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eu na Modernidade
Da Renascença
ao Século X IX
O cHoíoi.
ÊtUfom
V Que características deste século são resultados de m udanças dc fut
ocorridas nos últimos cinqüenta anos? A sensação dc fcagmenlaçào do eu
visão que as pessoas têm dc si m esm as é resultado p articu la r de su
personalidade ou é um padrão geral na sociedade contemporânea?
Diversas mudanças na culnira nos ultim es 300 anos fizeram com qu
fosse altamente desgastada nossa capacidade de olhapnos O momento em q
vivepios c dc com preendermos as raí/es de s u .ls crises no passado. Os teni|
•atuais têm essa mistura de grande desenvolvimento tecnológico e uma cnorm
carência de reflexão filosófica. Há problema- estritamente atuais, mas as bus
' da atualidade vêm de longe.
Pedro Luiz Ribeiro de Santi. neste A construção do «e na M otlernuU uk\
ífo rfie ce uma ferramenta para professores e a limos que pretendam tratar o temp
I atual com uma perspectiva histórica. Com olhos voltados para os pm i-vdenttÀ
E da Psicologia como uma área cientifica, de Santi acaba por fazer um resumo d
h istó ria do p en sam en to filo só fico nos ú ltim o s 500 anos. A leitura d
| fundamentação para que alunos de Psicologia possam compreender o surgiment
S de sua própria profissão, mas também fornece material para que alunos
interessados de quaisquer outras áreas possam compreender as raízes da vi sã
do fiomem de si mesmo no século XXI Com exemplos na m úsica, nu literatura!
" i pintura e no comportamento, de Santi narra a trajetória da construção
ópria imagem do homem.
■045518* 1501
Aoanrfii nSo Uft eo ní
Pedro Luis Ribeiro de Santi, plrsantifiruol.cojn.br
C Pedro Luís Ribeiro de Santi. 19%, 2000,2003,2001, 2005,2009.
15 0 .1 de S a n t i , P ed ro L u ís R i b e i r c .
5235c A Construção do 'eu' r.a
Modernidade. Da Renascença ao
século XIX / Pedro Luis Ribeiro de
Kanti. -- Ribeirão Preto : Holos,
Editora. 1990. 134 p. : 11. ; 21
1. 1 5 0 .1 . 2. P s i c o l o g i a - T e o r i a .
I . T ítu lo .
4
Pedro I.uis Ribeiro de Satui
SUMÁRIO
5
A Construção do eu na Modernidade
Pedro Luis Ribeiro de Santi
PREFÁCIO
7
A Construção do eu na Modernidade
ju lh o , 199#
I uís C láudio Figueiredo
Livre Docente dc Psicologia Geral
Universidade de São Paulo
8
Pcdru Luis Ribeiro de Santi
1
INTRODUÇÃO
F
1—/ste livro nasceu dc uma pesquisa iniciada et» agosto de
1995 que tinha a finalidade dc produzir material didático pani o curso
“ Teorias e Sistemas Psicológicos” , que ministro no primeiro ano do
curso de Psicologia desde 1992. lk>a parte deste canso c dedicado
ao estudo das condições que levaram ao surgimento da Psicologia,
no final do século XIX.
Desde então, tenho tentado ampl iar este trabalho, organizando
textos, combinando trechos dc obras dc comentadores c adicionando
novos textos originais dc cada época. Combinando a preocupação
com a abertura dc vias de comunicação com os alunos e uni interesse
pessoal, com freqüência uso outros recursos que não apenas textos
teóricos, como literatura geral, filmes, referencias à ‘história dos
costumes' e, muito especial mente, a audição de música dc época.
P-ssa reunião entre uma Linguagem teórica c mais abstrata com outras
mais imediatas e prazerosas não apenas mostrou-se produtivo,
atendendo um pouco uma das necessidades mais comuns do estudante
universitário de hoje. o aumento de sua cultura geral. Pia também
deixa evidente para o aluno a relação entre os problemas filosóficos
ilas várias épocas, que se refletem cm toda a expressão humana -
dos hábitos á arquitetura, da música à visão dc si mesmo
Tenho procurado digerir esta experiência dc mais dc quatro
anos através da produção dc um texto didático. Para isso, há que se
pagar o preço de uma simplificação inevitável, quando se compilam
fontes fragmentadas e, sobretudo, quando se tenta tomar urr texto
sobre u historia do pensamento humano acessível á linguagem Je
alunos dc graduação.
A esperança maior deste In ro é a dc convidar, dc um lado.
os alunos dc Psicologia a pensar nas relações dessa área de
pensamento com o restante do conhecimento c em suas condições
de surgim ento. De outro, co n vid a r o pú b lico leitor geral u
A Construção do eu na Modernidade
10
Pedro Luis Ribeiro de Santi
11
A Consuxiçào do eu na Modernidade
2
A PASSAGEM
DA IDADE MÉDIA
AO RENASCIMENTO
Nesta parle, mua-se de espor que nossa
concepção aluai do que seja o "eu” não cm
posshei na Idade Média
13
A Construção do eu na Modernidade
poucas coisas pckts quais lutamos hoje -ti preciso garantir nossa
privacidade, diante da aha exigência atual para que dediquemos toda
a nossa energia c tempo às atividades consideradas “úteis”. Há até
quem diga, e nào são poucos, que nosso excessivo individualismo è
um cos grandes problemas da convivência social atual. Dentre os
problemas que derivariam disso, poderíamos enumerar: a imposição
dos interesses pessoais sobre os coletivos, a insensibilidade ao que
nào nos di2 respeito imedialamentc. a solidão, a falta dc um sentido
para a vida, o desrespeito generalizado às leis, o crescimento como
reação a tudo isso dc movimentos ideológicos ou religiosos
dogmáticos e violentos, caracterizados pela intolerância para com
aquilo que c diferente dc si ou do grupo, ctc.
