Você está na página 1de 68

oteiros tem ti os elaborados para atividades em lasse

Aula AbertaO prazer de ensinar ciências


BRASIL

ANO II - NO 8 - 2011 - R$ 6,90

BIOLOGIA

O que é uma espécie


Há inúmeros
critérios para
definir esse
conceito
que Darwin
considerava
arbitrário.
as afinal
por que isso é
importante?

FÍSICA MATEMÁTICA GEOGRAFIA QUÍMICA


a vo as notas Logaritmos: althus de volta O grafeno
de um refinado dos l ulos do ma nova leitura e as novas
instrumento passado à da questão possibilidades
musi al moderna estatística ambiental te nol gi as
SUMÁRIO SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA No 8

16 BIOLOGIA

O que é uma espécie


Ainda hoje cientistas continuam a debater essa questão. Uma
melhor definição poderá alterar a lista das espécies ameaçadas

24 QUÍMICA 40 GEOGRAFIA
A versatilidade do carbono O jogo dúbio que envolve demografia e poluição
A descoberta do grafeno constitui um rico filão Reverter o crescimento é a estratégia para um
para a física básica e novas aplicações práticas equilíbrio duradouro com o ambiente

32 FÍSICA
O refinado instrumento humano
48 MATEMÁTICA
Saudade da régua de cálculo
Como os cantores emitem sons tão impressionantes Cientistas não saíam de casa sem ela. A história
com seu reduzido sistema fonador? desse instrumento oferece boas lições

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 3


SEÇÕES
6 VISÕES DO MUNDO 14 COMO FUNCIONA
Hoje, os giroscópios guiam
Países ganham nova forma e
dimensão quando a unidade desde robôs e sistemas
de medida é o índice de antiderrapantes em carros até o
alfabetização de seus jovens. Telescópio Espacial Hubble.

8 NOTAS 12 LIVROS 55 PARA O PROFESSOR


nNovo tipo de supernova obriga Ética em Roteiros elaborados por
astrônomos a repensar a vida das jogo: a professores especialistas com
grandes estrelas dramática sugestões de atividades para
nRuídos podem alterar nosso história de sala de aula.

66 ENSAIO
sentido do olfato Henrietta
ac s cujas
nO colesterol está normalmente
células, 60
associado a doenças
anos após A seleção natural aplicada
cardiovasculares
sua morte, ainda servem a às linguas naturais.
nMicrorganismos para aprimorar humanidade.
culturas desafiam engenharia

13 INTERNET
genética
n O 61o Encontro de Prêmios Nobel
de Lindau, Alemanha, reuniu em Uma lista de vídeos e endereços
junho deste ano 23 laureados em para visitar, inspirar-se e explorar
Química e Medicina com os alunos.

ERRATA
Na edição no 1 não constaram os seguintes colaboradores: Carlos Zanchetta (editor, Moderna). Roteiros de leitura: Biologia – Eloci Peres Rios,
professora do Colégio ossa enhora das raças e iguel hompson doutor em ensino de oceanografia atemática adeline urgel aia
doutoranda em ensino de matemática pela UC uímica auro aro mestre em engenharia química.

Na edição no 5 não constaram os seguintes colaboradores uímica Ana ui a etillo er professora do Colégio era Cru iologia loci
eres Rios já referida atemática adeline urgel aia e Rogério ires já referida e ísica olne elo professor do Colégio toc ler.

BRASIL Farcetta e Lorena Travassos (assistente) Rio de Janeiro Carla Torres – (21) 2224-0095
www.sciam.com.br ASSISTENTE DE REDAÇÃO: Elena Regina
Pucinelli PROJETOS ESPECIAIS – FARMACÊUTICO
SUPERVISORA DE REVISÃO: Edna Adorno EXECUTIVO DE NEGÓCIOS: Walter Pinheiro
COMITÊ EXECUTIVO COLABORADORES: Bruno Troiano (redação);
Jorge Carneiro, Luiz Fernando Pedroso, Luiz Roberto Malta e Isaías Zilli (revisão) MARKETING
Lula Vieira, Cidinha Cabral e Ana ESTAGIÁRIOS: Denise Martins e Rodrigo Seixas GERENTE DE MARKETING: Moacir Nóbrega
Carolina Trannin MARKETING EVENTOS: Claudio Rahal
PUBLICIDADE COORDENADORA DE MARKETING:
DIRETORA DE REDAÇÃO publicidade@duettoeditorial.com.br Camilla Milanello
Ana Claudia Ferrari DIRETORA: Cidinha Cabral ANALISTA DE MARKETING: Camila Carneiro
anaferrari@duettoeditorial.com.br cidinhacabral@duettoeditorial.com.br
DIRETORA DE MERCADO PUBLICITÁRIO: OPERAÇÕES
Aula Aberta Sandra Garcia
GERENTE: Leandro Dias
DIRETORA: Ana Carolina Tranin
ana.carolina@duettoeditorial.com.br
EDITOR: Luiz Marin COORDENADOR DE PUBLICIDADE: GERENTE FINANCEIRA: Arianne Castilha
DIAGRAMAÇÃO: Juliana Freitas Robson de Souza SUPERVISORA DE PLANEJAMENTO:
Dilene Cestarolli
redacaosciam@duettoeditorial.com.br REPRESENTANTES COMERCIAIS
EDITOR-CHEFE: Ulisses Capozzoli Alagoas/Bahia/ Pernambuco/Sergipe CIRCULAÇÃO
EDITORA DE ARTE: Simone Oliveira Vieira Pedro Amarante – (79) 3246-4139/ 9978-8962 Circulação Avulsa
ASSISTENTES DE ARTE: João Marcelo Brasília Sônia Brandão – (61) 3321-4304 GERENTE: Ana Paula Gonçalves
Simões e Ana Salles Espírito Santo Dídimo Effgen – (27) 3229-1986/ PRODUÇÃO GRÁFICA: Wagner Pinheiro
PESQUISA ICONOGRÁFICA: Gabriela 3062-1953/ 8846-4493/ 9715-7586 ASSISTENTE DE PCP: Paula Medeiros

4 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


RA

O s leitores devem notar algumas mudanças que come


çamos a introdu ir nesta edição. a em parte de nos
sa orientação oferecer o melhor. seguem mais ou menos
artigo selecio
nado para essa
discussão con
como o desenvolvimento científico em seu percurso um duz a indaga-
elevador em que qual o otel nfinito de ilbert sempre ções muito bem
cabe mais uma teoria uma nova descoberta em um mo e ploradas no
vimento de vaivém que imita a ci ncia questionador irre roteiro para tra-
CAPA: ar estal tone ett mages
quieto e perimentador. balho em clas
A escolha pela matéria de capa re ete essa inquietude se. essa indagação aguda e constante ali proposta que
benigna. urante anos aparentemente aceitamos e usamos pretendemos estimular em nossas edições.
a classificação das espécies propostas pelo gigantesco tra utras ve es no entanto somos transportados para
balho de ineu embora muitos cientistas incluindo ar in descobertas que durante séculos estiveram literalmente
apresentassem e ceções e argumentos que mostravam não na ponta dos nossos lápis como o grafeno essa forma do
ser essa classificação tão abrangente quanto se pensava. carbono que traz enormes promessas para as chamadas
ais que a finalidade da classificação o importante é a pro tecnologias de ponta desculpem o trocadilho . u ainda
cura que constantemente fa emos a fim de obter uma teoria adentramos os domínios da arte para elucidar os meca
um método um sistema de maior amplitude possível. ar nismos do aparelho fonador humano capa es de e plicar
tigo em sua totalidade bem como o desdobramento dele como a voz humana se transforma em um poderoso instru-
para a sala de aula apresentado na seção ara o rofessor mento musical. esse percurso muitas descobertas ficam
constituem uma demonstração de como as ideias evoluem e definitivamente para trás como as réguas de cálculo su
como nesse caminho os subprodutos que a oram podem peradas pelos dispositivos eletr nicos os quais talve não
mostrar se teis para finalidades insuspeitadas. e istissem nem nosso elevador seria tão desenvolvido sem
osso elevador s ve es precisa voltar a andares já per o au ílio delas. ale a pena e plorar essa história com o
corridos. assamos algumas décadas feli es por termos jo roteiro sugerido.
gado no li o as previsões de althus. A humanidade tinha oa leitura e boas aulas. lembrem se nossa equipe de
demonstrado que superava com sua capacidade tecnológi colaboradores é aberta enviem suas críticas e sugestões
ca o vaticínio ameaçador do economista brit nico. erá mesmo de planos de aula para a redação.
ui Carlos i arro arin
redacaosciam duettoeditorial.com.br

VENDAS AVULSAS: Fernanda Ciccarelli VICE PRESIDENT, OPERATIONS AND Mais informações sobre sua assinatura,
ADMINISTRATION: Frances Newburg mudança de endereço, renovação, reimpressão de
Assinaturas PRESIDENT: Steven Inchcoombe boleto, solicitação de reenvio de exemplares
VENDAS PESSOAIS: Antonio Carlos de Abreu e outros serviços acesse:
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL é uma publicação da www.sacwebduettoeditorial.com.br
NÚCLEO MULTIMÍDIA Ediouro Duetto Editorial Ltda., sob licença de
DIRETORA: Mariana Monné Scientific American, Inc. Números atrasados e edições especiais podem
REDATORA DO SITE: Fernanda Figueiredo ser adquiridos através da Loja Duetto ou pelo
WEB DESIGNER: Rafael Gushiken telefone (11) 2713-8151, ao preço da última edição
COORDENADORA DE VENDAS WEB: acrescido dos custos de postagem, mediante
Michele Lima disponibilidade de nossos estoques.
ASSISTENTE ADMINISTRATIVA: Sabrina de EDIOURO DUETTO EDITORIAL LTDA.
Macedo Rua Cunha Gago, 412, cj. 33 – Pinheiros IMPRESSÃO: Ediouro Gráfica
São Paulo/SP – CEP 05421-001
SCIENTIFIC AMERICAN INTERNATIONAL Tel. (11) 2713-8150 – Fax (11) 2713-8197 Aula Aberta no 8, ISSN 2176163-9. Distribuição
EDITOR IN CHIEF: Mariette DiChristina para todo o Brasil: DINAP S.A. Rua Doutor Kenkiti
MANAGING EDITOR: RICKI L. RUSTING CENTRAL DE ATENDIMENTO Shimomoto, 1678.
CHIEF NEWS EDITOR: PHILIP M. YAM ASSINANTES E NOVAS ASSINATURAS
SENIOR WRITER: Gary Stix Tel: (11) 3038-6300 / Fax: (11) 3038-1415
EDITORS: Davide Castelvecchi, Mark Fischetti, e segunda a se ta das h s h
Steve Mirsky, -Michael Moyer, George Musser, atendimento@duettoeditorial.com.br
Christine Soares, Kate Wong queroassinar@duettoeditorial.com.br
CONHEÇA O SITE
DESIGN DIRECTOR: Michael Mrak www.lojaduetto.com.br
PHOTOGRAPHY EDITOR: Monica Bradley www.assineduetto.com.br www.sciam.com.br/aula_aberta

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 5


VISÕES DO MUNDO

Países ganham
nova forma
quando são
medidos pelos
números da
alfabetização
de jovens

O tamanho do território é proporcional


ao número de pessoas alfabetizadas
entre 15 e 24 anos que ali vivem.

MAIS BAIXOS NÍVEIS DE ALFABETIZAÇÃO JUVENIL


Percentual de pessoas alfabetizadas entre 15 e 24 anos em 2002
WORLDMAPPER.ORG © DIREITOS AUTORAIS 2006 SASI GROUP (Universidade de Sheffield)

lassifi ação Território Valor lassifi ação Território Valor


PRODUZIDO PELO GRUPO SASI (Sheffield) E MARK NEWMAN (Michigan); WWW.

181 Chade 69,9 191 República Central-Africana 58,5


182 Marrocos 69,5 192 Etiópia 57,4
183 Iêmen 67,9 193 Benin 55,5
E MARK NEWMAN (Universidade de Michigan) (Mapa 195)

184 Butão 67,3 194 Paquistão 53,9


185 Haiti 66,2 195 Senegal 52,9
186 Burundi 66,1 196 Bangladesh 49,7
187 Moçambique 62,8 197 Mauritânia 49,6
188 Nepal 62,7 198 Níger 24,5
189 o ta do arfim 59,9 199 Mali 24,2
190 Comores 59,0 200 Burkina Fasso 19,4

6 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


l abeti ação uvenil
A definição mínima de alfabeti ação é ser capa de ler
escrever e compreender um trecho curto e simples so-
bre a vida cotidiana. e todas as pessoas entre e
anos no mundo são alfabeti adas. ais da metade
desse grupo etário vive na sia. A maior parte dos jovens
que habita a maioria dos países sabe ler e escrever. Ape-
nas cinco países t m ta as de alfabeti ação de jovens infe-
riores a . uatro destes estão no norte da frica. a-
pão foi o país que registrou a maior ta a de alfabeti ação
de jovens. maior n mero de jovens alfabeti ados vive na
sia oriental onde a ta a de alfabeti ação dessa fai a etá-
ria é de . as regiões t m ta as de alfabeti a-
ção de jovens acima de .

“A liberdade prometida pela


alfabetização é tanto livrar-se
da ignorância, opressão,
pobreza, como liberdade para
realizar coisas novas, fazer
escolhas, aprender.”
Koichiro Matsuura, 2001

ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS
ilhões de pessoas alfabeti adas

Leste da Ásia

América do Norte
ac fico

América do Sul

Europa ocidental
Oriente Médio
Norte da África
Sudeste da África

Sul da Ásia

Europa oriental
ia
com idade entre

Superfície
África Central

otas técnicas
ados obtidos do Relatório de esenvolvimento umano de
do rograma de esenvolvimento das ações Unidas
Japão

Alfabeti ação significa ser capa de ler escrever e


compreender uma breve e simples sentença
ara mais informações veja o ebsite .eorldmapper.org

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 7


NOTAS

plosão estelar
restos de uma
supernova, conforme
imagem composta
obtida por três
telescópios da Nasa

ASTRONOMIA

Teoria do Biggest Bang


ovo tipo de supernova obriga astr nomos a repensar a vida das grandes estrelas

uando nosso ol chegar ao fim em bono criando mais fótons. ntretanto sa e re ne tanta inércia que mesmo o o i-
cerca de bilhões de anos vai se em estrelas com mais de massas g nio em fusão não consegue evitá lo.
desvanecer e se tornar uma tranquila solares ocorre um problema. uando os anta energia se concentra em tão pouco
anã branca. strelas maiores entretanto íons de o ig nio começam a se fundir espaço que finalmente tudo e plode sem
acabam em uma e plosão aquelas uns com os outros a reação libera fótons dei ar nenhum resíduo. sso é que é im-
com mais de dez vezes a massa do nos- tão energéticos que se transformam es- portante e empolgante avalia Avisha
so ol colapsam com força suficiente pontaneamente em pares elétron pósi- al am astr nomo do nstituto de Ci n-
para produ ir uma supernova um dos tron. em fótons não há pressão para cias ei mann em Rehovot srael cuja
eventos mais energéticos do Universo. fora e a estrela começa a colapsar. equipe alega em trabalho publicado na
urante décadas astr nomos suspeita- Em seguida podem acontecer duas Nature ter descoberto a primeira verda-
ram da e ist ncia de um tipo de e plo- coisas. colapso gera ainda mais pres- deira supernova de instabilidade de par.
são estelar ainda maior uma supernova são reacendendo o ig nio suficiente Antes da descoberta a maioria dos as-
CORTESIA DA NASA/CXC/SAO/ESA/ASU/JPL/CALTECH/UNIVERSITY OF MINNESOTA

de instabilidade de par com ve es para de agrar uma e plosão de energia tr nomos argumentava que estrelas gi-
mais energia que uma supernova co- capaz de dispersar as camadas exter- gantes das galá ias pró imas perdiam
mum. uas equipes de astr nomos final- nas da estrela mas não o suficiente para grande parte de sua massa antes de
mente a encontraram redefinindo o limi- criar uma supernova completa. u o ci- morrer inviabili ando uma supernova
te de como as coisas podem ser gran- clo se repete em pulsos os astr nomos de instabilidade de par. ssas ideias es-
diosas no Universo. dão a esse caso o nome de supernova tão sendo reconsideradas agora que es-
odas as estrelas equilibram gravida- de instabilidade de par pulsante até a sas imensas e plosões se apresentaram
de com pressão. Conforme elementos estrela perder massa suficiente para ter- de maneira espetacular.
leves como o hidrog nio se fundem no minar sua vida como uma supernova co- – Michael Moyer
centro da estrela as reações geram fó- mum. Uma equipe liderada por Robert
B A N C O D E DA D O S
tons que fa em pressão para fora con- . uimb do Caltech anunciou ter
EVIDÊNCIA EXPLOSIVA
trapondo se força da gravidade. m identificado uma desse tipo.
estrelas maiores a pressão no centro é
suficientemente alta para fundir elemen-
e a estrela é realmente massiva e
estamos falando de mais de massas
3.767
É o número de supernovas descobertas desde 2000,
mais que o dobro das identificadas até então.
tos mais pesados como oxigênio e car- solares o colapso acontece tão depres-

8 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


NEUROCIÊNCIA

O heiro do som
Ruídos podem alterar nosso sentido do olfato

O sabor acabou de ganhar concor-


r ncia. abe se que olfato e pala-
dar convergem para produ ir a melhor
primeiro verificaram que o tubérculo
de fato respondia ao odor. les desco-
briram que das células do tubér-
e a pior das e peri ncias culinárias en- culo de ratos anestesiados fo-
tretanto uma nova pesquisa sugere que ram ativadas por pelo menos um de
a informação recebida pelo nari pode cinco odores uma descoberta im-
ser alterada pelo som. e confirmada portante por si só porque não se sa-
essa recém descoberta união pode ter bia se as células do tubérculo podiam
implicações olfativas e gustativas. discriminar odores um processo consi-
escobrir um possível sentido de ol- derado e clusivo da parte do cérebro
fato audição ou olfição ocorreu a a- conhecida como córte piriforme. m
niel esson por acidente. stava sim- seguida esson e ilson repetiram o
plesmente tentando verificar como o tu- e perimento dessa ve submetendo
bérculo olfatório responde aos odores um subconjunto de células a um som
observa referindo se a uma estrutura na responderam.
base do cérebro envolvida na detecção O conjunto de registros seguinte
A proposta da
de odores identificada apenas em . realmente mudou a maneira como en- olfição o que
as quando numa tarde ele largou sua tendemos o olfato observa esson. se ouve pode
caneca de café na bancada do labora- le e ilson enviaram repetidas ve es afetar o olfato
tório notou que a atividade no tubérculo uma mistura tanto de sons quanto de
dos ratos que estava estudando dispa- odores para as células do tubérculo e fumista franc s . . eptimus iesse
rou. le levantou novamente a caneca verificaram que a resposta de de- catalogou odores com base em frequ n-
tomou um gole e a colocou de volta com las se tornava aumentada ou suprimida cias auditivas análogas. esson e il-
um ruído metálico. ais um pico surgiu. dependendo da presença ou aus ncia son contudo podem ter encontrado a
esson e seu colega onald ilson do segundo estímulo. Uma célula por primeira evid ncia neural. ntretanto
PETER SHERRARD Getty Images

ambos do nstituto athan . line de e emplo pareceu não se alterar nem ao pelo fato de a atividade sensorial nem
esquisa siquiátrica em rangeburg odor nem ao som mas respondeu vigo- sempre ser equivalente a mudanças ob-
ova or decidiram investigar com rosamente combinação de ambos. serváveis eles precisam encontrar um
mais rigor esses picos provocados pelo á foram relatados indícios históricos e perimento que determine o que real-
som. Como descrevem na edição de de interação perceptiva entre odores e mente seus ratos cheiram e ouvem.
de fevereiro de Journal of Neuroscience sons em meados dos anos o per- – Lynne Peeples

Colesterol Mutante Evita Demência


colesterol está normalmente associado a doenças cardiovasculares mas evid ncias crescentes mostram que lipídios são de
grande import ncia para a sa de do cérebro onde se encontra um quarto do colesterol do corpo. Um novo estudo descobriu que
uma alteração comum em um gene que controla o tamanho das partículas de colesterol diminui o risco de dem ncia e protege
contra a doença de Al heimer.
ndivíduos com a mutação troca de um aminoácido isoleucina por outro valina no gene da proteína de transfer ncia de és-
ter de colesterol C na sigla em ingl s tiveram um declínio da memória significativamente mais lento relatam os pesquisa-
dores em um trabalho publicado on line em Journal of the American Medical Association. e fato pessoas que tinham dois alelos
valina apresentaram um declínio cognitivo mais lento que aquelas com isoleucina e tiveram redução de no risco de
desenvolver Al heimer.
s resultados são preliminares e a e ata din mica subjacente a esse fen meno de proteção cognitiva continua desconhecida.
gene havia sido anteriormente relacionado longevidade e estão sendo reali ados trabalhos para desenvolver drogas que al-
terem a função C com a finalidade de ajudar pessoas com doenças coronárias observa o autor principal Richard . ipton
do Albert instein College of edicine. le espera que essas terapias possam fornecer também alguns dos benefícios cognitivos
revelados nesse estudo. – Katherine Harmon

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 9


NOTAS

TECNOLOGIA

Mais alimentos
graças a fungos?
Microrganismos para aprimorar culturas
desafiam engenharia genética

P ara alimentar uma população em


crescimento exponencial no mun-
do, cientistas têm alertado para a ne-
cessidade de duplicar a produção
de alimentos nos próximos 40 anos.
A manipulação genética parece ser a Ajuda externa: Gramíneas boas para pastagem foram induzidas a crescer
melhor maneira de aumentar rapida mais quando inoculadas com certos microrganismos
mente as características essenciais
de crescimento de plantas e colheitas. microrganismos para captura de nitro- dos. Curiosamente, o mesmo fungo
Novas descobertas de diferentes labo- gênio seria possível reduzir a utilização retirado de plantas que vivem em áreas
ratórios, entretanto, sugerem que fun- de fertilizantes químicos. “É muito mais não sujeitas a estresse não confere a
gos bactérias e vírus podem ser uma fácil mais eficiente e menos dispendio mesma resistência. “Tem de ser o mi-
alternativa interessante. so inocular uma planta com fungos be- crorganismo certo proveniente do hábi
Cientistas há muito sabem que mi néficos do que criar uma espécie modi tat certo observa. icrorganismos es
crorganismos podem trabalhar simbioti ficada geneticamente acrescenta. colhidos de áreas quentes podem me
camente com plantas. Por exemplo, as Rust Rodrigue microbiólogo da i lhorar a produção de arro que cai
micorrizas, que estão relacionadas com visão de Recursos Biológicos do Servi- a cada 0,6°C de aquecimento. No en-
90% das plantas terrestres, são associa- ço Geológico dos Estados Unidos, em tanto, uma vez adquiridos, os microrga-
ções simbióticas entre certos fungos e eattle está tentando combater outra nismos com toler ncia a condições e
raízes de plantas, com a função de au- desgraça agrícola: calor excessivo. Em tremas podem ser passados para os
iliar estas na absorção de água e sais e perimentos para melhorar a capaci descendentes da planta através dos re
minerais em troca de carboidratos pro- dade dos tomateiros de resistirem a al- vestimentos das sementes.
duzidos pelas plantas. Microrganismos, tas temperaturas, ele os inoculou com dentificar microrganismos em plantas
entretanto, foram recentemente encon- fungos retirados de plantas naturais das não é fácil já que as células microbiais
trados entre as próprias células de plan pro imidades de fontes de águas ter estão entranhadas no tecido da planta.
tas e parece que as beneficiam como mais no Parque Nacional de Yellowsto- ar utili a microscopia eletr nica de
na promoção de uma fotossíntese mais ne. O resultado foram tomates que con- varredura e novas técnicas de pirosse
eficiente. ar . ucero bióloga da seguem crescer sob quase 65°C. “Essa quenciamento para identificar o A dos
Pastagem Experimental de Jornada, do é quase a temperatura interna de uma microrganismos no tecido da planta.
Departamento de Agricultura dos Esta- costela de boi ao ponto observa. Rodriguez acredita que o esforço in-
dos Unidos em as Cruces ovo é i Além disso ao isolar um vírus no fun tensivo compensará ao ajudar fa endei
co, acredita que as plantas recrutam es- go, Rodriguez descobriu a tríade simbió- ros a suprir a demanda futura de alimen-
ses microrganismos em vez de simples- tica necessária para a toler ncia térmi tos. A modificação genética de caracte
mente ser suas hóspedes passivas. ca. em o vírus as plantas suportam até rísticas é dispendiosa e nem sempre
No laboratório, ar tem dado uma quase C di ele. fungo e o vírus funciona ou gera um retorno ra oável dos
MICHAEL BLANN Getty Images (vaca pastando)

mão inha para esse recrutamento ao promoveram resistência ao calor tam- consumidores. elhorar a produção
transferir fungos de ervas-do-sal (Atri- bém no arro e no trigo processo que agrícola com os microrganismos da pró-
plex canescens) para uma grama do pode não apenas aumentar a produção, pria planta propicia sucesso em várias
gênero Bouteloua, importante para o como ajudar a combater os efeitos na frentes. Segundo Rodriguez: “Estamos
gado. Ela acredita que a grama em que lavoura da mudança climática. tentando reproduzir a forma como isso
o fungo foi introduzido cresceu mais e Analisando plantas de praias, deser- acontece na Natureza, utilizando não ge-
produziu mais sementes por ter tido uma tos e áreas poluídas Rodrigue isolou nes, mas genomas inteiros da própria co-
melhora na absorção de nutrientes e microrganismos que auxiliam plantas a munidade microbiana da planta .
água. observa que com a ajuda dos resistir à salinidade, seca e metais pesa- – Michael Tennesen

10 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


Palestra de Roger Y. Tsien
(Nobel de Química 2008)
aos pesquisadores no
ENCONTRO encontro de 2011

Conversas em
Lindau
O 61o ncontro de r mios obel
de indau Alemanha reuniu es-
tudantes de diversos países e lau-
reados em uímica e edicina com
pesquisadores entre doutoran-
dos e pós doutorandos de vários paí-
ses selecionados por um rigoroso pro-
cesso. o evento participaram quatro
brasileiros entre eles amuel a ashi uma ferramenta necessária para obter minha experiência como empreende-
aito e artin ablo Cammarota empregos melhores na atividade priva- dor não foi muito atraente por causa
que revelaram um pouco do que da, ou para conseguir uma vaga de pro- de entraves administrativos. Fui aceito
pensam da ci ncia no rasil e de sua fessor na faculdade, mas isso não gera para mestrado na UFRGS, e insisti num
trajetória como pesquisadores. o salto de qualidade de que a pesquisa projeto um pouco arriscado, mas que no
Com pós doutorado pela Univer- nacional está precisando. final gerou bons resultados. Minha dis-
sidade de e castle Austrália Cam- aito por sua ve é aluno de dou- sertação foi um estudo químico e ava-
marota é hoje professor e pesquisador torado da Universidade stadual an- liação da atividade antioxidante de chá-
do nstituto do Cérebro da UC R e ta Cru U C em lhéus A pelo -verde brasileiro cuja publicação foi de-
do nstituto acional de euroci ncia rograma de ós graduação em e- terminante para eu ser aceito na Uesc.
ranslacional. le comentou a bai a re- nética e iologia olecular. asceu Hoje quero estabelecer-me num grupo
presentatividade brasileira no evento em ortol ndia e terminou os es- forte de pesquisa e realizar atividade de
É óbvio que há um desequilíbrio enor- tudos em aquara R . docência. Meu sonho é que seja aberto
me entre o grau de desenvolvimento da Fiz graduação em farmácia pela na Uesc o curso de farmácia. O salário
ciência brasileira, reconhecido interna- Ulbra, em Canoas (RS), uma univer- é pouco, mas prefiro continuar fazendo
cionalmente, e o número de representan- sidade particular, e depois o mestrado o que eu gosto.
tes que temos neste meeting. Há muitos na UFRGS em ciências farmacêuticas.
jovens pesquisadores competentes no Pagava a faculdade com meu trabalho. Por Ana Luíza Gibertoni Cruz médica infecto-
logista mestre pela scola de a de blica da
Brasil, de mesmo nível daqueles que es- Na época eu tinha um negócio de venda Universidade arvard. articipou do ncontro
tão aqui, ou ainda melhores, e não estou de produtos alimentícios naturais, mas em Lindau em junho deste ano
falando unicamente do eixo RJ-SP, mas
também de centros no sul e norte do país,
onde há gente muito boa trabalhando. O Nobel Smithies compartilha tese sobre teses
O Brasil atravessa uma fase que exi- Por Steve Mirski
ge maiores investimentos nos cursos de Oliver Smithies ganhou o Prêmio Nobel de Fisiologia/Medicina em 2007. Em Lindau, ele
pós-doutorado, ainda poucos em relação falou sobre o que aprendeu com sua tese de pesquisa, que incluía o desenvolvimento de um
aos de doutorado. novo método para medir a pressão osmótica de misturas de proteínas.
Acho que estamos na hora certa de
“Aqui está a minha medição da pressão osmótica. Eu estava bastante orgulhoso desse
mudar o foco, promovendo a qualidade método. E publiquei-o com grande prazer. Esse trabalho tem um recorde: ninguém jamais
em lugar da quantidade e revertendo
LINDAU NOBEL LAUREATE MEETING (2011) / FLICKR

o citou. E ninguém nunca utilizou o método. Nem eu o utilizei outra vez. Então, tenho de
mais recursos para bolsas de pós-dou- lhes perguntar: qual o significado dele? A resposta é que eu aprendi a fazer boa ciência.
torado. Até a conclusão do doutorado, o Mas não importa o que eu fiz quando estava aprendendo a fazer boa ciência. Logo, não
importa o que se está fazendo ao elaborar uma tese, percebem? Mas é muito importante
“jovem cientista” é na verdade um aluno
que se goste do que se está fazendo. Porque se não gostarem, não farão um bom trabalho
que está amadurecendo seu saber den- e não vão aprender ciência. Então, tudo isso leva a que, se vocês não gostarem do que
tro de uma rígida hierarquia. Depois disso estão fazendo, peçam a seus orientadores que lhes deixem fazer outra coisa. E se o seu
é que ele deveria dar o salto de qualida- orientador não fizer isso, há outra solução: troquem de orientador.”
de em sua carreira, para então assumir o
Palestras e entrevistas de Lindau podem ser acessadas em:
controle integral de uma linha de pesqui-
www.lindau-nobel.org/WebHome.AxCMS ou na busca de: s ientifi ameri an om
sa. Infelizmente, no Brasil Ph.D. é ainda

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 11


R
HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Quando os interesses ferem a ética

