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A LEGITIMIDADE DE SUCEDER DO EMBRIÃO CONCEBIDO POST MORTEM

VIA REPRODUÇÃO ASSISTIDA


THE LEGITIMACY TO HEIRDOM OF EMBRYO CONCEIVED POST MORTEM VIA
REPRODUCTION ASSISTED

Cristian Ricardo Ferreira Júnior 1

“Nenhuma herança é tão rica como a honestidade”.


(William Shakespeare).

Resumo: O presente artigo visa traçar um panorama acerca da legitimidade de suceder do embrião
concebido após a morte do de cujus, via reprodução assistida e, ao mesmo passo, elencar
discussões bioéticas a respeito da manutenção de genes congelados após a morte do varão. Não
esgotaremos (e nem pretendemos) todas as nuances do Direito das Sucessões, mas – ao final da
leitura – o interlocutor será capaz de compreender as principais problemáticas e características deste
instituto, sempre aliando a doutrina às lições sucessórias do professor Rodrigo Reis Mazzei.

Palavras-chave: Direito das Sucessões; Bioética; Legitimidade; Direito Civil.

Abstract: This article intends showing a scenario about the legitimacy to heirdom of embryo
conceived after the death of the deceased, via assisted reproduction and at the same step, bioethical
discussions concerning the maintenance of frozen genes after the death of the man. There will not
exhaust (and not intend to) all the nuances of the Law of Succession, but - to read the final - the caller
will be able to understand the main issues and features of this institute, always combining the doctrine
to the succession teaching by Dr. Rodrigo Reis Mazzei.

Keywords: Law of Succession; Bioethics; Legitimacy; Civil Law.

Sumário: 1. Introdução. 2. Origem, evolução histórica, conceito e espécies de reprodução humana


assistida; 3. A reprodução assistida e sua interdisciplinaridade com a Bioética; 4. A concepção do
embrião post mortem; 4.1. Métodos de reprodução assistida; 4.2. A presunção de paternidade na
reprodução homóloga post mortem; 5. O Direito Sucessório no ordenamento brasileiro. 6.
Considerações Finais. 7. Referências. 8. Anexos.

1 Bacharelando em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pesquisador


acadêmico do Grupo de Pesquisas Bioethik (UFES). Coordenador do Grupo de Treinamento em
Advocacia Internacional (GETAI). Colaborador do Núcleo de Apoio aos Alunos Estrangeiros,
Refugiados e Migrantes da UFES. Monitor de Direito Penal. Membro da Banca de Avaliação de
Docentes em Estágio Probatório (UFES). crfjr94@gmail.com
1. Introdução

O presente estudo acadêmico objetiva evidenciar a problemática existente na


pretensão sucessória decorrente de reprodução assistida post mortem, que é o meio
artificial de reprodução em que a mulher utiliza os gametas doados por seu
companheiro, em vida, para fecundar seu óvulo, após a morte do varão.

No primeiro momento, pretendemos elucidar a origem das técnicas de


reprodução humana assistida, suas espécies e, posteriormente, suas relações com
o direito das sucessões, sobretudo do embrião concebido nesta técnica.

Pretende-se, in fine, analisar a evolução da reprodução assistida em humanos,


demonstrar a relação do tema com a Bioética, e avaliar, por meio da interpretação
sistemática das regras contidas no ordenamento brasileiro, se o fruto da
inseminação post mortem está apto (ou não) a suceder o de cujus.

2. Origem, evolução histórica, conceito e espécies de reprodução humana


assistida

Um dos sentidos da vida é a procriação, a perpetuação de uma mesma família,


sendo inerente à maioria das pessoas que constituem um matrimônio ou uma
relação estável. Na sociedade contemporânea, homens e mulheres são preparados
para criarem seus filhos desde a primeira infância, com brinquedos que estimulem
as tarefas domesticas, por exemplo.

O anseio de reproduzir-se, como um dos sentidos da vida, aliado à infertilidade


de um dos cônjuges, pode acarretar problemas interpessoais e emocionais, muitas
vezes destruindo relacionamentos, ante a frustração pela impossibilidade de realizar
sonhos alimentados durante toda a vida. Segundo MACHADO (2008, p. 20),
“transmitir a vida se constitui num dos maiores bens da humanidade, visto não se
tratar de uma obra exclusivamente técnica, mas de uma obra de humanidade.”

