXAME
LABORATORIAL DE SANGUE. ALTERAÇÃO
ELEVADA BETA HCG. ELEMENTOS FUNDADORES
DA RESPONSABILIDADE CIVIL (DANO E ATO
ILÍCITO) AUSENTES. HIPÓTESE DE DANO
HIPOTÉTICO. PERÍCIA DOS AUTOS A AFIRMAR A
INEXISTÊNCIA DE QUALQUER ATO ILÍCITO.
IMPRECISÃO DO RESULTADO DO EXAME QUE É
ÍNSITA À MEDICINA. PRECEDENTES DESTE EG.
TJRJ NO SENTIDO DA IMPROCEDÊNCIA. RECURSO
DESPROVIDO.

1. O dano hipotético não é indenizável.


Doutrina e jurisprudência sobre o tema;

2. Sem ato ilícito, não se funda a


responsabilidade civil do agente;

3. In casu, o dano é hipotético, porque só


haveria imprecisão do diagnóstico emitido pela ré,
se o exame de beta HCG realizado pela autora
efetivamente confirmasse cabalmente a existência
da gestação. Precedentes deste Eg. TJRJ;

4. Recurso desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível


nº0002018-69.2008.8.19.0014, em que é apelante DECIVANIA RANGEL DE
FREITAS e apelado HEMOCLIN CLINICA HEMATOLOGICA LTDA EPP.

A C O R D A M os Desembargadores da Vigésima Quinta Câmara


Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por UNANIMIDADE de votos, em
negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.

LUIZ FERNANDO DE ANDRADE PINTO:000017544 Assinado em 21/06/2017 15:30:38


Local: GAB. DES. LUIZ FERNANDO DE ANDRADE PINTO
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RELATÓRIO

Trata-se e de ação indenizatória versando a seguinte causa de


pedir:

DECIVANIA RANGEL DE FREITAS, qualificada na inicial,


propôs a presente ação pelo rito ordinário em face de
HEMOCLIN -CLÍNICA HEMATOLÓGICA E LABORATÓRIO
DE ANÁLISES CLÍNICAS objetivando a condenação do réu
em pagar indenização por danos morais, em razão de falha
na prestação do serviço.

Alega a parte autora que no dia 26/04/2007 realizou junto à


empresa ré um exame hematológico a fim de confirmar para
sua dermatologista que não estava grávida, tendo em vista os
medicamentos utilizados no tratamento; que informou a sua
médica que era virgem, mas mesmo assim se submeteu ao
exame; que foi realizado junto a ré pelo SUS e para sua
surpresa o resultado deu positivo; que ficou surpresa com o
resultado; que submeteu ao exame de ultrassonografia e
pagou outro exame hematológico junto a ré; que nos exames
o resultado negativo. Acompanham a inicial os documentos
de fls.05/13.

Considerando a natureza eminentemente técnica da controvérsia,


o saneador de índex 65 deferiu a prova técnica. Determinou, ainda, a colheita de
prova documental superveniente.

Agravo retido interposto pela parte ré tendo em vista o


indeferimento da produção de prova oral de índex 70.

Laudo no índex 100.

Sobreveio a sentença de improcedência, no índex 132, nos


seguintes termos:

Ante o exposto: JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS da


parte autora. Em consequência, JULGO EXTINTO o
processo com julgamento do mérito, nos termos do art. 487, I
do CPC. Condeno a parte autora, como decorrência da
sucumbência ao pagamento das despesas processuais,
devidas por força de lei, bem como aos honorários
advocatícios de 10% sobre o valor da causa, observada a
gratuidade, já deferida. Publique-se nas mãos do escrivão.
Registrado eletronicamente. Intimem-se as partes. Após o
trânsito em julgado, dê-se baixa e arquive-se.
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Apela, então, a autora no índex 137. Insiste em que teria sido


lesada pelo diagnóstico de alteração elevada no teste BETAHCG a que
procedeu o réu, uma vez que o resultado fornecido pelo Laboratório apelado não
teria nenhum apontamento informando que o resultado não era conclusivo. Diz
dos seus desassossegos em razão dos fatos.

Contrarrazões no índice 157, em prestigio a r. sentença.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, tempestivo e próprio que é.

Inicialmente, deixo de apreciar o agravo retido interposto pela parte


ré, ora agravada, tendo em vista a não interposição de recurso de apelação e
não ter sido ratificado eis que foi apresentado na vigência do CPC/73.

De saída, refira-se que a relação articulada entre as partes é


colhida pelo microssistema do Código de Defesa do Consumidor. Verificam-se,
no caso concreto e à luz da teoria finalista, todos os requisitos objetivos e
subjetivos que qualificam as figuras dos artigos 2º e 3º da Lei 8078/90.