Existem as nações, grupos religiosos, familiares, ctc, mas a
menor unidade seria a pessoa. O termo ‘indivíduo’ remete a isto,
somos o “átomo” indiviso do mundo humano. Este sentimento de
individualidade se mostra, em outro exemplo caricato, quando estamos
prolundamente infelizes e nos sentimos incompreendidos, passando
por uma dor que provavelmente ninguém jamais passou antes. Se
um amigo a quem confidenciamos nossa dor diz nos compreender e
já ter passado pela mesma experiência, enchemo-nos de orgulho e
reagimos dizendo que clc nào entendeu nada, nosso sofrimento é
incomparavelmente maior que o dele!
Assim, quer pelos valores positivos, quer pelos negativos que
lhe atribuamos, parece-nos certo que o sujeito isolado c a unidade
básica dc valor e referência de tudo. Ainda assim, sc dermos uma
olhada na história dos costumes ou da filosofia, veremos que rtcin
sempre foi assim. Esta afirmação do “eu” parccc ter-se construído
gradativamcnte. através dc séculos’ . ü “eu” nem sempre foi soberano.
Sc nos dirigíssemos à filosofia da Grécia clássica (scculo V
A.Cd. certamente já encontraríamos algo que poderíamos chamar
dc humanismo, como uma valorização do ser humano já nào submetido
ao poder dos deuses (como na filosofia dc Sócrates ou no teatro de
Euripcdes), a criação do direito e da dem ocracia, etc. Mas o
1É sempre bastante compl srado aftnnamuw que detenmnada idéia tenha surgido
pela primeira vez em tal momento ou em determinado autor Sempre achamos
alguém que jã afirmara tal idéia aníenonncntc. Este recuo parece ser infinito.
Assim, sempre trabalhamos com uma margem dc aproximação o, vale dizer, erro.
14
Pediu) Lu is Ribeiro ile Santi
"A reflexão radical traz paru o primeiro plano uma espécie tJe
presença para a pessoa, que c inseparável do fato de esta
pessoa scr o agente da experiência, algo cujo acesso ê, par
sua própria natureza, assimétrico: há uma diferença crucnl
entre a forma dc cu experimentar minha ;»li\ idade, pensamento
e sentimento, e a fumia pela qual você ou qualquer outro o
faz: É isso que rr.e toma um scr que pode lalur de si na primeira
pessoa”, (p. 174}
15
A Coustmção do eu na Modernidade
IA
Pedro Luís Ribeiro de Santi
17
A Construção do cu na Modernidade
18
Pedro Luís Ribeiro de Sant:
PINTURA - (iiotto
19
A Construção <lo cu na Modernidade
3
O HUMANISMO
NO RENASCIMENTO
\'esta parte, introduzimos o tema da
valorização do homem como um todo e de
coda indivíduo, no Renascimento, &n função
da perda das referências sólidas medievais
20
Pedro Luís Rihciro de Sauti
21
A CanstnçSo Jo cu na Mixianidade
22
Pedro Luis Ribeiro de Santi
*
Assim, a fc cm Deus não loi abalada, mas agora ele c
cr.tendido como um criador que paira por sobre sua obra. que passa
a ter vida própna. liberdade. L>eus está “antes" do mundo como criador
Em A invenção do psicólogo.
Pedro Luis Ribeiro dc Santi
4
O ENCONTRO COM
A MULTIPLICIDADE
Trabalhamos, testa parte, o encontro com a
diversidade th. mundo. O confronto com a
diferençafe~ cont que o homem se perguntasse
sobre si.
9
í.
A Construção cio eu na Modernidade
26
1'edm I.uís R:hcm> de Sanli
27
A Construção do eu nu Modernidade*
A vitória dos espanhóis teria se dado por sua maior habi Iidade
cm entendei o modo de pensar do outro, tirando proveito disso. Todorov
insinua que este teria sido o mais importante fator da dornttwção do
europeu sobre o mundo: ele seria capa/ de dissimular e mentir. Em
nossos termos, ele ê eapa 2 de criar um distanciamento entre sua
ação e sua intenção, de acordo com seus interesses. Todorov chega
a comparar a caoaeicadc comunicativa dcCortez com as prescrições
dc Maquiave! em O p rín cip e, escrito na mesma cpoca. Nesta
habilidade comunicativa, neste auto-distanciamcnto e neste uso
puramente funcional da linguagem, estarU fundada a Modernidade.
Temos, como em relação a Rabclais. uma posiçào intermediária: o
europeu teria uma quase total incapacidade dc entrar em contato
com a alteridade, buscando dominar e assimilar o outro; por outro
lado, ele parece ter sido mais capaz que outros povos paia sair de
seu próprio ponto de vista e procurar compreender o do outro, ainda
que para domina-lo. Todorov também indica que os europeus cstariam
acostumados a operar um descentramento, desde que seu centro
religioso, Jerusalém, era. dc fato, fora de seu continente.
N’a conclusão dc sua obra, Todorov apresenta-nos esta
formulação paradigmática sobre a questão do outro:
28
Pedro Luis Ribeiro de Saot i
29
A Construção <io eu r.a Modernidade
MÚSICA - A POMFONÍA
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Pedro Luis Ribeiro de Sunti
CA RGÂ N TU A E PANTAGRDEL
“AO LEITOR
Antes mesmo de In . leitor amigo.
Despojai-vos de ioda má vontade.
Não escandalizeis, peço, comigo:
Aqui não há nem mal nem falsidade.
Sc o mérito é pequeno, na verdade, outro intuito nau tive. no
entretanto,
A não ser rtr, e lazer nr portanto.
Mesmo das aflições que nos consomem
Muito mais vale o nsc do que o pranto
Ride, amigo, que rir c próprio do homem.” (p. 31).
•'PRÓUXJO DO AUTOR
Bchedorc» ilustrese preciosíssimos bexiguentos ípois
a Vos, não a outros se dedica o meu engenho]: Akébiades.
no diálogo dc Platão intitulado O Banqueit, louvando o seu
'* Ouça Rodrigo Martinez, Pues fíie/t, para éfia, Por las vrVm/í dc Sfadrid
6 Al aiva ivnid, extraidas de “£/ Concioaero de Paiaeio, dc grupo Herpérion
XX, AstréC'Audi vis. I991"
31
A Construção do cu 11a Modernidade
32
Pixlro l ms Ribeiro de Sann
33
A Construção do eu na Modernidade
Arcimbofdo, "A
primavera ". O to
do è formado por
um con/ttnio de
fragmentos evo
cativas da estação.
