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Carências e Possibilidades em Informática Educativa

na Rede Estadual Paraense e Questões Éticas


Colocadas para Educadores/Pesquisadores
Benedito J. P. Ferreira1, Andrea Lilian M. da Costa2,
Gilberto Silva Carvalho3, Francy dos Santos Fernandes3
1
Departamento de Informática - Universidade Federal do Pará
R. Augusto Correa, 01 – CCEN - 66.075-110 - Belém, PA, Brasil
1
Curso de Informática - Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET – PA)
Av. Almirante Barroso, 1155 – 66.093-020 – Belém – PA – Brasil
3
PPGCC - Universidade Federal do Pará
R. Augusto Correa, 01 - CCEN - 66.075-110 - Belém, PA, Brasil
ferreira@ufpa.br, alilian@uepa.br,
gilcarvalho@interconect.com.br, fernandesfrancy@hotmail.com

Resumo. Este artigo descreve uma pesquisa envolvendo 30 escolas da rede


estadual paraense no município de Belém, acerca de ações ligadas à
informática educativa. Entre os elementos identificados, destacou-se o
problema da ociosidade no uso de equipamentos, por razões que incluem falta
de responsável técnico pelo laboratório, e falta de uma política efetiva de
formação de docentes para o uso. Faz-se ainda uma reflexão sobre questões
éticas que se colocam ao educador/pesquisador diante de tais indicadores.

Abstract. This paper describes the results of a research with 30 government


schools in the city of Belém. The research focused on the actions of these
schools regarding educative informatics. The main results of this research is
the high idle time of the equipments due to the lack of technical staff in the
school laboratory and the lack of policies for training the teachers in the
usage of the equipment. The paper concludes with a discussion about ethical
concerns that a educator or researcher faces when dealing with the results
identified.

1. Introdução
Com o crescente desenvolvimento e emprego das tecnologias de informática e
comunicação (TIC), no contexto da complexa sociedade contemporânea, com grandes
assimetrias, ganha impulso também a preocupação com relação ao acesso do cidadão
aos benefícios dessas tecnologias. Tal preocupação está expressa, entre tantas outras
fontes, no documento Grandes Desafios da Pesquisa em Computação no Brasil – 2006
– 2016, da Sociedade Brasileira de Computação (SBC, 2006). Trata essa importante
referência para a pesquisa brasileira em Computação, no seu item 5 (Acesso
participativo e universal do cidadão brasileiro ao conhecimento), da necessidade de se
romperem as “barreiras tecnológicas, educacionais, culturais, sociais e econômicas, que
impedem o acesso e a interação (...) do cidadão brasileiro ao conhecimento” (idem, p.

173
17), de acordo com a idéia de que “o cidadão não é um usuário passivo, o qual recebe
informações, mas também participa da geração do conhecimento” (ibid.).
Levando-se essa questão para o campo educacional, trata-se, entre outros
aspectos, de identificar as barreiras, de qualquer natureza, que ocorrem na concretização
do indiscutível potencial que as TIC possuem na promoção da eficácia das práticas
pedagógicas, dado que a compreensão dessas barreiras pode indicar formas de sua
superação. Entendendo-se a educação pública como locus privilegiado onde deve se dar
a construção da cidadania, abrangendo-se aí a chamada “inclusão digital”, este estudo se
volta para um segmento desse setor, buscando uma apreensão dos condicionantes
ligados às barreiras na implementação de políticas de Informática Educativa (IE).
Ferreira (2006) faz um diagnóstico das experiências de IE no Município de
Belém, apontando a existência de significativas assimetrias entre a rede privada e a
pública (englobando rede estadual e municipal). Com relação ao segmento público, são
citadas várias carências e impasses1. Mostra-se, por exemplo, que a maioria das escolas
públicas não possui laboratório de informática em condições de uso efetivo, e que não
existe uma política sistemática de formação dos professores para IE, sendo em muitos
casos a formação buscada por iniciativa pessoal.
Diante desses preocupantes indicadores, este artigo focaliza uma amostragem da
rede estadual paraense, buscando uma compreensão, no cotidiano das escolas, das
diversas ramificações constitutivas das barreiras à incorporação das TIC na prática
pedagógica, de forma abrangente e efetiva.