No mérito, tenho que, ausentes os ativos principais da


responsabilidade civil (o ato ilícito e o dano), de rigor a manutenção da
improcedência do pleito.

Ressalte-se, neste ponto, que, consoante preceitua o enunciado


sumular nº 330 do Eg. TJRJ, “os princípios facilitadores da defesa do consumidor em
juízo, notadamente o da inversão do ônus da prova, não exoneram o autor do ônus de
fazer, a seu encargo, prova mínima do fato constitutivo do alegado direito”.

De outro lado, como parece óbvio, o pressuposto intrínseco à


responsabilidade civil é o dano. Ora, somente experimentado um prejuízo, moral
ou material, haverá o dever de recompô-lo.

Neste sentido, Agostinho Alvim repugna a presunção de dano, pois


deve ele ser cabalmente provado:

O nosso Cód. Civil determina, no art.1065: não cumprindo a


obrigação ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo
devidos, responde o devedor por perdas e danos. E também
não resta dúvida que, consistindo a prestação uma utilidade
para o credor, a sua não efetivação, ordinariamente,
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razoavelmente, lhe trará prejuízo. Há, portanto, uma


presunção comum, de existência de dano, até certo ponto
reconhecida pelo art.1056. Mas essa presunção não é
suficiente para condenar o devedor, Presume-se haver dano,
porque é isso que ordinariamente sucede (presunção
“hominis”). Todavia, sendo certo que pode haver infração do
ajustado sem dano, como vimos supra, não é possível
condenar com base somente nessa presunção. Por isso
mesmo, a lei requer que o pedido de perdas e danos tenha
por fundamento não só a infração, como ainda a lesão, como
diz expressamente o art.1092, parágrafo único... Admitir que
o juiz possa condenar o devedor, tomando a violação do
avençado como presunção de dano, equivale a admitir a
inversão do ônus da prova... O que se convence do estudo
da matéria é que a prova da existência do dano é
indispensável e deve ser feita na ação, sob pena de ser o
devedor absolvido. O juiz só condena se há prova do dano.
Na liquidação apura-se apenas o “quantum”... Não é possível
condenar por dano incerto.

Sobre o dano, como elemento essencial do dever de indenizar,


também discorre Antunes Varela:

O quarto requisito essencial, para que haja obrigação de


indenizar, é a produção de um dano para o credor. A
responsabilidade civil não tem por fim a punição do devedor
faltoso, mas a reparação do prejuízo sofrido pelo credor. Se,
excepcionalmente, o não cumprimento da obrigação não
acarreta nenhum dano para o credor, não há lugar para a
indenização. O objeto da indenização consiste precisamente
na reparação do dano. Faltando o dano, não há lugar à
indenização1.

Em conclusão, “somente danos diretos e efetivos, por efeito


imediato do ato culposo, encontram no Código Civil suporte de ressarcimento. Se
dano não houver, falta matéria para indenização. Incerto e eventual é o dano
quando resultaria de hipotético agravamento da lesão”2.

Na espécie, somente se poderia verificar dano indenizável se


comprovado que, por força da imprecisão do diagnóstico emitido pela ré, o
exame de beta HCG realizado pela autora efetivamente confirmasse cabalmente
a existência da gestação.

1 Direito das obrigações, vol.II, págs.127/128.

2 RT 612/44
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Mas, não foi isso que ocorreu. Em verdade, os demais exames


laboratoriais descartaram tal hipótese.

Para assentar este vértice, ressalte-se que o i. perito asseverou


que o interregno entre os exames não permitiu a concretização de qualquer dano
à consumidora.

De mais a mais, no que toca ao ato ilícito em si, aproveito as razões


versadas no laudo D de índex 100: .

O exame de sangue com dosagem de BetaHCG em valores


tão baixo, 30m1U/ml, como foi o caso da Autora, seria motivo
de uma repetição com 48 hs de intervalo, sendo uma
gravidez, os valores dobrariam. Neste caso não foi médico
ginecologista quem solicitou o teste de gravidez, e nem
sequer havia suspeita de gravidez, afinal não houve nenhum
relacionamento íntimo da Autora com um parceiro, realmente
não tem como supor uma gravidez em curso. Se fosse por
uma suspeita, o ginecologista deveria pensar numa gravidez
mal sucedida, um provável futuro aborto (o embrião não
desenvolve), ou mesmo, um aborto recente. Se este exame
fosse confirmado em uma contraprova, e ela negando contato
com esperma, o ginecologista pesquisaria um tumor produtor
de HCG (melanoma, carcinoma de mama, pulmão,
estômago, pâncreas, cólon. ovário, bexiga). A história clinica
da paciente sempre prevalecerá, e a história é de uma mulher
virgem, ou seja, só usando a técnica fertilização "in vitro" para
obter uma gravidez, sem o relacionamento direto de um
casal. Ressalvando que a mulher pode ainda não ter sido
deflorada, mas ter tido contato íntimo com o espermatozoide
do homem, e engravidar. Realmente o teste de betaHCG, tem
uma especificidade elevada, sendo raro o seu falso positivo,
mas com tantas causas para a interferência deste teste, não
se pode falar de erro laboratorial quando o médico lê uma
dosagem ligeiramente aumentada de HCG no sangue, e já
que não suspeitava-se de gravidez, sempre pensar num falso
positivo, e solicitar novo exame, com 48 hs, que no caso de
gravidez, dobra o valor.

