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FACULDADE JESUITA DE FILOSOFIA E

TEOLOGIA
DEPARTAMENTO DE TEOLOGIA

KURI AN MELAYATHU JOSEPH

A EXPERIÊNCIA DE ENCONTRO COM JESUS


RESSUSCITADO NA CRISTOLOGIA
LATINO-AMERICANA

Um estudo sobre a ressurreição de Jesus em algumas obras


de Leonardo Boff, Juan Luis Segundo e Jon Sobrino

Disserta ção de Mest rado


Ori entado r: Pro f. Dr. Gera ldo Lui z De Mori S.J.
BELO HORIZONTE
2006.
2

Este trabalho dedico aos meus pais


Joseph Melayathu
Bridgit Melayathu
3

Meus ag radecimentos.

São mu it o s o s que co labo raram d e d iver sas maneir as na realização dest e


t rabalho :
1) A Arqu id io cese de Campo Grande- MS na p esso a de seu Arcebispo ,
Do m Vit ó r io Pavanello , que me per mit iu do is ano s de ausência da d io cese e
me apo io u;
2) A ADVENI AT, que banco u u ma p art e das despesas deco rr id as;
3) A FDHC, que me ho sp edo u durant e do is ano s;
4) Meu o r ient ado r Pro f. Dr. Geraldo Lu iz De Mo r i, que co m mu it a
paciência e mu it o car inho co rr ig iu as min has mú lt ip las d efic iências;
5) Os pro fesso res e a equ ipe do ISI-FAJE, que me aju daram nu ma
ráp ida at ualização t eo ló g ica, que veio d epo is de u m quart o de sécu lo apó s
co mp let ar meus est udo s no seminár io ;
6) Co legas e amigo s co mo Jesus Pedro , Már io Dwu lat ka, Ér ico Fu mero ,
Denis Duart e e Jacint a Web ler qu e ded icaram ho ras na leit ur a do meu
t rabalho e me aju daram co m vár ias sugest õ es.

A t o do s vo cês MUITO OBRIGADO!


4

Sinopse.

Leo nardo Bo ff, Juan Lu is S egu ndo e Jo n So br ino , t eó lo go s p io neiro s


ent re mu it o s o ut ro s, represent am u ma épo ca de cr iat iv idade e de pro dução
t eo ló g ica ext rao rdinár ia no co nt inent e lat ino - amer icano . A Cr ist o lo g ia o cupa
lug ar esp ecia l na reflexão t eo ló g ica deles. No sso est udo pro cura ident ificar a
co mpreensão da Ressurreição de Jesu s e suas co nseqüências nas o bras
cr ist o ló g icas dest es t eó lo go s. A Ressurreição , que fo i o event o fu ndant e de
pro cesso cr ist o ló g ico , é co mpreend ia co mo u ma exp er iência d e enco nt ro co m
o Ressu scit ado que o rig ino u mu danças rad icais na vid a do s d iscípu lo s. Po r
det rás da práx is eclesia l libert ado ra, que mar co u a segu nda met ade do sécu lo
XX na AL, est es t eó lo go s det ect am u ma exp er iência análo ga de enco nt ro co m
o Ressu scit ado . Pro curamo s ident ific ar algu mas co nseqüências d est a
exper iência.

Palavras e co nceit o s chaves: ressurreiç ão , her menêut ica, desido lat r ização ,
esper ança das vít imas, práxis, segu iment o, missão , cu lt o .
5

Overview.

Leo nardo Bo ff, Juan Lu is Segu ndo and Jo n So br ino are amo ng t he
p io neer ing t heo lo g ians who represent an ext remely fert ile p er io d fo r Lat in
Amer ican T heo lo g y. Chr ist o lo g y o ccup ies t he pr id e o f p lace in t heir t hink ing .
This st ud y aims at analyz ing t heir u nder st and ing o f t he resurrect io n o f Jesus,
‘t he fo u ndat io nal event ’ as fo u nd in so me o f t heir bo o ks. Their u nder st and ing
is t hat ‘t he enco u nt er exper ience’ t hat t he resurrect io n is, caused fu nda ment a l
chang es in t he lives o f t he fo llo wer s o f Jesus. T he abo ve ment io ned aut ho rs
det ect an analo go us ‘enco unt er exp er ience’ in t he liberat io n mo vement t hat
t he seco nd half o f t he 20 t h cent ur y wit n essed in Lat in Amer ica. T his st ud y
enu merat es so me o f t he resu lt s t hat fo llo wed t his ‘enco u nt er exper ience’ as
t hey man ifest ed t hemselves in t he Lat in Amer ican co nt ext acco rd ing t o t hese
aut ho rs.

Key wo rds and expressio ns: resurrect io n, her meneut ics, undo ing ido l wo rship,
ho pe fo r t he vict imized, pract ice, fo llo win g, missio n, cu lt .
6

SUMÁRIO
SIGLAS
INTRODUÇÃO 09

Cap ít u lo Pr imeiro : O CRISTI ANISMO QUE CELEBRA UMA P RESENÇA:


A RESSURREIÇÃO NA CRISTOLOGI A DE LEONARDO BOFF

1.1. Co nsider açõ es preliminares 13


1.2. A práxis d e Jesu s e sua co nseqüência 17
1.3. O sig nificado da cruz e da mo rt e de Jesu s 19
1.3.1. A co mpreensão neo t est ament ár ia da cruz e da mo rt e de Jesu s 20
1.3.2. A co mpreensão da cruz e da mo rt e de Jesu s na t rad ição t eo ló g ica 23
1.3.3. A co mpreensão da cruz e da mo rt e de Jesu s na TdL 25
1.4. A ressurreição de Jesu s 28
1.4.1. A ressurreição de Jesu s no NT 28
1.4.2. O debat e t eo ló g ico so bre o Jesus Ressu scit ado 32
1.4.3. O Crist ianismo que celebra u ma presença 36
1.5. Co nclusão 39

Cap ít u lo Segu ndo : A MANI FEST AÇÃO DOS FILHOS DE DEUS:


A RESSURREIÇÃO NA CRISTOLOGI A DE JUAN LUIS SEGUNDO.

2.1. Co nsider açõ es preliminares 40


2.2. Jesu s de Nazaré, u m po lít ico 43
2.2.1. Jesu s, o pro fet a do Reino 43
2.2.2. Jesu s e a o pção (po lít ica) de Deus p elo s po br es e pecado res 46
2.3. Jesu s e o co nflit o que sua práxis po lít ica desencadeia 48
2.3.1. As t o mad as d a po sição que a práxis de Jesus causa 48
2.3.1.1. Os de fo ra 49
2.3.1.2. Os que recebem co mo graça ‘o s segredo s do Reino ’ 49
2.3.1.3. O po vo 50
2.3.2. O pro jet o hu manizado r de Jesu s 50
2.3.3. As pr io r idad es do Reino e suas fo rças 50
2.3.4. Os limit es das fo rças do Reino 51
2.3.5. A cr ise da Galiléia 52
2.3.6. Os anú ncio s da mo rt e de Jesus 52
2.3.7. A mo rt e sempr e present e na vid a de Jesu s 53
2.4. A ressurreição de Jesu s 54
2.4.1. A ressurreição de Jesu s no s sinó t ico s 54
2.4.2. A man ifest ação do s filho s de Deus 57
2.4.2.1. A ressurre ição de Jesu s e o emerg ir da no va cr iat ura 57
2.4.2.2. a man ifest ação da liberdade do s filho s 59
2.5. Co nclusão 64

Cap ít u lo Terceiro : A ESPERANÇA DAS VÍTIMAS :


A RESSURREIÇÃO NA CRISTOLOGI A DE JON SOBRINO

3.1. Co nsider açõ es preliminares 66


3.2. A práxis libert ado ra de Jesu s 67
3.2.1. Jesu s e o anú ncio d a pro ximidad e d o Reino de Deus 67
7

3.2.2. Jesu s e o Deus que E le anu ncia 70


3.2.3. Jesu s, Deus e desido lat r ização 73
3.3. O sig nificado da cruz e da mo rt e de Jesu s 77
3.3.1. Jesu s, u m per segu ido 78
3.3.2. Jesu s que mo rre 80
3.3.3. Em Jesu s o pró prio Deus é crucificado 82
3.3.4. O Deus so lid ár io present e no po vo crucificado 84
3.4. A ressurreição de Jesu s 85
3.4.1. A abo rdagem her menêut ica 85
3.4.1.1. A necessid ade d e her menêut ica 86
3.4.1.2. A co mpreensão neo t est ament ár ia da ressurreição de Jesu s 88
3.4.1.3. A ressurre ição de Jesu s no quer ig ma pr imit ivo 90
3.4.1.4. A esper ança co mo pressupo st o her menêut ico 90
3.4.2. A ressurreição de Jesu s co nsiderada hist o r icament e 93
3.4.3. A ressurreição de Jesu s co nsiderada t eo lo g icament e 98
3.5. Co nclusão 101

Cap ít u lo IV: UMA NOVA ABORDAGEM TEOLÓGICA DA


RESSURREIÇÃO DE JESUS – A EXPERIÊNCI A DE ENCONTRO
COM O RESSUSCIT ADO A P ARTIR DE AMÉRICA LATINA.

4.1. Co nsider açõ es preliminares 104


4.2. A ressurreição de Jesu s cau so u u ma mud ança na vida e no
co mpo rt ament o do s discíp u lo s 105
4.2.1. A mud ança na vida e no co mpo rt ament o do s discíp u lo s
segu ndo Leo nardo Bo ff 106
4.2.2. A mud ança na vida e no co mpo rt ament o do s discíp u lo s
segu ndo Juan Lu is Segu ndo 108
4.2.3. A mud ança na vida e no co mpo rt ament o do s discíp u lo s
segu ndo Jo n So br ino 110
4.3. O enco nt ro co m o Ressu sc it ado , u m mo ment o de revelação de Deus 112
4.3.1. A no va visão de Deus qu e surge do Enco nt ro co m o Ressuscit ado
segu ndo Leo nardo Bo ff 112
4.3.2. A no va visão de Deus qu e surge do Enco nt ro co m o Ressuscit ado
segu ndo Juan Lu is Segu ndo 114
4.3.3. A no va visão de Deus qu e surge do Enco nt ro co m o Ressuscit ado
segu ndo Jo n So br ino 120
4.4. O Enco nt ro co m o Ressuscit ado desencadeia a missão 123
4.4.1. O Enco nt ro co m o Ressuscit ado e a missão
segu ndo Leo nardo Bo ff 124
4.4.2. O Enco nt ro co m o Ressuscit ado e a missão
segu ndo Juan Lu is Segu ndo 126
4.4.3. O Enco nt ro co m o Ressuscit ado e a missão
segu ndo Jo n So br ino 128
4.5. A práxis ( segu iment o ) que surge co mo resu lt ado do enco nt ro
co m o Ressu scit ado 131
4.5.1. A práxis resu lt ant e do Enco nt ro com o Ressuscit ado
segu ndo Leo nardo Bo ff 131
4.5.2. A práxis resu lt ant e do Enco nt ro com o Ressuscit ado
segu ndo Juan Lu is Segu ndo 133
8

4.5.3. A práxis resu lt ant e do Enco nt ro com o Ressuscit ado


segu ndo Jo n So br ino 136
4.6. O mo ment o lit úrg ico : u m mo ment o priv ileg iado de enco nt ro
co m o Ressu scit ado . Os cr ist ão s t êm algo para celebr ar 140
4.6.1. O Enco nt ro co m o Ressuscit ado no cu lt o segu ndo Leo nardo Bo ff 140
4.6.2. O Enco nt ro co m o Ressuscit ado no cu lt o
segu ndo Juan Lu is Segu ndo 142
4.6.3. O Enco nt ro co m o Ressuscit ado no cu lt o segu ndo Jo n So br ino 143
4.7. Algu mas co nclu sõ es 144

Conclusão 151

Bibliog ra fi a 156
9

SIGLAS

AT....................Ant igo Test ament o


NT....................No vo Test ament o
TdL..................Teo lo g ia da Libert ação
AL....................Amér ica Lat ina
10

Introdução

No sso est udo t em co mo o bjet ivo examin ar algu mas o bras cr ist o ló g icas
selecio nadas de Leo nardo Bo ff, Ju an Lu is Segu ndo e Jo n So br ino , t rês aut o res
ent re o s p io neiro s d e u m per ío do de cr iat iv idad e inco mu m na AL. Qu al a
co mpreensão da Ressurreição de Jesu s na Cr ist o lo g ia deles? Qual fo i o
resu lt ado dest a co mpreensão ? Ao lo ngo dest e est udo desco br ir emo s que a
Ressurreição é co mpreend id a co mo u ma exp er iência de enco nt ro co m o
Ressu scit ado e qu e d est a exper iência resu lt aram mud anças pro fu ndas q ue,
mesmo depo is d e do is mil ano s, co nt inuam a no s surpreender.

A segu nda met ade do Sécu lo XX fo i u m mo ment o especia l na hist ó r ia


hu mana. Depo is d a t err ível devast ação da “Segu nda Guerra Mu nd ial”, as
naçõ es euro péias se reco nst ru íram; a t ecno lo g ia avançava a largo s passo s,
cr iando u m o t imis mo e a crença de qu e a ciência e a t ecno lo g ia reso lver iam o s
pro blemas hu mano s. Po rém t ravo u-se a guerra fr ia - a co nco rrência
sangu inár ia ent re cap it alis mo e co mu nis mo co mo alt er nat ivas para a
hu man idade. A AL, su fo cada p elo s ma les do cap it alis mo , so nho u co m u m
mo d elo so cialist a; o mar xis mo co meço u a exercer u m fascín io so br e sua
po pu lação e surg ir am mo viment o s qu e vis avam à libert ação só cio -po lít ica e à
mud ança de sist ema eco nô mico . Co nt udo , est es mo v iment o s fo ram repr imido s
co m mão de ferro e as mud anças est rut urais fo r am evit adas a cu st o de
milhar es d e v idas hu manas.

Nest a sit uação sem sent ido , surg ir am u ma práxis e u ma r eflexão


t eo ló g ica que co nsegu ir am revelar algu mas sig n ificaçõ es o cu lt as daqu ele
mo ment o hist ó r ico . O Co ncílio Vat icano II abr iu u ma no va per spect iva na
vid a eclesia l e est a no vidad e chego u at é a AL co m a realização do s enco nt ro s
da CELAM em Medellín e Puebla. Est es event o s marcaram a pr áxis eclesia l
lat ino -amer icana. O pro cesso de t eo lo g ização dest a práxis t eve o “hu mano ” e
o “hist ó r ico ” co mo chaves her menêut icas impo rt ant es. Os t eó lo go s qu e
11

est udaremo s bu scaram a fu ndament ação para su as reflexõ es nas ciências


so ciais, o que fo i u ma no vid ade p ara t eo lo g ia lat ino -amer icana, mas suas
o bras se sit uaram bem dent ro do s parâmet ro s da práxis t eo ló g ica de su a
épo ca.

No sso s aut o res d ialo g am co m a mo der nid ade e ado t am perspect ivas
her menêut icas pró pr ias, pr io r izando , como fo i mencio nado , o hu mano e o
hist ó r ico , co nfro nt ando as fo nt es t rad icio nais d a t eo lo g ia co m a realidad e
lat ino -amer icana. Co meçaremo s a apresent ação de cad a u m d eles a part ir do
respect ivo ho r izo nt e her menêut ico , mo st rando co mo a práx is d e Jesu s e su a
co nseqüência, a mo rt e na cruz, o cupa u m lug ar impo rt ant e no esquema
cr ist o ló g ico do s t rês. Em segu id a, analis aremo s a co mpreensão que eles t êm
da Ressurreição de Jesus. Co mo ver emo s, a Ressurreição é o sust ent ácu lo d a
Cr ist o lo g ia d est es t eó lo go s. Isso ap arece de mo do especial na maneira co mo
co mpreendem as co nseqüências dest e event o , percebido co mo enco nt ro co m o
Ressu scit ado . A exper iência d est e enco nt ro causo u mudanças rad icais no s
d iscíp u lo s e o s aut o res que est udaremo s caract er izam a práxis eclesia l lat ino -
amer icana de sua épo ca co mo u ma exper iência análo ga à d as t est emu nhas do
Evangelho , práxis que se repet e na hist ó ria.

No sso t rabalho não pret ende ser exaust ivo . Examinaremo s apenas
algu mas o bras de cad a aut o r. No sso s teó lo go s t êm co nsciência d e sere m
p io neiro s. E de fat o o fo ram. No sso t rabalho pro cura co mpr eend er u m asp ect o
dest e p io neir ismo : a co mpreensão da Ressurreição de Jesu s d esde o co nt ext o
hist ó r ico lat ino -amer icano .

Em no sso pr ime iro cap ít u lo apresent aremo s os pressupo st o s


her menêut ico s do Leo nardo Bo ff. O t eó lo go brasile iro leva em co nsid eração
to do o debat e da t eo lo g ia mo der na so bre a ressurreição . O Jesus h ist ó rico e
sua práxis libert ado ra, ju nt ament e co m su a co nseqüência: a mo rt e de Jesus na
cruz, são examinado s d esd e a per spect iva da vio lência o pressiva que, no
Brasil e na AL, suscit a a v io lência revo lu cio nár ia. Bo ff não põ e em quest ão a
fact icid ade da Ressurreição , mas a linguagem par a seu anú ncio em realid ade s
de o pressão . A p art ir da exper iência pascal, a práxis libert ado ra e a
12

so lidar iedad e co m o s in ju st içado s d a hist ó ria adqu irem no vo sent ido . Isso
po rque a exper iência do enco nt ro co m o Ressu scit ado revela u m Deu s
so lidár io co m o s in ju st içado s, so lidar ied ade qu e po ss ib ilit a a man ifest ação do
“no vo Adão ”, revelado no “no vo engaja ment o ” hist ó r ico em cur so na AL.

E m no sso seg u ndo cap ít u lo analisare mo s a o bra “A histó ria p erdi da e


recu perada de Jesus de Na za ré”, d e Juan Lu is Seg u ndo . O Jesu s h ist ó rico do s
S inó t ico s é int erpr et ado pelo t eó lo go uruguaio a part ir d e u ma chave
her menêut ica po lít ica. E le ju st ifica a esco lha dest a chave her menêut ica
baseando -se na pr áxis d e Jesu s e seu resu lt ado – a mo rt e na cruz. Jesus ag iu
co mo u m bo m po lít ico e seu s ad ver sár io s reag iram po lit icament e eliminando -
o . Para Juan Lu is Seg u ndo , a exp er iência de enco nt ro co m o Ressuscit ado fo i
u m gr ande mo ment o her menêut ico para a hu man id ade. O Deu s que se revela
nessa exper iência é bem d ifer ent e d’Aq uele qu e geralment e é usado para
ju st ificar o statu s quo o pressivo . P ara co mpreender est a d iferença,
examinar emo s a análise que o t eó lo go uruguaio faz da cart a ao s Ro mano s.

No t erceiro cap ít u lo est udaremo s a per sp ect iva de Jo n So br ino . Part indo
da sit uação mo rt ífera e sangrent a d a gu erra civ il em E l Salvado r, o t eó lo go
cent ro -amer icano t ent a co mpreender o sent ido da vio lência e da mo rt e
aparent ement e desnecessár ias, insp ir ando -se na práxis libert ado ra de Jesu s.
Para ele, a imag em bíb lica do Deus d a vid a que lut a co nt ra o s deuses da mo rt e
reaparece no event o pascal, o nd e Deus é Aq uele q ue ag e em favo r da vít ima e
assim g era esp erança p ara as vít imas. E st a exper iência d e enco nt ro co m o
Ressu scit ado mo t iva mu it o s cr ist ão s la t ino -amer icano s a camin harem na
so lidar iedad e ju nt o co m o s in ju st içado s do co nt inent e lat ino -amer icano ,
ent regando eles t ambém suas pró pr ias vid as.

No quarto cap ít u lo reu niremo s d e mo d o sist emát ico o s resu lt ado s d e


no ssa pesqu isa. A Ressurreição enquanto exper iência de enco nt ro co m o
Ressu scit ado será ent ão vist a co mo algo que mudo u rad icalment e a vid a do s
d iscíp u lo s, mas qu e ana lo gament e co nt inu a mudando a vid a do s cr ist ão s
lat ino -amer icano s. Analisaremo s o s d iver so s s ig nificado s dest a mud ança be m
co mo seu alcance t eo ló g ico -past o ral.
13

O pro pó sit o dest e t rabalho é, sem dú vida, amp lo d emais. De fat o a


maneira co mo cad a aut o r que est udaremo s ent ende a Ressurreição merecer ia
u ma análise mais apro fu ndada. Não fo i, po rém est a a no ssa int enção ao
esco lhê- lo s co mo o bjet o de no ssa pesqu isa e r eflexão . Não pret endemo s ser
exau st ivo s. O que bu scamo s é u ma vis ão pano râmica e sint ét ica, que no s
per mit a t er o s grandes eixo s e int u içõ es da reflexão lat ino -amer icana so bre a
ressurreição desd e a perspect iva de t rês de seu s maio res t eó lo go s.

O no sso mét o do se desdo bra em do is mo ment o s. E m pr ime iro lugar,


apresent amo s a análise qu e cada u m do s no sso s aut o res faz, da at uação de
Jesus de Nazaré, co m suas co nseqüências, ist o é, a mo rt e na cruz e a
( inesp erada) ressurreição . Referências bib lio gráficas co mp let as, so bre as
o bras est udadas, serão dadas no in ício d e cad a cap ít u lo . E m segu ndo lugar,
apresent aremo s, nu ma maneira sint et izad a e p ano râmica, o que cada u m do s
aut o res percebe co mo co nseqüência do enco nt ro co m o Ressu scit ado para o s
d iscíp u lo s e suas imp licaçõ es na práxis eclesial d a AL.
14

Capítulo Primeiro
O Cristianismo que celebra uma Presença:
A ressurreição na Cristologia de
Leonardo Boff

1.1. Considerações preliminares.

Leo nardo Bo ff 1, t eó lo go , reno mado pro fesso r, aut or e co nfer encist a


brasileiro , fo i u m do s pr ime iro s t eó lo gos da libert ação a t ent ar pensar u ma
Cr ist o lo g ia a part ir d a AL. E le sit ua seu pro jet o no cenár io da t eo lo g ia
co nt empo rânea. Para ent end er co mo a Ressurreição é pensada nest e pro jet o ,
vamo s apresent ar br evement e o s grand es eixo s do mesmo , a saber: o que o s
relat o s do NT dizem de Jesus e de su a práxis; as co nseqü ências d est a práxis; a
mo rt e de Jesu s; o sig nificado da cruz; a ressurreição . Est a, co mo veremo s, faz
no sso aut o r afir mar q ue o cr ist ianis mo é u ma relig ião qu e celebr a a presença
viva de seu Senho r Ressu scit ado .

Para ent ender o pro jet o crist o ló g ico de Bo ff e a maneira co mo nest e


pro jet o é pensad a a ressurreição , vamo s analisar as segu int es o bras: Jesu s
Cri sto Lib erta dor, Ensaio de Cri stol ogia crítica pa ra o no sso temp o 2; Paixão
de Cri sto – Paixão do Mun do, O Fato, as Int erpretaçõ es, e o sign if icado
ontem e hoje 3; A ressu rreição de Cri sto . A nossa ressu rreição na mort e 4.
Co mo veremo s, seu pensament o cr ist o ló gico ret o ma em part e o resu lt ado das

1
Le on a r do Boff n a sc eu em 14 de d ez em br o de 1 938 n o E st a do de Sa n t a Cat ar in a, Br a si l.
Fez seu s est ud os fi l os ófi c os e t e ol ógi c os em Cur i t i ba (Pa r aná ) e P et r óp ol i s ( Ri o d e
Ja n eir o). Com pl et ou s eus est ud os d e esp eci a l i z a çã o em t e ol ogi a dogm á t i ca n a E ur opa , n a
Un i ver si da de de Mun i que (Ba vi er a ), sob a or i en ta çã o de Ra hn er , Sch effcz yk e Fr i es.
2
BOF F, Le on a r do. Je sus Cri st o Li be rt ador E nsai o de Cri st ol ogi a c rí ti c a para o nosso
t e mpo. Pet r ópol i s: V oz es, 1977. D or a va n t e ci t a r em os est a obr a da segui n t e for m a : Je sus
Cri st o Li be rt ador.
3
BOFF, L e on a r do. Pai x ão de Cri st o – Pai x ão do mundo, O f at o, as i nt e rpre t aç õe s e o
si gni f i c ado ont e m e hoje . Pet r ópol i s: V oz e s, 1977. Dor a va n t e ci t a r em os e st a obr a da
segui n t e for m a : Pai x ão.
4
BOFF, L e on a r do. A Re ssurre i ç ão de Cri st o A nossa re ssu rre i ç ão na mort e . Pet r ópol i s:
Voz es, 1972, 3ª E di çã o. Dor a va n t e ci t ar em os est a obr a da segui nt e for m a : Re ssurre i ç ão.
15

pesqu isas feit as no sécu lo XX so br e a cr ist o lo g ia, mas as lê co m u ma chave


her menêut ica pró pr ia.

