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_ (EzTo 2 MARILENA CHAUI Introducao a historia _ da filosofia Dos pré-socrdticos a Aristételes ‘vouMe t 2 ediclo revista, ampliads © arualizada 2 rcngreste ood Como jé ebservamos, a palavra proporci0, m tio de uma relacdo e conhecé ‘yeremos que a proporcio, 0 lig ou a ratio ca determinar quantas vezes 2 esti contido em 4 ¢ quantas vezes 4 xm 8 por iso 0 ligos ou a ratio entre eles €2 (2 esté contido 2 vezes em 4, as sim como 4 est& contido 2 vezes em 8). Ora, o que a demonstracio aritmética do teorema (isto é, nfo sua demons: ‘ragdo por figuras ou por geometria e sim por nmeros ou aritmética) ra reve lar € que, se tomarmos os des triéngulos retingulos que formam um quadsado e considerarmos a hipotenusa como a diagonal do quadrado, nao ha ligos ou ra- tio entre ela e os lados, nZo ha propor¢io numérica entre eles, ndo sio comen- 10 havendo proporgio entre eles, ha algumna coisa no mundo que escapa da ondem matemtica universal como se coloca 0 chamado "problema do pitagorismo"? racio geomiéttca fala em “quadrado da hipotenusa” e “quadra dos dos catetos” Iso significa que a demonstracio recorre a0 quadrado, roma a hipotenusa como diagonal eos atetos como lados de um quadrado. Na lingua gem aritmética dos pitagbricos est sendo dito que a hipotenusa, « diagonal, 05 catetos os lados esto sendo tomados como nimeros quadrados, portanto, o- ‘mo ntimeros obtidos pelo acréscimo de pontos impares 4 unidade. Sio, pois, mt spares. Mas se o miimero quadrado da diagonal for igual & soma dos ‘niimeros quadrados dos dois lados, seré preciso dizer que o quadrado da diago- nal é igual 2 duas vezes o niimero de um lado. Ora, todo ntimero multiplicado -ado por dois) um nimero par, ¢ seré preciso dizer que a diagonal &, 0 mesmo tempo, impar € par, se ela ¢ o lado forem comensuré- vis, O que é absurdo. £ preciso, portanto, dizer que no so comensuraveis, que nio hi um niimero que possa medi-os ao mesmo tempo. ‘Quando, em sua obra de logica, Arstteles exernplifica como a ciéncia rea- liza demonstragdes chamadas de “por reducdo ao absurdo", o exemplo escolhi do por ele é exatamente este caso, Escreve Aristeles: Provase, por exemplo, a incomensurabiidade da diagonal pela razio de que 08 aos niimeros pares, e se pusesse a diagonal a diagonal € 0 lado exige que se conclua que nao hé um ntime possa medir ao mesmo tempo 0 lado e a diagonal do quadrado, isto é, um né mero que possa determinar arelagio entre ees e, portanto, eles si despropor ionais, nfo podem ter a mesma medida, sendo por isso incomensuréveis ou ir ncomensurabilidade entre a diagonal eo lado do pitagérico) que racionais (sem ratio comum). do quadrado pie em questio a teoria pitagérica do ntimero como p) ‘Assim, o teorema de Pitigoras, considerado a certidio de nascimento da geometria como ciénciae da unidade das mauemiica (sto é, da aritmética, da peo witaneamente, a destruigio da cosmoto- sia pitagbrica. Todavia éexatamente essa dificuldade que produziré os avangos ‘metria e da misica ou harmonia) é da matematica grega, particularmente os estudos da teoria das proporcbes. DE VOLTA AOS JONIOS: HERACLITO DE EFESO Avida Filho de Biéson, Heréclto nasceu em Efeso, na Jia, de famaiaaritocé ica eeu pa descend do fundador de Beso, 0 ei Andéclos, que descendia do reide Atenas, Codios) que anda conservava a prerrogativa de usar os tials ios dos fandadores da cidade (st ser chamado de aconte, usa manto pir pra e carregar um cet}. Consta que teria renunciado, em favor do irmtio, a0 dlreito de usar os ttalos politicos. Sua alé & sitwada por ocasiio da 69" Olim piada, portanto etre 504-503 € 501 aC. Desde 546 a.C., a Joni 10 submetida & persas de Dario. Em 498 a.., todas as cidades, com excegio de Efeso, uniram fasio € a0 dominio dos 7 dlto da vida piblica. Retirado e isolado, seu pensamento surge melancélico € pessimista, ¢ seu estilo dificil é irénico, altaneiro, distante Hericlito é um dos raros pré-socriticos de que possuimos fragmentos (20 todo, 132 ou 135), nos quais alguns tracos podem ser claramente percebidos: 0 poemas de Homero