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Marcello Baquero*
A restauração democrática que ocorre no mundo, nas últimas duas décadas, e que
Samuel Huntington denominou da Terceira Onda (1994), propiciou o surgimento de
inúmeros trabalhos com o objetivo de examinar os mecanismos político-institucionais que
possibilitassem a plena consolidação democrática. No caso da América Latina diversos
estudos (Rozenwurcel, 1991; Przeworski, 1994; Kurz, 1992; O`Donell et alli, 1988;
Almeida et alli., 1991) têm apontado para a existência de barreiras econômico-sociais que
geram dúvidas quanto a estabilidade política. É inegável que a relação entre Estado e
sociedade nesses países está em processo de transformação, não há, porém, clareza sobre o
destino dessas mudanças. Uma das esferas na qual o impacto dessas mudanças está claro
diz respeito ao papel dos partidos políticos no cenário dos ano 90. Embora o processo da
democracia como única alternativa de organização política seja consensual, isso não tem
implicado no surgimento de instituições efetivas de intermediação ou representação
política. Pelo contrário, está claro que os partidos políticos se encontram em crise.
* Professor do Programa de Doutorado em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
e-mail: baquero@vortex.ufrgs.br
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Richard Rose (1984) tem argumentado que, para compreender o papel dos partidos
no governo deve-se distinguir claramente entre retórica e realidade, na medida em que o
que os partidos dizem não é o que fazem. Essa afirmativa é relevante e atual para a
América Latina, pelo fato dos partidos historicamente terem divorciado a sua prática do
seu discurso, levando a um crescente questionamento sobre sua importância e ao gradual
afastamento, segundo pesquisas de opinião, dos cidadãos, dessas organizações uma vez
que as mesmas, segundo eles, não se constituem em canais efetivos de transmissão de
demandas.
A crise dos partidos políticos tem sido a tônica da última década do século XX
(Rubio, 1995). A história da evolução partidária na América Latina é marcada pelo fato de
que o declínio dos partidos esteve sempre associado a mudanças de regimes, ou seja, ao
seu papel quase inexistente em função de golpes de estado. Quando da existência normal
de partidos observou-se uma luta antropofágica entre eles, o que praticamente significava
sua anulação recíproca (Baquero, 1984). Não existiam preocupações pelas regras do jogo
democrático, na medida em que estilos clientelísticos e elitistas não proporcionavam uma
verdadeira representação da sociedade. Em outros casos, em que pese a aparente força
partidária, do ponto de vista histórico bem como da presença desses partidos na arena
eleitoral, eles não foram capazes de canalizar com eficiência as reivindicações sociais dos
diferentes grupos na sociedade. Finalmente, em alguns casos a polarização ideológica
levou a uma situação de inércia dos partidos, o que em algumas circunstâncias, resultou em
retrocessos institucionais. Embora isso não signifique que a não polarização ideológica
leve a menos conflitos. Na verdade a polarização ideológica na América Latina deve ser
vista como o resultado da prevalência de sistemas políticos extremamente desiguais e
excludentes.
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Porém, não é só a imagem dos partidos que está em declínio mas também as
próprias estruturas partidárias. A esse respeito Oscar Fernandez (1994), na sua análise
sobre os partidos políticos na Costa Rica e que tem razoável aplicabilidade ao resto da
América latina, tem argumentado que em relação a erosão das estruturas partidárias dois
aspectos surgem com destaque:
Como foi dito, a pouca eficácia das organizações partidárias tem levado ao
desenvolvimento de estudos que apontam o declínio da importância dos partidos políticos
como únicos representantes dos interesses da sociedade civil. A constatação desse declínio
motivou uma reorientação nos estudos sobre partidos para tentar avaliar se esse declínio
era algo conjuntural ou um processo de estruturação de novas relações políticas entre
Estado e sociedade civil. Um dos estudos mais significativos sobre essa questão é o de Kay
Lawson e Peter H. Merkl (1988). Nessa mesma linha de pensamento para Pogutke e
Scarrow (1996), os acontecimentos na década de 90 em vários países tem levado os
estudiosos de partidos políticos a se ocupar com mais profundidade sobre a origem da
hostilidade em relação aos partidos e instituições políticas. Eles identificam duas
perspectivas teóricas que proporcionam subsídios para compreender a imagem negativa
dos partidos. Por um lado, o sentimento anti-partidário pode ser datado da época de
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Rousseau e o seu contrato social o qual estipulava que as ações dos políticos deveriam ser
guiados pela noção do bem comum. Já na perspectiva da massa, as atitudes de hostilidade
em relação aos partidos estão baseadas nas chamadas disfunções dos partidos políticos. O
que é importante ressaltar é que as duas perspectivas teóricas não são mutualmente
excludentes e tendem a se alimentar num ciclo vicioso.