A q uest ão “Quem é Jesu s?” deve ser respo nd ida po r cad a geração . Para
Bo ff, no NT enco nt ramo s u ma p luralid ade de respo st as a est a quest ão . O
Evangelist a Marco s, po r exemp lo , afir ma que Jesu s é o Messias (Cr ist o )
esco nd ido e o grande libert ado r. Já Mat eus d iz q ue Jesus é o no vo Mo isés,
enquant o Lucas afir ma qu e ele é o libert ado r do s po bres, do ent es e
marg inalizado s e Jo ão o apresent a a part ir da figura hierát ica do Logos, o
Filho Et erno de Deu s.

Na p luralid ade do s po nt o s de vist a cr ist o ló g ico s co nt empo râneo s


percebe-se o cu mpr iment o co nt ínuo da tarefa de dar respo st a à pergu nt a de
Jesus. Bo ff mo st ra que no s ú lt imo s sécu lo s a cr ít ica no s o ferece p ist as e
int u içõ es valio sas que ajudam a fo r mu lar respo st as dent ro do co nt ext o
co nt empo râneo .

No s evange lho s enco nt ramo s u ma figura de Jesu s que cau so u a fo r mação


de u ma co mu nid ade de fé e a sust ent o u. No ent ant o, est a co mu nid ade no s
deixo u u m t est emu nho co m d ado s bio gráfico s que não sat isfazem às
exigências da hist o r io grafia po sit iv ist a co nt empo rânea. Aut o res co mo
Bu lt mann renu nciam à bu sca do Jesu s hist ó r ico , enquant o o ut ro s, co mo
Ro binso n, Käsemann, Bo rnka mm, Tr illing e Pannenberg, afir ma m a
co nt inu id ade ent re Jesus e o Cr ist o at ravés de u ma Cr ist o lo g ia ind iret a 5.
Segu ndo esses t eó lo go s, as at it udes e co mpo rt ament o s de Jesus só ganham su a
nat ural co mpreensão e sua co rrespo ndent e exp licit ação no ho r izo nt e da fé.
Alg u ns segu ido res de Bu lt mann r ad icalizaram, po rém, d e t al mo do a po sição
do mest re que cheg aram a pro clamar a mo rt e de Deus 6.

5
E st a cr i st ol ogi a ba sei a -s e n os s egui n t es p on t os: 1) o m od o de a gi r de Je sus; 2) sua s
exi gên ci a s l i ga n do a par ti ci pa çã o n o Rei n o e a vi n da do Fi l h o do Hom em à a desã o d e sua
pess oa ( Lc 12, 8-10); 3) a r ei vi n di ca çã o d e que c om el e se ofer ec e a úl t i m a chan ce d e
sa l va çã o; 4) a r ei vi n di ca çã o d e qu e c om el e os pobr es s er ã o c on s ol a dos e os p e ca dor e s
ser ã o r ec on ci l i a dos. Cf . BOFF, Le on a r do Je sus Cri st o Li be rt ador p. 25.
6
Na l ei t ur a de Boff, en t r e t ai s segui dor es en c on t ra m -se H. Br a un , D. Söl l e, P. van Bur en.
Cf . Ide m, p. 27.
16

Perant e o imp asse pro vo cado pela hist o r io grafia co nt empo rânea, Bo ff
sust ent a que é po ssíve l, a part ir d a anális e das fo nt es da Cr ist o lo g ia, afir mar
que o Deus que se ident ifico u co m no ssa sit uação , co m no ssas t revas e
angúst ias, é o Deus de Jesus de Nazaré, o Deus que ao ressuscit ar seu Filho
venceu a mo rt e, o pecado e t udo o que aliena o ser hu mano 7. É esse Deu s que
t ambém d iv in iza a hu man idad e. Est a imp licação de Deus na hist ó r ia co nfere a
est a u ma po sit ivid ade e lhe d á u m carát er univer sal e et er no , represent ando e
ant ecip ando o fut uro dent ro do t empo .

Assim, d ialo gando co m a razão mo der na, Bo ff afir ma que a fé e a razão


cient ífica não est ão em co nt rad ição u ma co m a o ut ra. São duas d imensõ es
d ifer ent es e não do is mo do s de co nhecer. Diant e do pro blema da
hist o r icid ade, o t eó lo go brasileiro d iz que a fé é a at mo sfera, o ho rizo nt e
adequ ado para se co mpreender quem fo i o Jesu s hist ó r ico . A hist ó ria vem
sempre u nid a co m a fé e po r isso , qualqu er do cet ismo , que redu z Jesu s à mer a
palavra (qu er ig ma o u preg ação ) o u a u m simp les ser hist ó r ico que findo u co m
sua mo rt e, deve ser rejeit ado a priori.

Para u ma Cr ist o lo g ia feit a desde a AL, Bo ff pro põ e u ma her menêut ica


pró pria, que é u ma releit ura do NT e de to da a lit erat ura cr ist o ló g ica a part ir
do co nt ext o su l-amer icano . Para realizar seu int ent o , ele faz u m breve exame
das t eo rias her menêut icas present es ent ão no pano rama t eo ló g ico 8.

Na o p inião de Bo ff, a her menêut ica não sig nifica apenas a art e de
ent end er t ext o s ant igo s, mas t ambém a busca d e co mpr eend er t o das as
man ifest açõ es da vid a art icu lando -as co m a mensagem evang élica. Tais
man ifest açõ es t êm a ver co m aq ueles fat ores que d izem respe it o ao ind iv íduo

7
“O Deus qu e se i den t i fi c ou c om n ossa si t ua çã o, c om n ossa s t r eva s e a n gúst i a s, esse é o
Deus di vi n o e se ch a m a Jesus de Na z a r é” . Ibi d., p. 29.
8
E l e a na l i sa a s segui nt es t e or i a s: 1) a h erm en êut i ca “h i st ór i co-cr í t i ca ” , que pr ocur a
des en tr anh ar o sen t i do or i gi ná ri o do t ext o a t ra vé s do est ud o da h i st óri a da s for m a s,
t ra di çõe s e a r eda çã o; 2) a h er m en êut i ca “exi st e n ci a l” , que pr ocur a super a r a s l i m i ta ções
da h er m en êut i ca “hi st ór i co- cr í t i ca ” atr a vés d e e xa m e do cí r cul o h er m en êut i co jun t o c om o
que pod e s er ch am a da desi de ol ogi z a çã o e r e-i de ol ogi z a çã o da m en sa gem que o con t ext o
h i st ór i co r equer ; 3) a h erm en êut i ca “h i st ór ic o-sa l ví fi ca ” , que i n vest i ga a di a l ét i ca
exi st en t e en t r e a “pr o-post a ” sa l ví fi ca de Deus e a “r es-post a h um ana ”. Cf. Ibi d. , p. 47-56.
17

e à co let ivid ade. E les devem ser capt ado s à lu z de t emas neo t est ament ár io s,
co mo o Reino de Deu s, a ju st iça, a paz, a reco nciliação et c.

Para Bo ff, no ssa t arefa cr ist o ló g ica na Amér ica Lat ina de ho je, não é
“defin ir mo s a ele (Jesus Cr ist o ), mas a nó s mes mo s” 9. Est a defin ição se dá
nu ma re leit ura a part ir de u ma ó t ica pró pria que deve co nt er o s segu int es
t raço s: 1) A pr imazia do element o ant ropo ló g ico so bre o eclesio ló g ico , o u
seja, o ser hu mano “a quem a Igreja deve auxiliar, erguer, e hu manizar” t em
preced ência so bre a est rut ura eclesiást ica 10; 2) O acent o det erminant e não
po de ser o passado , mas o fut uro, pelo fat o de a hist ó ria do ho mem su l-
amer icano t er sido o que ela fo i. Nest e sent ido , o aspect o utó pico assu me a
pr imazia so bre o fat ual 11; 3) A pr io r idade “do element o cr ít ico so br e o
do g mát ico ”, dad a a sit uação at ual d a Amér ica Lat ina 12. Isto po rque a cr ít ica
assu me u m carát er acr iso lado r da exp er iência cr ist ã, fazendo co m que a
mesma seja encar nad a cr it icament e nas d iferent es sit u açõ es em q ue v iv e
naquele mo ment o ; 4) A pr imazia do so cial so bre o pesso al é u m imper at ivo
d iant e da “marg inalização so cial d e imensas po rçõ es da po pulação ” 13. A Igreja
“deve part icip ar da arrancada g lo bal de libert ação da so ciedad e su l-
amer icana”, dando assim, co mo fez Jesus, especial at enção ao s “sem- no me” e
ao s “sem- vo z”; 5) A “pr imazia d a o rto praxia so bre a o rto do xia” 14, po rque o
segu iment o de Cr ist o , t ema fu ndament al do s evangelho s sinó t ico s, fo i mu it o
po uco t emat izado e t raduzido em at it udes co ncret as na vida da Igreja. Bo ff
ju lg a que o mo ment o praxio ló g ico da mensag em de Cr ist o é part icu lar ment e
sensível na reflexão t eo ló g ica feit a na Amér ica Lat ina.
Co m essas o bser vaçõ es preliminar es passaremo s ago ra a examinar a
imagem de Jesus qu e Bo ff no s pro põ e e que, segu ndo ele, co rrespo nd e às
exigências de co nt ext ualização da sua t eo lo gia.

9
Ibi d. , p. 61.
10
Ibi d. , p. 57.
11
Boff di z qu e, n a desa st r osa si t ua çã o em que se en c on tr a o h om em sul -a m er i ca n o, é
op or t un o dei xa r par a trá s seu pa s sa do eur op e u, de c ol on i z a çã o e a p ost a r n um fut ur o
ut ópi c o. E st e fut ur o n a scer á do pr in cí pi o-esp er a n ça , que m an t ém o pr oces s o s oci a l em
per m an ent e a ber t ur a par a um a tr an sfor m a çã o c a da vez m a i s cr es c en t e. Cf . BOFF, J e su s
Cri st o Li be rt ador, p. 58.
12
Ide m. ,
13
Ibi d. , p. 59.
14
Ibi d. , p. 60.
18

1.2. A práxis de Jesus e sua conseqüência.

Bo ff t ent a respo nder à pergu nt a “qu em é Jesus?” a part ir da práxis do


Nazar eno . Um do s pr ime iro s aspect o s que ele dest aca é o do ho rizo nt e no qua l
at uo u Jesus. Os jud eus v iv iam ent ão uma épo ca o pressiva, po is est avam
pr ivado s da sua liberdad e há vár io s sécu lo s. Isso pro vo co u neles a co nvicção
de que só Deus, co m sua ação d iret a, po der ia mudar a d ir eção das co isas. “O
senho r io de Deus so br e t udo t inha qu e se mo st rar t ambém po lit icament e. O
Messias é aque le que inst aurará o Rein o de Deus” 15. Vár ias t ent at ivas de
resgat e da indep endência t inham surg ido . Os Zelo t as pro punham a ação
ar mada, enquant o o s Essênio s fug ia m ao d esert o , o nde prepararam r it ualment e
a inst auração do Reino de Deu s. A lit erat ura apo calípt ica é fr ut o dest e
per ío do e daquele qu e o ant ecede (o s sécu lo s da do minação do s Selêucid as).

Nest e ho r izo nt e apo calípt ico , Jesus vai in augurar seu min ist ér io . Não há,
po rém, nenhu m ind íc io de qu e t enha aliment ado o nacio nalis mo judeu o u se
id ent ificado co m as esp ecu laçõ es apo calípt icas. O ep isó d io das t ent açõ es (Mc
1,22s; Lc 4,1-3 ; Mt 4,1-11), que o s sinó t ico s co lo cam no in íc io d a vid a
púb lica de Jesus, po de ser vist o co mo o resu mo do s co nflit o s qu e ele
enfrent o u durant e to da a sua vid a e q ue t êm a ver t ambém co m as expect at ivas
messiânicas de seus co nt empo râneo s. Seus d iscípu lo s, que eram judeus,
co mu ngavam cert ament e co m essas expect at ivas, mas Jesu s vai lent ament e
mo st rando - lhes o utra fo r ma de ver o messias.

Os evangelho s r esu me m a ação de Jesus at ravés da cat ego r ia Reino d e


Deus. No ep isó d io da sinago ga d e Nazaré (Lc 4,18-19.21), o nd e, ao sent ar-se
depo is da leit ur a, Jesu s d iz q ue ho je se cu mpr iu a pro fecia qu e ele acabo u d e
ler, reco rda-se E x 2 3, 1-12 ; 21,2-6 (ano sabát ico ) e Lv 25,8-16 (ano ju bileu).

15
Ibi d. , p. 71.
19

O que d izem esses t ext o s t inha ao s po uco s se t o rnado u ma pro messa para o s
t empo s messiânico s (Is 61,1 s) 16.

Uma ut o p ia velha est á se realizando hoje. Os milagr es de Jesu s mo st ra m


que o Reino já est á present e dent ro do velho mu ndo . Est e Reino não é u m
t errit ó rio , mas u ma no va o rdem d as co isas. É u ma t ot alid ade da rea lidad e
t ransfo r mad a semina lment e po r Deu s no present e e escat o lo g ica ment e no
fut uro . Jesus anu ncia que a inst auração dest a no va o rdem é iminent e e que a
part icipação nela est á co nd ic io nada à ad esão de sua pesso a.

A present e o rdem das co isas não po de salvar o ser hu mano de su a


alienação fu nd ament al. O co mpo rt ament o do ho mem no vo t em su as regras
co nt idas nas fó r mu las rad icais do ser mão da mo nt anha 17. O Reino de Deus
imp lica u ma revo lução no mu ndo da pesso a. As at it udes de Jesu s face à s
prescr içõ es da lei buscam t razer u ma liberdade respo nsável e ind icam u m
no vo mo do de exist ir no reino já present e, que se esco nde so b o s véu s d a
fraqu eza.

Segu ndo Bo ff, o s d iscur so s de Jesu s, espec ialment e o das parábo las,
pro vo cam u ma t o mada de po sição . E las d esafiam a co mpreensão , po rque Jesu s
não é mais u m rabino q ue int erpret a as Escr it uras, mas alguém que lê a
vo nt ade d e Deu s 18. O que Deus quer po de ser d iscer nido pelo recurso à sua
palavra, pela co nsu lt a do s sina is do s t emp o s e pelo imprev ist o da sit uação .

A o bed iência é u ma d ecisão fir me d iant e daqu ilo qu e Deu s ex ige nu ma


sit uação co ncret a. E m Jesu s ela se exp resso u rad icalment e at ravés de su a

16
Um a exp ect a t i va qu e n a h i st ór i a se t orn ou um a esper a n ça se cum pr e n est e e ven t o. Cf .
Ibi d. , p. 64 – 67.
17
Sobr e o s er m ã o da m on t anha e a pr opost a r adi ca l l eva n t a da n el a por Jesus, Boff fa z uma
r á pi da a pr eci a çã o h i st ór i ca da s posi ç õe s t om a da s. Jul i an o, o Apóst a t a , por exem pl o, vi u
n est e s er m ã o o a r gum ent o pa r a r ejei t a r o cr i st i an i sm o i n t ot o, por el e s er i m pra t i cá vel (n a
sua opi n i ã o) par a o i ndi ví duo. Há t a m bém out r a s opi n i ões s obr e o ser m ã o: um a m or a l da
boa i n t en çã o; um a m or a l do í n t er i m (a posi çã o da t eol ogi a l i ber a l ) et c. Boff di z que est e s
e m ui t os out r os n ã o c on segui r a m en xer gar a r a dica l n ovi da de qu e J esus i n t r oduz . Cf. Ibi d.,
p. 82 – 85.
18
“A d out r in a de J esus n un ca é s om en t e um a expl i ca çã o d e t ext os sa gr a dos. E l e l ê a
von t a de de Deu s t a m bém for a da s E scr i t ura s (. . .) E m sua c om pa nh i a a cei t a gen t e que um
r a bin o r ejei t a r i a in a pel a vel m en t e: (.. . ) Seus ou vi n t es en t en dem l ogo. Nã o l h es sã o exi gi da s
out r a s pr essup osi ç õe s que a s do bom sen so e d e s ã r a zã o” . Ibi d. , p. 95.
20

inq uebrant ável fid elidad e at é à mo rt e. Nisso ele at ing iu aqu ela pro fu nd id ad e
hu mana qu e co ncer ne t o do s o s seres hu mano s. “Nele se revela o que há d e
mais d iv ino no ser hu mano e o que há de hu mano em Deus” 19.

A at uação de Jesu s pro vo co u u m co nflito rad ical ent re ele e o s qu e


det inham o po der em Israel. E st e co nflit o o levo u a u m pro cesso relig io so e
po lít ico que o co ndeno u à mo rt e, o que mo st ra que ele era u m p er igo para a
o rdem est abelec ida. No exercício de seu min ist ér io , Jesus mo st ro u uma
co nsciência que imp lica em part icipação na esfera d iv ina 20. Quando , po rém fo i
preso e ju lg ado , ele se apr esent o u fraco e sem meio s ad equado s par a cu mpr ir
sua missão .

No deco rrer do pro cesso de sua pr isão , ju lgament o e mo rt e, o s discípu lo s


de Jesu s fug ir am. So ment e a part ir da ressurreição fo ram d ecifrando , co m
crescent e clareza, o sent ido da mo rt e e da ressurreição .

Jesus v iveu, po rt ant o , nu m p er ío do cheio de exp ect at ivas. Nu m pr imeiro


mo ment o sua práxis fo i bem aceit a. Po st erio r ment e, quando est a mesma
práx is co meço u a quest io nar as est rut uras nas qua is ele at uava, ho uve u ma
co nverg ência d e int eresses par a eliminá- lo . A hist ó ria t est emu nha que ist o
co nt inua se repet indo inú mer as vezes ao lo ngo do s sécu lo s.

1.3. O significado da cruz e da morte de Jesus.

A práx is d e Jesu s o levo u a u ma mo rt e t rág ica. Qual é o sig nificado dest a


mo rt e? Para Bo ff, a respo st a a est a perg unt a ad qu ire u ma impo rt ância mu it o
grande p ara a TdL, qu e quer co mpreendê- la no co nt ext o de vio lência se m
sent ido no qual vive a AL. Assim co mo o s apó sto lo s, apó s o event o da cruz,
passaram po r um pro cesso de co mp reensão para chegarem à fé na
ressurreição , t ambém é impr escind íve l d esvelar o sig nificado do so fr iment o e

19
Ibi d. , p. 110.
20
Por exem pl o, os pr on un ci a m ent os ba sea d os n a sua pr ópr i a a ut or i da de, di fer en t e dos
pr ofet a s que usa va m expr ess ões c om o: “ Pal av ra de Iahwe h” e t c .
21

da mo rt e na r ealid ade lat ino -amer icana p ara aí anu nciar o Cr ist o
Ressu scit ado .

Bo ff lembr a que a realidade da AL é marcada pela o pressão que suscit a a


resist ência, pela vio lência repressiva do s o rganis mo s de po der e p ela
vio lência revo lu cio nár ia, q ue pro cura subst it u ir o s go ver no s (o presso res),
impo ndo no vo s mo delo s go ver nament ais p ela vio lência 21.

A r eflexão que Bo ff faz so br e o sig nificado da cruz e da mo rt e de Jesu s


co mpreende t rês fases: a) u ma análise d a co mpreensão neo t est ament ár ia do
mist ér io da paixão ; b) u m ráp ido o lhar na trad ição t eo ló g ica; c) u ma pro po st a
de co mpreensão desde a TdL.

1.3.1. A com preensão neot estam entária d a cruz e da m orte de J esu s.

Segu ndo Bo ff, a co mpreensão neo t est ament ár ia da cruz e da mo rt e d e


Jesus, o r ig ino u- se nu m co nt ext o lit úrg ico 22. Ent re o s t emas usado s no NT para
d izer o sig n ificado do mist ér io da cruz, d est acam- se o d e Filho do Ho me m e o
de Ser vo So fr edo r. A d iversid ade desses t ít u lo s já ju st ifica, no ent end er do
t eó lo go brasileiro , o desenvo lv iment o de u ma her menêut ica pró pr ia à AL. O
mesmo haver ia qu e d izer acerca das t rês “pr evisõ es” d a p aixão (Mc 8,31 ;
9,31; 10,33), que ma is que ep isó d io s da v id a do Jesu s hist ó r ico , são reflexõ es
t eo ló g icas da co mu nidade pr imit iva. Tais co mo se enco nt ram no s relat o s
evang élico s, est as previsõ es são verd adeir as apo r ias exeg ét ico -t eo ló g icas, qu e
t ent am ao mesmo t empo d izer que Deu s co nduziu t udo , mas que t ambé m t udo
fo i respo nsabilid ade do s ho mens. Além d esses t emas e dessas reflexõ es, Bo ff
mo st ra t ambém a impo rt ância da t eo lo g ia pau lina da cruz e d a leit ura que o
aut o r da cart a ao s Hebreu s pro põ e para ent end er o sig nificado salv ífico da
mo rt e de Jesu s.

21
Assi m c om o os r el a t os n e ot e st a m en t ári os da vi da de Jesus est ã o m a r ca dos por ch a ves
h erm en êut i ca s que r espon dem à s per gunt a s da época em que for a m el a bor a da s, Boff
pr et en de r espon der a os desa fi os de sua ép oca . Cf. BOFF, Pai x ão, p. 11-12.
22
Boff m en ci on a o c on t ext o cúl t i c o-l i t úr gi co par a pr epar ar o t err en o que a br e a
pos si bi l i da de de s e pen sa r de out r a for m a o si gn i fi ca do da m or t e de Jesu s n um con t ext o
vi t a l di fer en t e. Cf. Ide m., p. 17-18.
22

A t emát ica do Filho do Ho mem (Dn 7) aparece de fo r ma inu sit ad a no


jud aísmo do per ío do helen íst ico , quando surg iu a apo calípt ica 23. No NT ela
t em relação co m a mo rt e de Jesu s. At é ent ão , era imp ensável par a o judeu
asso ciar fraq ueza o u mo rt e co m o Messias. De fat o , “A mo rt e de Jesu s
quebro u a co mu nid ad e que se reu n iu ao seu redo r” 24. Est a só se reco nst ru iu
no vament e co m a ressurreição . Segund o Bo ff, t rat a-se da co mu nid ade d e
jud eu s-cr ist ão s que o bser vava o cu lt o no t emp lo e sua ú nica per spect iva
missio nár ia era a inda aq uela de co nvert er Israel à cau sa de Jesus Cr ist o . Co m
isso , est a co mu nid ade pro vo car ia a vind a de to das as naçõ es a Jeru salé m (Is
2,2-5; Mt 8,10 par). A mo rt e de Jesus é ent end ida pelo s membro s dest a
co mu nidade co mo fazendo part e do dest in o de to do pro fet a (Lc 11,49 s; 13,14 ;
1 Ts 2,14; At 7,51s).