e Hesfodo ("o mestre da maioria dos homens, os homens pensam que ele sabia muitas coisas, ele que no conhecia o dia e a noite”); 2 iro £0 &, a erudiglo sobre minticias e deta ‘0 fato nia contra a polymatheia* de Pitégoras, cangar a unidade e profundidade del s coisas nfo inscrui a inteligéncia: do contrézio teria inst Hesiada e Pitagoras") ido O pensamento de Herdclito Considerado por muitos como 0 mai rante os éltimos vinte e cinco séculos Hericlito nao cessou de ser lido, citado, comentado ¢ interpretado das mais variadas maneiras. Com Parménides de Eleia, pode ser visto como o fundatior da filosofia: ambos colocaram os proble- mas eas solugdes, as questbes e as respostas, as interrogagbes € os impasses que im, nos séculos seguintes, a reflexdo filos6fica De suas criticas, Heraclito poupa a Sibila: “Com seus lbios delirantes diz, coisas sem alegria, sem ornatos ¢ sem perfume”. A Sibila nfio adula o ouvinte (fala sem alegria) nem o engana (no enfeita nem perfurna 2s palavras). & tam- ‘bém com respeito que Heréclito se refere a0 oraculo de Delfos: °O senhor 2 quem pertence 0 oraculo de Delfos nfo manifesta nem oc: ras o faz ser visto por sinais’. Com esse fragmento, Hericlito nos dé a enten der que conhecer € deeifrar e interpretar signos e que a verdade é a alétheia ou desoculta por meio de sinais. Mas quem nos envia sinais? A resposta en seu pensamento, ao Léges que por mim fala e confessar que tudo é cenviados 80 essa palavra nao sio 0s nossos — no é a mim que se deve ouvir, escreve Herd o € uma linguagem cOsmicas ou universais,a presen: Hericlito foi alcunhado de “o fazedor de enigmas e “o obscuro”. Esas a ccunas provavelmente vieram de sua concepeio oracular do pensamento ¢ da linguagem como fonte de sinais que “no manifestam nem ocultam”, mas se ‘oferecem como algo a ser decifrado e interpretado. (© Légas di2.que “tudo € um". Como, entdo, compreender a multiplcidade c diversidade de todas as coisas? O Légos também ensina que “a guerra é 0 rei € © pai de todas as coisas”. Como, entZo, compreender que el unidade? Mas, que & o Légos? Ea physis ou 0 “fogo primordial” que arde etern- mente, Que significa identificar physi e ligos? Significaafirmar que o mundo & ‘um cosmo ou uma ordem racional porque seu principio — sua arkhé e sua phssis — 62 propria razio — o liges Para facilitar a exposicZo do difcil pensam naralguns de seus fragmentos ¢ agrupé-los em cinco temas interligados: 0 mun do como fluxo ou vir a ser permanente e eterno; a ordem ¢ justiga do mundo pela guerra dos contririos; a unidade da multiplicidade; ofogo primordial coro physis; a afirmacio de que o conhecimento verdadeito € inteiramente intelec tual, nfo podendo fundar-se nos dados oferecidos pela experiéncia sensorial ot formam e sio a 0 de Hecdclito, vamos seleco- pela empeiriat . (© mando como devir eterno. “Nos mesmos tios entramos e nfo entramos, so- mas e nfio somos.” Esse fragmento, possivelmente um dos mais conhecidos € tados, costuma ser assim traduzido: "Nao podemos entrar duas vezes no mesmo to: suas &guas no sio nunca as mesmas € nés no somos nunca os mesmos" [esse fragmento expressa sea idéia mestra de Hericlito, a saber, que o mundo & ‘mudanca continua e incessante de todas as coisas € que a permanénciaé ilusio, Referindo-se a Herielito, Platio escreveu que para esse filosofo “tudo fui", mado. passe, tudo se move sem cessar. © timido seca, o seco umedece, o quenteesfta, 0 fio esquenta, a vida morve, a morte renasce, o dia anoitece, a noite amanhece, a vigllia adormece, sono desperta, a crianca envelhece, o velho se infantil mundo é um perpéruo nascer ¢ morrer, envelhecer € r nada permanece idéatico 2 i mesma. O mo. dadeira 8 da permanéni ode que a chama é estavel eidén .de de cera da vela, que vai sendo ‘consumida pea chama. Na ver na é um processo de transfor toma fogo e nels 0 fog ‘magio: nela,a cera da vela jorna fumaga, As no s6 a vela se transforma como também a propria chama que a consome, pois & consumida pela fumaca. das contrrios. © fluxo perpétuo do mundo nao € caético nem arbi , mas segue una lei que Heraclito apresenta num de seus mais celebrados tos: ‘A guerra (pélemos) € 0 pai e o ei de todas as coisas”. ainda num ecessirio saber que a guerra &« comunidade; a justiga€ discbrdia;¢ tudo acontece conforme a discndia e a necessidade”.’ Contra atradiglo dos poe mas de Homero e contra a posigio de Anaximandro, nas quais a discordia ¢ a ica enquanto a concérdia€ a paz so justica, Herécito afirma que "a guerraé a comunidade", st &, a guerra é 0 que poe as coisas juntas para lta dos contrasios € harmonia € formar um mundo em comum, e, portant justica, Como as cordas da lira, tendidas 20 méximo pelo arco, produzem os mais perfeitos acordes e as mais perfeitas melodias, assim também a harmonia do mundo nasce da tensio entre 0s opostos. Lemos num fragmento: “O ‘opie a si mesmo esté em acordo consigo mesmno} harmonia € tensées cont ‘como as do arco e da lira”. Enganam-se, pois, os que supGem que a realidade € ‘trangia e inerte. Ela € inquieta e mével, tensa, concordante porque discordan- te, eda guerra nasce a ordem ou 0 cosmo, equilibrio dindmico de forgas contra ras que coexistem e se sucedem sem cessar. A unidade do mundo é sua multi plicidade. Tudo é um porque o um é tudo ow todas as coisas. ‘A unidade da multipicidade, A mulkiplicidade mével e a luta dos contrérios, nao é uma dispersio sem fundo. O vulgo € 0 senso comum sio incapazes de compreender o sentido de “tudo € um" porque acreditam que cada oposto po- dleria existir sem o seu oposto e olham as coisas como ume multiplicidade de se. res separados uns dos outros. Em outras palavras, nfo percebem que a multipli- cidade ¢ unidade e a unidade, mult contririo e faz nascer 0 seu conti idade, pois cada contrério nasce do seu 10 &, sfo insepardveis. A 82 de gateae felira ea fei a doenca ea doen sia beleza;a vida traz dentro de sia morte e a morte traz fo € um. Essa afirmagio nuclear do pensamen: -ndida como a enten: eraticos, De fato, para est ‘uma unidade primordial (a pls) que, manten do-se em sua unidade eterna, dé origerm & multiplicidade das coisas por meio de movimentos de separacao ¢ diferenciacio. Ou seja, a unidade primore confunde com a multiplicidade nascida dela. Nao é o que pe Para ele, a unidade primor “Tudo é um" significa que a m uunidade ¢ a comunidade de todas as coisas © fogo primordial como phjss. Como se dé a unidade do miltiplo e a mult plicidade do um? Pela phjsis. Lemos num fragmento: Este mundo, 0 mesmo e comum para todos, nenhum dos deuses e nenhum ho mem o fer; mas era, & e ser4 um fogo sempre vivo, acendendo-se e apagandose conforme a medida (Clemente de Alexandria, Taperaria) © fogo de que fala Herdclito nio é 0 quente, ou o fogo percebido por nos 0s sentidos, pis o calor é uma qualidade deverminada que, fio, 0 sec0€ 0 tio, se move no mundo. O fogo primordial, que ninguém —nem deuses nem homens — fez éa origem sempre viva e eteina de todas as coises. hiss ligos, o fogo primordial é uma forca em movimento, uma a¢éo em aque faz de si mesmo todas as coisas ¢ todas elas sfo ele mesmo. Ele € como a chama da vela, mas uma chama eterna, acendendo-se e apagando-se sem cessar. (Ora, o fragmento acima citado diz que o fogo sempre vivo se acende e se apaga “conforme a medida”. Que pretende Herdclto significar com isso? ‘A palavra “medida” possui em grego er” significa mensura, isto & atibuir uma ce .as também significa moderer, quantidade a algu: (0 é, impor tm limite a alguma coi 83 sa ¢ a moderacio 6 um ato justo ou de justiga. Quando lysis gos, e declara que o fogo age “conforme a media”, coma ae ‘med primordial se distribui quanti ades perfeitamente determinadas € 0 fogo primordial delimita todas as coisas para que nelas nao haja excesso nem Physis €ligos porque mede e modera as coisas, conforme a necessidade de cada uma dels, ele as faz racionais, proporcionais ‘ummas as outras, harmoniosas em suas oposicbes, O devir, esse acender-se e apa. 140 do fogo primordial, assegura a permanéncia — a medida de cada coisa — e a lei de sua mudanca — passar de uma medida a outra medida ‘A cada medida que se apaga, uma outra se acende, eternamente. Quando @ ‘gua se