Dessa forma, são várias as razões apontadas para o declínio dos partidos, entre as
quais podem ser citadas: (1) o surgimento de novos movimentos sociais; (2) a
institucionalização de grupos de interesses; (3) as predisposições atitudinais por parte dos
cidadãos em não considerar os partidos importantes (4) o desaparecimento do monopólio
da representação política por parte dos partidos e, (5) mais especificamente no caso da
América Latina o monopólio do processo legislativo nas mãos do executivo através de
decretos leis e/ou medidas provisórias. A respeito do último ponto Rial (1998) argumenta
que “a representation política, especialmente la que se ejerce en órganos legislativos há
perdido relevância. Son los poderes ejecutivos los que concentram las decisiones
importantes” e continua ele,
Isso tem levado ao fato de que quando os interesses da sociedade civil nào são
agregados pelos partidos, eles são agregados em outras instancias. Esse fenomeno que
poderia ser considerado normal em sociedades materialmente consolidadas cria problemas
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em países como da América latina na medida em que pode resultar num jogo corporativo
resultando em autoritarismo como temos testemunhado nesses países.
Mais recentemente vários autores que têm introduzido o conceito de sociedade pós-
materialista (Inglehart, 1989; Flanagan e Dalton, 1984; Dalton, 1994), sugerem que, pelo
menos, no contexto das democracias ocidentais, o declínio dos partidos políticos está
associado ao processo de modernização contemporânea e as mudanças nas relações entre
partidos e sociedade. Para esses autores, nos sistemas que têm experimentado a
institucionalização de valores pós-materialistas, a mobilização cognitiva e a ampliação do
repertório de participação política, tanto os partidos quanto as elites partidárias tem sido
desmistificadas. Pesquisas de campo realizadas nesses países sugerem que os cidadãos
acreditam que presentemente os partidos e as elites partidárias pouco ou nada fazem
melhor do que os cidadãos comuns.
Embora essa tendência tenha sido identificada nos Estados Unidos e na Europa,
poucos estudos têm examinado essa questão na América Latina (Dos Santos, 1989). Estão
os partidos latino-americanos também perdendo importância para estruturas corporativas?,
Será que novos movimentos sociais estão tomando o lugar dos partidos tradicionais? Para
responder a estas questões é necessário ter alguma evidência empírica, que atualmente é
precária nesses países.
importância ou não dos partidos políticos. Lawson e Merkl (1988) avaliam que existe um
relativo consenso de que os partidos perdem sua importância em virtude de não poderem
desempenhar as atividades a eles atribuídas pela sociedade civil . Exemplos dessas funções
seriam a deficiência na estruturação de processos eleitorais, as deficiências na articulação e
agregação de interesses de grupos heterogêneos na sociedade; a incapacidade de organizar
efetivamente o governo e, equívocos na formulação e aplicação de políticas públicas que
tem sacrificado as maiorias. Já para Richard Rose (1984), um partido perde sua
importância quando desaparece e não surge outro para ocupar o seu lugar.
Para alguns cientistas sociais (Selle e Svasand, 1991), não existe declínio dos
partidos, mas simplesmente sua adaptação aos novos tempos. Alan Touraine (1989) no seu
estudo sobre os novos conflitos sociais, referindo-se ao surgimento da sociedade pós-
industrial e mais especificamente ao papel dos partidos políticos, afirma que, dentro do
processo do desaparecimento do sagrado e do tradicional, a forma dos cidadãos
canalizarem suas reivindicações às autoridades competentes tem se alterado
significativamente. No declínio
ruas deixa de ter relevância na política cotidiana, apelando para essa atividade somente em
circunstâncias excepcionais. Outrossim, segundo Touraine,
Beyme (1983), na sua análise sobre a importância ou não dos partidos argumenta
que :
Colômbia, Boudon (1998) encontrou níveis cada vez mais elevados de abstencionismo nas
eleições bem como uma crescente desconfiança nos partidos políticos enquanto
instituições. Segundo o autor
“... y esta crisis de los partidos permite que fenómenos peligrosos como
los ‘outsiders’ aparezcam, y ameaza además com la ingovernabilidade,
ya que no hay la eficacia gubernamental necesaria para mantener la
legitimidad del régimen democrático. Hasta el momento, esto há
sobrevivido, pero en Venezuela ya hemos visto dos intentos ou golpes de
Estado y este año hay habido rumores de outro”.( Boudon, 1998, p.25)
Independente da orientação e posicionamento desses autores, o conceito de
declínio está intimamente ligado ou decorre de uma perspectiva que enfatiza a
desagregação interna dos partidos, bem como os conflitos internos que imobilizam essas
organizações. Conceituado dessa forma, o declínio está relacionado com a estrutura
partidária strictu sensu e não necessariamente com a avaliação que os cidadãos fazem
dessas organizações e a implicação disso para a sobrevivência da democracia. Isto porque
esses autores pressupõem que a definição de democracia se refere a negociações entre
elites, colocando o papel do cidadão em plano secundário. No caso de Colômbia, México e
Venezuela segundo Boudon (op. cit.),
“existe una falta de conexión entre los partidos políticos y los votantes, o
el abandono total de éstos. A confianza en los partidos, por ende, ha
caído a bajo niveles sin precedente, mientras que el abstencionismo ha
ascendido al cielo”. (Boudon, 1998, p.11)
É necessário reconhecer que o monopólio da representação política, por parte dos
partidos, está em processo de modificação, fruto da emergência de uma nova realidade na
qual novas formas de ingerência política e representação estão surgindo, principalmente
por parte das mulheres, dos jovens, enfim dos excluídos da sociedade que estão mais
expostos aos acontecimentos no mundo. Dessa forma é a ação coletiva e a própria política
que estão em questionamento, particularmente a ação coletiva catalisada pelos partidos
políticos, a qual é vista como sendo deficiente e é substituída por ideologias
individualistas, apatias e envolvimento em movimentos fundamentalistas e formas
alternativas de ingerência política .
