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1. Introdução
Com o crescente desenvolvimento e emprego das tecnologias de informática e
comunicação (TIC), no contexto da complexa sociedade contemporânea, com grandes
assimetrias, ganha impulso também a preocupação com relação ao acesso do cidadão
aos benefícios dessas tecnologias. Tal preocupação está expressa, entre tantas outras
fontes, no documento Grandes Desafios da Pesquisa em Computação no Brasil – 2006
– 2016, da Sociedade Brasileira de Computação (SBC, 2006). Trata essa importante
referência para a pesquisa brasileira em Computação, no seu item 5 (Acesso
participativo e universal do cidadão brasileiro ao conhecimento), da necessidade de se
romperem as “barreiras tecnológicas, educacionais, culturais, sociais e econômicas, que
impedem o acesso e a interação (...) do cidadão brasileiro ao conhecimento” (idem, p.
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17), de acordo com a idéia de que “o cidadão não é um usuário passivo, o qual recebe
informações, mas também participa da geração do conhecimento” (ibid.).
Levando-se essa questão para o campo educacional, trata-se, entre outros
aspectos, de identificar as barreiras, de qualquer natureza, que ocorrem na concretização
do indiscutível potencial que as TIC possuem na promoção da eficácia das práticas
pedagógicas, dado que a compreensão dessas barreiras pode indicar formas de sua
superação. Entendendo-se a educação pública como locus privilegiado onde deve se dar
a construção da cidadania, abrangendo-se aí a chamada “inclusão digital”, este estudo se
volta para um segmento desse setor, buscando uma apreensão dos condicionantes
ligados às barreiras na implementação de políticas de Informática Educativa (IE).
Ferreira (2006) faz um diagnóstico das experiências de IE no Município de
Belém, apontando a existência de significativas assimetrias entre a rede privada e a
pública (englobando rede estadual e municipal). Com relação ao segmento público, são
citadas várias carências e impasses1. Mostra-se, por exemplo, que a maioria das escolas
públicas não possui laboratório de informática em condições de uso efetivo, e que não
existe uma política sistemática de formação dos professores para IE, sendo em muitos
casos a formação buscada por iniciativa pessoal.
Diante desses preocupantes indicadores, este artigo focaliza uma amostragem da
rede estadual paraense, buscando uma compreensão, no cotidiano das escolas, das
diversas ramificações constitutivas das barreiras à incorporação das TIC na prática
pedagógica, de forma abrangente e efetiva.
1
Ressalte-se que embora o setor privado apresente uma situação, em média, melhor, também nesse setor,
bastante heterogêneo, encontraram-se problemas significativos. (Cf. Ferreira, 2006, p. 185).
2
Ver, ao final deste texto, Anexo, onde as escolas estão apresentadas. Os significados das siglas EEEFM,
EEEF e EEEM são, respectivamente: Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio, Escola Estadual
de Ensino Fundamental, e Escola Estadual de Ensino Médio.
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entrevistas, a partir dos depoimentos colhidos, novas questões eram identificadas como
importantes para uma melhor apreensão de cada realidade particular.
O texto está organizado da seguinte maneira: na seção 2 são apresentados os
elementos de diagnóstico apreendidos na pesquisa. Na seção 3, são feitas indicações de
aportes conceituais capazes de apoiar a análise dos problemas levantados. Na seção 4
são feitas as considerações finais.
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Na média, 1 máquina para 171,6 alunos — Indicadores calculados levando-se em consideração a
capacidade da escola de absorção de alunos. Caso fossem adotados os números de alunos afetivamente
matriculados, variáveis a cada ano, haveria uma discreta melhoria nessas relações.
4
Nesse caso particular, observou-se a relação de 1 equipamento para 253 alunos. Cabe notar que no
decorrer da entrevista uma professora demandou reserva do laboratório para o mês de agosto/2007.
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entretanto, em seguida, foi retirada a maioria deles, restando apenas três, que se
juntaram após quase um ano, a mais seis.
5
Caracterizamos aqui como ociosidade a falta de uma utilização sistemática. Os casos variam entre o uso
pontual e a completa ociosidade (ver na seqüência, caso de máquinas mantidas encaixotadas).
6
Encontrou-se também um caso oposto (embora de desperdício de recursos, igualmente): em uma outra
EEFM, na expectativa do recebimento de novos computadores, duas salas foram completamente
equipadas para funcionar como laboratório. Com a não concretização, nas salas, até o momento com
canaletas, tomadas, etc., funcionam laboratório de química e de língua estrangeira. Casos semelhantes
foram identificados em outras escolas, que sequer possuem laboratório.