evapora, uma medida de timido se apaga ¢ uma medida de quente se indo a Agua evaporada se condensa em nuvens, uma medida de quente se apaga ¢ uma medida de timido se acende. E a nos dois sentidas, ou seja, mente em todas as coisas em quant gar-se cont acende; mpre ¢ com to das as coisas fala nas medidas como “exalacGes do fogo" eas distingue em me- didas ou exalagbes claras ¢ obscuras. © quente é a mais perfeta expressio das primeiras; 0 imido, a mais completa expressio das segundas. Sio claras ou do “fogo ardente”: 0 sol, a luz, o calor, a vida, a said, a beleza, 0 conhecimento. ‘io obscuras ou do “fogo apagado”: a noite, a treva, o fiio, a morte, a doenca, nedidas, guerra que € ordem ¢ jus- tica do mundo, Porque a medida & a moderado dos contririos, a guerra das medidas ou dos opostos nfo é violéncia e tirana, opuléncia de uns ao preco da indigéncia de outros. A natureza, sempre justa e moderadora, nunca leva 20 excesso 00 & caréncia; nels, os contrrios em lua se compensam Uns 20s outros. Ou, como diz Hericlio, o fogo primordial nunca excede suas medidas e é isto sua justiga Num fragmento, lemos: “Fogo: fartura ¢ indigéncia”. E, num outro: “Para as alas, morrer €vimido; para o imido, morrer é seco; do seco, porém, forma:se 0 timido e do amido, a alma”. B em mais um: "O fogo vive a morte da terra, o ar vive a morte do fogo; agua vive a morte doar; eaterra,a da Agua” porque “imortais, mortals; mortais, imortas;a vida destes é morte daqueles e a vida daqueles & morte dest 0 conhecimento verdadeiro, Num fragmento de sibio dos homens, se comparado a0 deus, € aps 84 |, 3¢ comparado ao homer a idéia de que a sabedoria e a verdade plenas p ‘e que o homem pode apenas am ditoqueo. mas 20 légos g is por que afirma que & sibio escutar “nfo a m fala’. E pelo mesmo motivo, 0 Obscura critica o vulgo ou 0 sen: capaz de ir além do que a experiéncia sensorial Ihe oferece ¢ de compreender que tudo é um, tudo é milliplo, nado fli e que a permanéncia é mudanga Um fragmento recolhido por Plutarco diz: “Procureime a mim mesmo! Que seria essa procura? Um fragmento recolhido por Numénio pode sugerir uma resposta: “O homem, como uma crianga, ouve o divino, tal como cri: ‘2 ouve o homem”. Procurar-se € ouvir o léges que ama esconder-se na harmo sivel. Que ensina o ligos? Nao apenas que a guerra éo sei e pai de todas as coisas, que tudo Bui sem cessar e que ajusiga & a Iuta eo combate de todas as coisas segundo a medida, mas também, conforme um fragmento mencionado 1m mundo tinico € comum”, conhecido pelos que esto por Plurarco, que ha 8 que, “adormecidos, se revolvem no pré= despertos (0s sabios) e ignorado p prio leito”, Procurar-se a si mesmo — ou conhecer — é colocarse em conso- ‘nancia com 0 Léges porque: [Nao encontrar limites da alma, percorrendo odo o camin! cla tem (Dibgenes de Laércio, Vides doutrinas dos, Quatro fragmentos nos auxiliam a melhor captar a critica heraclitiana 20 senso comum ou ao vulgo: coisas, todos os que as encontram nem quando Muicos nao pereeber dos conhecem, mas si prOprios Ihes parece que as conhecem ¢ perceber mente de Alexandria, Tapejarias). Mas testemunbas para barbara (Sexto Empltico ‘A natureza ama esconder-se (Ten A harmonia invisive i Conhecer € decifrar ¢ interpretar a natureza que ama ocultarse. O conhe cimento é um movimento espiritual da alma que sabe usar os olhos € 0s ouvi sma", Alma, mistura de égua, are fOg0, sera tanto mais racional quanto mais nela prevalecerem dos quando aprendeu 2 “pensar a ‘imida, fria ou quent as medidas de fogo sobre as de Agua ¢ ar. Pela respiracio, a alma absorve 0 fox «por isso, quando o titmo da respiragéo baira, sua capacidade de conhecimen to também baixa: sono, sonho. Também baixa quando a medida de égua suplan- taa de fogo:embriaguez, doenca, O senso comum se parece com 0 sono e com 4 embriague2, com a alma “barbara” que nio sabe ver, ouvir, falar nem pensar A ESCOLA ELEATA (© ANTECESSOR: XENOFANES DE COLOFAO Para a Magna Grécia nio se dirigin apenas 0 nio Pitégoras, mas também © poeta-sibio Xenéfanes de Colofi,tido como antecessor da Escola Hata f moso por