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Com este livro, Nicolau Seccenko presenta um quadro muito dbjetrvo e correto de nossa belle Epoque, no campo das idéias, centrando a sua andlise critica em duas figuras aparentemente marginalizadas tanto politica como intelectualmente, apesar do éxito incontestdvel aicangado pelas obras ue publicaram: Euclidesida Cunha e Lima Barreto (.:). Uma bela sintese dos anseios ¢ frustragées da intelligentzia brasiletra nos anos iniciais da Repiiblica, num periodo que se ‘estendena verdade da inicio da campanha abolicionista até a década de 1920 em que 0 Rio de Guise Jara extern papel ‘eponderanie, scndo hegemdraco, Como capital clturl, atom de ser centro des decisbes politicas € ‘administracivas, Dé Preficio dé Francisco de Assis Barbosa }) Areas de Interesse: Historia, Teoria Literdna: WANN 130300 NICOLAU SEVCENKO LITERATURA COMO MISSAO TENSOES SOCIAIS E CRIACAO CULTURAL NA PRIMEIRA REPUBLICA editora brasiliense meira edigdo, 1983 digo, 1995 cimpressio, margo 1999 Revisio: José W. S. Moraes Capa: Jodo Batista da Costa Aguia EDITORA BRASILIENSE S/A RUA AIRI, 22 - TATUAPE p 3310-010 - SAC PAULOSP ware EEE CEP 03310-010 - SAO PAUL © TELEFONE E FAX: (Oxx11) 218-1488 ‘e-mail: brasilienseedit@uol.combr uvmaa home page: www.editorabrasiliense.com.br Indice Agradecimentos Preficio — Franciscode Assis Barbosa Introducao . Captiulo 1 Capitulo 1. Capitulo 111 Capitulo TV. A Inseryéo Compulséria do Brasil na Belle Epoque 1, Rio de Janeiro, capital do arrivismo 2. A Repiiblica dos Conselheiros 13 19 3. O Inferno Social 31 Notss 68 0 Exersicio Intelectual como Atitude Politica: os escritores-cidadaos na 8 1. Os “Mosqueteiros Intelectuais 78 2. Paladinos Mslogrados 86 3. Transformaco Social, Crise da Literatura € Fragmentagio da Intelectualidade 93 Notas 108 Euclides da Cunha ¢ Lima Barreto: Sintonias € Antinonias 119 Nots - 128 Euclides da Cunha ¢ 0 Ctreulo dos Sabios 130 1. A Lingua, 130 2. AObra eee 36 3. Os Fundamentos Sociais ... 146 Notas 154 ‘ NICOLAU SEVCENKO Capitulo V. Lima Barreto e a “Reptiblica dos Bruzundangas ‘A Linguagem 2. A Obra 3. Os Fundamentos Sociais Notas Capitulo VE. Confronto Categérico: a Literatura como Missao 1. Disparidade Elementer 2. Identidade Profunda 3. Literatura e Agdo Publica Notas Conclusdo: Hist6ria e Literatura Notas Fontes e Bibliografia 3 Lista das Abreviagies Utilizadas 161 161 169 185 194 199 199 214 25 233 237 248, 249 258 Aor Babenko e Cheuvtchenko. (Que cilada que 0s ventos nos armaram! A que foi que téo longe nos trouxeram? San Gabriel, arcanjo tutelar, Vem outra vez abengoar 0 mar, Vem-nos guiar sobre a planicie az Vem-nos levar @ conquista final Daluz, do Bem, doce clardo irreal. Othai! Parece o Cruzeiro do Sul!”) (Camilo Pessanha, Agradecimentos Os créditos maicres para a realizagio deste trabalho de pesquisa e de quaisquer qualidides que ele possa ter devem ser atribuidos em primi lngar } Profa. Maria Odila da Silva Dias, que 0 nutriv desde redo de mais completa atencio e vivo interesse. Seu relacionamento de stontadora tcompantou-me, juntamente com virios outros amigos da tninha geragio, desde curso de graduaglo, caracterizando-se sempre pelo estimulo intelectual generos0 € pela afcigdo envolvente. Sua eru- ffieko refinada fez dela uma guia exigente, a que todos nos esforsé vamos por satisfazer. Acredito que ficaram assinalades nas paginas este trabalho alguns dos seas predicados intelectuais; neste espago, porém, eu gostaria de registrar todo o calor humano ¢ a vibragdo que tla nos transmitiu e jamais deixou esmorecer. Para a minha felicidade ainda, no ambiente do Depsrtamento de Histéria, outros professores foram-me de enorme valiz para a conduct do esforgo de pesquisa ¢ elaboracio deste estudo. Gostaria de lembrar faqui particularmente os nomes dos Professores Maria Tereza Schorer Petrone, Augustin Wemnet e Adalberto Marson, que informados da substancia deste trabalho, forneceram-me informagBes preciosas, orien- tando-me ainda sobre alguns aspectos particalares. Muito prestimoso também me foi o Professor Ruy Galvao de Andrada Coelho, da Facul- dade de Sociologia. Em nome deles, gostaria de estender os meus fagradecimentos a todos os que de alguma forma colaboraram para & Concretizacio dos meus esforgos, tanto quanto para a minha formagdo ‘co meu amadurecimento intelectual. Tudo que eu espero é no té-los ecepcionadoe ter-ree mantido altura do que esperavam de um aluno seu. Maria Cristina Simi Carletti, além de ter dividido comigo © ‘estorgo fisico deste trabalho, forneceu-me o alento moral ¢ a coragem 10 NICOLAU SEVCENKO para uma empresa que muitas yezes me pareceu acima das minhas forcas. Artista pléstica ela mesma, de invejével talento, a partir da observacto de seu trabalho e de nostas conversas informais, ela, sem que o soubesse, forneceu-me a notagio sensivel indispensivel para a adequada compreensio des complexos € delicados processos de criaglo estética Os amigos de préstimo e colaboradores foram muitos. Elias Thomé Saliba acompanhou de perto todo o meu trabalho. cruzando as suas informagSes com as da minha pesquisa ¢ contribuindo para enri- quecer o meu material. Foi sobretudo 0 companheiro das horas amar as, solidarizando-se comigo nas indmeras dificuldades angustiantes, {que ambos enfrentamos durante nossos trabalhos paralelos. Maria Inez Machado Pinto, sempre solfcita, nunca perdeu uma oportunidade de prestar seu auxilio, quer na forma de livros ou de dinetrizes tedricas (Os companheiros da Pés-Graduagdo, Rita Germano, Silvia Levy, Jaci Moura Torres, Silvia Lara Ribeiro ofereceram-me continuamente idéias, informagoes e préstimos de enorme valia. Roney Baceli sugeriu- ‘me fontes ¢ instituigdes de pesquisa, Gloria Amaral forneceu infor- magies bibliograficas de grande utilidade; e assim uma legito de amigos, que se incorporou de uma forma ou de outra, definitivamente aeste trabalho Através da pessoa representativa de Herminia Musanek, que procurou me facilitar por todas as formas o trabalho na Biblioteca do Departamento de Historia da USP, agradeco aqui a todos os funcio- nirios dessa instituigho, do Instituto de Estudos Brasileiros ¢ da Biblio- teca Municipal de Sao Paulo, que sempre me receberam com gentileza. Esse trabalho foi defendida coma Tese de Doutoramento no Departamento de Histéria da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciéncias Humanas da Universidade de Sao Paulo, em 18 de dezembro de 1981. Participaram da arghigao como membros da Banca Examinadora os Professores Maria Odila da Silva Dias, Teresa Schorer Petrone, Boris Schnaidermai, Ruy Galvio de Andrada Coelho e Sérgio Buarque de