O
jornalismo é uma profissão no A VIDA IMORTAL DE
mínimo controvertida. O antigo HENRIETTA LACKS
glamour que envolveu essa ativi- Rebecca loot. Companhia das
dade, ao menos até há pouco mais de etras págs. R
uma década, cedeu espaço a uma inter-
pretação menos respeitosa. A quantida- Pensar que o material disponível hoje
de de farsantes, exploradores do sofri- possa formar um fio celular de 100 mil
mento humano que se apresentam km e pesar 60 milhões de toneladas,
como “jornalistas”, em especial em quando o corpo de Henrietta não passa-
programas populares e policialescos na va de 1 metro e meio e não pesava mais
TV, é impressionante. que uns 50 quilos, já é perturbador. Mas
Mas o jornalismo de verdade não saber que tudo isso movimentou e movi-
está morto como um triceratope extin- menta montanhas crescentes de lucros é
to pelo impacto de um asteroide. Uma tão ou mais desconfortável.
fascinante demonstração dessa verdade Diante de uma história como esta,
está no livro A vida imortal de Henriet- quem se dispõe a falar de ética na ciência?
ta Lacks, da jornalista científica ameri- Culturas celulares se prestam a uma di-
cana Rebecca Skloot. versidade quase ilimitada de pesquisas nas
O relato sensível, que exigiu dela mais ciências da vida: vacinas, reprodução in
de duas décadas de pesquisas, parece vitro, mapeamento genético são algumas
ficção científica, mas é a mais pura reali- havia chegado da zona rural do sul dos delas, além das que já foram citadas. Re-
dade. E se você estiver pensando que tem Estados Unidos. becca Skloot ouviu de pesquisadores cien-
pouco a ver com isso, deixe-me dizer que Sem que Henrietta soubesse, ou sua fa- tíficos que mais de 60 mil pesquisas já
lamentavelmente está enganado. As va- mília fosse informada, o médico George foram feitas com as células replicadas de
cinas que você tomou até agora, os me- Gey coletou células de seu tumor para Henrietta e que pelo menos 10 outras se
dicamentos – que antes de ser postos à pesquisa científica, procedimento usual fazem todo dia em todo o mundo. Mas
venda foram testados em laboratório –, na época, especialmente com negros. E as quando os descendentes da pequena agri-
a pesquisa de evolução de doenças, os células dessa mulher, mudaram os rumos cultora ficaram sabendo disso, em 1973,
efeitos orgânicos da poluição e uma da ciência por uma surpreendente capaci- as células já haviam literalmente sido leva-
quantidade enorme de pesquisas, tudo dade de reprodução. Por que elas se multi- das até a Lua, em experimentos para testar
está intimamente ligado ao corpo pe- plicam tanto? Talvez pela característica as condições do ambiente espacial sobre
queno e frágil de Henrietta Lacks. Em do tumor, é o que tem sido considerado. essas unidades básicas da vida.
vida ela foi, a maior parte do tempo, Rebecca Skloot, que ouviu falar da li- Pesquisadores científicos não se sentem
uma lavradora pobre que trabalhou nhagem de células HeLa (iniciais do à vontade pensando nas HeLas como
duro na cultura do tabaco e morreu em nome de Henrietta) pela primeira vez aos fragmentos invisíveis do corpo de uma
1951, vítima de um tumor que cresceu 16 anos, em uma aula de biologia, escu- pessoa. É mais fácil desenvolver pesquisa
no colo de seu útero. tou de alguns pesquisadores que as célu- sem associar esse material ao corpo de
A história de Henrietta pode ser con- las replicadas de Henrietta seriam sufi- onde se originaram, disse a Rebecca
tada a partir de 4 de outubro de 1951, cientes para quase três voltas em torno Skloot o médico Robert Stevenson, uma
quando, após meses de sofrimento, ela da Terra. Numa balança imaginária, pe- das fontes que ela consultou. Em parte é
morreu numa ala destinada a pacientes sariam em torno de 60 milhões de tonela- uma posição justificável, mas, no caso de
negros no hospital Johns Hopkins, em das, mais que alguns dos asteroides que Henrietta, cuja foto (na capa) mostra uma
Baltimore, na costa leste americana. Aos rondam a órbita da Terra. mulher sorridente e cativante na juventu-
31 anos ela sucumbiu à devastação do O material que Gey retirou do corpo de, isso também é perturbador.
câncer e deixou cinco filhos pequenos na de Henrietta é a primeira linhagem imor- Se essa realidade não for suficiente
companhia do marido, Day Lacks, um tal da história da ciência, replicada indefi- para sensibilizar a indústria farmacêuti-
primo em primeiro grau com quem nidamente e em quantidades ilimitadas. ca quanto ao abuso desmedido, talvez

12 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


INTERNET
convenha lembrar que o negócio sujo
que envolve as células de Henrietta
ainda não acabou, como relata Rebec- ídeos e te tos disponíveis na eb constituem um instrumento acessível
ca na terceira parte do livro, especial- e poderoso para o desenvolvimento de temas em sala de aula. m boa
mente em “quem os autorizou a parte das ve es isso e ige um certo domínio da língua inglesa o que pode
vender meu baço?”. ser tomado não como um obstáculo mas uma oportunidade de conhecer
Mais que qualquer outra considera- melhor o idioma e também de trabalhar com o professor da área de lingua-
ção, o curto e duro depoimento que Re- gens e códigos em uma atividade interdisciplinar. e qualquer forma visi-
becca Skloot recolheu de Deborah, uma tas frequentes a sites educacionais tornaram se atividade obrigatória para
das filhas de Henrietta e Day Lacks, tem os professores a fim de tomar contato com as novidades e recursos ofere-
o poder de uma bomba de demolição. cidos pelas mídias eletr nicas.
Ele diz o seguinte: s temas propostos na seção ara o rofessor t m como requisito o
“Quando as pessoas perguntam – e conhecimento de certos conteúdos que podem ser retomados rapidamen-
parece que as pessoas estão sempre per- te mediante a e ibição de vídeos. as talve o principal benefício dessa
guntando, eu não me livro disso – digo prática seja a possibilidade de observar e perimentos científicos nem sem-
que é isso aí, o nome de minha mãe era pre reali áveis em classe. Algumas indicações estão a seguir.
Henrietta Lacks, ela morreu em 1951, o
Johns Hopkins extraiu suas células, e Múltiplas áreas
essas células continuam vivendo até hoje, www.pbs.org
se multiplicando, crescendo e se espa- e conte do muito am-
lhando se você não as mantém congela- plo este site cobre diver-
das. A ciência chama minha mãe de sos temas com imagens
e vídeos de alta qualida-
HeLa, e ela está no mundo inteiro, em de com destaque para
centros médicos, em todos os computa- as séries Nature e Nova
dores, na internet, em toda parte”. muitos deles com se-
“Quando vou aos médicos fazer meus ções especiais para alu-
chek-ups, sempre digo que minha mãe foi nos e professores.
HeLa. Eles ficam empolgados, contam Física
como as células dela ajudaram a produzir http ph si s de apoa altervista org fisi a
meus remédios para hipertensão e antide- vídeo sobre resson ncia desse site mostra como uma taça de vidro oscila ao rece-
pressivos e como todas essas coisas im- ber as ondas emitidas por uma fonte sonora de frequ ncia igual frequ ncia natural
portantes na ciência acontecem por causa do objeto. á outros vídeos disponíveis na mesma página relativos s ondas sonoras.
dela. Mas eles nunca explicam direito, só http outube om at h v j o
dizem: ‘sim, sua mãe esteve na Lua, esteve s vídeos sobre calor e eletricidade são produ idos e apresentados por estudan-
em bombas nucleares e produziu aquela tes. odem servir como estímulo e guia para o desenvolvimento de produções seme-
vacina contra a pólio’. Eu realmente não lhantes pelos alunos
sei como ela fez tudo isso, mas acho que
http s ientifi ameri an om video m
estou feliz por isso, porque significa que The slow march of big earthquakes A marcha vagarosa dos grandes terremotos
ela está ajudando um monte de pessoas. mostra numa simulação como os sismos se propagam até atingir a superfície. este
Acho que ela ficaria contente com isso.” site há diversos outros vídeos que vale a pena ver como The physics of figure skating
“Mas sempre achei estranho que, se as A física do s ate . ão vídeos curtos indicados para apresentar ou finali ar o estudo
células da nossa mãe fizeram tanto pela dos diversos temas da disciplina.
medicina, como é que a família dela nem Química
tem dinheiro pra pagar um médico? Não http outube om at h v b v l eature pla er embedded
faz sentido. As pessoas ficaram ricas à ste vídeo apresenta alguns dos usos surpreendentes que a tecnologia do grafeno
custa de minha mãe, e a gente nem sabia pode oferecer.
que tinham pegado as células dela, e a
Biologia
gente não recebeu um centavo. Antes eu http multimedia m b harvard edu media html
ficava tão furiosa com isso que ficava ite da arvard que contém lin s para diversas animações sobre temas didáticos em
doente e tinha que tomar remédios. Mas especial biologia celular.
não tenho mais força para lutar. Só quero
saber quem foi minha mãe.” Matemática
http math harvard edu nill mathmovies s three o lo high html
Por Ulisses Capozzoli editor da revista atemática no cinema. nteressante site com de enas de filmes comerciais que abor-
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL e doutor em Ciên- dam questões matemáticas entre as quais a divertida cena de sala de aula do filme
cias pela Universidade de ão aulo. Amarcord de ellini.

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 13


COMO FUNCIONA

SOB O COMANDO DOS GIROSCÓPIOS

Guias ocultos

O s giroscópios são os cérebros silenciosos que mant m os


aviões no ar os satélites em órbita e as embarcações no
rumo. americano lmer perr que em fundou a per-
ÂNGULO DA
ASA
HORIZONTE
ARTIFICIAL
r roscope Compan inventou os primeiros instrumentos
giroscópicos. A empresa fabricava estabili adores de navios
e o hori onte artificial que informa ao piloto a posição de
seu avião. epois da morte de seu fundador em várias
empresas perr converteram suas quase patentes em O giroscópio detecta o ângulo
sistemas de navegação automática e de direção para aviões da asa e informa os pilotos
militares foguetes bombas satélites e naves espaciais. oje
os giroscópios guiam desde rob s e sistemas antiderrapantes
em carros até o elescópio spacial ubble e o veículo e plo-
rador de arte ars ojourner.
ois princípios tornam os giroscópios práticos. e acordo
com a inércia giroscópica massas em rotação tendem a man-
ter se estáveis no espaço. Assim um giroscópio rodando fa
com que um satélite sempre aponte para a erra facilitando
a comunicação com ele. assas em rotação também resis-
tem a forças que tentem tombá las. m meados do século
enormes giroscópios pesando toneladas eram fi ados nos
cascos dos navios e postos a rodar por meio de motores eles
mantinham as embarcações aprumadas.
e acordo com o princípio da precessão um giroscópio
em rotação que não esteja fi ado se move em direção per-
pendicular a uma força e terna que venha a receber. Assim
um pião sobre uma mesa não cai quando empurrado mas
se desloca perpendicularmente força recebida. Um giroscó-
pio na asa de um avião voando a altitude constante precessa
quando as asas começam a se inclinar. Ao detectarem a pre- O giroscópio percebe o
balanço da embarcação e
cessão os instrumentos sinali am ao piloto o ngulo da asa. controla os estabilizadores
Um segundo giroscópio pode indicar se o nari do avião está para neutralizá-lo
apontando para cima ou para bai o.
a década de giroscópios de laser ou fibra óptica
GIROSCÓPIO
que monitoram mudanças em padrões de lu provaram ser
C

mais precisos menores e leves. o mercado americano eles


custam de U mil a U mil. á empresas fabricando
R

também pequenos giroscópios de quart o ou silício que de-


R

tectam mudanças nas vibrações dos materiais. les são me-


nos precisos mas podem ser produ idos em massa para fins
comerciais como os automóveis.
RA

ESTABILIZADORES
– Mark Fischetti DO NAVIO
U

14 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


QUESTÃO DE GRAU – A precisão dos giroscópios aviões. ilotando um biplano ele fe um voo rasante
varia. desvio decorrente da fricção e das mudanças de sobre o palanque dos jurados depois de tirar as mãos
temperatura é crítico. eil arbour o guru dos giroscópios do manche enquanto um mec nico andava na asa
do Charles tar raper aborator em Cambridge do avião. ai e filho mais tarde criaram um piloto
assachusetts di que os melhores giroscópios mant m automático que ajudou ile ost a fa er seu voo solo
a margem de desvio abai o de grau por hora o que ao redor do mundo em .
significa que podem desviar um projétil a quase uma milha
náutica de dist ncia do alvo depois de uma hora de voo. FORA DE CONTROLE – A lei dos UA proíbe a
As bombas guiadas lançadas sobre o Afeganistão t m um e portação de giroscópios de alta precisão. m
O

desvio de mais ou menos grau por hora. s giroscópios autoridades americanas prenderam um empresário chinês
em sistemas antiderrapantes t m desvios que chegam a a quem acusaram de estar tentando comprar giroscópios
graus por hora mas são teis porque operam por apenas de fibra óptica para utili ar em bombas inteligentes . m
alguns segundos para corrigir o veículo. mergulhadores das ações Unidas encontraram
giroscópios no leito do rio igre nas pro imidades de
VOO RASANTE – uma competição aérea em aris agdá e remontaram sua origem a um instituto militar
em o filho do inventor lmer perr a rence fe soviético desativado que tinha fabricado sistemas de
a demonstração de seu estabili ador giroscópico de direção para mísseis balísticos.

ELETRODOS ATIVADORES MICROGIROSCÓPIO


No giroscópio de anel vibratório
FRESTA MOLAS micromecânico de silício, feito por Farrokh
Ayazi, do Georgia Institute of Technology,
um anel é suspenso por molas curvas,
ue utuam i remente, re a a uma
a te centra fi a. E etrodo ati adore
aplicam uma força eletrostática ao anel,
ANEL determinando um padrão de vibração
VIBRATÓRIO constante, monitorado por eletrodos
sensores. Se o anel girar em torno de seu
eixo devido a uma força externa,
o padrão de vibração se distorce, indicando a
ELETRODOS SENSORES direção da rotação. A amplitude da distorção
indica, por sua vez, a velocidade da rotação.
ESPELHO DE FOCALIZAÇÃO
GIROSCÓPIO DE ANEL DE LASER
Dois ânodos e um cátodo, num giroscópio
MOTOR ÂNODO
VIBRADOR de anel de laser, excitam um gás, enviando
RAIO LUMINOSO dois raios luminosos de mesma frequência
em direções opostas. Se o anel for girado
DETETOR por uma força externa, um dos raios viajará
um pouco mais do que o outro. Um detector
sente a desproporção de frequência
resultante, o que indica a velocidade da
rotação. Os raios luminosos que entram no
PRISMA detector são decompostos por um prisma,
ESPELHO QUE CONTROLA O
COMPRIMENTO DA TRAJETÓRIA produzindo um espectro. Uma mudança
CÁTODO no padrão do espectro mostra a direção
da rotação. Para impedir que as ondas
luminosas se prendam em uma única
frequência – uma tendência natural –, um
motor faz a unidade vibrar, provocando uma
pequena mudança de fase.
MAGNETOS DE TORQUE

ROTOR DOBRADIÇA
GIROSCÓPIO REGULADO
DINAMICAMENTE
ROLAMENTOS
Um motor mantém um rotor de ferro
girando com velocidade constante. Se um
HASTE giroscópio mecânico for rodado por uma
força externa, o rotor começa a precessar,
provocando mudanças no campo magnético
GERADOR DE SINAL de um gerador de sinal, o que indica a
direção e a velocidade da rotação. O
gerador também instrui os magnetos de
MOTOR de ímã torque a se contrapor à precessão, para que
permanente o rotor não colida com sua cápsula.

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 15


CAPA
BIOLOGIA EVOLUCIONÁRIA

O que é uma
espécie?
Ainda hoje cientistas continuam a debater essa
questão. Uma melhor definição poderá alterar a
lista das espécies ameaçadas

POR CARL ZIMMER

S
e você visitar o Parque Provin- canadenses estudaram o DNA dos lobos
cial de Algonquin, em Ontário, e trouxeram à tona a velha questão. Eles
Canadá, poderá ouvir os uivos argumentaram que os verdadeiros lobos-
solitários dos lobos e, com um pouco cinzentos (C. lupus) seriam apenas as po-
de sorte, observará ao menos de relance pulações que habitam o oeste da América
uma alcateia correndo, ao longe, através do Norte. Os lobos do Parque Provincial
da floresta. Mas quando chegar em casa de Algonquin, de acordo com os pesquisa-
todo contente por ter avistado aqueles dores, constituiriam uma espécie diferen-
animais, qual a espécie de lobo você dirá te, que eles renomearam C. lycaon.
ter encontrado? Se for tirar a dúvida com Outros especialistas em lobos não
dois ou três cientistas, talvez ouça diferen- aceitam que haja evidências suficientes Algonquin não estão apenas misturando
tes respostas. Pode até acontecer de um para separar C. lupus em duas espécies o DNA de C. lycaon com o DNA de C.
deles ficar em dúvida e lhe dizer que se distintas. Os dois lados, porém, concor- lupus mas, também, passando adiante o
trata dessa ou daquela espécie. dam que a identidade dos lobos do Parque DNA do coiote.
No século 18 naturalistas europeus de Algonquin ficou muito mais confusa Mesmo que C. lycaon, no passado, te-
nomearam de Canis lycaon os lobos do devido ao problema do intercruzamento nha sido considerado uma espécie, pode-
Canadá e do leste dos Estados Unidos, (hibridização). Os coiotes – outra espécie ria recuperar esse status? Muitos pesquisa-
porque eles pareciam di- HIBRIDIZAÇÃO do gênero Canis – vêm se dores acreditam que a melhor maneira de
ferentes de Canis lupus, Cruzamento entre indivíduos de expandindo a leste e inter- concebermos a espécie é vê-la como uma
o lobo-cinzento da Eu- espécies diferentes resultando cruzando com C. lycaon. população cujos membros cruzam princi-
ropa e da Ásia. No início em descendentes que portam
50% do genoma de cada uma
Agora, boa parte da popu- palmente entre si, tornando aquele grupo
do século 20, naturalistas das espécies parentais. lação de coiotes do lado les- geneticamente distinto das outras espécies.
americanos decidiram que te carrega o DNA do lobo, No caso dos lobos e dos coiotes fica difícil
os lobos de Algonquin pertenciam, na ver- e vice-versa. C. lycaon, entretanto, está dizer exatamente onde termina uma espé-
dade, à mesma espécie do lobo-cinzento intercruzando com lobos-cinzentos na cie e começa a outra. “Preferimos cha-
eurasiano, ou seja, Canis lupus. Mais borda oeste da área de distribuição desses má-la de Canis soup”, diz Bradley White,
recentemente, entretanto, pesquisadores animais. Assim os animais do Parque de da Universidade de Trent, em Ontário.

16 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


p OS LOBOS ilustram bem por que o on eito de esp ie ria tanta on usão Canis lycaon era uma espécie de
lobo que vagava pelas orestas de Ont rio no s ulo Os bi logos re lassifi aram esses animais omo C. lupus
no omeço do s ulo antes de renome los para C. lycaon h pou os anos lguns espe ialistas agora
consideram esses lobos uma mistura de várias espécies, incluindo coiotes (Canis latrans) e lobos-cinzentos.

DEFINIÇÕES COMPLICADAS
ALGONQUIN PARK MUSEUM (centro); RICHARD HAMILTON SMITH Corbis (direita)

Esse debate vai além da mera con- já que milhares de animais pertencentes
venção de nomear corretamente as es- à mesma espécie, C. lycaon, ainda pros- É surpreendente ver o quanto os cientistas
JUSTINE COOPER; CANIS INSETS: W. PERRY CONWAY Corbis (esquerda);

pécies. Os lobos do sudeste dos Estados peram no Canadá. vêm debatendo para chegar a um consen-
Unidos são considerados uma espécie à Como ficou demonstrado, no caso so sobre algo tão simples e decidir se esse
parte, o chamado lobo-vermelho (Ca- dos lobos do Parque de Algonquin, ou aquele grupo de organismos constitui
nis rufus). Muito se tem feito para sal- definir espécie pode ser muito impor- ou não uma espécie. Talvez isso se deva
var essa espécie da extinção, com pro- tante para as medidas de preservação ao latim, que deu nomes às espécies, car-
gramas de reprodução em cativeiro e ambiental, tanto no que diz respeito regados de uma certeza absoluta, levan-
projetos de reintrodução ao seu hábitat às espécies ameaçadas quanto em re- do o público a pensar que as regras são
natural. Cientistas canadenses, entre- lação a seus hábitats. “Podemos dizer muito simples. Ou possivelmente isso se
tanto, argumentam que o lobo-verme- que, por um lado, trata-se de assun- deva a 1,8 milhão de espécies que os cien-
lho é, na verdade, apenas uma popula- to esotérico, de outro, de problema tistas vêm nomeando de uns séculos para
ção isolada de C. lycaon do lado sul. Se prático; e, talvez, de problema legal”, cá; ou, ainda, talvez, às leis como a En-
for assim, então o governo não está, de avalia Alan Templeton, da Washing- dangered Species Act (lei que estabelece
fato, salvando uma espécie da extinção, ton University em St. Louis. as regras para as espécies ameaçadas nos

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 17


poderoso para reconhecer novas espécies. o indefinível.” As espécies, de acordo com
Muito antes do alvorecer da ciência Darwin, nunca foram entidades fixas que
os seres humanos já nomeavam espécies. surgiram quando da criação. Elas evo-
Para obterem sucesso durante as suas ati- luíram. Cada grupo de organismos que
vidades de caça e de coleta, os humanos chamamos de espécie surgiu como uma
de então precisavam saber que animais variedade a partir de espécies mais anti-
caçar e que plantas coletar. A taxonomia, gas. Com o passar do tempo, a seleção
a ciência que trata da nomeação das espé- natural os transfor-
cies, surgiu no século 17 e se firmou no sé- mou, enquanto se SELEÇÃO NATURAL
ecanismo evolutivo pro-
culo seguinte, graças ao trabalho de Carl adaptavam ao am- posto por Charles ar in
Lineu. Esse naturalista sueco inventou biente. Entretanto em que os indivíduos melhor
um sistema para organizar os seres vivos outras variedades adaptados ao ambiente têm
em grupos, os quais abrigavam grupos se tornaram extin- maiores chances de sobre-
viv ncia o que lhes permite
cada vez menores. De acordo com o novo tas. Uma variedade reprodu ir mais ve es e
sistema todos os membros de um grupo antiga, no final, por consequ ncia dei ar
particular compartilhavam determinadas torna-se completa- maior número de descen-
dentes com as característi-
SABEDORIA POPULAR características. Os seres humanos per- mente diferente de cas adaptativas.
tenciam à ordem dos mamíferos e, den- todos os outros or- também conhecida como
Anti o i tema de c a ifica o,
ainda utilizados pelo povo San e por tro dessa ordem, à família dos primatas, ganismos – e isso é mecanismo de sobrevivên-
cia ou de reprodução
outros povos indígenas, nomeiam nesta família, ao gênero Homo, e gênero o que entendemos diferencial.
plantas e animais baseando-se nas Homo, à espécie Homo sapiens. Lineu como uma espécie
características observáveis. Métodos
acreditava que cada espécie sempre ha- em si. “Eu vejo o termo ‘espécie’ como
cient fico ue ur iram de oi , como a
taxonomia de Lineu, muitas vezes via existido desde o momento da criação. um conceito arbitrário, cunhado apenas
fazem categorizações semelhantes. Existem tantas espécies quantas foram as por mera conveniência, para designar
formas que o Ser Infinito criou no início um grupo de indivíduos muito seme-
dos tempos , escreveu. lhantes entre si”, disse Darwin.
Estados Unidos). Mas o que sabemos, A nova ordem de Lineu tornou o tra- Como os taxonomistas que o precede-
de fato, é que o debate sobre o concei- balho dos taxonomistas muito mais fácil, ram, Darwin só podia estudar as espécies
to de espécie ocorre há décadas. “Não mas a tentativa de traçar limites entre as a olho nu; por exemplo, observando a cor
há consenso, entre os biólogos, sobre o espécies não foi bem-sucedida. Duas es- das penas de um pássaro, ou contando as
que vem a ser uma espécie”, admite Jo- pécies de camundongos podem intercru- placas de uma craca. Essa situação per-
nathon Marshall, biólogo da Southern zar onde as suas áreas de distribuição se durou até o início do século 20, quando
Utah University. De acordo com a última sobrepõem, levando à questão do nome cientistas começaram a examinar as dife-
estimativa existem em circulação, pelo a dar aos híbridos formados. Dentro de renças genéticas entre as espécies. As pes-
menos, 26 conceitos publicados. uma mesma espécie, também, ainda havia quisas levaram a uma nova maneira de
O mais notável quanto a todas essas muita confusão. O lagópode-escocês da pensar. O que definia uma espécie eram as
discordâncias é que, hoje, o nosso co- Irlanda (ave galiforme da família dos fa- barreiras que impediam a sua reprodução
nhecimento sobre como a vida evolui sianídeos), por exemplo, apre- com outras. Os genes
em novas formas aumentou muito desde senta uma pequena diferença BARREIRAS fluíam entre os mem-
REPRODUTIVAS
que se iniciou o debate sobre as espécies. na plumagem quando compa- Mecanismos que impedem o cru- bros de uma mesma
Os taxonomistas, até pouco tempo atrás, rado com o lagópode-escocês zamento entre indivíduos de espécie, quando aca-
identificavam espécies apenas pelas carac- da Escócia, que também di- espécies diferentes. odem ser salavam; mas esses
de nature a física fisiológica
terísticas visíveis, como nadadeiras, pelos fere do lagópode-escocês da genética ecológica comporta- indivíduos, normal-
e penas. Agora podem ler sequências de Finlândia. Os naturalistas não mental entre outras. mente, permaneciam
DNA e descobrir toda uma riqueza de di- chegaram a um acordo sobre no âmbito da sua
BEVERLY JOUBERT National Geographic Image Collection

versidade biológica. a possibilidade de essas aves pertencerem espécie, graças às barreiras reprodutivas.
Templeton e outros especialistas con- a espécies diferentes de lagópode-escocês, Assim, diferentes espécies podem procriar
sideram que o debate finalmente chegou ou ser apenas variedades – subgrupos em em épocas distintas do ano; determinada
a um ponto crítico. Eles acreditam que outras palavras – de uma única espécie. espécie pode achar os sons de corte de ou-
agora será possível combinar muitas das Charles Darwin se divertia com essa tras espécies nada estimulantes; ou, ainda,
ideias concorrentes em um único con- questão. “É engraçado ver como dife- o DNA de uma espécie pode ser incompa-
ceito básico. A unificação se aplicaria a rentes ideias se manifestam nas diferen- tível com o DNA de espécies diferentes.
qualquer tipo de organismo, de sabiás a tes mentes dos naturalistas, quando eles A maneira mais promissora para as
microrganismos. Esses pesquisadores es- falam em ‘espécies’”, escreveu em 1856. barreiras evoluírem é pelo isolamento.
peram com isso chegar a um método mais “Tudo isso resulta da tentativa de definir Assim, alguns membros de uma espécie

18 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


existente – uma população – tornam-se
incapazes de cruzar com o resto da sua
espécie: uma geleira poderia atravessar
O Universo de Lineu
sua área de distribuição, isolando essa Carl Lineu desenvolveu as bases para a moderna taxonomia no século 18,
ordenando todos os seres biológicos em grupos hierárquicos, partindo do nível dos
população do resto da espécie. O grupo
reinos (como animais, plantas, fungos) e descendo até o nível das espécies
isolado desenvolveria novos genes, e al-
individuais, cada um com um conjunto exclusivo de características observáveis.
guns desses novos genes talvez tornassem
o intercruzamento difícil ou mesmo im-
possível. Passadas centenas de milhares de
anos muitas barreiras poderiam evoluir Reino

Menos Específico
Animalia
até que a população isolada se convertes-
Organismos multicelulares móveis
se em uma espécie distinta. (em sua maioria), incapazes de
A compreensão de como as espécies sintetizar os seus próprios
nutrientes (heterotróficos)
evoluem levou a uma nova ideia do que
vem a ser uma espécie. Ernst Mayr, orni- Filo
tologista alemão, declarou corajosamente Chordata
que a espécie não era apenas mera con- Organismos com um eixo
esquelético flexível (notocorda)
venção, mas uma entidade real, como e cordões nervosos
montanhas e pessoas. Em 1942 ele definiu
espécie como um pool gênico, ou reser- Classe
vatório gêni- Anphibia

co (expressão POOL GÊNICO Tetrápodos semiaquáticos


Conjunto de genes encontra- sem ovos amnióticos
que seria utili- dos em uma população ou
zada a partir em uma espécie.
de 1950 por
Ordem
Anura
Theodosius Dobzhansky), um grupo de Adultos sem cauda, com
populações que podem cruzar entre si, pele enrugada e cintura
escapular
mas são incapazes de intercruzar com
outras. O conceito biológico de espécie,
Família
como ficou conhecido, tornou-se o mode- Hylidae
lo padrão dos livros didáticos de biologia. Rãs com adaptações para
Consequentemente muitos cientistas viver nas árvores

ficaram insatisfeitos com esse novo con-


ceito ao perceber que era inadequado Gênero
para ajudá-los a compreender o mundo
LUCY READING-IKKANDA (ilustrações); CHRISTOPHE SIDAMON-PESSON/BIOSPHOTO Peter Arnold, Inc. (lagópode-

Litoria
natural. Em primeiro lugar, o conceito de Rãs com pupilas
horizontais (não
Mayr não dizia nada sobre o quanto re- arredondadas)
produtivamente isolada uma espécie deve-
Mais Específico

ria estar para se distinguir. Os biólogos fi- Espécie


caram numa situação embaraçosa no caso Litoria caerulea
daquelas espécies que pareciam distintas, Rãs com glândulas paratoides
(laterais da cabeça) grandes e
mas intercruzavam regularmente. No Mé-
escocês da Finlândia); M. LANE Peter Arnold, Inc. (lagópode-escocês da Escócia)

aberturas do ouvido bem


xico, por exemplo, os cientistas descobri- evidentes

ram que duas espécies de macacos, sepa-


radas a partir de um ancestral comum, há
cerca de 3 milhões de anos, intercruzam Porém ...
com frequência. Não está havendo muito Os naturalistas frequentemente
sexo entre as duas para que sejam qualifi- encontram dificu dade de di tin uir
cadas como espécies distintas? uma espécie da outra. O lagópode-
Embora entre algumas espécies ocor- escocês da Escócia tem uma
plumagem diferente do lagópode-escocês
ra muito intercruzamento para que sejam
da Finlândia (esquerda) – ainda não está
consideradas espécies biológicas, existem
c aro e e a di eren a u tificam di idir
outras espécies, também biológicas, for- as duas aves em espécies distintos
madas por populações tão isoladas que dentro do sistema lineano.
o sexo entre elas é pouco frequente. Os

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 19


Controvérsias Sexuais Porém ...
i ro didático re uentemente definem uma e cie o n e mai in erior na Alguns organismos – como os rotíferos
hierarquia lineana – como um grupo de organismos que compartilham um pool gênico bdeloideos – não fazem sexo; e duas espécies
coeso. Os membros de uma população, de acordo com o conceito biológico de de bugios mexicanos (foto abaixo), que
espécie, podem cruzar com êxito entre si e com outras populações da mesma divergiram de um ancestral comum que viveu
espécie, mas não com indivíduos de espécies diferentes. há 3 milhões de anos, ainda podem se acasalar
População com sucesso.