“Po r vo lt a do ano 40, em Ant io qu ia d a S ír ia” 25, pro vavelment e nu m


amb ient e de celebração eucar íst ica 26, a figura do “ser vo so fredo r” (Is 53)
adqu ire u m sent ido messiân ico . Trat a-se do resu lt ado de u m t rabalho
t eo ló g ico peno so . A mo rt e de Jesu s é v ist a desde a p ersp ect iva da mo rt e do s
márt ires pela fé e d a mo rt e do s ino cent es, sendo ent ão reint erpret ada co mo
sacr ifício exp iat ó rio pelo po vo . Bo ff su st ent a qu e “o s jud eus da d iáspo ra,
(...), que não t inham t emp lo , po d iam usar semelhant e t er mino lo g ia (...) nu m
sent ido figur ado e ana ló g ico ” 27.

Pau lo fo i o br igado a pregar o Chri stó s st a uroméno s para o s Co r ínt io s po r


causa d e u m falso ressurrecio n ismo q ue co nt amino u a co mu nidad e. Na
pr imeir a cart a, ele bu sca dar u m equ ilíbr io ao ent usiasmo do s Co r ínt io s, par a

23
E m Dn 7, 3 “um com o Fi l h o de Hom em ” – “bar nasha” , em Ar am a i co, ou “-be n’adam-”
em He br a i co, si gn i fi ca a n t es de t ud o o “s er h uman o” . Ma s a expr essã o t em a qui um
sen t i do pa r t i cul ar, em in en t e, n o qua l el a desi gn a um h om em que ul t ra pa ssa
m i st er i osa m en t e a c on di çã o h um an a . “É um a fi gur a h uman a , con tr a post a à s qua t r o fer a s;
n ã o é um ser m i st er i os o e c el est e. Nã o de sc e, s obe; m a s, do p on t o de vi st a do vi den t e, el a
‘vem ” (c f. BI BLIA DO PE RE G RIN O p. 2150). “ Ma l eá vel e i m pr eci sa , a expr es sã o Fi l ho do
Home m pod e desi gn a r t ant o o Fi l ho qua nt o o home m, e r ecobr e os out r os t í t ul os
cr i st ol ógi c os” . “Fi l h o d o h om em ” i n CARRE Z, Ma ur i ce, em LACOST E , Jea n -Yve s
Di c i onári o Crí t ic o da Te ol ogi a Sã o Pa ul o: Pa ul i n a s/ Loyol a , 2004, p. 736.
24
BOFF, Pai x ão, p. 89.
25
Ide m. , p. 95.
26
Boff est á exa m i n an do a tr a di çã o a que se r e fer e Pa ul o, em Rm 3, 24-26a . E sta tr a di çã o se
for m ou n um a com un i da de de jud eus c on ver t i dos e t em seu c on t ext o vi t a l n um a li t ur gia
euca r í st i ca e sua cl ar a for m ul a çã o: “Cr i st o foi sa cr i fí ci o de pr opi ci a çã o” . Ibi d., p . 95.
27
Ibi d. , p. 96.
23

quem o Reino já est ava aí co m o bat is mo , a fé, a eucar ist ia, e o Pneuma. E le
ins ist e po r isso na sabedo r ia de Deus qu e é capaz d e assu mir as at iv idad es
quo t id ianas e as fraq uezas present es na r ealidad e hu mana, mesmo depo is d a
Ressurreição de Jesu s. Na segu nda cart a, o Apó st o lo co mbat e u m o ut ro desvio
do s Co r ínt io s: o do s pregado res t au mat u rgo s que apresent avam Jesu s co mo
u m sup er-ho mem q ue ro mp eu as barreiras do hu mano e ent ro u na esfera do
d ivino . A eles, Pau lo co nt rapõ e a cruz e o so fr iment o , a fraqueza e a mo rt e de
Jesus. Co m isso , ele quer salvar o mist ér io cr ist ão da mit o lo g ia grega e a
redução de Cr ist o ao hero ísmo da cu lt ura helênica po pu lar.

Para Bo ff, Pau lo apresent a o Cr ist o mo rto na cruz co mo a cr ise de t o do s


o s pro jet o s hu mano s. Na cart a ao s Gálat as, ele escr eve: “Deu s no s libert o u da
mald ição fazendo nascer Jesu s so b a co nd ição de pecado e de mald ição ” (G l
4,4; 3,13). A fé em Jesu s Cr ist o , que assu miu no ssa sit u ação e no s libert o u, é
o que no s salva (Gl 5,1). A liber dad e par a a qu al fo mo s libert ado s no s leva ao
ser viço do s o ut ro s (Gl 5,13), fazendo -no s pro duzir o bras bo as, frat ernid ade,
alegr ia e miser icó rd ia (5,6). O t eó lo go brasileiro id ent ifica aí u ma no va
d imensão no cr ist ianis mo : a do cr ist ão lib erto para a co nst rução do mu ndo . A
p iedad e, a o ração e a relig ião são manifest açõ es do amo r de Deu s já recebido
e da salvação já co mu nicad a.

A cart a ao s Hebreu s, escr it a par a u ma co mu nid ade que est á abat id a e se m


esper ança, faz u ma argu ment ação dup la: 1) “Crer inc lu i t ambém o so fr iment o
e a mo rt e co mo mo do s de ent rar na p lenit ude ce lest e (Hb 12) ” 28; e 2) A
salvação defin it iva par a t o do s veio co m Jesus. O aut o r dest a cart a apresent a
Cr ist o sacerdo t e, não segu ndo a o rdem de Araão , que fo i est abelecid a no
t emp lo , mas segu ndo a o rdem d e Melqu isedec, que est á além do t emp lo (H b
7,11-28).

Bo ff dest aca ent ão co mo pr inc ipais element o s da co mpreensão


neo t est ament ár ia da cruz e da mo rt e de Jesus o s que emerg em das cat ego r ias:
Filho do Ho mem e S er vo So fredo r, e as que são elabo radas po r Pau lo e p elo

28
Ibi d. , p. 106.
24

aut o r da Cart a ao s Hebreu s. Tais ele ment o s mo st ram a d iver sidad e co m a qua l
o NT ent end e o mist ér io da cruz. Ago ra analisar emo s as int erpret açõ es qu e
no sso auto r pro põ e da t rad ição t eo ló g ica.

1.3.2. A com preensão da cruz e da m orte de Jesu s na tradição


teológica.

Para exp lic it ar a co mpreensão da cruz e da mo rt e de Jesu s na t rad ição


t eo ló g ica, Bo ff examina pr imeirament e algu ns co nceit o s chaves co mo : o de
sacr ifício exp iat ó rio , o de redenção ent end id a co mo resgat e, o de sat isfação
su bst it ut iva e o de so lid ar ied ade. Nu m segu ndo mo ment o , ele d ialo ga co m
algu ns t eó lo go s recent es co mo : Mo lt mann, Hed ing er, Sö lle, Met z e Balt hasar.
Nu m t erceiro mo ment o , ele pro põ e sua co mpreensão do mist ér io da cruz desd e
a ót ica da TdL.

O pr imeiro mo delo que Bo ff examina é o do sacr ifíc io exp iat ó r io , t irado


da exper iência r it u al e cú lt ica do s sacr ifício s no t emp lo . Est e mo delo est á
present e na cart a ao s Hebreu s, que asso cia a mo rt e de Jesu s ao sacr ifício
exp iat ó rio po r no ssas in iq ü idad es. Jesus mesmo , lig ando -se à t rad ição
pro fét ica, acent uava, po rém, não o s sacr ifíc io s e o s ho lo caust o s, mas a
miser icó rd ia, a bo ndad e, a ju st iça e a hu mild ade ( Mc 7,7 ; 12,33 ; Hb 10,58). O
aut o r assinala, t ambém, que no sso Deus não é u m Deu s irado , mas Aquele qu e
ama o s ingrat o s e maus (Lc 6,35).

O segu ndo mo delo examinado pelo t eó lo go brasile iro é o da redenção


vist a d esd e a p ersp ect iva do resgat e. Est e mo delo é lig ado à escravat ura
ant iga, o nd e ser red imido sig nifica ser arrancado “de u ma sit u ação d e
escravo s para o ut ra de livres” 29. Est a represent ação do cat iveiro e do resg at e
quer mo st rar a gravidade da p erd ição hu mana. A libert ação é feit a no int er io r
do cat iveiro pro fu ndo em que se enco nt ra a hu man idade.

29
Ibi d. , p. 118.
25

O t erceiro mo delo qu e o auto r examina é o da sat isfação su bst it ut iva, que


se insp ir a no d ireit o ro mano . Satisf a ctio é u m t er mo int ro duzido po r
Tert uliano e apro fu nd ado po r Sant o Ago st inho , mas que recebeu su a
fo r mu lação clássica em Cu r Deus Ho mo ?, de sant o Anselmo . Deu s se fez
ho mem po r cau sa da incap acid ade hu mana de o ferecer a sat isfação in fin it a
devida a Deu s. Est a represent ação do sig nificado da cruz d e Cr ist o é u ma das
que mais reflet e o su bst rat o so cio ló g ico de u ma det er minada épo ca. Sant o
Anselmo t emat izo u a id éia de sat isfação em t er mo s jur íd ico s e d ent ro das
po ssib ilidades que seu embasament o feud al lhe p er mit ia.
Out ra cat ego ria analisada po r no sso teó lo go é a da so lidar ied ade.
Segu ndo ele, a vida co t id iana do ser hu mano é marcad a fo rt ement e pelo
sent iment o de so lidar iedade. Est a perspect iva fo i assu mida pela t eo lo g ia, que
mo st ra o Cr ist o so lid ár io d e no ssa hu manid ade. A Igreja pr imit iva percebeu
bem isso ao elabo rar as genealo g ias de Jesu s Cr ist o , que co mpreend em a
hist ó r ia de Israel ( Mt 1, 1-17), a hist ó r ia do mu ndo (Lc 3,23-38) e a hist ó r ia
de Deu s (Jo 1,1-14).

Ao examinar o s t eó lo go s recent es, Bo ff co nsid era Jürg en Mo lt mann, d a


t radição refo r mad a, o mais rad ical e m su as co nsideraçõ es t eo ló g icas so bre a
cruz. Mo lt mann afir ma q ue a verdad eir a t eo lo g ia cr ist ã e o verd adeiro cr ist ão
são aqueles qu e seguem e anu ncia m o Crucificado . A t eo lo g ia da cru z
crucifica o cr ist ão . A mo rt e de Jesu s é co nseqüência d e u ma vid a co erent e.
E m Jesus, Deu s t ambém é crucificado e mo rre. O Deu s d e Jesus Cr ist o é o
Deus qu e dest ró i t o das as imagens hu man as de Deus, cu ja t end ência é a de se
to rnarem ido lát r icas.

Para Hed ing er, não se po de aceit ar o so fr iment o . É necessár io , ao


co nt rár io , co mbat ê- lo , po rque Deus d iz não ao so fr iment o . Não há
ju st ificat iva p ara o mal. O reino é reino de felicid ade e não de int egração do
mal. A mo rt e de Jesus é u m cr ime, u m assassinat o po lít ico . Jesu s não
precisava mo rrer na cruz para manifest ar o amo r d e Deus Pai. S ua mo rt e fo i
frut o de uma vid a de fidelid ade ao Pai.
26

Co nt ra Mo lt mann, e em aco rdo co m Hed ing er, Do rot hea Sö lle d iz que o
so fr iment o não t em sent ido , embo ra po ssamo s dar- lhe u m. Deu s não é u m
sád ico , que envia a do r co mo cast igo . Tampo uco ele envia a do r co mo pro va
de no ssa o bed iência. O ser hu mano deve assu mir o desafio d a do r, para gerar
amo r, mesmo que precise at ravessar a do r para isso .

Met z, em seu ensaio d e t eo lo g ia narrat iva, bu sca co nt rabalancear a


t eo lo g ia argu ment at iva a part ir d a memóri a pa ssio nis. A hist ó r ia do s
assassinado s e in ju st içado s não po de ser refeit a. E la fica na memó r ia co mo
per manent e denú ncia ao homo emanci pato r, que pret end e fazer d a hist ó r ia u m
pro gresso linear e sem sacr ifício s. Há u ma negat ivid ade que não se deix a
enquadr ar, po is não t em sent ido . Um cru cificado , absurdament e assassinado ,
que ressuscit o u, respo nd eu ao enig ma d a hist ó r ia. A memória pa ssi onis se
t ransfo r ma ent ão em memó ria ressu rrecio nis. Assim a Igreja, que une as du as
memó r ias, não é u ma co mu nidade arg u ment at iva, mas narrado ra, po is po ssu i
reco rdaçõ es e memó r ia vivas.
De aco rdo co m Bo ff, u m o ut ro t eó lo go recent e que penso u rad icalment e
o sig nificado da cruz e da mo rt e de Jesus fo i Hans Urs vo n Balt hasar. Para o
t eó lo go su íço , na cruz de Jesus, Deus assimila a t ot alidade d a exp er iência
hu mana, a exper iência do pecado e do infer no . Est a kéno se imp lica u ma
mud ança na imag em de Deus qu e, po r sua encar nação , não só red imiu o
mu ndo , mas revelo u su a pró pr ia pro fu nd idade ú lt ima. A ló g ica d a cru z d eve
ser assim mant ida po rque só ent ão t emo s u m acesso a Deu s, qu e de o ut ra
maneira nu nca t er íamo s.

Po rt ant o, no exame do s mo de lo s t eo ló gico s que ana lisa (sacr ifício


exp iat ó rio , redenção co mo resg at e, sat isfação su bst it ut iva e so lidar iedad e),
Bo ff fr isa o co nt exto hist ó rico em q ue cada u m surg iu. A d iversid ade d est es
mo d elo s d emo nst ra a incapacidade que cada u m, po r si só , t em em esgo t ar
to do o sig nificado da cruz e da mo rt e de Jesus. A t ent at iva de co mpreender o
sig nificado da cruz e da mo rt e de Jesu s no co nt ext o lat ino -amer icano é ent ão
ju st ificável.
27

1.3.3. A com preensão da cru z e da morte de Jesus na Teologia d a


Libertação.

No sso auto r desenvo lve u ma co mpreensão da cruz e da mo rt e de Jesus na


ót ica da Td L em co nso nância co m a t rad ição t eo ló g ica e o pensament o
t eo ló g ico co nt empo râneo . E le enfat iza mais o aspect o práxico do sig nificado
da cruz do que o co gnit ivo , apresent ando um exe mp lo hist ó rico da práxis
libert ado ra e acrescent ando suas reflexõ es sist emát icas para eluc idar su a
co mpreensão da cruz e da mo rt e de Jesu s.

Vejamo s co mo Bo ff se apro pr ia da t rad ição t eo ló g ica, pr incip alment e do


pensament o t eo ló g ico co nt empo râneo , referent e à mo rt e na cruz. Par a ele, o
sig nificado dest e event o é mais u m caminhar ju nt o e so lid ar izar- se co m o s
in ju st içado s, do que u m preo cupar-se em dar grand es e inesp erado s co nt eúdo s
à elucid ação do o co rrido na cruz. De fat o , o mist ér io de Deus e a exp er iência
hu mana da do r não adqu ir iram luc idez t otal no s aut o res que ele analiso u.

Segu ndo Bo ff, a cru z é u m escândalo para a co mpreensão hu mana, seja


no amb ient e relig io so judeu, seja na especu lação filo só fica grega. Na cruz
enco nt ramo s u m Deu s qu e mo rre, u m Deus so lidár io co m o s qu e so frem,
so frendo t ambém, para libert ar do so fr iment o co m a int ro dução de u ma fo r ma
de amo r que se pro põ e assu mir a do r e a mo rt e.

O Deu s q ue so fre e mo rre na cruz é u m Deu s qu e ama. Est e amo r se


revela na sua in fin it a capacid ade de so lid ar iedad e. A cruz, co mo t est emu nha a
hist ó r ia da salvação , é o símbo lo d a cap acid ade d e recu sa do ho mem ao amo r.
E la afet a Deu s po rque sig nifica a vio lação de seu pro jet o hist ó r ico de amo r.
E la sig n ifica rebe lião e co nt inuação do reino do ho me m sem Deu s. Para Bo ff,
a cruz é a mo rt e de to do s o s sist emas.

Deus assu me a cruz em so lid ar ied ade e amo r co m o s qu e so frem na cruz.


A cru z não é amo r, nem é frut o de amo r, mas é o lugar o nd e se mo st ra aqu ilo
do que o amo r é capaz. Po rt ant o “A cruz não est á para ser co mpreend ida. E st á
28

aí para ser assu mida e andar no caminho do filho do Ho mem qu e a assu miu e
30
po r ela no s red imiu ” .

Iniciando su as reflexõ es s ist emát icas so bre o sig nificado da cruz e d a


mo rt e de Jesu s, no sso t eó lo go apresent a a hist ó r ia da práx is libert ado ra do Pe.
Car lo s Albert o 31, sacerdo t e nu ma das r eg iõ es de lat ifú nd io no Brasil.
Percebendo a resig nação e o fat alis mo do po vo , est e sacerdo t e desenvo lve u m
t rabalho de co nscient ização a part ir d e u ma reflexão so bre o Reino d e Deus.
Isso pro vo co u co nflit o s. O “po vo ” perdeu o s “pr iv ilég io s” q ue t inha ad qu ir ido
do s pat rõ es e Pe. Car lo s Albert o fo i ele mes mo preso e t ort urado , sendo
acusado de co mu nist a. S eu so fr iment o , segundo Bo ff, não é fat alidad e, mas o
resu lt ado do co mpro misso que ele assu miu em vist a de u m pro jet o libert ado r.

Para Bo ff, u ma causa just a t o rna o so fr iment o d ig no . A fé cr ist ã supõ e


que t udo no mu ndo est á dest inado a realizar a ut o pia do Reino de Deu s. A
práx is da fé neg a, po rém, t o do sist ema o presso r, fazendo co m que o esfo rço
hu mano e m vist a do Reino se realize d ent ro de um pro cesso de libert ação
hist ó r ica. Isso leva à inver são do s valo res do sist ema. Co mo mo st ra a h ist ó ria
hu mana, t o da práxis libert ado ra, inclu sive a de Jesu s, se mescla co m
so fr iment o , dor e mo rt e. Mesmo assim, t al práx is gera esperança e “pela
esper ança o pro fet a se r ecu sa a ace it ar qu e est e mu ndo seja o melho r po ssíve l.
O verdad eiro ho mem aind a não nasceu e devemo s aju dar a gest á- lo e fazê- lo
nascer na hist ó ria” 32.

Aq u i Bo ff q uest io na a t endência hu ma na em d ist o rcer a verdad e e


co nst ru ir sist emas que g eram exclu ído s e so fr iment o . Ele cr it ica t ambém o s
sist emas co nst ru ído s hist o r icament e e sua iner ent e incap acid ade em
co rrespo nder p lenament e às necessid ades do ho mem. O que surg iu na hist ó ria,
a saber, in ju st iça e so fr iment o , deve ser co mbat ido e r eduzido em seu s limit es
dent ro da mesma hist ó r ia.

30
Ibi d. , p. 144.
31
S obr e a a t ua çã o l i ber t a dor a do Pe. Ca r l os Al ber t o, c om o t a m bém a d e out r os c om os
qua i s Boff s e i den t i fi ca , c f . BOFF, Pai x ão, p. 145 – 150.
32
Ide m. , p. 153.
29

Bo ff, co nco rdando co m Jo n So br ino , d iz que a cruz de Jesus é


co nseqüência d e sua encar nação nu m mu ndo de pecado . Est e se revela co mo
po der co nt ra o Deus de Jesus. A cruz d eve ser ent end ida co mo so lid ar iedad e
de Deus qu e assu miu o caminho da do r hu mana, não para et ernizá- la, mas
para supr imi- la. O rejeit ado subst it u i e represent a o s pecado res do mu ndo ,
sem, po rém t er co met ido qualquer p ecado . O empenho da fé e do cr ist ian ismo ,
o rganizado co mo fo rça hist ó r ica, é o de t ornar cada vez mais impo ssíve l o
ó dio qu e ger a a cruz, não co mo v io lência que t udo impõ e, mas co mo amo r e
reco nciliação que a t o do s co nqu ist am.

Bo ff t ent a ent ão co mpreender o sig n ificado da cruz e d a mo rt e de Jesu s


desd e a d iver sidad e d as fo nt es qu e ao lo ngo da hist ó r ia fo ram pensando est a
pro blemát ica, sejam as do NT, sejam as d a t rad ição o u as da t eo lo g ia recent e.
A cruz é so lidar iedade de Deu s co m o s seres hu mano s, so lid ar ied ade qu e
desp ert a u m caminhar so lid ár io do s cr ist ão s ju nt o co m o s crucificado s da e na
hist ó r ia.

Est e Deu s so lidár io , que venceu a mo rt e na mo rt e de Jesu s e vive no


meio do s cr ist ão s co mo O Ressu sc it ado , é o que faz do cr ist ianis mo a relig ião
que celebr a u ma Presença.

1.4. A Ressurreição de Jesus.

A práxis de Jesu s r esu lt o u em su a mo rt e na cruz. O sig n ificado dest a


mo rt e, vist o desd e a per spect iva da t rág ica realid ad e de exp lo ração ,
marg inalização e mo rt e, é o que desvela o sent ido da ressurreição de Jesu s.
Co mo veremo s nas o bras de Bo ff qu e esco lhemo s ana lisar, o t eó lo go
brasileiro ent ende a r essurreição na AL co mo u ma exper iência de enco nt ro
co m o Ressu scit ado .

Segu iremo s aqu i o esquema da seção ant er io r: 1) análise do s t ext o s de


Sagrada Escr it ura qu e falam d a ressurreição de Jesus; 2) breve exame do qu e
30

o pensa ment o t eo ló g ico co nt empo râneo diz so bre o Ressu scit ado ; 3) reflexão
sist emát ica de Bo ff.

1.4.1. A Ressu rreição de Jesus no No vo Testam ento.

E m sua análise do s t ext o s do NT, Bo ff t ambém chama a at enção para a


singu lar id ade d a ressurreição e a p lu ralid ade de suas expressõ es. Tal
p lur alidad e co rrespo nd e às po lê micas que as co mu n idad es pr imit ivas
exper iment aram, o casio nad as em g eral po r mo t ivo s qu er ig mát ico s e
apo lo gét ico s. Há t rad içõ es d iferent es e cat ego rias var iadas p ara d escrever a
exper iência p ascal. A r essurreição gero u no s qu e hav iam seg u ido Jesus em
sua vida pú b lica u ma co nvicção que resu lt o u nu ma no va práx is, a das
t est emu nhas do Ressu scit ado , que cr io u a co mu nid ade pr imit iva e chego u at é
nó s.

Segu ndo no sso t eó lo go , o s exeg et as est ão de aco rdo que a pregação da


Igreja pr imit iva d eve ser bu scada nas fó rmu las pré-pau linas e pré-sinó t icas. A
est rut ura fo r mal d essas fó r mu las é r íg id a e é a mesma no s At o s e em 1 Co r
15,3b-5: a) Cr ist o mo rreu... fo i sepu lt ado ; b) fo i r essu scit ado (o u Deus o
ressuscit o u: At 2,24); c) segu ndo as Escrit uras; d) apar eceu a Kefas e depo is
ao s do ze (o u “E d isso nó s so mo s t est emu nhas”: At 2,32).

A idé ia do just o so fredo r, hu milhado e exalt ado po r Deus se dest aca


co mo u m t ema cent ral da cr ist o lo g ia ant ig a (Lc 24,26 ; Fl 2,6-11).

Segu ndo Bo ff, a ju lgar pela linguagem qu e o Jesus do Evangelho de Jo ão


ut iliza, a ressurreição é ent end ida co mo elevação e g lo r ificação , (um ir para o
Pai). Est a ling uag em no s leva ao t ema d o Messias, do Filho do Ho mem e do
Servo So fredo r que é exalt ado .