Hollanda, de cujas observagbes e comentarios, sempre de grande inte- resse, essa publicagao sai notavelmente beneficiada. A versbo que ora apresentamos sai filtrada de alguns equivocos, acrescida de aponta- ‘mentos importantes, mas, principalmente, escoimada dos excessos de anotagdes e do aparato erudito a que obrigam as praxes académicas e ‘que nao se justificeriam perante um piblico maior e mais variado. Acs esauisadores interessados. indicamos que a versio original encontr: se dispontvel nas bibliotecas da FFLCHUSP. Por fim, gostaria de frisar que sem © gencroso apoio fornecido Pela Fundago de Amparo a Pesquisa do Estado de S20 Paulo, nas LITERATURA COMO MISSAO_ u _gestdes dos s13. Diresores Cientificos, Professores Drs. William Sead Hosne e Ruy C. C. Vieira, esta pesquisa jamais teria sido possivel ‘A todos deixo consignada aqui a minha mais profunda gratidio, Prefacio Com este livro, escrito inicialmente para uma tese de douto- ramento na Universidade de Sdo Paulo, que teve como orientadora a Professora Maria Odila Leite da Silva Dias, Nicolau Seveenko apre- senta um quadro mui objetivo ¢ correto da nossa belle époque, no campo das idéias, cestrando a sua andlise crftica em duas figuras Gparentemente marginalizadas tanto politica como intelectualmente, ‘apesar do éxito incontestével alcancado pelas obras que publicaram uclides da Cunha e Lima Barreto. Ambos tiveram vida atormentada e amargurade, mas nioé sob o lado negativo de suas existéncias que 0s aproxima o jover autor dessa bela sintese dos anseios e frustracdes da intelligentsia brasileira nos anos iniciais da Reptiblica, rer periodo que se estende ne verdade do inicio da campanha abolicionista até a década de 1920, em qxe o Rio de Janeiro exerceu papel preponderante, tendo hegeménico, como capital cultural, além de ser o centro das decisbes politicas ¢ administrativa. E nesse clima um tanto caético que se acentua o afastamento entrea camada intelectual e os grupos adventicios da Repiblice, como acentuou José Verissimo, citado por Nicolau Sevcenko, que vai gerar em muitos uma série de conflitos existenciais © desequilibrios emo- cionais, atuando de um modo dramatico no proprio desenvolviriento de suas produces literérias, como escritores. O signo da frustracio 0s Dpersegue. Dato interesse da liture desse livro e sua significagdo para a historia intelectual de um periodo malsinado pela geracio modernista, que subestimou ao ponto de desprezé-lo, como infecundo e desesti \ mulador da atividade literéria, quer na prosa, quer na poesia. Havia\ \wum fosio, ndo hé divide. entre os intelectuais ¢ 4 classe politica. Nas! "pelayras do autor, revela-se(aimpotincialda a;ao dos excritores: “Des ligados da elite social e econdmica, descrentes da casta politica, mal encobrem 0 seu deseje de exercer tutela sobre uma larga base social que 4 NICOLAU SEVCENKO se hes traduzisse em poder de fato. Era evidente contudo que essa generosidade ambigua néo convinka aos projetos das oligarquias € ‘morreu na reverberaca0 ineficaz da resérica". Nicolau Sevcenko escotheu Euclides da Cunha ¢ Lima Barreto pensando num paralelo que marca esse desconcerto, por distancié-los da ‘muaioria dos seus contemporineos: é que ambos suiam a consciéncia de quealguma coisa tinha que ser feitaipelos escritores\a servico do povo brasileira para retird-lo da situarao de misériae ignoranciacm que vivia, ubandonado pelos governos, conseqiiéncia da pripria organizardo Gecial ¢ politica do pais, quer sob 0 Império, quer sob a Republica. Lima Barreto bateu-se por uma literatura militante, 0 que de resto ja nao era novidade na época. $6 0 era talvez para o Brasil Euclides da Cunha, embora parecendo descomhecer a expressic, ndo faria outra coisa, ao longa da sua obra, ¢ toda a sua apio intelectual 0 conduziria a0 mesmo objetivo, de vez que, para ele, um komem de leiras devia sero contrdrio de um beletrisia ou afeito exclusivamente ao bo, isto é, apenas interessado pelo papel da literatura, sem qualquer base politica ou social Euclides foi republicano, desde 0 tempo de aluno da Escola Mili tar, mas sempre se mostrou descrente de que a mudanca do regime, por si sb, pudesse realizar 0 milagre de uma democracia popular. Lime Barreto, que se conservou de certo modo uni nostdigico da monarquia apesar das suas manifestaroes anarguistas, atacou sem reservas 0 si8- tema que se the afigurava uma oligarquia de caréter mais aristocrtico que o parlamentarismo imperial. O que pode parecer até um paradaxo, mas ndo era A.essa curious forma de governo de fazendeiros de café, capitalistas € bachardis) muitos dos quais advogados dos interesses de grupos privitegiados e até antinacionais, Lima Barreto chamou de plu tocracia, talvez com um certo exagero, mas sem falsear a verdade. © mesmo se diré de Euclides da Cunha, em certos momentos. como no seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, em solenidade que contou cam a presenca do Presidente da Repiiblica, Afonso Pena, que na ocasiio teve que ouvir dois contundentes pronun: ciamentos: 0 do préprio Euclides e o de Silvio Romero, autor do elogio do novo académico, ambos desabusados, mas criticas @ certos rumos que tomara a politica republicana. Euclides da Cunha ndo se mostrard ‘menos agressivo na sua linguagem no discurso com que assumiré pouco depois 0 cargo de xécia efetivo do Instituto Histbrice Geogréfico Brasileiro, instituigdo venerdvel, bert mais antiga que a Academia, & ‘que ainda conservava muito vivo, e sempre continuaré conservando, 9 respeito pelo seu grande protetor, 0 Imperador Pedro Il, num culto quase religiaso, ainda nao arrefecido. LITERATURA COMO MISSAQ_ 1s Sao atitudes muito semethantes as de Euclides da Cunhae Lima Barreto, na combate so que se considerou na época vicios e distorgdes do regime republicans, Lima Barreto atacou com violéncia a oligarquia mineiro-paulista, que promovia a “valorisacdo do café” e as suntuosas obras pliblicas da dree metropolitan do Centra-Sul. enquanto o traba- Ihador agricola permanecia "quase sempre errante de fazenda em fa ‘zenda, donde é expulto por qualquer dé cd aquela palla, sem garantias de espécie alguma —situaeao agravada pela sua ignorancia, pela natu- rera das culturas, pela politicagem roceira ¢ pela incapacidade e cupi: dex dos proprietérios ‘Se era este o tom dos artigos de eritica politica de Lima Barreto, publicados na imprensa libertéria e até mesmo na grande imprensa, na Gazeta de Noticias, reunidos em livros do autor que ndo tém sido reeditados com a freqiiéncia desejdvel, como Bagatelas, Feiras ¢ Ma- fudse Os Bruzundangas, livros esses que parecem juntar-se d mesma linha de protesto e dentineia do livra vingador de Euclides da Cunka, Os Sertdes (1902), e mesmo depois nos artigos sobre a Amazénia e a triste situagdo do seringueiro, "Judas Asvero", a vagar pela imensidao do floresta tropical, Esses artigos de Euclides da Cunha foram objeto de uma recons- titwicdo recente, por iniciativa de Hildon Rocha, que reuniu os ensaios sobre a Amazinia. sob 0 titulo Um Paraiso Perdido (Peirépolis, Edi- tora Vozes Ltda., 1976). Mas os numerosos e importantes pronuncia~ mentos de Lima Barreto continuam no esquecimento, ‘Lima Barreto assim se expressou sobre 0 trabalhador rural: “0 péria agricola (colono ox caboclo, quando se estabelece nas suas propriedades, tem tcdas as promessas e garantias verbais. Constréi 0 seu rancho, que éuma cabane de taipa, coberia com o que 6s cha~ mamos de sapé, e comeca a trabathar pare o bario, desta ou daquela maneira.