Em arremate, a jurisprudência sobre o tema:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE


REPARAÇÃO POR DANOS
MORAIS. EXAME LABORATORIAL DE SANGUE
BETA HCG. RESULTADO CONHECIDO COMO "FALSO
NEGATIVO". POSTERIOR CONSTATAÇÃO DE GRAVIDEZ
PELA PACIENTE. INEXISTÊNCIA DE FALHA NA
PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. PACIENTE QUE RECEBE
RESULTADO NEGATIVO DE EXAME BETA-HCG E,
POSTERIORMENTE, DESCOBRE ESTAR GRÁVIDA POR
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MEIO DA REALIZAÇÃO DE ULTRASSONOGRAFIA


OBSTÉTRICA. OS EXAMES DE SANGUE DE HORMÔNIO
BETA HCG, REALIZADOS PARA A VERIFICAÇÃO DA
GRAVIDEZ, SÃO SUGESTIVOS E NÃO POSSUEM O
CONDÃO DE AFIRMAR A EXISTÊNCIA DE GESTAÇÃO,
SENDO TAL FUNÇÃO DO MÉDICO, A QUEM CABE
ANALISAR OS DADOS CONTIDOS NO EXAME, E NÃO DA
PACIENTE. EXISTÊNCIA DE FATORES QUE PODEM
INFLUENCIAR NO RESULTADO DO EXAME, COMO A
PRECOCIDADE DA REALIZAÇÃO, ALTERAÇÃO DE
REAGENTES OU FATORES EMOCIONAIS. A
CONFIRMAÇÃO DA GRAVIDEZ DEVE OCORRER COM A
COMBINAÇÃO DOS EXAMES DE BETA-HCG E A
ULTRASSONOGRAFIA OBSTÉTRICA, QUE DEVEM SER
ANALISADOS PELO MÉDICO DA PACIENTE. AUSÊNCIA
DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO
PELO LABORATÓRIO. DANO MORAL NÃO
CONFIGURADO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS
DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SENTENÇA QUE SE
REFORMA. RECURSO CONHECIDO, DANDO SE
PROVIMENTO AO APELO DA RÉ.
(Apelação cível 0009279-80.2011.8.19.0208 - Des(a).
ANTONIO CARLOS DOS SANTOS BITENCOURT -
Julgamento: 14/01/2015 - VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA
CÍVEL CONSUMIDOR).
.................................................................................................

APELAÇÃO - AÇÃO INDENIZATÓRIA. ALEGAÇÃO DE


DIAGNÓSTICO EQUIVOCADO NO EXAME
LABORATORIAL. PRETENSÃO COMPENSATÓRIA POR
DANO MORAL. LAUDO PERICIAL QUE INFIRMA AS
ALEGAÇÕES AUTORAIS. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA. AFASTADA A HIPÓTESE DE ERRO DE
DIAGNÓTICO E NÃO DEMONSTRADA A PRÁTICA DE
CONDUTA ENSEJADORA AO PAGAMENTO DE
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, A SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA DEVE SER MANTIDA. RECURSO A QUE
SE NEGA PROVIMENTO, NOS TERMOS DO VOTO DO
RELATOR. (Apelação Cível 0061558-48.2012.8.19.0001 -
Des. Jose Acir Giordani - Julgamento: 30/09/2015 - Vigésima
Quinta Câmara Cível Consumidor)
.................................................................................................

RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA.


EXAMES LABORATÓRIAIS SUPOSTAMENTE COM
ERROS. ULTRASSONOGRAFIAS TRANSVAGINAL E
MAMÁRIA. PERÍCIA QUE CONCLUI PELA INEXISTÊNCIA
DO ALEGADO. DESPROVIMENTO DO RECURSO POR
UNANIMIDADE. (Apelação Cível 0016696-
55.2009.8.19.0208 - JDS. Des. Tula Barbosa - Julgamento:
10/06/2015 - Vigésima Quinta Câmara Cível Consumidor).
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Ante o exposto, VOTO pelo CONHECIMENTO e


DESPROVIMENTO do recurso.

Rio de Janeiro, na data da sessão.

Desembargador LUIZ FERNANDO DE ANDRADE PINTO


Relator

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