Metodologia empregada e estruturação do texto


Definiu-se uma amostragem com 30 escolas da rede estadual paraense de ensino, no
Município de Belém, incluindo-se desde escolas de grande porte (de 4000 a 5000
alunos), até as de pequeno porte (menos de 500 alunos). Realizou-se a seleção de modo
que as escolas se distribuíssem por vários bairros da cidade2. Foram contactados
também profissionais ligados ao Núcleo de Tecnologia e Educação, órgão da Secretaria
de Educação Estadual (SEDUC) responsável pela formação de educadores para
atividades de IE, e a responsável pelo Departamento de Tecnologias da Informação da
SEDUC no período junho-dezembro de 2006.
O levantamento de dados ocorreu no primeiro bimestre de 2007. Empregou-se a
técnica de entrevista semi-estruturada, com um conjunto de perguntas-guia relativas a
questões quantitativas (número de laboratórios, tipo e quantidade de equipamentos, etc.)
e questões qualitativas, relacionadas à dinâmica empregada na escola para o acesso dos
professores e alunos ao laboratório, processos de escolha dos softwares empregados,
formação dos docentes e/ou técnicos para realizar as atividades, procedimentos para a
garantia da manutenção dos equipamentos, política da Secretaria de Educação para a
promoção da área de IE, etc. Como é típico desta técnica, no próprio decorrer das

1
Ressalte-se que embora o setor privado apresente uma situação, em média, melhor, também nesse setor,
bastante heterogêneo, encontraram-se problemas significativos. (Cf. Ferreira, 2006, p. 185).
2
Ver, ao final deste texto, Anexo, onde as escolas estão apresentadas. Os significados das siglas EEEFM,
EEEF e EEEM são, respectivamente: Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio, Escola Estadual
de Ensino Fundamental, e Escola Estadual de Ensino Médio.

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entrevistas, a partir dos depoimentos colhidos, novas questões eram identificadas como
importantes para uma melhor apreensão de cada realidade particular.
O texto está organizado da seguinte maneira: na seção 2 são apresentados os
elementos de diagnóstico apreendidos na pesquisa. Na seção 3, são feitas indicações de
aportes conceituais capazes de apoiar a análise dos problemas levantados. Na seção 4
são feitas as considerações finais.

2. Cenários de Carências e Desperdício no Cotidiano da IE


Os dados levantados serão aqui analisados tendo-se com referência duas questões
fundamentais: a estrutura física disponível nas escolas e a sua efetiva utilização.

2.1 Disponibilidade de equipamentos


Quanto a essa primeira questão, chama atenção a heterogeneidade das situações: do total
das escolas participantes da pesquisa, uma parte significativa (34,5%) não possui
laboratório, o que caracteriza a exclusão de uma política de IE. Daquelas que possuem
laboratório, se tomarmos como indicador a relação computador/aluno, teremos uma
significativa assimetria: no melhor caso, tem-se uma relação de 1 máquina para 59
alunos, e no pior caso, 1 máquina para 364 alunos3.
Diretamente associada a essa relação aluno/máquina, está a questão da
manutenção. Houve referências generalizadas aos problemas enfrentados nas escolas
com a manutenção dos equipamentos. Em uma escola de ensino fundamental, por
exemplo, das 20 máquinas disponíveis, 7 apresentavam defeito no momento da
pesquisa. Segundo os entrevistados, SEDUC tem adotado a terceirização das atividades
de manutenção; porém, além da oferta efetiva desse serviço vir se mostrando aquém das
necessidades das escolas, há o problema da descontinuidade, uma vez que no
encerramento de um contrato, há um período de indefinição.
Para se avaliar a tradução no cotidiano das escolas dos indicadores quantitativos
acima apresentados, cabe citar o caso de uma escola, onde, segundo o professor
responsável pelo laboratório de IE, apenas 30%, aproximadamente, dos professores
realiza atividades de informática com os alunos e, ainda assim, a demanda é muito
superior à oferta. Na prática um professor poderia empregar o laboratório duas vezes por
semestre por turma4. Uma prática que tem agravado o problema da baixa
disponibilidade é a cessão do laboratório para atividades administrativas, às vezes
coincidentes com o período letivo: durante a visita a uma outra EEFM, por exemplo, o
laboratório estava sendo empregado para a matrícula da modalidade EJA (Educação de
Jovens e Adultos).
Um caso, por emblemático da situação verificada, merece citação: por ocasião de
sua inauguração, uma escola recebeu, segundo seu diretor, “vários computadores”;

3
Na média, 1 máquina para 171,6 alunos — Indicadores calculados levando-se em consideração a
capacidade da escola de absorção de alunos. Caso fossem adotados os números de alunos afetivamente
matriculados, variáveis a cada ano, haveria uma discreta melhoria nessas relações.
4
Nesse caso particular, observou-se a relação de 1 equipamento para 253 alunos. Cabe notar que no
decorrer da entrevista uma professora demandou reserva do laboratório para o mês de agosto/2007.