Alouatta
palliata

iar
rocr
emp
Pod

Espécies de pássaro 1

Alouatta
pigra

Espécies de pássaro 2

girassóis, que pertencem à mesma espécie, essência daquele significado. Um dos espécie é questão de identificar um grupo
vivem em populações extremamente iso- maiores rivais do conceito biológico de de organismos que compartilham certas
ladas por toda a América do Norte. O flu- espécie, o chamado conceito filogené- características bem definidas. Os cientis-
xo gênico raramente ocorre entre elas. As- tico de espécie, substituiu o fator sexo tas, nesse caso, não dependem de condi-
sim, poderíamos da equação pela ideia de descendência a ções menos precisas, como isolamento
FLUXO GÊNICO aplicar o concei- partir de um ancestral comum. reprodutivo. Recentemente, por exemplo,
Passagem de genes entre to de Mayr para Organismos aparentados têm caracte- a pantera-nebulosa da ilha indonésia de
populações naturais resul
tado de migração ou de cru tratar cada uma rísticas comuns porque compartilham Bornéu foi declarada espécie distinta da
zamentos entre indivíduos dessas popula- o mesmo ancestral. Humanos, girafas e pantera-nebulosa do sul do continente
de populações diferentes. ções como espé- morcegos, todos descendem de mamíferos asiático. Todas as panteras-nebulosas de
cies distintas. mais antigos e, consequentemente, todos Bornéu compartilham características que

THOMAS E PAT LEESON Photo Researchers, Inc. (A. pigra); D. TIPLING Peter Arnold, Inc. (A. palliata)
O mais problemático são as espécies apresentam pelos e glândulas mamárias. não aparecem nas panteras do continente,
que não apresentam sexo, como no caso Dentro dos mamíferos, os humanos par- como a pelagem mais escura.
dos rotíferos da ordem Bdelloidea, mi- tilham um ancestral comum com os ou- Alguns críticos avaliam que, de acor-
croscópicos animais marinhos. A maioria tros primatas, do qual herdaram outras do com esse conceito, teríamos espécies
dos rotíferos se reproduz sexualmente, características como olhos na posição em demasia. “O problema com o concei- LUCY READING-IKKANDA (ilustração); BEN STECHSHULTE (Zimmer);

mas os rotíferos bdeloideos abandonaram frontal. Dessa maneira podemos desco- to é que ele não nos diz em que nível na-
o sexo há cerca de 100 milhões de anos. brir grupos cada vez menores até che- tural devemos suspender as subdivisões”,
Todos os rotíferos dessa ordem são fêmeas garmos a uma escala em que não podem observa Georgina Mace, da Imperial Col-
e desenvolvem seus embriões sem qual- mais ser subdivididos. Estes, de acordo lege de Londres. Uma simples mutação
quer necessidade de esperma. De acordo com o conceito filogenético, são as cha- pode, ao menos teoricamente, ser o bas-
com o conceito biológico de espécie, esses madas espécies. Podemos dizer, então, tante para conferir a um pequeno grupo
rotíferos não podem ser considerados es- que esse conceito de espécie tomou o sis- de animais o status de espécie. “É boba-
pécie, por estranho que possa parecer. tema original de Lineu e o modernizou à gem querer separar espécies a esses ní-
luz do pensamento evolutivo. veis”, avalia ela. Georgina argumenta que
EQUAÇÃO EM SEXO O conceito filogenético de espécie é uma população deveria ser considerada
Essa insatisfação levou alguns cientis- adotado por pesquisadores que neces- ecologicamente distinta – tal como defi-
tas a delinear novos conceitos de espé- sitam identificar as espécies em vez de nida pela geografia, pelo clima e pelas re-
cie. Cada um elaborado para captar a apenas contemplá-las. Reconhecer uma lações predador-presa – antes que alguém

20 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


decidisse separá-la em espécies distintas. determinar quantas são as espécies de local”, segundo Bond. Ele vem escavan-
Outros pesquisadores, entretanto, Promyrmekiaphila. As aranhas resistem do tocas de Promyrmekiaphila contendo
consideram que deveriam seguir o que à classificação corriqueira porque são três gerações de aranhas fêmeas que vi-
indicam os seus dados, em vez de se preo- muito parecidas entre si. Os cientistas veram ali anos e anos. Os machos dei-
cupar com os excessos de rupturas em já sabem que elas, provavelmente, for- xam as tocas onde nasceram, mas não
nível de espécies. “O argumento de que mam populações isoladas, em grande vão muito longe, antes de se acasalar
existe um limite para o número de espé- parte graças ao fato de não se dispersa- com a fêmea de uma toca vizinha.
cies que podem surgir não parece muito rem para muito além de seu território. Para identificar as espécies de ara-
científico”, propõe John Wiens, biólogo “Uma vez que a fêmea faz uma boa nhas, Bond e Stockman adotaram mé-
da Stony Brook University. toca com alçapão e teia de revestimento, todos desenvolvidos por Templeton.
é pouco provável que ela se afaste desse Eles estudaram a história evolutiva de
MUITO BARULHO POR NADA
Alguns anos atrás as intermináveis dis-
cussões sobre esse tema convenceram Lineu Atualizado
Kevin de Queiroz, biólogo do Smithso- conceito fi o en tico de e cie ur iu a artir de uma no a a orda em ara
nian Institute, de que o debate sobre a c a ificar o ere i o , con ecida como i temática fi o en tica. i erente do i tema
questão do conceito de espécie chegara de Lineu, leva em conta a história evolutiva. Ignorando a questão da possibilidade de
ao seu limite. “Já está ficando fora de intercru amento entre dua o u a e , e e i tema c a ifica uma e cie indi idua
controle”, avalia, “essa discussão esgo- como um organismo que partilha um ancestral em comum com outras espécies, mas é
tou a paciência de muita gente.” colocado à parte das outras por ter adquirido novas e distintas características. A árvore
Queiroz deu um passo à frente, afir- fi o en tica, tam m con ecida como ár ore da ida, mo tra uanta e cie
mando que esse debate tem mais a ver di erente e ramificam a artir de um ance tra comum, uando ad uirem
com confusão que com a essência. “A características que o ancestral não possuía.
A árvore abaixo mostra algumas características que os animais terrestres
confusão é, na verdade, bem simples”,
e os peixes acumularam durante a evolução.
propõe ele. A maioria dos conceitos con-
correntes de espécie concordam quanto a
alguns pontos fundamentais. Todos eles
estão fundamentados na noção de que a
espécie é uma linhagem evolutiva distinta,
por exemplo. Para Queiroz essa é a defi-
T
Truta Tartaruga
Tartaruga Gato Gorila Humano
nição fundamental de espécie. A maioria
das discordâncias sobre a ideia de espé-
cie não é com relação ao conceito em si,
mas sobre como reconhecer uma espécie.
Ele entende que métodos diferentes deve- Ancestral
riam ser aplicados para casos distintos. comum
Um significativo isolamento reproduti-
Polegar Andar
vo, por exemplo, é uma boa evidência de Características Membros Pelos
opositor ereto
que determinada população de pássaros distintas

constitui uma espécie. Mas esse não é o


único critério que pode ser usado. Para os Porém ...
rotíferos bdeloideos, que não têm sexo, os Alguns críticos insistem que a
LUCY READING-IKKANDA (ilustração); ALAIN COMPOST (pantera-nebulosa)

cientistas teriam de usar outros critérios. a orda em fi o en tica tende a


Muitos especialistas em espécies categorizar demais. Por exemplo, a
compartilham do otimismo de Quei- pantera-nebulosa da ilha de Bornéu foi
recentemente c a ificada como
roz. Em vez de tentar usar apenas um
espécie à parte daquela do continente,
padrão ouro, eles estão testando novas
por apresentar pelagem mais escura,
espécies contra diferentes linhas de evi-
além de outras características. Alguns
dências. Jason Bond, biólogo da East pesquisadores, entretanto,
Carolina University, e seu aluno Amy argumentam que esses fatores não
Stockman usaram essa abordagem no odem, or i , u tificar ue e e
estudo de um enigmático gênero de animais sejam agrupados em uma
aranhas, Promyrmekiaphila, desco- espécie separada das outras
bertas na Califórnia. Os taxonomistas panteras-nebulosas do sul do
há muito vêm se empenhando para continente asiático.

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 21


Promyrmekiaphila, mediram o fluxo gê- examinaram o corpo dos rotíferos em metabolismo delas. Um tipo de micror-
nico entre as populações e caracterizaram cada tufo e descobriram que tinham for- ganismo podia se alimentar de lactose,
o papel ecológico dessas aranhas. Para o mas similares. A diversidade dos rotífe- ao passo que outros, não. A partir desses
estudo da história evolutiva, Bond e Sto- ros, em outras palavras, não era apenas indícios descreviam-se espécies, como Es-
ckman sequenciaram partes de dois genes obscura. Os animais formam agrupamen- cherichia coli ou Vibrio cholerae. Mas era
de 222 aranhas de 78 localidades da Ca- tos resultantes, provavelmente, de linha- necessário saber o que significava perten-
lifórnia. Eles examinaram o DNA para gens separadas que estão se adaptando cer a uma dada espécie, em se tratando de
marcadores genéticos que mostravam a diferentes nichos ecológicos. microrganismo. Quan-
NICHOS ECOLÓGICOS
como esses animais eram aparentados Se esses agrupamentos não são Conjunto de recursos e condi- do Mayr veio com o seu
entre si. A árvore evolutiva das aranhas espécies, são bem afins. ções ambientais de que uma conceito biológico de
resultou em várias linhagens distintas. espécie necessita para sua espécie, parecia excluir
sobreviv ncia como alimen
Bond e Stockman examinaram as ver- MICRORGANISMOS to abrigo temperatura salini muitos daqueles seres.
sões dos genes em populações diferentes COMO ESPÉCIES dade etc. Afinal, as bactérias não
para descobrir alguma evidência de fluxo A maioria dos trabalhos rela- eram formadas por in-
gênico. Para encerrar eles registraram as cionados ao conceito de espécie sempre divíduos machos e fêmeas que podiam se
condições climáticas nas quais cada grupo foi direcionada a animais e plantas. Essa reproduzir sexualmente como os animais.
de aranhas vivia. No final conseguiram tendência tem uma explicação histórica: Elas simplesmente se partiam em duas.
identificar seis espécies que satisfaziam animais e plantas eram as únicas coisas A confusão piorou quando os cientis-
todos os critérios utilizados. Se aceitas, que Lineu e outros antigos taxonomistas tas tentaram calcular a diferença entre o
essas descobertas duplicarão o número de podiam estudar. Hoje, porém, os cientis- DNA de duas espécies. Para surpresa de
espécies de Promyrmekiaphila. tas sabem que a grande maioria da diver- todos, as diferenças podiam ser imensas.
Esse tipo de abordagem está permitin- sidade genética está no mundo invisível Bactérias de uma mesma espécie são ca-
do aos cientistas estudar certos organis- dos microrganismos, e eles são o maior pazes de apresentar modos de vida radi-
mos que não parecem se adaptar ao con- desafio quando o assunto é a natureza calmente distintos. Algumas linhagens de
ceito de espécie. Pelo fato de os rotíferos das espécies. E. coli vivem em nosso intestino sem cau-
bdeloideos não terem sexo, não se adap- No século 19, quando começaram a sar nenhum prejuízo, enquanto outras
taram bem ao conceito biológico de espé- nomear espécies, os microbiólogos não provocam doenças. “A variação genética
cie. Tim Barraclough, da Imperial College examinavam penas ou flores, como os dentro de uma mesma espécie é tão gran-
de Londres, e seus colegas usaram outros zoólogos e botânicos. Os microrganismos de que o termo ‘espécie’ para bactéria e
métodos para determinar se esses rotífe- – principalmente bactérias e archae – são archae não tem o mesmo significado que
ros pertenciam a grupos que poderíamos em geral muito parecidos entre si. Alguns para plantas e animais multicelulares”,
chamar de espécie. Eles sequenciaram o apresentam a forma de bastão, enquanto considera Jonathan Eisen, da East Caro-
DNA e construíram uma árvore evoluti- outros se mostram como pequenas esfe- lina University.
va. A árvore apresentava apenas algumas ras. Para distinguir duas bactérias com Os microrganismos não são peque-
ramificações longas, cada uma coroada forma de bastão, os microbiólogos desen- nas exceções a essa regra. Quando os
por um tufo de ramos mais curtos. Eles volveram experimentos relacionados ao pesquisadores começaram a estudar o
mundo microbiano descobriram que
a diversidade encontrada no mundo
A Melhor Solução animal é, comparativamente, insignifi-

LUCY READING-IKKANDA (ilustração); JASON BOND East Carolina University (aranha)


cante. “Causa muita estranheza pensar
Por causa da confusão alguns pesquisadores que, se Mayr estiver certo, então 90%
come aram a criar c a ifica e da árvore da vida não é composta por
fi o en tica , o ando ara a m da i t ria espécies”, contrapõe John Wilkins, fi-
História evolutiva
evolutiva e combinando esta com dados lósofo da ciência da Universidade de
moleculares, ecológicos, comportamentais e Queensland, Austrália. “Faça uma
biológicos. Assim, Jason Bond e um de seus pausa e pense sobre isso.”
Fluxo gênico
alunos da East Carolina University Alguns pesquisadores argumentam
pesquisaram um gênero de aranha,
que, talvez, os microrganismos se adap-
Promyrmekiaphila (ao lado), descoberta na
tem ao conceito biológico de espécie,
Califórnia. Eles estudaram a história evolutiva Nicho ecológico

dessa aranha, bem como o seu papel


mas de uma maneira peculiar. As bacté-
ecológico, e sequenciaram os genes de 222 rias não cruzam como os animais, mas
aran a em oca idade . o fina , com 6 espécies fazem intercâmbio de genes. Os vírus po-
todas essas informações, eles agruparam os dem transportar genes de um hospedeiro
animais em seis espécies. a outro, ou, então, as bactérias podem
simplesmente capturar um DNA disper-

22 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


so no meio e incorporá-lo ao seu geno-
ma. Existem evidências de que linhagens
próximas permutam mais genes que li-
Microrganismos Pertencem a Espécies Diferentes?
i o o em re ti eram dificu dade ara a ru ar o micror ani mo em e cie . A
nhagens distantes – uma versão micro-
bactérias não fazem sexo do modo que conhecemos, mas apenas se dividem em duas.
biana das barreiras reprodutivas entre as
Bactérias que teoricamente pertencem à mesma espécie, por apresentarem aparência externa
espécies animais. e comportamentos similares, são capazes de apresentar diferenças genéticas marcantes.
Mas alguns críticos têm apontado A un e ui adore afirmam ue a act ria odem er c a ificada em e cie
certos problemas com essa analogia. diferentes pela genética e pelo nicho ecológico. Na fonte termal do Parque Nacional de
Embora animais e plantas possam inter- Yellowstone (foto abaixo), espécies diferentes da cianobactéria Synechococcus ocupam
cambiar genes toda vez que se reprodu- diferentes profundidades ou áreas de diferentes temperaturas (nichos).
zem, os microrganismos raramente per-
mutam dessa maneira. Quando trocam Seção transversal de 3 cm3 de uma matriz
formada inteiramente de microrganismos, na
genes, fazem isso com promiscuidade fonte Octopus de Yellowstone.
surpreendente. Durante um período de
milhões de anos esses microrganismos
adquiriram novos genes não apenas de
seus parentes mais próximos, mas tam-
bém de outros microrganismos que per-
tencem a reinos totalmente diferentes.
Os críticos insistem que esse fluxo de ge-
nes ajuda a minar qualquer conceito de
espécie para o caso dos microrganismos.
“Penso que espécie é um tipo de ilusão”, 0,1

Espécie 1
interpreta W. Ford Doolittle, da Dalhou- 0,2

sie University, na Nova Escócia. 0,3


Pesquisadores estão considerando as 0,4
espécies microbianas mais seriamente. Ar- 0,5
gumentam que os microrganismos, assim
0,6
como os rotíferos, não são apenas varia-

Espécie 2
0,7
ções indistintas, mas grupos adaptados a
nichos ecológicos particulares. A seleção 0,8

natural previne esses grupos de se torna- 0,9

rem indistintos ao favorecer novos mutan-


p Diferentes espécies da bactéria
tes mais bem adaptados aos seus nichos. Synechococcus, em forma de salsicha, ocupam
“É uma pequena linhagem que sempre se- profundidades diferentes (amarelo-
gue adiante”, segundo Frederick Cohan, Matriz microbiana esverdeado na superfície e verde-escuro na
camada mais profunda) dentro dos
da Wesleyan University. Essa pequena li- milímetros superiores da matriz microbiana.
nhagem, ele diz, é uma espécie.
Cohan e seus colegas descobriram
essas espécies microbianas nas fontes ter- É provável que essas novas regras le- O AUTOR
LUCY READING-IKKANDA (ilustração); DAVID M. WARD Montana State University

mais do Parque Nacional de Yellowstone. vem os cientistas a separar as espécies mi- Carl Zimmer frequentemente escreve sobre evo-
Cada grupo de microrganismos geneti- crobianas tradicionais em muitas outras. lução para o New York Times para a National Geo-
graphic e para outras publicações. autor de seis
camente aparentados vive em nicho pró- Para evitar confusão, Cohan não quer livros incluindo mais recentemente Microcosmo: E.
prio dessas fontes termais – a determina- mudar completamente os nomes originais coli and the new science of life. eu blog The Loom
da temperatura, por exemplo, ou neces- das bactérias. Apenas pretende adicionar .scienceblogs.com loom ganhou o cientific
Americans cience and echnolog eb A ards.
sitando de certa quantidade de luz solar. a palavra ecovar (variante ecológica) no
Para Cohan, essa evidência é o bastante final do nome de cada espécie. De acordo PARA CONHECER MAIS
para justificar o status de espécie para com Cohan, a compreensão da natureza volution the triumph o an idea Carl immer. ar
um grupo de microrganismos. Ele e seus das espécies microbianas poderá ajudar perCollins .
colaboradores estão desenvolvendo um profissionais da saúde a se preparar para Speciation. err A. Co ne e . Allen rr. inauer
conjunto de regras que, esperam, serão combater novas doenças no futuro. Clas- Associates .
utilizadas por outros pesquisadores para sificar essas espécies poderia ajudá-los a hat evolution is rnst a r. asic oo s .
nomear novas espécies. “Decidimos que antecipar o aparecimento de uma epide- nderstanding evolution our one stop sour e
for information on evolution. ágina criada pelo u
temos de ir além de persuadir as pes- mia, dando tempo suficiente para que seu de aleontologia da Universit of California http
soas”, Cohan insiste. tomem as medidas mais adequadas. n evolution.ber ele .edu evolibrar home.php

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 23


U CA

A versatilidade
do carbono
grafeno uma forma de carbono recentemente
isolada tem se mostrado um rico filão para a física
básica e novas aplicações práticas

POR ANDRE K. GEIM E PHILIP KIM

O
bserve um lápis comum. É sur- que formam um único plano, com ape- pesquisadores tentaram descamar pe-
preendente imaginar que esse nas um átomo de espessura. lículas de grafita formada por menos
instrumento simples, que hoje Durante anos, no entanto, todas de 100 planos atômicos. Por volta de
se usa para escrever, em outras épocas as tentativas de produzir grafeno fo- 1990, os físicos alemães da Universi-
já ocupou o topo da lista de ferramentas ram infrutíferas. A abordagem inicial dade RWTH Aachen isolaram pelícu-
de alta tecnologia e absolutamente indis- mais popular consistia em inserir várias las de grafita muito finas consideradas
pensáveis. Mas o fato ainda mais ines- moléculas entre os planos atômicos da opticamente transparentes.
perado são as notícias de que, cada vez grafita para separar os planos – técni- Uma década depois, um de nós
que alguém escreve com um lápis, Nanotecnologia ca chamada de (Kim), trabalhando com Yuanbo
as marcas que ficam no papel são esenvolvimento de materiais esfoliação quí- Zhang, então aluno de graduação da
formadas por pedacinhos do mais em escala nano do grego mica. Apesar de Columbia University, refinou o método
anão. anometro nm é uma
novo e cobiçado material da física unidade de medida correspon- as camadas de da clivagem micromecânica para criar
e da nanotecnologia: o grafeno. dente a metros. grafeno se desta- uma versão high-tech do lápis – um
A palavra grafeno vem de gra- carem da grafita “nanolápis”. Escrever com o nanolá-
fita – ou grafite –, o “miolo” do lápis: em algum estágio transiente do proces- pis implicava usar fatias de grafita com
um tipo de carbono puro formado por so, elas nunca foram identificadas dessa apenas algumas dezenas de camadas
camadas de átomos empilhadas. A es- maneira. Ao contrário, o produto final atômicas de espessura (ver quadro na
trutura enfileirada da grafita foi desven- geralmente aparece como uma pasta de pág. 26). Mas o material resultante ain-
dada há séculos e por isso é natural que partículas de carbono. da era grafita fina e não grafeno.
os físicos e especialistas em ciências dos Logo depois disso, físicos e en- Em 2004, outro de nós (Geim), jun-
materiais venham tentando desde então genheiros tentaram uma abordagem tamente com um pesquisador de pós-
laminar o mineral para estudar as pro- mais direta. Separaram os cristais de -doutorado, Kostya S. Novoselov, e seu
priedades das camadas que o formam. grafita em lâminas cada vez mais finas colaborador da University of Manches-
Grafeno é a denominação dada a uma esmagando ou esfregando-os contra ter, na Inglaterra, estava analisando vá-
dessas camadas. Ele é inteiramente for- outra superfície. A técnica, conhecida rias possibilidades para conseguir amos-
mado por átomos de carbono ligados como clivagem micromecânica, fun- tras de grafita ainda mais finas. Nessa
em uma rede de sucessivos hexágonos cionava surpreendentemente bem. Os época vários laboratórios começaram a

24 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


p OS TRAÇOS DO LÁPIS COMUM são ormados por minús ulas quantidades de
gra eno um dos mais novos e obiçados materiais da i n ia e da engenharia

fazer tentativas com fuligem, mas Geim e os materiais conhecidos, como também ponderante nas antigas civilizações le-
seus colegas, levados pela serendipidade, é extremamente duro. Além disso, na tradas da China e da Grécia. Foi assim
começaram a trabalhar com pedacinhos sua forma pura, conduz a eletricidade até o século 16, quando os ingleses des-
dos resíduos que sobravam quando a à temperatura ambiente melhor que cobriram um grande depósito de grafita
grafita era desgastada por força bruta. qualquer outra substância. Engenheiros pura, então chamada de plumbago (do
Eles simplesmente colaram um floco de estão analisando esse material para de- latim “minério de chumbo”). Sua uti-
pó de grafita em fita adesiva, dobraram terminar se pode ser fabricado na forma lidade como marcador logo se tornou
o lado aderente da fita sobre o floco e de subprodutos como os compostos su- evidente, e os ingleses não perderam
depois separaram as duas partes da fita, perduros, telas inteligentes, transistores tempo em torná-la um substituto para a
dividindo o floco em duas metades. À super-rápidos e até compu- caneta de pena e o tinteiro.
medida que os especialistas repetiam tadores de ponto quântico. Ponto quântico Mas foi somente em
lhas semicondutoras
esse processo, os fragmentos resultan- Enquanto isso, a natu- menores do que nanome- 1779 que o químico sueco
tes se tornavam cada vez mais finos (ver reza peculiar do grafeno tros. ão capa es de aprisio- Carl Scheele mostrou que
quadro na pág. 27). Uma vez obtidos vá- em escala atômica está nar elétrons individuais. o plumbago era carbono,
rios fragmentos finos, os pesquisadores permitindo que físicos in- e não chumbo. Uma déca-
examinavam meticulosamente as partí- vestiguem fenômenos que precisam ser da depois o geólogo alemão Abraham
culas resultantes – e ficaram atônitos ao descritos pela física quântica relativís- Gottlob Werner sugeriu que a substân-
verificar que alguns grãos tinham apenas tica. O grafeno permite que físicos ex- cia poderia ser chamada mais apropria-
um átomo de espessura. Ainda mais sur- perimentais testem as hipóteses da me- damente de grafita, derivada da palavra
preendente foi o fato de os pedacinhos cânica quântica relativística utilizando grega que significava “escrever”. En-
recém-identificados de grafeno se mos- aparelhos de bancada em laboratórios. quanto isso, os fabricantes de munição
trarem quimicamente estáveis nas condi- descobriram que o material produzia
ções normais de temperatura e pressão. A FAMÍLIA DO GRAFENO um revestimento ideal na moldagem de
A descoberta experimental do gra- Lembrando como o uso do lápis está balas de canhão. Essa aplicação tornou-
feno despertou um interesse internacio- disseminado no mundo todo é estranho -se um segredo militar mantido a sete
MATT COLLINS

nal avassalador por novas pesquisas. O que o material que se tornou conhecido chaves. Durante as Guerras Napoleô-
grafeno não só é o mais fino de todos como grafita não tenha tido papel pre- nicas, por exemplo, a Coroa britânica

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 25


A m e de toda a rafita
O grafeno (abaixo, parte de cima), plano formado por átomos de carbono que se parece com tela de galinheiro, é uma peça básica da
con tru o de todo o materiai ra tico de crito a ai o. A rafita (coluna inferior à esquerda), o principal componente do miolo do
lápis, é uma substância friável que parece um bolo com camadas de folhas de grafeno fracamente ligadas. Quando o grafeno é enrolado
em formas arredondadas, surgem os fulerenos. Podem ser cilindros em forma de colmeia conhecidos como nanotubos de carbono
(coluna de baixo, no centro), moléculas em forma de bola de futebol chamadas de buck balls (coluna de baixo, à direita), bem como várias
outras formas que combinam essas duas formas.

Grafeno

Grafita
Nanotubos de carbono Buckyball

embargou a venda para a França tanto tância. As duas novas Fulereno nização está o próprio
O número de átomos de carbono
da grafita quanto do lápis. formas moleculares fo- numa molécula fuler nica pode grafeno, uma grande es-
Em décadas mais recentes a grafita ram classificadas como variar de a milhares. m trutura de anéis benzêni-
vem recuperando parte de seu alto sta- fulerenos – os termos o ingl s arold . roto e os cos unidos na forma de
americanos Robert . Curl e
tus tecnológico de outrora, enquanto os fulereno e buckyball Richard . malle relataram a uma lâmina de hexágo-
pesquisadores exploram as proprieda- foram cunhados em descoberta de mais uma forma nos (ver quadro acima).
des e as potenciais aplicações de várias homenagem ao arqui- alotrópica do carbono sendo a Outras formas grafíticas
primeira molecular o buc mins-
formas moleculares de carbono, antes teto e engenheiro ame- terfulereno C . são compostas por grafe-
desconhecidas, que ocorrem em mate- ricano visionário Buck- no. Pode-se imaginar as
riais grafíticos comuns. minster Fuller, que estudou essas varie- buckyballs e vários outros fulerenos
A primeira delas, uma molécula dades antes mesmo da descoberta das não tubulares como folhas de grafeno
com a forma de uma bola de futebol próprias formas do carbono. enroladas em esferas, esferoides alon-
denominada buckyball, foi descoberta gados e outras formas arredondadas
em 1985 pelos químicos americanos TELA DE GALINHEIRO MOLECULAR em escala atômica. Os nanotubos de
Robert Curl e Richard E. Smalley, jun- Os átomos que formam a grafita, o carbono são formados basicamente
tamente com seu colega inglês Harry fulereno e o grafeno têm o mesmo ar- por folhas de grafeno enroladas em ci-
Kroto. Seis anos depois, Sumio Iijima, ranjo estrutural básico. Cada estrutura lindros minúsculos. Como já foi men-
físico japonês, identificou as es- tem seis átomos cionado, a grafita é formada por uma
truturas cilíndricas de átomos Nanotubos de carbono forte- pilha grossa,
de carbono na forma de colmeias Cilindro formado por uma folha mente ligados na Anel benzeno
Cadeia carbônica for-
tridimensional,
de grafite enrolado. istem
conhecidas como nanotubos. Em- três importantes campos de forma de um he- mada por seis átomos de folhas de
bora os nanotubos tivessem sido pesquisa com nanotubos de xágono regular – de carbono. grafeno; as fo-
relatados por vários pesquisado- carbono o estudo químico das o anel de benzeno. lhas são manti-
estruturas nanométricas suas
res em décadas anteriores, não aplicações biomédicas e na No nível se- das juntas pela ação de forças de atra-
tinham recebido a devida impor- área de eletr nica. guinte de orga- ção intermoleculares chamadas forças

26 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


de Van der Waals. O fraco acoplamen- cio em microchips e fibras que podem trutura seja bastante deformada antes
to entre folhas vizinhas de grafeno ser trançadas para formar cabos leves e que seus átomos precisem se organizar
permite que a grafita seja facilmente super-resistentes. Apesar de o próprio para suportar o esforço.
quebrada em minúsculos grânulos que grafeno fazer parte desses enfoques há A qualidade da rede de cristais tam-
constituem a marca deixada no papel apenas alguns anos, é provável que o bém é responsável pela condutividade
quando se escreve com um lápis. material ainda possa oferecer novos elétrica extremamente alta do grafeno.
orças de an der aals Apesar de caminhos para a física básica e aplica- Seus elétrons podem se deslocar sem
nterações muito fracas sua descober- ções tecnológicas. serem desviados de seu caminho pe-
que atuam quando as ta tardia, o fu- las imperfeições dos planos do cristal
moléculas estão bem pró i-
mas umas das outras. lereno sempre UMA EXCEÇÃO EXCEPCIONAL e átomos intrusos. Até as colisões com
esteve presen- Duas propriedades do grafeno fazem os átomos de carbono das vizinhanças,
te. Ele ocorre, por exemplo, na fuligem dele um material excepcional: primei- que os elétrons do grafeno precisam
que recobre as grelhas de churrasquei- ra, apesar das formas relativamente enfrentar à temperatura ambiente, são
ras, embora em quantidades mínimas. grosseiras como ainda está sendo pro- relativamente pequenas, devido à força
Isso basta para termos certeza de que duzido, sua qualidade é extremamente de coesão das ligações interatômicas.
pedacinhos de grafeno estão presentes alta – resultante de uma combinação A segunda característica excepcional
em todos os traços de lápis – mesmo as- entre a pureza do seu conteúdo de do grafeno é que seus elétrons de con-
MATT COLLINS (desenhos); KOSTYA NOVOSELOV University of Manchester (micrografia), CORTESIA DE ANDRE K. GEIM (Geim); CORTESIA DE PHILIP KIM (Kim).

sim, só foram detectados há pouco tem- carbono e a regularidade dos planos dução, além de viajarem totalmente de-
po. Mas a comunidade científica tem nos quais seus átomos de carbono se simpedidos através dos planos do cristal,
dado atenção a todas essas moléculas. distribuem. Os pesquisadores não con- deslocam-se muito mais rápido, como se
As buckyballs são notáveis princi- seguiram detectar até agora um único tivessem menos massa que os elétrons
palmente como exemplo de um tipo defeito na estrutura atômica do grafe- que perambulam a esmo nos metais co-
praticamente novo de molécula, em- no – por exemplo, uma lacuna em al- muns e nos semicondutores. De fato, os
bora elas possam ter também impor- guma posição atômica no plano ou um elétrons do grafeno – talvez um termo
tantes aplicações, principalmente no átomo fora de lugar. A perfeita orga- mais apropriado seria “portadores de
transporte de fármacos no interior do nização dos cristais parece origi- Diamante carga elétrica” – são
organismo. Os nanotubos de carbono nar-se das ligações interatômicas Assim como o grafite e o entidades que vivem
combinam um conjunto de proprie- fortes, embora extremamente fulereno é uma das for- em um mundo maluco
mas alotrópicas do carbo-
dades físicas incomuns – químicas, flexíveis, que criam um material no. uito duro difícil de onde regras análogas
eletrônicas, mecânicas, ópticas e térmi- mais duro que o diamante e ain- ser riscado é usado para às da mecânica quân-
cas – que inspiraram uma grande va- da permitem que os planos do riscar e cortar materiais tica relativística de-
como o vidro e também
riedade de aplicações potencialmente cristal se curvem quando sub- na fabricação de joias. sempenham papel pre-
inovadoras. Essas inovações incluem metido à ação de forças mecâni- ponderante. Até onde
materiais que podem substituir o silí- cas. A flexibilidade possibilita que a es- se sabe, esse tipo de interação dentro de

O traço do nanolápis
Produzir amostras grafíticas que tenham aproximadamente a espessura de uma única camada de grafeno tem exigido um esforço
con iderá e . ma orma de a er i o render um microcri ta de rafita ao ra o de um canti er de um micro c io de or a at mica
e raspar a ponta do microcristal contra uma placa de silício (esquerda). E e nano á i de o ita di co fino , an ueca , de ra eno
sobre a placa (direita). A amo tra na micro rafia e etr nica e t o am iada mi e e .