A ressurreição do s mo rt o s, id éia escat o ló g ica e apo calípt ica, er a


esper ada para o final do s t empo s. Bo ff d iz qu e: “Os apó st o lo s vira m na
31

ressurreição de Jesu s a realização de um fat o escat o ló g ico ” 33. A ident id ade


ent re o Crucificado e o Glo r ificado /Ressu scit ado era afir mada ( At 2,23; 3,15 ;
5,30).

Segu ndo Bo ff, o desap areciment o do co rpo de Jesu s (Mc 16,6 ; Mt 28,5 ;
Lc 24,3.12 ; Jo 20,2) levo u à ut ilização da expressão “arrebat ado ao céu 34” ( At
1,9-11.22; Mc 16,19 ; Lc 9,51; 1 T im 3,16 ; 1 Tes 4,16-17 e Ap 13,5).

A expressão “t erceiro d ia” (1 Co r 15, 3-5), co mo a expressão “segu ndo


as Escr it ur as”, são , segu ndo Bo ff, sinais de t eo lo g ização . É inút il, po rt ant o,
t ent ar ver ificar a exat idão das mesmas no s aco nt eciment o s.

Bo ff afir ma que há ind íc io s fo rt es d e que a ressurreição não é u m


pro duto da fé da co mu nid ade pr imit iva, mas o t est emu nho de u m imp act o que
lhes fo i impo st o . A co nvicção do s apó st o lo s vem d as t est emu nhas qu e at est am
o sepu lcro vazio e as apar içõ es do Senho r vivo .

O sepu lcro vazio pro vém de u ma t rad ição o rig inár ia de Jerusalém, e qu e
est á asso ciad a à t rad ição bíb lica qu e ident ifica o co rpo co m qualq uer fo r ma
da vid a. Os qu at ro evangelho s mencio nam o sepu lcro vazio e nenhu m
ad versár io das co mu nid ades nego u isso .

Na o p inião de Bo ff, desde cedo o s cr ist ão s dramat izaram a ressurreição


de Jesu s em t rês mo ment o s, a saber, “1) uma reco rdação (anamnese) da ú lt ima
no it e d e Jesus, po r o casião do ágape fr at erno ; 2) u ma lit urg ia d a sext a- feir a
sant a, na ho ra em que se celebrava m as o raçõ es jud aicas; 3) u ma ação
lit úrg ica na manhã d a pásco a, co m u ma vis it a ao sepu lcro de Jesu s” 35, est a
ú lt ima, em co nt inu idad e co m u ma t rad ição jud aica d e venerar o s t úmu lo s do s
pro fet as.

33
BOFF, R e ssurre i ç ão. p. 43.
34
Com o n o ca s o de Hen oc e E l i a s n o AT .
35
BOFF, R e ssurre i ç ãot , p. 47.
32

A t rad ição do sepu lcro vazio co lo ca- no s diant e de u m fat o ambíguo . “E le


não est á aqu i. Vede o lu gar o nde o depo sit ar am” (Mc 16,6 b). A amb ig ü idad e
que o sepu lcro vaz io su scit a fica bem cla ra po rque a pró pria Mar ia Madalena
int erpret o u o sepu lcro vazio co mo ro ubo (Jo 20,2.13.15).

A o r igem d a fé na ressurreição vem d as apar içõ es de Cr ist o . So ment e


algu mas t est emu nhas esco lh idas fo ram agraciad as co m est a exper iência. As
respo st as às mesmas é a pro fissão de fé na ressurreição de Jesu s. As apar içõ es
são descr it as co mo u ma presença real e carnal: Jesu s co me, camin ha co m o s
d iscíp u lo s, deixa-se to car e d ialo ga co m eles. Est a sua presença é t ão real qu e
ele é co nfu nd ido co m u m v iajant e (Lc 24, 15) co m u m jard ineiro (Jo 20,15), e
co m u m p escado r (Jo 21,4).

Ao mesmo t empo há afir maçõ es simu lt âneas q ue não se har mo nizam co m


est as represent açõ es: o Ressu scit ado não est á mais ligado ao espaço e ao
t empo . Ele ap arece e d esaparece. Co nt udo ver ifica-se u ma pro gressiv a
mat er ialização do fenô meno no s t exto s mais t ard io s de Lc e Jo ,
pro vavelment e pro cedent e da necessid ade apo lo gét ica.

Bo ff sust ent a que no co nju nt o do s t ext o s duas t endências fu ndament ais


são reveladas: Mt e Mc co ncent ram seu int eresse na Galilé ia; Lc e Jo ,
preo cupado s em afir mar a rea lidad e co rpo ral de Jesu s e a ident idad e do Cr ist o
Ressu scit ado co m Jesu s d e Nazaré, põ em ênfase e m Jerusalém. E st a
d iversid ade de enfo ques t eo ló g ico s deu o rig em às du as t rad içõ es.

A t rad ição da Galilé ia int erpret a a p ásco a de Jesu s co mo elevação ,


g lo r ificação e manifest ação do Filho do Ho mem (Dn 7,13s), empreg ando a
ling uage m apo calípt ica.

Uma t rad ição o riu nda do ho r izo nt e de co mpreensão do s leit o res e


o uvint es grego s ado t o u a linha da ressu rreição da car ne. Os enco nt ro s do
Ressu scit ado co m Mar ia Madalena (Jo 20,14-18; Mt 28,9-10) e co m o s
d iscíp u lo s de E maú s (Lc 24,13-35) t êm mot ivo s t eo ló g ico s e apo lo gét ico s. De
33

fat o , as narrat ivas deixa m bem claro par a o s leit o res a realid ade do Senho r
vivo e present e na co mu nidade.

Para o s t empo s pó s-apo st ó lico s, a fé na ressurreição se baseia na


pregação e no s sacrament o s (Bat ismo e Eucar ist ia), que t est emu nham e
to rnam pr esent e e vis ível o Cr ist o Ressu scit ado .

Apó s est e exame ráp ido do s t ext o s da Sagrada Escr it ura, que at est a m
u ma d iversid ade d e t rad içõ es e de cat ego r ias para falar da ressurreição ,
vejamo s co mo Bo ff d ialo g a co m alg u ns aut o res que t êm reflet ido so bre isso
na t eo lo g ia recent e.

1.4.2. O debate teológico sob re o Jesus Ressuscitado.

Bo ff d iv id e o debat e t eo ló g ico so bre a ressurreição em du as part es: a


aco nt ecida na t eo lo g ia pro t est ant e (Bu lt mann, Mar xsen e Pannenberg) ; e a
elabo rada p ela t eo lo g ia cat ó lica (a t endência t rad icio nal; a t end ência d a
exegese mo der na po sit iva; a t endência da exegese her menêut ica; e a po sição
de Schlet t e). Na análise qu e no sso t eó lo go faz dest e debat e, sua pr incip al
preo cupação é past o ral: co mo anu nciar ho je a ressurreição de Jesu s na AL?

Bo ff co meça apr esent ando a leit ura de Bu lt mann, para quem, ao falar mo s
da ressurreição de Jesu s não est amo s bu scando saber o que aco nt eceu
hist o r icament e co m Jesu s, mas o que aco nt eceu co m o s apó st o lo s. A
ressurreição não é u m fat o hist ó rico que po de ser ver ificado . Ela aco nt eceu
cert ament e, mas escapa ao hist o riado r, só sendo acessível p ela fé. Est a é,
segu ndo Bo ff, a t ese fu nda ment al de Bu lt mann co m r elação à ressurreição de
Jesus.

Para Bo ff, po rém, devemo s, à lu z de 1 Co r 15,3-8, pergunt ar-no s se a


lig ação da ressurreição co m a hist ó r ia é t ão irrelevant e co mo pensa Bu lt mann.
Os pr ime iro s cr ist ão s t est emu nharam que “Aquele qu e mo rreu e fo i sepu lt ado
é o que ago ra ressu scit o u” (1 Co r 15,3-4; At 2,23-24). Afinal, o s relat o s das
34

apar içõ es e do sepu lcro vaz io são co nvit es par a a fé, d emo nst rando o
fu nd ament o e a razo abilid ad e da mesma fé .

O segu ndo t eó lo go que Bo ff analisa é Mar xsen. Est e, segu ndo Bo ff, é
ainda ma is r ad ical do que Bu lt mann, po is d iz que a ressurreição não é u m fat o
real, mas u ma int erpret ação co nd icio nad a pela co smo visão apo calípt ica d a
épo ca. As apar içõ es que o s Apó st o lo s t iveram fo ram int erpret adas dent ro das
cat ego rias de ressurreição . O NT no s o fer ece, po rém, u ma o ut ra po ssibilid ad e
de int erpret ar as apar içõ es, co mo a que põe ênfase na missão de v iver e pregar
a causa d e Cr ist o . Mar xsen exemp lifica sua afir mação co m Pau lo , qu e
fu nd ament a seu apo st o lado no fat o de t er vist o o Senho r (1 Co r 9,1). A
ressurreição é u m mo do de falar e não algo que aco nt eceu. O co nt eúdo e a
verdade dest a expressão deve m ser mant id o s po r nó s, já q ue p ela Igr eja e pe lo
Evangelho a cau sa de Cr ist o segue ad iant e e no s at inge ho je co mo no co meço
do crist ian ismo at ing iu ao s d iscípu lo s de Cr ist o .

E m su a avaliação da t eo ria do Mar xsen, Bo ff pro põ e duas co rreçõ es.


Segu ndo ele, o co nce it o que o NT t em da r essurreição não co rrespo nd e
exat ament e ao co nceit o present e nas esperanças apo calípt icas do judaís mo
t ardio . Para o NT, diz no sso t eó lo go , a ressurreição é a passag em do mu ndo
present e ( hist ó r ia) ao mu ndo fut uro (met a-hist ó r ia), passagem qu e t ransfigur a
e at ualiza rad ical e t ot alment e as po ssib ilid ades do mu ndo present e. Cr ist o
não vo lt o u à vid a bio ló g ica na ressur reição . O que aco nt eceu é qu e o
Crucificado fo i exalt ado . Os Apó st o lo s fo ram surpreend ido s e do minado s p elo
imp act o do que aco nt eceu e sem ist o jamais t er iam pregado o Crucificado
co mo sendo o Senho r.

A o ut ra co rreção que Bo ff faz à le it u ra de Mar xsen d iz respeit o à


maneira co mo est e ent end e as narraçõ es das apar içõ es. Trat a-se, d iz no sso
t eó lo go , de aco nt eciment o s que imp act aram defin it iva ment e a vid a do s
Apó st o lo s e não de aco nt eciment o s vag o s e ind et er minado s, que exig ia m
reflexão e int erpret ação para serem decifr ado s. O uso do ver bo ophthe acent u a
a in iciat iva qu e vem d e fo ra e que ag iu co m fo rça so bre o s Apó st o lo s. E les
t iveram enco nt ro s co m Jesu s, que vive ag o ra so b o ut ra fo r ma. Ressurreição é
35

u ma met áfo ra que de fat o e de fo r ma ad equad a expr ime o enco nt ro pesso a l


do s Apó st o lo s co m Jesus v ivo . “Os t ext os do No vo Test ament o deixam claro
que pela ressurre ição aco nt eceu algo em Jesus e qu e isso pro vo co u a fé no s
Apó st o lo s e não v ice- versa” 36.

O t erceiro t eó lo go prot est ant e analisado p o r Bo ff é Pannenberg, que t e m


u ma co ncep ção da revelação co mo hist ó ria, o nde a Ressurreição aparece co mo
u ma int erpret ação das ap ar içõ es, send o insu bst it u ível t ambém par a nó s,
po rque at ing e o fat o hist ó r ico . Os Apó st o lo s deixaram de lado as met áfo ras do
mu ndo apo calípt ico para expr imir a realid ade da ressurreição , que é u ma no va
realidad e sem analo g ias d ent ro da hist ó ria. Se est e fat o só po de ser expresso
pela linguagem simbó lica e anu nciado por apar içõ es, ent ão o hist o riado r, ao
co nst at ar est as ú lt imas, at ing e t ambém o fat o manifest ado nelas: a
ressurreição . Se as ap ar içõ es po ssu em um car át er hist ó r ico , ent ão a
ressurreição t ambém o po ssu i.

E m su a avaliação de Pannenberg, Bo ff aco lhe a insist ência dada pelo


mesmo à ressurreição enquant o fat o hist ó rico e acrescent a u ma d ist inção ent re
o fat o d iret ament e h ist ó rico e o fat o ind ir et ament e hist ó r ico 37. Co nfo r me est a
d ist inção , a ressurreição ser ia ind iret ament e hist ó r ica, mas ver ificável d ent ro
da hist ó r ia, at ravés d as ap ar içõ es. Os Ap ó sto lo s, reflet indo so bre o sepu lcro
vazio e enco nt rando -se co m o Jesu s vivo que lhes apar eceu, pud eram
co nvencer-se e d izer: “Deu s o ressuscit o u do s mo rto s” (At 3,15; 4,10).

Apó s est a leit ura de algu ns t eó lo go s prot est ant es, Bo ff examina a
t eo lo g ia cat ó lica, bu scando ver co mo ela t em pensado recent ement e a
ressurreição de Jesu s. Para ele, é a po sição do Marxsen qu e cau so u o maio r
nú mero de est udo s e reflexõ es t eo ló g icas ent re o s t eó lo go s cat ó lico s. Co mo
d issemo s, esses est udo s deram o r igem a q uat ro grandes t end ências.

36
Ide m. , p. 28.
37
T ra t a -se da di st in çã o que E . Dh an i s fez n a r el a çã o c on cl usi va d o Si m pósi o i n t er na ci on a l
em Rom a sobr e a pr obl em á t i ca da Ressur r ei çã o. Cf . Ibi d. , p. 30.
36

A pr imeira t endência, chamad a d e t rad icio nal po r Bo ff, pert ence a


Gut weng er, Bu lst e Durrwell. Par a Gu t wenger a r essurreição é u m fat o
hist ó r ico se m mais, baseado na realidad e das apar içõ es. Bu lst se d ist ingue u m
po uco de Gut wenger, mas t em u ma po sição fu ndament alment e id ênt ica à de le.
Durrwell represent a u m No vum, no sent ido de pro po r u ma sist emat ização
impressio nant e d a fé na r essurreição , e suas ligaçõ es co m a r edenção , co m a
hist ó r ia d e Cr ist o , co m a Igreja e seus sacrament o s e co m a co nsu mação
celest e. A Teo lo g ia de S ão Jo ão est á no cent ro das reflexõ es d e Durrwell,
que po r isso é co nsid erado meno s exegét ico -cr ít ico . De fat o , o carát er
hist ó r ico da ressurreição não po de ser equ iparado co m o de o ut ro s fat o s
hist ó r ico s.

A segu nd a t endência analisad a po r Bo ff é, segu ndo ele, marcada pela


exegese mo der na-po sit iva. E la busca ver na r essurreição u m fat o de fé d a
Igreja pr imit iva, t ent ando desco br ir nest e fat o a influ ência do âmb it o cu lt ural.
Para est a t endência, a ressurreição é hist ó r ica e é elabo ração t eo ló g ica.
Sch mit t é co nsid erado u m d e seu s me lho r es represent ant es. Para ele, a
ressurreição era para o s Apó st o lo s u m fat o hist ó rico co mo a v ida e a mo rt e de
Cr ist o . “A ressurreição é co rpo ral, e é mais que u m fat o hist ó r ico . É a
“palavr a” d ecis iva do d iálo go qu e Deus co nduz co m o s ho mens, o argu ment o
pr incipal pelo qual Deu s quer co nvencer o s ho mens, de su a fid elidad e, de su a
“sabedo r ia” e de seu “po der”” 38. Para Bo ff, est a po st ura é insu fic ient e, po is
ela não respo nde às segu int es perg u nt as feit as ho je: co mo d evemo s ent ender o
que o s Apó st o lo s ent enderam o ut ro ra? Co mo vamo s pregar ho je a no vid ad e
dent ro de u m amb ient e cu lt ur al d iverso do no sso ?
A t erceira t end ência é, segu ndo Bo ff, mar cada pe la exeg es e
her menêut ica, para ela ressurreição é ind iret ament e u m fat o hist ó rico , que fo i
anu nciado dent ro das cat ego r ias d a ép o ca em qu e Jesus ressu scit o u. O
int eresse desse grupo é o de ver a gênese dest a fé e desco br ir a o r igem da s
vár ias t rad içõ es, o u seja, co mo o s t exto s que t emo s evo lu ír am. O fat o -
ressurreição se enco nt ra na o rdem do mist ér io , que ro mpe as cat ego r ias do
espaço e do t empo . Bränd le é u m do s represent ant es dest a t end ência. E le

38
Ibi d. , p. 33.
37

co nsid era a ressurreição co mo u ma aut ênt ica no va cr iação de Deus. Os quat ro


evang elho s relat am o fat o do sepu lcro vazio e são insist ent es em afir mar a
id ent idade ent re o Crucificado e o Ressu scit ado . O fat o decisivo p ara a fé na
ressurreição é co nst it u ído pelas apar içõ es, int erpret adas pe las cat ego rias
apo calípt icas e escat o ló g icas qu e o s d iscípu lo s t iver am à sua d ispo sição .

A q uart a t endência é, segu ndo Bo ff, pro t ago nizad a pela int erpr et ação de
Sch let t e. O pano de fu ndo dest a int erpret ação é co nst ru ído pelo co nceit o d e
“ep ifania co mo hist ó r ia”. A vid a de Jesus fo i a máxima ep ifan ia de Deu s.
Apó s sua mo rt e, o s discíp u lo s, nu ma reflexão ret ro spect iva e int erpret at iva
so bre a vid a passada de Jesu s, decifraram ali a máx ima revelação de Deus.
Isso levo u-o s à afir mação : “E le ressuscit o u verdade ir ament e”. Para Bo ff,
Sch let t e é fo rt ement e influ enciado po r Marxsen. Su a leit ura fo i
veement ement e co nt est ada.

A avaliação geral qu e Bo ff pro põ e de to das essas leit ur as é q ue a


quest ão não é afir mar o u neg ar de ant emão a ressurreição . Trat a-se de saber o
que se ent end e po r ressurreição , como as fo nt es neo t est ament ár ias a
int erpret am e co mo a t rad ição reflet iu so bre ela. A verdade cr ist ã per manece
viva e t em que ser t raduzid a nas vár ias lingu agens de no sso t empo . Vejamo s
co mo no sso t eó lo go ret o ma t udo isso nu ma reflexão s ist emát ica pró pr ia, cu ja
pr incipal preo cupação é a de anu nciar ho je a r essurreição desd e o co nt ext o da
AL.

1.4.3. O Cristiani sm o que celeb ra um a presen ça.

As reflexõ es sist emát icas d e Bo ff so bre a ressurreição de Jesu s est ão


sit uad as no ho r izo nt e hist ó r ico -cr ít ico . Suas análises neo t est ament ár ias e su a
leit ura das t end ências t eo ló g icas at uais já mo st raram alg u ns asp ect o s de seu
pensament o , cujo s t raço s po dem ser assim reto mado s e delineado s.

Na p luralidade das t rad içõ es qu e exist em no s t ext o s do NT que falam d a


ressurreição , enfat iza- se a co nt inu id ade ent re o Crucificado e o Ressu scit ado .
Evidencia- se t ambém qu e t udo aco nt eceu de aco rdo co m as E scr it uras (par a
38

se cu mpr ir as Escr it ur as). Bo ff assinala o papel impo rt ant e que a lit urg ia
dese mpenho u na pro fissão de fé na ressu rreição . A presença real do Senho r
Ressu scit ado , descr it a no s t ext o s, t em ao mesmo t empo u m ele ment o de
co nt inu id ade co m o Jesus de Nazaré e u m element o da desco nt inu id ade. Par a
as g eraçõ es po st er io res à g eração apo stó lica, a fé na ressurre ição baseia- se n a
pregação e no s sacr ament o s que to rnam visível a presença do Senho r.

Bo ff afir ma a h ist o ricidade d a ressurreição de Jesu s co nt ra t o das as


t endências esp ir it ualizant es. Para precis ar o co nceit o de hist o r icid ade, ele
ad mit e a d ist inção ent re: aco nt eciment o hist ó r ico d iret o e aco nt eciment o
hist ó r ico ind iret o . Temo s co nheciment o da ressurreição de Jesu s po rque
exist em t ext o s que fala m do t ú mu lo vazio e relat am as inú meras apar içõ es do
Senho r vivo ao s Apó st o lo s e às o ut ras pesso as que co nviver am co m ele ant es
da mo rt e. Segundo no sso t eó lo go , esses t exto s são u m co nvit e à fé e ao
mesmo t empo demo nst ram a razo abilid ade da fé na ressurreição de Jesu s.

O co nceit o de ressurreição no NT é mais avançado do que o da


apo calípt ica do ju daís mo t ard io . O t úmu lo vazio é u m símbo lo amb íg uo , mas
as apar içõ es dão cert eza à fé na ressurreição . Ao examinar o s relat o s da s
apar içõ es, percebemo s que a exper iên cia de enco nt ro co m o Senho r
Ressu scit ado sempre su scit o u a fé e desencadeo u u ma missão na vid a
daqueles que fo ram assim agr aciado s. Segundo Bo ff, a met áfo ra da
“Ressurreição ” é ad equada par a expressar a exper iência qu e t ant o imp act o u a
vid a do s Apó st o lo s.

A t eo lo g ia juda ica po st er io r ao exílio elabo ro u a ut o pia de Reino d e


Deus co mo u ma t ransfo r mação rad ical do s fu ndament o s do mu ndo . Essa
elabo ração co nt inha asp ect o s po lít ico s, pro fét ico s e sacerdo t ais. E la
apresent ava a no va realidade do Reino co mo algo tot alment e reco nciliado
co m Deu s, co m co nseqüências na co nv iv ência só cio -po lít ica da hu man idade.
À semelhança do mu ndo jud aico , o mu ndo helên ico t ambém era rep let o de
do utrinas d e libert ação , co mo o t est emu n ha a relig io sid ade greg a d e bu sca d e
salvação .
39

O t empo de Jesus er a caract er izado pela exp ect at iva messiânico -


escat o ló g ica. A expressão “Reino de Deus” 39, usada no s evangelho s sinó t ico s,
sig nifica u ma revo lução tot al e est rut ural no s fu ndament o s do mu ndo . Em seu
p leno sent ido , o advent o do Reino sig nificava a liq u idação do pecado , co m
to das as suas co nseqü ências no ser hu mano , na so ciedad e, e no co smo s, e a
t ransfiguração t ot al dest e mu ndo no mist ér io de Deu s. Os at o s po dero so s
( milagr es) de Jesus visam a mo st rar o Reino present e em no sso meio .

Os ju deu s se o puseram à realização có smica do Re ino co m a su a reje ição


de Jesus e d e sua mensagem. Deu s, po rém, t riu nfo u na fraqu eza e na
in fid elidad e do s seres hu mano s e realizo u o Reino na pesso a d e Jesus.
Or íg enes já d iz ia: “Cr ist o é a autobasil ei a tou Theou, ist o é, o reino de Deu s
realizado em sua pesso a” 40. A ressurreição de Jesu s é a realização t ot al d as
pot encia lidad es q ue Deu s co lo co u dent ro da exist ência hu mana. É a respo st a
defin it iva de Deu s, e Jesu s é o no vo Adão “no qual t o do s nó s so mo s
viv ificado s” (1 Co r 15,22).

A no vid ade do ho mem no vo (o no vo Adão ) co nsist e na p lenificação de


to do s o s d inamismo s lat ent es d ent ro da realid ad e hu mana de Jesu s 41. O
Ressu scit ado po ssu i u ma pr esença, não mais limit ad a ao espaço e ao t empo
palest inense, mas se est ende à t ot alid ad e da realid ad e. Quando Pau lo bu sca
expr imir isso , d izendo que o Ressu scit ad o vive ago ra na fo r ma de E sp ír it o ,
não pensa a inda, seg u ndo Bo ff, na Terceira Pesso a d a Sant íssima Tr indade.
E le p art e da co mpreensão jud aica do Esp ír it o que enche t o das as co isas (S l
139,7; Gn 1,2). O Ressu scit ado ago ra é O Kyrio s (Co l 1,15-20 ; E f 1,10) e o
plero ma (E f 1,23 ; Co l 2,9), ist o é, Aquele pelo qu al a t ot alidade do mu ndo
at inge sua p len it ud e e o t ermo de sua per fe ição . O Ressu scit ado , em su a
exist ência p neu mát ica, é t ot al presença em t o do o co smo s, e d e fo r ma mais
int ensa, na Igreja, seu co rpo (cf. Co l 1,8). Essa é a presença que o
Cr ist ian ismo celebr a.