{,..] Mas posso asseverar que 0 trabathador agricola — esteja o café em alta, subs 0 asticar, desea v acticar — hd trinta anos — ‘assinalava Lina Barreto em 1918 — ganka 0 mesmo salario”, salério, Jd se v8, irrisério, e assim mesmo a seco, sem direito a alimentagdo. Quanto d medernizacdo do Rio de Janeiro, Lima Barreto sempre se colocou como voz solitéria em posicdo radicalmente contra a forma como se processava, Para ele, os homens risos, os agentes imobiliérios, ‘08 pseudo-urbanistas, gue se empenhavarn ern loteamnentos para valo~ rizar e especular os terrenos pantanosos de Copacabana, Ipanema € Leblon, ndo estavam preocupados com a natureza. S6 se pensava mesmo em ganhar dinheiro, & custa dos favores da Prefeitura. “Exces- sivamente urbana — eserevia Lima Barreto por volta de 1919 —. a nossa gente abastada ndo povoa os arredores do Rio de Janeiro de 16 NICOLAU SEVCENKO vivendas de campo, com pomares, jardins, que os figurem graciosos como a linda paisagem da maioria deles esté pedindo. Os nossos arra- baldes € subsirbios sa0 uma desolegdo. As casas de gente abastade tém, quando muito, um jardinzito litiputiano de polegada ¢ meia e as da gente pobre ndo tém coisa alguma" Em 1919, a situagdo ambiental da paisagem no Rio de Janeiro & bem diversa da que hoje se apresenta, quando a destruicao vai bert ‘mais avancada, com a selva de pedra, em torno dos montes derru- bados. Os “reformadores apressedas”, contra os quais clamava Lima Barreto, como voz tinica e isolada, multiplicaram-se em escala geomé- trica, na construcdo desordenada de espigdes colossais agredindo a paisagem, sufocando-a, Na miisice ¢ no teatro, um Antonio Carlos Jobim e um Dias Gomes, pouco mais, juntam-se com 0 eco amortecido ddas palavras do romancista, "Onde estio os jasmineiros das cercas? Onde esto aqueles extensos tapumes de maricés que se tornam de algoddo que mais é neve, em pleno estio? Jé & época de Lima Barreto nao passavam de destrogos das velhas chdcaras abandonadas, no jogo da especulagao, incentivado pelos chamados melhoramentos munici- pais, para a satisfacdo, denunciava o escritor, a cupider de meia diizia de matreiros, “‘sujeitos pora quem a beleza, a satide dos homens, os interesses de uma populagio neda vale Viviamos, entao, em plena maré dos “melhoramentos” desde 0 comeco do séeulo, desde a gestao de Pereira Passos, na Prefeitura do Distrito Federal, com 0 “bota-abaixo” do casario colonial, ¢ que, depois da Primeira Guerra Mundial, tomaria novo alento com Paulo de Frontin ¢ Carlos Sampaio. O escritor achava absurdo todo aquele sonko de grandeza que vinha acentuar ainda mais 0 desequilibrio entre olitoral eo sertdo, a érea metropolitana sempre beneficiada ¢ o interior desamparado. o crescimento desmedido dos centros urbanos e 0 aban- dono sistemético das populagaes rurais. E atacou sem rebucos, nos ‘seus artigos, como se fosse um cientista social, a “megalomania dos ‘melhoramentos apressados. dos palicios e das avenidas". apontando- Thes as conseqiiéncias inevitéveis que jé se tornavam evidentes com as migracdes internas, o desiocamento em massa de camponeses para os grandes centros metropolitanos, 4 procura de trabalho. Esses exemplos bastam para mostrar nao apenas a atualidade de Euclides da Cunha e Lima Barreto como para significar 0 interesse do belo livro de Nicolau Sevcenko, A Literatura como Missto; tensBes sociaise criagio cultural na Repiiblica. Um livre pare ficar e que esié a pedir a aencao de todos os estudiosos em ciéncia social. Francisco de Assis Barbosa Henoch brada: “E mister uma linha tio larga De torres, que nenhum olhar passe por ela: Uma forte muratha e, dentro, a cidadela; Funde-se uma cidade e cerque-se de muros. Tubalcaim, o pai desses ferreiros duros, Uma enorme cidade ergueu, quase divina, Enquanto ele a constréi. os outros na campina Afugentam de Seth os filhos e os d'Enbs, 0s olhos arrancando aos que se encontram 36s; Lancar flechas ao ar, de noite, contra 08 astros: A pedra sucedeu @ tenda erguida em mastros: Ligow'se 0 paredao com duros nds de ferro: Parecia a cidade wm infernal desterro, A sombra das muralhas escurecia as terras: Deram a cade torre as dimensées de serras Gravaram sobrea porta: “Aquino entra Deus. E, arrojando essa luva é célera dos céus, Fecharam numa torre o vetho fratrivida; Ficou numa atitude inerte, espavorida; “O meu pai, jé ndo vés 0 olhar?” perguntou /Tsila; Respondeu: “Nao me larga a té:rica pupilal (Victor Hugo, ““A Consciéncia”) Introducao Procedente, nas suas raizes, da filologia e da escola histérica alemas oitocentistas, houve no nosso século um reconhecimento cate- gbrico de que a linguagem esti no centro de toda a stividade humans, Sabe-se hoje que, sendo ela produzida pelo complexo jogo de relagdes que os homens estabelecem entre si € com a realidade, ela passou também a ser, a partir do proprio momento da sua constituigao, um elemento modelador desse mesmo conjunto de relagdes.' A linguagem se torna, dessa forme, como que um elemento praticamente invisivel de sobredeterminacdo da experiéncia humana, muito embora ela tenha uma existéncia conereta ¢ onimoda. Foi essa sua natureza ambigua, oscilante entre o palpavel e o impalpével, simultaneamente material e immaterial, que suscitou num poeta essa imagem ao mesmo tempo muito estranhae muito hicida, pressentindo-a comme le vent des gréves, Fantéme vagissant, on ne sait d’od veau, Qui caresse loreille et cependant leffraie™.? Fonte do prazer e do medo, essa substincia impessoal 6 um recurso poderoso para a existéncia humana, mas significa também um dos seus primeiros limites. As potencialidades do homem sé fluem sobre a realidade através das fissuras abertas pelas palavras.’ Falar, homear, conhecer, transmitir, esse conjunto de atos se formaliza e se reproduz incessantemente por meio da fixagao de uma regularidade subjacente a toda ordem social: o discurso. A palavra organizada em discurso incorpora em si, dese modo, toda sorte de hierarquias © iramentos de valor intrinsecos as estruturas sociais de que ema- 20 NICOLAU SEVCENKO, pam, Dai porque o discurso se articula em funglo de regras e formas cottvencionais, cuja contravengdo esbarra em resistencias firmes © ime diatas.* Maior pois, do que a afinidade que se supde existir entre as palavras e 0 real talvez seja a homologia que elas guardam com o ser social Dentre as muitas formas que assume @ producdo discursiva, a que nos interessa aqui, a que motivou este trabalho, é a literatura particularmente a literatura moderna. Ela constitui possivelmente poreio mais diictil, o limite mais extremo do discurso, 0 espago onde tle se expie por inteito, visando reproduzir-se, mas expondo-se igual: ‘mente i infiltragio corrosiva da diivida ¢ da perplexidade. E por onde © desafiam também os inconformades ¢ os socialmente mal-ajustados Essa € « razio por que ela aparece como um ingulo estratégico notavel, para a avaliagio das forgas € dos aiveis de tensao existentes no seio de ‘uma determinada estrutura social. Tornou-se hoje em dia quase que ‘um truismoa afirmacdo de interdependéncia estreita existente entre os estudos literdrias ¢ as ciéneias sociais.° ‘A exigéncin metodoldgica que se faz, contudo, para que nao se regrida a posiyies reducionistas anteriores, & de que se preserve toda a riqueza estética ¢ comunicativa do texto literdrio, caidando igualmente para que a produgao discursiva nao perca o conjunto de significados condensedos na sua dimensfo social." Afinal, todo escritor possui uma cespécie de liberdade condicional de eriagio, uma vez. que os seus temas, motives, valores, normas ou revoltas sio fornecidos ou sugeridos pela sua sociedade ¢ seu tempo — © & destes que eles falam.’ Fora de ‘qualquer divida: a literatura ¢ antes de mais nada wm produto artis- tivo, destinado a agradar e a comover; mas como se pode imaginar uma frvore sem raizes, ou como pode @ qualidade dos seus frutos nao depender das caracteristicas do solo, da natureza do clima e das condigSes ambientais? 0 estudo da literatura conduzido no interior de uma pesquisa hhistoriografica, todavia, preenche-se de significados muito peculiares Se a literatura moderna € uma fronteira extrema do discurso ¢ 0 proscénio dos desajustados, mais do que o testemunho da sociedade, cla deve trazer em si a revelacdo dos seus focos mais candentes de tensio e a migoa dos aflitos. Deve tradurir no seu amago mais um ‘anseio de mudanga do que os mecanismos de permanéncia. Sendo um produto do desejo, seu compromisso ¢ maior com a fantasia do que ‘com a realidade. Preocupa-se com aquilo que poderia ou deveria ser @ ‘ordem das coisas, mais do que com o seu estadoreal. Nesse sentido, enquanto a historiografia procura o ser das estru- tures socials, a literatura fornece uma expectativa do seu vir-a-ser. LITERATURA COMO MISSAO, 2 Uma autoridade Wo conspicua quanto Aristételes jé se haria dado conta desse contraste. Comentava ele na sua Poetica: mm efeito, nto diferem o historiador e o poeta por esereverem verso ou prosa (pois que bem poderiam ser postas em verso as obras de Herééoto, e nem por isso deixariam de ser de histéria, se fosse em verso 0 que eram em prosa) — diferem, sim, em que diz um as coisas que sucederam, e outro as que poderiam su: ceder".$ Ocupa-se portinto o historiador da realidade, enquanto que o escritor ¢ atraido pe'a possibilidade. Eis ai. pois, ums diferenga cru- cial, a ser devidamente considerada pelo historiador que se serve do material literério. Mas c se invertermos as perspectivas: qual a posigto do escriter diante da histria? Quem nos responde € um critico contempordneo, “A Hist6ria, ento, diante do eseritor, ¢ como.o advento de uma opedio necesséria entre vérias morais da linguagem; ela o obriga « significar a Literatura segundo possiveis que ele nfo domina"’.’ A historia assim, ao envolyer um escritor, 0 arroja contradito- riamente para fora de si: Para que ele cumpra o papel e o destino que Ihe cabem, é necessério que se perea nos meandros de possiveis invié- veis. Desejos inexeqiiveis, projetos impraticaveis: todos porém pro- duutos de situaydes concretas de carSncia e privagdo, ¢ que encontram ai ‘seu ambito social de correspondéncia, propenso a transformar-se ex piiblico leitor. A literatura portanta fala ao historiador sabre a histéria que no ocorreu, sobre as possibilidades que ndo vingaram, sobre os planos que no se concretizaram. Ela € 0 testemunho triste, porém sublime, dos homens que foram vencidos pelos fatos. Mas ser que toda a realidade da historia se resume aos falos € ao seu sucesso? Felizmente, um filésofo bastante audacioso nos redimiu dessa compreensio tao es- treita, condenando “» ‘poder da historia’, que, praticamente, se trans- forma, a todo instante, numa admiracdo nue do éxito que leva a idolatria dos fatos”." Segundo um outro pensador, esse nosso contemporineo, “o real io se subordina ac possivel; 0 contingente no se opie ao neces: sério”."" Pode-se portanto pensar numa historia dos desejos nao con- ‘Sumados, dos possiveis nao realizados, das idéias ndo consumidas. A Produgdo dessa historiografia teria, por conseqiéncia, de se vincular NICOLAU SEVCENKO. 2 gos agrapamentos humanos que ficaram marginais ao sucesso dos fatos, Estranhos ao éxito mas nem por isso ausentes, eles formaram 0 funds bumano de cujo abandono e prostragao se alimentou a liter tues. Foi sempre clara aos poetas a relacao intrinseca existente entre a Yor eaarte.” Esse é 0 caminho pelo qual a literatura se presta como tum indice admicével, ¢ em certes momentos mesmo privilegiado, para estudo da historia social ‘© caso em estudo € tipico. As duas primeiras décadas deste século experimentararm a vigéncia eo predominio de correntes Fealistas (fe nitidas intengSes sociais. Inspicadas nas linhagens intelectuais ca- tacteristicas da Belle Epoque — utilitarismo, liberalism, pesitivismo. humanitarismo — faziai assentar toda a sua energia sobre conceitos ticos bem definidos € de larga difusao em todo esse periodo. Assim, abstratos universais como os de humanidade, nago, bem, verdade, justica operavam como os pedrdes de referéncia bisicos, as unidades seminticas constitutivas dessa producio artistica. O dilema entre 0 impulse de colaborar para a composiclo de um acervo literdrio uni- versal © 0 anscio de interferir na ordenagio da sua comunidade de rigem assinalou a crise de consciéncia maior desses intelectuais, ‘A Ieitura dos seus textos literdrios nus levou a perscrutar 0 seu