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Entre os regimes de trabalho adotados pela Secretaria de Educação, o de 200 horas implica 40 aulas
efetivas semanais. Cada turno escolar tem 6 aulas de 50 minutos, o que totaliza 30 aulas semanais e, pela
forma de cálculo adotada,150 mensais.
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partir de então: deixaram de ser realizados workshops que antes reuniam os responsáveis
pelos laboratórios nas escolas, quando eram apresentados os vários projetos de aplicação
de IE, com uma produtiva troca de informações, inclusive com a presença de
especialistas da área, do cenário nacional. Mencionou-se também a significativa
retração, a partir daquele ano, das atividades de formação de docentes para atuar na área
de IE, atividade exercida pelo Núcleo de Tecnologia e Educação (NTE).
Interagindo diretamente com a questão da (in)disponibilidade de responsáveis
pelos laboratórios, colocam-se as políticas de utilização, bastante variadas por escola.
Segundo a vice-diretora de uma EEFM, a diretriz determinada pela secretaria de
educação é de que o professor só pode utilizar o laboratório se tiver formação específica
na área e tiver um projeto de utilização devidamente aprovado. Assim, como os
professores da escola não têm a formação exigida, o laboratório com 22 máquinas está
completamente ocioso há dois anos8. Para a orientadora pedagógica dessa mesma
escola, “a carga de trabalho que eles tem que ter pra ter um salário minimamente digno,
é muito alta pra eles fazerem planejamento, projetos, se capacitarem etc.”. Segundo ela,
os professores em geral buscam atividades complementares em escolas particulares ou
mesmo fora da área educacional. A mesma entrevistada mencionou ainda o fato de que
o professor, quando vai ao laboratório com os alunos, fica responsável por todos os
equipamentos, e como não são raros os casos de sumiço de pequenas peças, os
professores acabam ficando temerosos. Em outra EEFM, uma professora relatou já ter
ressarcido 2 mouses furtados do laboratório que estava sob sua responsabilidade.
Outro problema mencionado em várias escolas com relação à realização de
atividades laboratoriais sem apoio de um professor responsável ou técnico, é a
dificuldade com a preparação prévia do laboratório. Segundo uma professora, "...não há
condições do professor ir pro laboratório se ele tem que instalar o software em todas as
máquinas sem auxílio de um técnico e ainda fica responsável pelos equipamentos...”.
A diretoria de uma EEF manifesta sua frustração em não poder disponibilizar o
laboratório aos alunos, até mesmo para “cobrir ausência de professores” (comum,
segundo ela), o que tem se mostrado inviável devido à falta de um responsável técnico
no local. Uma aluna dessa escola relatou sua opção prática para acesso a computadores:
“quando preciso fazer pesquisa na internet para trabalhos da escola, eu vou ao cyber-
café aqui próximo, que dá até desconto pra quem está com o uniforme da escola".
Outra questão associada em várias escolas (aproximadamente dois terços das
visitadas) à dificuldade em se utilizar o laboratório é a falta de familiaridade dos
professores com a tecnologia GNU-LINUX. Como a secretaria tem feito opção nas
aquisições mais recentes de equipamentos por esse sistema operacional, os docentes
precisam conviver com ele sem terem tido formação adequada.
Cabe registrar ainda um expediente que tem servido para atenuar o problema de
falta de alocação de um professor ou técnico nos laboratórios: o programa “Galera
Aprendiz”. Em quatro das escolas visitadas, estudantes atuando nesse projeto
acompanham o professor responsável pelo laboratório ou até mesmo o substituem. Há
8
Nessa mesma escola foi citado o caso de que a única professora que possuía o curso exigido era
contratada em caráter temporário, o que também inviabilizava sua atuação no laboratório, pelas regras da
secretaria de educação.
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um caso de três estudantes assumirem a atividade, um por turno. A vice-diretora da
escola comenta sobre as possibilidades e limitações desse recurso: “...normalmente eles
abrem a sala, organizam os alunos, etc. Porém eles não estão preparados para fazer a
ponte da utilização do laboratório com as disciplinas".
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Fourez (1995) discute a relação ética/ciência, desde a motivação histórica para o surgimento do conceito
de ética, até as questões mais específicas da produção científica e aplicação de seus resultados.
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associada a seu trabalho cotidiano, ou seja, buscar o domínio de métodos e conteúdos
necessários à transmissão e reconstrução do conhecimento no dia-a-dia da escola. Em
um segundo momento, como parte ainda da competência profissional, e em função da
apropriação das competências que se acaba de citar, focalizar as barreiras cotidianas que
se colocam para a plena realização do seu fazer pedagógico. Finalmente, consciente
dessas barreiras, buscar a apropriação e o amadurecimento de formas de superação
dessas barreiras tanto no contexto da escola como fora dela: o compromisso político.