Cantiléver de microscópio de força Microcristais de grafita

Placa de silício

“Panquecas”
de grafeno
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 27
um sólido é típica do grafeno. Graças a dos planos do cristal, os elétrons in- dem ser descritas ou pela física clássica
esse novo material presente nos lápis, a teragem com os campos eletrostáticos de Newton ou pela mecânica quântica
mecânica quântica relativística não está por eles criados, que os puxam e em- convencional, isto é, não relativística.
mais confinada à cosmologia ou à física purram para frente e para trás, num À medida que os elétrons viajam
de partículas de alta energia; ela, agora, movimento complexo. O resultado através da teia em forma de tela de ga-
invadiu os laboratórios. final é que os elétrons em movimen- linheiro formada pelos átomos de car-
to se comportam como se tivessem bono no grafeno, eles também agem
BIG BANG NAS massa diferente da massa dos elétrons como um tipo de quase partícula. Es-
PLANURAS DO CARBONO comuns – chamada massa efetiva. Os pantosamente, no entanto, as quase
Para tentar entender o comportamen- físicos denominam esses transportado- partículas portadoras de carga do gra-
to estranho dos portadores de carga res de carga de quase partículas. feno não apresentam comportamento
elétrica no grafeno é bom compará- Essas partículas carregadas, seme- muito parecido com o do elétron. Na
-los com os elétrons que se movem lhantes a elétrons, se deslocam atra- verdade, seu análogo mais próximo é
em condutores comuns. Os elétrons vés do metal condutor com velocida- outra partícula elementar, o neutrino,
“livres” que formam a corrente elé- de muito menor que a velocidade da praticamente desprovida de massa.
trica em um metal não são realmente luz. Não há necessidade, portanto, de Naturalmente, o neutrino é eletrica-
livres, como no vácuo. Como é sabido, aplicar as correções da teoria da rela- mente neutro – em italiano, neutrino é
eles transportam carga negativa e, por tividade de Einstein aos seus movimen- o diminutivo de neutro –, enquanto as
isso, quando se deslocam através de tos; essa teoria se torna importante quase partículas do grafeno transpor-
um metal deixam um déficit de carga somente em velocidades próximas à tam a mesma carga elétrica que o elé-
nos átomos do metal onde se origina- da luz. Por essa razão, interações de tron. Mas, como o neutrino viaja com
ram. Assim, ao se deslocarem através quase partículas em um condutor po- velocidade próxima à da luz, quaisquer

A eletrodinâmica quântica vai ao laboratório


Os elétrons se deslocam praticamente livres através da estrutura atômica perfeitamente regular do grafeno, atingindo velocidades tão
altas que seu comportamento não pode ser descrito pela mecânica quântica “comum”. A teoria que se aplica então é conhecida como
mecânica quântica relativística, ou eletrodinâmica quântica (QED, na sigla em inglês), cujas previsões diferentes (e estranhas) se
supunha, até agora, serem observáveis somente em buracos negros ou aceleradores de partículas de alta energia. Com o grafeno os
físicos podem então testar em laboratório uma das mais estranhas previsões da QED: o “tunelamento quântico perfeito”.

Na física clássica, ou newtoniana, um elétron de baixa energia 1 FÍSICA CLÁSSICA


(bola verde em 1a) se comporta como uma partícula comum. Se
Elétron como Não há
ua ener ia n o or uficiente ara condu i o at o to o de uma uma partícula Barreira chances de o
barreira de energia potencial, ele permanece aprisionado em um de baixa elétron
energia penetrar na
dos lados da barreira (1b) da mesma forma que um caminhão
barreira
sem combustível, em um vale, permanece parado de um dos
lados da encosta. a b
No cenário quantum-mecânico “comum”, um elétron se comporta Não há tunelamento

mais ou menos como uma onda que se propaga pelo espaço. A onda
2 MECÂNICA QUÂNTICA
representa aproximadamente a probabilidade de o elétron se
encontrar em um determinado ponto do espaço e do tempo. Quando Elétron como Existe alguma
essa onda que se “propaga lentamente” se aproxima de uma barreira uma onda chance de o
que se elétron
de energia potencial (onda azul em 2a), ela penetra na barreira de tal “propaga
lentamente” penetrar na
forma que existe alguma probabilidade, que não seja 0 nem 100%, de barreira
que o elétron poderá ser encontrado do lado mais distante da barreira
(2b). Na verdade, o elétron “tunela” através da barreira. a b
Tunelamento parcial

Quando uma onda associada a um elétron de alta velocidade no 3 ELETRODINÂMICA QUÂNTICA


grafeno (onda laranja em 3a) chega a uma barreira de energia
Elétron A chance de
potencial, a QED faz uma previsão ainda mais impressionante: a
DANIELA NAOMI MOLNAR

como uma o elétron


onda do elétron será encontrada em seguida do lado mais onda de alta penetrar na
velocidade barreira é
distante da barreira de potencial com 100% de probabilidade de 100%
(3b). A propriedade do grafeno de ser um excelente condutor
e trico arece confirmar e a re i o. a b
Tunelamento perfeito

28 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


que sejam sua energia ou momentum,
ele precisa ser descrito de acordo com Faça grafeno você mesmo
a teoria da relatividade. Analogamen- 1 Escolha um local limpo para trabalhar; poeira dispersa e cabelo são um perigo para as
te, uma quase partícula do grafeno amostras de grafeno.
sempre se desloca com uma velocidade
constante e bastante alta, embora cerca 2 Prepare uma placa de silício oxidado, que vai ajudá-lo a ver as camadas de grafeno em um
microscópio. Para alisar a superfície que vai receber o grafeno e limpá-la completamente,
de 300 vezes menor que a velocidade aplique uma mistura de ácido hidroclorídrico e peróxido de hidrogênio.
da luz. Apesar dessa velocidade reduzi-
da, seu comportamento é muito pareci- 3 renda um oco de rafita em cerca de cm de fita ade i a com in a. o re a fita num
do com o de um neutrino. n u o de rau ara a direita unto ao oco, de modo a a er um andu c e entre o
A natureza relativística das quase ado aderente . re ione o ara ai o cuidado amente e e are a fita em de a ar de
partículas do grafeno não permite que modo ue o a o er ar a rafita e di idindo ua emente em dua arte .
seu funcionamento seja descrito pela
4 Repita o passo 3 cerca de dez vezes.
mecânica quântica não relativística con- Esse procedimento se torna mais difícil
vencional. Os físicos precisaram buscar quanto mais dobras você faz.
então a mecânica quântica relativística,
que agora é conhecida como eletro- 5 Deposite cuidadosamente no silício a
dinâmica quântica. Essa teoria possui amo tra de rafita di idida ue ficou
linguagem própria para a qual é funda- rudada na fita. ando in a á tica ,
pressione suavemente para remover o ar
mental a equação probabilística, assim ue o a ter ficado entre a fita e a
denominada pelo físico inglês Paul A. amostra. Passe a pinça delicadamente,
M. Dirac, que a deduziu pela primeira ma com firme a, o re a amo tra durante
vez nos anos 20. Por isso, os teóricos de minuto . anten a a aca afi ada
frequentemente descrevem os elétrons o re a u er cie en uanto entamente retira a fita. E te
passo deve demorar de 30 a 60 segundos para minimizar as
que se movem no grafeno como quase perdas de qualquer grafeno que você possa ter criado.
partículas de Dirac sem massa.
6 Coloque a placa em um microscópio ajustado com uma
O lente objetiva de 50X ou 100X. Você deve ter uma boa
uantidade de re duo de rafite eda o rande , Grafeno
Infelizmente, a interpretação da ele-
trodinâmica quântica quase sempre brilhantes, de várias formas e cores (imagem superior) e, se tiver sorte, grafeno: formas
cristalinas, altamente transparentes, pouco coloridas se comparadas com o resto da
entra em conflito com a intuição co- placa (imagem inferior). A amostra de cima está ampliada 115 vezes; a de baixo, 200
mum. É preciso estar familiarizado vezes.
com ela, embora nem sempre à vonta-
de ao tratar com seus fenômenos apa- – . . Minkel, rep rter de not cias on line
rentemente paradoxais. Os paradoxos
da eletrodinâmica quântica decorrem
muitas vezes do fato de que as partí- falando, quanto mais precisamente um rios efeitos peculiares. O paradoxo de
culas relativísticas estão sempre acom- evento é determinado no tempo, menos Klein é um bom exemplo. Ele descre-
panhadas de seus alter egos esquisitos: precisa é a quantidade de energia asso- ve as circunstâncias em que um objeto
suas antipartículas. O elétron, por ciada a esse evento. Por isso, em escalas relativístico pode atravessar qualquer
exemplo, forma par com uma antipar- de tempo muito curtas a energia pode barreira de energia potencial, indepen-
tícula chamada pósitron, cuja massa assumir virtualmente qualquer valor. dentemente da altura ou da largura da
é exatamente igual à do elétron, mas Como a energia é equivalente à mas- barreira (ver quadro na pág. 28). Um
sua carga elétrica é positiva. Um par sa, de acordo com a famosa equação tipo familiar de barreira de energia po-
partícula-antipartícula pode aparecer de Einstein E = mc2, o equivalente em tencial são as paisagens com os morros
sob condições relativísticas porque energia da massa de uma antipartícula comuns rodeando um vale. Partindo
a energia gasta para criar um par de pode surgir do nada. Por exemplo, um do vale, um caminhão ganha ener-
“partículas virtuais” é pequena para elétron e um pósitron virtuais podem gia potencial, à medida que sobe por
um objeto com alta energia e alta ve- surgir de repente “emprestando” ener- uma encosta, à custa da energia for-
PETER BLAKE Graphene Industries Ltd.

locidade. Estranhamente, elas surgem gia do vácuo, desde que o tempo de vida necida pelo combustível que o motor
praticamente do nada – do vácuo. das partículas seja tão curto que o défi- consome. Partindo do topo da colina,
A razão desse comportamento é con- cit de energia seja suprido antes que elas no entanto, o caminhão pode descer a
sequência de uma das muitas versões do possam ser detectadas. encosta “na banguela”. A energia po-
princípio da incerteza de Heisenberg, O dinamismo intrigante do vácuo tencial que ele ganha ao subir a encosta
da mecânica quântica: grosseiramente na eletrodinâmica quântica leva a vá- é transformada em energia cinética de

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 29


Tecnologia baseada em grafeno
Considerando que o grafeno está disponível há muito pouco tempo, ainda é cedo para cobrar dos engenheiros quaisquer produtos desenvolvidos
com base nesse mineral, mas a lista de tecnologias prospectivas baseadas nele é longa. Dois exemplos de curto prazo incluem:

Ilha Fonte
Sumidouro
TRANSISTORES COM UM ÚNICO ELÉTRON MATERIAIS COMPOSTOS

Pode-se formar um plano de grafeno em nanoescala Dois ou mais materiais complementares


em um transistor com um único elétron (ou ponto frequentemente podem ser combinados para
quântico). O diagrama (à esquerda, acima) mostra obter as melhores propriedades de ambos.
esquematicamente como dois eletrodos, uma “fonte” Normalmente são utilizados uma matriz
Grafeno Porta
e um “sumidouro” são conectados por uma “ilha” de volumosa e um reforço: pense num barco de
material condutor, ou um ponto quântico, com fi ra de idro com ca co de á tico in etado
Sumidouro Fonte apenas 100 nanometros de extensão. A ilha, que com fi ra de idro re i tente .
a arece no centro da micro rafia e etr nica de e pesquisadores estão testando as propriedades
dispositivo (à esquerda, abaixo) – que aparece físicas de compostos fabricados a partir de
ampliada 40 mil vezes –, é pequena demais para polímeros reforçados com materiais baseados
Ilha acomodar mais de um elétron de cada vez; qualquer em grafeno como o óxido de grafeno, versão
outro novo elétron é mantido afastado por repulsão uimicamente modificada do ra eno, ue
eletrostática. Um elétron da fonte “tunela” duro e resistente. Ao contrário do grafeno, o
quanticamente até a ilha, depois segue “tunelando” “papel” de óxido de grafeno (direita, inserção) é
em direção ao sumidouro. A tensão aplicada a um relativamente fácil de ser obtido e pode, em
terceiro eletrodo chamado de porta (que não breve, encontrar aplicações úteis em
a arece na micro rafia contro a e um nico e tron compostos laminados (direita, fundo). A barra de
entra ou sai da ilha, registrando 1 ou 0. escala tem 1 micrometro de comprimento.

movimento quando o caminhão desce No tunelamento quântico não relati- radoxo de Klein poderia ser testado de
ladeira abaixo em ponto morto. vístico a probabilidade de que a partícu- fato, mesmo que em princípio. As quase
la de baixa energia “tunele” através de partículas de Dirac desprovidas de mas-
TESTANDO COISAS ESTRANHAS uma alta barreira de energia potencial sa do grafeno foram agora recuperadas.
As partículas também podem se deslo- pode variar, mas nunca chega a 100%. A No grafeno, o paradoxo de Klein torna-
car rapidamente “montanha abaixo” probabilidade de tunelamento quântico -se um efeito rotineiro com consequên-
por conta própria, indo de regiões com diminui à medida que a barreira se torna cias observáveis imediatas. Por serem
energia potencial relativamente alta mais alta e mais larga. No entanto, o pa- portadoras de carga, as quase partículas
para outras relativamente baixas. Se radoxo de Klein muda completamente as de Dirac sem massa se deslocam den-
uma “encosta” de alta energia poten- características do tunelamento quântico. tro de um cristal de grafeno através do
cial rodear uma partícula em um “vale” Ele estabelece que partículas relativísti- qual é aplicada uma diferença de tensão

DANIELA NAOMI MOLNAR (ilustração); LEONID PONOMARENKO University of Manchester (micrográfico)


de energia, a partícula estará tão presa cas podem “tunelar” e atravessar regiões ou de energia potencial, o que permite
quanto o caminhão sem combustível em da barreira de alta energia e grande ex- medir a condutividade elétrica do mate-
um vale real. Há uma grande restrição tensão com 100% de probabilidade. Na rial. O tunelamento perfeito (100% de
para essa conclusão tirada da mecânica barreira, as partículas simplesmente for- probabilidade) responde pela resistência
quântica não relativística convencional. mam pares com sua antipartícula gêmea, adicional que seria esperada devido às
Uma segunda versão do princípio de in- que vivem num mundo de cabeça para barreiras e fronteiras extras. Atualmente,
certeza de Heisenberg estabelece que é baixo, no qual as colinas do mundo real os pesquisadores estão medindo o fluxo
impossível saber a posição exata de uma são vistas como vales de antipartículas. dessas partículas em tunelamento atra-
partícula. Por isso, os físicos descrevem Depois de viajar tranquilamente pelo vés de barreiras de potencial de alturas
a posição de uma partícula probabilis- estranho vale no antimundo da barrei- variáveis. Os físicos esperam que o gra-
ticamente. Uma consequência estranha ra, as antipartículas se reconvertem em feno também ajude a demonstrar muitos
é que, mesmo que uma partícula de partículas do outro lado e surgem sem outros efeitos esquisitos previstos pela
baixa energia possa parecer “presa” nenhum impedimento. Mesmo para eletrodinâmica quântica.
em uma alta barreira, existe alguma muitos físicos essa hipótese da eletrodi-
probabilidade de que depois ela seja nâmica quântica parece conflitar bastan- PLANOS OU ENROLADOS
encontrada fora dessa barreira. Se isso te com a intuição. É muito cedo para fazer uma avalia-
acontecer, essa passagem mágica atra- Uma hipótese bizarra como essa ção completa das inúmeras aplicações
vés da barreira de energia é chamada merece ser testada, embora por muito tecnológicas do grafeno. Porém, mais
de tunelamento quântico. tempo não tenha ficado claro se o pa- de uma década de pesquisas sobre os

30 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


similares às comumente encontradas fim inevitável dessa contínua miniatu-
na indústria de semicondutores. rização foi anunciado várias vezes. A
Enquanto isso os engenheiros do fantástica estabilidade e condutividade
mundo todo estão se esforçando para elétrica do grafeno, mesmo em esca-
explorar as propriedades físicas e ele- las nanométricas, poderiam permitir
trônicas do grafeno (ver quadro na pág. a produção de transistores individuais
30). Sua alta relação superfície-volume, com menos de 10 nanometros de ex-
por exemplo, poderia torná-lo muito tensão e talvez até chegar às dimensões
útil na manufatura de materiais com- de um único anel de benzeno. Nessa
postos robustos. A espessura extrema- longa escalada, podem-se visualizar
mente fina do grafeno também poderia circuitos integrados inteiros, esculpi-
levar a emissores de campo mais eficien- dos em uma única folha de grafeno.
tes – dispositivos em forma de agulha O que quer que o futuro nos reserve,
que liberam elétrons na presença de é quase certo que o mundo maravilhoso
campos elétricos intensos. com um átomo de espessura permane-
As propriedades do grafeno po- cerá no foco das atenções pelas próxi-
dem ser ajustadas mediante a aplica- mas décadas. Os engenheiros continua-
ção de campos elétricos, que permiti- rão a trabalhar para introduzir novos
riam a construção de supercondutores subprodutos inovadores no mercado,
1 micrometro e de transistores magnetoeletrônicos e os físicos, a testar suas propriedades
– sensores de campo magnético – mais quânticas exóticas. Mas realmente fas-
sofisticados, assim como detectores cinante é perceber que toda essa riqueza
químicos supersensíveis. Filmes finos e complexidade permaneceram escondi-
produzidos de camadas superpos- das durante séculos em cada traço feito
tas de grafeno parecem promissores por um lápis comum. n

nanotubos de carbono – grafeno enro- quando utilizados como um revesti-


TIRADO DE “PREPARATION AND CHARACTERIZATION OF GRAPHENE OXIDE-BASED PAPER”, POR DMITRIY A. DIKIN ET AL., EM NATURE, VOL., PÁG. 448, 2007.

lado – colocou o grafeno na vanguarda mento transparente e condutor em te-


OS AUTORES
das pesquisas. Não é exagero pensar las de cristal líquido e células solares.
Andre K. Geim e hilip im são físicos especia-
que praticamente todas as aplicações Esperamos que algumas aplicações listas em matéria condensada que nos ltimos
viáveis previstas para os nanotubos possam atingir vários nichos do mer- anos vêm investigando as propriedades da nano-
também podem ser aplicadas ao seu cado em poucos anos. escala com um átomo de espessura em materiais
cristalinos bidimensionais . eim é membro da
primo plano. Indústrias de alta tec- Ro al ociet e professor de física da Universit
nologia estão investindo em algumas UMA TRÉGUA PARA of anchester na nglaterra. le também é diretor
aplicações comerciais. Para atender OO do Centro de esoci ncia e anotecnologia da
mesma universidade. eim obteve seu h. . no
à demanda será necessário produzir Uma direção a ser seguida pela enge- nstituto de ísica do stado ólido em Chernogo-
grafeno em escala industrial, e vários nharia merece destaque: a eletrônica lov a R ssia. im é membro da ociedade Ame-
grupos de pesquisa tecnológica já es- baseada em grafeno. Neste material, ricana de ísica obteve seu doutorado na arvard
Universit e é professor adjunto de física da Co-
tão empenhados no desenvolvimento os portadores de carga se movem com lumbia Universit . uas pesquisas se concentram
de técnicas aprimoradas de produção. alta velocidade e perdem relativamen- em processos qu nticos de transporte elétrico e
Embora o pó de grafeno já possa ser te pouca energia no espalhamento ou térmico em materiais em nanoescala
produzido em quantidades industriais, colisões com átomos do plano do cris-
PARA CONHECER MAIS
o grafeno em folhas ainda é difícil de tal. Essa propriedade poderia permitir
raphene e ploring arbon atland A. . eim
ser produzido e deve estar entre os a construção de transistores balísticos, e A. . ac onald em Physics Today vol. págs.
materiais mais caros do planeta. Hoje, dispositivos de frequência muito alta agosto de .
um pequeno cristal de grafeno separa- que têm uma resposta bem mais rápida he rise o graphene A. . eim e . . ovoselov
do micromecanicamente, menor que que os transistores atuais. em Nature Materials vol. págs. .
a espessura de um fio de cabelo, custa Ainda mais fascinante é a possibili- le trons in atomi all thin arbon sheets beha-
ve li e massless parti les ar ilson em Phy-
mais de US$ 1 mil. Grupos de pesqui- dade de que o grafeno possa ajudar a sics Today vol. págs. janeiro de .
sa na Europa e em diversas instituições indústria microeletrônica a prolongar ra ing on lusions rom graphene Antonio
americanas – o Georgia Institute of Te- a vida da lei de Moore. Gordon Mo- Castro eto rancisco uinea e uno iguel e-
chnology, a University of California, a ore, pioneiro da indústria eletrônica, res em Physics World vol. págs. novem-
bro de .
Berkeley University e a Northwestern mostrou, há cerca de 40 anos, que o
Grupo de física mesoscópica de Andre K. Geim da
University, entre outras – desenvolve- número de transistores que podem ser Universit of anchester .graphene.org
ram o crescimento de películas de gra- comprimidos em uma dada área dobra rupo de pesquisa de hilip im da Columbia Uni-
feno em placas de carboneto de silício a cada 18 meses aproximadamente. O versit pico.ph s.columbia.edu

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 31


CA

O refinado
instrumento humano
A julgar pelo tamanho nosso sistema fonador não
surpreende como instrumento musical. Como então os
cantores conseguem emitir sons tão impressionantes

POR INGO R. TITZE

O
aparelho fonador humano não Por mais de meio século, cientistas ex- entendida como tom, juntamente com
seria muito aclamado se os fa- plicaram a capacidade da voz para criar frequências mais altas que definem o tim-
bricantes de instrumentos o equi- sons citando a chamada teoria linear bre (a “cor”do
Timbre
parassem a instrumentos tradicionais de acústica da palavra (discurso), em que a Característica fisiológica som); um ou
uma orquestra. Organizados por tama- fonte sonora e o ressonador (ou amplifi- do som que torna distintos mais ressonado-
nho, por exemplo, a caixa vocal (larin- cador) trabalham de forma independente. para o ouvinte sons de res que conver-
mesma altura mesma fre-
Laringe ge) – e a via aérea Fonte sonora Mas, hoje em dia, qu ncia emitidos por ins- tem a frequência
Conduto musculocarti- onde ela se en- todo material ou cor- sabe-se que as inte- trumentos diferentes mes- f u n d a m e n t a l
laginoso com revesti- contra – ficaria, po que produ refor- mo que esses sons tenham aumentando a
ça ou emite o som.
rações não lineares
mento interno mucoso a mesma intensidade.
situado imediatamente acompanhada do – aquelas em que intensidade da
acima da traqueia flautim, entre os fonte e ressonador se alimentam mutua- sua vibração; e
comunicando se na menores produ- mente – desempenham papel crucial na uma superfície ou orifício propagador
parte superior com a
faringe tem por fun- tores de música geração dos sons vocais. Essas desco- que libera os sons no ar até chegarem aos
ção entre outras inter- mecânicos. Ainda bertas possibilitaram esclarecer como os ouvidos do receptor.
vir no mecanismo da assim, cantores grandes intérpretes criam sons. Considerando um trompete, os lábios
fonação e evitar a
penetração de alimen- experientes com- de um músico vibram
to na traqueia. petem em pé de TECLAS QUE PRODUZEM MÚSICA conforme o ar inflado Trompete
igualdade com to- Aparentemente, encontramos imperfei- nos pulmões é soprado nstrumento musical de
dos os instrumentos criados pelo homem ções estruturais e operacionais em todas entre eles em um bocal sopro de metal com
embocadura e tubo
e, até mesmo, com orquestras inteiras. as partes do aparelho vocal humano. com formato cônico cilíndrico alongado que
Estudos recentes sobre como nossa Para produzir música um instrumento para criar uma frequ- termina em pavilhão
voz pode gerar uma impressio- necessita de três ência fundamental e di- c nico. á o trompete
parelho vo al humano liso que produ ape-
nante variedade de sons durante componentes bá- versas frequências mais nas a série harm nica
Corresponde a todos os meca-
o canto revelaram uma surpreen- nismos que servem para produ- sicos: uma fonte altas, conhecidas como de uma nota fundamen-
dente complexidade no comporta- ir a vo . corpo humano não geradora que vi- tal e o trompete cromá-
Frequência tico trompete de pis-
mento dos elementos do aparelho dispõe de nenhum órgão espe- bre para criar uma tons ou simplesmente
cífico para isso mas utili a um mero de oscilações ou
vocal e no modo como interagem. conjunto de órgãos chama- frequência que é de vibrações reali adas na pistom instrumento
do aparelho fonador. unidade de tempo. dotado de pistons.

32 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


som harmônico. Os
tubos metálicos do
instrumento atuam
como ressonadores, e a
expansão da abertura da
campânula irradia o som.
Os trompetistas
Intensidade
a qualidade fisiológica alteram a frequên-
pela qual diferenciamos cia fundamental
os sons fracos dos sons movendo a tensão
fortes também conheci-
da como intensidade labial e pressio-
auditiva ou sonora ou nando as válvulas,
ainda nível sonoro do mudando assim o
som. epende da ener-
gia transportada pela comprimento efe-
onda sonora e pode ser tivo dos tubos. Se
calculada fisicamente. preferir, considere
um violino: as cor-
das vibram para criar tons, a cavidade
de ar central e o corpo de madeira pro-
Campânula
duzem a ressonância, e os orifícios em aída do trompete responsá-
forma de “efe” no tampo ajudam a pro- vel pela amplificação do som.
pagar o som no ar.
AARON GOODMAN

INCRIVELMENTE FLEXÍVEL a vo humana


produz sons ricos e complexos tanto quanto
os instrumentos musicais convencionais, mas
com um equipamento bem menor

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 33


Um cantor utiliza as pregas vocais vi- não seria persuadido: a passagem de
bratórias pressionando o ar através delas ar típica se estende de 15 a 20 cm aci- Como os Instrumentos
para gerar frequências sonoras. Pregas ma da laringe, e de 12 a 15 cm abaixo
vocais são dois aglomerados de tecido dela, não superando a extensão de um
Produzem Música
especializado, chamados, às vezes, de flautim. O resto do corpo contribui
VIOLINO
cordas vocais, que sobressaem como muito pouco ou nada. Os instrumen-
um bolso das paredes da laringe. Elas tos de sopro que se aproximam dos
geram uma frequência fundamental os- tons criados pela voz humana (trom-
Cravelhas
cilando com rapidez enquanto se jun- bones, trompetes, fagotes) em geral afinadores
tam, separam-se e tornam a se juntar. A contêm tubos muito mais longos; por
glote (espaço entre as pregas) abre e fe- exemplo, desenroladas, a campânula e
cha. O vestíbulo laríngeo, uma via aérea a válvula de um trompete têm cerca de
logo acima da laringe, atua como o bo- 2 metros, e as do trombone, quase 3. Braço
cal do trompete para combinar o som
à parte remanescente do ressonador, DESENHO DA FONTE
conhecido como trato vocal. Os lábios Para entender como a Natureza criou
irradiam o som para o exterior, como pregas vocais que superaram as expec- Ponte ou
a campânula do trompete. Examinando tativas de desempenho, fabricantes de cavalete
as pregas vocais, que juntas são do ta- instrumentos consideraram antes algu-
manho de uma unha do polegar, produ- mas exigências básicas para as fontes
tores de instrumentos não descobririam sonoras. Para uma palheta ou uma cor-
seu potencial para aprimorar a música da sustentarem sua vibração, devem ser
de orquestra. Além do tamanho redu- feitas de material elástico que recupera
zido, uma objeção imediata é o fato de a forma original depois de deformado.
parecerem macias e esponjosas demais A elasticidade é mediada por sua dure-
para sustentar uma vibração e assim za (ou, nesse caso, flexibilidade) ou por
criar uma variedade de tons. sua tensão; a palheta apresenta rigidez
A Natureza, a cria- flexível; a corda vibra sob
dora de instrumentos iapasão tensão. Em geral, a rigidez ou
biológicos, talvez res- Instrumento gerador de a tensão de uma fonte sono-
audiofrequ ncias consti-
pondesse que, embora tuído por uma haste de ra determina a frequência na
as pregas sejam pequeni- metal cuja frequ ncia proporção de sua raiz qua-
nas, as vias aéreas con- própria de vibração pode drada. Assim, para fazer uma
ser excitada por um
seguem produzir resso- impulso ou por um siste- corda de aço de um determi-
nância suficiente para ma oscilante acoplado nado comprimento dobrar a
amplificar consideravel- haste. diapasão costu- sua frequência (aumentando
ma ser usado para afinar
mente o som da laringe. vozes e instrumentos o diapasão em uma oitava),
Mas aqui também o pro- musicais emitindo uma será preciso quadruplicar sua
dutor de instrumentos onda sonora de frequên- tensão. Essa exigência, evi-
cia conhecida.
musicais provavelmente dentemente, pode limitar a exemplo, a frequência de vibração do-
variedade de frequências que bra. Para produzir uma ampla gama de
seriam facilmente obtidas alterando a frequências, um único instrumento mu-
ROQUEIRO
ESTRIDENTE
rigidez ou a tensão da fonte. sical costuma usar várias cordas. As-
famoso por seus Felizmente, um músico também sim, os instrumentos de corda possuem
gritos pode alterar a frequência de vibração três mecanismos distintos para mudar
melodiosos, o de uma fonte sonora alongando ou de frequência: alterar a extensão da
vocalista do encurtando o elemento vibrante. Ao corda, modificar sua tensão, ou mudar
erosmith
teven ler usa
vibrar uma corda, por exemplo, as fre- de corda. Quem toca instrumentos de
um grande quências são inversamente proporcio- corda normalmente determina a ten-
número de nais à extensão do segmento vibrante. são girando as cravelhas que fixam as
STEVE DIBBLEE iStock Photo

e eitos não Ao pressionar uma das extremidades cordas; as cordas mantêm uma tensão
lineares em suas da corda com o dedo, um músico se- constante, entre suas extremidades. Os
vo ali aç es
para atingir a
leciona diferentes frequências. Se a ex- instrumentistas raramente conseguem
sonoridade tensão oscilatória da corda for cortada manipular a tensão e o comprimento
extrema. ao meio sem a mudança de tensão, por ao mesmo tempo.