Visando minimizar os efeitos da esterilidade, a ciência e a medicina, ao longo


do tempo, desenvolveram técnicas artificiais de manipulação do gameta humano,
que possibilitam a superação de tais problemas.
Os primeiros estudos acerca das inseminações artificiais nos seres humanos
remontam à década de 1790, considerando que:

A primeira experiência de inseminação artificial bem sucedida é atribuída


ao cirurgião inglês John Hünter, no ano de 1791, muito embora só
tenham se popularizado tais técnicas nos meios científicos no começo do
século XX, notadamente na Rússia, Estados Unidos, Inglaterra e Suécia
(BARBOSA, 1993, p. 32-33).

Com o passar dos anos e o aumento de pesquisas na área da fecundação


humana, pesquisadores concluíram que a fertilização se constituía através da união
do núcleo de um espermatozoide com o núcleo de um óvulo, no final do século XIX.

O supracitado autor MACHADO (2008, p. 30) ressalta que: “[...] foi através de
J. MARION SIMS, em 1866, depois de realizar 55 inseminações em 6 mulheres, a
concretização da primeira gravidez, através dos meios artificiais, terminada em
aborto.”

Já no final do século XX, a partir da década de 1980, com o surgimento dos


primeiros bancos de armazenamento de sêmen e de embriões congelados ao redor
do mundo, os frutos oriundos das diversas técnicas de fertilização artificial deixaram
de ser acontecimentos esporádicos, e passaram a fazer parte do quotidiano médico,
como tratamento aos problemas de esterilidade tanto do homem como da mulher.
Na América Latina, o primeiro embrião concebido por meio da fertilização in
vitro nasceu em 1984, no laboratório do médico paulista Milton Nakamura, sendo –
consequentemente – o primeiro caso de fertilização no Brasil.

A inseminação artificial, em seu sentido médico, corresponde à inserção do


esperma preparado no corpo da mulher de maneira diversa da conjunção carnal,
muitas vezes devido a problemas de esterilidade na mulher ou no homem. Este
procedimento pode ser realizado por várias maneiras, sendo: depósito do esperma
preparado dentro da vagina (intravaginal); em volta ou dentro do colo do útero
(chamada de intracervical, realizada com a utilização de uma seringa); no interior do
útero (intrauterina) ou; no interior do abdômen (transabdominal).
Segundo LEITE (2004, p. 28), podemos classificar a inseminação em (i)
homóloga, quando a inseminação artificial é realizada com sêmen do próprio marido
e (ii) heteróloga, quando é feita em mulher casada, com sêmen de uma pessoa que
não seja seu marido, ou, ainda, quando feita em mulher solteira, sendo que ambas
podem ser concebidas in vitro.

3. A reprodução humana assistida e sua interdisciplinaridade com a Bioética

O termo “bioética” foi utilizado pela primeira vez em 1927, pelo alemão FRITZ
JAHR, na revista científica Kosmos e referia-se à relação do ser humano como parte
da natureza, devendo respeitá-la.

Já em 1970, o pesquisador ANDRÉ HELLEGERS utilizou o termo “bioética“


para relatar sobre as novéis inseminações artificiais em seres humanos, realizadas
no Instituto Kennedy de Ética, no Reino Unido da Grã-Bretanha.

LEO PESSINI, notável pesquisador brasileiro, é um dos precurssores da


bioética no Brasil. Residente em Roma, escreve manuais e obras completas sobre a
relação da bioética com a medicina e o direito.

Inicialmente, a Bioética desenvolveu-se com o intuito de conciliar os avanços


da ciência com a qualidade de vida humana, o meio ambiente e a biodiversidade.
Todavia, com o passar do tempo e consequente avanço da biotecnologia, a
abrangência do tema foi ampliada, e passou-se a aplicá-lo à medicina. Portanto a
bioética passou a atuar como uma espécie de mediadora no relacionamento entre a
ciência e a ética nas reações humanas.

De acordo com MARIA HELENA DINIZ, a bioética, no bojo de disciplina


jurídica, traz alguns princípios. Dentre eles, podem ser considerados de relevante
importância para a sociedade, o

“princípio da beneficência, que significa que os interesses e o bem-estar


das pessoas envolvidas nas práticas de biomedicina devem ser
atendidos, evitando, sempre que possível, quaisquer danos; e o princípio
da não-maleficência – desdobramento do princípio acima citado – que
consiste na obrigação de não ocorrerem danos intencionais nas práticas
que envolvam a bioética”. (DINIZ, 2008, p. 15.)

Em suma, a bioética contribui para a discussão do papel do Homem na


natureza, como citara FRITZ JAHR.