175
entretanto, em seguida, foi retirada a maioria deles, restando apenas três, que se
juntaram após quase um ano, a mais seis.

2.2 Desperdícios de (escassos) recursos


A baixa (embora heterogênea) disponibilidade potencial de equipamentos é, de maneira
quase generalizada, agravada pela limitada utilização efetiva dos laboratórios: das
escolas que têm laboratório, em nada menos que 84% há problema de pelo menos um
turno ocioso, e em 47% há ociosidade nos três turnos (manhã/tarde/noite)5. Em um caso
presenciado, uma sala encontra-se há dois anos destinada para o laboratório de IE,
porém sem a completa estruturação (cabeamento, instalações elétricas, etc.), o que vinha
mantendo, até o dia da visita, 12 computadores encaixotados, até uma definição da
situação por parte da secretaria de educação6.
Como condicionantes desse problema, foram observados vários fatores, que
interagem de forma complexa. Primeiramente, os dados colhidos indicam uma relação
direta entre a ociosidade dos laboratórios e a inexistência de um professor e/ou técnico
responsável pelo laboratório nos três turnos. Com efeito, apenas uma EEFM (5,2% das
escolas que possuem laboratório e 3,3% da amostragem completa) possui professor
responsável nos três turnos e o laboratório é plenamente utilizado.
As razões citadas para a indisponibilidade de um responsável pelo laboratório
são variadas. Segundo relatos de professores e diretores, não há incentivo ao docente
para ficar lotado no laboratório. Há, mesmo, certa penalização, uma vez que ele precisa
se ocupar por 2 turnos completos pra justificar 200h de carga horária, enquanto na sala
de aula, um turno já justifica 150h7. Ainda assim, muitos docentes têm manifestado
interesse em desempenhar essa atividade, por possuir especialização na área ou outras
situações particulares. Ocorre, entretanto, que em muitos casos, por carência de
professores para assumir turmas em aberto, especialmente de disciplinas de grande
demanda, os professores são alocados para sala de aula, ficando descoberto o
atendimento laboratorial. Isso ocorre tanto por necessidade da própria escola, quanto por
determinação superior da secretaria de educação. O próprio supervisor pedagógico
entrevistado em uma escola relatou ter sido lotado originalmente para ser responsável
pelo laboratório; entretanto, como o preenchimento do cargo de supervisão foi
considerado mais urgente pela direção, ele foi convocado a assumir essa tarefa.
Segundo relatos colhidos em diferentes escolas, houve, a partir do segundo
semestre de 2004, significativa mudança na política de IE praticada pela Secretaria
Estadual de Educação, quando muitos professores foram deslocados dos laboratórios,
sob argumento de falta de professores para disciplinas. Outras mudanças aconteceram a

5
Caracterizamos aqui como ociosidade a falta de uma utilização sistemática. Os casos variam entre o uso
pontual e a completa ociosidade (ver na seqüência, caso de máquinas mantidas encaixotadas).
6
Encontrou-se também um caso oposto (embora de desperdício de recursos, igualmente): em uma outra
EEFM, na expectativa do recebimento de novos computadores, duas salas foram completamente
equipadas para funcionar como laboratório. Com a não concretização, nas salas, até o momento com
canaletas, tomadas, etc., funcionam laboratório de química e de língua estrangeira. Casos semelhantes
foram identificados em outras escolas, que sequer possuem laboratório.
7
Entre os regimes de trabalho adotados pela Secretaria de Educação, o de 200 horas implica 40 aulas
efetivas semanais. Cada turno escolar tem 6 aulas de 50 minutos, o que totaliza 30 aulas semanais e, pela
forma de cálculo adotada,150 mensais.