34 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


APARELHO
FONADOR HUMANO

Praticamente todos os instrumentos musicais,


biológicos ou feitos pelo homem, apresentam
três elementos básicos:
●1 uma fonte geradora que ao vibrar cria
uma determinada frequência funda-
mental (o tom) e as frequências har-
mônicas correspondentes (múlti-
plos integrais da frequência
á ica , ue definem o tim re, a
“cor” do som; ● 2 um ressonador
ue am ifica a re u ncia unda-
mental e seus harmônicos; e ● 3 ●
3 PROPAGADOR
um radiador que permite que o (boca)
som seja levado pelo ar até os ou- Cavidade oral
vidos do ouvinte ou receptor.
Faringe
(garganta)

1 FONTE GERADORA (cordas)


2 RESSONADOR

2 RESSONADOR (tampo) Laringe (via aérea)


1 FONTE GERADORA
(pregas vocais da laringe)
●3 PROPAGADOR (orelhas ou “efes”)
Traqueia

A PEQUENA FONTE CAPAZ para obter um ganho máximo de fre- ponente é um ligamento que se parece
Em contraste, para “tocar” as pregas quência é necessário aumentar a tensão com uma corda, motivo pelo qual as
vocais humanas, os cantores precisam (isto é, o estresse tensor ou tensão por pregas são chamadas popularmente de
fazer o que nenhum instrumento de área de seção transversal) ao diminuir o “cordas”. Cientistas demonstraram em
corda é capaz: variar a extensão e a comprimento. Essa resposta exigiria um testes biomecânicos que o estresse nes-
tensão do elemento vibrante e, simul- material incomum, pois se ligamento aumenta de
taneamente, trocar de frequência. Em a maioria dos materiais Biomecânicos modo não linear quando
ão os estudos dos fundamen-
lugar de comprimir as pregas vocais aumenta a tensão (es- tos mec nicos das atividades pouco esticado; ele pode
com o dedo, o cantor reduz sua exten- tresse) somente quando biológicas em especial as virtualmente vacilar quan-
esticados. Imagine um musculares. A biomec nica do curto, mas mantém-se
WireImage/Getty Images (Tyler); ADAM QUESTELL (ilustração)

são usando a musculatura para alterar


além de ser atualmente uma
suas extremidades. Mas afinal, deve- elástico que se ajusta ao ci ncia com laboratórios espe- incrivelmente tenso quan-
CORTESIA DE INGO R. TITZE (Titze); GEORGE PIMENTEL

mos estender ou encurtar as pregas ser esticado. Portanto, cíficos e diversos níveis de do estendido. Por exem-
vocais, para aumentar a frequência? tensão e comprimento pesquisa nas universidades plo, esticando-o de 1 para
é também uma especialidade
Há uma argumentação para cada tipo concorrem para mudan- e uma disciplina oferecida apenas 1,6 cm, ele pode
de ajuste. Pregas vocais longas vibram ça de frequência. pelos cursos superiores de aumentar seu estresse in-
em uma frequência mais baixa, mas A Natureza resolveu educação física fisioterapia e terno à razão de 30, resul-
terapia ocupacional.
pregas mais tensas vibram em frequ- esses problemas criando tando numa mudança de
ências elevadas. as pregas vocais com um frequência média de mais
A equação física que descreve a fre- elemento de três partes que apresenta de 5 por 1 (lembre-se da relação com a
quência de uma corda sob tensão, fi- propriedades não encontradas em cor- raiz quadrada mencionada anteriormen-
xada nas extremidades, estabelece que das e instrumentos comuns. Um com- te). Contudo, o aumento de 60% no

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 35


vocais, mesmo quando a própria prega
Como Funcionam as Pregas Vocais encurta. Cerca de 90% do volume das
Diferentemente das cordas de violino, a fonte geradora humana – as pregas vocais pregas vocais são de tecido muscular.
localizadas na laringe – apresenta uma estrutura complexa em três partes que nos Em sua essência, a Natureza solucio-
permitem produzir diversas oitavas de frequência. No centro de cada prega há um nou amplamente o problema da ento-
ligamento parecido com uma corda (corte transversal). Na parte interna dos ligamentos nação criando um grupo de cordas em-
á m cu o contrátei reco erto or uma mem rana muco a a tante e e . ada parelhado, em forma de um laminado,
componente agrega uma habilidade especial ao todo. A tensão do ligamento aumenta no qual algumas camadas apresentam
rapidamente com o alongamento (por músculos que movimentam as cartilagens anexas
propriedades contráteis e outras, não.
às pregas), o que facilita a produção de frequências mais altas. O músculo da prega
Mas como esse tecido complexo pode
vocal pode aumentar a tensão à medida que se contrai, gerando uma variação de
re u ncia ainda maior. A u er cie macia e e e da mem rana e terior,
ser mantido em vibração se não pode
que oscila como uma bandeira ao vento com a passagem do ar ser tocado com o arco nem dedilhado,
soprado pelos pulmões, transfere ao ar sua energia vibratória, repetidas vezes, no interior da laringe?
dando origem às ondas sonoras. A única fonte de energia disponível
para deformar as pregas e, dessa forma,
induzir a vibração – como o vento que
passa pelo tecido de uma bandeira a faz
LARINGE VISTA
Fluxo de ar
DA BOCA tremular – é o ar dos pulmões. Um mús-
Pregas culo e um ligamento apenas seriam
vocais
rígidos demais para produzir essas vi-
LARINGE brações com a passagem do ar por
sua superfície. Para que ocorra
a devida oscilação provoca-
da pelo ar é necessário ha-
Ligamento
ver um tecido de superfície
Pregas vocais
sculo macia e flexível, capaz de
Membrana responder ao fluxo de ar
mucosa
gerado pelas ondas seme-
lhantes àquelas formadas
CORTE
Glote
TRANSVERSAL pelo vento na superfície do
DAS PREGAS oceano. E, de fato, as pregas
VOCAIS
apresentam uma terceira cama-
da, uma membrana mucosa que se
estende sobre a combinação músculo-
-ligamento, para exercer essa função
de transferência de energia. Essa mu-
comprimento reduz a taxa de vibração, cosa, que consiste em uma pele bem fina
levando a uma frequência média real (epitélio) recoberta por uma substância
de volta para a casa dos 3 por 1, uma parecida com um fluido, é facilmente de-
oitava e meia em termos musicais. A formável e capaz de resistir à chamada
maioria de nós fala e canta nessa varia- onda de superfície. Meus colegas e eu de-
ção de frequência, mas muitos cantores monstramos matematicamente que essa
conseguem produzir até quatro a cinco onda formada pelo fluxo de ar sustenta
oitavas, feito ainda considerado extra- vibração. O movimento sobreposto, em
ordinário pelos cientistas. forma de laço, costuma fazer com que
BETTMANN/CORBIS (Merman); ADAM QUESTELL (ilustração)

o tecido pareça dobrado de baixo para


CORDAS COMPLEXAS cima, daí o nome “pregas vocais”.
A ESTRELA DA BROADWAY thel erman A biologia descobriu um segundo
antava om tamanho vigor e om modo para ampliar a variação da ento- TOCANDO AS PREGAS VOCAIS
pronún ia e entonação tão per eitas que nação das pregas vocais, incluindo um Mas como tocar esse aparelho de três
dispensava amplifi adores
distintiva vo eminina ganha
material capaz de aumentar a tensão níveis em diferentes oitavas para pro-
ressonância na reatância inerte do trato conforme elas encurtam, chamado te- duzir uma única frequência? Somente
vocal (ver quadro na pág. acima), que cido muscular. A contração interna das com muita experiência e destreza. Efei-
amplifi a a segunda requ n ia fibras musculares pode aumentar a ten- tos caóticos sempre surgem no pano de
harm ni a o dobro da undamental são entre as extremidades das pregas fundo durante vocalizações conforme as

36 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


frequências múltiplas naturais (vibração pelo uso exagerado ou insuficiente da
livre) competem nesses tecidos por do- O musculatura das pregas vocais para re-
minância. Essa competição pode resultar Se o nosso organismo fosse um gular a tensão. Cantores usam o registro
em uma mudança de tom inesperada, ou instrumento como um todo, seria artisticamente para apresentar dois sons
na rusticidade do som. Para tons mais equivalente em tamanho a um baixo contrastantes para o receptor, como ao
baixos e volumes de som de moderado duplo. Mas boa parte do corpo humano cantar a tirolesa. Porém, quando um
em nada contribui para a produção de
a alto, o cantor aciona o músculo das som – nem o tórax, nem as costas, nem
cantor muda de registro, involuntária ou
pregas vocais e coloca todas as camadas a barriga, nem o quadril, nem as pernas. acidentalmente, pode gerar constrangi-
para vibrar. As pregas vocais são curtas, Todos os sons se originam na caixa de mento, já que o descuido sugere a falta
e a tensão muscular influencia a entona- voz (laringe) e nas vias aéreas. de controle do instrumento do cantor.
ção amplamente. Nesse caso, a mucosa
e o ligamento estão relaxados e servem VIA AÉREA RESSONANTE
principalmente para propagar as ondas de superfície. Não é difícil imaginar o Nos instrumentos musicais, o ressona-
de superfície desejadas para autossusten- complexo sistema de controle e de iner- dor, em grande parte, determina o ta-
tar a oscilação. Para reduzir o volume vações da musculatura laríngea necessá- manho do instrumento; já os cantores
desses tons, o músculo não vibra, sendo rio para ajustar a tensão, para produzir devem se resolver com um ressonador
usado apenas para ajustar o comprimen- a frequência e o nível de volume deseja- minúsculo. No entanto, o ressonador
to da prega vocal. É a elasticidade com- dos. A musculatura da laringe externa às humano trabalha efetivamente, apesar
binada da mucosa e do ligamento que pregas vocais coordena com precisão as de suas conhecidas limitações. Em um
determina a frequência. alterações no comprimento da prega vo- instrumento musical, tampos, pratos,
Para criar tons altos, o cantor alon- cal. Durante essas complicadas manipu- tímpanos, cornetas ou tubos, em ge-
ga as pregas vocais; o ligamento se ten- lações, a qualidade da voz pode mudar ral, atuam para reforçar e amplificar
siona sozinho definindo a frequência, de repente, fenômeno conhecido como as frequências que a fonte produz. No
enquanto a mucosa transporta a onda registro. Ele é criado em grande parte violino, por exemplo, as cordas pas-

omo a ia A rea onadora Am ificam o Som


Os cantores usam um processo não inear de realimentação de energia no vestíbulo laríngeo (a via aérea acima da laringe) para ressonar
ou am ificar on rodu ido e a re a ocai . E e roce o, c amado reat ncia inerti a, ocorre uando o cantore criam
condições especiais no vestíbulo para proporcionar um impulso extra, perfeitamente marcado para cada abertura e fechamento cíclico das
pregas que propagam sua vibração, criando ondas sonoras potentes.
O impulso surge quando a movimentação da coluna de ar no vestíbulo se atrasa em relação ao movimento das pregas vocais. Quando
elas começam a se separar no início de uma oscilação (1), a corrente de ar originada nos pulmões sopra no espaço formado entre as
pregas, pressionando a coluna de ar imóvel no vestíbulo. A inércia da coluna de ar estacionária eleva a
pressão de ar na glote, que afasta ainda mais as pregas (2). Então, os pulmões começam a acelerar a subida Vácuo parcial
da massa de ar. Conforme a coluna de ar se move, o recuo elástico das pregas as induz a se juntarem ressão inferior pres-
no amente ara ec ar a ote, cortando o u o de ar u monar (3). Essas respostas deixam um vácuo são atmosférica. vácuo
é um espaço imaginário
parcial na glote, que age fechando as pregas à força (4). Dessa forma, como um impulso ritmado para ou real não ocupado por
balançar uma criança, a reatância inertiva – ação puxa-empurra – do ar no vestíbulo laríngeo aumenta cada coisa alguma va io .
balançar das pregas vocais, criando a ressonância.

ABERTURA DA GLOTE FECHAMENTO DA GLOTE

Ar em
movimento
Coluna de ar
estacionária

ressão ressão
estíbulo em elevação em queda
laríngeo


1 ●
2 Fechamento ●
3 ●
4 Laringe
Pregas das pregas
vocais
Abertura
ADAM QUESTELL

das pregas iminuição


lote
Aumento do u o de ar
do u o de ar
Alta pressão

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 37


Bocas Grandes
e Bocas Pequenas Prega
vocal
MEGAFONE
Atuando como um tubo ressonador, o trato
vocal adota certos formatos para melhor
projetar alguns tons e sons harmônicos estíbulo
Traqueia da laringe Boca
ressonantes. Para emitirem notas altas
potentes, cantores líricos sempre abrem a boca
ao má imo. E a con ecida confi ura o de
megafone lembra um trompete, com as pregas
vocais e o vestíbulo servindo de “lábios e
MEGAFONE INVERTIDO
bocal”, e a boca, de “corneta”. Outros estilos de
rega vocal
canto são mais bem realizados quando o trato
vocal adota um formato de megafone invertido
– isso é, com a boca estreitada (abaixo).
estíbulo
Traqueia da laringe Boca

ons harm ni os
uando um instrumento
emite determinada nota
diversos sons de frequên-
cias m ltiplas se superpõem
para constituir essa nota.
esses sons o de menor sam sobre um suporte, A menor frequência que pode ser resso-
frequência constitui o som a ponte ou o cavalete, nada é de cerca de 500 hertz (ciclos por
fundamental e os demais
com frequ ncias m ltiplas que separa as cordas do segundo – metade disso quando certas
são os sons ham nicos. tampo, cuidadosamen- vogais são cantadas, como u ou i). Como
te criado para vibrar o trato vocal é um tubo ressonador pra-
amigavelmente em muitas das mesmas ticamente fechado em uma das extre-
frequências naturais que as cordas po- midades, suas frequências ressonantes
dem produzir, passando a amplificá- incluem apenas os múltiplos primos
-las. A massa de ar entre a chapa do inteiros (1, 3, 5...) da menor frequência
fundo e a do tampo também consegue de ressonância. Portanto, esse pequeno
oscilar nas mesmas frequências naturais tubo pode ressonar simultaneamente
das cordas. Em muitos instrumentos de apenas os harmônicos primos de uma
sopro de latão e de madeira, a vara (com frequência original de 500 Hz (500 Hz,
suas válvulas) é concebida para coincidir 1.500 Hz, 3.500 Hz...).
com muitas das frequências originais, in- E, como o trato vocal não pode alte-
dependentemente do tom executado. rar o comprimento do tubo com válvulas
Como a lei da física determina que ou varas (senão por uns poucos centíme-
todos os sons uniformes (contínuos) são tros projetando o lábio ou baixando a la-
compostos de frequências originais espa- ringe), ao que parece, nosso ressonador
çadas em harmonia – significando que deveria estar irremediavelmente restrito
todas as frequências originais são múlti- em suas possibilidades de ação.
plos inteiros (2:1, 3:1, 4:1...) da funda-
mental –, o ressonador deve sempre ser RESSONANDO UM TUBO CURTO
IRA NOWINSKI Corbis (Sutherland); ADAM QUESTELL (ilustração)

amplo para acomodar esses grandes in- Mais uma vez, estudos recentes indicam
tervalos de frequência. Essa lei da física que os efeitos não lineares vêm em nos-
determina que a campânula do trompete so socorro. Desta vez é uma interação
tenha de 1,2 a 2 metros de comprimento, não linear entre os elementos do apa-
DAME oan utherland sabia que os tubos do trombone se estendam por relho. Em lugar de amplificar cada har-
algumas vogais não podem ser usadas
quando se cantam certos tons. A
3 a 9 metros, e os tubos da tuba desen- mônico com uma ressonância específi-
soprano australiana substituiu algumas rolados meçam de 3,7 a 5,2 metros. A ca do corpo principal do instrumento
das vogais na letra de certas óperas Natureza foi econômica com o tamanho (como ocorre, por exemplo, nos tubos
hegando a ponto de pronun iar as do ressonador. O porte total de uma via de diferentes tamanhos de um órgão,
palavras erradamente para melhor aérea humana sobre as pregas vocais tem em que cada um ressona certos harmô-
adequ las entonação desejada
apenas cerca de 17 cm de comprimento. nicos), nosso curto trato vocal propaga

38 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


um aglomerado de harmônicos simul- to, a faringe (parte da garganta situada
taneamente, usando um processo de LINEAR X NÃO LINEAR logo atrás da boca e da cavidade nasal)
realimentação de energia. O trato vocal Estudiosos da voz costumavam explicar é expandida o máximo e a boca se fecha.
pode armazenar energia acústica em o desempenho do sistema fonador Essa configuração se parece com a pro-
uma parte do ciclo vibracional e jogá-lo humano em termos de efeitos lineares, núncia da vogal / u /. A técnica do mega-
isto é, aqueles em que os resultados de
de volta para a fonte em outro interva- fone invertido é ideal para cantoras líricas
uma função são proporcionais às
lo mais vantajoso. Na verdade, o trato entradas e, assim, podem ser que queiram cantar no meio do espectro
vocal dá um “empurrãozinho” em cada representados em uma linha Pesquisas de sua entonação. O treinamento clássico
ciclo da oscilação das pregas vocais de mais recentes mostraram que o sistema envolve encontrar mais regiões da varia-
forma a aumentar a amplitude das vi- fonador humano se comporta não ção de canto em que o trato vocal ofere-
linearmente: pequenas alterações
brações. Como para empurrar alguém ce reatância inertiva para as frequências
podem produzir efeitos despropor-
em um balanços no parquinho, esse ci- ciona mente i nificati o . da fonte, em todos os tons e para várias
clo de empurrões são impulsos cuidado- vogais diferentes. O treinamento ainda
samente compassados para incrementar inclui colocar um “anel” na voz, o que é
a amplitude (distância percorrida) das Ainda assim, o trato vocal não se obtido por uma combinação entre o es-
oscilações do balanço. comporta automaticamente nessa for- treito vestíbulo e a ampla faringe.
O tempo ideal do impulso é alcan- ma inertiva em todos os tipos de voca- Professores de canto usam termos
çado quando o movimento da coluna lização. A tarefa de um cantor é ajustar como “cobrir” a voz ou “remontá-la”
de ar no tubo é atrasado em relação ao o formato do trato vocal (selecionan- para descrever o processo de escolha
movimento das pregas vocais. Os cien- do com cuidado as vogais melodiosas da vogal exata para determinado tom,
tistas afirmam que a coluna de ar apre- favoráveis) de modo a experimentar a de forma que a maioria das frequên-
senta reatância inertiva – termo usado reatância inertiva durante grande parte cias da fonte experimentem a reatância
em analogia às reatâncias capacitiva, da variação de tom – missão nada fácil. inerte. Os estilos de canto estão base-
indutiva etc; no caso, para caracteri- ados no que a biologia humana pode
zar uma resposta lenta ou atrasada à BOCA MEGAFONE oferecer para produzir um instrumento
pressão aplicada, por causa da inér- Estilos de canto diferentes utilizam dis- acústico eficiente. Pesquisadores que
Inércia
cia. A reatância tintos formatos do trato vocal para ti- estudam os elementos do aparelho
Resistência que todos os inertiva ajuda a rar proveito máximo da reatância iner- fonador humano e as maneiras inusi-
corpos materiais opõem manter a oscila- te. Ao produzir uma vogal de som /æ/ tadas como ele funciona estão acumu-
modificação do seu
estado de movimento.
ção das pregas (como no inglês mad), o trato vocal se lando um conhecimento ainda maior
vocais induzida aproxima do formato de um megafone. sobre como os cantores atingem a per-
pelo fluxo(ver quadro na pág. 37). Um pequeno corte transversal da glote feição de sua arte. Assim, cientistas e
Quando as pregas vocais se afastam é combinado a uma grande abertura da cantores se beneficiarão da contínua
no início de um ciclo vibratório, o ar dos boca (ver quadro na pág. ao lado). Os cooperação e estudo. n
pulmões flui pelo espaço da glote entre cantores podem conseguir uma reatân-
elas, e começa a empurrar o ar estacio- cia elevada como 800 ou 900 Hz para O AUTOR
nário na coluna localizada logo acima homens e 20% maior para mulheres. Ingo R. Titze líder mundial em pesquisa científica da
do vestíbulo da laringe. A pressão do ar Ao menos duas fontes de frequências vo humana já publicou mais de artigos sobre
o tema. Atualmente é professor emérito do eparta-
dentro e acima da glote aumenta con- harmônicas conseguem atingir a reatân- mento de atologia da ala e Audiologia da Universit
forme a coluna de ar ascende, para per- cia inertiva com tons consideravelmente of Iowa Foundation e diretor do Centro Norte-Ameri-
mitir que o ar renovado se espalhe por elevados e diversos outros para tons in- cano da o e da ala .ncvs.org do Centro de
Artes C nicas de enver. it e h. . em física pela
trás dela. Esse aumento de pressão afasta feriores. Esse fato demonstra que uma righam oung em dá aulas de canto e inter-
as pregas ainda mais. Quando o recuo estratégia do cantor para alcançar notas preta em diversos estilos incluindo ópera musicais
elástico impulsiona as pregas de volta da altas é abrir a boca o máximo possível, da road a e m sica pop.
parede, a glote se fecha e o fluxo de ar como se esbravejando ou chamando al-
através dela cessa. Por causa da inércia, guém. Quando o trato vocal adota essa PARA CONHECER MAIS
no entanto, a coluna de ar continua a se configuração de megafone, ele se apro- he ph si s o musi al instruments . . letcher
e . . Rossing. pringer .
mover para cima, deixando um vácuo xima do formato de um trompete cor-
Principles of voice production. Reimpressão. . R.
parcial no interior e sobre a glote, que tado (sem tubo nem válvulas, mas com it e. ational Center for oice and peech .
atua aproximando ainda mais as pregas. uma campânula, ou vara). .ncvs.org
Assim, como um empurrar bem ritmado Uma estratégia alternativa para am- Vocal tract area functions from magnetic resonan-
de um balanço de criança, a reatância pliar a vibração da prega vocal com rea- ce imaging. . tor . it e e . offman em Jour-
nal of the Acoustical Society of America vol. no
inertiva do ar no trato vocal amplifica tância inerte é adotar o chamado formato págs. .
cada ir e vir das pregas vocais, com um de megafone invertido, no qual o vestíbu- ousti s stems in biolog eville . letcher.
movimento de puxa-empurra. lo da laringe, o “bocal”, é mantido estrei- ford Universit ress

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 39


RA A

O jogo dúbio que


envolve demografia
e poluição
A reversão do aumento do n mero de seres humanos é a
estratégia mais essencial e ignorada para atingir um equilíbrio
duradouro com o ambiente. Ao contrário da opinião corrente
controle populacional não é necessário

POR ROBERT ENGELMAN

E
m uma era de mudanças climá- cultiva encostas tão íngremes que corre o rodado em um mundo sem crianças)
ticas e economias naufragantes, risco de cair dos campos (a menos de seis faria alguma diferença nas mudanças
os limites malthusianos para o décimos de acre, a terra cultivável global climáticas, na escassez de água ou na
imites malthusianos crescimento es- per capita hoje é pouco mais que a me- falta de terra na próxima década. So-
economista brit nico tão de volta – e tade do que era em 1961, e mais de 900 mos 7 bilhões hoje, e mais estão a ca-
homas Robert althus nos apertando milhões de pessoas passam fome). Me- minho. Para tocar nesse problema em
afirmou que o
fenômeno da fome ocorre- de forma desa- nos capacidade atmosférica para aceitar curto prazo sem atirar ninguém para
rá se a população aumen- gradável. Embo- os gases retentores de calor, que podem fora do barco, precisamos diminuir, de
tar a uma taxa superior à ra um número fritar o planeta por séculos. Energia e forma radical, o impacto de cada um no
taxa de aumento da produ-
ção de alimentos. maior de pessoas comida mais escassas e mais caras. Se a ambiente por meio de avanços tecno-
já tenha signifi- economia mundial não voltar aos seus lógicos e possivelmente forçando uma
cado mais inventividade, mais talento e dias de glória, menos crédito e menos mudança no estilo de vida humano.
mais inovação, hoje quer dizer apenas empregos. Até que a população mundial pare
menos para cada um. Menos água para Não é surpreendente que esse tipo de de crescer, no entanto, não haverá fim
cada criador de gado no nordeste africa- dilema abra de novo uma ferida antiga: a para a necessidade de espremer o consu-
no. (A ONU prevê que haverá mais de população humana e a questão de fazer mo individual
Filhos da esperança
4 bilhões vivendo em nações com déficit ou não alguma coisa sobre o seu tama- icção científica de de combustíveis
hídrico ou com estresse hídrico até 2050, nho. Vamos concordar que nada menos produção inglesa em que a fósseis e outros
comparados a meio bilhão em 1995.) que uma queda populacional catastrófi- humanidade se v s voltas recursos natu-
com o problema de e tinção
Menos terra para cada agricultor, que já ca (pensem no filme Filhos da esperança, porque as mulheres não con- rais. Um olhar
seguem mais engravidar.