39
Boff ch a m a at en çã o s obr e a oc or r ên ci a da expressã o “ Rei n o d e D eus” u sa da n um er osa s
vez es n o N ovo T est a m en t o, prin ci pa l m en t e n a boca de Je sus. Cf . Ibi d. , p. 58.
40
Ibi d. , p. 60.
41
A pr esen ça d o Ressu sci t a d o em n oss o m ei o d es en ca dei a t r an sfor m a ções
pl ur i di m en si on a i s, por ém Boff opt a p or exa m in ar a pena s o n os s o pr ópr i o fut ur o e a n os sa
pr ópr ia r essur r ei çã o n a sua obr a A Re ssurre i ç ão. Cf . Ibi d., p. 62.
40

A ressurreição de Jesus fo i, po rt ant o uma reviravo lt a pro fu nda qu e t iro u


to das as amb ig ü idad es que cercavam as at it udes e as p alavr as d e Jesus.
Segu ndo Bo ff: t rat a-se de u ma ut o pia hu mana que se t o rno u “to pia”.

A ressurreição de Jesus é o pano de fundo (co mo no NT) de t o da a


cr ist o lo g ia d e Leo nardo Bo ff. E la é a gr ande esp erança qu e anima a pr áxis
que resu lt a da fé em Jesu s. A mud ança no s d iscípu lo s fo i cau sada p ela
exper iência de enco nt ro co m O Ressu scit ado . A lit urg ia t eve u m p ape l
impo rt ant e na fo r mação e no cr esciment o das co mu n idad es pr imit ivas e esse
pro cesso co nt inua at é no sso s d ias. Os escr it o s que herd amo s são t est emu nho s
das co mu nid ades e seguem no s t ransmit indo u ma exper iência hist ó r ica. Est a
exper iência co nt inua se r epet indo , apesar da d ist ância no t empo . A cau sa d e
Jesus pro ssegu e em no sso s d ias nu ma realidad e de o pressão , po breza e
vio lência sem- sent ido .

1.5. Conclusão.

O t eó lo go brasile iro emp enha-se em fo r mu lar u ma respo st a adequ ada à


pergu nt a: “Qu em é Jesus para o s no sso s d ias?”. Sua respo st a é dada a part ir
da realid ad e lat ino -amer icana. Ant es de elabo rá- la, po rém, ele examina o s
mét o do s her menêut ico s em vo ga, só ent ão pro põ e u ma her menêut ica q u e
co rrespo nda ao Sitz im Leben do qual surg e sua t eo lo g ia.

Jesus co meço u a anu nciar a “pro ximid ade do Reino de Deu s” nu m cli ma
mar cado pela apo calípt ica e no ho r izo nt e da esperança escat o ló g ica. Sua
práx is, seu s milagres, su as curas e suas parábo las, sina lizam o Reino e
pro vo cam o po sição . Face a est a o po sição , que se cr ist alizo u na Galilé ia, ele
se d ir ig iu a Jerusalém, o nde fo i mo rt o na cruz.

A mo rt e fo i int erpret ada de vár ias maneir as e Bo ff ded ica co ns ideráveis


esfo rço s p ara analisar est a p lur alidade de int erpret açõ es, o pt ando pela
cat ego ria de “so lidar iedad e” co mo a mais sig nificat iva par a a AL ho je.
41

Bo ff analisa t ambém o s t ext o s da Sag rada Escr it ura que falam d a


ressurreição e in vest iga minucio sa ment e o debat e t eo ló g ico co nt empo râneo a
esse resp eit o , ant es de elabo rar suas reflexõ es sist emát icas so bre a
Ressurreição .

A ressurreição de Jesus é a expr essão da so lid ar ied ade de Deus co m o s


seres hu mano s. A exper iência d e enco nt ro co m o Senho r Ressu scit ado
desencadeo u a missão , que po r sua vez levo u à co nst it u ição de co mu nidad es
de fé. O t est emu nho d est as co mu nidades chego u at é no sso s d ias at ravés d as
Escr it uras e da práxis eclesia l. Na co nju nt ura at ual, a exper iência de enco nt ro
co m o Ressuscit ado desencad eia u ma no va práxis e u ma no va t eo lo g ização
(u m no vo engajament o ), po is a Ressurreição de Jesu s é a respo st a defin it iv a
de Deu s, e Jesu s é o No vo Adão , “no qu al t o do s nó s so mo s viv ificado s” (1
Co r 15,22).
42

Capítulo Segundo
A manifestação dos filhos de Deus:
A ressurreição na Cristologia de
Juan Luis Segundo

2.1. Considerações preliminares.

Juan Lu is S egu ndo , sacerdo t e jesu ít a, nasceu no Urugu ai em 1925 .


Co nclu iu o s est udo s clássico s em seu país, freq üent ando em segu id a a
facu ldad e de Teo lo g ia de Lo u vain ( Bélg ica), o nd e o bt eve, em 1956, a
licenciat ura. Fez depo is seus est udo s de do uto rado na França o nde, em 1963,
defendeu su a t ese. Fo i u m aut o r fecu nd o , t endo elabo rado u m p ensament o
o rig ina l, desde o co nt ext o secu lar izado de seu país. Mo rreu em 1996, ao s 7 1
ano s, em Mo nt evidéu. Sua reflexão é bast ant e d iferent e da de Bo ff e So br ino ,
que falam desde u m co nt ext o só cio -cu lt ur al ainda marcado pela relig ião .

Nest e est udo que far emo s d e seu pensame nt o , pr ivileg iaremo s sua ú lt ima
o bra: A Hi stó ria perdida e recuperada de Jesu s de Naza ré 42. Acred it amo s qu e
ela represent a o est ág io fina l e acabado de su a reflexão cr ist o ló g ica. No ssa
hipó t ese d e t rabalho é que a ressurreição para Ju an Lu is Seg u ndo é u ma
exper iência de enco nt ro que, na AL, deve desencadear u ma práxis libert ado ra.

Para o t eó lo go uruguaio , na AL fo i feit a u ma leit ura do s evangelho s qu e


durant e sécu lo s não achava nad a de errado na co exist ência d a po breza d a
maio r part e de sua po pu lação co m a o pu lência escanda lo sa de alg u ns po uco s.
Est a leit ura at é leg it imava o exercício do po der po lít ico repressivo co nt ra o s
po bres e em apo io ao s qu e acu mu lavam r iq uezas ileg ít imas, gerando nest a
part e do mu ndo as p io res sit uaçõ es de desigu aldad e do p lanet a.

42
SE GUN DO, Jua n Lui s. A Hi st óri a pe rdi da e rec upe rada de J e sus de Nazaré Sã o Pa ul o:
Pa ul us, 1997. Dor a va n t e ci t ar em os est a obr a da segui n t e m an eir a: Hi st óri a.
43

Co nt ra est a t endência gener alizada, Juan Lu is Segu ndo faz u ma rele it ur a


po lít ica do s evangelho s sinó t ico s e u ma releit ura ant ro po ló g ica do s pr imeiro s
o it o cap ít u lo s d a Cart a de São Pau lo ao s Ro mano s 43. E le busca, co m isso ,
superar as “imagens alienant es” de Deus e de Jesu s Cr ist o que sempr e
est iveram present es na vid a eclesia l. Vo lt ar a Jesus d e Nazaré e à sua práxis
libert ado ra é o caminho qu e o s cr ist ão s da AL devem empr eend er.

Ideo lo g ia é u m do s co nceit o s chaves no pensament o t eo ló g ico de Jua n


Lu is Segu ndo . O auto r ded ica espaço co nsid erável na int ro dução geral d a o br a
acima mencio nada, para exp licit ar o sig nificado e a impo rt ância dest e
co nceit o . Engajado no d iálo go co m mar xismo , o t eó lo go uruguaio faz d iver sas
o bser vaçõ es ant es d e pro por uma defin ição de id eo lo g ia.

A pr imeir a o bser vação que ele faz acerca da ideo lo g ia é que ela o põ e-se
ao co ncret o e ao exat o da ciência e po r isso “caem para o lado id eo ló g ico , não
apenas a mo ral, a relig ião e a met afís ica, mas t ambém a filo so fia, a est ét ica, o
d ireit o e a po lít ica” 44. Em seg u ndo lugar, a id eo lo g ia é a “co nsciência”
daqu ilo que o co rre na at ividade hu mana, o que o mar xist a refere ao p lano d a
pro dução . Em t erceiro lug ar, essa “co nsciência” t em pret ensõ es de verdad e
que não lhe co rrespo ndem. É o aspect o mais decis ivo . E m q uart o lugar, essa
“fa lsa co nsciência” so cial se baseia no int eresse do s que “do mina m a
so ciedad e t êm em que se ig no rem as mo las que regem a est rut ura da pro dução ,
em seu pró pr io benefício ” 45.

Em sua d efin ição de id eo lo g ia, Juan Lu is Segu ndo levant a a


po ssib ilidade de se usar est e t ermo não necessar iament e de fo r ma pejo rat iva.
Ist o se percebe t ambém nas Co nclu sões f inais do Do cu ment o de Puebla 46. Em

43
Pr et en dem os fa z er a pen a s a l usões a e st e e st ud o da ca r t a a os Rom a n os, ext r a in do del e o
que c on cer n e a r essur r ei çã o, já que n ossa i nt en çã o é a pen a s el uci da r a n ova ch a ve d e
l ei t ur a par a a Cr i st ol ogi a l a t in o-a m eri ca na (a ch ave pol í t i ca ) que o a ut or i ntr oduz .
44
SE GUN DO, Op. c i t. , p. 60.
45
Ibi d. , p. 60.
46
“T oda i de ol ogi a é pa r ci a l , uma vez que n enh um gr upo par t i cul ar pode pr et en der
i den t i fi ca r sua s a spir a ções c om a s da soci eda d e gl oba l . Um a i deol ogi a s er á , poi s, l egí t i ma ,
se os i n t er esses qu e d e fen de sã o l egí t i m os e se r esp ei t a os di r ei t os fun da m en ta i s dos
dem a i s gr upos da n a çã o. Ness e s en t i do posi t i vo, a s i deol ogi a s a pa r ecem c om o n ec es sá r i a s
pa ra o que fa z er s oci a l , en qua nt o sã o m edi a ç õe s pa ra a a çã o” . Pue bl a , Conc l usõe s f i nai s,
n . 535.
44

segu id a, ele d efine a id eo lo g ia co mo o sist ema daqu ilo que co nst it u i u ma


eficácia o bjet iva que est á a ser viço de um deve-ser. A ideo lo g ia, em v irt ude
da su a defin ição , é incapaz de d ar ao ho mem u ma est rut ura de sent ido para a
exist ência, ass im co mo o faz a fé.

O aut o r reco nhece a po ssib ilid ade de a ideo lo g ia su bst it u ir a fé e


in filt rar- se na relig ião . Aqu i a saída pr o po st a é resu mid a em “aprend er a
aprender ” 47, expr essão que caract er iza a her menêut ica q ue Juan Lu is Segu ndo
pro põ e para fazer t eo lo g ia na AL em seu co nt ext o hist ó rico at ual.

Fala-se em não per mit ir a ent rada d as id eo lo g ias na relig ião . O t eó lo go


uruguaio afir ma que u ma relig ião sem ideo lo g ias é u ma pret ensão que não se
ju st ifica pelas segu int es razõ es. E m pr ime iro lugar, se a fé, po r si só ,
apresent ar to do s o s element o s ideo ló g ico s necessár io s para realizar o dever-
ser que ela repr esent a, o sist ema de eficácia ficará necessar iament e fixo . E m
segu ndo lugar, a co nseqüência de enfat izar o s per igo s exist ent es em ut ilizar
element o s ideo ló g ico s pro venient es de o utras fo nt es que não são as d a pró pr ia
fé é co lo cá- la nu ma esp écie de alt er nat iva inu mana. Co mo exemp lo , Juan Lu is
Segu ndo cit a a AL, co nt inent e cr ist ão o nd e a “imensa maio r ia do s ho mens
co nt inua vivendo na mais inu mana das co nd içõ es” 48.

E m no sso est udo examinaremo s co mo a chave po lít ica, ap licad a à


releit ura do s evang elho s sinó t ico s, e co mo a chave ant ro po ló g ica, ap licad a à
releit ura do s o it o prime iro s cap ít u lo s da cart a ao s Ro mano s, co nt r ibuem p ara
u ma mudança d e per spect iva na co mpreensão do cr ist ianis mo na AL.
Co meçaremo s co m a análise d a práxis de Jesus, pro po st a por no sso aut o r, e a
co nseqüência que ela pro vo co u: a mo rt e d e Jesus. E m segu id a, veremo s co mo
o t eó lo go uruguaio ent ende a ressurreição . A exper iência de enco nt ro co m o
Ressu scit ado fo i u m event o t ransfo r ma do r para o s d iscíp u lo s, ist o é, u m
mo ment o de p assar do simp les “ver” ao “crer ”, o que acarret o u grand es
co nseqüências p ara a co mu n idad e nascent e. Juan Lu is Segu ndo pensa que as

47
Ibi d. , p. 89.
48
Ibi d. , p. 96.
45

mud anças necessár ias à práxis do s cr ist ão s lat ino -amer icano s d evem fu ndar-se
nest a exper iência d e enco nt ro co m o Ressuscit ado .

2.2. Jesus de Nazaré, um político.

Para o t eó lo go uruguaio , o s evangelho s sinó t ico s no s apr esent am u m


Jesus d iferent e do que a relig ião cr ist ã co st uma mo st rar. Est e Jesus d iferent e
se revela quando se u sa u ma chave d e co mpr eensão d iferent e daquela que a
t eo lo g ia t rad icio nal t em usado na leit ura d o s sinó t ico s. A no va chave pro po st a
po r no sso auto r é a po lít ica.

Os relat o s do s evang elho s no s apresent am a práxis de Jesus sit u ad a


hist o r icament e nu m ho r izo nt e de expect at iva iminent e da parusia. Par a Jua n
Lu is Seg u ndo , est e ho r izo nt e levo u à d eificação da figur a de Jesus po uco
t empo depo is da ressurreição 49.

Na análise que se segu e, to maremo s nu m pr imeiro mo ment o , a releit ur a


que no sso auto r faz do s sinó t ico s usando a chave po lít ica. Nu m segu ndo
mo ment o , veremo s co mo est a análise no s mo st ra Jesu s reve lando a imagem d e
u m Deus qu e faz su a o pção pelo s po bres.

2.2.1 Jesus, o profeta do Reino.

Para co meçar, Juan Lu is Segu ndo co nt ext ualiza a o bra de Jesu s d e


Nazar é. Co nfo r me o s evangelho s, d iz ele, Jo ão Bat ist a era o pro fet a qu e
anu nciava a ira vindo ura d e Deus. Ap ó s sua pr isão , Jesu s, que er a seu
d iscíp u lo , assu miu o vazio deixado pelo mest re, mas dando a seu min ist ér io
u m ru mo pró pr io (Mc 1,14). Ele anu ncio u a pro ximid ade do reinado de Deu s
não co mo ir a, mas co mo alegr ia. Para o t eó lo go uruguaio , o s pr incipais t raço s

49
A t es e de fun do d e Jua n Lui s Segun do é que exi st i u um a t en sã o na com un i da de pri m it i va
en tr e um Jesu s “h um a n o” e um Jesus “di vi n o” . Pa ra el e, Pa ul o l ut ou c on t r a a t en dên ci a de
di vi n i z a çã o de Je sus, c om o a pa r ec e n os pr i m ei ros oi t o ca pí t ul os da ca r t a a os Rom a n os. O
Apóst ol o si t ua a obr a de J esu s n a h i st ór ia de Isr a el pa r a , em segui da , en fa t i z ar a
n eces si da de de n ã o esqu ec er o “J esu s de Na z a r é”, m esm o qua n do a com un i da de vi ve a vi da
dos “r es sus ci t a dos” . O s si n ót i c os, que sã o cr on ol ogi ca m en t e p ost er i or es à ca r t a a os
Rom a n os, evi d en ci a m o êxi t o que a t en dên ci a divi n i z an t e obt e ve.
46

da pregação de Jesus são : 1) o reinado (go ver no ) de Deu s é pró x imo . Isso é
u ma “bo a no t íc ia” e causa alegr ia; 2) o s dest inat ár io s dest e anú ncio são o s
po bres; 3) so ment e a eles é anu nciada est a bo a no t ícia; 4) o anú ncio não é
esco nd ido do s demais, mas não é para eles u ma bo a no t ícia.

A bo a no t ícia é a iminent e felic idade p ara o s po br es (Mt 4,17 e par ;


12,28; Mc 13,29 e par ; Lc 17,21). E la n ão t em nad a a ver co m a v irt ude o u
co m o mér it o deles. Est a pr io r id ade dad a ao s po br es é po lít ica. E la se fu nda
na co nd ição so cial em q ue eles se enco nt ram. Se esse p lano é realist a, su a
realização sig nifica que o s po br es serão t irado s d a inu manid ade em que se
enco nt ram. A co nt rapart id a d isso , porém, é u m “Ai d e vó s r ico s!”.

O t eó lo go uruguaio o põ e-se à po sição de Bu lt mann, par a quem a cheg ad a


do Reino de Deu s é u m aco nt eciment o que será levado a cabo po r Deu s
so zinho , sem a aju da do s ho mens. Nest e caso , d iz Ju an Lu is Segu ndo , a
hist ó r ia co mo t arefa par a a liberdad e hu mana não t em sent ido d iant e do
anú ncio escat o ló g ico de Jesus.

Jesus t em u ma ling uagem icô nica 50 e seu est ilo de vid a é o do s pro fet as.
Isso é impo rt ant e e decis ivo para ent end er su a mensagem e o impact o que a
mesma pro vo co u. É po ssível u sar u ma chave po lít ica par a int erpret ar a
hist ó r ia d e Jesu s? A respo st a co st umeir a é negat iva. No sso t eó lo go pensa,
po rém, que o co nflit o t razido po r Jesu s, que o põ e o s grupo s que int erag ia m
ent re si na est rut ura so cial de Isr ael, a saber, po bres e r ico s, marg inalizado s e
favo recido s, mo st ra que su a mensagem e sua práxis er am po lít icas.

Na o p inião d e no sso t eó lo go , a afir mação de que Jesus é fu ndado r de


u ma relig ião é u m pressupo st o her menêut ico falsificado r. Tal po sição , d iz ele,
supõ e qu e a chave po lít ica d e int erpret ação exclu i o r elig io so . Ora, não é
50
Apr esen t a m os a segui r, na s pa la vr a s do pr ópri o a ut or , a di fer en ça entr e a l in gua gem
di gi t al e a i c ôni c a: “O voca bul á r i o a bst r a t o, que fa l a de va l or es e os di st i n gue entr e si – e
que é a l in gua gem que den ot a e descr e ve e é m a i s usa da n a ci ên ci a – é a di git al . É
excl usi va do h om em (fa l a n do em t er m os ger a i s), m a s est e n ã o a usa de m an eir a excl usi va .
De fa t o, o h om em t em em com um com os a n im a i s out r a l in gua gem que con si st e em
a pr esen t ar a “i ma gem ” da qui l o que quer com un i ca r, especi a l m en t e a t it udes de
r el a ci on a m en t o com os dem a i s. Por ser uma lin gua gem fei t a de i m a gen s e de con ot a ç ões
m í m i ca s, ch am a -se i c ônic a” . SE GUNDO, Op. c i t ., p. 43-44.
47

assim qu e Deu s se revela a Davi o u ao pr o fet a Oséias. O q ue enco nt ramo s e m


Davi, po r exemp lo , é a simpat ia co m q ue Deus seg ue seu s passo s. Isso t em u m
sent ido po lít ico . Já em Oséias a chave é mat rimo n ial.

To da a Bíb lia é u ma co leção de imag ens de Deu s que exig em u ma


co mpreensão da d imensão “hu mana” que est á na base de cada u ma delas. A
d imensão “relig io sa” não co nst it u i u m t ema a ma is em no ssas vidas, mas u ma
elevação ao t ranscendent e do s t emas o u d imensõ es qu e int eressam ao s
d iverso s níveis da no ssa exist ência. O que po de escand alizar, segu ndo o
t eó lo go uruguaio , é que Jesu s viveu a sua vid a co mo u m bo m po lít ico e qu e o s
co nflit o s po lít ico s “desencadeado s po r ele seja m a pr inc ipal “ling uag em” v iv a
co m a qual se co mu nico u co m o s ho mens a respeit o de Deu s 51” .

Para Juan Lu is S egu ndo , o erro que freqüent ement e se co met e co m


relação à co mpreensão de Deu s é o de não se perceber que a d enú ncia qu e
Jesus faz em no me de Deu s não t em co mo met a, em pr ime iro lug ar, o que o s
ro mano s fizeram na P alest ina, mas a est rut ura só cio -po lít ica fechada, e
mant ida po r u ma t eo cracia palest inense.

A pr io r idad e do “iminent e” go ver no de Deus é a reve lação pro fét ica de


co mo o co ração divino vê e sent e o que est á aco nt ecendo ao ser hu mano e m
Israel. Jesu s, per feit o ho mem, ho mem p leno , só po de expressar d e mo do
icô nico sua fé ant ro po ló g ica 52, que é t ambém a fé relig io sa, at ravés d e u ma
id eo lo g ia. As o br as “po dero sas” q ue ele realizo u supr iram as necessidad es
imed iat as do po vo , mas su as p alavr as, so bret udo as o r iu nd as do ensinament o
em p arábo las, revelaram u m Deu s d iferent e do que supo st ament e su st ent ava a
o rdem vig ent e. A ú nica vant agem da chave po lít ica, do po nt o de vist a d e
no sso auto r, é que fo i a chave usada po r Jesu s.

51
Ibi d. ,. p, 171.
52
“ Fé ant ropol ógi c a, i st o é, a quel a que est r ut ur a t od o o pr oced er hum an o, seja est e
r el i gi oso ou n ã o” Ibi d., p. 32.
48

2.2.2. Jesus e a opção (políti ca) de Deu s pelos po bres e pecado res.

Usando a chave po lít ica para mo st rar q ue no Nazareno , Deu s faz u ma


o pção pelo s po br es e pecado res, o t eó lo go uruguaio faz u ma rele it ura das
parábo las. Jesus só falava ao po vo em p arábo las (Mc 4,34 ; Mt 13,34). Est as
est abelecem o parale lo ent re o plano d ivino e o reino que Jesus encar nava. A
maio r ia delas fo i d it a nu m co nt ext o de po lêmica, co mo resu lt ado da ação
po lít ica de Jesu s. Mu it o s exeg et as não percebem que o fio co ndut o r dessas
d iscu ssõ es cr ít icas é d e o rdem po lít ico -relig io sa, co mo era po lít ico -relig io sa a
aut o ridad e que po ssu ía m o s ad ver sár io s de Jesus. Ist o se percebe em fat o s
ext erno s às pró pr ias parábo las e na semân t ica que as mesmas inst auraram. As
aut o ridad es de Jerusalém t iveram medo d o po vo , po r isso , eram prudent es na
ação co nt ra Jesu s ( Mt 21, 45-46 ; Mc 12 ,1-12). Na bo ca do s ad versár io s d e
Jesus, o s que o segu ia m o u aqu eles a q uem ele anu nciava a bo a no t ícia do
Reino , eram “pecado res”, mu it o s do s quais er am “po bres”. Est a prát ica é u ma
id eo lo g ia e u ma po lít ica para enco br ir e just ificar u ma p eno sa realid ade.