Tal enfoque pode ser bastante proveitoso para se analisar/enfrentar uma situação
em que se pode caracterizar, a partir do problema descrito da ociosidade dos
laboratórios, um certo "equilíbrio" entre a carência de recursos e a (relativamente) baixa
demanda dos professores por empregá-los. Se (quando) todos possuíssem(rem)
capacitação para uso desses recursos, haveria(á) uma competição muito maior e um
tensionamento, na forma de cobranças, que se dirigirá para a direção da escola e, em
momento posterior, convergirá para os gestores governamentais.
5. Considerações Finais
São bastante críticas as constatações aqui feitas de baixa disponibilidade de equipamen-
tos, base material para qualquer projeto de IE, especialmente pelo problema quase gene-
ralizado de ociosidade. Por outro lado, essa “capacidade instalada” ociosa, representa
um potencial de melhoria substantiva da oferta de recursos, se medidas adequadas forem
tomadas, no bojo de uma política efetiva, que não deixe o sucesso das experiências de
IE a depender de iniciativas isoladas. Nesse sentido, um ponto a ser enfrentado é a
forma fragmentada como é vista a IE pela Secretaria de Educação10. Diferentes aspectos
são tratados de forma desconectada por instâncias administrativas dispersas no
organograma da secretaria, nas três grandes diretorias: de Gestão (manutenção técnica e
gerência de projetos federais provedores de equipamentos, em dois departamentos
distintos), Logística (lotação de docentes), e Ensino (formação para IE)11.
Outrossim, para além dos impasses e possibilidades enfocados neste artigo,
impõe-se uma profunda reflexão sobre o real potencial em si das tecnologias
educacionais colocadas no seio da escola, incluindo-se outras alternativas, para além dos
laboratórios informatizados. A mera colocação de equipamentos (sejam quais forem)
não contribuirá para a solução dos significativos problemas situados no campo
educacional, que demandam ações estruturais nos temas de política educacional, de
formação de pessoal, de condições de trabalho, etc.
Enfocando as perspectivas de continuidade deste estudo no campo da IE, diante
dos complexos desafios pedagógico, políticos e éticos levantados, um enfoque que se
apresenta como promissor é o da pesquisa-ação, que busca acoplar esses dois elementos
“em um processo no qual os atores implicados participam, junto com os pesquisadores,
para (...) elucidar a realidade, identificando problemas, buscando e experimentando
soluções” (Thiollent, 1997). Assim, produção de conhecimento (análises teóricas,
10
O problema da visão fragmentada tem sido detectado em outros estudos educacionais e em particular
envolvendo experiências de IE. Cf., por exemplo, Oliveira, 1997 e Sancho, 1988.
11
Entrevista com a responsável pelo departamento de manutenção no período jun-dez de 2006.
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construção de artefatos) e seu uso efetivo ocorrem simultaneamente, na busca da
superação da dicotomia saber/fazer.
Referências
Ferreira, Benedito de J. P. (2006), “Experiências de Informática Educativa no Município
de Belém: Um Quadro Inicial de Diagnóstico”. In: XII WIE, XXVI Congresso da
SBC, Campo Grande/MS, 14 a 20 de julho, pp 182-188.
Fourez, Gérard (1995) “Ética Idealista e Ética Histórica”, In: Fourez, Gérard, A
Construção das Ciências – Introdução à Filosofia e à Ética das Ciências, São Paulo:
Editora da Universidade Estadual Paulista, pp. 263-295.
Mello, Guiomar Namo de (1982) “Magistério de 1º Grau: da Competência Técnica ao
Compromisso Político”. São Paulo: Cortez; Campinas: Autores Associados.
Oliveira, Ramon de (1997), “Informática educativa”, Campinas/SP: Papirus, 176p.
Rawls, J. (1999), “A theory of justice (rev.ed.). Cambridge, MA: Harvard
UniversityPress.
Sancho, Juana Maria, org. (1998), “Para uma Tecnologia Educacional”, Porto Alegre:
ARTMED, 327p.
Saviani, Dermeval (2005) “Pedagogia Histórico-Crítica – Primeiras Aproximações”, 9.
ed. – Campinas, SP: Autores Associados, pp. 65-85.
SBC (2006) Grandes Desafios da Pesquisa em Computação no Brasil – 2006 – 2016
Relatório sobre o Seminário realizado em 8 e 9 de maio. <http://www.sbc.org.br/>
Schultz Robert A. (2006) “Contemporary Issues in Ethics and Information Technology”,
United States of America: IRM Press,
Thiollent, M. (1997), “Pesquisa-Ação nas Organizações”, São Paulo: Atlas, 164 p.
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