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Any Bernstein
Mestre em Bioquímica, doutora em Biotecnologia (UFRJ), professora da Fundação
Cecierj
Este é o quinto dos artigos selecionados entre os estudos de casos apresentados na disciplina
Sustentabilidade no Contexto das Ciências, oferecida pela Diretoria de Extensão da Fundação
Cecierj; ele trata do acidente de Goiânia causado por uma fonte radioativa de um aparelho de
radioterapia abandonada em um terreno baldio e encontrada por sucateiros. O acidente
foi resultante da desinformação da população sobre riscos causados pelo contato direto com a
radioatividade. Certamente o professor pode abordar esse assunto nas aulas de disciplinas como
Biologia, Ciências, Química e Educação Ambiental, entre outras.
Ele se encantou com o brilho azul emitido pela substância no escuro e resolveu exibir o
achado a seus familiares, amigos e parte da vizinhança. Adultos e crianças manipularam
o material acreditando estarem diante de algo sobrenatural, e alguns até levaram
amostras para casa. Parte do equipamento de radioterapia foi também para outro ferro-
velho; com isso, a área de risco foi aumentando, espalhando ainda mais o material
radioativo.
Desvendando a charada
Algumas horas após o contato com a substância, vítimas apareceram com os primeiros
sintomas da contaminação (vômitos, náuseas, diarreia e tonturas). Grande número de
pessoas procurou hospitais e farmácias reclamando dos mesmos sintomas. Os médicos,
após várias tentativas de diagnóstico e sem informação do que estava ocorrendo,
medicavam os enfermos como portadores de uma doença contagiosa. Somente quando,
duas semanas depois, a esposa do dono do ferro-velho levou parte do equipamento de
radioterapia até a sede da Vigilância Sanitária é que foi possível relacionar os sintomas
com a contaminação radioativa e foi solicitada a presença de um físico nuclear para
avaliar essa possibilidade.
A primeira medida tomada foi separar todas as roupas das pessoas expostas ao
material radioativo e lavá-las com água e sabão para a descontaminação externa. Após
esse procedimento, as pessoas tomaram um quelante denominado azul da Prússia. Tal
substância elimina os efeitos da radiação, fazendo com que as partículas de césio saiam
do organismo pela urina e pelas fezes.
Figura 3: Sacrifício de animais domésticos contaminados
Figura 4: Policiais militares fazem cordão de isolamento para conter moradores de Goiânia que
tentavam impedir o enterro de uma das vítimas do césio 137
No ano de 1996, a Justiça julgou e condenou por homicídio culposo (quando não há
intenção de matar) três sócios e funcionários do antigo Instituto Goiano de Radioterapia
a três anos e dois meses de prisão, pena que foi substituída por prestação de serviços.
Em grandes doses, existe uma relação direta entre a quantidade de radiação recebida e
a patologia induzida. Dependendo da dosagem e do tempo de exposição, o impacto da
radiação nuclear é devastador: pode provocar hemorragia, problemas digestivos,
infecções ou doenças autoimunes e câncer. As contaminações brutais, como aquelas
provocadas pelas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, podem perdurar décadas.
Por outro lado, a irradiação é classificada como interna quando o material entra no
corpo via pulmão, intestino ou poros, ou mesmo por via intravenosa, como é o caso do
iodo radiativo para tratamento de tumores na tireoide. Nesse caso, enquanto houver
material radioativo no indivíduo, ele está sendo irradiado.
Junto com o gálio e o mercúrio, o césio é um dos poucos metais que é encontrado no
estado líquido em temperatura ambiente (líquido acima de 28,5°C)3. O
césio reageexplosivamente com a água fria (pirofórico) e com o gelo em temperaturas
acima de -116°C. O hidróxido de césio obtido (CsOH) é a base mais forte de que se tem
conhecimento: ataca até o vidro.
O césio, descoberto em 1860 por Robert Bunsen e Gustav Kirchhoff, foi o primeiro
elemento identificado por análise espectral. O espectro eletromagnético tem duas linhas
brilhantes na região azul do espectro junto com diversas outras linhas
no vermelho, amarelo, e no verde.
Na natureza há césio com massa atômica 133, com 78 nêutrons e 55 prótons em seu
núcleo. Além deste, são conhecidos outros 34 isótopos, todos instáveis ou radioativos,
que sofreram desintegrações nucleares por emissão de partículas betas (positivas ou
negativas) com meia-vida que varia de menos de um segundo até vários anos. Entre os
isótopos radioativos, o de meia-vida mais longa é o 137césio, com 30 anos; ele é uma
espécie nuclearmente definida, que possui 55 prótons e 82 nêutrons e massa atômica
de 137 u.m.a.
O trabalho de descontaminação dos locais atingidos não foi fácil. A retirada de todo o
material contaminado com o 137césio rendeu cerca de 6.000 toneladas de lixo (roupas,
utensílios, materiais de construção etc.). Tal lixo radioativo encontra-se confinado em
1.200 caixas, 2.900 tambores e 14 contêineres (revestidos com concreto e aço), em um
depósito construído na cidade de Abadia de Goiás, onde deve ficar por
aproximadamente 180 anos (estimativa de desintegração nuclear pelo decaimento
radioativo até atingirem níveis seguros).
O desastre fez centenas de vítimas, todas contaminadas por radiações emitidas por uma
única cápsula que continha 137césio. Atualmente, as vítimas reclamam da omissão do
governo para a assistência da qual necessitam, tanto médica como de medicamentos.
Fundaram a Associação de Vítimas Contaminadas do 137Césio e lutam contra o
preconceito ainda existente.
Seguindo o ditado “antes tarde do que nunca”, em junho de 1997 a Comissão Nacional
de Energia Nuclear (CNEN) inaugurou uma nova unidade especializada, denominada
Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste (CRCN-CO) em Abadia de Goiás.
Lá estão situados dois depósitos definitivos, que abrigam os rejeitos oriundos do
acidente radiológico com o Césio 137 de 1987. Um deles abriga 40% do volume total do
material recolhido, rejeitos cuja concentração radioativa é tão baixa que poderiam ser
definidos como lixo comum. No segundo depósito estão os rejeitos efetivamente
radioativos, dentre eles os restos da fonte principal que originou o acidente.
A tarefa de segregação deverá ser realizada sempre nas instalações radiativas (IR) ou
nucleares (IN) onde foram produzidas. Quando não forem possíveis o tratamento, a
reciclagem e a eliminação, os rejeitos deverão ser armazenados em seus depósitos
iniciais (Di) podendo ou não ser armazenados em depósitos intermediários (DI) e
posteriormente em depósitos definitivos (DD). Em caso de acidentes, os rejeitos são
armazenados em depósitos.
Figura 16: Localização do depósito de armazenamento de resíduos radioativos envolvendo césio
137
Figura 20: Depósitos definitivos no CRCN-CO. Este é um exemplo de depósito superficial de baixo
e médio nível
Além da desvalorização dos imóveis, por muito tempo a população local passou por
certa discriminação devido ao medo de passar a radiação para outras pessoas,
dificultando o acesso aos serviços, à educação e a viagens. Muitas lojas e o comércio
que existiam antes do acidente acabaram fechando ou mudando de endereço, sobrando
alguns poucos comerciantes que ainda resistiam em continuar na região.