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partir de então: deixaram de ser realizados workshops que antes reuniam os responsáveis
pelos laboratórios nas escolas, quando eram apresentados os vários projetos de aplicação
de IE, com uma produtiva troca de informações, inclusive com a presença de
especialistas da área, do cenário nacional. Mencionou-se também a significativa
retração, a partir daquele ano, das atividades de formação de docentes para atuar na área
de IE, atividade exercida pelo Núcleo de Tecnologia e Educação (NTE).
Interagindo diretamente com a questão da (in)disponibilidade de responsáveis
pelos laboratórios, colocam-se as políticas de utilização, bastante variadas por escola.
Segundo a vice-diretora de uma EEFM, a diretriz determinada pela secretaria de
educação é de que o professor só pode utilizar o laboratório se tiver formação específica
na área e tiver um projeto de utilização devidamente aprovado. Assim, como os
professores da escola não têm a formação exigida, o laboratório com 22 máquinas está
completamente ocioso há dois anos8. Para a orientadora pedagógica dessa mesma
escola, “a carga de trabalho que eles tem que ter pra ter um salário minimamente digno,
é muito alta pra eles fazerem planejamento, projetos, se capacitarem etc.”. Segundo ela,
os professores em geral buscam atividades complementares em escolas particulares ou
mesmo fora da área educacional. A mesma entrevistada mencionou ainda o fato de que
o professor, quando vai ao laboratório com os alunos, fica responsável por todos os
equipamentos, e como não são raros os casos de sumiço de pequenas peças, os
professores acabam ficando temerosos. Em outra EEFM, uma professora relatou já ter
ressarcido 2 mouses furtados do laboratório que estava sob sua responsabilidade.
Outro problema mencionado em várias escolas com relação à realização de
atividades laboratoriais sem apoio de um professor responsável ou técnico, é a
dificuldade com a preparação prévia do laboratório. Segundo uma professora, "...não há
condições do professor ir pro laboratório se ele tem que instalar o software em todas as
máquinas sem auxílio de um técnico e ainda fica responsável pelos equipamentos...”.
A diretoria de uma EEF manifesta sua frustração em não poder disponibilizar o
laboratório aos alunos, até mesmo para “cobrir ausência de professores” (comum,
segundo ela), o que tem se mostrado inviável devido à falta de um responsável técnico
no local. Uma aluna dessa escola relatou sua opção prática para acesso a computadores:
“quando preciso fazer pesquisa na internet para trabalhos da escola, eu vou ao cyber-
café aqui próximo, que dá até desconto pra quem está com o uniforme da escola".
Outra questão associada em várias escolas (aproximadamente dois terços das
visitadas) à dificuldade em se utilizar o laboratório é a falta de familiaridade dos
professores com a tecnologia GNU-LINUX. Como a secretaria tem feito opção nas
aquisições mais recentes de equipamentos por esse sistema operacional, os docentes
precisam conviver com ele sem terem tido formação adequada.
Cabe registrar ainda um expediente que tem servido para atenuar o problema de
falta de alocação de um professor ou técnico nos laboratórios: o programa “Galera
Aprendiz”. Em quatro das escolas visitadas, estudantes atuando nesse projeto
acompanham o professor responsável pelo laboratório ou até mesmo o substituem. Há

8
Nessa mesma escola foi citado o caso de que a única professora que possuía o curso exigido era
contratada em caráter temporário, o que também inviabilizava sua atuação no laboratório, pelas regras da
secretaria de educação.

177
um caso de três estudantes assumirem a atividade, um por turno. A vice-diretora da
escola comenta sobre as possibilidades e limitações desse recurso: “...normalmente eles
abrem a sala, organizam os alunos, etc. Porém eles não estão preparados para fazer a
ponte da utilização do laboratório com as disciplinas".