A representação e
poiifõnica e pede
diversas perspec-
tivas de ívdin
34
Pedro Luís Ribeiro de Sanü
5
OS PROCEDIMENTOS DE
CONTENÇÃO DO EU
Acompanhamos, nesta parte, algumas das
medulas tomadcs para o restabelecimento de
referencias ftarr a colocação do homem no
mundo. Elas estarão voltadas ao próprio eu.
na figura do auto-controie.
A
J T x . nova valorização do ser humano e a imposição de que
ele construa sua existência e descubra valores segundo os quais viver,
aliada a toda a dispersão c fragmentação do mundo, que apontamos
acima, levarão a tentativa de criação de mecanismos para o dominio
c formação do eu. É na formação destes procedimentos - ‘modos
de ser"- que poderemos começar a reconhecer os rumos que levarão
à Psicologia, Citando uma vez mais Figueiredo:
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Pedro Luis Ribeiro de Santi
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A Construçilo do eu na Modernidade
EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS
PRINCÍPIO E FUNDAMENTO
O homem é criado paia louvar, reverenciar e servir a
Deus Nosso Senhor, e assim salvar a sua alma. E as outras
coisas sobre a face d.t terra sào criadas para o homem, pura
que o ajudem » alcançar o fitn para que é criado. Donde sc
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Pedro LuLs Ribeiro dc Saati
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A Construção do eu na Modernidade
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Pedro Luis Ribeiro de Santi
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A Construção do eu na Modernidinle
C) PRÍNCIPE
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A Construção do eu nu Modernidade
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Pedro Luis Ribeiru de Santi
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A Construção do eu na Modernidade
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Pedru Luis Ri beiro de Santi
6
A POSIÇÃO DE
CRÍTICA À APARÊNCIA
Nesta parle, procuramos m ostrar guc ci
tendência à glorificação do eu não é absoluta.
Alguns pensadores já começam a denunciar
como ilusórias suas pretensões cade ver
m aiores. A M odernidade contém uxnto
procedim entos para a construção ao eu
i/uuntn pam a sua desconstrução.
1A Ik in d a no século
, XVI que possui uma r íq ic /a
aparentemente infinita-, podemos identificar ainda outra poitura
quanto ao valor do ser humano. Há uma série de autoresque criticam
a pretensão do homem etn ser tão iileal e que apontam, com ojá o
fizera Maquiavel, para urna eventual maldade c vaidade humanas.
Esta posição possui relações complexas com o humanismo. Fm um
certo sentido, afirma-o, em outro, arrasa-o.
A primeira vista, pode parecer que esta vertente estaria
excluída da Modernidade, mas veremos que esta última pteeisa de
tais procedimentos. Ao menos alguns pesquisadores, como Harold
Bloom, reconhecem justam ente em alguns destes autores -sobretudo
Shaltespeure os fundamentos mais expressivos da Modernidade.
Dentre os lemas que temos trabalhado, podemos retomar
dois. Em primeiro lugar, o que acabamos dc tratar acima, a formação
do “eu” . Montaigne, a quem já citamos acima, diante da instabilidade
c insegurança dc tudo, acaba por fazer renascei um outro dos
movimentos do pensamento grego: o ceticismo. Não podendo confiar
ou acreditar em nada. Montaigne sc retira da vida social, isola-se e
passa a escrever durante anos, c até o fim de sua vida, sua famosa
obra Ensaios. Não se trata apenas de um livro, inas da própria
form ação do sujeito M ontaigne. F.lc descreve a si e ás suas
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A Construção do eu na Modernidade
“Não cometo ewe erro tão comutn dc julgar os> outros por
mim. Acredito de bom grado que o que está nas outros possa
divergir essencial mente daqui Io que esta cm mim. Não obrigo
ninguém a agir como ajo c concebo mil c uma maneiras
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Pedro Luis Ribeiro dc Santi
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A Construção dó eu na Modernidade
ELOGIO DA LOUCURA
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Pedro l.uis Ribeiro de Santi
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A Construção do cu na Modernidade
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Pedro Luis Ribeiro de Santi
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A Construi;ào do eu na Modernidade
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PedroLuis Ribeiro de Santi
H A Ml.ET
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A Construção do cu na Modernidade
L'í Hamlet insiste paia que (iuildenstem toque uma flauta; este
recusa-sc, afirmando nâo dominar a técnica do instrumento)
HAMLET Pois veja só que coisa mais insignificante você
me considera! Lm mim você quer tocar; pretende conhecer
dentais os meus registros; pensa poder dedilhar o coração do
meu mistério Se acha capar dc me fazer soar, da nota mais
baixa ao topo da escala. Há muita música, uma voz excelente,
neste pequeno instrumento, e você é incapaz dc fazê-lo falar,
Pelo sangue dc Cristo!, acha que cu sou mais fácil dc tocar do
que uma flauta? Pode me chamar do instrumento que quiser -
pude mc dedilhar quanto quiser, que não vai me arrancar o
menor som.., (p. 111)”,
‘'HAMLET - Esse crânio já teve língua um dia, e podia cantar.
E o crápula o atira ai pelo chão, como se tosse a queixada de
Caim. o que cometeu o primeiro assassinato. Pode ser a cachola
dc um politiqueiro, isso que esse cretino chula agora; ou ate o
crânio de alguém que acreditou ser mais que Deus (...) Pode
scr. F. agora sua dona é Madame Verme; desqueixado e com o
quengo martelado pela pá de um coveiro. Uma bela revolução,
se tivéssemos capacidade dc entende-la. A educação desses
Ossos terá cuslado tão pouco que só sirvam agora para jogar a
bocha? Os meus doem, só de pensar nisso. (...)”
"-Mais um! Talvez o crânio dc um advogado! Onde
foram parar seus sofismas, suas cav ilações, seus mandatos e
chicanas? Por que permite agora que um patife estúpido lhe
arrebente a caveira com assa pá imunda e não o denuncia por
lesões corporais? Hum! No seu tempo, esse sujeito talvez
tenha sido um grande comprador de terras, com suas escrituras,
fianças, termos, hipotecas, retomadas dc posse. Será isso a
retomada final dc nossas posses? O teimo dc nossos termos,
será termos a caveira nesses termos? Os liadores continuarão
avalizando só com a garanlui desse par dc identificações? As
escrituras dc suas Icrras dificilmente caberiam nessa cova; o
herdeiro delas náo mereceria um pouco mais?" (p. 168-169).