40 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


na baía Chesapeake, por exemplo) ou a
economia (o responsável, na teoria, pelo
aumento das emissões dos gases do efeito
estufa). É mais fácil ler sobre crescimento
populacional em uma carta ao editor que
em uma notícia ou em um editorial.
Quando o presidente eleito Barack
Obama se comprometeu, no fim de 2008,
a reduzir os níveis de emissão de dióxido
de carbono nos Estados Unidos aos seus
valores de 1990, até 2020, os ambienta-
listas tiveram de engolir a sua decepção;
a União Europeia, no fim das contas, se
comprometeu a reduções de 20% a par-
tir dos níveis de 1990. No entanto, em
uma base per capita, o compromisso
do presidente Obama foi mais ambicio-
so que o da União Europeia. Devido ao
crescimento populacional mais rápido
que na Europa, os americanos estariam
diminuindo suas emissões individuais em
26%, de acordo com o plano do presi-
dente, e os europeus em 25%, de acordo
com seu próprio plano. Quaisquer outros
compromissos para diminuir as emissões
em uma percentagem individual entre os
países industrializados serão muito mais
difíceis para os Estados Unidos cum-
prirem, simplesmente porque eles estão
ganhando gente de forma muito rápida,
por meio da imigração e da sua taxa de
natalidade maior que a média para uma
nação desenvolvida.
O debate acirrado sobre a imigração
ajudou a isolar o crescimento popula-
mais atento a esse problema nos leva à brepujadas por aumentos na população. cional americano dos debates nacionais.
realidade: a menos que ocorram aumen- A realidade simples é que a ação sobre Nos países industriais fora dos Estados
tos catastróficos na taxa de mortalida- ambos, de forma consistente e simultâ- Unidos, no entanto, o debate populacio-
de, ou quedas involuntárias súbitas na nea, é a chave para a sustentabilidade nal está voltando à consciência pública
fertilidade, a população mundial certa- ambiental duradoura. Os benefícios da e até mesmo política. No Reino Unido,
mente crescerá entre 1 bilhão e 2 bilhões sustentabilidade quando os números po- um comitê suprapartidário publicou
de pessoas. Os bilhões de pessoas que pulacionais são mantidos, ou diminuem, um relatório cha-
consomem pouco adorariam consumir são muito poderosos para serem ignora- mado “Retorno do Comitê suprapartidário
rupo de pessoas
como os americanos, com a mesma ne- dos por muito tempo. Fator de Crescimen- encarregadas de agir ou
gligência pelo ambiente – e eles têm o to Populacional” e decidir sem influ ncia
mesmo direito de fazer isso. Esses fatos DISCURSO EUFEMISTA pediu mais esforços dos partidos políticos.
ILUSTRAÇÃO SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL/TERRA 3.0

sugerem que o impacto ecológico futu- Nos Estados Unidos, essa discussão con- para desacelerar esse
ro será de uma escala tão grande que só tinua silenciosa. A preocupação da po- crescimento; e a preocupação no Reino
poderemos administrar e nos adaptar da pulação varia entre a imigração ilegal e a Unido não é somente com as pessoas “lá
forma que pudermos. mãe solteira californiana de óctuplos que longe” nos países em desenvolvimento.
O crescimento populacional cons- foi notícia recentemente. No entanto, Jonathan Porritt, presidente da Comis-
tantemente empurra as consequências mesmo quando a mídia chega a abordar são de Desenvolvimento Sustentável do
de qualquer nível de consumo para um o crescimento populacional nacional, isso governo, cutucou a onça com vara cur-
patamar mais alto, e as reduções no con- é feito por eufemismos como “expan- ta, chamando os pais de mais de duas
sumo individual podem sempre ser so- são” (o culpado, em tese, pela poluição crianças de “irresponsáveis” e acusando

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 41


GENTE DEMAIS, consumo em excesso:
araju u o bairro de ompras de quio
simboli a a ompressão popula ional que
oprime os recursos mundiais em conjunto.
Estratégias de sustentabilidade se voltam
normalmente para o consumo, ignorando
as quest es popula ionais espinhosas e
carregadas cultural e politicamente.

ou até mesmo por séculos. Na verdade,


mesmo se cessarmos todas as emissões
amanhã, o aquecimento ainda continua-
rá ocorrendo por causa da aceleração in-
os grupos ambientalistas principais de pode realmente direcionar o ambiente a serida no intricado sistema climático da
“trair” seus membros por medo de reco- um caminho mais sustentável? Se sim, Terra. (Os oceanos, por exemplo, ainda
mendar famílias pequenas. “É o fantasma será que existem medidas que o público e têm de entrar em equilíbrio com a capa-
na mesa”, Porritt afirmou, referindo-se os políticos sejam capazes de apoiar que cidade extra de capturar o calor que a
à população em uma entrevista para o possam realmente trazer essa mudança? atmosfera apresenta. Enquanto os ocea-
Daily Telegraph, respeitado jornal lon- A Natureza, sem dúvida, é completa- nos continuarem a se aquecer também, a
drino. Os comentários no blogue sobre mente indiferente com relação a quantos terra que eles banham se aquecerá.)
essas afirmações, grande parte deles de somos. O que interessa ao ambiente são O crescimento demográfico da
apoio, chegaram aos milhares. os totais de retiradas e depósitos que faze- nossa espécie desde o seu nascimen-
Enquanto isso, na Austrália, à medi- mos, as extrações de recursos e as injeções to na África, há 200 mil anos, con-
da que as temperaturas no verão chega- de dejetos. Quando eles excedem certos tribuiu claramente para essa crise.
vam aos 47oC, e chamas assassinas con- níveis-chave, a Natureza e os seus siste- Se a população mundial tivesse per-
vertiam florestas em dióxido de carbono, mas podem mudar de forma rápida e dra- manecido estável em mais ou menos
um novo livro chamado Overloading mática, mas as magnitudes dos impactos 300 milhões de pessoas – número
Australia: how governments and media ambientais não vêm só dos nossos núme- que os demógrafos acreditam que
dither and deny on population levantou ros; elas vêm também dos comportamen- caracterizava a humanidade entre o
um grito de guerra ecológico diferente: tos que aprendemos dos nossos pais e das nascimento de Cristo e o ano 1000,
ignorem todos os conselhos para conser- nossas culturas. Falando de forma geral, equivalente à atual população dos
var as reservas nacionais de água, cada se a população é quantos somos, então o Estados Unidos – não seríamos

RUDY SULGAN, CORBIS (FOTO); FONTE: ROBERT ENGELMAN (GRÁFICO POPULACIONAL HISTÓRICO), DANDARA PANARONI (ILUSTRAÇÃO DE GRÁFICOS)
vez mais escassas, até que o governo eli- consumo é como nos comportamos. Nes- bastantes para produzir o efeito de
mine os “bônus por filho” no imposto de te mundo desigual, o comportamento de modificar os litorais, nem se todos
renda e seja mais rígido com a imigração. uma dúzia de pessoas em um lugar às ve- nós dirigíssemos carros grandes e
Um político de Nova Gales do Sul discur- zes tem mais impacto ambiental que o de vorazes. Mas, em vez disso, conti-
sou no lançamento do livro. algumas centenas em outro lugar. nuamos a aumentar nosso número,
Com comentários como esse ga- Consideremos como esses princípios que está previsto para chegar a 9,1
nhando cada vez mais atenção – e, em estão relacionados com o aquecimento bilhões na metade do século.
alguns círculos, aprovação – será que global. Os gases do efeito estufa já lan- O comportamento de consumo
os ambientalistas e, finalmente, os po- çados na atmosfera devem nos levar para da humanidade, em consequência,
líticos irão renovar o clamor antigo por perto do aumento de 2oC em relação à importava e ainda importa, e, nes-
“controle populacional”? Será que isso média de temperatura global pré-indus- se aspecto, todas as pessoas foram
seria inteligente? trial, que muitos cientistas consideram criadas iguais. A liberação de gases
como o limite mais provável para uma do efeito estufa está ligada na maior
QUANTOS SOMOS catástrofe climática potencial. A Terra já parte, pelo menos até recentemente,
Duas grandes questões se apresentam à está sofrendo secas mais rigorosas, tem- aos altos hábitos de consumo das
medida que o crescimento populacional pestades mais intensas e níveis do mar nações industrializadas. Por isso,
emerge das sombras: será que um declí- maiores. Se os cientistas tiverem razão, em um ultraje ético maior que os
nio possível no crescimento populacional esses impactos irão piorar por décadas, outdoors, as mudanças futuras

População mundial 1000


1 d.C. 310 milhões
2000 a.C. 300 milhões
10.000 a.C. 6000 a.C. 27 milhões
Menos de 10 milhões 2000
Menos de 10 milhões
6.070 milhões

42 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


no clima e no nível do mar irão atingir Assim, enquanto a Índia ganhou Durante o século 19, a população ameri-
sobretudo os pobres do mundo, e pre- 17 milhões de pessoas naquele ano, os cana aumentou a taxas típicas da África
judicarão menos os abastados, que têm Estados Unidos ganharam 3 milhões. atualmente. Esse século de crescimento
maior responsabilidade. Nessa conta simplificada, o crescimento rápido ajudou a fazer os Estados Unidos
populacional americano foi responsável do século 21 (com 307 milhões de pesso-
PAIXÕES CONSUMIDORAS pelo equivalente a mais 25,6 milhões de as agora) um monstro consumidor.
Que papel o porte da raça humana tem toneladas de óleo consumido, enquanto A mesma explosão de crescimento
na descoberta de um final feliz para esse o crescimento muito maior da Índia foi populacional, seguida de um crescimen-
jogo moral? Os cenários populacionais responsável por apenas 6,6 milhões de to no consumo, está ocorrendo agora
não podem influenciar diretamente as toneladas a mais. Com essas disparida- na China (1,34 bilhão de pessoas) e
disparidades dos níveis de emissão – mas des enormes, o clima estaria melhor se na Índia (1,2 bilhão). O uso de energia
estão longe de ser desprezíveis. os americanos imitassem o consumo da comercial per capita cresceu tão rápido
Os países com as maiores emissões Índia, do que se a Índia imitasse o cresci- nos dois países (ou, pelo menos, estava
per capita tendem a ter famílias meno- mento populacional dos Estados Unidos. crescendo em 2007, na véspera da cri-
res em média, enquanto aqueles com Fim da história? Por algumas ra- se econômica) que, se as tendências se
baixas emissões per capita tendem a ter zões, não. O crescimento populacional mantiverem inalteradas, o chinês típico
famílias maiores. Os americanos, por não é uma força contrária ao consumo, irá consumir mais que o americano tí-
exemplo, consumiram 8,6 toneladas de mas quase seu progenitor. Sozinho, ne- pico antes de 2040, e os indianos irão
óleo, ou o seu equivalente em energia nhum de nós tem um impacto signifi- ultrapassar os americanos até 2080. O
comercial, per capita, em 2007, de acor- cativo no planeta, mesmo quando o crescimento populacional e o consumo,
do com dados coletados pela British Pe- nosso comportamento coletivo supera assim, alimentam o crescimento um do
troleum; os indianos consumiram ape- seus processos naturais. Historicamente, outro, expandindo a pegada ambiental
nas 0,4 tonelada (esses dados distorcem a população crescia mais rápido quando humana com o passar do tempo.
um pouco o hiato, porque eles excluem o consumo per capita era mais modesto. Além disso, uma vez que cada ser
a biomassa e outras formas não comer- Mais tarde, o consumo tendeu a explo- humano consome recursos naturais di-
ciais de energia, para as quais os dados dir em cima de uma população que já versos, um nascimento que não acontece
não são confiáveis). era grande, e que já crescia mais devagar. evita o impacto do consumo em todas as
FONTE: DIVISÃO POPULACIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS, PROJEÇÕES POPULACIONAIS MUNDIAIS: REVISÃO DE 2006 (gráfico no topo); GABINETE DE REFERÊNCIA POPULACIONAL,

Crescimento Populacional Humano


O desafio da sustentabilidade Na maior parte de sua história, a
POPULAÇÃO MUNDIAL espécie humana não excedeu alguns milhões e se expandiu
bilh es lentamente. Até 1000 d.C., nossa espécie era menos numerosa que a
população atual dos Estados Unidos. Apenas nos últimos séculos os
PLANILHA DE DADOS DE POPULAÇÃO MUNDIAL DE 2007(números populacionais), DANDARA PANARONI (Ilustração de gráficos).

bilh es números explodiram, especialmente (nas últimas décadas) em nações


15 dia de filhos mulher de renda baixa e média, com o aumento no consumo acontecendo em
dia de filho mulher seguida. Projeções sugerem que, até 2050, a população provavelmente
irá se estabilizar em mais ou menos 9,1 bilhões. Mudanças pequenas
10 dia de filho mulher na erti idade, no entanto, odem modificar e e uadro ara cima ou
para baixo em mais ou menos um bilhão – com um impacto poderoso
10 em diversas questões de sustentabilidade.

Projeções populacionais Populações em 2007


10 para 2050 (milhões) (milhões)
1. Índia 1.747 1. China 1.318
2. China 1.437 2. Índia 1.132
3. Estados Unidos 420 3. Estados Unidos 302
Países de renda baixa e média 4. Indonésia 297 4. Indonésia 232
10 5. Paquistão 295 5. Brasil 189
6. Nigéria 282 6. Paquistão 169
7. Brasil 260 7. Bangladesh 149
8. Bangladesh 231 8. Nigéria 144
Países de renda alta 9. Rep. Dem. do Congo 187 9. Rússia 142
10. Filipinas 150 10. Japão 128

1950 2007 2050

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 43


na metade do século). Ao contrário das emissão da ordem de bilhões de toneladas
turbinas de vento, os humanos se repro- (o que os professores Stephen Pacala e Ro-
duzem. Dessa forma, cada geração me- bert Socolow, da University of Princeton,
nor significa que os multiplicadores de apelidaram de “cunhas de estabilização”)
consumo ligados à população também são extremamente necessárias e só podem
diminuem no futuro. vir da redução do consumo de combustí-
veis fósseis por meio de tecnologias de efi-
DEMOGRAFIA E POLUIÇÃO ciência energética de pouco consumo de
Devido ao fato de que a grande parte dos carbono e mudanças no modo de vida. Se
desafios ambientais emerge em escalas 2 bilhões de automóveis fazendo 12 km
de décadas e séculos, o crescimento po- com um litro viajassem apenas 8 mil km
pulacional gera um impacto a longo pra- por ano, em vez de 16 mil, essa mudança
zo. Com relação a salvar o planeta, em economizaria outro bilhão de toneladas
poucos anos se torna difícil para famílias de emissões de carbono. Haveria a mes-
menores conseguir reduções grandes no ma economia se fossem substituídas as
consumo per capita. Desde o começo da usinas termelétricas movidas a carvão,
década de 90, no entanto, cálculos publi- que produzem 1,4 trilhão de watts de ele-
cados têm demonstrado que crescimentos tricidade, por usinas equivalentes que uti-
p ÁGUA SOB PRESSÃO: O número de
populacionais mais lentos ao longo das lizam gás natural como combustível. No
pessoas sofrendo com a escassez de água
vai crescer de forma ainda mais rápida que
décadas produzem reduções significati- entanto, sem uma população que pare de
a e pansão popula ional gr fi os . O vas nas emissões de gases do efeito estufa, crescer, melhoras tecnológicas compará-
sofrimento será agudo, principalmente na até mesmo em países onde o consumo de veis ou mudanças no estilo de vida serão
África (foto) e outras regi es pobres er combustível fóssil per capita é modesto. necessárias indefinidamente para manter
um desafio tamb m a manutenção dos Um crescimento populacional mais as emissões de gases do efeito estufa em
suprimentos adequados de comida. lento, gerando 8 bilhões de pessoas em nível sustentável.
2050, em vez da projeção atual de 9,1 As complicações que o crescimento
direções. Uma pessoa que reduza a sua bilhões, economizaria entre 1 bilhão e 2 populacional gera a cada problema am-
pegada de carbono, ao contrário, não bilhões de toneladas de carbono anual- biental não devem ser negligenciadas. Na
usará, por isso, me- mente, até 2050, de acordo com as es- verdade, elas são aceitas e compreendidas
Pegada de carbono
uantidade de dió ido
nos água. Uma tur- timativas do cientista climático Brian de uma forma melhor pelos governos de
de carbono de uma bina de vento subs- O’Neil, do Centro Nacional para Pesqui- países mais pobres, onde os impactos de
pessoa ou população titui a eletricidade sa Atmosférica. As economias posterio- uma população densa e aumentando ra-
usada para medir o
impacto ambiental des
gerada por carvão, res de emissão iriam crescer a cada ano, pidamente são mais óbvios. Durante os
sa emissão. mas quase não pre- daí para a frente – enquanto a população últimos anos, grande parte dos relatórios
vine a devastação mais de 1 bilhão menor iria precisar de que os países em desenvolvimento en-
das florestas (que estão desaparecendo menos terra, produtos florestais, água, viaram à ONU, sobre como planejam se
agora nos trópicos à razão de uma área peixes e outros alimentos. adaptar à mudança climática, menciona o
equivalente ao estado do Kentucky ao Essa melhora ainda não seria suficien- crescimento como fator de complicação.

ISABEL ELLSEN, SYGMA/CORBIS (foto no topo); POPULATION ACTION INTERNATIONAL, FONTE:


graficos).
cos).
ano) ou do estoque pesqueiro (a taxas te, por si só, para evitar uma mudança cli-

cos), DANDARA PANARONI (Ilustração de grafi


de esgotamento que levarão à exaustão mática significativa. Outras reduções na INSTRUMENTOS DE POLÍTICA
Uma estratégia sensata para lidar com
o risco ambiental crescente seria sondar
cada oportunidade razoável de ir em di-
Mais pessoas vão sofrer com escassez de água: reção à sustentabilidade o mais rápido,
8% Escassez de água fácil e barato possível. Nenhuma estra-
tégia energética isolada – nuclear, de efi-
Mais ou ciência, eólica, solar ou geotérmica – é
(gráficos),

Mais ou menos menos 60% muito promissora para a eliminação da


gua sufi iente
DIVISÃO POPULACIONAL DA ONU (gráfi

40% emissão do dióxido de carbono no ar.


Obstáculos, como custos simplesmente
altos, são um entrave para a maior par-
te dessas estratégias energéticas, mesmo
como parte de uma solução coletiva para
opulação em bilh es
o problema climático. Nenhuma mudan-
ça isolada no uso da terra irá transformar
opulação em bilh es projeção

44 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


os solos e as plantas em absorvedores
líquidos de gases do efeito estufa. Sem Por causa do consumo, as regiões ricas
avanços tecnológicos no uso de energia produzem mais dióxido de carbono per capita...
ou de terra, apenas preços mais altos
para os combustíveis fósseis têm bom O consumo e o hiato dos gases do efeito estufa: os cidadãos das nações
potencial para diminuir a emissão per ca- industriais produzem mais dióxido de carbono per capita que os seus
pita – “solução” que os políticos ainda pares em países mais pobres. Devido ao tamanho populacional, no 21,6
precisam agarrar de forma eficiente. entanto, o mundo desenvolvido agora produz um pouco mais
Dada a contribuição em longo prazo desse gás. Assim, a população exerce um poderoso efeito
que uma reversão no crescimento popula- multiplicador no estrago que o consumo causa na Terra.
13,4
cional pode dar ao tratamento do nosso
desafio mais constante, por que essa ideia 9,2
CAR
não ganha mais respeito e atenção? A PER CAPITA A A .

apatia dos políticos, com relação a solu- 4,4 4,4*


0,9 2,8 2,9
ções em longo prazo, é parte da resposta. édia América Oceania Europa Oriente Ásia América África
No entanto, a razão mais óbvia é o des- undial do Norte édio
África do
atina
Caribe
Subsaariana

conforto que a maior parte de nós sente Norte


mas por ausa da população as emiss es totais são quase as mesmas
com tópicos como sexo, contracepção,
aborto, imigração e tamanho familiar
que variam de acordo com etnia e renda. bilh es de toneladas de dióxido de carbono
O que, nessa mistura populacional, não
15 Países de renda baixa e média
é um assunto delicado? Especialmente
quando a palavra “controle” é adicio- 10
nada, e quando as maiores religiões do
mundo têm a multiplicação imersa no seu Países de renda alta
DNA filosófico. Dessa forma, críticos da
esquerda, da direita e do centro atacam os 1960 ANO 2002
poucos ambientalistas e outros ativistas
que tentam incluir o crescimento popula-
cional nas discussões nacionais e globais. pequenas para o planeta? Recompensar dos cortes no consumo, entretanto, esses
Dados populacionais da ONU divul- os agentes do planejamento familiar pe- esquemas não têm muito mais a favor.
gados recentemente demonstram que os los clientes que esterilizaram? Cada um Os governos também podem eliminar os
países desenvolvidos, dos Estados Unidos desses passos isolados ou em combina- subsídios do comportamento poluente,
à Espanha, vêm sofrendo (pelo menos até ção pode ajudar a diminuir as taxas de abordagem que é mais palatável – exce-
o início da crise econômica em 2008), nascimento por um tempo, mas nenhu- to para os interesses, às vezes poderosos,
CÁLCULOS INTERNOS DO BANCO MUNDIAL (gráfico embaixo), DANDARA PANARONI (Ilustração de gráficos).

se não uma explosão populacional, pelo ma afeta comprovadamente as tendên- que se beneficiam dos subsídios. Os go-
menos um aumento significativo. Pela pri- cias demográficas em longo prazo, e, vernos ainda podem subsidiar consumos
FONTES: PLANILHA DE DADOS POPULACIONAIS MUNDIAIS, POR C. HAUB, 2007 (gráfico do topo);

meira vez, desde a década de 70, o núme- principalmente, é provável que nenhuma baixos a partir de deduções de impostos
ro médio de crianças nascidas de mulhe- delas tenha apoio do público. Quando e créditos, mas os fundos para essas ações
res americanas passou de 2,1 – o número o governo da Índia recompensou os tra- na escala necessária provavelmente irão
no qual os pais se repõem nas populações balhadores da área de saúde por atingir se tornar cada vez mais escassos.
dos países desenvolvidos e em alguns cotas de esterilização, em 1976, o zelo de
países em desenvolvimento. Mesmo se a alguns deles em usar seus bisturis sem se O ZEN DA POPULAÇÃO
imigração líquida terminasse amanhã, a importar com os desejos dos seus pacien- Um fator ignorado nos debates ambien-
continuação dessa taxa de fertilidade iria tes contribuiu para a queda do governo tais sobre população e consumo é que
garantir um crescimento maior na popu- de Indira Gandhi em 1977. quase todas as nações do mundo con-
lação americana por décadas. Como podemos reduzir o consumo? cordaram, em uma abordagem com-
Aqueles que consideram o crescimen- Ideias como planos de limitar pletamente diferente
ireitos de emissão
to populacional um ponto-chave para o as emissões de gases do efeito aíses cuja emissão de gases para o problema do
problema normalmente dizem pouco estufa e permitir que as empre- de efeito estufa estejam abaixo crescimento, há 15
sobre quais políticas livrariam o planeta sas comprem direitos de emis- dos níveis estabelecidos pelo anos, que fundamenta
rotocolo de oto podem ven-
de alguns bilhões de pessoas. Será que são são baseadas no mesmo der seus créditos de carbono a os resultados demo-
deveríamos reestruturar a cobrança de princípio: aumentar o preço do outros com níveis excessivos gráficos positivos nas
impostos para favorecer famílias peque- que prejudica o ambiente para em troca de benfeitorias que decisões que os indi-
visem a preservação ambien-
nas? Divulgar os benefícios de famílias reduzir o seu consumo. Além tal como a construção de usi- víduos fazem visando
nas de energia solar.

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 45


Em média, mulheres seus próprios interesses. (Se ao menos crianças, a fim de que tenham a segurança
com mais instrução algo comparável pudesse ser imaginado de criá-las até ficarem adultas. As mulhe-
para retrair o consumo.) A estratégia as- res, pelos seus próprios meios, contracep-
t m meno fi o sinada por 179 nações na Conferência tivos ou outros, iriam de forma coletiva
Com baixa escolaridade
da ONU no Cairo, em 1994, foi: esque- “controlar” a população enquanto esti-
Educação secundária ou superior
çam o controle populacional e, em vez vessem buscando seus próprios interesses.
disso, ajudem as mulheres a cuidar da Mais de 200 milhões de mulheres
Etiópia 2005 saúde de seus filhos. nos países em desenvolvimento são
Nascimentos por mulher durante toda a vida: 6,1 Essa abordagem, que apoia fortemen- sexualmente ativas sem métodos de
2,0 te a liberdade reprodutiva, pode parecer contracepção eficientes, embora não
contraintuitiva na diminuição do cresci- tenham vontade de engravidar tão
Senegal 2005
mento populacional, assim como dar as cedo, de acordo com o Instituto Gut-
2,9 chaves do carro da família para um ado- tmacher, um grupo de pesquisa de
lescente, sem nem mesmo um discurso. saúde reprodutiva. Pelas melhores es-
Filipinas 2005
As evidências sugerem, no entanto, que o timativas, mais ou menos 80 milhões
3,1 que as mulheres querem – e sempre quise- de gestações ao redor do mundo são
ram – não é tanto ter mais crianças, mas inesperadas. Embora esses números
Honduras 2005 sim ter mais para um menor número de não sejam comparáveis diretamente –
4,9
2,2

Egito 2005
2,9
3.8
Os níveis de fertilidade na África estão
se estabilizando após anos de queda
Motivos para preocupação: quedas nas taxas de fertilidade não podem ser aceitas
EDUCAÇÃO E FERTILIDADE: Dados sem reservas. Em algumas partes da África, elas parecem estar se estabilizando
de todas as partes do mundo atestam uma bem acima da taxa de reposição. De forma surpreendente, os Estados Unidos e
tendência robusta: as taxas de natalidade
arte da Euro a arecem e tar o rendo um aumento e ueno ma i nificati o na
aem quando as mulheres t m mais
a esso edu ação melhora do a esso fertilidade, além dos aumentos populacionais com a imigração.
eminino edu ação e s oportunidades
que isso abre) pode ser um dos modos
mais poderosos de reduzir do crescimento fi o or mu er
populacional. Abaixo, meninas durante
aula no Quênia. Uganda
7
hade

STATISTIC AGENCIES (gráfico do meio); ORC MACRO, MEASURE DHS STACOMPLIER (www.measuredhs.com, acessado em 15 de
6

FONTES: DIVISÃO POPULACIONAL DA ONU E PESQUISAS NACIONAIS DEMOGRÁFICAS E DE SAÚDE (gráfico do topo); NATIONAL
Etiópia

julho de 2007) (gráfico embaixo); PAUL KENWARD, DANDARA PANARONI (Ilustração de gráficos), GETTY IMAGES (foto)
5
Quênia
4
Zimbábue
3
... e voltando a tender ligeiramente para cima em grande parte da
Europa e dos Estados Unidos
-2,2
Estados Unidos
-2,0
rança
-1,8
Suécia
-1,6
Itália
-1,4

-1,2
epúbli a he a
-1,0
1980 ANO 2005

46 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


p O QUE AS MULHERES QUEREM: adas as oportunidades elas pre erem ter menos filhos quando sabem que esses pou os
terão uturo pr spero e saud vel

muitas gestações não planejadas termi- balho, abrem um negócio, herdam bens mento populacional lento. Como todos
nam num aborto – eles ultrapassam os ou interagem de outra forma com ho- os políticos, no entanto, Obama nunca
78 milhões que aumentam a população mens de igual para igual, seu desejo por menciona o crescimento populacional,
mundial a cada ano. mais de um casal de filhos cai de forma nem o modo como ele traz problemas
Nos Estados Unidos, que são bem ainda mais dramática. na saúde e na educação e até mesmo na
informados e gastam quase US$ 0,20 É verdade que o controle populacio- alimentação, na segurança energética e
de atividade econômica em cuidados nal à moda antiga parece ter ajudado o nas mudanças climáticas.
com saúde, quase uma em cada duas crescimento populacional lento na Chi- Trazer a questão populacional de
gestações é inesperada. Essa propor- na. Os líderes do país se gabam de que volta à conversação é arriscado, mas o
ção não mudou muito por décadas. a sua política de apenas um filho evitou mundo ainda tem um longo caminho
Em cada nação, rica e pobre, na qual 300 milhões de emissores de gases do até compreender que o assunto é ape-
os contraceptivos estejam disponíveis e efeito estufa, o equivalente populacio- nas parte dos problemas de hoje e que o
sejam apoiados por abortos razoavel- nal de um país como os Estados Unidos. “controle populacional” não consegue,
mente seguros e acessíveis quando os Entretanto, a maior parte da queda na de fato, controlar a população. O que
contraceptivos falham, as mulheres têm fertilidade chinesa ocorreu antes de essa esse efeito faz é entregar o controle de
duas ou menos crianças. Além disso, a política coercitiva entrar em vigor, em sua própria vida e de seu próprio corpo
educação das meninas reduz as taxas 1979, quando o governo levou milhões às mulheres – a coisa certa a fazer por
de natalidade. Ao redor do mundo, de de mulheres às fazendas e indústrias co- diversas outras razões. Não há razão
acordo com um cálculo feito para este letivas e forneceu a elas o planejamento para temer essa discussão. n
artigo pelos demógrafos do Instituto familiar de que precisavam para perma-
Internacional de Análise de Sistemas necer no emprego. Muitos países em O AUTOR
Aplicados na Áustria, as mulheres sem desenvolvimento – da Tailândia e Co- Robert Engelman é vice presidente de programas
escolaridade têm uma média de 4,5 fi- lômbia até o Irã – passaram por quedas do nstituto orld atch e autor de More: population,
nature, and what women want sland press .
lhos, enquanto as com alguns anos de comparáveis no tamanho familiar ao
escola primária têm apenas três. fornecer serviços de planejamento fami- PARA CONHECER MAIS
Mulheres que completaram um ou liar melhores e oportunidades educacio- volution the triumph o an idea Carl immer. ar-
dois anos de escola secundária têm uma nais para mais mulheres e garotas. perCollins .
média de 1,9 criança cada – número Com o presidente Obama na Casa Speciation. err A. Co ne e . Allen rr. inauer As-
que, ao longo do tempo, leva a uma po- Branca e os democratas dominando o sociates .
pulação decrescente. Com um ou dois Congresso, há sinais de que os Estados hat evolution is rnst a r. asic oo s .
anos de escola a taxa média de concep- Unidos irão apoiar o tipo de desenvol- nderstanding evolution our one stop sour e
for information on evolution. ágina criada pelo u-
ção cai ainda mais, para 1,7. Quando vimento externo e saúde reprodutiva seu de aleontologia da Universit of California http
as mulheres ingressam na força de tra- em casa mais favoráveis a um cresci- evolution.ber ele .edu evolibrar home.php

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 47


48 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
MATEMÁTICA

Saudade da
régua de cálculo
Antes da calculadora eletr nica ela enchia os
bolsos de técnicos e cientistas. ale a pena lembrar
como esse engenhoso instrumento surgiu e evoluiu

POR CLIFF STOLL

N
o início dos anos 70, antes do advento da calculadora científica, as réguas
de cálculo eram tão onipresentes quanto as máquinas de escrever e os
mimeógrafos. Empurrando suas partes para lá e para cá, cientistas e en-
genheiros conseguiam multiplicar, dividir e encontrar raízes quadradas e cúbicas.
Com um pouco mais de esforço era possível computar também razões, funções
inversas, senos, cossenos e tangentes.
Fabricada com uma dúzia ou mais de escalas funcionais, a régua de cálculo
simbolizava uma classe de profissionais. A verdade, porém, é que duas escalas
realizavam a maior parte do trabalho, já que muitas tarefas técnicas se redu-
ziam à multiplicação e à divisão. Alguns engenheiros, querendo impressionar,
empunhavam elegantes réguas de cálculo feitas de mogno, buxo ou marfim. Os
BRAD DECECCO

sovinas – incluindo este autor – carregavam as de plástico. Da mais sofisticada


à mais humilde, contudo, todas as réguas de cálculo se baseavam em logaritmos
(ver quadro da pág. 51).

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 49


p HÁ QUEM onsidere a aber astell a mais bela e refinada das r guas de l ulo

NASCE UM SÍMBOLO coberto as três leis da mecânica celeste. ficou indignado e reuniu seus amigos,
John Napier, matemático e físico esco- Depois disso, Napier avançou para a que acusaram Delamain de “ladrão da
cês, inventou os logaritmos em 1614 invenção do ponto decimal e fundou as genialidade alheia”. A briga só acabou
para tornar ágil o cál- bases para o cálculo infinitesi- após a morte de Delamain, e não serviu
CÁLCULO
culo de multiplicações, INFINITESIMAL mal, criado por Isaac Newton. a ninguém. Oughtred escreveu mais
divisões, extrações Ramo da matemática desen- Napier havia simplificado tarde: “Esse escândalo me trouxe mui-
quadradas de números volvido de forma indepen- as tarefas de computação, mas to dano e desvantagem”.
dente por e ton e eibni .
grandes e outras ope- m sua origem investigava ainda era necessário ter pronto
rações. Mesmo sendo em uma função os efeitos acesso a livros com tabelas de CHEGA DE LOGARITMOS
hoje o pesadelo dos de variações infinitesimais logaritmos para o procedimen- Com a invenção de Oughtred à mão,
nas variáveis independen-
alunos do ensino mé- tes o que atualmente é to. Em 1620, então, o mate- ninguém precisava ter livro de logarit-
dio, eles foram criados estudado em termos de limi- mático inglês Edmund Gunter mos ou mesmo saber o que era um log.
para facilitar a nossa tes de uma função real. marcou uma régua com uma A multiplicação exigia apenas alinhar
vida. Napier descrevia escala de logaritmos, permitin- dois números e ler uma régua. Era uma
como usar os logaritmos: “Afaste do do que seus colegas encontrassem logs ideia maravilhosa, mas que ainda as-
trabalho em si mesmo aqueles números sem precisar ir à biblioteca. Gunter tra- sim levou dois séculos para se difundir.
que devem ser multiplicados, divididos çou uma linha numérica na qual a posi- A régua de cálculo foi aperfeiçoada
e reduzidos a raízes, e ponha em seu ção dos números era proporcional à de e ampliada durante a primeira metade
lugar outros números que façam tan- seus logaritmos. Na sua escala, núme- do século XIX. Em uma palestra dian-
tas operações quanto puderem, apenas ros sucessivos estavam espalhados na te da Sociedade Real em 1814, Peter
somando e subtraindo, dividindo por esquerda e espremidos na extremidade Roget descreveu uma régua de cálculo
dois e por três”. da direita. Dois números podiam agora log-log. Com essa ferramenta, ele po-
Em outras palavras, ao usar logs ser multiplicados com um par de com- dia facilmente calcular potências fra-
(logaritmos decimais) a multiplicação passos para medir a distância do início cionárias e raízes, como 30,6 elevado
é simplificada em adição, a divisão da régua até um a 2,7. A régua log-log, contudo, só
LOG-LOG
torna-se subtração, extrair uma raiz dos fatores, de- pressão usada para indi- começou a se popularizar no século
quadrada vira divisão por dois e en- pois movendo-os car que as duas escalas de XX, quando engenheiros e cientistas
contrar uma raiz cúbica transforma-se até o início do trabalho são logarítmicas. passaram a enfrentar uma matemáti-
uando apenas uma é loga-
em divisão por três. Por exemplo, para próximo fator e rítmica e a outra decimal ca cada vez mais complexa.
multiplicar 3,8 por 6,61, verificam-se lendo o núme- dizemos tratar-se de um sis- Foi preciso um oficial de artilharia
os logaritmos desses números em uma ro das distâncias tema mono log. francês de 19 anos – Amédée Man-
tabela. Lá, encontram-se 0,58 e 0,82. combinadas. nheim – para popularizar a régua de
Somados, eles dão 1,4. Agora, de volta Em 1622, William Oughtred, pas- cálculo. Em 1850 ele escolheu as quatro
à tabela, verifica-se que o número cujo tor anglicano inglês, colocou duas escalas mais úteis e acrescentou ao ins-
log é 1,4 fornece uma resposta aproxi- réguas logarítmicas de madeira lado trumento um cursor móvel (um ponteiro
mada para a resposta: 25,12. a lado e criou a primeira régua de deslizante para alinhar os números nas
A invenção de Napier revolucionou cálculo. Depois, fabricou um instru- escalas). Dentro de poucos anos o exér-
a ciência – os matemáticos adotaram mento com escala circular, mas pro- cito francês adotou o dispositivo. Quan-
na imediatamente para acelerar seus vavelmente achou que sua invenção do a infantaria prussiana está atacando,
cálculos. O alemão Johannes Kepler não valesse muito. quem tem tempo de mirar um canhão
FABER-CASTELL AG

usou logaritmos modernos para calcu- Em 1630, Richard Delamain, ex que requer extensos cálculos de balística?
lar a órbita de Marte no século XVII. aluno de Oughtred, alegou ter inventa- Depois da Primeira Guerra Mun-
Sem esse auxílio, ele jamais teria des- do a régua de cálculo circular. O pastor dial, cientistas americanos adotaram a

50 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


FAÇA VOCÊ MESMO
a Cut here c Cut here

Right-hand index
É possível construir uma régua de INSTRUÇÕES DE MONTAGEM

CHRIS HAM ANN AND NANC Y S HAW


cá cu o com a e e fita ade i a. 1 Recorte o quadro branco

x
x

1
cos

tan
cot
lgx
sin

b Cut here
Cópias desta ilustração em papel



por inteiro (a). Corte ao

8 9 1

1
1
grosso rendem um instrumento de longo da linha entre as

1 .0

70 90

45
45
1

20 0

8 9 1
7 8 9 1
cálculo razoavelmente robusto. partes A e B (b) depois

9
elimine o restante (c).