seus ataques & religifo tradicional dos poetas maiores da Grécia (Ho mero e Hesiodo). Pouco sabemos sobre ele, ainda que dele tenham restado numerosos frag: rmentos de poemas (clegias e sitiras). Sua importancis para a filosofis para o suigimento da Escola Bleata repousa no fato de que, além de, como Heraclito, criticar © senso comum que nio fu distingo entre a experiéncia sensorial € 8 razdo, também se preocupou em criticar os aspectos antropomérficos dos deu- ses miticos, submetidos a paixBes ¢ desejos humans e mesmo imaginados com caracteristcas hurmanas. Em alguns fragmentos de Xen6fanes lemos: Homero e Hesfodo atibuiram aos deuses tudo que nos bumanos sé0 oprébrio € vvergonha: roubos, adultérios, enganos reciprocos. Mas os mortais imaginam que ‘os deuses sio engendrados como eles, que usam roupas, tém vox ¢ forma seme: thantess dees. Se bois, cavalose ledes tivessem mos c se com clas pudessem pin tare reproduzir obras de arte como es homens, pintariam os deuses com suas for: ‘mas, segundo sua espécie prépria, Os etiopes fazer seus deuses negros ¢ com nariz achatado; 1952, p 133). rictos dizem que os seus tém olhos azuis € cabelos ruivos (Barnet, 86 “A-esse antropomorfisino, Xenéfanes contrapde uma out es, € € essa que se considera wma das fontes da Escola Eleata, Xs lavividncia infabve 12a existéncia de um deus iinico, com poder absol «¢ imével, Sem forma humana ou qualquer ‘outra conhecida por nés, "vé tudo, pensa tudo ¢ compreence rudo", governan do todas as coisas pela penetracio de seu esprito e habitando sempre o mesmo Toga. No se move, iso €, 130 sofe madangas, no ests sjeito 20 tmp e x0 de- vir Imével,é sempre idéntico a si mesmo, eterno, uno € todo. Bis alguns fragmentos: ‘Um tnico deus; entre deuses € homens, maior; em nada no corpo semelhane sos morta, nem no pensamento (Clemente de Alexandria, Tapeparia). “Tudo ineio cle vé, edo inter cle pense, tudo iteiro ele ouve (Sexo Empisico, Contra os matemtice). ‘sem esforgo ele cudo move com a forga de seu pensamento (Simplicio, Comentrie a Fisica de Avstteles) convém ir ora, Sempre permanece no mesmo lugar sem s€ mover, pois ni para um lado, ora pars outro (Simplicio, Camentri da sia de Aisle) PARMBNIDBS DE ELEIA A vida Fiho de Piros, nasceu em Bléia (hoje Vea, na Ilia meridional, 20 sul de Salerno) e, segundo Diégenes de Laércio, sus akm situa-se na 69" Olimpiada, portanto entre 508 © 500a.C, data que foi dada por Apolodoro, Plato, postr. firma que Parménidesesteve em Atenat, onde se encontrox com o over So- trates e que na casio, tinha 65 anos. S6crates, condenado em 399 aC. tink, tna época de sta morte, 70 anos e, Portanto, o encontro com Parméries deve ver acorrido entre 451 ¢ 449 ,C. Aceitando's a data de Apolodore, Parménides teria, ndo os 65 anos de que fala Plato, mas 80 anos. Porém se acitarmos que 87 a akmé parmes remos 0 relato plato nico, mais acurado, Nesse caso, a opinido de que Parménides teria pw lo de Xen6fanes no se mantém. Mas isso no exclui que ambos, jé em idade avangada, tenham-se e liana deve ter ocorrido em 533 a.C., -ado em Eléia, Parménides foi iniciado na vida filo: séfica por um influenciado as idéias parmenideanas. A diferenca entre ambos, como observa ‘Windelband, esté em que aquilo que para Xendfanes era um postulado religio so (unidade € unicidade, identidade ¢ imobilidade do deus, identidade entre 0 deus € o conhecimento verdadeiro) tomou-se, com Parménides, uma idéia filo s6fica ou especulativa Como os demais pré-socriticos, Parménides participou ativamente da politica, tendo sido o primeiro legislador de sua cidade recém-fundada, e, segun- do os doxégrafos, anualmente os magistrados de Eléia faziam os cidados jurar ‘guardar as leis que Parménides Ihes dera. 0 pensamento de Parménides Enquanto os milésios e Herdclto escreveram em prosa, Parménides foi o primeiro fildsofo a expor suas idéias em verso. Seu famoso poema, do qual res: tam alguns fragmentos, esti escrito em heximetros (influéncia provével de Xend- fanes) e, nele, 0 filésofo-poeta se apresenta como 0 Escolhido, conduzido pelas Fithas do Sol sua Musa, que, com