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E o aluno da escola da vida

Gelson: Não me vejo em outra profissão, senão o jornalismo


Adriano Santiago
N Em um dia atípico de
março, com tempo nubla-
do e uma leve garoa, che-
go à sede da emissora de TV
T onde Gelson Negrão trabalha.
Pontualmente às 15 ho-
ras anuncio minha chegada a se-
cretária, que pede para que eu
aguarde na sala de espera, pois
R Gelson está em uma reunião.
Aguardo cerca de 20
minutos, pacientemente em
uma poltrona bem confortá-
vel, e neste tempo reviso as
E perguntas e fico admirando
o prédio e sua imponência.
Logo sou chamado na
recepção e convidado a subir as
escadas que levam ao segundo
V andar, ao final dos degraus está
Gelson Negrão, que me aguar-
da com um sorriso cordial, como
se fossemos velhos amigos.
Ele me conduz até a

I entrada de uma sala de reuni-


ões, e então fico duplamente
impressionado, com a simplici-
dade de Negrão e com a sun- Gelson Negrão é jornalista às 24 horas do dia
tuosidade da sala, ele trajando

S uma camiseta preta e jeans Gelson Negrão, 48 anos, e um dia tomou coragem de en-
discretos, já a sala é toda ave- é pé vermelho de Andirá (PR) e trar pelas portas da emissora.
ludada, do chão até as janelas, começou sua trajetória ainda no “Minha curiosidade era
com portas desenhadas nas norte pioneiro, nos idos de 1980. saber como aquilo funcionava”,
madeiras, só possíveis de iden- Sua família morava na lembra Gelson. E com o tempo
zona rural e decidiu-se mu- as visitas se tornaram mais ro-
T tificação graças as maçanetas.
Sento-me em sua dar para a cidade preocupa-
dos com a educação do filho.
tineiras, até que surgiu o convi-
te para atuar como sonoplasta.
frente, e ele tenta me dei-
xar o mais à vontade possí- Na época era auxiliar de “Era tudo muito ro-
vel, poso minhas anotações jardinagem e no caminho até o mântico, precário, mas o rá-
trabalho, existia uma rádio. Co- dio é uma escola” conta.
A na mesa e coloco o celular
para gravar e então começo. meçou um namoro com o prédio, Também confiden-
ciou que não gosta de se ou- muitos conhecidos e colegas Mas nem tudo são flo-
vir, “ tenho a voz ardida, mas de redação, e do ‘Copo sujo’ ”, res no exercício da profissão, e
rádio é mais talento e exer- gargalhando ao lembrar do tra- uma questão negativa é a famí-
cício, do que somente voz”. dicional boteco de Londrina, no lia, ou melhor a ausência dela.
Gelson Negrão é um qual se reúnem os jornalistas. “ Jornalista não tem horário
jornalista sem diploma de fa- “O jornalismo te apre- fixo, eu viajava o Brasil inteiro
culdade, ou da academia como senta pessoas de outro nível. Na cobrindo esporte, estava muito
ele gosta de chamar. Mas quan- França, em 1998 eu assisti ao focado na carreira. Meu primei-
do perguntado, ele defende segundo tempo da final da Copa, ro casamento ruiu” lamenta.
a obrigatoriedade do canudo, dentro do campo. E consegui Gelson casou-se no-
demonstrando que talvez a úni- isso graças a um colega da CNN vamente, desta vez com uma
ca peça que falta em seu que- espanhol, que me cedeu a cre- jornalista, separou-se pela se-
bra-cabeça da carreira jornalís- dencial dele em agradecimento gunda vez, e teve um terceiro
tica. E finaliza o assunto com pelas experiências que trocamos matrimônio, com outra jorna-
uma frase que resume bem naqueles dias” relembra Gelson. lista. Dessas uniões nasceram
isso, “ sou uma contradição”. Negrão afirma também suas duas filhas, uma criança
Já sobre a profissão, que sorte é um item essen- do primeiro e a outra do últi-
o experiente comunicador se cial ao jornalista, “ Estava no mo e atual casamento. “So-
mostra preocupado com o fu- maracanã, em 1989, naque- mente de uns dez anos para
turo. Alega que os tempos são le jogo entre Brasil e Chile, cá, que aprendi a conciliar
outros e não há mais paciência onde o goleiro Rojas aprontou trabalho e família” resigna-se.
e recursos para ensinar, espe- aquele papelão com o rojão. O colunista, apresen-
ra-se que os “focas” venham Naquele dia fiz minha melhor tador, entrevistador se diz um
prontos, agravados pelo fato entrevista, subo no elevador e conjunto da obra. “Consigo
de as notícias serem pautadas quando o mesmo para no pró- aprender todo dia, o jorna-
e finalizadas dentro da reda- ximo andar, eis que entra o lismo é desafiador” resume.
ção, com informações copia- Pelé cercado de seguranças. Fiz E encerra a entrevista,
das de agências e apuração apenas duas perguntas, mas com a certeza de quem nasceu
via telefone, “falta apuração foram os quatro andares mais para exercer o jornalismo, “
pra cacete” emenda. Enquan- legais da minha vida” recorda. Tudo o que quis eu consegui”.
to bate os dedos na mesa, si-
mulando digitar em teclado de
computador ou talvez uma má-
quina de escrever imaginária.
Mas ser jornalista tem
seu lado bom, “fui a quatro
copas do mundo, cobri qua-
tro olímpiadas e visitei 19 pa-
íses. Conheci gente, cultura
e hábitos diferentes” relata.
“O jornalismo me
fez ver horizontes distan-
tes, além do meu umbigo.
Não consigo me imaginar
em outra profissão” pontua.
Além das viagens, ou-
tro ponto positivo são as ami-
zades, mas pondera que ami-
gos mesmo são poucos, “são

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