7
60
30

8
50
40
2 obre a parte A nas

6
7
COMO USAR A RÉGUA

6
8
.9

5
linhas pontilhadas.

6
50
40

7
4
3 esli e a parte para

1.5
A régua de cálculo básica tem escalas e

5
55
35
7

4
3
e a com nome di erente a r ua fi a dentro da área dobrada da

40
50

6
.8

4
superior normalmente contém a escala A; parte A.
6

2
30
60

3
as escalas B e C residem na corrediça 4 ara fa er o ponteiro use

3
centra . A e ca a fica na arte in erior da as guias à esquerda para

5
2
medir dois pedaços de fita
.7

30
60
r ua fi a. indicador e uerdo fica na
5

transparente. Corte um

2
parte corrediça – é o dígito 1 mais à

65
25

7 8 9 1
pedaço do comprimento

2
esquerda na escala C. Na extrema direita da linha preta e outro do

4
desta peça, encontra-se outro número 1, comprimento da linha
.6
4

6
na escala C – este é o indicador direito. Por vermelha. unte a superfície

5
70
20
fim, o onteiro m e cont m o fi ete. adesiva dos dois.

π 3
20
70

3 π
8 9 1
Para multiplicar dois números, move-
.5
3 π

8 9 1
se a régua até que o indicador esquerdo

3
aponte para o primeiro número na escala
5 Trace uma reta no meio

7
. e oi de i a e o fi ete de modo ue

2
75
15
com uma caneta fina.

4
75
15

6
ele aponte para o segundo número na
.4

6
Filete

5
e ca a . A re o ta a arecerá o o fi ete

5
na escala D. Então, para multiplicar 2

7 8 9 1

2
5
4
vezes 4, ajusta-se a escala C até que o
.3
2

4
indicador esquerdo mostre 2 na escala D,


6
com o fi ete em cima do na e ca a . A 3π
6 nrole a fita dobrada em
80
10

6
80
10

resposta, 8, será encontrada sob esse volta da régua de cálculo

1.5
.2

4
9

fi ete na e ca a .
9

para ajustar o tamanho. Use


1.5

7
2
Se o cá cu o ai a m do fim da r ua, a extremidade adesiva para
3
2

Corrediça (parte deslizante)


8

completar o cursor e
8

usa-se o indicador direito. Assim, para

8
encai e o na régua.
multiplicar 6 vezes 7, ajusta-se o
.1

2
7
7

indicador direito sobre o 7 na escala D, e


9
o fi ete o re o na e ca a . A arecerá
1

1
1
6

4,2 na escala D, então é preciso lembrar


.0

Left-hand index
9
1

1
1
84.5
84.5
5.5

5.5

ue a r u a utuante reci a er mo ida Ponteiro


CI
9

Part Part
uma casa para a direita para dar a completo
A B
D

K
A
S

T
L

resposta certa, 42.


ara di idir, o iciona e o fi ete o re
o dividendo na escala D. Então cruza-se a acima do 7 na escala D encontra-se 4,9 na encontrados no lado esquerdo da escala A; os
corrediça até que o divisor esteja sob o escala A. Empurre a vírgula à direita para chegar que têm expoente ímpar (como 1,23 x 103)
fi ete e a in ado com o di idendo . à resposta, 49. estão no direito.
quociente aparecerá sob o indicador. Por Da mesma forma, não há necessidade de Algumas utilidades são indiretas. O cursor,
exemplo, a divisão 47 por 33. Move-se o mover a régua para determinar raízes por exemplo, funciona como uma memória de
cur or de modo ue o fi ete mo tre , na quadradas. Mas é preciso notar que a escala A curto prazo para cálculos em cadeia. Ou a
escala D. Move-se a corrediça até que 3,3, é dividida em duas partes: a metade esquerda escala CI pode ser usada para impedir que os
na e ca a , e te a o o fi ete. e te vai de 1 a 10 e a direita vai de 10 a 100. Para cá cu o e ca em no fim da r ua de i ante.
momento o indicador esquerdo está encontrar a raiz quadrada de um número entre Há ainda outros recursos. A escala K é usada
alinhado com a resposta, 1,42. e , o iciona e o fi ete o re o n mero na para cubos e raízes cúbicas; as escalas S e T
Para encontrar o quadrado de um parte esquerda da escala A, e lê-se a raiz fornecem senos e tangentes. A escala L dá o
número não é preciso nem mover a quadrada na escala D. A metade direita da logaritmo de um número da escala D. Pode
corrediça. Simplesmente posiciona-se o escala A é usada para extrair raízes de parecer difícil, à primeira vista, dominar tudo isso,
fi ete o re um n mero na e ca a . números entre 10 e 100. Quando se escrevem ma com um ouco de rática ficamo
ando e a e ca a A acima, o fi ete n mero em nota o cient fica, a ue e com surpreendidos com a facilidade de uso e a
aponta para o quadrado. Desta forma, bem expoentes pares (como 1,23 x 104) são utilidade da régua. – C. S.

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 51


régua. Quase todos os modelos traziam
quadrados e raízes; e muitos calculavam
cubos, raízes cúbicas, funções inversas,
senos e tangentes. As mais sofisticadas
incluíam funções hiperbólicas para en-
genheiros elétricos calcularem vetores ou
para ajudar enge-
FUNÇÕES
nheiros de estru- HIPERBÓLICAS
turas a encontrar ão funções análogas s tri-
a forma de curvas gonométricas porém com
ngulos originalmente
catenárias (impor- estabelecidos em uma
tantes em projetos hipérbole em ve do círcu-
de ponte pênsil). lo trigonométrico. seno
hiperbólico de uma variá-
Para arrancar vel escreve se senh
mais precisão por e emplo é definido
x -x)
de suas réguas como senh x e -e
em que e é o n mero de
deslizantes, os uler a base dos logarit-
fabricantes adi- mos naturais.
cionaram lentes
de aumento para um melhor julgamen-
to da posição de escalas, gravaram mar-
cas mais finas e construíram réguas mais
longas. Também
CURVAS CATENÁRIAS mapearam os lo-
ão curvas descritas por fun-
ções hiperbólicas cuja for- garitmos de Na-
ma assemelha se de uma pier em círculos,
corda suspensa apenas sob espirais, discos e
a ação da gravidade.
cilindros.
Em 1921, o
engenheiro inglês Otis King enrodi-
lhou uma escala logarítmica de 5 pés
(152,4 cm) em torno de um cilindro
de 1 polegada (2,54 cm) de diâmetro
que caberia no bolso. Os engenheiros
maravilharam-se com a exatidão de
quatro dígitos. Para mais exatidão,
p O O O O ostumava se re erir aos humanos que passavam seu tempo
um cientista poderia investir em uma al ulando números O anún io datado de era da re m lançada al uladora
régua de Fuller, a avó das réguas de eletr ni a da la seria apa de substituir engenheiros em tare as simples
cálculo de alta precisão. Uma espiral dei ando os livres para o trabalho riativo
logarítmica de 21 pés (12,5 m) enrola-
-se em torno do exterior de um cilin- pecializadas para calcular grandezas es- metria hiperbólica com facilidade. Nos
dro de 1 pé (30,5 cm); por meio de um pecíficas: pesos moleculares para quími- anos 60, engenheiros não se formavam
ponteiro especial, ela gera uma escala cos, relações hidráulicas para constru- sem um curso de uma semana sobre como
de 83 pés (25,3 m), fornecendo preci- tores navais e até decaimento radioativo usar a régua de cálculo.
são de cinco casas decimais. para físicos nucleares. Considere os feitos da
ERIC MARCOTTE (régua); IBM CORPORATION (anúncio)

Com poucas alternativas, os técnicos DECAIMENTO engenharia que devem sua


RADIOATIVO
adaptaram-se às réguas deslizantes. Por O APOGEU rocesso de desintegração
existência às réguas deslizan-
sua vez, os fabricantes de réguas de cál- Em 1945, a régua de cálculo de n cleos de átomos instá- tes: arranha-céus, grandes
culo gravaram marcas adicionais para log-log dupla já havia se tor- veis em que ocorre a emis- represas, pontes quilométri-
acelerar a computação. Tipicamente, se nado universal entre os enge- são de partículas e radiação.
sse processo é descrito por
cas e rádios transistorizados.
encontrariam pi, pi/4 e a constante “e” nheiros. Com quase uma dú- uma função e ponencial. Wernher von Braun, criador
(base dos logaritmos “naturais”) nas es- zia de escalas em cada lado, do foguete alemão V-2 e do
calas, e às vezes marcas no cursor para ela permitia ao usuário elevar um número americano Saturn 5, usava uma régua de
converter polegadas em centímetros ou a uma potência arbitrária, bem como lidar cálculo simples fabricada pela empresa
cavalos em watts. Surgiram réguas es- com senos, cossenos e funções da trigono- alemã Nestler. A empresa Pickett fabricou

52 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


O O O

D epois do advento da calculadora de


bolso, a maioria dos estudantes que
aprendem a lidar com logaritmos acabam
10 elevado a uma potência, podem-se
multiplicar números apenas somando os
exponentes. Então 100,25 vezes 103,7 é 103,95
característica de 8.912, acha-se 3 (porque é
preciso mover a vírgula três casas para a
esquerda para transformar 8.912 em 8,912).
esquecendo sua utilidade. Como as pessoas (100,25+3,7). A que 103,95 equivale? Olhando o Adicionar a característica à mantissa revela o
não precisam mais lidar com esse recurso antilog de 3,95 em uma tabela, encontra-se verdadeiro log decimal: 3,95.
para operar sua ferramenta portátil de 8.912, que é na realidade igual ao produto de Como logs comuns são números
cálculo, só aqueles que lidam com 1,778 por 5.012. irracionais (números expressos como
matemática um pouco mais avançada se Assim como a multiplicação é reduzida à d ima infinita em re eti e eri dica e
preocupam em dominá-lo. O conceito, adição, a divisão vira subtração. Eis como se as tabelas de log têm precisão limitada,
porém, é bastante simples. divide 759 por 12,3 usando logs. Encontram- cálculos usando logs fornecem estimativas
Aqui vai um breve resumo: Se ax=m, se os logs de 759 e 12,3, que são 2,88 e 1,09. próximas, não respostas exatas.
então x, o expoente, pode ser descrito Subtrai-se 1,09 de 2,88 e obtém-se 1,79. Os logaritmos permeiam a ciência:
como o logaritmo de m na base a. Embora Agora se procura o antilog de 1,79 para achar químicos medem acidez usando pH, o log
a possa ser qualquer número, vamos nos a resposta, 61,7. negativo da concentração de íons de
concentrar em logaritmos decimais, os logs Como calcular a raiz quadrada de 567,8? hidrogênio de um líquido. A intensidade do
de números em que a=10. O log decimal de Simplesmente determina-se seu log: 2,754. som em decibéis é 10 vezes o log da
1.000 é 3, porque elevar 10 à terceira Agora divide-se isso por 2 para chegar a intensidade dividida por uma intensidade de
potência, 103, dá 1.000. Inversamente, o 1,377. Procura-se o antilog de 1,377 para referência. Terremotos são habitualmente
antilog de 3 é 1.000; é o resultado de elevar chegar à resposta: 23,82. medidos pela escala Richter, que é
10 à terceira potência. É claro que aparecem complicações. As construída sobre logaritmos, assim como as
Expoentes não precisam ser números tabelas de log listam apenas a mantissa – a magnitudes aparentes de estrelas e planetas.
inteiros; eles podem ser frações. Por parte decimal do log. Para chegar ao or fim, o o i ocam no dia a dia.
exemplo, 100,25 é igual a 1,778, e 103,7 a verdadeiro logaritmo, é preciso somar um uito ráfico ue de cre em n mero
5.012. Assim, o log de 1,778 é 0,25, e o log número inteiro (chamado de característica) à grandes empregam escalas logarítmicas
de 5.012 é 3,7. Tabelas de logs decimais mantissa. A característica é o número de para mapear números por ordem de
podem ser encontradas em bibliotecas ou na casas decimais ao mover a vírgula no número grandeza (10, 100, 1.000 e assim por diante)
internet (uma boa tabela está em http://www. associado. Desta forma, para encontrar o log – as mesmas escalas que aparecem nas
somatematica.com.br/emedio/tablog10.php). de 8.912, uma consulta a um livro de log réguas de cálculo.
Quando se expressa tudo em termos de mostraria que o log de 8,912 é 0,95. Olhando a – C. S.

réguas de cálculo que viajaram em diver- disso é que os usuários tinham intimida- as relações matemáticas, frequentemen-
sas missões Apollo, como calculadoras de com os números, cientes dos erros de te varrendo termos de alta ordem para
de reserva para astronautas a caminho arredondamento e das sistemáticas im- debaixo do tapete computacional. Dessa
da Lua. O engenheiro soviético Sergei precisões, diferentemente dos usuários forma o engenheiro de automóveis calcu-
Korolev usou uma régua Nestler quando dos atuais programas de computador. Ao lava o consumo de gasolina baseando-se
projetou o Sputnik e a nave Vostok. Ela conversar com um engenheiro dos anos principalmente na potência do motor, ig-
também era a favorita de Albert Einstein. 50, o mais provável é ouvir um lamen- norando como o atrito do ar variava com
As réguas de cálculo, porém, tinham to pelo tempo em que os cálculos eram a velocidade. Engenheiros desenvolveram
um calcanhar de aquiles; modelos-pa- feitos à mão. Em vez de atirar números atalhos e princípios básicos. No auge, es-
drão conseguiam oferecer somente três em um programa, o engenheiro entende- sas medidas levaram a insight, compreen-
dígitos de precisão. É o suficiente para ria os aspectos sutis de cargas e fadigas, são e economia de tempo. O lado ruim é
descobrir quanto concreto colocar em voltagens e correntes, ângulos e distân- que as aproximações podiam ocultar er-
um buraco, mas não é bom o bastante cias. Respostas numéricas, forjadas à ros e levar a falhas grosseiras.
para a rota de navegação de uma sonda mão, significavam solução de problemas Como os engenheiros apoiavam-se
espacial translunar. Pior ainda: é preciso por meio de conhecimento e análise, não em cálculos imperfeitos, eles naturalmente
controlar a casa decimal. Um filete mar- puro processamento de dados. faziam projetos de forma conservadora.
cando 346 pode representar também Ainda assim, como a computação es- Construíam paredes mais grossas, asas
3,46, 3.460 ou 0,00346. tava evoluindo a passos lentos e a falta de de avião mais pesadas e pontes mais re-
A casa decimal flutuante forçava precisão era uma certeza, os matemáticos sistentes que o necessário. Essa engenharia
todo engenheiro competente a checar trabalharam para simplificar problemas dos excessos beneficiava a confiabilidade
duas vezes os resultados da régua de cál- complexos. Como as equações lineares e a durabilidade, mas levava à construção
culo. Primeiro era estimada uma respos- eram mais amistosas com as réguas de dispensável, ao desempenho ruim e ao
RICK FURR

ta aproximada, que depois se comparava cálculo que as funções mais complexas, os funcionamento inadequado.
ao número sob o cursor. Um resultado cientistas esforçaram-se para padronizar A dificuldade de aprender a usar

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 53


p A PICKETT N600-ES viajou para a Lua
dentro das naves Apollo e servia de
calculadora reserva para os astronautas.

réguas de cálculo desencorajou seu uso lá pelo início dos anos 60, a eletrônica Esser de 8 pés (2,5 metros) pendurada
entre as massas. Um ou outro gerente de começou a invadir o terreno. Em 1963, na parede. Antes usada para ensinar
mercearia calculava descontos em uma o californiano Robert Ragen desenvolveu os mistérios do cálculo analógico para
régua deslizante, mas esses instrumen- a Friden 130, uma das primeiras calcu- alunos de física, ela remonta ao tempo
tos nunca chegaram a fazer parte do dia ladoras eletrônicas transistorizadas. Com em que se esperava que todo cientis-
a dia. Não se podia fazer simples adi- quatro funções, essa máquina de mesa ta fosse letrado em réguas de cálculo.
ções e subtrações com as réguas, e era impressionou os engenheiros por fazer Agora um adorno do tamanho de uma
difícil controlar a posição da vírgula. cálculos com até 12 dígitos de precisão. prancha de surfe serve como ícone da
Elas continuaram sendo ferramentas Ragen lembra ter projetado essa mara- computação primordial. Tarde da noi-
para os técnicos. vilha eletrônica inteiramente com fer- te, quando a casa está em silêncio, ela
ramentas analógicas: “Das correntes de troca sussurros com o meu Pentium.
A QUEDA polarização dos transistores às linhas de “Tome cuidado”, diz ela ao micropro-
Durante a primeira metade do século 20, atraso da memória, criei todo o sistema cessador. “Nunca sabemos quando es-
calculadoras mecânicas de engrenagem do circuito elétrico na minha régua Keuf- tamos abrindo caminho para aqueles
foram os principais concorrentes com- fel & Esser”. A régua de cálculo, afinal, que vão nos desbancar.” n
putacionais das réguas de cálculo. Mas, ajudou a projetar as mesmas máquinas
que, mais tarde, a tornariam obsoleta. O AUTOR
No final dos anos 60 já era possível Cliff Stoll é mais conhecido por romper um
comprar uma calculadora portátil de círculo de hac ers nos primórdios da internet
quatro funções por poucas centenas de como descrito em seu livro Cuckoo’s egg
dólares. Em 1972, a Hewlett-Packard ovo do cuco . outorou se em ci ncia
planetária pela Universidade do Ari ona e hoje
construiu a primeira calculadora cientí-
é professor de física do ensino médio. á
fica de bolso, a HP-35. Ela fazia tudo
trabalhou no nstituto Científico do elescópio
que uma régua de cálculo podia fazer, spacial ubble no bservatório ijinshan
mas com mais precisão. Vários outros ian entai China e no Centro de Astrofísica
fabricantes logo seguiram a tendência: a arvard mithsonian. toll e sua mulher
Texas Instruments batizou seu produto moram em a land Califórnia o log do
de “calculadora régua de cálculo”. Na n mero de seus filhos é cerca de e eles
tentativa de cercar ambas as tecnolo- t m quase gatos.
gias, a Faber-Castell lançou uma régua
de cálculo com uma calculadora eletrô- PARA CONHECER MAIS
nica na parte posterior. lide rules their histor models and
A calculadora eletrônica acabou ma ers eter . opp. Astragal ress .
com o reinado das réguas deslizantes. histor o the logarithmi slide rule
A Keuffel & Esser lacrou suas máqui- and allied instruments. lorian Cajori.
nas em 1975, e todos os outros fabri- Astragal ress .
cantes conhecidos logo fizeram o mes- nstruç es b si as de r guas de
mo. Depois de uma prolongada mar- cálculo: .hpmuseum.org srinst.htm
cha produtiva de cerca de 40 milhões imulação interativa .tas egian.
p A CALCULADORA DE BOLSO HP-35
com R ava lide ava lide.html
anunciou a morte da régua de cálculo. de unidades, a era da régua de cálculo
ntrodu ida pela e lett a ard em o
Venda de réguas de cálculo: Slide Rule
chegou ao fim. Jogadas em gavetas
aparelho port til de ombinava Universe .sphere.bc.ca test
de escrivaninhas, as réguas de cálculo sruniverse.html
ir uitos de integração em larga es ala seis
hips no total om um mostrador de diodo
quase desapareceram, junto com os li- A ociedade ughtred .oughtred.org se
emissor de lu un ionava om tr s pilhas vros de logaritmos de cinco cifras. dedica preservação e história da régua
ou um adaptador de corrente alternada. Hoje tenho uma régua Keuffel & desli ante e de outros instrumentos de cálculo.

54 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


PROFESS R
PARA O

Biologia
Química
Física
eografia
Matemática

ROTEIROS ELABORADOS POR PROFESSORES ESPECIALISTAS


COM SUGESTÕES DE ATIVIDADES PARA SALA DE AULA

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 55


PARA O PROFESSOR

O que é
uma esp ie
PROPOSTAS PEDAGÓGICAS PROPOSTAS DE ATIVIDADES

A maioria dos alunos que forem in-


dagados sobre o que é uma es-
pécie terá uma resposta pronta pro-
tempo. s estudantes em geral não
t m essa noção. 1 te to assinala que e istem
atualmente pelo menos dife-
rentes conceitos publicados para es-
veniente de livros de biologia ou conceito de espécie é um dos pécie. epare os alunos em grupos e
aprendida em aula. artigo O que tantos e emplos de permanente in- proponha que façam uma pesquisa bi-
é uma espécie tem o grande mérito quietação entre os biólogos e isso é bliográfica tentando encontrar no míni-
de ao tra er tona a discussão so- uma questão antiga Charles ar in mo conceituações diferentes. Reco-
bre esse assunto permitir que seja após a publicação de seu famoso li- mende que escrevam um comentário
trabalhada a relativi ação de con- vro A origem das espécies em a respeito de cada uma analisando-
ceitos ou definições apresentadas foi questionado sobre o que afinal a criticamente quanto aplicabilidade
como verdades inquestionáveis. A seria uma espécie ao que respon- e quanto aos aspectos considerados
ci ncia e por consequ ncia a bio- deu enhuma definição de espécie ecológicos reprodutivos molecula-
logia constrói conhecimento a partir conseguiu ainda satisfa er a todos res filogenéticos morfológicos entre
de saberes anteriores acrescidos de os naturalistas embora todos eles outros . A seguir peça que cada grupo
novos obtidos pela pesquisa básica. saibam vagamente o que se quer escolha o conceito que na opinião do
Assim o conhecimento científico é di er quando se fala em espécie . próprio grupo melhor define espécie.
din mico e pode ser alterado com o essa discussão deve ir longe... ermita que o conceito escolhido seja
modificado sendo agregados ou e -
cluídos elementos que o grupo achar
conveniente. or fim solicite que cada
COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE grupo apresente o seu conceito de es-
REFERÊNCIA DO ENEM pécie e promova um debate para que
seja eleito o mais adequado na per-
n Área 1 – H3 Confrontar interpretações científicas com interpreta- cepção de toda a turma.

2
ções baseadas no senso comum ao longo do tempo ou em diferentes
culturas. Com a publicação do livro Syste-
ma naturae em o bot nico
n Área 5 – H17 Relacionar informações apresentadas em diferentes sueco Carl ineu lançou as bases da
formas de linguagem e representação usadas nas ci ncias biológicas moderna classificação biológica orga-
como te to discursivo gráficos tabelas relações matemáticas ou lin- nizando os seres vivos em categorias
guagem simbólica. ta on micas. A utili ação de certos cri-
n Área 8 – H28 Associar características adaptativas dos organismos térios permitiu que os organismos fos-
com seu modo de vida ou com seus limites de distribuição em diferen- sem agrupados por semelhanças e se-
tes ambientes. parados por diferenças. A escolha de
critérios adequados porém é o princi-
pal motivo de controvérsias entre os ta-
CONTEÚDOS onomistas pois par metros de clas-
sificação diferentes permitem que um
n volução biológica teoria sintética da evolução especiação meca-
mesmo grupo de elementos seja clas-
nismos de isolamento reprodutivo hibridi ação
sificado de forma distinta. roponha
n Classificação biológica categorias ta on micas conceito de espécie um e ercício de classificação tendo
como elementos os alunos da própria

56 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


couve couve-flor

turma. ugira que formem pe couve-de-bruxelas brócolis e emplo. roponha uma ativi
quenos grupos os quais rece dade de pesquisa para respon-
berão uma listagem com o nome de to mostarda der s seguintes perguntas ue va
dos os componentes da classe. eça riações são essas las são naturais
então que cada grupo defina entre Como são obtidas ual o resultado
e critérios que possam ser utili a provável de uma comparação entre os
dos na classificação arranjando os As dos diversos tipos de tomates
em ordem decrescente de import n beterraba rabanete ou bananas ou uvas?

5
cia. ualquer característica pode ser
utili ada por critério por e emplo p pesar de suas di erenças bvias O conceito mais difundido de es-
todas essas plantas são membros da
se o cor do olho formato do nari al pécie inclui como fator principal o
mesma espécie, B. oleracea
tura local onde mora time para o qual isolamento reprodutivo. olicite que
torce etc. riente que uma ve apli os alunos reali em uma pesquisa bi
cado o critério as separações entre os cífica e a diferenciação de espécies bliográfica para responder que é
elementos são definitivas. Após a ati erá que os lagópodes ou as aranhas um mecanismo de isolamento repro
vidade promova a comparação entre são mais distintos entre si que as di dutivo Como eles se estabelecem
os resultados obtidos e proponha uma ferentes etnias humanas? O que dizer ao longo da história evolutiva de uma
discussão sobre a import ncia de es da comparação entre um pigmeu afri espécie Como é possível atribuir re
tabelecimento de critérios adequados cano e um norte-europeu? Ou entre lações de ancestralidade entre indi
para a classificação dos seres vivos. um indígena sul americano e um es víduos cuja comprovação do isola

3
quimó ão seria o caso de repensar mento reprodutivo é impossível como
naturalista ingl s Charles ar a classificação dos seres humanos o ser humano atual e espécies de ho

4
in em seu livro A origem das es- minídeos ancestrais por e emplo

6
pécies assinalou uma condição fun ser humano seleciona artificial
damental para que a seleção natural mente animais ou plantas com o á vários e emplos de hibridi
e por consequ ncia a evolução objetivo de aumentar ou melhorar o as ação tanto em condições na
biológica ocorresse a variabilidade pecto a produção ou a qualidade do turais como em condições contro
entre os indivíduos nas populações organismo. Assim há seleção para ra ladas. ulas e burros são híbridos
naturais. ndivíduos da mesma es ças de cães para plantas ornamentais resultantes do cru amento entre uma
pécie ou até filhotes de mesmos pais para aumento de produção de leite de égua (Equus caballus) e um jumento
© ISTOCKPHOTO (Couve-de-bruxelas e couve-flor ); © SHUTTERSTOCK (demais verduras)

não são iguais entre si mas apresen carne etc. s seres humanos dirigi (Equus asinus) e os denominados lí-
tam características que os distinguem ram a evolução da mostarda selvagem gers ou tigons alguns dos quais fér
dos demais de sua espécie. o que (Brassica oleracea) para produ ir plan teis são obtidos do cru amento entre
se observa na sala de aula por e em tas de colheitas diferentes como o re tigres (Panthera tigris) e leões (Pan-
plo. o entanto o conceito de espé polho a couve a couve or a beterra thera leo). roponha uma discussão
cie passa muito pela comparação ba o rabanete e o brócolis. Apesar de sobre como esses animais poderiam
morfológica entre os indivíduos como suas diferenças óbvias todas essas ser ta onomicamente classificados.

7
os e emplos dos lagópodes dos bu plantas são membros da mesma es
gios das aranhas e das panteras ne pécie o eracea er figura aci a . e que forma alterações no con
bulosas citados no artigo. os supermercados ou nas feiras é ceito de espécie podem interferir
uestões para a discussão ual o li comum encontrarmos vários tipos de em políticas e estratégias de preser
mite entre a variabilidade intra espe tomates de bananas e de uvas por vação ambiental

Roteiro elaborado por aur io ar s i professor de biologia dos colégios Anchieta . . do om Conselho e do curso Anglo ré
vestibulares orto Alegre R .