"HAMLET -Deixa eu ver. (pega o crânio) Olá. pobre Yonclt!
Lu o conheci, Horacio. Lm rapaz de infinita graça, dc espantosa
fantasia, Mil vezes me carregou nas costas; e agora, me causa
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Pedro Luis Ribeiro de San»
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A Construção do eu na Modernidade
7
O DISCURSO DO
MÉTODO
Acompanharemos, nesta parti.', através do
exemplo mm!ciar de Descartes, como o eu
chega a seu ponto de máxima afirmação no
século XVII, Ao eu será atribuída uma posição
transcendente ao mundo material: com Isto.
nascerá o projeto da produção de um
conhecimento objetivo, neutro, independente
da subjetividade, u ciência.
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Pedro Luis Ribeiro de Santi
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A Construção da eu na Modernidade
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Podro Luis Ribeiro de Santi
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A Construção do cu na Mudcmidadc
O DISCURSO DO MÉTODO
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Pedro I.uis Ribeiro de Santi
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Pedro I uis Ribeiro de Santi
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A Construção do cu na Modernidade
M Ú S IC A - B a c h : o barroco e a f u g a
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Pedro l.uis Ribeiro de Santi
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A Construção do eu na Modernidade
8
O EU E O N Ã O EU
c
V ^/uiiiü forma de destacar a importância que passa a ter a
afirmação do eu como único ponto dc referência para a existência humana
desde o scculo XVII. vale a pena fazermos uma breve referência á
loucura. A referência chave nesse tema é a obr.» fundamentai dc Michel
Foucault, dos anos 60 de nosso século: A historia da loucura.
De forma muito simplificada, poderíamos dizer que foi apenas
no século XVII que surgiu nossa forma atual de relação com a loucura,
num certo sentido, a loucura surgiu nesse século. Isso não quer di/cr
que, antes disso, não houvessem pessoas que alucinavam ou que fossem
descontroladamente violentas, etc. A questão c que antes do século XV11
ou em culturas nào ocidentais, a forma dc sc compreender o que se
passava com essas pessoas era diferente. Não havia o metlo que temos
hoje do louco, a idéia de que isso fosse uma doença e, sobretudo, nuo
existia a idéia dc que ele devesse scrafastado do convívio social e isolado
num hospício, fim determinadas culturas, o louco pode ter sido tomado
como um visionário: como aquele que transcende a experiência imediata,
entra em contato com outra dimensão da verdade que, ao regressar, a
comunica aos demais. Ele pode ainda ter sido tomado como um possesso
pelo demônio ou simplesmente como um bobo. ü pnncipul c observar que.
até o scculo X VJI. a peida ila ra/ão por um homem não produzia o efeito
de medo que passou então a gerar Por que surgiu o medo da loucura?
A idéia fKirece scr a seguinte: no inundo medieval, a garantia
sobre a ordem do mundo c lodus as suas certezas era dada por algo
externo ao próprio homem, ou seja, por Deus. Se um homem perdia
a razão, via coisas que ninguém mais via ou pensava o que ninguém
68
Pedro Luís Ribeiro de Santi
mais pensava; isso era um problema dele que não afetiva aos demais.
Ele deveria estar tomado pelo demônio. As pessoas podiam até ter
medo de serem tomadas também, mas a loucura não ameaçava a
crença em Deus e. assim, as verdades aceitas. Depois do processo
que descrevemos, desde o fim da Idade Media c sobretudo depois dc
Descartes, a situação mudou totalmente. Desde cntào, a única
garantia c ponto de referência do homem é a sua crença cm um “eu
pensante” objetivo c consciente. A partir desse momento, qualquer
coisa que pudesse pôr em questão a lucidez e a estabilidade do cu,
seria tom ada com o allam cnlc am eaçadora. Agora é toda a
estabilidade do mundo que está em jogo na identidade do eu. È preciso
criar mecanismos para afirmá-lo e defendê-lo.
O afastamento do louco do convívio social perece servir mais
aos outros do que a cie. No scculo XVII, nào liá qualquer perspectiva
de tratamento, trata-se simplesmente de um isolamento por medo do
contágio. Foucault mostra-nos que os primeiros hospícios foram os
antigos lep rosários remanescentes da Idade Média, o que acaba sendo
altamente expressivo da associação feita com aquele mal tcrrivcl e
contagioso. O louco será tratado como um animal, como alguém que
perdeu a alma. pois esta identifica-se com o eu e s u j racionalidade.
Nào se pode pensar em um eti louco; sc há loucura, o eu submergiu.
I embremo-nos do último trecho de Hamlet no texto anexo, em que
ele antecipa esta noção: se ele fez algo estando louco, c o próprio eu
que foi ofendido c nào pode ser responsabilizado. Descnha-sc
novamente aquela referência á pintura barroca com o estilo do claro
escuro: não há ta/ão relativa, ou sc c sâo c dono dc seu eu, ou se é
louco e alienado absolutamente, Rolo lugar de cxcluiSo que assume,
não há música que represente a loucura no século XVII. Como já
dissemos, ela c dominada pela racionalidade matemática.
Concluindo, o nascimento de nossa representação moderna
da loucura c contemporâneo c correlato ao momento de maior afirmação
do eu, enquanto sujeito consciente c livre para conhecer a verdade.
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A Construção do cu na Modernidade
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Pedro Luis Ribeiro dc Santi
71
A Construção do cu na Modernidade
L, mais adiante:
animais políticos, não tendo contato com as leis naturais como aquelas,
como sugere que aquilo que caracteriza a natureza humana -sua
razão, sua fala c sua ânsia por glóna- é justamente o que o totna
inapto para a vida social. Uma paz. duradoura só poderia ser
conquistada por um esforço metódico da reta razão vencendo as
paixões- para apreender as leis nanirais e a constituição de um poder
centralizado c coercitivo que subjugasse as inclinações individuais,
como veremos a seguir.