2. Desafios éticos e tecnologias educacionais


Dados os limites deste texto, procurar-se-á fazer (não mais que) indicações de elementos
conceituais que possam subsidiar uma reflexão, não só acerca dos problemas localizados
nesta pesquisa, mas também das potenciais soluções que se colocam com relação a eles,
tendo-se como pano de fundo a postura ética que educadores e pesquisadores, de alguma
forma ligados à questão, podem (ou devem) assumir.
Schultz (2006) faz uma ampla discussão sobre as questões éticas que se colocam
quando do emprego contemporâneo de TICs nas instituições. Segundo o autor, “a idéia
básica é que problemas éticos surgem porque eles envolvem conflitos entre diferentes
interesses, que não podem ser resolvidos apenas no nível de interesses: princípios de
mais alto nível precisam ser aplicados”9.
Segundo essa perspectiva, o problema focalizado neste artigo, das restrições de
acesso dos estudantes aos equipamentos de informática, poderia ser analisado como algo
permeado por vários conjuntos de interesses em conflito, de diferentes ordens: o dos
alunos, em ter acesso aos equipamentos; o dos professores em buscar melhores ganhos
salariais e de se dedicar profissionalmente ao que sua aptidão pessoal e sua
formação/experiência lhe demanda; e o dos gestores da educação pública que buscam
“otimizar” os recursos orçamentários (e ainda convencer o eleitor de que estão
promovendo a “democracia digital”), são exemplos de interesses diretos. Como
incidências indiretas poderiam ser citados o interesse dos contribuintes no não
desperdício de recursos públicos, de desenvolvedores de software livre, e tantos outros.
Do entrecruzamento de interesses (em alguns casos, interesses conflitantes do ponto de
vista de um mesmo ator social) revela-se a complexidade da questão, que envolve
orçamento público, leis, participação democrática e cidadã na construção e aplicação
dessas leis, o próprio conceito de justiça, etc. Que princípios de mais alto nível podem e
devem orientar a busca de soluções para tantos conflitos, e de tal maneira emaranhados?
Rawls (1999, apud Schultz, 2006:3) desenvolve uma teoria segundo a qual
princípios justos são aqueles em relação aos quais todos os membros de uma sociedade
reconhecem-se como ligados na busca de resolução de interesses conflitantes, o que
implicaria, do ponto de vista de cada ator social, abrir mão, pelo menos de parte de seu
interesse pessoal. Ocorre que esse processo é muito dificultado quando os entes sociais
envolvidos não se limitam a um ambiente claramente circunscrito, e, portanto, têm
dificuldade para visualizar as vantagens coletivas dos acordos. (Schultz, op. cit.).
Já Saviani (2005), citando (e dialogando com) Mello (1982) faz uma reflexão
sobre os “momentos” da competência profissional do trabalhador em educação, como
horizonte de seu compromisso ético-político. Em um primeiro momento, é
compromisso do educador apropriar-se da competência técnica mais diretamente

9
Fourez (1995) discute a relação ética/ciência, desde a motivação histórica para o surgimento do conceito
de ética, até as questões mais específicas da produção científica e aplicação de seus resultados.

178
associada a seu trabalho cotidiano, ou seja, buscar o domínio de métodos e conteúdos
necessários à transmissão e reconstrução do conhecimento no dia-a-dia da escola. Em
um segundo momento, como parte ainda da competência profissional, e em função da
apropriação das competências que se acaba de citar, focalizar as barreiras cotidianas que
se colocam para a plena realização do seu fazer pedagógico. Finalmente, consciente
dessas barreiras, buscar a apropriação e o amadurecimento de formas de superação
dessas barreiras tanto no contexto da escola como fora dela: o compromisso político.
Tal enfoque pode ser bastante proveitoso para se analisar/enfrentar uma situação
em que se pode caracterizar, a partir do problema descrito da ociosidade dos
laboratórios, um certo "equilíbrio" entre a carência de recursos e a (relativamente) baixa
demanda dos professores por empregá-los. Se (quando) todos possuíssem(rem)
capacitação para uso desses recursos, haveria(á) uma competição muito maior e um
tensionamento, na forma de cobranças, que se dirigirá para a direção da escola e, em
momento posterior, convergirá para os gestores governamentais.

5. Considerações Finais
São bastante críticas as constatações aqui feitas de baixa disponibilidade de equipamen-
tos, base material para qualquer projeto de IE, especialmente pelo problema quase gene-
ralizado de ociosidade. Por outro lado, essa “capacidade instalada” ociosa, representa
um potencial de melhoria substantiva da oferta de recursos, se medidas adequadas forem
tomadas, no bojo de uma política efetiva, que não deixe o sucesso das experiências de
IE a depender de iniciativas isoladas. Nesse sentido, um ponto a ser enfrentado é a
forma fragmentada como é vista a IE pela Secretaria de Educação10. Diferentes aspectos
são tratados de forma desconectada por instâncias administrativas dispersas no
organograma da secretaria, nas três grandes diretorias: de Gestão (manutenção técnica e
gerência de projetos federais provedores de equipamentos, em dois departamentos
distintos), Logística (lotação de docentes), e Ensino (formação para IE)11.
Outrossim, para além dos impasses e possibilidades enfocados neste artigo,
impõe-se uma profunda reflexão sobre o real potencial em si das tecnologias
educacionais colocadas no seio da escola, incluindo-se outras alternativas, para além dos
laboratórios informatizados. A mera colocação de equipamentos (sejam quais forem)
não contribuirá para a solução dos significativos problemas situados no campo
educacional, que demandam ações estruturais nos temas de política educacional, de
formação de pessoal, de condições de trabalho, etc.
Enfocando as perspectivas de continuidade deste estudo no campo da IE, diante
dos complexos desafios pedagógico, políticos e éticos levantados, um enfoque que se
apresenta como promissor é o da pesquisa-ação, que busca acoplar esses dois elementos
“em um processo no qual os atores implicados participam, junto com os pesquisadores,
para (...) elucidar a realidade, identificando problemas, buscando e experimentando
soluções” (Thiollent, 1997). Assim, produção de conhecimento (análises teóricas,

10
O problema da visão fragmentada tem sido detectado em outros estudos educacionais e em particular
envolvendo experiências de IE. Cf., por exemplo, Oliveira, 1997 e Sancho, 1988.
11
Entrevista com a responsável pelo departamento de manutenção no período jun-dez de 2006.