4. A concepção do embrião post mortem

4.1. Métodos de reprodução assistida

Usando conceitos da medicina, temos que a reprodução humana artificial, in


vitro, pode ocorrer pelo método FIVETE ou pelo método ZIFT (Zibot intra Fallopian
Transfer), que consistem na retirada do óvulo da mãe para fecundá-lo na proveta
(“vitro”), com sêmen do marido (homóloga) ou de um doador (heteróloga), para que,
posteriormemente, seja introduzido o embrião no corpo da mulher.

Como dito no capítulo 2 deste trabalho, podemos classificar a fertilização in


vitro e a inseminação artificial em homólogas, quando o embrião se origina do
sêmen do marido e do óvulo da mulher, ou em heterólogas, caso haja a doação de
um dos gametas ou de ambos.

Na definição de EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE, inseminação artificial é

“a introdução do esperma na vagina ou no útero de uma mulher por


outros meios que não a relação sexual. A técnica é utilizada por certos
casais que de outra forma não poderiam conceber, mas nos quais o
homem não é totalmente estéril”.

Entre as causas mais comuns para a inseminação artificial tem-se a


esterilidade, a deficiência na ejaculação, a má-formação congênita, a escassez de
espermatozoides, a obstrução do colo uterino ou, ainda, alguma doença hereditária.
Já a reprodução assistida homóloga post mortem é o meio artificial de
reprodução em que a mulher se utiliza, para fecundar seu óvulo, dos gametas que
foram doados, em vida, pelo marido ou companheiro. A fecundação acontece em
momento posterior à morte do doador. Ou, na conceituação de LEITE:

A inseminação post mortem é a inseminação de uma mulher realizada


com o esperma de seu marido, após a morte deste [...] O homem que
congelou seu esperma em bancos de esperma pode morrer e à viúva
faculta-se, então, reclamar a devolução do material coletado, para se
inseminar com o esperma do marido falecido [...]. (LEITE, 2004, p. 38).

No campo jurídico, a reprodução assistida homóloga post mortem ocorre após


o término da sociedade conjugal, dissolvida com a morte do varão.

Na República Federativa do Brasil, não há legislação que proíba a reprodução


assistida post mortem, como há na Alemanha e na Suécia, por exemplo. Não
obstante, também não há norma permissiva nesse sentido, havendo clara omissão
do Poder Legislativo sobre o tema.

Todavia, verificamos que a jurisprudência e a doutrina corroboram o


entendimento de deixar o livre arbítrio ao casal decidir o melhor momento para a
concepção de seus descendentes, optando – inclusive – após a morte do futuro pai.

4.2. A presunção de paternidade na reprodução homóloga post mortem

No ordenamento civil brasileiro é reconhecida a filiação aos concebidos por


reprodução assistida homóloga, ainda que falecido o pai, com fulcro no artigo 1597,
inciso III, da Codificação Civil de 2002.

Sobre o tema, GOMES (2004, p. 350) discorre que:

Ainda falando em direitos sucessórios, o novo Código Civil elenca como


legitimados a sucessão as pessoas já nascidas ou concebidas no
momento da abertura da sucessão (art. 1798), muito embora os ainda
não concebidos (no caso de inseminação post mortem) gozem, por força
da presunção legal, do status de filho. – sem grifos no original.

Por outro lado, há entendimento da Corte de Justiça de que a filiação só deva


ser reconhecida quando houver autorização do de cujus, ou seja, do pai, para a
utilização de seu material genético após a sua morte. Neste sentido:

Presunção de paternidade. Jornada I STJ 106: Para que seja presumida


a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se
submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material
genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório,
ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu
material genético após sua morte.

5. O Direito Sucessório no ordenamento brasileiro

Tentaremos, nesse capítulo, traçar um panorama das lições obtidas nas aulas
ministradas pelo professor RODRIGO REIS MAZZEI, ao longo do semestre letivo
2016/1, no curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES), durante a disciplina de Direito das Sucessões.

A Magna Carta, em seu artigo 5º, inciso XXX, garante o direito à herança,
sendo, portanto, uma garantia fundamental, assegurada a todos os cidadãos
residentes no Brasil.

Segundo o eminente professor espírito-santense, o Direito das Sucessões é


um conjunto de normas que disciplinam a transferência dos bens do de cujus aos
seus herdeiros, seja por disposição de lei ou de testamento. Somente após a
comprovação da morte é possível a transferência patrimonial, pois não é permitida a
herança de pessoa viva. De acordo com MAZZEI, “a morte determina, então, a
abertura da sucessão, passando os bens do falecido aos seus herdeiros”. De acordo
com o ordenamento brasileiro, vigorará a lei que regular o direito sucessório no
momento da morte daquele cujos bens serão inventariados.
Na sucessão vigora o princípio da indivisibilidade da herança. Ainda de
acordo com MAZZEI, seria um “condomínio” entre os herdeiros, sendo a herança
uma universalidade de direito. Por isso, deve ser tratada como uma coisa única até a
partilha, independentemente dos bens e pessoas envolvidas.