ccotidiano, familiarizando-nos coni.o meio social em que conviviam: « tidade do Rio de Faneiro-no limiar do século XX. As posturas, as Snfases, as criticas presentes nas obras nos serviram como guias de releréncia para compreendermos ¢ analisarmos zs suas tendéacias mais imateantes, seus niveis de enquadramentos socisis e sua escala de valores. O material compulsado: a imprensa periddice — jornais, magazines —, crénicas, biografias € opdscules. Ato continuo, esse material vultoso nos forneceu indicagBes preciosas, que urgiram a releitura ¢ a reinterpretagao das obras literérias. Dessa forms, os textot narratives nos ajudaram a iluminar a realidade que thes era imedia- tamente subjacente, e o conhecimento desta contribuiu para deslindar os intersticios da produgao artistica. ‘Uma pesquisa abrangente dos meios intelectuais, com uma amos- tragem geral da sua produgdo no tocante aos temas, eritérios, objetivos fe disposigdes, permitiuenos avaliar as peculiaridades dessx_pequena jeomunidade ¢ a sua ansia de enraizar-se num substrato social mais slo Denvonstrou-nos feo quanto agua produsto-s@-vin- Tonforme vctitnio €o Sénlido das translormaghes histOriews, que agitaram a sociedade carioca nesse perfodo, Orientaram-nos nesse momento da pesquisa, ndo so a leitura de obras expressivas, mas também uma sondagem mais completa das priticas de edigo, das ‘expectativas do piiblico, da atmosiera cultural criada na cidade, dos LITERATURA COMO MISSiO B pontos de encontro, associacies de interesse e rivalidades que distin- guiam a comunidade dos homens delletras. Do interior desse panorama mais complexo que entrecruza os niveis sociale cultura’, sobressaem-se com grande destaque as obras de Euclides da Cunha Lima Barreto, Nenhuma outra apresentava tantos e to significativos dementos para @ elucidacdo. quer das tensdes histéricas cruciais de periodo, quer dos seus dilemas culturaix Mas mais notivel ainda que o sou relevo individual era a contradiglo irremissivel que opunha a obra de um & de outro. Contreste eentrado nos processos de elocegdo radicalmente opostos de cada escritor, ele se estendia para todo o conjunto da sua produgdo literdria, atestando um estranho e completo divircio intelectual entre dois autores, cuias con- digdes gerais de vida e cuje militfincia piblica denotavam uma enorme semelhanga. © estudo mais detido de cada um desses conjuntos de textos deixaria entrever com clareza que o seu antagonismo essencial repou- sava Sobre insOlitas clivagens existentes no interior do universo social da Primeira Repiblica, com que as suas obras se solidarizavam. Seus livros distinguem-se ainda por isso, pela transparéncia com que resu: ‘mem nas propostas e respostas esiéticas os conflitos mais aginicos que marearam a secieda uma sintese das alternativas hist6ricas possiveis, que se colocayam diamte dos olhos dos autores, pelas quais lutaram energicamente, der- rubando moinhos de rento para o sorriso desconfortavel dos poderosos. Essa é a histéria daquela batalha contra os moinhos e da sua triste derrota asileira nessa fase. Cada um deles é como que NOTAS (2) Schall, Adan: Inutuctome al Semantica, 3 ed, Rows, Editor Riva 1974. pp. 3012 (2) Baudelaire, Charles: Ces Furs be Mal Paris, Sexdte d Bdtion Les Bells Letres, 1952, 9. 212 (3) MatlenisPacty, Maistice: 0 Homem ¢ 2 Comunicarto: 2 prose do mundo, Rin de Janeia, Bloch Bites. 1974, pp, Vide 138 () Foucaslt. Michel: EY Orden del Discarea, Rarselona, Tusqusts Editor, 1973, pp. 1131 (6) Orr, Jolin: Trayie Realism & Modern Society: studies nthe sociology af the ‘meddem novel Bristol and Lordon, J. W. Arrowsmith Ltd. 1977, p.4 (©) Zéralfa, Michel: Fictions: she novel and social relty. (8 e4., Aylesbury Penguin Books Ltd, 1976. 64 u NICOLAU SEVCENKO (7 arte, Jean-Paul: Sitations, I 74 of. Paris, Gallemard, 1948, 9. 13, (@ Ariabieles: Povtica, in Or Pensadorer, vol 1V, Ska Paste, Ba. Absil, 1973, (0) Barthes, Roland Paulo, Caltex, 1974, p. 118 (10) E acrescenta obio: “Ora, ages que aprenden a do cabeca em face dopader da histria’ ter sempre im reso mecinico de aprovacio, um festa A chines, diante de qualquer espécie de poder. quer Sela um govern0. a opinito piblca cu o maior nimero, movendo o seas membros de acordo com 9 compasso de um poder qualguet. Se todo sucesso trar consige uma necessidade racional, se todo acon fecimento € vitéria da loyice ox da “idéia', no nos resta outa cota tento nos aje Tharmos para pereorrer assim todas a formas do éxito", Para conchir: "Queescola de convenigacia, semelhante mateita de considera a hist6ra!” Nietsche, Friedrich Wil hhelm: O persameato vito de Nietzsche, apresentado por Heinrich Mann, traducdo de Sérgio Miliet, Sao Paul, Martins/EDUSP, 1975 p. 67 (1) Foucault, Michel: Nietzsche, Freud e Mors — Theatrum Philosoficum orto, Edigdes Rés Limiiada, 1975, p. 57 (12) Bastalemnbrar os verses singelos, mas muito signifcativos, do “Intermezzo de Heine: Ausmeinen grosien Schmerzen / Mach ch de Keinen Lieder CAPITULO I A Insercaio Compulséria do Brasil na Belle Epoque “De uma hora para outra, a antiga cidade (do Rio de Janeiro) desapareceu e outra surgiu como se fosse obtida por uma mutagdo de teatro. Ha- via mesmo na cousa muito de cenografia” (Lima Barreto, Bz., p. 106) 1, Rio de Janeiro, Capital do Arrivismo Assinalando nitidamente um amplo processo de desestabilizagao € reajustamento social, o advento da ordem republicana foi marcado também por uma série continua de crises politicas — 1889, 1891, 1893, 1897. 1904. Todas elas foram repontadas por grandes ondas de “depo- sigdes”, “degolas”, “exilios", “deportagdes”, que atingiram princi- palmente e em primeiro lugar as elites tradicionais do Império € 0 seu vasto circulo de cliertes; mas tendendo em seguida — sobretudo nos seus dois Gitimos morimentos — a climinar também da cena politica os grupos comprometidos com os anseios populares mais latentes e envol- vidos nas correntes mais férvidas do republicanismo, Opera-se através delas como que uma filtragem dos elementos nefastos a0 novo regime, aqueles que pecavam quer por demasiada caréncia, quer por excesso de ideal republicano. Reforgando esse processo convulsive de sales politica, o exta- belecimento da nova ordem desencadeou simultaneamente uma per- ‘mutagio em larga amplitude dos grupos econsmicos, a0 promover @ “queima de fortunasseculares” com o Encilhamento, transfei = NICOLAU SEVCERKO as mflos de “um mundo de desconhecidos" por meio de negociatas excusas,' Com o término da experiéncia tumultuosa do Enciihamento, f pritica especulativa no se encerrou, transferindo-se antes e com vultados recursos, do jogo dos titulos e agdes para as operagdes ignominiosas em torno das graves oscilagies cambiais que distinguiram fa primeira década republicana.? Some-se a esse quadro, ainda, 2 ‘slocagio dos vultosos recursos estatais para as maos de intermediarios acventicios, sempre em proveito de aventureiros € especuladores de tiltima hora. Se os conflitos politicos tendiam a decantar os agentes cuje qualidade maior fosse » moderagéo no anseio das reformas, as agita {goes econdicas por seu lado apuravam ox elementos predipostos “fome do oure, & sede da rigueza, a sofreguidao do lux0, da posse, do desperdicio, da ostentagao, do triunfo.’ Conciliando essas duas carac teristicas, 0 conservadorismo arejado © a cupider material, pode-se conceber a imagem acabada do tipo social representative por exce- léncia donovo regime. Apesar do adesismo imediato © macigo que maculou a pureza de Repiiblica ja nos dias imediatos & Proclamagio, serdo esses ‘‘Homens Novgs”, vindos & tona com a hova situagdo, que irdo dar 0 tom geral & cordem que se crigva, marcando o novo sistema de govemo com 0 timbre definitive do arrivismo séfrego e incontido: “A Bolsa nesses ‘ikimos tempos é « fotografia da sociedade — diria um eritico da époea cada qual procura enganar a cada um com mais yantagem..., 05 ricos de hoje sfo os troca-tintas de ontem”. Nas palavras de um ceronista coevo, a sociedade se tornava um “‘desabalado ‘orvelinho de interesses ferozes, onde a caga a0 ouro constitui a preocupagio de toda agente”.* Nodecorrer do processo de mudaniga politica, os eargus rendeses decisbrios — antigos e novos — passaram rapidamente para as mBos esses grupos de recém-chegados & distingZo social, premiados com as oondas sucessivas ¢ fartas de “‘nomeagoes”, "“indenizagdes” garantias”, “subvengies”, “fayores”, “privilégios” gies" do novo governo. O revesamento das elites foi acompanhado pela elevagio do novo modelo do burgués argentirio como o padrio vigente do prestigio social, Mesmo os gentis-homens remanescentes do Impé rio, aderindo A nova regra, “‘curvam-se © fazem corte ao burgués hitocrata”.* Era a consagragdo olimpica do arrivismo agressivo sob 0 pretexto da democracia ¢ o triunfo da corrupgao destemperada em ‘nome da igualdade de oportunidades.* 0 proprio compasso frenético com que se definiram as mudangas sotiais, politicas e econémicas neste periodo concorreu para a accle- LITERATURA COMO MISSAO ” ragdo em escala sem precedentes do ritmo de vida da sociedade earioca A penetracdo intenswa de capital estrangeiro, ativando energicamente fa cadéncia dos negécics ¢ a oscilagdo das fortunas, vem corroborar € precipitar esse ritmo, alastrando-o numa amplitude que arrebata a ‘todos os setores dz sociedade. Testemumhas conspicuas atestam o fato com veeméncia: “A atividade humana aumenta numa progressio pasmosa. Jé os homens de hoje sio forgados a pensar ¢ a executar, em um mi- ulo, © que seus av6s pensayam e executavam em uma hora. A vida moderra ¢ feita de relmpagos no cérebro e de rufos de febre no sangue"’. “Ao amanha de todo o sempre, substituira-se ojéeia” A situa era realmente excepcional. A cidade do Rio de Janeiro abre 0 século XX de'rontando-se com perspectivas extremamente pro- nissoras. Aproveitando de seu papel privilegiado na intermediag¥o dos recursos de economia cafeeira e de sua condi¢20 de centro politico do pais, a sociedade carioca viu acumular-se 0 Seu interior vastos recur. ss enraizados prineipalmente no comércio ¢ nas finangas, mas deri- vando 6 também para as aplicagbes industriais. Nécleo da maior rede ferrovidria nacional, que 0 colocava diretamente em contato com 0 Vale do Paraiba, Sao Paulo e os Estados do Sul, Espirito Santo, ¢ 0 hinterland de Minas Gerais e Mato Grosso, o Rio de Taneiro comple- tava sua cadeia de comunicagdes nacionais com a comércio de cabo- tagem para o Nordeste e o Norte alé Manaus. Essas condigBes prodi giosas fizeram da cidade o maior centro comercial)do pals. Sede do Banco do Brasil, ds maior Bolsa de Valores e da maior parte das grandes casas bancirias nacionais e estrangeirss, o Rio polarizava também as finangas nacionais. Acrescente-se ainds a esse quadro 0 fato de essa cidade constituir © maior centro populacional do pais, oferecendo as indistrias que ali se instalaram em maior admero nesse momento o mais amplo mercado nacional de consumo © de mao-de- obra.” 7 Na passagem do séeulo, o Rio de Janeiro apareceu com destaque como 0 15° porto do munda'em volume de comézcio, sendo superado no continente americano apenas por Nova Torque e Buenos Aires. A decadéncia da cconomia cafecita do vale do Paraiba © o envio da Produgdo do Oeste paulista para o porto de Santos, se tendiam a diminuir a atividade exportadora do Rio de Janeiro, foram entretanto ‘compensados por um vultoso aumento das importagdes e do comércio de cabotagem, que fizeram crescer na proporgdo de mais de um tere 0 NICOLA SEVCENKO, 8 movimiento portudrio carioca no periodo de 1888 a 1906." A mudanga da natureza das atividades econdmicas de Rio foi de monta, portanto, 2 transforma-lo no maior centro cosmopolita da nagdo, em intimo contata com a produgao e o comércio europeus © americanos, absor- vendo-os ¢ irradiando-os para todo o pais. A experiéneia de “demo- cratizagao” do crédito levada a efeito pela politica do Encilhamento levou essa aproximagio latente 20 auge do paroxismo. A nova filosofia finsnceira nascida com a RepGblica reclamava a remodelagio dos habitos sociais e dos cuidados pessoais. Era preciso ajustar a ampliagao local dos recursos pecunifrios com a expansdo geral do comércio europeu, sintonizando 0 tradicional descompasso entre essas socie- dades em conformidade com a rapidez dos mais modernos transatlan- Uma verdadeira febre de consumo tomou conta da cidade, toda la voltada para a “novidade", a “‘iltima moda” e of artigos dernier bareau. Na rua do Ouvidor, centro do comércio internacional sofis- ticado do Rio, “a afluéncia era enorme. Dobrara, senfo triplicara, desde os pi meiros meses da Repiblica, e nas esquinas das ruas da Quitanda dos Ourives liavia muita gente parada, sem poder circular. Bem raras cartolas, e também pouco freqdentes chapéus moles © desabados (modelos tipicos do 2° Reinado), quase todos com chapéus baixos. de muitas cores. no geral pretos. Lojas atape tadas, atulhadas de fregueses, sobretudo casas de jéias: a clien- tela diéria de senhoras Iuxuosamente yestidas, com mais apa rato do que gosto, trazia a caixcirada numa roda viva’. Muitu cedo ficou evidente para esses novos personagenso anacro- nismo da velhe estratura urbana do Rio de Janeiro diante das deman- das dos novos tempos. © antigo cais no permitia que atracassem os navios de maior calado