Dessa forma, ao contrário de autores como Dix (1992) e Mainwaring (1994), que
vêem avanços significativos no processo de institucionalização de partidos utilizando os
critérios de Huntington, na nossa opinião os partidos, mesmo no período de transição
política, não se têm institucionalizado, se se expande o critério de avaliação por parte da
sociedade civil em relação à legitimidade dessas organizações. É evidente que a
insatisfação dos cidadãos face à incapacidade do sistema partidário em canalizar suas
aspirações adequada e eficazmente tem contribuído decisivamente para o crescente
distanciamento do eleitor dos partidos e para a emergência de formas alternativas de
representação política à margem deles.
Por outro lado, se bem é verdade que os velhos caudilhos personalistas têm
desaparecido, não se pode dizer que a política personalista tenha se extinguido. A maior
parte das pesquisas de opinião pública na América Latina mostra que, entre partidos e
pessoas, os eleitores escolhem predominantemente a pessoa do candidato. O Brasil é
ilustrativo dessa situação onde Collor de Mello foi eleito por um partido de pouca
relevância política. No caso argentino, a eleição de Menem é vista como o sucesso de uma
liderança carismática no sentido populista e que foi fortalecida numa época de crise social
e de crise de legitimidade do país (Arias, s/d). No caso da Venezuela, Rafael Caldeira
ganhou a presidência utilizando uma campanha anti-partidos.
constatou que existe na juventude um elevado índice de apatia, sendo que em 1995, 80,0%
dos entrevistados nessa faixa etária se declararam antipartidários, produto da desconfiança
crescente em relação aos partidos.
O caso mais ilustrativo desta situação é o Peru onde para Reves (1996):
Nesse sentido, ressurge com relevância a questão que aborda quais são os requisitos
necessários para viabilizar a democracia na América Latina. As exigências identificadas
décadas atrás continuam sendo relevantes. Ou seja, é necessário para a sobrevivência da
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democracia uma base material capaz de atenuar as dificuldades econômicas dos cidadãos.
Atualmente está mais do que evidente que as economias de mercado não conseguem
resolver os crônicos problemas sociais destes países, contribuindo para a não
institucionalização da verdadeira competição e representação políticas. Segundo Lipset
(1994), um dos pré-requisitos da democracia é o desenvolvimento econômico de uma
nação “quanto maior o desempenho de uma nação, maiores as possibilidades desta nação
sustentar uma democracia” .
Pode-se dizer que, no contexto atual, os partidos políticos passam a ser mais um
entre os inúmeros concorrentes a tentar influenciar o sistema, ao invés de uma ligação
efetiva entre o eleitorado e o governo.
De maneira geral, argumenta-se que faz parte da nova política pós-industrial que os
partidos percam sua importância e passem a se orientar pelos assuntos do dia num contexto
de pega tudo catch all. Segundo Peter Druker (1994), os partidos no próximo século
perderão completamente a sua importância no sistema político.
materialistas estão pouco integrados na quase totalidade dos sistemas democráticos, já que
a maioria os partidos estabelecidos não tem correspondido as suas novas preocupações.
À Guisa de Conclusão
Esta expectativa, entretanto, não pode ser avaliada à margem do que está ocorrendo
concretamente no cenário político contemporâneo que coloca os partidos políticos numa
situação de descredito e falta de credibilidade permanente.
Neste sentido, a América Latina vive, atualmente, no que diz respeito ao processo
de consolidação democrática, uma situação paradoxal. Por um lado, os partidos políticos,
na medida em que constitucionalmente são os únicos veículos através dos quais a política
formal pode ser feita, constituem-se em organizações de singular importância. Ao mesmo
tempo, esse monopólio da representação política os têm levado a uma prática política que
os descaracteriza enquanto interlocutores entre o Estado e a sociedade. Os partidos estão
sendo, salvo raríssimas exceções, desatualizados, reféns de um Presidencialismo imperial,
distantes dos objetivos que legitimam sua existência e presos a práticas políticas
tradicionais como o clientelismo, o fisiologismo, o personalismo e a ignorância das
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mudanças que estão ocorrendo no campo das atitudes e comportamento eleitoral dos
cidadãos.
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