Juan Lu is Segu ndo d iv ide as p arábo las, qu e em sua t ot alid ad e


apresent am o reino em imagens, em qu at ro cat ego rias: 1) as qu e anu ncia m o
reino qu e vem; 2) as q ue fa lam que est e reino vem p ara o s po bres; 3) as q ue
mo st ram q uem são o s verdad eiro s p ecado res de Israe l; 4) as que denu nciam o
pecado a part ir de u ma leit ura inu mana da Lei de Deu s. Co m isso ele bu sca
mo st rar que o Deus de Jesus faz u ma o pção preferencial p elo s po bres 53.

A primeira série da s parábo las apo nt a a resist ência que cert o s ant i-
valo res o põ em ao reino que Jesu s anu ncia. Cert ament e essas par ábo las se
d ir ig em a u m grupo de pesso as qu e se sent em pro t eg idas co nt ra a vind a do

53
E st a a pr esen t a çã o c om o um esboç o de um ca pí t ul o da obr a (Hi st óri a, p. 187-214) vi sa
som en t e a r essa l t ar o cun h o pol í t i co da a n ál i se que o a ut or ur ugua i o fa z . Apr esen t ar em os a
a ná l i se m a i s det a lh a da dest a s pa r á bol a s n o ca pí t ul o IV, qua n do t r a tar m os da c om pr een sã o
de Deu s vei cul a da pel a Res sur r ei çã o de J esus. P or ém quer em os pr e ven i r o l ei t or desde já
que: 1) a i ma gem de Deus que s e en c on t ra n a obr a t eol ógi ca do Jua n Lui s Segun do n ã o é
fun da m en ta da som en t e na aná l i se da s par á bol a s; 2) a s pr ópri a s par á bol a s r evel a m um a
i m a gem de Deus que t em con t or n os m a i or es do que os el em en t os que i n cl uí m os em n oss o
est ud o.
49

reino (Lc 1 2,16-21 ; 16,19-3 1 ; Mt 24,42-43; 45-51 par ; 2 5,1-12 par ; Mc 13,34 ,
et c.).

A segunda série de p ará bola s ga rante a po sse do reino ao s po bres.


Jesus, apo iando -se na ideo lo g ia do s ad versár io s, par ece aceit ar u m Isr ael
d ivid ido em do is grandes grupo s: o s o presso res e o s o pr imido s (Lc 14, 8-10 ;
15,4-7; 15,10-32 ; Mt 22,10; et c.).

A tercei ra séri e de pa rábola s dá um no vo passo ru mo ao


desmant ela ment o da ideo lo g ia relig io sa q ue enco bre e ju st ifica a o pressão do s
po bres em Israel ( Mt 20,1-15; 21,28-31 ; Lc 13,6-9 ; 18,9-14 ; Mc 12,1-11 par.,
et c.).

A qu arta série d e parábola s põe em dest aque o pecado o riu ndo de u ma


leit ura inu mana d a Lei de Deu s. Juan Lu is Segu ndo faz u ma leit ur a o r ig ina l
da parábo la do ad min ist rado r infiel ( Lc 16,1-9), mo st rando co mo t al
perso nagem faz o que ho je chamar ía mo s de “o pção pelo s po bres”, quando ,
nu m mo ment o de cr ise, decid e se ent regar à mercê do s seu s co mpanheiro s 54.

O cr it ér io do reino é qu e o s ma is necessit ado s seja m aju dado s a


recuperar sua hu man idad e, co meçando pelas necessid ades mat er iais mais
urgent es e não pelas mais alt as. – Quem é meu “pró ximo ”? Pergu nt a o leg ist a
a Jesus (Lc 10,25-37). E m vez de respo nd er quem é o pró ximo segu ndo a le i,
Jesus ind ica de qu em devo ser pró ximo ant es de co nsu lt ar a lei.

O t eó lo go uruguaio t em duras cr ít icas co nt ra a fo r ma t rad ic io nal de ler e


int erpret ar as parábo las d e Jesus na AL. Segu ndo ele, g ero u-se e mant eve- se
u m sist ema so cial in just o e o presso r durant e sécu lo s co mo resu lt ado dest a
leit ura e ago ra é urgent e rever a o pção her menêut ica. Não se p enso u qu e
exist isse algu m pro blema d e inco mp at ibilid ade ent re a leit ura t rad icio na l “e a

54
E st e es boç o, por m a i s i n com pl et o que s eja , r e vel a a est r ut ura de um a a çã o p ol í t i ca n a s
pa rá bol a s: 1) J esu s pr i vi l egi a um a cl a sse e i ss o oca si on a r esi st ên ci a em out r a cl a sse; 2 )
sua m en sa gem é uma i deol ogi a que vi sa a des m an t el ar a i deol ogi a dom i n an t e; 3) i st o
n eces sa r i am en t e exi ge um a opçã o dos seu s ou vi n t es.
50

mo rt e de milhares de pesso as pro vo cada pelas est rut uras po lít icas e
eco nô micas d a so ciedad e o nde esse E vang elho – o mesmo que analisamo s
aqu i – era relido e co ment ado , durant e geraçõ es, à imensa maio r ia d a
po pu lação ” 55.

E m su a bu sca o u preparação para a vinda do reino , Jesus ag e exat ament e


co mo ag iram, ant es d ele, p erso nagens co mo Davi, E lias et c. E le não se
impo rt a em vio lar as prescr içõ es d a le i quant o à o bser vância do sábado , se
isso imp licava o bem do s aflit o s ( Mt 12,5). Nest a at iv idad e benfeit o ra d e
Jesus, po de ser det ect ada a presença de Deus e a presença de S eu p lano na
hist ó r ia. Segu ndo no sso t eó lo go , é isso que Jesus r evelo u quando falava do
dedo de Deus e do s sina is do s t empo s.

A int erpret ação que Ju an Lu is S egu ndo faz das p arábo las, não deix a
nenhu ma dú vid a quant o à co mpro vação de su a t ese. E le afir ma t er Jesus ag ido
po lit icament e, e que o Deus que ele revela não simpat iza co m o s q ue
sust ent am a o rdem est abelecid a. Pelo co nt rár io , Jesu s, co m su a práxis
decid id a, sina liza a mu dança e u ma no va d ireção . Nest a alt ura examinar emo s
as co nseq üênc ias dest a práxis.

2.3. Jesus e o conflito que sua práxis política desencadeou.

Juan Lu is Segu ndo , segu indo a o r ient ação da Td L, qu e analisa as


co nseqüências do lo ro sas da pr áxis d e Jesus ant es de reflet ir so bre a
ressurreição , pro põ e u ma leit ur a dest as co nseq üênc ias seg u indo o s segu int es
passo s: 1) as t o mad as de po sição que a pr áxis d e Jesus pro vo co u; 2) o pro jet o
hu man izado r de Jesu s; 3) as fo rças do Reino ; 4) o s limit es d as fo r ças do
Reino ; 5) a cr ise da Galilé ia; 6) o s t ext o s de anú ncio da mo rt e de Jesu s.

2.3.1. As tom adas de posi ção que a prá xi s de Jesus p rovo cou.

No sso t eó lo go mo st ra que a pr áxis de Jesus cau so u u m agrupament o


ent re seus o u vint es. O grupo do s det ent ores do po der sent iu-se ameaçado pelo
pro fet a de Nazaré. Passad a a eu fo r ia in icial, a missão de Jesu s fracasso u na

55
SE GUN DO, Op. c i t. , p. 215.
51

Galiléia e E le se d ir ig iu a Jeru salé m, o nd e u ma co nverg ência de int er esses


po lít ico s e relig io so s to rno u po ssível o seu assassinat o .

De fat o , a pregação em parábo las e as p r incip ais po lêmicas pro vo cad as


po r Jesus fo r mavam u m t o do crescent e. Vão se fo r mando t rês grupo s ent re
seu s o u vint es: 1) o s de “fo ra”; 2) o s de “dent ro ” o u o s que recebem co mo
graça “o s segredo s do reino ”; 3) o po vo , u m grupo cu ja int elig ência se aju st a
às parábo las.

2.3.1.1. Os de fora

O pr ime iro grupo se to rna ad versár io de Jesu s. A ele fica sem exp licar o
sent ido ú lt imo d as parábo las (Mt 13,13). “No Ant igo Test ament o , quando
Deus qu er apressar u ma mudança benfe it o ra para seu po vo , não é raro que sua
pro vidência apar eça precisament e acelerando a det er io ração da sit u ação
ant er io r” 56. Acent uar u m co nflit o para co nsegu ir u ma so lu ção mais pro fu nda e
durável é u ma ar ma po lít ica. A fo rça da argu ment ação pro fét ica de Jesu s é a
razão pela qua l seus ad ver sár io s se mo st raram u nanima ment e o po sto s ao amo r
hu man izado r e co mp assivo de Deus man ifest ado nele.

2.3.1.2. Os d e “d entro ” ou os que receb em com o graça “os seg redo s d o


Reino”‘.

Para o seg u ndo grupo , as par ábo las não co nst it uem pedaço s d isp erso s d e
ensina ment o s mo rais, mas um co mp lexo e co mpact o mecanismo
ant iideo ló g ico po sto a serviço do s po bres o u “pecado res”, o s beneficiár io s do
reino . “Jesu s quer u nir seus d isc ípu lo s não apenas à sua p esso a, mas à sua
at iv idad e e, po r isso mesmo , esse co nflit o é necessár io para que o reino t enha
sent ido em I srael” 57. Eis aqu i o dest ino e o sent ido do disc ipu lado . Jesus e
seu s d iscípu lo s co nst it uem u m t o do , uma co mu nidade d e pro fet as. O pro fet a é
aquele que pro fere u m “segredo ” d iv ino de p lano s e pro jet o s hist ó rico s do
Deus d a miser icó rd ia e da fidelid ade. O dest ino do pro fet a é ser silenciado .

56
Ibi d. , p. 231.
57
Ibi d. , p. 233.
52

S ilenciar o pro fet a é a at it ude ló g ica daqueles que pro sper am co m essa
sit uação vig ent e, o dio sa para Deus. Daí a t radição exist ent e em Israel de qu e
to do s o s pro fet as haviam sido persegu ido s e mo rto s de fo r ma vio lent a.

2.3.1.3. O povo.

O t erceiro grupo era co nst it u ído pela grand e maio r ia do s po bres,


marg inalizado s e (supo st o s) pecado res de Israel. Dent ro dest e grupo , a
ad mir ação e reação d iant e do s ensinamen to s de Jesu s pro vam q ue, em grande
part e, o po vo co mpreend ia em grandes linhas o cer ne de sua mensag em. S e
esse grupo ent end e mal algu ma co isa, a po nto de querer fazê- lo rei, co mo
t alvez ins inu asse o s sinó t ico s e o exp licit a Jo ão (6,15), não era po rque se
enganasse em seu mo do de co nceber o Rei q ue t er ia o reino , mas po rque
est ava t irando co nclu sõ es prát icas, embo ra premat uras.

2.3.2. O projeto hum anizador de J esu s.

No pro jet o hu man izado r de Jesu s, que é a revelação do co ração de Deus,


a cruz não é u m enig ma ext er io r, nem u m cr ime ent re o ut ro s. Ela já est ava
lat ent e no s pr imeiro s passo s da preg ação do pro fet a Jesu s da Galilé ia.

Ap arent ement e Jesu s nad a exig ia do po vo durant e seu min ist ér io . O reino
era d est inado a est e po vo precisament e p o rque sua sit uação inu mana o fazia
so frer. Apag ar est e so fr iment o era a pr imeir a pr io r idade do Rei que chegava.
O Deu s de Jesu s é u m bo m po lít ico . Não ju lga o ho mem enqu ant o esse não
po ssa ser verdad eiro ho mem. O reino vem para devo lver ao ho mem a su a
hu man idade. Ant es de mais nada, o s po br es são o bjet o do reino . E na mesma
pro po rção , o reino não lhes exig e nada dec isivo . Vem ju st ament e par a
co nvert ê- lo s em su jeit o s p leno s.

2.3.3. As prio ridades do Reino e sua s forças.

Jesus vem co m aut o ridad e par a fazer e ensinar. A est e “fazer” chama mo s
ho je de “milagres”. E le põ e em evid ência as fo rças do reino . Jesu s t eve
53

po deres ext rao rd inár io s para aliv iar o s males e curar as do enças, po deres qu e
uso u de mo do especial co m o s mais po bres e necessit ado s. E le fez isso par a
anu nciar- lhes fided ig nament e a pro ximidade e at é a presença do reino d e
Deus.
Jo ão usa p alavras co mo : sina is, sinal, sig na, dyna mei s et c. para falar do s
milagres d e Jesu s co mo algo impo rt ant e de sua mensag em. Os sinó t ico s
mo st ram a ma io r ia do s milagres co mo fazendo part e de u ma lut a ent re do is
po deres: o po der daquele qu e t em mu it o s preso s e o pr imido s em I srael e o
po der daquele que vem libert á- lo s. Est e ú lt imo vence o pr imeiro , que é
perso nificado po r sat anás. Ao perso nificar o s po deres o po sto s ao Reino , o s
Evangelho s dão ao ensina ment o de Jesus u ma pro fu nd id ade qu e a mera cur a
de u ma do ença não po ssu i.

2.3.4. Os lim ites das força s do Reino.

O “segr edo messiân ico ” 58 expressa, na realid ade, o s limit es e a cr ise das
“fo rças” do reino . O pro fet a da alegr ia anu ncia a chegada do reino . A fúr ia
cega qu e est a mensag em pro vo ca no s seu s ad ver sár io s o s levara a assassiná-
lo . Po rt anto , a mensagem do pro fet a Jesus, co mo a de t o do ho mem dest inado à
mo rt e, to rna-se u ma co rr ida co nt ra o reló g io . Ele t em necessidade de co rr ig ir
o s “milagr es” co m as “parábo las” e assim pur ificar a mensagem 59.

O desafio é p assar do assist encial ao revo lucio nár io , do desejo de ser


curado ao desejo de ver realizado o reino , na co mp lexa co nst rução de u ma
so ciedad e so lidár ia e hu mana. A t arefa de hu man ização passa po r to das as
marg inalizaçõ es. Jesus exerc it a cert as “fo rças” que vêm do reino , mas ele
ainda espera d e Deu s o “po der” do pró prio reino (Mc 9,1).

A mu lt ip licação do s pães, a co nfissão messiânica em Cesaréia e a


pr imeir a pred ição da paixão marcam a assim chamada “cr ise d a Galilé ia”, que

58
T er m o t é cn i co u sa do p el os esp eci a l i st a s d o e va n gelh o de Ma r cos, que r esum e, s egun do
el es, o c or a çã o m esm o da t eol ogi a m ar ci ana .
59
Os “m i l a gr es” de Jesus e vi den ci a m sua com pa i xã o i n t en sa e gen uín a, al ém de si gn i fi car
a i rr upçã o e a pr es en ça do Rei n o, en qua nt o a s “pa r á bol a s” c om pl et a m seu a n ún ci o
pr ofét i c o c om a s di ver sa s r ea ções a ssi n a l a da s a ci m a . Cf . Ibi d., p. 249-257.
54

d ivid e em duas part es a vid a pú blica. Jesus p ercebe que sua mensag em é
co nflit uo sa e q ue est á d est inada a cr iar adversár io s. Su a mensagem pro fét ica,
at ravés de parábo las, curas e benefíc io s, pro vavelment e não t enha feit o u m
caminho pro fu ndo e durável na ment e de seus co ncidadão s galileus.

2.3.5. A crise da Gal iléia.

Perant e o fracasso de sua at uação na Galiléia, Jesu s d ir ecio na seu s


passo s para Jeru salém. “Su b ir a Jerusalém” 60 t em algo decisivo para Jesus
po rque ele sabe que lá residem o s represent ant es o ficia is de Deu s, ao s quais
suas parábo las acu saram co mo usurpado res de u m po der delegado que cr ia
po bres e marg inalizado s.

2.3.6. Os anúncios da m orte de Jesus.

Ao analisar o s t rês anú ncio s d a mo rt e de Jesus ( Mc 8,31 ; 9,30 ; 10,32),


Juan Lu is Segu ndo pergu nt a-se pelo seu valo r hist ó r ico . A semelhança
ext rao rdinár ia d as t rês ver sõ es sug ere, segu ndo ele, a ident idad e d e suas
fo nt es lit erár ias. Para mu it o s exeget as, é preciso neg ar a pri ori co mo
hist ó r ica t o da pro fecia do fut uro co nt id a nessas pred içõ es, qu e devem ser
co nsid erad as ex eventu. Dada a d ificu ld ade em est abelecer a linha d iv isó r ia
ent re o pré e o pó s-pascal, o prenú ncio e a pro fecia ex event u, no sso t eó lo go
co nsid era que ao su bir a Jerusalém, Jesu s não previa co m cert eza sua mo rt e
vio lent a, nem mu it o meno s, su a ressurreição quase imed iat a. O que po de ser
afir mado é que Jerusalém é o no vo co nt exto de sua at iv idad e pro fét ica

Jesus est end e sua at ivid ade ao cent ro do mu ndo religo so -po lít ico do seu
po vo , o lugar o nd e surge e se mant ém o ficialment e u ma id éia de Deu s que não
se adeq uava àq uele que ele anu nciava em su a at iv idad e pro fét ica. E le não

60
“Su bi r a Jer usal ém ” t em a l go deci si vo e de fi n i ti vo n os E va n gel h os. E m Mc, a con fi s sã o
da m essi a n i da de de Je sus p or Pedr o pr ec ede a su bi da a Jer usa l ém . Segun do o m e sm o
e va n gel h o, os que a c om pa nh a m Jesus est ã o “ c om m edo” . Jer usa l ém é a ca pi t a l pol í t i ca e
r el i gi osa de Isr a el . Jesu s pr om et eu a pr oxi m i da de d o Rei n o e pa r a el e é i m pen sá vel que o
Rei n o se i n st a ur e for a de Jer usa l ém . Pa ra os si n ót i c os, est a é a ún i ca vi a gem de J esu s a t é
Jer usa l ém , m a s par a Joã o h á vá ri a s vi a gen s par a l á e est a nã o é um a vi a gem qua l quer. Cf.
Ibi d. , p. 263 – 266.
55

po ssu ía, po rém “o po der” para t o rnar realid ade t ot al o reino do qual ele era o
ser vido r. Ist o se cho ca co m a inco mpreen são e o imed iat is mo d aqueles que o
Nazar eno co nsiderava co mo beneficiár io s do reino , o que gero u da part e deles
cert o espaço de desco nfiança. Jesus, qu e anu nciava e preparava o reino , não
parece t o mar precaução algu ma co m a reação que seus ad ver sár io s vão
desencadear co nt ra ele em Jerusalém.

Os dado s escr it ur íst ico s qu e no s ajud am a ent end er as int ençõ es e as


expect at ivas de Jesu s ao su bir para Jerusalé m são : 1) o “logion” das
perseg u içõ es qu e t erá que so frer em Jerusalé m (Mc 9,1) ; 2) o d iscur so
apo calípt ico que co meça co m a pergu nt a so bre a demo ra d e paru sia (Mt 24,3 ;
Mc 13,3-4 ; Lc 21,7) ; e 3) o “gr it o ” de sur presa e de deso r ient ação co m o qual
Jesus mo rre na cru z (Mc 15, 34 ; Mt 27,46; Lc 23,46) 61.

Est es t rês dado s não co nco rdam facilme nt e ent re si. A ló g ica int er na
aco nselha, po rém, qu e ap liq uemo s ao s t rês a pro va d ecis iva da d ist inção ent re
o Jesu s pré-p ascal e o Jesu s pó s-pasca l. São t rês o s equ ívo co s que leva m
Jesus e a co mu nid ad e pr imit iva a sent ir em o aparent e abando no de Deu s: 1) o
reino não chego u ao s po bres de Israel no prazo fixado ; 2) t ampo uco chego u o
fim do mu ndo durant e a geração co nt emp o rânea de Jesus; 3) o pró prio Jesu s
parece t er sido abando nado po r Deus. Um messias cru cificado era u ma
co nt rad ição no judaís mo .

2.3.7. A m orte sem pre p resent e na vida d e Jesu s.

Para Juan Lu is Segu ndo , a mo rt e semp re est eve present e na vid a d e


Jesus 62. E le ent ra t riu nfalment e em Jeru salém po rque o po vo t inha o uvido
falar dele e co nhecia, embo ra med ianament e, sua mensagem. Po uco s d ias
depo is, esse mesmo po vo ped iu sua mo rt e. Aqu i t ambém a chave eco nô mico -
po lít ica é d ecis iva para a co mpreensão do s aco nt eciment o s. O t emp lo
ju st ificava e sacr alizava t o da u ma pro dução . A maio r part e dest a pro dução ia

61
Cf . Ibi d., p. 284-287.
62
O a ut or l am en ta o fa t o de o Cr i st i ani sm o n ã o se per gunt ar pel o si gn i fi ca do da m or t e de
Jesu s, ca s o sua r essurr ei çã o n ã o t i ves se a c on t eci do. Iss o p or que a r essur r ei çã o “en gol i u a s
per gunt a s deci si va s em que c on si st i ri a o exer cí ci o” de fa z er ta i s per gun ta s. Ibi d. p. 297.
56

para as aut o rid ades. Bo a part e da po pu lação de Jeru salé m era aliment ada po r
ela. Jesu s t ent o u purificar o t emp lo d e t o do co mércio . A mo rt e já est á
present e no mu ndo do sent ido ant es d e segu ir co mo ú lt ima palavra na
realidad e.

Vejamo s ago ra co mo aparece a ressu rreição de Jesus no pro jet o


cr ist o ló g ico de Juan Lu is Segu ndo .

2.4. A ressurreição de Jesus.

2.4.1. A ressurrei ção nos sinótico s

Para falar so bre a ressurreição , o auto r o bser va que as necessid ades d a


ling uage m mo der na t o rnam imperat ivo est abelecer u ma d ist inção ent re o s
ad jet ivo s ‘hist ó r ico ’ e ‘verdad eiro ’ 63. Quando se fala na ressurreição de Jesu s,
não se fala da r eanimação de u m cadáver. Os aco nt eciment o s narrado s, ao
serem po st o s em relação co m o ut ro s, to rnam- se, em si mes mo s, relat ivament e
ver ificáve is.

A r essurreição de Jesu s – seja verd ad eir a, h ist ó rica, o u mít ica – é


est reit ament e “h ist ó rica” enquant o influ i na cr iação de u ma co mu nid ade o u
igreja que de a lgu m mo do pro lo ng a Jesu s. Durant e sécu lo s lemo s e
int erpret amo s o s sinó t ico s e Jo ão , da infância at é a mo rt e e ressurreição de
Jesus, co mo se se t rat asse da mesma narr ação . Mas t ais t ext o s são narraçõ es
co m fins t eo ló g ico s, que po ssue m g ênero s lit erár io s d iferent es.

As narraçõ es das apar içõ es são ao to do o it o . Uma leit ura co mparat iva
das mesmas revela- no s o s segredo s d a redação e seu s co rrespo nd ent es
cr it ér io s h ist ó rico s. Não exist e u ma s ino pse po ssíve l ent re o s relat o s de
apar ição . To mando co mo po nt o de par t id a a list a das apar içõ es qu e o s

63
Hi st ór i co n o s en t i do de que sa t i s fa z a os cr it ér i os da ver i fi ca çã o da h i st or i ogr a fi a
m oder n a. Há el em en t os n a vi da h um ana que n ã o se suj ei t a m a t a i s cr i t ér i os, m a s n em por
i sso d ei xa m de ser ver da dei r os. A r essur r ei çã o de Je sus per t en ce a est a ca t egor i a . Tra t a -se
de a l go que fi ca for a do a l ca n ce dos m ét od os pos i t i vi st a s. Cf . Ibi d. , p. 304-307
57

exeget as co nsideram ma is ant igas e impo rt ant es, Juan Lu is Segu ndo d iz qu e
po demo s cheg ar a u ma t rad ição básica da mensag em cr ist ã: “O Senho r
ressuscit o u e apareceu a S imão ” (Lc 24,3 4). “Ver ” e “cr er” são fu ndament ais
aqu i. A afir mação : “É verdad e! O Senho r ressu scit o u e apareceu a S imão ”,
não po de refer ir-se a o ut ro ep isó d io fu ndado r que não seja o “ver ” e “crer ”
que aco nt ece ju nt o ao sepu lcro vaz io . Além do mais, as ap ar içõ es não po de m
ser co nt idas nu ma narração co m limit es p reciso s, po rque cada u ma faz alu são
a u m ep isó d io fu ndado r, o u a mo ment os d ifer ent es, no s quais as d ist int a s
t est emu nhas passam do simp les “ver” ao “crer”.