a permissio da justiga lhe revela a Verdade © toda a Verdade. O poema € conhecido como Sobre a ratureza (novament sabemos se seria 0 titulo original ou o titulo tardio, sempre dado as obras dos pré-socréticos). A obra se divide em duas partes, apés um preimbulo. A primei- +2 ficou conhecida como a Via da Verdade Opinio (@éxa), Da primeira, hi numerosos fragmentos, mas da segunda restam poucos. Para muitos, a obra ergue-se contra o pitagorismo (a dualidade par contra Hericlita (o fiuxo perpétuo xomatico theia) ¢ a segunda como a Via da impar como origem da ordem do mundo a identidade do uno e do miiliplo). vias ou dois caminbi e a pal foi contemplado 1¢ correspondem, como diferenca e ra inspirada (a verdade cor ) © a palavra leiga das assembléia ada nas diseussbes pUblicas) uuniverso da antiga alétheia dos magos, poetas e adivinhos, a fala da De nada tem a ver com a linguagem sagrada dos Zo quem fala, oferécendo argumer aprescavamse a enviarme, a8 deinando as moradas da Noite, retirando com as mos os véus, BH que estio as portas aos caminhos de Noite ¢ Dis ta Jostiga de muicas penas tem chavesalternantes a Ea Deusa me acolheu benévola, ena sua @ minha ‘mio direta tomou, ¢ assin dizia e me interpelava: © javem, companheiro de aurigas imortas, su que assrh conduaido chegas 4 nossa morada, Salve La preciso que de tudo te instruas, do Amago inabalivel da verdade (alétheia) bem redonda, das opines (déxai) dos mortais, em que no hi fe verdadeira, La en te dite, emu, recebe a palavra que ouviste, > (0s inicos caminhos de inquérito que sio a pensar: fo primeito, que €;¢, portanto, que nfo & nfo ser, 4 verdade scompanha (© outro, que nfo é;¢, portanto, que & preciso nio-ser Bu te digo que este sltimo & atalho de todo nZo cxvel, nem conhecerias 0 que nio €, nem o dias de Persuasio, écaminho, Lal ois 0 mesmo ¢ a pensar e portanto ser tl [Necessitio€ dizer e pensar que o ente &; pois € ser. ‘B nada nfo étsto eu te mando considerar* (© que é novo neste poema € 0 fato de que, embora pareca pertencer ao ma que 0 ‘como, inversamente, afirma que g ser € 0 que pode ser pensado e dito. E, por contraposi¢éo, tanto declara que 0 nada, porque nio é (nfo existe), nao pode ser pensado nem di , que 0 que nio pode ser pensado nem dito, nlo é [No julgue o letor que essas palavras slo estranhas apenas para nossos ou vidos modernos. Blas foram estranhas € enigmaticas para os préprios gregos contemporineos de Parménides. & que nessas formulas exttemamente conden. sadas estio colocadas as quest6es fundamentais que, doravante, ocupario a fi Josofia (Que esti dizendo Parménides? Que o ser é¢ o nada nfo é Que o ser pode ser pensado e dito Que o nada nio pode ser pensado nem dito, Que pense ser sio 0 mesmo Que, portanto, o nada € nio-ser € impensivel. Que dizer € ser sto 0 mesmo. Que, portanto, o nada é nao-ser e indizivel, Mas que significa iso que Parménides esté dizendo? E por que afirma ele que isso € o que a Deusa the mostra na Via da Verdade, oposta & Via da Opi nif que os mortais costumam seguir? Ainovagao de Parménides, Ligia ¢ ontologia. Para muitos intéxpretes, Parmé. rides teria, pela primeira vez, formulado os dois principios logicos fundamen- tais de todo o pensamento: o principio de identidade —o ser é 0 ser —, € 0 prin’ ipio de ndo-contradigao — se o ser é, 0 seu contritio, nao ser, nfo é. Em outros termos, so ser & © pode ser pensado € dito, entio o ser ¢ ele mesmo, idéntico asi mesmo e serd impossivel que seu negativo, o nada ou nio-ser, também seja e também possa ser pensado e dito. A afirmagao do ser exige a negagio de sew ‘posto, o néo-ser, Parménies teria descoberto a Ici fundamental do pensamen: to verdadeiro, pela qual é impossivel afirmar ao mesmo tempo uma coisa e seu 90 lagio cto seria apenas um derivado ou un com Parménides teria nascido [No grego, © particpio presente do verbo ser & én, ofsa, én (masculino, fe rinino € neutro) ¢, no dialeto jénico, emptegado por Pat 1) no masculino singular, ho én (eén), © que € ou aquele que é e, ural, hot dts (edntes), os viventes, os que vivem; 2) no nero fo nfo-ser; e no plural mé