Podemos considerar que o testamento é a concretização da autonomia


privada em sede de direito sucessório, porém com ressalvas. A lei dispõe a
intangibilidade da legítima, ou seja, 50% dos bens do de cujus. Isto porque a
legítima objetiva assegurar a herança dos herdeiros necessários, bem como o
sustento destes.

Aberta a sucessão, os herdeiros, legítimos ou testamentários, adquirem a


propriedade dos bens da herança no mesmo instante, assim previsto no artigo 1.784
do Código Civil, instituto também conhecido como droit de saisine, bastante citado
nas aulas de Direito das Sucessões, ministradas pelo professor MAZZEI.

Avançando no tema de encontro ao objetivo deste artigo, ressaltamos que a


doutrina discute acerca dos direitos sucessórios dos filhos concebidos por meio das
técnicas de reprodução humana artificial homóloga após a morte do varão,
considerando que o Código Civil não traz nenhuma solução transparente para a
problemática.

A norma contida no artigo 1.798 do Código Civil, ao abordar a sucessão,


incluindo tanto a sucessão legítima quanto a testamentária, dita que são legitimados
a suceder os indivíduos que já tiverem nascido no momento da morte do de cujus,
assim como aqueles já concebidos (ou seja, que ainda não nasceram). Os nascidos
são aqueles que possuem personalidade jurídica, de acordo com o artigo 2º do
mesmo Código, e os já concebidos, que, segundo GISELDA HIRONAKA,

“podem ser de duas classes médico-legais: o feto, que vai da concepção


até o início do desalojar do ser do aparelho reprodutor feminino, e o feto-
nascente, período que se situa entre o início da expulsão fetal e o
momento em que se estabelece vida autônoma”.
Todavia, no caso da inseminação artificial post mortem, o herdeiro não estaria
vivo, sequer concebido, no momento da abertura da sucessão, para que pudesse
ser incluído na vocação hereditária prevista no supracitado Diploma Legal.

A fertilização in vitro póstuma, prevista no artigo 1.597, inciso IV, do citado


Código Civil, é um pouco menos polêmica, já que o embrião criopreservado foi
concebido antes da morte do seu pai, respeitando sua vontade expressa no
momento do procedimento.

De acordo com as lições de CAIO MARIO

deve prevalecer o entendimento de quem têm legitimação para suceder,


em virtude de já estarem efetivamente concebidos ao tempo do óbito do
de cujus (permitindo, por isso, a incidência da regra do art. 1.798 do
novo Código Civil).

Também no mesmo sentido está EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE

Em se tratando de criança concebida in vitro (sem recurso a um terceiro


doador) e cujo pai faleceu antes da implantação do embrião, a hipótese é
cientificamente plausível já que a congelação do embrião permite sua
conservação. A criança herdaria de seu pai porque concebida na data da
abertura da sucessão. No caso de criança concebida, a máxima infans
conceptus pro nato habetur quoties ejus agitur confere a aptidão a herdar
sob a condição de nascer com vida.

Conforme ensinou RODRIGO REIS MAZZEI, o artigo 1.799, inciso I, da Lei


Civil, ao tratar da sucessão testamentária, reconheceu como legítima a disposição
de última vontade que contempla, como herdeiro, a prole eventual de pessoa viva no
momento da abertura da sucessão.

O Código prevê uma exceção com relação ao embrião não implantado na


mulher, cujo pai doador sabia da existência e, por meio do testamento o faz seu
herdeiro. Não há problemas com a sucessão dos filhos concebidos post mortem
desde que sejam incluídos no testamento de seu pai.
Não obstante, se decorridos dois anos da abertura da sucessão e o herdeiro
não for concebido, os bens a ele reservados irão para os herdeiros necessários,
salvo disposição contrária do testador (artigo 1.800, §4º do Código Civil).

Nos comentários de GISELDA HIRONAKA sobre o supracitado inciso I do


artigo 1.799, a pesquisadora entende ser lícito ao testador indicar como sucessor a
prole eventual de uma única pessoa, no entanto não poderia indicar a sua própria
prole eventual, uma vez que a lei exige que a pessoa esteja viva no momento da
abertura da sucessão.