179
construção de artefatos) e seu uso efetivo ocorrem simultaneamente, na busca da
superação da dicotomia saber/fazer.

Referências
Ferreira, Benedito de J. P. (2006), “Experiências de Informática Educativa no Município
de Belém: Um Quadro Inicial de Diagnóstico”. In: XII WIE, XXVI Congresso da
SBC, Campo Grande/MS, 14 a 20 de julho, pp 182-188.
Fourez, Gérard (1995) “Ética Idealista e Ética Histórica”, In: Fourez, Gérard, A
Construção das Ciências – Introdução à Filosofia e à Ética das Ciências, São Paulo:
Editora da Universidade Estadual Paulista, pp. 263-295.
Mello, Guiomar Namo de (1982) “Magistério de 1º Grau: da Competência Técnica ao
Compromisso Político”. São Paulo: Cortez; Campinas: Autores Associados.
Oliveira, Ramon de (1997), “Informática educativa”, Campinas/SP: Papirus, 176p.
Rawls, J. (1999), “A theory of justice (rev.ed.). Cambridge, MA: Harvard
UniversityPress.
Sancho, Juana Maria, org. (1998), “Para uma Tecnologia Educacional”, Porto Alegre:
ARTMED, 327p.
Saviani, Dermeval (2005) “Pedagogia Histórico-Crítica – Primeiras Aproximações”, 9.
ed. – Campinas, SP: Autores Associados, pp. 65-85.
SBC (2006) Grandes Desafios da Pesquisa em Computação no Brasil – 2006 – 2016
Relatório sobre o Seminário realizado em 8 e 9 de maio. <http://www.sbc.org.br/>
Schultz Robert A. (2006) “Contemporary Issues in Ethics and Information Technology”,
United States of America: IRM Press,
Thiollent, M. (1997), “Pesquisa-Ação nas Organizações”, São Paulo: Atlas, 164 p.

ANEXO – ESCOLAS INCLUÍDAS NA AMOSTRAGEM*


EEEFM Amilcar Tupiassú (Cremação/393); EEEM Augusto Meira (São Brás/3636); EEEF
Augusto Olympio (Canudos/2647); EEEFM Barão do Rio Branco (Nazaré/1030); EEEFM
Deodoro de Mendonça (Nazaré/4309); EEEF Domingos Acatauassu Nunes (Terra Firme/1119);
EEEFM D. Pedro II (Marco/1919); EEEF Frei Daniel (Guamá/2049); EEEFM Profa. Hilda
Vieira (Marambaia/2518); EEEM IEEP - Instituto de Educação Estadual do Pará
(Campina/1968); EEEFM Jarbas Passarinho (Marco/2143); EEEF Dr. Justo Chermont
(Pedreira/3216); EEEFM Lauro Sodré (Marco/2032); EEEFM Mário Barbosa (Terra
Firme/2224); EEEF Dr. Mário Chermont (Cremação/1310); EEEM Orlando Bitar
(Nazaré/2484); EEEM Paes de Carvalho (Comércio/3268); EEEF Paulo Maranhão
(Guamá/1319); EEEF Paulinho de Brito (Marco/1700); EEEM Pedro Amazonas Pedroso
(Sousa/5000); EEEFM Pinto Marques (Nazaré/1591); EEEFM Rodrigues Pinagés
(Pedreira/1588); EEEF Santa Maria de Belém (Batista Campos/2779); EEEF Santos Dumont
(Guamá/1649); EEEFM Prof. Temístocles de Araújo (Marambaia/2578); EEEFM Tiradentes I
(Batista Campos/1660); EEEF Tiradentes II (Batista Campos/1155); EEEFM Ulisses
Guimarães(Nazaré/2958); EEEFM Visconde de Souza Franco (Marco-Curió/5668);
* Números de alunos obtidos em documento fornecido pela Diretoria da Área Metropolitana
da Secretaria Executiva de Educação/Governo do Estado do Pará.

180

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