que predominayam entAo, obrigando 2 um sistema lento e dispendioso de transbordo. As ruelas estreitas, recurvas em declive, tipicas de uma cidade colonial, dificultavam a conexao entre o terminal portuério, os troncos ferrovidrios e a rede de armazéns ‘e estabelecimentos do comércio de atacado e varejo da cidade. As Areas pantanosas faziam da febr: tifSide, impaludismo, varioia e febre ama. rela, endemias inestirpivels. E 0 que era mais terrivel: 0 medo das doengas, somado.s suspeitas para com uma comunidade demestigosem constante turbuléncia politica, intimidavam os europeus, que se mos- trayam entdo parcimoniosos ¢ precavidos com seus capitais, bracos € téenicas no momento em que era mais vida a expectativa por eles. As LITERATUR COMOMISSAO ~” sucessivas crises politicas desde a proclamacao da Repiblica haviam no 58 exaurido 0 Tesouro Nacional, como sustado a entrada de capitais ¢ dificuliado a imigrago. Era preciso pois findar com a imagem dacidade Insalubre e insegura, com uma enorme populapao de gente rude plantada bem no seu amago, vivendo no maior desconforto, imundicie e promiscaidade e pronts para armar em barricadas as vielas estreitas do centro ao som do primeiro grito de motim. Somente oferecendo ao mundo uma imagem de plena credibili- dade era possivel drenar para o Brasil uma parcela proporcional da fartura, conforto e prosperidade em que ja chafurdava © mundo civi- lizado. “Cumpria acompanhar 0 progress que segue rapido © no es- pera por ninguem; deixar-se de estatelado como um trade de pedra, a ver passar a mais brilhante das procissdes — ouro a rolar”." E acompanhar o progresso significava somente uma coisa: alinhar-se com os padrdes e o ritmo de desdobramento da economia européia, onde “nas indiistrias e no comércio o progresso do século foi assom- bbroso, e a rapider desse progresso miraculosa”."" A imagem do pro- gretso — versio priticn do conceito Homblogo de civilizaglo — se transforma na cbsessio coletiva da nova burguesia, A alavanca capaz de desencaded-lo, eatretanto, a moeda rutilante e consolidada, mos- trava-se evasiva as condigSes da sociedade carioca. ‘A todo transe, urgia apelar, reunir, mobilizar capitals, acordi- los, sacudi-los, tangé-los e, sem detenca nem vacilagao. obrigi- los a frutifiear antes do mais em proveito de quantos se pro- punham, ousados e patriotas, a agitar e vencer o torpor das eco- nomias amon‘oadas, apaticas, imprimindo-Ihes elasticidade © vibragio". Muito breve eisa camada veria concretizados seus anseios ¢ re- compentadas todos as seus esforgos. Astim como as agitaghes de 1897 extinguiram os Sltimos focos monarquistas organizados, « repressio de 1904 permitin a dispersdo da oposigho jacobina de par com o fecha mento da temivel Escola Militar da Praia Yermelha. O regime estava consolidado ¢ a estabilidade garantida, mormente com a adocdo desse sistema neutralizador da politica nacional que foi a “politica dos ‘governadores”, encetada no quadtriénio de Campos Salles (1898-1902). 0 NICOLAU SEVCENKO. 0 primeito funding Joan (1898) possibilitoa « restauragao financeira interna e a recuperacio da credibilidade junto aos centros interna- cionais, Estava aberto 0 caminho para o desfecho inadidvel desse proceso de substituigo das elites sociais: a remodelago da cidade € a consagraglo do progresso como o objetivo coletivo fundamental. Con- forme o comentario de um cronista entusiasmado: “0 Brasil entrou — e jé era tempo — em fase de restauragio do trabalho, A higiene, a beleza, a arte, o ‘conforto’ ji encontraram quem thes abrisse as portas desta terra, de onde andavam bai dos por um decreto da Indiferenga e da Ignominia coligadas. 0 Rio de Janeiro, principalmente, vai passar ¢ ja esta passando por uma transformardo radical. A velha cidade, feia e suja, tem os seus dias contados”. ‘Sem mais delongas, 0 novo grupo social hegemnico poderé exibir os primeiros moaumentos votados 2 sagragio de seu triunfo e de seus ideals. O primeiro deles se revela em 1904 com a inauguragéo da avenida Central ¢ a promulga¢Ao da lei da vacina obrigatéria. Tais atos ‘slo © marco inicial da transfiguracio urbana da cidade do Rio de Janeiro. Era a “rogeneragio" da cidade, e por extensio, do pats, na linguagem dos cronistas da época, Nela sio demolidos os imensos casarbes colonia e imperiais do centro da cidade, transformados que estavam em pardieiros em que se abarrotava grande parte da popu- Jago pobre, a fim de que as ruelas acanhadas se transformassem em amplas avenidas, pragas. jardins, decorados com palécios de mirmore cristal pontilhados de estatuas importadas da Europa. A nova classe conservadora ergue um decor urbano altura da sua empéfia."” O segundo grande marco da sua vitbria ¢ a Exposicdo Nacional do Rio de Janeiro, que trouxe a glorificagao definitiva dos novos ideais da indis- tria, do progresso eda riquezsilimitados.* Assistia-se i transformacao do espaco ptiblico, do modo de vida e ik Rataldadia gariogs Acgundo padroes totalinente originain « uko hhavia quem se the padesse opor. Quatro principios fundamentais rege- ram o transcurso dessa metamorfose, conforme yeremos adiante: a condenagio dos habitos e costumes ligados pela meméria & sociedade tradicional; a negagdo de todo e qualquer elemento de cultura popular que pudesse macular a imagem civilizada da sociedade dominante: uma politica rigorosa de expulsio dos grupos populares da 4rea central 44a cidade, que seré praticamenteisolada para o desfrute exclusivo das camadas aburguesadas; ¢ um cosmopolitismo agressivo, profund: ‘mente identificado com a vida parisiense. LITERATURACOMO MISSAO. 3 A expresso “regeneralo" era por si s6 esclarecedora do esptrito ‘que presidiu esse movimento de destruigio da velha cidade, para ‘complemeniar a disseluy3o da yelha sociedade imperisl, e de monta fgem da nova estrutura urbana. O mirmore dos novos palacctes repre Seatava simultaneamente uma lapide dos velnos tempos e uma placa Votiva ao futuro da nova civilizacdo. Olavo Bilac descreve com um adicmo sensual ¢efusivo a demolicdo da antiga cidade e a abertura de novas perspectivas: “No aluir das paredes, no ruir das pedras, no esfarelar do burro, havia um longo gemido. Era o gemido soturno ¢ lamentoso do Passado, do Atraso, do Oprobio. A cidade colonial, imunda, retrograda, emperrada nas suas velhas tradigBes, estara solu: ‘gando no solugar daqueles apodrecidos materiais que desaba: ‘yam, Mas o hiro claro das picarotas abafava esse protesto impo- tenie. Com que alegria cantavam clas — as picaretas regene radoras! E como as almas dos que ali estavam compreendiam bbem 0 que elas diziam, no seu clamor incessante e ritmico, cele- brando a