Retornando à linha que desenvolvíamos, o estado de natureza
acarreta a guerra de todos contra todos, pondo em perige a
sobrevivência. Hobbes conclui então que é racional -e é, por isse, a
primeira lei fundamental da natureza: procurarmos a paz. se ela :or
possível. Caso contrário, devemos nos preparar para a guerra.
A lei seguinte é clara: é preciso que os homens renunciem
ou transfiram seu direito a todas as coisas para que se possa chegar
à paz. Mesmo que não haja um Estado constituído, é possíve a
realização de acordos entre indivíduos. Transferir significa decla-ar
a outro que não se vai mais resistir a ele naquilo de que se trate. Aqui
surge a idéia, essencial cm I lobbcs. de contrato:
73
A Construção do eu na Modernidade
"H muito evidente, por tudo que já dissemos, que em toda cidade
perfeita (isto é naquela em que nenlium cidadão tem o direito de
utilizarsuas faculdades, a seu artwtriu, paru sua próçria conservação
ou seja, onde esti aholido o direito au glàdio privado) reside um
poder supremo em alguém.o maicr que os homens tenham direito
,1confenr tão grande que nenhum mortal pode ter sobre si mesmo
um maior. E-Steè o que chamamos dc absoluto, o maior que homens
poisam transferir a um homem, (Cap. 6, p, 10)
"Pois o uso das leis (que não sàu senão regras autorizadas), não
é atar a pessoas de Iodas as açòes voluntárias; mas dirigi-las c
mantê-las cm tal movimento, em que elas não se machuquem por
seus próprios desejos impetuosos ou indiscrições, assim como
bulizas são colocadas não para deter os viajantes, mas para mantê-
los em seu caminho." (leviathan, p. 388)
74
Pedro Luis. Ribeiro de Santi
Q u e s tõ e s p u r a d is c u s s ã o
!. Lm que sentido Foucault diz que a loucura foi criada no século XVII?
2. Qual é a função do medo no inferesse do homem cm viverem comunidade,
segundo Hobbes?
3, Com qual forma de governo o Estado, tal como 1lobbcs j define, mais se
parece: a democracia, o socialismo ou uma ditadura? Pur quê?
75
A Construção do eu na Modernidade
9
OS MORALISTAS DO
SÉCULO XVII
A valorização do eu livre e indeterminado
impõe a tarefa de sua formação. Sua educação
implicará no aprendizado e adaptação a
d eterm in a d a s norm as de conduta. O
comportamento humano passa a ser alvo de
uma observarão rigorosa.
76
Pedro Luis Ribeiro de Santi
“Um mal que semeia o terror, um mal que o céu, em seu furor,
inventou para punir os pecados du terra: a Peste (o nome dota
eu quase não dizia), capa/ de recobrir o Aquaontc num dia,
aos animais declarou guerra Os que não pereceram, perderam
vigor, vivendo em mórbido langor. Nem mesmo de buscar o
seu próprio sustento sentiam o menor alento. Raposas c lobos,
parados, não se animavam a caçar. Onde os pombos
enamorados'7Foram amar noutro lugar Devido á melancólica
situação, tomou a palavra o leão:
'Nossos pecados, nossos vícios, sào responsáveis
por tudo isto Para aplacar u cólera dos céus, insisto que
serão necessários alguns sacrifícios, ou pelo menos um: que
morra o mais culpado, pois a história nos tem mostrado que
assim deve ser feito. Nada de indulgência: examinemos a
consciência. Eu. por exemplo, mc acuso de ser mesquinho:
devorei muito carne it inlio que nunca me fc* ofensa. Antes
fosse isso só... Já provei o sabor do pastor! Sou pecador, eu
sei, mas isto não dispensa cada qual de acusar-se, a fim de
sabermos quem tem a menor culpa, para desta sorte saber
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A Construção do cu ria Modernidade
A GARÇA (Fábulas)
78
Pedro Luis Ribeiro de Sanu
*
L bastante visivel o Uxn de crítica irônica presente nas fabtlas,
mas La Fontainc ó cuidadoso, nào denuncia frontalmente ninguém.
Essa c uma de suas diferenças com La Rochefoucauld, a quem
possamos a nos referir, que leva sua critica ao ponto crucial.
Sua forma de expressão foi a "máxima’, um texto pequeno,
cm geral de um único parágrafo que funciona como um provérbio.
La Rochefoucauld escreve centenas delas, mas suas idéias acabam
todas retornando ao mesmo tempo: o principal motor da vida humana
e sua vaidade, ou seja o amor a seu próprio eu. Ele sc encontra
naquela mesma linha dc Erasmo e Shakespcarc, com o alguérr que
denuncia com humor irônico o quanto o cu c pretensioso c iludido
sobre si. Consta, inclusive, que seu principal livro, M ãxin,as c
reflexões diversa s, cra utna das leituras favoritas d c Nict/schc, o
que o alinha em uma serie de autores não humanistas de muito peso.
Vale a pena divcrtimio-nos um pouco (tium certo ser tido,
rin d o de nós m esm os) com a d en ú n cia a rra s a d o ra de La
Rochefoucauld.
T E X T O A N E X O - La R o c h tfo u c a u íd
79
A Couslrução do eu na Modernidade
força para ser mau: ioda outra bondade e apciuu umii preguiça
ou impotência da vontade.
308 A moderação foi tomada unia virtude para limitara ambição
dos grandes homens, c para consolar as pessoas mediocres
de sua pouca fortuna c de seu pouco mérito.
311 Se hii homens cujo ndiculo jamais apareceu, é porque não
se procurou hem.
361O ciúme nasce sempre com o amor. mas ncr* sempre morre
com ele.
.368 A maior parte das mulheres honestas $5o tesouros
escondidos, que estão cm segurança apenas porque não são
procuradas.
377 A maior falta dc penetração não é não chígar até o fim,
mas ultrapassá-lo.
389 O que toma a vaidade dos outros insuportável, é que ela
fere a nossa.
457 Nós ganharíamos mais em nos deixar ver tais como somos,
que em tentar parecer o que não somos.