No ep isó d io do s d iscíp u lo s de E maú s, t emo s u ma her menêut ica da leit ur a


e da co mpreensão das Escr it ur as. E les co nversam co m Jesu s sem r eco nhecê- lo
at é o mo ment o do part ir do pão . Lo go que o reco nheceram vo lt am, a
Jeru salém e enco nt ram o s o ut ro s reunido s, que co nfir ma m a exp er iência deles:
“É verdad e! O S enho r ressuscit o u e apareceu a S imão ”. O que fo i narrado
co mo lição info r mat iva é r epet ido o u resu mido depo is, co m u m “abr ir a
ment e” p ara co mpreender.

A co mpreensão adqu ir ida à luz da ressurreição ilu mina aqu ilo que já se
devia saber ant es da Pásco a o u aqu ilo que se saberá ma is t arde, na vid a
hist ó r ica da co mu n idad e cr ist ã. Co mo exemp lo s, no sso t eó lo go pro põ e a
reint erpret ação e a ap licação do s po emas do Ser vo So fr edo r a Jesu s, e a
aut o ridad e e respo nsab ilidad e de Pedro co m relação à co mu nidade, co mo se
vê no cap ít u lo 21 de Jo ão .

O po der glo r io so de Jesu s se manifest a no perdão co nced ido em seu


no me a u m ho mem qu e peco u, mas não deixo u de amar (Pedro ). A
ressurreição , que é a vid a no va, ilimit ada e g lo r io sa, d a qu al go za Jesu s ju nt o
de Deu s, per mit e qu e a co mu n idad e cr ist ã fu nd ament e o bat ismo do s pag ão s.
A co mu n idad e pr imit iva abr e-se assim à u niver salid ad e, mo st rando que a
salvação é para t o do s. Isso fo i percebido so ment e à luz d a ressurreição .
58

A geração pó s-apo st ó lica enco nt ra na ressurreição de Jesu s o fu ndament o


da p len it ude de seu d iscip u lado , que nad a deixa a desejar co m relação ao d a
geração ant er io r.
Ago ra Jesu s é u m p erso nagem h ist ó r ico que at ravesso u o u mbra l do
escat o ló g ico e desd e aí se manifest a a seus d iscíp u lo s. Os que o enco nt ra m
não o reco nhecem imed iat ament e, at é que ele se deixe reco nhecer, mo st rando
algo que liga su a at ual co nd ição de ressuscit ado à sua v ida hist ó r ica. E m
o ut ras palavr as, algo da p esso a de Jesus at ravessa essa eno r me d iferença q u e
separ a sua ex ist ência h ist ó rica de sua exis t ência co mo Ressuscit ado .

O dado t ranscendent e, veicu lado pela ressurreição de Jesu s, só adqu ir e


sent ido para aqu eles que t êm valo res próximo s ao s dele. A hist ó r ia emp ír ic a
co nt inua sendo hist ó r ia d e lut a co nt ra a mo rt e. Não t emo s nenhu m meio par a
afir mar que ela não t em a ú lt ima p alavra, a não ser o t est emu nho da vit ó r ia d e
Jesus so bre a mo rt e. A ant ecipação do fim da hist ó r ia na ressurreição de Jesu s
co nt inua o cu lt a, po is só fo i pro clamada co mo pro messa.

A ressurreição fo i u m gr ande mo ment o na hist ó r ia da hu manid ade. O


acent o co lo cado no t r iu nfo de Jesu s ressu scit ado equ iva le ao cu mpr iment o da
bo a no t ícia d a cheg ada do reino . A desap ar ição , no resto do No vo Test ament o ,
da palavr a co nflit iva que havia inaugur ado a hist ó ria de Jesu s, a saber, “o
reino ” o u o “go ver no de Deus est á pró ximo ”, é, segu ndo no sso t eó lo go , de
máx ima impo rt ância hist ó r ico -t eo ló g ica. O que o s d iscípu lo s viram fo i a
realidad e do reino de Deu s chegando definit iva ment e em Jesu s Cr ist o , at ravés
de su a mo rt e. Perceberam o resp lendo r da g ló r ia de Deu s no ro sto do
crucificado . É isso que aparece no d iscur so de Pedro , pro nunciado , de aco rdo
co m o auto r do s at o s do s Apó st o lo s, no d ia de pent eco st es ( At 2,21). Aí Jesu s
é apresent ado co mo apro vado po r Deus co m milagres, et c. (At 2,21), devendo
vo lt ar g lo r io so na paru sia. Mais t arde, Pau lo vai co rr ig ir o s abu so s que
nasceram desse ent usiasmo .

Quem lê o s pr imeiro s d iscurso s de Pedro , enco nt ra u ma ênfase no carát er


sagrado da p esso a de Jesu s. Trat a-se de u m at alho que, at ravés de element o s
relig io so s, u ne a Jesu s e co nduz à salvação , sem exig ir d et er minadas o pçõ es
59

hist ó r icas. E m At 4,12, se d iz qu e em Jesus se enco nt ra to do o po der salvado r


à d ispo sição da hu man idad e.

Os t ext o s do NT que fala m da ressurreição de Jesu s a part ir da lingu age m


das apar içõ es t em u ma her menêut ica pr ó pria e não po dem ser po st o s e m
sino p se. Par a Juan Lu is S egu ndo , o ep isó d io fu ndado r é co nd ensado na frase:
“É verdad e! O S enho r ressuscit o u e apareceu a S imão !” (Lc 24,34). Os o ut ro s
relat o s que t emo s bu scam mo st rar co mo as t est emu nhas passaram do simp le s
“ver” ao “crer” e as grand es co nseqüências q ue isso t eve em suas v idas e nas
das co mu nidad es qu e cr iaram.

2.4.2. A m anifestação do s filhos de Deu s: A Ressu rreiçã o de Jesu s na


ca rta aos Romanos

Apó s t er mo s vist o a aná lise que Juan Lu is Segu ndo faz do s sinó t ico s,
vejamo s a leit ura qu e ele pro põ e de Pau lo .

2.4.2.1 A ressu rrei ção e o emergi r da no va criatu ra.

Juan Lu is Seg u ndo sust ent a que, à d ifer ença do s o ut ro s d iscípu lo s, Pau lo
t eve a exper iência da Ressurreição de Jesu s ant es de receber info r maçõ es
hist ó r icas so bre ele. Isso fo i decis ivo em sua reflexão , co mo veremo s.

Para Pau lo , a ressurreição de Jesu s (Rm 8) t em u m sig nificado


ant ro po ló g ico e u m ant i- sig nificado para a exist ência h ist ó rica do ho mem,
po is ela aniqu ila o s pro jet o s hu mano s d a mesma fo r ma qu e a cruz par ece
aniqu ilar o s pro jet o s de Jesus 64. O Apó st olo t em u m dado a mais q ue o ut ro s
aut o res do NT. Ele fo i t est emu nha da t ransfo r mação escat o ló g ica que Deu s
int ro duziu na “realidad e” ao ressu scit ar Jesu s, dando no va vid a ao seu pro jet o
hist ó r ico do Reino . O “eu” de P au lo (Rm 7,14-2 5) perso nifica t o do ser
hu mano . O Apó st o lo usa as cat ego rias d a ex ist ência hu mana em g eral, co m

64
Jua n Lui s S egun do usa est a expr es sã o pa r a in dica r o el em en t o n ega t i vo qu e fa z pa r t e da
r ea l i da de h um an a.
60

seu s pro blemas, ang úst ias e esp eranças mais genér icas, para expressar o
sent ido e a relevância de Jesu s de Nazaré.

A lut a ent re “car ne” e “esp ír it o ” (Rm 7) faz part e da exper iência
hu mana. Na o p in ião de no sso t eó lo go , o dado t ranscend ent e, o da
ressurreição , deve ser int ro duzido co mo mo d elo do “no vo ” ser hu mano p ara
ver melho r as po ssib ilid ades h ist ó ricas e o sent ido d a hist ó r ia. O qu e
chamamo s de “exp er iência” é se mpre u ma mescla de co isas verdad eirament e
exper iment adas e de dado s t ranscendent es.

Pau lo é o único escr it o r neo t est ement ar io que t ent o u fo r mu lar a visão d e
u m ju ízo fina l d e Deu s que levasse em co nt a essa inev it ável mist ura d e
caract er íst icas po sit ivas e negat ivas do ag ir hu mano . Israel acred it ava qu e u m
d ia Iahweh ir ia int er vir pesso alment e par a dar u m sent ido ao que parece se m
sent ido (Jó , Ecles iast es, Sabedo r ia). O fat o de esse ju ízo manifest ar algo
rad icalment e no vo est á present e na imagem, sempr e asso ciada ao ju ízo , de u m
“fo go ” que dever ia co nsu mir o qu e não t em valo r, p ara dar lu gar à verdad eir a
no v idad e e ao verdadeiro sent ido (Mt 3,10-12). A hist ó r ia vis ível co nt inuar á
mist urando o perecedo uro e o defin it ivo . A “Co nst rução de Deus” é, e ser á
sempre, algo no qual ent ram e se mist uram mat ér ias d e d iver sa qu alidad e e
resist ência.

Não é po ssível, afir ma no sso auto r, marcar u m mo ment o e u m lugar


preciso a part ir do qual a ressurreição se to rna o element o chave do
pensament o Pau lino . Diferent ement e do s pr imeiro s segu ido res d e Jesu s, e m
Pau lo a exper iência d a ressurreição é ant er io r à sua in fo r mação so br e o s fat o s
hist ó r ico s refer ent es ao Nazareno . É eno rme a impo rt ância qu e ele co nced e à
reflexão so br e as relaçõ es ent re Jesu s e a mo rt e. A r essurreição t ambé m
per meia a aná lise que ele pro põ e so bre a exist ência no ser hu mano daqu ilo
que o limit a e o salva. E la d esempenha u m p apel decis ivo , po is mo st ra que o s
pro jet o s hist ó rico s do ho mem est ão , co mo o s de Jesu s Cr ist o , dest inado s a u m
dest ino de ressurreição e vit ó r ia.
61

Co mo po de Pau lo t er cert eza qu ant o ao desen lace da salvação d a


hu man idade? E le co lo ca t o do s – pag ão s, judeus e cr ist ão s – d iant e da fo rça da
mo rt e. Face a est a fo rça, o ser hu mano é avaliado naqu ilo qu e t em de mais
sig nificat ivo – sua ob ra hi stó rica. O qu e o Apó sto lo pro põ e é u ma reflexão
so bre a hist ó r ia hu mana, o nde t o do s exp er iment am a pro messa d e u m Deu s
que se int eressa apa ixo nadament e pelo s resu lt ado s do s pro jet o s e das o bras
hist ó r icas d a hu man idade. Bu scando ent end er a sig nificação de Jesus para o
dest ino do ser hu mano , Pau lo vê na ressurreição do Nazareno u m vis lu mbr e
da ressurreição univer sal. A ressurreição é u ma respo st a fina l ao pro blema d a
hist ó r ia. O E sp ír it o que viv ifico u Jesu s d ent re o s mo rt o s, vai v iv ificar
t ambém no ssa car ne mo rt al ( no ssa o bra hist ó r ica), po r seu Esp ír it o que mo ra
em nó s (Rm 8,11 ; 2 Co r 4,13-15).

A ressurreição de Jesus não é declarad a impo rt ant e po rque at ravés dela


E le salva a hu man idad e “vert icalment e”, mas po rque ela é a fo r mu lação clara
e defin it iva de u ma pro messa feit a à hist ó r ia hu mana. Seg u ndo est a pro messa,
a hist ó r ia será libert ada defin it iva ment e da co rrupção que, no mo ment o afet a
to do s o s pro jet o s da cr iat ura livre. No sso t eó lo go afir ma que a libert ação já
aco nt ece na hist ó r ia e que a práx is cr ist ã po de inclu ir pro jet o s h ist ó rico s de
libert ação ao invés d e esper ar at é o “fim”. E st a maneira de ver as co isas
precisa, po rém, de t empo para ser aceit a e int egrada na vid a da co mu n idad e.

A ressurreição sig n ifica o emerg ir d a no va cr iat ura. A exper iência


hu mana co nt inua sendo a lut a ent re a “car ne” e o “Esp ír it o ”. A no vidad e,
po rém é que t o do s serão ju lgado s pelo mesmo cr it ér io . Co mo aco nt eceu co m
Jesus, o s pro jet o s hist ó r ico s do ser hu man o são dest inado s à r essurreição . Ist o
é mo t ivo su ficient e p ara mudar a práxis e to mar no vo s ru mo s.

2.4.2.2. A m anifestação da liberdad e dos filhos

A r essurreição co nfere, po rt ant o, har mo nia ao mo sa ico que, segu ndo


no sso t eó lo go , dá co erência à t eo lo g ia Pau lina. A vit ó r ia represent ada pela
ressurreição não é u ma so lução mág ica. P ara Juan Lu is Seg u ndo , a aná lise d a
realidad e hu mana pro po st a po r Paulo em Rm 7 e 8 co nt ém do is mo ment o s. No
62

pr imeiro , o Apó sto lo ressalt a as vár ias fo rças e leis qu e est ão em gu erra no
int er io r do ser hu mano . No segu ndo , ele int ro duz o dado t ranscend ent al d a
ressurreição , que o ajuda a mo st rar a d iferença qu e ela int ro duz na sit uação
hu mana, que ago ra se p arece ma is u ma “mescla” do que u ma “d iv isão ”.

Ao lo ngo de sua hist ó r ia, a hu manid ade fo i g u iada “p elo Esp ír it o ” p ara
u m fim q ue se id ent ifica, d e cert o mo do , co m o de Jesu s: fazer co m q ue o s
ho mens sejam p lenament e “filho s de Deus” (8,14). São t rês as et apas dessa
hist ó r ia: 1) a que co meço u em Adão e vai at é Mo isés; 2) a que co meço u em
Mo isés e vai at é Jesu s; 3) a q ue co meço u em Jesu s e acaba na pa rou sia. Cad a
u ma dest as et apas sig nifica u ma revelação o u uma desco bert a dest inad a a
fazer o s filho s mais filho s 65. O esp ír it o de filiação exclu i a recaída no t emo r.
Do que é herd eiro o ser hu mano graças a Cr ist o ? Da mesma co isa que Cr ist o
herda do Pai, o u seja, a po sse do univer so int eiro .

Deus não po de realizar seu p lano de fazer do s seres hu mano s verdadeiro s


filho s seu s se o s pro jet o s dest es est ão su jeit o s ao desvio , à co rrupção e à
mo rt e. Aq u i é necessár io pergu nt ar-se: qu e valo r t em a cr iação em si mesma,
ao s o lho s de Deu s? No AT, ela é bo a e est á su bmet id a ao bem (G n
1,10.12.18). Para Pau lo , ao co nt rár io , a “cr iação fo i su bmet id a à inut ilidade”
(Rm 8,20-21). Po r isso , ele d iz que é quest ão de vida o u mo rt e para o sent ido
do univer so o fat o de que “o s filho s de Deus se manifest em” (8,19), ist o é,
mo st rem d e verd ade q ue são filho s, t irando co m seu s pro jet o s a cr iação d a
expect at iva angu st iant e, do lo ro sa, part urient e, em que se enco nt ra (8,22).

Quem é que su b met e a cr iação à inut ilid ade e faz co m que ela co nt inu e
ser vindo à co rrupção ? Pau lo não esp ecifica quem é esse agent e. Para mu it o s
exeget as, é Deus o u sat anás. Mas o Apó st o lo não ad mit e u ma espécie de d eu s
do Mal ao lado de Iahweh. A ló g ica int er na de t o da a passag em p au lina leva a
pensar qu e é o pró prio Deus que su b met e a cr iação à inut ilid ad e. Cabe ao s
seres hu mano s, at uando co mo filho s “cr iado res” de Deu s, co lo carem a cr iação
int eir a ao ser viço do valo r co mu m, q ue na visão de Ju an Lu is S egu ndo , é o

65
E xi st e um a di fer en ça en tr e n ossa com pr een sã o d e “ fi l h o” e a do t em po de Pa ul o. Pa r a
Jua n Lui s Segun do, a com pr een sã o h odi er n a é be m em pobr e ci da . Cf . Ibi d. , p. 599-600.
63

amo r fr at erno . Na linguagem de Jesu s, est e amo r frat erno é “o Reino d e


Deus”.

Pau lo pro clama qu e a cr iação est á ainda nu ma expect at iva ansio sa, po is
esper a ser libert ada (Rm 8,19.21-27). O mesmo E sp ír it o que ressu scit o u Jesu s
e seu pro jet o , no s “ressu scit ará” co m o s no sso s. Nu m pr ime iro mo ment o , o
Apó st o lo d iz qu al é o o bjet o da “ex pect at iva ansio sa” da cr iação : “a
man ifest ação do s filho s d e Deu s” (8,19). A segu ir, ele d iz que a libert ação da
cr iação t em em vist a a liberd ade, que é a “g ló r ia do s filho s de Deus” (8,21).
Ser herd eiro do mu ndo é ag ir nele co mo o Pai Cr iado r, o u seja, exercit ar a
pró pria liberdad e. A filiação é sinô n imo d e liberdad e. Ap esar da d iv isão o u da
mescla que afet a o s pro jet o s hu mano s, a “liberdad e cr iado ra” do ho mem est á
co nst ru indo o cu lt ament e su a o br a. So ment e quando se manifest ar o que, nest a
mescla, resist e à mo rt e e p assa a fazer part e defin it iva d a vid a, a liberd ade se
to rnará visível, “na q ualid ade da o bra” (1 Co r 3,13-14). A defin ição de
ressurreição para Pau lo é “a manifest ação da liberd ade do s ho mens, filho s de
Deus” 66.

Po r que deve exist ir u ma d imensão o cu lt a no t rabalho da liberd ade? Ju a n


Lu is Segu ndo pensa que o ser hu mano , at ravés da r essurreição , enco nt rará
realizado s seu s pro jet o s, sendo defin it iva ment e po st o no Reino do qual fa la o
Apó st o lo em 1 Co r 15,24.53-57. Para ele, meio sécu lo depo is de Pau lo , o s
cr ist ão s do NT chamam a est e pro jet o “no vo céu e a no va t erra” ( Ap 2,11 ; 2
Pd 3,13). No sso t eó lo go aceit a que co mp reender a cr iação co mo imper feit a e
do lo ro sa (Rm 8,20-21), fo i u m gr ande avanço t eo ló g ico . Isso mo st ra que o s
resu lt ado s hist ó r ico s, naqu ilo que t êm d e po sit ivo , não se acu mu lam. Isso
mo st ra t ambém qu e as so luçõ es não deixam o mu ndo sem pro blemas. Uma
cr iação rad icalment e imp er feit a é a ú n ica que po st u la e ju st ifica a liberd ad e
hist ó r ica do ser hu mano .

Exist e u ma impo ssib ilid ade d e enco nt rar na hist ó ria a “ver ificação
co ncret a” do que se qu is rea lizar, po rque o rit mo de u ma vid a hu mana

66
Ibi d. , p. 606.
64

so ment e po de p erceber alg u mas d e suas d imensõ es. Mas isso não no s imp ed e
de reco nhecer que a respo nsab ilidad e do ser hu mano não se p erdeu. Graças à
sínt ese ent re a inv is ib ilidade do s resu lt ado s da no ssa pró pr ia hist ó r ia e a
relat iva viabilid ad e do s resu lt ado s da g rand e h ist ó ria hu mana, a at ividad e
hist ó r ica co nt inua sendo u ma pro messa pela qu al vale a pena apo st ar nu ma
“esp erança” feit a de “pacient e respo nsabilid ade” (8,25).

Est a análise revela a grande fo rça de co erência da co ncep ção


ant ro po ló g ica p au lina. Os pro jet o s hu mano s são u ma mescla de ele ment o s
perecedo uro s e imp erecedo uro s. O Apó sto lo pro põ e u ma reflexão à luz d a
exper iência da co nver são . E le não reco rre à ressurreição co mo a u m d eus ex
machina, que t rar ia u ma so lu ção para qu est õ es que a ló g ica apo nt ava co mo
inso lú veis. Deu s va i enco nt rar u ma p ep it a de o uro , por minú scu la que seja, no
mais pecado r do s ho mens. A Cr ist o lo g ia pau lina co mpr eend e Jesu s em fu nção
da p lenit ud e hu mana.

Pau lo est á refazendo o caminho d a vit ó ria u niver sal d e Jesus so br e


“t o do s o s in imigo s” (Rm 5 ; 1 Co r 15,25s) . Ele afir ma q ue a v it ó r ia alcançad a
po r Jesus su pera a derro t a que Adão t inha inflig ido à hu manid ade em seu
co meço . A v it ó r ia de Jesu s é u ma vit ó r ia da Graça, que reina so bret udo o nd e
“abu nd a o Pecado ” (Rm 5,20). Aqu i a vit ó r ia “real” d a graça, present e
inv is ive lment e na liberdad e hu mana, é ap licad a à hist ó r ia. Já não há
co ndenação po ssíve l par a ningu ém, po rq ue o amo r, mesmo qu e seja nu ma
ín fima med id a, abre passagem para d eixar o perar a graça. To das as do ses do
pecado ant er io r, co nco mit ant es o u po st erio res, não co nsegu ir ão dest ru ir essa
part ícu la que leva a marca d a liberdad e do ser hu mano e da v ida de Deu s
(Graça). E is aí c larament e d iant e de nó s, a vit ó r ia qualit at iva do amo r so bre o
pecado . A vit ó r ia que ago ra é inv is íve l, mas qu e se man ifest ará na ho ra d a
“g ló r ia da liberd ade”.

Pau lo já mo st ro u que a fé é essencial par a viver na hist ó r ia da pro messa


67
e não do co mércio co m Deu s . Essa fé, que se co nvert e nu ma energ ia a

67
Noss o a ut or exa m i na det a lh a dam en t e a exeg es e qu e Pa ul o fa z de Gn 15, 6 em Rm
4: “A br a ã o t eve fé n o SE N HO R, e por i sso o SE N HO R o c on si der ou just o” (T E B) e c ol oca
65

ser viço do amo r (“a fé que energ iza o amo r” cf . Gl 5,6), se aliment a po r sua
vez, da cert eza da pro messa recebida o u pressent id a. Deu s falhar ia em seu
mais incr ível esfo rço , em seu p lano mais int ima ment e quer ido e inaud it o , se
não pudesse o bt er de u m só ser hu mano que seja, algo de amo r par a
inco rpo rá- lo à co nst rução , não apenas da no va t erra do s hu mano s, mas de seu
pró prio no vo céu !

Juan Lu is Segu ndo lembra que Pau lo mergu lho u nas pro fu nd ezas do s
mist ér io s da liber dade d a cr iat ura (Rm 5-8), nu m mu ndo mar cado pela
deso bed iência d a inst ru ment alidad e cr iad a. Co nhecemo s Deus em seu pró pr io
Filho , mas est e não apar ece d iant e d e nó s na “g ló r ia” de sua liberd ade, ma s
“nu ma car ne d e pecado ” seme lhant e à no ssa. O pecado e a mo rt e sempr e est ão
ju nt o s. O Filho d e Deu s é aquele q ue, co mo no t empo ant es de Abr aão ,
co nst ró i na hist ó r ia esp erando co nt ra to da esperança (4,18).