énta (ednta), 0s ndo-entes, as nio-coisas, os nio-seres. COntologia é, portanto, o estudo do ser ou o pensamento do ser. — Essas palavras encontram-se em todo o poema de Parménides € nos tre: hos que estamos comentando e € por isso que muitos intérpretes consideram {que a ontologia nasce quando Parménides afirma que a arkhé € o ser ov o que 6, 0 ente — 14 edn — € que o nio-ser, o nio-ente — mb abn — nio &, B convém observara radicalidade de ParmEnides: ele nfo considera que podemos pensar ce dizer o que existe e nfo podemos pensar ¢ dizer 0 que nao existe, ¢ sim que o que é pensive edizivel existe, e que © que nao € pensive! nem dizivel nao existe Pela primeira vez é afirmada a identidade entre ser, pensar € dizer, ou entre ‘mundo, pensamento ¢ linguagem. Tal identidade ¢ 0 miicleo da ontologia par- ‘menidiana ou a Via da Verdade. A difenga entre a verdade ea opinido. Por que a déxa & 0 caminho do nio- ro modo, mas nada im: ser? A que se refere a opinifo? Ao que parece ser de um pede que pu de nossa vida, Nela exprimimos nossas preferéncias, nosss se de outro para uma ‘esses, que variam de pessoa para pessoa e variam numa mesma pessoa, depen: o dendo das circunstancias. A Opinis € por fragmento do poema de Parménides diz: “as opi tais, em que ndo ha verdadeirafidelidade”, ‘nem nos iar, pois mudam sempre. Referindo se ao que nos parece ser “assim” mas poderia ser de outra maneira, a déxa depende das variagdes de estados de nossos corpos das sieuagGes de nossas vides. Porém, nio isso. Sus vatiaga0 continua indica que nela nao temos conhecimento verdadeiro daquilo que é, do ser, mas apenas o conhecimento das aparéncias das coiss, isto é, de como elas aparecem aos nossos 6rgios dos sentidos. Ora, o que é uma aparéncia? Aquilo que pode deixar de aparecer como esti aparecendo, aquilo que poderia ndo ser tal como aparece, Em outras palavras, se a aparéncia € o que alguma coisa nos pa rece set, mas pode nao ser tal como aparece, entio ¢la € o ndo-ente, o ndo-ser. Seo ser é 0 que permanece sempre idéntico a si mesmo, onde melhor se ‘mostra a apaténcia enquanto aparéncia? Na mudanca continua, No deixar de ser de uma maneira para tornar-se de outra, Numa palavra, no devir, no inces- sante vir a ser em que as coisas se tornam outras, tornando-se o que nio slo. O dos mor ,¢m que nao podemos confiar cem mudar eas opinides rmudam com elas. O devir & aparénci ndo-ser. (Os ensinamentos sobre o ser. No prosseguimento do poema, Parménides ar- ‘gumentari a partir de uma tinica premissa, a saber, o ser € € 0 nfo-ser Dessa premissa ‘nica virio, como conseqiiéncia, que o ser é imével, uno, 10, tinico, indiv 1, indestrativel ¢ pleno ou continuo. Queco see no é engendrado, e também ¢ imperectvel com efeito, é um todo, imével, sem fim e sem comeco, [Nem outrora foi, nem serd, porque é agora tudo de uma s6 vez, ‘uno, continuo. Que origem buscarés para ele? ‘Como e onde teria crescido? Do nio- no te permico Dizé1o nem pensé-lo: nko € possvel dizer nem pensar que nio€{..J E nem sequer do ser concedes a forga da erenga veraz E como poderia exist 0 sro? E como poderia nascer? Se nasce, no 6; tary se € para ser no fururo, gE tl [Nem existe nlo-ser que Ihe impeca alcancar a plenitude [Nem pode ser ora mais pleno, ora mais vazio porque é todo inteiro in apaga o nascer e desaparece o perece. al ‘Todas as coisas sio meros nomes a i mesmo em todas as partes dados pelas crengas dos mortals: nascer e perecer, ser eno ser, rmudar de lugar e modar de luminosa cor. 