458 Nossos inimigos se aproximam mais dc verdade, nos
julgamentos que fazem dc nós, do que nós mesmos.
459 Há vários remédios que curam o amor, nws nenhum é
infalível.
496 As discussões não durariam tanto se o erro estivesse de
um lado só.
[Máximas suprimidas depois da primeira cdM,ào|
Algumas vezes é agradável a um marido ter uma mulher
ciumenta: ele ouve sempre falar do que mais ama.
18 Na adversidade de nossos melhores amigot. encontramos
sempre alguma coisa que nào nos desagrada
47 A confiança que se tem em si faz nascer a naior parte da
que se tem nos outros.
60 Quando não sc encontra seu repouso em si-mesmo, é inútil
procurá-lo em outro lugar.
81
A Construção do cu na Modernidade
82
Pedro Luis Ribeiro de Santi
10
O PÚBLICO E
O PRIVADO
O eu, entendfdo como totalidade, passa a ser
visto comi>uma exterioriàade. O que fora
excluído, emerge como mundo intimo.
83
A Construção do eu na Modernidade
84
Pedro lu is Ribeiro de Santi
"De sua sexualidade ele fc/ uma ética, esta ética ele manifestou
cm uma obra literária; c por este movimento refletido de sua
vida adulta que Sade conquistou sua verdadeira
originalidade"2*
23Simonc de Bcauvoir, p. 15
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A Construção do eu na Modernidade
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Pedro Luis Ribeiro de Santi
“Fôda. Eugénic, Fòda pois, meu caro anjo, teu corpo pertence
só a você; não ninguém akm de você do mundo que tenha o
direito de gozar tklc c o lazer gozar como bem tc pareça." (p. 84)
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A. Construção do eu na Modernidade
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Pedro 1 üis Riticiro de Santi
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A Construção do eu na Modernidade
MÚSICA - M ozart
90
Pedro I.uis Ribeiro dc Sanli
11
TEMPESTADE E
ÍMPETO:
O ROMANTISMO
O iluminismo, que reconhecia nu razao a
essência do homem c na m'-tura sua maior
realização. recebe a critica tio romantismo; a
essência humana seria sua natureza
puiuonal. surgindo a ânsia pelo retorno ao
mundo natural
A, -potitamos, no inicio da parte anterior, for que meios o
século XVIII passou a iluminar o espaço excluído ao cu. Ao longo do
século, surgiram tendências de pensamento que chegaram mesmo a
inverter a relação de importância existente, privilegiando justumente
o que estava excluido.
Uma das imagens mais recorrentes desse século foi a de
que o real c encoberto por um véu. Impòe-se a necessidade de
desvclá-lo ou revelá-lo. O eu passa cada vez mais a ser tomado
como uma máscara que encobre a verdade. A vida social urbana c
civilizada- será acusada de afastar o homem de sua verdadeira
natureza. Este último termo, aliás, é essencial na compreensão do
Romantismo: ele representa utna espécie de saudosismo de um estado
natural perdido pelo homem, que seria preciso reencontrar.
A natureza u que se refere, é preciso dizer, e altamente
idealizada. Quando vemos pinturas clássicas do período, sempre
podemos contemplar uma natureza amena e aeolhcéora: os passeios
pelo campo parecem se passar sempre num clima ideal, ensolarado
c sem insetos. A referência óbvia, ainda que implícita, c a d a natureza
entendida como o jardim do Éden.
Neste sentido, o Romantismo nasce como um movimento dc
critica à Modernidade, ou ao menos como uma critica ao I luminismo.
91
A Construção do eu na Modernidade
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Pedro Luis Ribeiro de Santí
WERTHER
•Maio. 22
A vida bumanu não passa de um sonho. Mais dc uma pessea
já pensou isso. Pois essa impressão também acompanha-mc
por toda parte. Quando vejo os estreitos limites onde sc achaii
encerradas as faculdades ativas c investigadoras do homem,
e como todo o nosso labor visa apenas a satisfazer dossís
necessidades, as quais, por sua vez, não têm outro objetivo
senão prolongar nossa mesquinha existência; quando verifico
que o nosso espírito só pode encontrar tranqüilidade quanto
a certos pontos nossas pesquisas, por meio de uma rcsignaçàs
povoada de sonhos, como um presidiário que adornasse de
figuras niulticolondos c luminosas perspectivas as parede da
sua célula... tudo isso, Wilhclm, faz-mc emudecer Concentro-
me e encontro um mundo em num mesmo! Mas, também ai.é
um mundo de pressentimentos e desejos obscuros e nào de
itnagens nítidas e forças. Tudo flutua vagamente nos met s
sentidos, e assím. somndo e sonhando, prossigo na minha
viagem através do mundo.'" ip. 19)
“Junho, 16
A razão por que eu não lhe tenho escrito? E é você que mo
pergunta, você que se incluí entre os sábios? Pode bem
adivinhar que sou feliz, c mesmo... Em duas palavras, conheci
alguém que tocou o meu coração. Eu... cu não sei o que diga. ,
É um anjo! . . . Bolas! Já sei que todos dizem isso da sua
amada, não é verdade? Entretanto, c-me impossível dizer a
você o quanto cia é perfeita; nem por que c tão perfeita. Só
isto basta: d a tomou conta de lodo o meu ser. (...)
T udo quanto acabo de dizer não passa de pobres abstrações
que não dfio a menor ideia da sua individualidade ’ tp. 26-27)
94
Pediu l.ui> Ribeiro de Santi
95
A Construção do eu nu Modernidade
"Que é o homem, esse semi deus tão louvado? Não lhe faltam
as forças precisamente quando !hc sào mais necessárias?
Quando de toma alento na alegria, ou se abisma na dor, não
sc imubiliza em ura ou em outro sentido e retoma a banal e fna
consciência de si mesmo, no momento exato cm que aspira a
pcrdcr-se na plenitude do infinito?” (p. 119)
96
Pedro Luis Ribeiro dc Santi
MLISIC A - Beethoven
elementos românticos Consta que foi ele que criou o mito do maestro
atormentado, autoritário e totalinentc mergulhado na música diante
da orquestra. Ainda cm Mozart, as luzes do teatro permaneciam
acesas durante a execução da m úsica c m esm o algum as
manifestações mais ruidosas da audiência eram admissíveis. A partir
de Bccihovcn, as lu/cs são apagadas e exige-sc o mais absoluto
silêncio.