Portanto, ou a pessoa está morta e é aberta a sua sucessão, ou está viva, o


que a impossibilita de beneficiar sua prole eventual. Em decorrência disso, para
beneficiar a sua própria prole eventual, o autor da herança deverá fazer por via
reflexa, ou seja, deve indicar a dona do óvulo, ou seja, a mãe de seu filho.

O Código Civil, entretanto, não traz nenhuma regra sobre os direitos


sucessórios dos concebidos post mortem na sucessão legítima, apesar de ter
tratado da matéria com relação à presunção de paternidade, nos incisos finais do
artigo 1.597, e na sucessão testamentária, no artigo 1.799, inciso I, conforme
amplamente debatido neste trabalho.

Como exemplo no Direito Comparado, podemos explanar que há uma corrente


minoritária na doutrina que não admite nenhum direito ao filho que for concebido
após a morte de seu pai, nem no âmbito do direito de família e muito menos em
relação aos direitos sucessórios. Esta corrente sofreu a influência das doutrinas
alemã, francesa e sueca, que adotam o modelo repressivo, e, desse modo, não
reconhecem nenhum direito mesmo que a criança, fruto de técnicas de reprodução
humana assistida post mortem, exista.

Para a pesquisadora MÔNICA AGUIAR, a morte opera como revogadora da


permissão ao uso das técnicas de reprodução assistida. Caso a criança nasça assim
mesmo, só deve ser considerada filha do cônjuge sobrevivente, ou seja, da mãe. E
conclui:

Somente é possível reconhecer a filiação a matre, afastada, de plano, a


presunção prevista no inciso referido, por se tratar de norma inconstitucional,
uma vez que violadora do comando expresso no artigo 5°, I da Constituição
Federal, embora seja de lamentar a opção por uma orfandade arbitrariamente
provocada.

Adotando uma posição mais humanista, no Brasil temos que a inseminação


post mortem, com o consentimento expresso do falecido no testamento ou em outro
documento autêntico e reconhecido em Lei, não há motivos para se privar a criança
dos seus direitos, já que a Carta Política de 1988 consagra o princípio da liberdade
do planejamento familiar, em seu artigo 226, §7º.

Segundo a melhor doutrina, caso a criança nasça após a realização do


inventário e o término da partilha dos bens, há a possibilidade de recorrer à petição
de herança para que seja reconhecida como herdeira necessária e receba a sua
quota da herança do seu falecido pai. Diante da possibilidade material de concepção
artificial do filho após a morte do pai e a ausência de legislação que regulamente o
uso das técnicas de reprodução humana assistida, devem ser garantidos todos os
direitos à criança, com fundamento nos princípios do melhor interesse do menor e
da igualdade constitucional entre os filhos, assegurando o tratamento igualitário a
todos os filhos, como prega o ordenamento brasileiro.

6. Considerações Finais

Após o exposto neste artigo acadêmico, que visou traçar breves comentários
acerca da legitimidade de sucessão do embrião concebido post mortem, percebe-
se que a evolução na ciência, através das técnicas de reprodução assistida após a
década de 1970 trouxe inúmeros benefícios sociais e familiares aos cônjuges
estéreis. Todavia, como em outros ramos do Direito, a legislação não acompanhou
a evolução da sociedade, devendo ser garantido os direitos conferidos pela
Constituição Republicana de 1988 aos filhos concebidos por inseminação artificial.

Isto porque o embrião já existe como um ser geneticamente diverso de seus


genitores, sendo produto da concepção, mesmo que artificialmente, equivalendo
ao nascituro, já protegido pelo Código Civil.
Nesse sentido, vimos os ensinamentos de MARIA HELENA DINIZ, RODRIGO
REIS MAZZEI, EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE, GISELDA HIRONAKA, entre
outros.

Sendo assim, mesmo após anos da abertura da sucessão, já que não há


previsão de tempo para manter congelado o material genético, o filho havido por
meio de reprodução assistida, teria direito a sua parte da herança no estado em
que se encontrar. Ressaltando que dever-se-ia tratar-se de transmissão patrimonial
decorrente de lei, e não testamentária.

Prevaleceria neste sentido, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, no


tocante à mulher, bem como o Princípio do Livre Planejamento Familiar, podendo,
a mãe, optar pela reprodução assistida mesmo após a morte de seu companheiro
ou marido.

Esperamos ter abordado o tema de forma satisfatória, mesmo diante da


estreita relação entre Bioética, Direito e Medicina.

7. Referências bibliográficas

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Direito das Sucessões, referente ao semestre letivo 2016/1. Vitória: Universidade
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