vitdria da higiene, do bom gosto e da arte!"’" Para o cronisia Gil, era essa remodelagdio urbana @ nfo 0 Grito do Ipiranga que marcasa a nossa definitiva redeng2o da situaglo colo: nial.” O novo cendriosuntuoso ¢ grandiloqiente exigia novos figurinos. Dai a campanha da imprensa, viloriosa em pouco tempo, para a candenagio do mestre-de-obras, elemento popular e responsivel por praticamente toda edificag2o urbana até aquele momento, que foi defrontade e Yencido por novos arquitctos de formagio académica. Ao estilo do mestre-de-obras, elaborado ¢ transmitido de geragdo a gera: (go desde os tempos coloniais, constituindo-se ao fim em uma arte autenticamente nacional, sobrepis-se 0 Art-Nouveau rebuscado dos fins da Belle Epoque, Também com relagdo 4 vestimenta verifica-se a passagem da tradicional sabrecasaca e cartola, ambos pretos, simbolos da austeridade da sociedade patriareal e aristocratica do Império, para ‘a moda mais leve e democratica do paleté de casemira clara e chapéu de palha..Q importante agora € ser chic ou smart conforme a proce- déncia do tecido ou do modelo. Data dessas transformagies a descoberta pelos escritores brasi- leiros de uma pecha que até entio s6 nos fora impingida pelos estran- geiros: a“nossa tradicional preguigs”. Observando a socisdade rural = 0s grupos tradicionais a partir do angulo urbano ¢ cosmopolita, em que tempo ¢ encarado sobretudo como um fator de produgao e de acumu- 2 NICOLAUSEVCENKO, lapto de riquezas. seu juizo sobre aquela sociedade nfo poderia ser ‘outro. Por isso, um dos temas da Regeneracdo foi exatamente este: 0 ‘orgullio de, com as obras de reconstrugdo do Rio, nos havermos redi- mido do cstigma de preguigosos com que os estrangeiros hos acu: Jaya, ‘Onde vai perdida nossa fama de povo preguigoso, amolentado pelo clima e pela educacto, incapaz de longo esforco e tenaz trabalho’ ...jé 6 tempo de se recolher ao gavetio onde se guar- dam os chavies initeis, essa lenda tola da nossa incuravel pre Buia’ Mas essa redencio era valida somente para as grandes cidades. Antes de ir para a gaveta, 0 chavo ainda seria esgrimido pelos autores que escreveram sobre as sociedades rurais e os grupos tradicionais. Alifs, mais que munca, agora se abusaria da oposigio cidade indus- triosa—campo indolente, como se pode verificar facilmente nas obras de Evelides da Cunha, Graga Aranha e na figura simbolo do Jeca Tatu de Monteiro Lobato. E nesse momento que se registra na consciéncia intelectual a idéia do desmembramento da comunidade brasileira em duas sociedades antagSnicas e dessintonizadas, devendo uma inevits- iahiate provelocer soblwdToutva;.ou enoonttncban ual ponbo'de aft: tamento. Modelando-se essa sociedade, como seria de se esperar, por um critério utilitario de relacionamento social, nfo € de se admirar a condena¢ao veemente a que ela submete também certos comporta- mentos tradicionais, que aparecem como desviados diante do. novo parimetro, como a serenata ¢ a boemia. A reagio contra a serenata & sentrada.no instrumento gue a simboliza: 9 violdo. Seado por exce- ‘encia o instrumento popular, o acompantante indispensavel das “ mo- dinbss" e presenga constante nas rodas de estudantes boémios, 0 violio ppassou. a significar, por si s6, um sinénimo de vadiagem. Dai a im- prensa incitar a perseguigio policial contra o seresteiro em particular TiolBo.em-geral.” Quanto A boemia, « prépria transformacio ur ‘Dana, acabando com as pensbes, restaurantes ¢ confeitarias baratas do centro, acabou a infra-estrutura que a sustinha. S6 restaram as alter- nativas de um emprego no centro ou a mudanga para 0 subarbio, essa coisa nojenta que os imbecis divinizaram, chamada boemia” acabou-se.”! Nessa-titia contra os “‘yethos hébitos coloniais” os jornalistas expendiam suas energias contra os tltimos focos que resistitam 40 furacio do prefeito Pasws, © “ditador" da Regeneragio, Com ex- LITERATURA COMO MISSAO x pulsdo da populagio humilde da frea central da cidade ¢ a intensi casio da taxa de crescimento urbano, deseavolveramse. fem breve seriam 0 alyo predileto dos “regeneradores’ ‘outras vitimas se jumtarao: as barracas e quiosques varejstas; as earro- ‘g85, carrogbes e carrinhos-de-mio; os freges (restaurantes populares) e fos cies vadios." Campanha mais reveladora dos excessos inimagi- nies a que levava esse estado de espfrito foi a criag2o de uma lei de ‘obrigatoriedade do usc de paleté ¢ sapatos para todas as pessoas, sem distinglo, no Municipio Neutro, © objetivo do regulamento era por “termo a vergonha ¢ 4 imundicie injustificaveis dos em mangas-de- camisa e desealcos nas ruas da cidade”.” O projeto de lei chegou a passar em segunda discussio no Conselho Municipal e um cidadlo, para o assombro dos nas céticos, chegou a ser preso “pelo crime de andar sem colarinho”.® Nao era de se esperar, iguaimente, que esse sociedade tivesse tolerdncia para com as formas de cultura¢ religicsidade. populares. Afinal, @ luta contra a “caturrice”, a “doenga”, 0 “atraso” ¢ a “pre- ‘tiga’ era também uma lata contra as trevase a “ignorfincia”; tratava- se da definitiva implantayao do progresso e da civilizagdo. Aparece, pois, como netural, a proibigao das festas de Judas ¢ do Bumba-meu- boi, os cereeamentos contre a festa da Gloria ¢ 0 combate policial a todas as formas de relgiosidade popular: lideres messianicos, curan- deiros, feiticeiros etc..." As exprobragdes contra as barraguinhas de ‘Sip Joao no Rio vao de par. nas crénicas didrias, com os elogios aos cerceamentos a festa da Perha em Sio Paulo."” As autoridades zelam ina perseguigio aos candombiés, enquanio Jofo Luso, mas crinicas dominicais do Jornal do Comeércio, manifesta o seu desassossego com a popularizardo crescents dese culto, inclusive dentre as camadas urbs- nizadas.™ O carnaval que deseja é 0 da versio européia, com arlequins, pierrés e colombinas de emogées comedidas, dat o ritupério contra os cordBes, os batuques, as pastorinhas e as fantasias populares prefe ridas: de indio e de cobra viva.” As autoridades ago demoraram a impor severas restrigdes as fantasias — principalmente de indio — e a0 comportamento dos folides — principalmente dos eordBes.” Mesmo a forma de jogo popular mais difuncida. o jogo do bicho, € proibida e perseguida, muito embors a sociabilidade das elites elegantes te fizesse em torne dos cassinos edo Jockey Club.” © resultado mais concreto desse processo de aburguesamento intensivo da paisagem carioca foi a criagdo de um espago piiblico central na cidade, completamente remodelado, embelezado, ajardi- nado ¢ europeizado, que se desejou gerantir com exclusividade para 0

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