O fato de que Beethovcn, um dos maiores compositores
existentes, tenha perdido gradaiivamente sua audição cl»ega a uma
tragtcidade patética. Esta tragicidade c acentuada pelo fato dc que
ele tetiha continuado a compor c de forma ainda mais intensa. Sua
música parece expressar dc forma direta o tormento ou entusiasmo
cm que sc encontrava no mom ento da composição. As peças
frequentemente mudam bruscamenie de andamento, revezando temas
perturbados com melodias suaves. A sensibilidade romântica, com
sua nostalgia por um universo perdido, produz com Beethoven peças
dc uma profunda melancolia*.
Beethovcn nào sc revelou um gênio desde cedo. Foi apenas
quando já adulto, no início do século XIX, que sua obra floresceu,
Mas, uma vez revelado seu talento, a realização de sua obra passou
a ser o centro de sua existência. Sua correspondência no fim da vida
o revela triste c desencantado; a idéia de suicídio lhe ocorre, mas c
afastada com a justificativa de que ele linha urna obra a realizar. O
sofrimento do eu é menos importante do que a realização desse dom
maior que sc lhe perpassa.
Q uestões p a ra discuW iu
1. Qual é a critica do Romantismo ao lluminismo?
2. Qual é a diferença entre a definição dc Romatismo do limdn século XV1I1
c a forma como o definimos hoje, no sentido comum?
3. Como a noçào de "gemo" contribuiu pnra n desenvolvimento do
individualismo?
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Pedro Luis Ribeiro de Santi
12
A AUTO-CRÍ riCA
DA RAZÃO
No interior do próprio ituminismo, svrge um
movimento de auto-crítica ás pvssíbitidades.
da razão alcançar o conhecimento pleno.
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A Construção do eu na Modernidade
100
Pedro Luís Ribeiro dc Santi
101
A Construção do eu tw Modernidade
13
O POSITIVISMO
jVü inicio do século XIX, nasce o modelo
cientifico para o produção de conhecimento
com bases seguras.
A
■í. a . parlir da critica de Kant, se irá desenhar no século
XIX um modelo para a produção de conhecimento a um só tempo
racional e empírico. O senso comum ainda hoje o toma como sinônimo
de verdade: a ciência nos moldes positivistas. Dizer que algo c
cientifico significa dizer qie ê reconhecido pelas autoridades no
assunto como certo e indubitávcl. Nào se trata de opinião ou crença,
mas de algo provado.
O que hoje chamamos com freqüência de ciência teve seu
modelo formulado por Auguste Comte. Jilósofo francês. Assim como
Kant. Comte acredita na possibilidade de a razão conhecer o mundo
c, como ele, pensa que isto será possivcl desde que o homem se
mantenha dentro do uni verso dos objetos tais como lhe são acessíveis.
Comte nào fala em termos de fenômenos, mas de algo semelhante,
os objetos positivas. Por positivo, devemos entender aqueles que sc
apresentam diretamente aos nossos órgãos do sentido.
Quando Comte denomina seu pensamento com o nome de
positivismo, ele quer com isto enfatizar seu caráter de concreto,
verdadeiro ou útil, por oposição às abstrações metafísicas da tradição
filosófica. Com o positivismo, afirma-se a concepção de que cada
ciên cia deve inicialm enie d e fin ir seu o b je to , que deve scr
necessariamente positivo, localizado no tempo e espaço, observável,
em última instância. Uma vez definido o objeto, toda cicncia tem os
mesmos métodos: a observação c a experimentação. Inspirado pela
tradição humanista de que os coisas do mundo deveriam scr pensadas
cm term os de sua utilidade para o hom em , assim com pelo
distanciamento entre o sujeilo do conhecimento e o objeto, prescrito
Hcdxú Luis Ribeiro de Santi
103
A Construção do eu na Modernidade
104
Pedro l.uís Riheiaide Santi
105
A Construção do cu nu Modernidade
106
Pedro Lubí Ribeiro de Sano
OS DIVERSOS
CAMINHOS
PARA A PSICOLOGIA
Nesta parte, c apresentado um conjunto de
referencias ijue serviriam como instrumentos
para a compreensão Jn multiplicidade de
sistemas da Psicologia.
„
cV _'orno já dissemos, desde a colocação cio cu no centro
do mundo por Ik-scartcs, diversos caminhos Se desenvolveram na
h istó ria do pensam en to c dos co stu m es; estes cam in h o s
frequentemente cruzam-se. misturam-se c voltam a distanciar-se.
A partir dos pomos dc vista principais que apresentamos nas
partes anteriores sohre a questão da subjetividade, poderíamos derivar
alguns modos de scr do cu;
Da questão dos costumes, perderíamos derivar um eu
moral, atento ao auto-controle cm função dc exigênc as sociais. Por
este viés, a noção do eu é dada pelo reconhecimento externo, ele
busca auto-ulirmar-se e, para tal, investe na aparência c obediência
a regras dc conduta pregadas por aqueles que toma cono autoridades,
moldando-sc aos ideais que tem cm tomo de si; um cu social, digamos.
Este eu ê um grande consumidor dc mexia, de livros de auto-ajuda c
de biografias de personagens públicos dc sucesso (cum o perdào da
ironia). Ele busca sempre algo ou alguém (um horóscopo ou uma
tipologia psicológica) que lhe diga quem ele ê. Aqui o cu c tomado
como objeto, cie deve sujeitar-se a padròes.
-Tendo sua expressão máxima no romantismo, veríamos o
eu interiorizado, que representaria cm grande medica a questão do
individualismo e da profundidade. Ele realizaria uma certa ruptura
A Construção do cu na Modernidade
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Pedro Luís Ribeiro de Santi
R D
109
A Construção do cu na Modernidade
15
FIGURAS DO
ROMANTISMO
NO SÉCULO XIX
O romantismo atoume diversas uspet ias, todos
parecendo criticar os projetos do
Modernidade -como n própria ciência e
remeter a algo maior e anterior ao eu.