'A Deusa sabe que tats palavras sio dificeis de compreender ¢ aceitar e por {sso exorta Parménides a abandonar “o olho que nao vé, o ouvido que ensurde ce, 6,08 sentidos que guiam a opinido — e, doravante, lingua sonora” — is passar a “julgar apenas com o pensamento a prova oferecida e suas refuragSes” — isto &, a usar apenas a razio,as demonstragbes racionais as contraprovas ra cionais. Os rgios dos sentidos nos enganam, nio slo confidveis para o cone: cimento verdadeiro, pois este é alcangado apenas pelo pensamento puro, ‘A experincia sensorial nos faz perceber que tudo esti em movimento, 6 em mudanga: nés mudamos, as coisas surgem € desaparecem, mudam @e for ‘mae de quantidade (aumentam ou diminuem), passam a qualidades opostas (as ‘quentes esfriam, as frias esquentam, s eseygecem, as escuras carelam, as duras amolecem, as moles endusecem etc). Q pensamento puro se afasta da percepeio sensorial e opera com argumentos logicos, isto é, obtém as conseqiién ta essas conseqiléncias cas racionais da premissa “o ser €, o ndo-ser no cembora contrariem a experiéncia sensorial, dizendo: “vemos tudo muda, mas sabenos que 0 ser &imutivel; vemos tudo nascer € perecer, mas sabemos que 0 ser é eterno”. Bis como 0 pensamento puro argumenta: +0 ser¢ imével, isto 6, imutével, pos, se se movess aquilo que ele nio é. O que ele nio & O néo-ser, ¢ este nio 1em origem, no sce, no perece, nfo o que havia antes dele? O nlo-ser,€ ise, 0 que seriam as par tes? Outios seres? Nao, porque 0 ser é uno, Nao-seres? Nao, porque 0 néo-ser no existe, nfo pode ser pensado nem dito. 0. 'Na segunda parte do poema, dedicada a cosmologia, Parménides demons- tra que o ser tem de ser limitado. Pode soar estranho para nés que Parmenides no diga que o ser é infinito. Ha, porém, uma rario para isso, Para os gregos, 0 infinito, como vimos, €o dpeiron, o indeterminado. Esse indeterminado € o que ino tem comeco nem fim no espaco € no tempo e que por isso pode crescer ou diminuir indefinidamente, transformar-se indelinidamente e, por essa razio, & © que no pode ser pensado nem dito, pois nao podemos conhecé-lo inteira mente. f por estes motives — inacabamento, virtualidades, transformagées € incognoscibilidade — que Parménides nfo pode dizer que o ser ¢ infiito. No para assegurar racionalmente todas as caracteristicas que lhe atribuiu Gmobilidade, eternidade, indivisibilidade, contimuidade e plenitude), Parméni- des diré que o ser é a esfera, o volume circular perfeito, sem comeso e sem fim, indivisivel, continuo ¢ pleno As “crengas dos mortais”, Parménides dedica a segunda parte do poema néo 86 & sua cosmologia, mas também 4 critica das cosmologias anteriores, ou das “crengas dos mortais". Suas criticas investem menos contra os fisiblogos de Mi leto e mais contra os pitagéricos, em sua crenga de que o ser € unidade e duali- dade, identidade e mobilidade, e contra Hericlito, em sua crenga de que o ser & ‘unidade e muliplicidade, eternidade e devir, lta dos contriios. Os mortais to- mam 0 nao-ser pelo ser. A via da opinio prende-se & aparéncia e & mutabilida de das coisas, sem perceber que o pensamento s6 pode pensar ea linguagem 86 pode dizer o que é permanece idéntico a si mesmo. Pluralidade ou multiphci dade, mudanga ou movimento, oposigies ¢ contrariedades sio irreais, impensé veis ¢ indiziveis, 94 nada so perante 0 pensamento, que exige estabilidade, coeréncia, per: ‘manéncia e verdade. Para 0 pensamento, o mi minho da verdade cabe oferec Esse substi logia, geomerria, segunda parte do poema — que tratava dessas questées — se perdeu, pouco ow ana e dos conhecimentos dela de- rivados. Ao que consta, estava mais proxima dos pitagéricos do que dos milésios um substituto para a € a cosmologia ou fisica com seus derivados (astronomis ‘quase nada sabemos da cosmologia parmes e de Hericlito Escrevendo sobre Parménides, diz o historiador da filosofia Jean Bern: hard: Permanece o fato de que nfo houve seno um homem, Par + se saa, para passar ao limite e ousar ulgarinteirae a to, quando um pensamento se quer estével, experimentae verifca de mancira per- feitamente clara a imposibilidade de conformemente 3 sua vontade de estabilidade, Assim & 0 nascimento da ontologia sgredir as determinasées que ele se di, 20 mesmo tempo, sua mat la pura iusragio, pela gual a exigéncia de abso: a precisio e de rigorosa coerénci de pensamento mede e abraga exata€ com plesamente a revelagdo da realidade absoluts (Bernhardt, in Chatelet, 1973, p. 42), ZENAO DE ELEA Avida Segundo Apolodoro, Zenio, 79 Olimpiads, portanto, entre 464 e 460 a.C. Assim sendo, era 10 de Teleutagoras, nasceu em Elia sua dakmé situa se 95

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