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 57


PARA O PROFESSOR

U CA

A versatilidade
do carbono
PROPOSTAS PEDAGÓGICAS

A proposta se baseia em um con-


junto de atividades estrategica-
mente escolhidas para trabalhar o
é considerado a forma mais macia do
carbono. A aplicação mais conhecida
do grafite é a de mina para lápis po-
mente o grafeno. ortanto nos ltimos
anos a comunidade científica tem
dedicado muita atenção aos materiais
tema do artigo A versatilidade do rém há várias outras tais como lubri- inorg nicos baseados no carbono.
carbono em que se e ploram as po- ficante cátodo de baterias alcalinas O grafeno apresenta propriedades
tenciais aplicações de formas do car- escovas de motores elétricos fabri- e cepcionais como por e emplo alta
bono como o fulereno e a mais recen- cação de material refratário. á o dia- resist ncia mec nica bom condutor
te e fascinante delas o grafeno. As mante usado na fabricação de joias de eletricidade e promete revolucio-
atividades têm como objetivo incen- é muito duro característica que o tor- nar o mundo da eletr nica permitindo
tivar o aluno ao questionamento na ideal para riscar e cortar materiais o desenvolvimento de computadores
construção de argumentos e comu- como o vidro. telas sensíveis ao toque e painéis so-
nicação crítica. m o ingl s arold . roto lares mais e íveis e eficientes. sse
e os americanos Robert . Curl e Ri- material é capa de transportar calor
Por que estudar o carbono? chard . malle relataram a desco- de maneira altamente eficiente e por-
carbono ocupa uma posição berta de mais uma forma alotrópica do tanto permite construir transistores
especial na ature a pois é o se to carbono sendo a primeira molecular que ultrapassam a rapide dos tran-
elemento mais abundante no Univer- o buc minsterfulereno C . n mero sistores clássicos de silício.
so e toda a vida que conhecemos de átomos de carbono numa molécula fundamental que o professor
é baseada nesse átomo. lemento fuler nica pode variar de a milhares procure aliar o desenvolvimento de
tetravalente o carbono é capa de formando hexágonos e exatamente conceitos químicos ao entendimen-
estabelecer fortes ligações com dife- pentágonos. A e ploração de suas to de suas aplicações no mundo do
rentes elementos químicos e também propriedades fotofísicas e eletroquími- trabalho. Atividades que apro imem
apresenta a habilidade de formar e - cas pode se provar til. o aluno das descobertas e do uso
tensos encadeamentos de átomos de ários tipos de material inorg nico de novos materiais tornam as aulas
carbono como nenhum outro. de grande interesse tecnológico são mais interessantes além de contri-
Até conheciam se duas de baseados no átomo de carbono como buir para a percepção do importante
suas formas alotrópicas o grafite e o o grafite o diamante os fulerenos os papel da química nas novas e futu-
diamante. grafite presente no lápis nanotubos de carbono e mais recente- ras tecnologias.

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM

n Construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fen menos na-
turais de processos histórico geográficos da produção tecnológica e das manifestações artísticas.

HABILIDADES
n a obtenção e produção de materiais e de insumos energéticos identificar etapas calcular rendimen-
tos ta as e índices e analisar implicações sociais econ micas e ambientais.

CONTEÚDOS
n Alotropia abela eriódica.

58 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


PROPOSTAS DE ATIVIDADES

A s atividades sugeridas têm como


objetivo colaborar para o desen-
volvimento de um aluno tornando o
em aprofundar. A partir desse e ame
outras atividades podem ser elabora-
das como a seguir.
registrar as características citadas por
cada um e proponha que eles estabe-
leçam as diferenças entre as tr s for-
capa de organi ar seu próprio ma- mas alotrópicas do carbono.
terial questionar propostas sugerir

6
SUBSTÂNCIAS
TABELA
alternativas criticar e reconstruir argu- SIMPLES E CARBONO dentifi ar o elemento
PERIÓDICA
mentos. A proposta valori a o conheci- COMPOSTAS A partir do estudo sobre as
mento prévio dos alunos e possibilita a formas alotrópicas do carbono
LIGAÇÕES
evolução de conceitos. ALOTROPIA os estudantes devem identificar
INTERATÔMICAS

1
as características do carbono de
onhe er o tema acordo com a sua locali ação
ara a leitura do artigo recomen- DIAMANTE GRAFITE FULERENO na abela eriódica e procurar
da se a divisão da turma em grupos argumentos para responder às
de até quatro participantes. e consi- seguintes questões
derarmos uma classe de alunos as NANOTUBOS NANOTECNO- ual o material utili ado na
DUREZA
atividades poderão ser divididas entre DE CARBONO LOGIA construção dos transistores ele-
os oito grupos da seguinte forma n- mentos básicos de todos os cir-
carregue quatro grupos de ler o artigo p EXEMPLO de cuitos eletr nicos
GRAFENO
e formular seis questões. Aos grupos rede temática construída ual material poderia substi-
restantes atribua a tarefa de escolher para o tema carbono tuí lo
quatro ideias que julguem principais Com a discussão dessas
no artigo.
4 Pesquisar sobre o tema questões pretende se aprofundar o

2
Forme novamente os grupos estudo sobre as características dos
Discutir o tema podem ser os mesmos das ati- elementos carbono e silício bem como
eça que cada grupo escolha um vidades anteriores e solicite que pes- suas semelhanças e diferenças.

7
representante para e por as questões quisem a respeito do emprego dos
e as ideias selecionadas orientando os nanotubos na medicina e no tratamento laborar a apresentação es rita
a registrá las no quadro para que todos de águas contaminadas. Cada grupo Após o estudo sobre o carbono
visuali em. Após a leitura de todos os deverá pesquisar pelo menos um arti- os alunos agora em trabalho individual
grupos faça com os alunos o agrupa- go em revistas ou jornais que apresente deverão elaborar um te to argumenta-
mento das ideias e questões em cate- a aplicação dos nanotubos de carbono tivo de a linhas sobre o tema
gorias. Cada categoria deverá e pres- na medicina ou no tratamento de águas anotecnologia futuro . estaque o
sar o tema que está relacionado. contaminadas por metais pesados. papel relevante do e ercício da escrita

3
ssa pesquisa será sociali ada com para organizar os argumentos construí-
Construir a rede temática os demais colegas por meio da escrita dos pelos alunos.

8
Após a seleção das categorias e leitura de uma síntese. Após a leitura
juntamente com os alunos promova das sínteses cada grupo deverá cons- laborar a apresentação
um e ercício de construção de uma truir um te to sobre a import ncia da para m dia eletr ni a
rede com os temas sugeridos e com aplicação dos nanotubos de carbono. ugira a produção de um blog so-
seus conhecimentos prévios sobre estaca se a relev ncia de conhecer a bre o carbono com te tos escritos pe-
o assunto e a na figura aci a u a aplicabilidade dos materiais bem como los alunos em que todos participem
sugestão de rede temática construída o desenvolvimento da nanotecnologia. com pelo menos um comentário sobre

5
com base na leitura do artigo). o te to do colega de forma a ampliar
Essas três primeiras atividades têm Estudar as formas sua argumentação e seus questiona-
como objetivo incentivar a discussão alotrópicas do carbono mentos sobre o tema. essa atividade
sobre o carbono e inteirar-se do que o Com os mesmos grupos após lei- pretende-se comunicar os argumentos
aluno já conhece sobre o tema proposto. tura sobre as formas alotrópicas do construídos ao longo do trabalho e e -
A visuali ação da rede temática carbono oriente os a elencar tr s ca- p los crítica o que poderá originar
permite que os alunos e o professor dis- racterísticas do diamante do grafite e novos questionamentos ao grupo e am-
cutam quais temas têm mais interesse do fulereno. Construa um quadro para pliar mais ainda o estudo.

Roteiro elaborado por Fernanda Albuquerque professora de uímica do nstituto ederal de ducação Ci ncia e ecnologia sório R

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 59


PARA O PROFESSOR

CA

O refinado
instrumento humano
PROPOSTAS PEDAGÓGICAS

O tema principal do artigo leva nos a com-


preender como é importante a nossa vo
e como tudo funciona em perfeita harmonia
com a ature a. A comparação com os ins-
trumentos musicais mostra que a voz humana
é capa de criar uma incrível variedade de
sons. sse conte do pode ser trabalhado le-
vando em conta que temos em sala de aula
uma grande produção de sons a maior parte
proveniente de conversas. o mesmo ambien-
te é possível observar aqueles que falam alto e
os que falam bai o os que falam fino agudo
e os que falam grosso grave os que falam
rápido e os que falam devagar e assim gerar
interesse e questionamentos sobre o artigo
grande parte do qual relacionada com o con-
te do da ac stica.

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM

n Reconhecer características ou n nterpretar e perimentos ou téc- n Classificar as ondas sonoras de


propriedades de fenômenos on- nicas que utili am seres vivos acordo com sua frequ ncia.
dulatórios ou oscilatórios relacio- analisando implicações para o
n Relacionar a intensidade física
nando-os a seus usos em diferen- ambiente a sa de a produção de
sonora à energia transportada
tes conte tos. alimentos matérias primas ou pro-
pela onda.
dutos industriais.
n Confrontar interpretações cien-
n Compreender o conceito de
tíficas com interpretações basea- n Avaliar propostas de alcance in-
intensidade auditiva ou nível so-
das no senso comum ao longo do dividual ou coletivo identificando
noro e conhecer sua unidade de
tempo ou em diferentes culturas. aquelas que visam preservação
medida.
e implementação da sa de indi-
n Avaliar propostas de interven-
vidual coletiva ou do ambiente. n Compreender o conceito de
ção no ambiente considerando
timbre.
a qualidade da vida humana ou n Compreender a produção e pro-
medidas de conservação recu- pagação das ondas sonoras. n Analisar em diferentes situa-
peração ou utili ação sustentável ções a questão da poluição sono-
n Conhecer a velocidade do som
da biodiversidade. ra e seus efeitos sobre o ambiente.
em diferentes meios.

CONTEÚDOS
n ndas sonoras fontes e propriedades das ondas sonoras qualidades fisiológicas do som.

60 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


PROPOSTAS DE ATIVIDADES

P 1
o
ara iniciar convém apresentar os Experimento Decibelímetro digital
conteúdos da acústica neces- e a escola dis
sários para que a turma entenda a puser de um de-

2
o
import ncia da vo e da audição no cibelímetro tente Experimento
processo da comunicação. epois fazer com os estu- Uma alternativa bastante viável
da leitura do artigo é interessante dantes uma avalia em sala é o uso de um computa
encomendar aos alunos separados ção do nível sonoro dor com cai a de som. ai e pre
em grupos uma pesquisa de vídeos do ambiente para viamente o Programa gratuito Sine
na internet que e ibam um cantor ou compará lo com os Wave Generator gerador de ondas
uma cantora acompanhados por or- níveis permitidos sonoras e mostre para a classe os
questra e solicitar que identifiquem roponha por limites audíveis ao ouvido humano.
algumas características do sistema e emplo que um Com o osciloscópio digital elsco
fonador ressaltadas no artigo por grupo converse normalmente enquan pe er figura também disponível
e emplo o megafone invertido. sse to os outros medem a intensidade na internet share are é possível
e ercício vai ajudá los a compreen sonora quantidade de decibéis d mostrar as ondas produzidas com a
der melhor os mecanismos da vo . produ ida . fereça alguns par me vo dos alunos e estudar os compri
Em seguida comente os conceitos tros para comparação mentos das ondas geradas.
envolvidos no tema ac stica altura Um conjunto de roc usando am
intensidade timbre eco reverbera plificador produ sons de apro ima
ção frequ ncia velocidade do som e damente d de intensidade já
poluição sonora entre outros. Aprovei o barulho de um avião a jato chega
te as imagens do artigo para e plicar a d e o do tráfego na cidade
como funciona nosso sistema fonador fica em torno de d . Comente que
e salientar a import ncia da vo e os uma e posição prolongada a níveis
cuidados que devemos tomar. sonoros acima de d geralmente
romova uma discussão acerca do ocasiona dano permanente às estru-
modo como os alunos conversam entre turas do ouvinte.
si e sobre o nível de volume com que fa Alguns desdobramentos podem
lam. á muitos e perimentos com a vo surgir como um debate em torno de
que podem ser feitos em classe entre quais níveis são agradáveis quais atra p Página do programa Zelscope
os quais os dois sugeridos a seguir. palham as atividades dos vi inhos etc. (osciloscópio digital)
© SHUTTERSTOCK (decibelímetro); REPRODUÇÃO (osciloscópio)

SUGESTÃO DE VÍDEOS
http://www.modernaplus.com.br – A física em nosso mundo: o som também polui.
http://www.youtube.com/watch? v=cK2-6cgqgYA&feature=related
Vídeo em inglês sobre as ondas sonoras e suas fontes

SITES
http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/uma_cantora_de_opera_pode_quebrar_uma_taca_com_a_voz__imprimir.html

Roteiro sugerido por lademir arvalho as on elos professor de física dos colégios amas e otivo e de física e perimental do
curso de engenharia de telecomunicações da aculdade aurício de assau em Recife

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 61


PARA O PROFESSOR

RA A

O jogo dúbio que envolve


demografia e poluição
PROPOSTAS PEDAGÓGICAS

N a segunda metade do século


os movimentos de contestação ao
mundo existente incorporaram novos
cursos naturais. ais que isso não se
podia negar o direito de existir às es-
pécies naturais e a seu ambiente in-
Um elemento central caro aos
ambientalistas mas não só e pre-
sente no artigo de Robert ngelman
temas para além de questões associa- dependente de isso ser til ou não aos é a questão populacional que pode
das aos regimes socioecon micos a seres humanos. ser assim descrita não haveria como
saber o capitalismo e suas agruras ssa atmosfera foi fértil para novos obter a sustentabilidade sem que a
por um lado e a luta pela construção movimentos sociais que se multiplica- população mundial diminuísse seu rit-
do socialismo como regime alternati- ram e in uenciaram a escala mundial mo de crescimento a começar agora.
vo. A contestação uerra ria e aos e acrescentaram na relação homem Trata-se da leitura malthusiana aplica-
seus desdobramentos como a uerra ature a uma nova dimensão e uma da ao tema ambiental.
do ietnã e a ocupação do Afeganis- nova cultura grosso modo denomina- á um documento célebre um
tão pela antiga UR viu se organi a- da ambientalismo que depois disso marco das elaborações ambientalis-
rem movimentos pacifistas e na estei- constituiu-se numa referência incon- tas intitulado Nosso futuro comum
ra desses os chamados movimentos tornável para a discussão de qualquer publicado em também conheci-
ambientalistas. modelo de vida oci- questão relacionada ao presente e ao do como Relatório Brundtland. esse
dental estabelecia uma relação com o futuro da humanidade e do planeta. relatório não disfarça a leitura malthu-
mundo natural tratada com indiferença ada a import ncia das questões siana da questão ambiental. as o
até aquele momento. as não se po- envolvidas é fundamental conhecer que é isso e como o entendimento
dia mais ignorar as incríveis sobrecar- os traços básicos da cultura ambien desse tema pode ajudar no trabalho
gas a esse mundo que colocava em talista e das bandeiras sociais que pedagógico com o artigo de Robert
risco o próprio futuro da humanidade ela consagrou como o desenvolvi- ngelman o que será encaminha-
com a dilapidação predatória dos re- mento sustentável. do a seguir.

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM


CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS HABILIDADES ENVOLVIDAS
n ntender as transformações técnicas e tec- n er e interpretar diferentes representações gráficas e car-
nológicas e seu impacto nos processos de pro- tográficas para compreender fen menos geográficos.
dução no desenvolvimento do conhecimento
n Comparar diferentes pontos de vista presentes em te tos
e na vida social.
analíticos e interpretativos sobre situação ou fatos de na-
n Relacionar o uso das tecnologias com os im- ture a histórico geográfica acerca das instituições sociais
pactos socioambientais em diferentes contex- políticas e econ micas.
tos histórico geográficos.
n Avaliar criticamente con itos culturais sociais políticos
n Compreender a sociedade e a Nature a re- econ micos ou ambientais ao longo da história.
conhecendo suas interações no espaço em
diferentes conte tos históricos e geográficos.
CONTEÚDOS
n Reconhecer a função dos recursos naturais
n eografia e os diagnósticos da cultura contempor nea.
na produção do espaço geográfico relacio-
nando os com as mudanças provocadas pelas n Relações da demografia com espaço geográfico meio am-
ações humanas. biente sustentabilidade modelos de produção e consumo.

62 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


araju u o
bairro de
compras de
óquio

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

O próprio ngelman fa refer ncia


ao malthusianismo em seu arti-
go e são vários os momentos em que
tão ambiental conhece uma pequena
variação o crescimento populacional
pode não ser impeditivo para a supe-
carga insuportável sobre o mundo
natural e se não for contido não só
a espécie humana estará em risco
ele assume o que sem dificuldade ração da pobre a mas ele inviabili a as gerações futuras mas o planeta
poderia ser chamado de um enten- a sustentabilidade ele tem um caráter como um todo.
dimento malthusiano da questão am- destruidor da ature a pode ser res- Argumento antimalthusiano: A so-
biental como por e emplo “A rever- ponsabili ado como um fator chave brecarga e a insustentabilidade sobre
são do aumento do número de seres na questão do aquecimento global. o mundo natural se devem não ao n -
humanos é a estratégia mais essen- ale considerar essa transfor- mero de pessoas dos países pobres
cial e ignorada para atingir um equi- mação do conceito como tema especialmente mas sim ao modelo
líbrio duradouro com o ambiente. Ao de discussão. Afinal se antes as de consumo e de produção dos paí-
contrário da opinião corrente, contro- consequências do crescimento afe- ses ricos. Cada indivíduo de alta ren-
le populacional não é necessário”. tavam os países pobres agora elas da de um país rico consome e polui
As propostas de atividades e dis- interferem na vida no planeta. sozinho bem mais que grupos inteiros

2
cussões vão partir do esclarecimento de pessoas pobres.
antes de tudo desse ponto de vista artigo de ngelman se dá num trabalho pedagógico aqui pode

1
conte to em que várias pol micas ser feito de diversas formas ou pro-
s alunos devem trabalhar o em torno do malthusianismo já ocorre- pondo ao estudante que procure iden-
conceito malthusianismo nor- ram e por isso parece incorporar ar- tificar os termos das pol micas nos
malmente e aminado em geografia gumentos dos lados oponentes. sse dois campos ou discutindo o mérito
mas não só quando o assunto é a é o motivo de agora propormos re- dessas posições como foram aqui
demografia. o ensino médio os alu- cuperar os termos da pol mica e os descritas e ou identificando no artigo
nos já conhecem essa ideia e por argumentos que se confrontaram de ngelman como ele lida com esses
isso talve seja preciso apenas re- inclusive com a aplicação do malthu- dois argumentos contraditórios ele
cuperar o tema destacando alguns sianismo na questão ambiental. toma que posição

3
aspectos do conceito e das pol mi- obre a questão da pobre a
cas que ele sempre gerou. Um primei- Argumento malthusiano: uando O autor insiste na necessidade de
ro aspecto a ser salientado a tese de o crescimento populacional ultrapas- se recuperar a visão antes pre-
homas R. althus um economista sa os limites de disponibilidade dos sente sobre o peso do crescimento
que viveu na virada do século para recursos naturais solos agrícolas populacional nas questões de degra-
o era que o crescimento popula- água etc. ele gera pobre a. dação ambiental em especial no tema
cional encontraria um limite na dispo- Argumento antimalthusiano: A po- das emissões de gases estufa. as
nibilidade de recursos naturais. que bre a é produto de várias questões ele os fa ignorando os argumentos
se esse crescimento não respeitas- ligadas e ploração do trabalho antimalthusianos ou ele os considera
se esses limites haveria como havia concentração de renda s injustiças uas questões para orientar uma bre-
muita pobre a. foi assim que nos sociais diversas etc. e não ao cresci- ve dissertação
anos essa ideia foi recuperada mento populacional aliás este não é Como ele lida com os argumentos
como uma justificativa para a e ist n- causa da pobre a e sim consequ ncia. desses dois lados abandona um dos
cia da pobre a. obre a questão ambiental lados ou associa os
Um segundo aspecto a destacar é Argumento malthusiano: O cres- ual sua opinião sobre o argumen-
que a aplicação dessa ideia na ques- cimento populacional implica sobre- to central do artigo

Atividades sugeridas por aime adeu liva geógrafo do nstituto de studos rasileiros da Universidade de ão aulo e autor de livros didáticos.

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 63


PARA O PROFESSOR

MATEMÁTICA

Saudade da
régua de cálculo
PROPOSTAS PEDAGÓGICAS PROPOSTAS DE ATIVIDADES

ualquer atividade didática que


envolva diretamente o uso e in-
vestigações com a régua de cálculo
de variáveis como grau de interes-
se da turma e pectativas da classe
quanto à aprendizagem de mate-
1 Reserve uma aula para a conte tu-
ali ação da import ncia dos logarit-
mos e da régua de cálculo começan-
e igirá reservar parte significativa mática conhecimento do professor do com a leitura do artigo. importante
do programa do curso de logaritmos sobre a relev ncia do tema em ou- que o aluno perceba que a invenção
para o tratamento do tema. isso tros conte tos da matemática pla- dos logaritmos foi fundamental na histó-
vai depender de quanto o professor nejamento da disciplina ambiente ria da matemática para simplificar cál-
julga relevante uma discussão deta- social escolar favorável etc. culos e austivos e que a régua de cál-
lhada sobre esse instrumento. Acre- culo era um instrumento que fa ia uso
dito que um bom curso de matemá- sta proposta de trabalho leva dos logaritmos para reali ar as contas.

2
tica tem mais a ver com a escolha em consideração uma e ploração
de uma boa escala de aprofunda- do assunto em escala intermediária iscuta com os alunos a lógica
mento dos temas e plorados do que de aprofundamento o que implica do sistema de logaritmos como
propriamente com a seleção dos te- di er que não se pretende e plorar recurso para transformar multiplica-
mas matemáticos. A medida certa os detalhes de funcionamento da ré- ções em adições divisões em subtra-
de aprofundamento que o professor gua de cálculo mas sim a lógica im- ção e radiciação em divisão. qua-
dará ao tema é que será decisiva no plícita no seu uso como instrumento dro uem tem medo dos logs é um
sucesso das aulas a qual depende de simplificação de cálculos. material valioso para ser desenvolvi-
do com e plicações e discussões em
aula. A e ploração desse tema pode
COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE ser feita em associação com o uso da
REFERÊNCIA DO ENEM régua de cálculo ou com tabelas de
logaritmos decimais que podem ser
n i o Cognitivo . Compreender fen menos C construir e aplicar con-
bai adas da internet.
ceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fen -
menos naturais de processos histórico geográficos da produção tecno-
Usando um dos e emplos numéri-
lógica e das manifestações artísticas.
cos desse quadro é conveniente e -
n atemática e suas tecnologias compet ncia de área abilidade plorar a ideia de logaritmo como fer-
ramenta para simplificar cálculos
n Ci ncias da nature a e suas tecnologias compet ncias de área a-
porém também vale a pena utili ar
bilidade e de área abilidade
uma notação apropriada. epois de
nCi ncias uumanas e suas tecnologias compet ncia de área abili- trabalhar as propriedades básicas dos
dade logaritmos com os alunos é possível
e aminar um ou mais dos e emplos in-
n Objetos de conhecimento associados às matrizes de referência
dicados no quadro.
n Conhecimentos algébricos gráficos e funções funções algébricas
do 1o e do 2o graus polinomiais racionais e ponenciais e logarítmi- ugestão Como dividimos
cas equações e inequações relações no ciclo trigonométrico e fun- por
ções trigonométricas
Resolução:
CONTEÚDOS Chamemos de o resultado da divisão
de por
n Logaritmos n Régua de cálculo n abelas e aplicações

64 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


TABELA DE MANTISSAS eja que o valor encontrado para a di
x= 1 2 3 visão de por consiste em uma
1 apro imação e não em um cálculo
Aplicando logaritmo dos dois lados e ato. As ra ões disso são
2 3222
da igualdade ela se preserva. emos
portanto 3 A maioria dos logaritmos decimais
log log ... com mantissa tabelada são n meros
11 irracionais e portanto os valores con
Utili ando uma das propriedades dos tidos nessas tabelas já são apro ima
logaritmos já trabalhada anteriormen 12 ções decimais de n meros irracionais.
te pelo professor com os alunos segue 13
que log log log . Consul Ao procurar na tabela o n mero
tando uma tabela logarítmica encontra encontramos e atamente esse
remos log e log como vere valor mas poderíamos não ter encon
mos abai o. TABELA DE MANTISSAS trado o valor e ato o que e igiria uma
1 apro imação por algum dos valores in
abemos que log é igual soma de dicados na tabela.
...
um n mero inteiro a característica do
logaritmo com um n mero decimal a istem técnicas para encontrar apro
mantissa . A característica do logarit ... imações cada ve melhores mas sua
mo decimal de um n mero é igual discussão talve fuja escolha de es
ao n mero de algarismos de sua par cala apropriada de aprofundamento
te inteira menos . Assim as caracte do tema com turmas de nsino édio.
rísticas de log e log são res ara mais detalhes sobre cálculos com
pectivamente e . Com relação s logaritmos decimais recomenda se a
suas mantissas sabemos que loga indicação bibliográfica.

3
ritmos decimais de dois números que Com os valores da tabela temos que
se diferenciam apenas pela posição Apresente situações práticas em
da vírgula t m a mesma mantissa. or log log log que os logaritmos são utili ados.
malmente as tabelas de mantissas de log oa parte dos livros didáticos e plora
logaritmos decimais contidas nos li log as aplicações tradicionais tais como
vros possuem mantissas de log com cálculo do p da intensidade sonora
indo de até variando de em asta agora procurar na tabela o va e da intensidade de terremotos. inte
. egue se portanto que a mantis lor de para o qual temos uma mantis ressante enriquecer a aula com aplica
sa de log é a mesma de log sa igual ou apro imadamente igual a ções menos usuais tais como o cálcu
de log de log de log que é lo da intensidade de brilho de estrelas
etc. ara consultar a mantissa de log e do 1o dígito de um n mero dado pela
usando uma tabela de livro didá lei de e comb enford.
tico procuraremos a mantissa de log TABELA DE MANTISSAS
que é um valor tabelado. o caso 1
de log sua mantissa pode ser con SUGESTÃO DE SITES
...
sultada diretamente na tabela sem ne http://en.wikipedia.org/wiki/Benford’s_law
cessidade de nenhum ajuste de leitura. (em inglês, consultado em 3/7/11)
...
log possui característica http://vestibular.uol.com.br/ultnot/resumos/
e mantissa .
61 ult2774u21.jhtm (artigo sobre a aplicação
log possui característica
dos logaritmos na lei de Benford)
e mantissa 62

Roteiro elaborado por osé ui astore ello professor de matemática do Colégio anta Cru em ão aulo. estre em ensino de matemática
pela U licenciado em matemática pelo U e bacharel em economia pela A U . jlpmello uol.com.br

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 65


ENSAIO

A língua de Darwin
A seleção natural aplicada às linguas naturais

O que é, de fato, a vida? O que carac-


teriza um ser vivo e o diferencia da
matéria inanimada? Para os biólogos, a
gua de facto, não há “vida” na língua: ape-
nas um sistema estático, “inorgânico”.
A homeostase da língua se caracteriza
vida é caracterizada por alguns fatores: pela estrutura linguística subjacente: sua
metabolismo, homeostase, capacidade gramática. Não é possível conceber a exis-
de crescer e responder a estímulos, de se tência de uma língua agramatical. Senten-
reproduzir e, finalmente, de se adaptar ças ditas agramaticais, ou seja, que não es-
ao meio em que está inserida, por meio tejam de acordo com a gramática da
da seleção natural. Podemos dizer que a língua por fugirem do “equilíbrio linguísti-
vida é a transformação constante de uma co” que garante a ordem do sistema, não
estrutura básica e estável. encontram sustentação e simplesmente de-
Há muito se discute se às línguas natu- saparecem, sem sequer terem sido pronun-
rais pode ser conferido o título de “vi- ciadas. Que as línguas crescem, ou seja,
vas”. De um lado, temos os que defen- que se tornam maiores e mais complexas
dem as semelhanças entre elas e os seres com o passar do tempo, é inquestionável.
vivos e, de outro, aqueles que afirmam se- Basta que observemos a quantidade de ne-
rem as línguas apenas mais um fenômeno ologismos surgidos quase diariamente em Dessa forma, as línguas merecem,
social. Apesar de a semelhança entre lín- qualquer língua existente. sim, o título de “vivas”, ainda que, evi-
guas e entidades vivas parecer evidente, é No que se refere à resposta a estímulos, dentemente, com reservas. Como Darwin
necessária uma breve comparação entre talvez a língua seja o melhor exemplo nos ensina em seu A origem das espécies,
essas duas existências. O metabolismo para estudo, uma vez que mudamos nossa os seres vivos estão sujeitos a transforma-
pode ser definido como o conjunto de re- forma de expressão a todo momento: ções em si próprios e no ambiente em que
ações químicas que ocorre nos organis- conforme os estímulos são alterados (mu- vivem. Não fosse assim, jamais teríamos
mos vivos para sustentar sua vida; a ho- danças de situação, interlocutores, o tom a maravilhosa diversidade ao nosso re-
meostase é a propriedade que mantém de um texto etc.), a língua também se alte- dor, com criaturas perfeitamente adapta-
um sistema regulado e estável interna- ra, tendo uma espécie de sensibilidade, das a certos ambientes e funções, como a
mente; o crescimento é a capacidade de se própria de seres vivos. Outro ponto in- famosa Xanthopan morgani, a “maripo-
desenvolver e se transformar em algo questionável é a capacidade de reprodu- sa que Darwin previu”.
maior e/ou mais complexo; a resposta a ção das línguas naturais. O português é Darwin descobriu um mecanismo na-
estímulos é a capacidade de responder a uma das muitas línguas-filhas do latim, tural que preserva as características úteis à
alterações no ambiente externo ou inter- bem como o italiano, o francês, o espa- sobrevivência do indivíduo e descarta as
no, e a capacidade de reprodução é a pos- nhol, o romeno, o catalão e outras 42 lín- prejudiciais. Esse mecanismo – a seleção
sibilidade de gerar descendentes; por fim, guas. A família do indo-europeu, da qual natural – é tão poderoso e universal que
a adaptação é o processo por meio do as línguas itálicas fazem parte, consiste em pode ser aplicado a praticamente qual-
qual, com o correr do tempo, a vida se quase 450 línguas diferentes. quer sistema complexo. A língua de Da-
torna mais bem “configurada” ao am- Associada à capacidade de reprodu- rwin é afiada e poderosa, já que descreve o
biente em que está inserida, aumentando ção, encontramos a capacidade de adap- funcionamento da Natureza com precisão
assim as chances de sobrevivência. tação das línguas naturais. Uma vez sepa- espantosa. É a língua da variação e da
As línguas naturais têm, se não todas, radas do ramo principal e isoladas adaptação, da vida e da maravilha que
pelo menos a maioria das características geograficamente de sua língua-mãe, as va- nos cerca neste mundo. Realmente, “há
que atribuímos à vida. Notaremos que o riantes linguísticas se tornarão maiores e grandeza nessa forma de ver a vida”.
metabolismo das línguas se constitui na mais maduras até constituírem línguas
língua falada. Esta é a realização da língua, próprias e distintas, como ocorreu com o Por Paulo Manes, pesquisador-bolsista do
© SHUTTERSTOCK

isto é, sem ela não existe nada que seja ob- português e o francês, por exemplo, após Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPT) na área de
servável ou passível de estudo no campo a queda do Império Romano e o conse- estudos linguísticos e Maria Flávia Figueiredo,
da linguística. Sem a fala não há uma lín- quente enfraquecimento do latim. doutora em linguística pela Unesp.

66 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

Você também pode gostar