110
Pedro Luis Ribeiro de Santi
111
A Construção do cu nu Modernidade
urna tempestade de
n e v e H o turbilhão da
imagem une desenha um
rodamoinho, ifslumbra -
se um barco à ntercc das
forças da natureza tão
superiores às do Humeni
VIDA F, MORTE
13
A Construção do cu na Modernidade
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Pedro L u l s Ribeiro de S a n ti
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Pedro Luís Ribeiro dc Santi
O CORVO
117
A Construção do eu na Modernidade
16
ALGUNS
DESDOBRAMENTOS
QUE LEVARAM À
PSICOLOGIA
\e.ua parte, apresentaram (dguttuts idéias que
levaram mais dlretamente à Psicologia,
leremos como, na maior parte das casas, há
uma camhimiçdo das referências românticas,
disciplinarex e liberais
P
X odemos idcnttltcar, desde o século XVIII, alguns
movimentos da história da medicina que contêm elementos românticos
que desembocarão na Psicologia profunda. L importante dizer qoc o
interesse destes movimentos c curar e lançar a luz da razão sobre a
doença, assim, eles não podem ser considerados exclusivamente
tributários do romantismo, mas também do movimento cientifico.
Anton Mesmer talvez seja o pai desta tendência, que se irá
desenvolver durante o século XIX com a investigação sobre a hipnose
e a ocorrência (espantosamente freqüente) de casos dc dupla ou
múltipla personalidade
O nome dc Mesmer tornou-se conhecido em meados do
século XVII1. ao participar de um processo para julgítr se um exorcista
chamado Gassner seria urn charlatão. Mesmer atesta a boa vontade
e os efeitos curativos de Gassner, mas explica que seus sucessos
nào se deviam a forças sobrenaturais, mas ao uso inconsciente de
uin magnetismo animal, que circularia do exorcista ao exorcizado.
Sua tese de conclusão do curso dc medicina havia sido sobre
a influência dos astros sobre nós. Não se trataria de uma influência
Pedro Luis Ribeiro de Santi
121
A Construção do eu na Modernidade
P2
Pedro Luis Ribeiro de Santi
Q utstôcspani discussão
1. Em que sentido Mesmcr c cientista?
2. Como a Medicina, no século XIX, passa a ocupar 0 Imrurdu Igreja como
referência moral?
j . A Medicina continua ocupando esse lugar hoje? Justifique.
123
A Construção do cu na Mi>demidude
17
CONSUMAÇÃO DA
CRISE
DA SUBJETIVIDADE
Em conclusão, será exposto aquele que parece
ser o ponto mais alto da crise dos valores
humanistas e de toda a Modernidade, o
pensamento de Sietzsche,
P
JL ara concluirmos o percurso deste livro, retomamos a
idéia inicial: para a constituição da Psicologia, no final do século XIX,
foi necessária a constituição e a crise da noção de subjetividade.
Esta noção de subjetividade está estreitamente relacionada à história
do humanismo modemo, que acreditou que o homem cra o centro do
universo e livre para determinar seu destino. Acompanhamos alguns
dos movimentas de consumação destas duas condiçòes,
No século XIX, o humanismo foi atacado por diversas frentes.
Apenas para citar algumas, com as quais nào trabalhamos, podemos
mencionar Karl Marx e Charles Danvin Marx nega a liberdade
humana com a concepção de que o homem é determinado por leis
econômicas que desconhece. Darwin nega a central idade do homem
no mundo, inserindo-o em uma série natural da cadeia evolutiva
Talvez o ponto culminante ila destituição do cu do lugar a
que havia sido elevado no século XVII tenhu-sc dado através de
Niel/sche. filósofo nascido em ! H44. Em sua obra encontramos talvez
um dos discursos mais corrosivos sobre qualquer certeza que se
pretenda Ter sobre si. K o alvo-chavc dc Nietzsche c precisamente o
eu. Se o cu cra tomado como a base sobre u qual todo o conhecimento
do mundo podia ser atingido, atacá-lo significa demolir todo o edifício
124
Pedro Luís Ribeiro de Santi
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A Construção do eu na Modernidade
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A Construção do cu tu Modernidade
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A Construção do cu na Modernidade
Q uestões p a ra discussão
1. Por quê identificamos em Nietzscbe o ponto máximo da crise do
“eu”?
2. Qual é o significado de niilismo?
3. Qual é a função do “eu” para Nietzsche?
CONCLUSÃO
TA raçamos, em linhas gerais, alguns _modos de se pensar o
sujeito que foram condições para o surgimento da Psicologia, Como
dissemos rui introdução, não nes ocupamos dc uma história das praticas
médicas ou terapias prévias a ela. Nosso interesse foi o de ressaltar
a implicação da Psicologia nr. Modernidade ocidental A Psicologia
Ocidental tem como fundamento a subjetividade.
As Psicologias procuraram responder de diversas formas às
demandas surgidas da erise da subjetividade moderna Realmente,
nào é ã toa que suas linhas principais tenham tido inicio no fim do
século XIX. Em alguns casos,as teorias alinham-se a uma ou algumas
destas tendências, quer para afirmar a subjetividade, em alguma dc
suas acepções, quer para, de fato, pò-la cm questão.
Ao lermos alguma teoria psicológica poderíamos ter em
mente, como um instrumento dc reflexão, algumas perguntas relativas
à posição dessa teoria no contexto histórico. Qual a concepção dc
homem ou m ente c envolvida cm dada teoria? Ela acredita na
liberdade? O eu c o objeto privilegiado de estudo? Ela se pretende
cientifica nos lermos positivistas? Qual é sua perspectiva ética? A
resposta a este tipo de pergunta pode-nos ajudar a nos situarmos
diante deste campo inevitavelmente Làu disperso, como o da Psicologia.
Alétn disso, poderemos passar a ver que uma determinada teoria
pode ter nascido depois dc outras e se apresentar como “ última
palavra”, “novo paradigma” ctc., c ainda assim ser tributária de
concepções nem tão novas, ou ser altamente comprometidas com
crenças que talvez ate mesmo desconheça.
J31
A Consiruçàu do eu na Modernidade
19
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