Para Juan Lu is S egu ndo , vist o nu ma per sp ect iva po lít ica, Jesus chamo u o
pro jet o co mu m, o nde o s hu mano s são “co -o perado res” ( synergói) de Deu s,
co m o t ermo “r eino ” o u “go ver no ” de Deus. Pau lo , em chave ant ro po ló g ica,
co mpreende esse pro jet o co m o t ermo “ágape”, amo r, so lidar iedade, qu e
co rrespo nde ao p lano de Deu s de co nst it u ir Jesu s “pr imo g ênit o da mu lt idão ”
(=tot alidade) do s ir mão s (8,29). A esse p ro jet o de co nst ru ir u ma hu man idade
pro fu nd ament e so lid ár ia, segu ndo “a imagem de Jesus”, que levo u essa
so lidar iedad e at é a mo rt e (8,29), inco rpo ram- se não ap enas o s cr ist ão s, mas
to do s o s que “amam a Deu s” (8,30) e qu e são mag nificament e represent ado s
na parábo la d e Mt 25. Essa co nvo cação ao grande pro jet o “hu manit ár io ” Deu s
a faz desde o in ício de hu man idad e. No hino final do cap ít u lo 8 de Ro mano s
(8,33-39), a escat o lo g ia, que ant es d e Pau lo – e d epo is dele – devo ro u a
hist ó r ia, t ir ando - lhe seu sent ido e seu valo r, vo lt a, co mo no Jesu s h ist ó rico , a

em r el evo t r ês el em en t os qu e a p on t a m par a a im por t ân ci a da “fé” : 1) o t ext o (em gr eg o


“cr er ” e “ fé” ) t em a m esm a r a iz ; 2) o “l uga r” on de a pa r ece o ver sí cul o, i st o é, d oi s
ca pí t ul os a n t es d e r el a t a r a al i an ça que Deu s fa z c om A br a ã o; 3) a pr om essa d e Deu s
(objet o da “ fé” ju st i fi ca dor a de A br a ã o) n ã o e st á r el a ci on a da com n enh um a “obr a ” de
Abr a ã o. Qua nt o à pol êm i ca que a exege se d e Pa ul o ca us ou, o t e ól og o ur ugua i o obser va que
o a r gum en t o de Pa ul o, t a l c om o T i a go vê (pa r a T i a go a “fé” n ã o su bst i t ui “ obr a ” , m a s a
“ fé” é um a qua l i da de do m od o de “t r a ba l h ar” de Abr a ã o), est a r i a n a t ot a l in depen dên ci a
en tr e os ca pí t ul os 15 e 22 d o G ên esi s e en t r e os r espect i vos m om en t os da vi da d o A br a ã o.
Cf . Ibi d. , p. 467- 474.
66

ser o cent ro da “bo a no t ícia” que Jesus anu ncia a to do s o s seres d e bo a


vo nt ade.

O t eó lo go uruguaio pro põ e, po rt ant o , uma releit ur a da ressurreição co mo


“man ifest ação do s filho s de Deus”. Para Pau lo , o ser hu mano é u ma “mescla ”
o u uma lut a que t orna po ssíve l o segu iment o da verdad eira image m filial e
livre d a hu man idad e. Nest e pro cesso , a liberdad e hu mana é gu iada p elo
Esp ír it o , que se manifest o u em vár ias et apas ao lo ngo da hist ó r ia hu mana. A
cr iação bo a e su bmet ida ao bem ( Gn 1,10.12.18), deixo u- se “su bmet er à
inut ilidad e” ( Rm 8,20-21). Co mo filho s “cr iado res”, po rém, o s seres hu mano s
são chamado s a co lo car em a cr iação ao serviço do Reino , qu e Jesu s anu ncio u,
e que Pau lo ent ende co mo amo r frat er no a ser viço de libert ação da liberdad e e
da cr iação .

O mesmo Esp ír it o que ressuscit o u Jesus no s ressuscit ará co m o s no sso s


pro jet o s hist ó r ico s d e libert ação e po r isso , segu ndo no sso t eó lo go , mesmo na
impo ssib ilid ade de ver ificar o resu lt ado de no ssa o bra, vale a p ena apo st ar
nu ma “esperança” fe it a de “p acient e respo nsabilid ad e” (Rm 8,25).

O pensament o crist o ló g ico de Pau lo co mpreende Jesus em fu nção da


p lenit ud e hu mana. Ao evangelizar na pro fund idad e do s mist ér io s da liber dad e
das cr iat uras, o Apó st o lo pro põ e a fé co mo essencial para viver na h ist ó ria a
pro messa. Para Juan Lu is S egu ndo , é o filho d e Deu s aquele q ue co nst ró i na
hist ó r ia esperando co nt ra to da esp erança. A ressurreição de Jesus é o
mo ment o da “man ifest ação do s filho s de Deus”.

2.5. Conclusão.

No ssa h ipó t ese de t rabalho era que Ju an Lu is Segu ndo pro põ e u ma no va


chave d e int erpr et ação das sagrad as Escr it uras e da t eo lo g ia par a a AL. To da
Bíb lia é u ma co leção de imag ens de Deus que exig em her menêut ica. No sso
67

t eó lo go mo st ra co mo a chave po lít ico -ant ro po ló g ica abre o s ho r izo nt es d e


no ssa co mpreensão das Sagrad as Escr it uras no co nt ext o lat ino -amer icano .

O Deu s q ue Jesu s revela é u m Pai int eressado no bem est ar de t o do s o s


seu s filho s. E le faz u ma o pção pelo s po bres. A práx is de Jesu s é u ma pr áxis
po lít ica co nflit iva que d esencadeia u ma crise e leva a seu assassinat o jud icial,
nu ma co nvergência do s int eresses relig io so s e po lít ico s.

A ressurreição de Jesu s é hist ó r ica no sent ido de que at é a hist o rio grafia
mo d er na co nsegu e ver ificar efeit o s po st erio res r esu lt ant es da mesma, co mo a
fo r mação de u ma co mu nid ade d e crent es que co nt inua at é no sso s d ias. No s
sinó t ico s, ela sig n ifica u ma no va co mpreensão , a part ir da qu al no vo s
caminho s se abr em par a a co mu nid ade. P ara Pau lo , ela é o emerg ir d a no va
cr iat ura, a manifest ação da liberd ade do s filho s d e Deu s, que co m o s seu s
pro jet o s hist ó rico s esperam co nt ra to da esp erança, enqu ant o a realid ad e
hu mana co nt inu a u ma mescla que a inda aguarda a inst auração p lena do Re ino
de Deu s anu nc iado po r Jesus de Nazaré.
68

Capítulo Terceiro
A esperança das vítimas:
A ressurreição na Cristologia do
Jon Sobrino

3.1. Considerações preliminares.

Jo n So br ino nasceu no país Basco , Espanha, em 1938. To rno u-se jesu ít a


e fo i t ransfer ido para E l S alvado r em 1 9 57. Ret o rno u depo is à Euro pa, para
pro ssegu ir seus est udo s, do uto rando -se em t eo lo g ia em Fr ank furt . Também
viveu no s Est ado s Unido s, o nde do uto ro u-se em filo so fia, em Sa int Lo u is. E m
1974 vo lt o u a El Salvado r, cu ja Igreja so fr ia ent ão persegu içõ es. Nat uralizo u-
se salvado renho . É pro fesso r de t eo lo g ia na Universid ade Cent ro Amer icana
(UCA). Tem pro duzido u ma reflexão o rig inal, pr inc ipalment e no campo da
Cr ist o lo g ia e da Esp ir it ualidade. E m 19 89 escapo u do massacre perpet rado
co nt ra o s jesu ít as da UCA.

Sua reflexão é pro fu ndament e mar cada p elo co nt ext o no qual vive o país
que ado t o u co mo seu: desigu aldad es ext remas, gu erra civ il, v io lência
co t id iana, presença pro fét ica d a Igreja, so bret udo so b a figura d e u m d e seu s
grandes pro fet as e márt ires: Do m Oscar Ro mero .

Para respo nd er à perg u nt a: qual a exp er iência de enco nt ro co m Jesu s


ressuscit ado na cr ist o lo g ia lat ino -amer icana, examinaremo s as segu int es o bras
de So br ino : Crist ologia a pa rti r da Améri ca Latina 68; Jesu s, o Libertad or 69; A
f é em Jesus Cri sto - En saio a p arti r da s vítimas 70. Tent aremo s dest acar dest as

68
SOBRIN O, Jon . Cri st ol ogi a a part i r da A mé ri c a Lat i na. Petr ópol i s: V oz es, 1983.
Dor a va n t e ci t ar em os e st a obr a da segui n t e for m a: Cri st ol ogi a.
69
SOBRIN O, Jon . J e sus, o Li be rt ador. Pet r ópol i s: Voz e s, 1996. 2 ed. Dor a va n t e ci t ar em os
est a obr a da seguin t e for m a : Je sus.
70
SOBRIN O, Jon . A Fé e m Je sus Cri st o E nsai o a part i r das v í t i mas. Pet r ópol i s: V oz es,
1999. Dor a va nt e ci t a r em os est a obr a da segui n t e for m a : A Fé .
69

o bras a co mpreensão da ressurreição e a imagem de Jesus qu e po ssu i o


t eó lo go salvado renho .

A libert ação 71, cat ego ria t eo ló g ica que emerge da práxis eclesial 72, e a
desido lat r ização , cat ego ria pró pr ia ao s pro fet as do AT e reint erpret ada no
co nt ext o pro duto r de vít imas na Amér ica Lat ina, são os princ íp io s
her menêut ico s pr imo rd iais d a t eo lo g ia de So br ino .

Segu ndo no ssa hipó t ese de t rabalho , a ressurreição é em So br ino a


esper ança das vít imas. Co meçaremo s no ssa leit ura dest e t eó lo go apresent ando
sua co mpreensão da práxis libert ado ra de Jesus. E m segu id a, examinaremo s o
sig nificado da cruz e da mo rt e do Nazareno , t er minando co m a le it ura que o
t eó lo go salvado renho faz d a ressurreição de Jesu s.

3.2. A práxis libertadora de Jesus.

Co meçaremo s no ssa leit ura d e So br ino apresent ando algu ns t raço s da


práx is libert ado ra do Jesu s h ist ó rico . Num pr ime iro mo ment o , analisaremo s o
anú ncio do Reino feit o po r Jesu s. E m segu ida, de linear emo s a imag em d e
Deus qu e bro t a dest e anú ncio par a, por fim, examinar a desido lat r ização
present e em t o da a práxis de Jesus e as co nseqüências t rág icas qu e dela
resu lt ar am.

3.2.1. Jesus e o anúncio da proxim idade do Reino de Deus.

Para So br ino , Jesus in icio u sua vid a pú blica anu nciando a pro ximid ad e
do Reino de Deus (Mc 1,14; Mt 4,17; Lc 4,1), reino que t em u ma d imensão
t ranscendent e e u ma d imensão hist ó rica. No sso t eó lo go apresent a as

71
A ca t eg or i a de l i ber t a çã o r ece beu um a a mpl a a cei t a çã o n a lin gua gem t eol ógi ca ,
i n cl usi ve n os d ocum en t os do Va t i ca n o, por exe m pl o: 1) “O e va n gel h o de Jesu s Cr i st o é
um a m en sa gem de l i ber da de e um a for ça de l i ber t a çã o” , Inst ruç ão sobre al guns aspe c t os
da “t e ol ogi a da l i be rt aç ão”, In tr oduçã o, 198 4, Apud SOBRI NO, J e sus, p. 30; 2) “O
E va n gel h o. .. é, por sua na t ur ez a , m en sa gem de l i ber da de e d e l i ber t a çã o” , A l i be rdade
c ri st ã e l i be rt aç ão, In tr oduçã o, 1, 1986. Apud SOBRINO, A Fé , p. 30.
72
Medel l í n e Pue bl a , sem pr oduz i r n enh um docum en t o cr i st ol ógi c o, i n tr oduz i ra m um
pr in cí pi o de pa r ci a l i da de (os pobre s e a pob re za), a o a pr es en t ar em a sa l va çã o c om o
“l i ber t a çã o” .
70

caract er íst icas dest e Reino percept íve is na at uação de Jesus: saú de e vid a
(que surge do s milagres), libert ação (que surg e do s exo rcismo s), perd ão do s
pecado s e fim da exclusão das p esso as (q ue surge da aco lh ida d ispensad a po r
Jesus ao s exclu ído s e marg inalizado s: pro st it ut as, publicano s, marg inalizado s,
mu lheres, cr ianças et c.).

A expressão malkut YHWH o u basil éia tou theou não é o r ig ina l ne m


específica d e Israel. S ig nifica o reger de Deus em at o e o mo d ificar a o rde m
das co isas d inamicament e. O Reino de Deus surge co mo bo a no t ícia d iant e d a
exist ência de realid ad es mo rt íferas. Est a bo a no t ícia gera po r isso mesmo u ma
esper ança que é libert ado ra, po is t ransmut a a desesperança hist o r icament e
acu mu lada pelo t r iu nfo na hist ó r ia do ant i-reino 73. Est e Reino pert ence
unicament e ao s po bres (Lc 4,18 ; 6,20 ; 7,22; Mt 11,5). Po bres são o s que
so frem necessid ades básicas (Is 61,1s), o s desprezado s pela so ciedad e (Mc
2,16; Mt 11,19; 21,32 ; Lc 15,1s), o s simp les, o s pequ eno s, o s meno res e o s
que exercem pro fissõ es co nsider adas infer io res.

Para So br ino , na sit uação at ual d a Amér ica Lat ina, o s po br es são : “ ...
aqueles qu e est ão pró ximo s da mo rt e lent a p ela po br eza, par a o s quais
so breviver é u ma carg a pesada e sua t arefa máxima, e ao mesmo t empo , são
o s pr ivado s de d ig n idad e so cial e às vezes t ambém de d ig nid ade relig io sa po r
não cu mpr irem co m a leg islação eclesial 74”.

Ao examinar a vid a e as at iv idad es de Jesu s, So br ino quer d esco br ir o


que ele ent end ia po r Reino de Deus. Seus milagres são , segu ndo no sso
t eó lo go , sinais libert ado res d a presença do Reino . Para co mpreendê- lo s é
preciso lê- lo s à luz do AT. Os evang elho s usam t er mo s co mo semeia ,
dynameis e erga, em vez de t erá s o u tha uma, que no grego ind icavam fat o s
inco mpreensíve is. Esses s inais aco nt ecem nu ma h ist ó ria de o pressão , sendo a
superação de u ma sit uação negat iva. “Co nt udo , t ant o o s milagr es co mo o
perdão do s pecado s são sina is, em pr imeiro lug ar, da cheg ada do Reino ,

73
SOBRIN O, J e sus, p. 113.
74
Ide m. , p. 126.
71

melho r, são sinais de libert ação , e só nest e co nt ext o po dem serv ir p ar a


esclarecer a pesso a de Jesu s 75”.

A ação libert ado ra de Jesus face ao s demô nio s é descr it a po r palavra s


co mo ekballo e epitima o e não co m a t er mino lo g ia co mu m do s exo rcismo s:
exokid zo, em Grego , o u gadasa r, em Hebr aico . Jesus é mu it o mais do que u m
exo rcist a. E m mu it as narraçõ es, ele ap arece ju nt o co m o s p ecado res (Mc
2,15-17; Lc 7, 36-50; 19,1-10 et c.). Sua missão é curar o s enfer mo s. A
t ernura qu e ele mo st ra ao aco lher o pecado r, co nced endo - lhe o perdão , é
no t ável. E le su blinha assim q ue a vinda d o reino é ant es de t udo graça e não
ju ízo . A aco lh ida libert ado ra devo lv e d ig nid ade ao s desprezado s e
marg inalizado s p ela so ciedade, enquanto o s milagr es, a exp u lsão do s
demô nio s e a aco lh ida do s pecado res causam escândalo ao s que q uere m
mant er o sist ema vig ent e. Jesu s, assim co mo Jo ão Bat ist a, o ferecia p erdão e
aco lhid a ind ependent ement e de t o da prescr ição cú lt ico -r it ual. Su a
parcialid ade e grat u idade cau sam escândalo , po rque a no va imagem de Deu s
que elas veicu lam aba la a relig io sidade o ficia l.

O pecado para Jesu s é ma is do que a in fr ação de u m có d igo ét ico . Trat a-


se d e algo est rit ament e t eo ló g ico . Não é só a neg ação de Deu s, mas a negação
do Reino d e Deus. O pecado não é so ment e algo a ser perdo ado , mas algo a
ser arrancado , po rque em sua essência ele afir ma o po der hu mano co nt ra o
po der de Deu s, e isso é feit o para o pr imir o s o ut ro s. Jesu s denu ncia t ambém o
pecado naqu ilo qu e ele po ssu i de est rut ural, pú blico e so cial. So br ino afir ma
a capacid ade de t o do ser hu mano realizar o dup lo p apel de o presso r e
o primido .

As parábo las de Jesus são d ir ig id as às mu lt idõ es, ao s d ir ig ent es de Israe l


e ao s d iscípu lo s. E m sua d iver sid ade, elas ex igem u ma t o mada de po sição d a
part e do s o uvint es. E m seu co nt eúdo co ncret o , elas são quest io nado ras e
po lêmicas. So br ino aceit a a po sição de Juan Lu is S egu ndo , que d iz q ue as
parábo las fu ncio nam co mo u m mecan ismo desideo lo g izado r e co nscient izado r

75
SOBRIN O, Cri st ol ogi a. p. 69.
72

e não simp lesment e co mo a preg ação de u ma mo ral u niver sal. Sua mensage m
cent ral é qu e o Reino de Deu s é p ara o s po bres, par a o s fr aco s e para o s
desprezado s. Deu s é par cial, po is se co lo ca ao lado do s fr aco s, mas t ambém é
r ico em miser icó rd ia. Na t rág ica sit uação do s pequeno s, ele reage e se alegr a
quando co nt ribu i p ara o bem est ar deles. Est a mensag em po sit iva d e Jesu s
desmascara a hipo cr isia de seu s ad versár io s. Po r isso , suas parábo las são
fo rt ement e cr ít icas, acent uando o aspect o de cr ise. E las t ambém geram a
esper ança e a segur ança de que o Rein o que se apro xima surg irá d e u m
co meço mu it o pequeno . E las fa lam de alegr ia e efet uam no s o u vint es a
ent rega mais ap aixo nada.

Segu ndo So br ino , est as são algu mas d as caract er íst icas do Reino , cu ja
pro ximid ade Jesu s anu ncio u. No sso t eólo go faz su a reflexão a part ir d a
sit uação lat ino -amer icana e id ent ifica o s po bres co mo o s dest inat ár io s
prefer ido s do anú ncio do Reino . A ação libert ado ra de Jesu s co nsist e em at o s
(perdão , cura e aco lh ida) e palavras (as parábo las).

3.2.2. Jesus e o Deu s que Ele revela.

To da a práxis de Jesus fo i u ma r evelação do Deus que E le co nsiderav a


seu Pai. Po r isso , E le ent ro u em co nflit o co m o co nceit o de Deu s present e na
est rut ura po lít ico -relig io sa de su a épo ca. Na at ualid ade, su st ent a So br ino , as
est rut uras o pressivas que pro duzem inú mer as vít imas são basead as t ambé m
nu ma imagem sing u lar d e Deu s. O co nflit o que levo u Jesus à mo rt e fo i
resu lt ado de u ma at uação marcada pela d esido lat r ização . Para co mpreender o
Deus d e Jesu s, So br ino analisa a o ração do Nazareno , a pr io r idad e que p ara
ele t em o s seres hu mano s, especialment e o s po bres e o s fraco s, sua fid elidad e
à missão , apesar das t ent açõ es, e sua fé.
Jesus era u m jud eu p iedo so . Era de se esper ar, po rt anto , que o rasse.
To da sua vida desenro lo u-se nu m clima d e o ração . Ele co ndeno u a separ ação ,
present e na o ração de seu po vo , ent re fé e o ração (Lc 18,11; Mt 6,5s. 7s ;
7,21; Mc12,38.40). “O fat o mesmo de Jesus o rar mo st ra que exist e par a ele
u m pó lo referencial ú lt imo de sent ido pesso al, ant e o qual se põ e par a recebê-
73

lo e expressá- lo ” 76. Est e pó lo referencia l t ot alizant e in flu encia seu d iscurso ,


sua o ração e sua est rat ég ia g lo bal. As t rad içõ es d iversificadas so bre Deu s
apresent am cert as t ensõ es na vid a de Jesu s. So br ino d iz q ue Deu s se
man ifest a na vid a co t id iana, no r it mo nat ural da vid a e co mo algo
escat o ló g ico , que se revelará no final da hist ó ria. Deu s ap arece co mo
exigência p ara o ser hu mano , par a u ma ação clara em favo r do s o pr imido s e
co m grat u idad e, po rque est á na o rig em abso lut a e no fut uro do Reino . Ele
t ambém aparece co mo pro ximid ade e p o de ser chamado “abba”, mist ér io
sant o e não manip u lável. “E no fina l da vid a de Jesu s (est e Deus) surge co mo
presença e au sênc ia, co mo po der e impo t ência” 77. Para o t eó lo go
salvado renho , Deu s é so berano e se mpre maio r. Uma das expressõ es da su a
t ranscendência é a realização do impo ssível. Para o ho mem, o impo ssível é
que o po bre, o imp iedo so e o mau po ssam no vament e, e de mo do inesper ado
vo lt ar a chamar- se ho mem. Isso é t ornado po ssível graças à med iação da
t ranscendência d e Deu s revelada em Jesu s. Os sinó t ico s mo st ram co mo Jesu s
equ iparo u o amo r de Deu s ao amo r do próximo .

Os seres hu mano s são mu it o impo rt ant es para Deu s. De fat o , a causa do s


ho mens é a cau sa de Deus. Jesus se apresent a, em su as palavras e o bras, co m
aut o ridad e. E le ameaça t udo o que é ho st il ao ser hu mano . E le mo st ra u ma
liber dade inco mu m, que nasce d a exp er iência d a bo ndade de Deu s. Isso
aparece na ent rega d e sua vid a (Jo 10,8). Sua co nfiança se man ifest a t ambé m
no uso da palavra: abba.

Para caract er izar a exp er iência de Deus, que t ambém é mist ér io na vid a
de Jesu s, So br ino usa a palavra “co nver são ”. Para ele, as t ent açõ es d e Jesu s,
sit uad as no in ício d e su a vida pú blica, nada t êm de mo ralizant e. Ao co nt rário ,
elas mo st ram que em t o da a hist ó r ia do Nazareno , “ele deixa Deus ser Deu s e
se deixa levar para o nde quer que Deu s o leve” 78.

76
SOBRIN O, J e sus, p. 211.
77
SOBRIN O, Cri st ol ogi a, p. 175.
78
SOBRIN O, J e sus, p. 224.
74

Para So br ino , a “cr ise ga lilaica” expressa u ma rupt ura pro fu nda na
pesso a de Jesu s: “Os chefes do po vo o rejeit ar am, seu s d iscíp u lo s não o
co mpreenderam e at é as massas po pu lares o t eriam abando nado ” 79. Jesu s não
fala mais do Reino de Deus, nem faz milagres. E m seu s d iscurso s E le at aca
ao s chefes do po vo e se defende co nt ra eles. Há u ma mudança em seu
co mpo rt ament o e essa mudança não fo i evo lut iva e pacífica. “Co nver são ,
t ent ação , cr ise, são realidad es at ravés das quais se mo st ra que Jesus t eve qu e
deixar Deu s ser Deu s” 80. É a d ispo nib ilid ad e de Jesus para o Pai, qu e é Deus,
que enco nt ramo s aqu i nessa sit u ação .

Ao t rat ar da fé de Jesu s, So br ino co meça co m Ro mano s 3,21, o nde t emo s


a expressão dia pisteo s Iesou Ch risto u 81 (pela fé de Jesu s Cr ist o ) e a cart a
ao s Hebreu s, qu e afir ma clar ament e (12 ,2) que Jesus é aq uele que viveu
o rig ina lment e e p lenament e a fé: “assim co mo Pau lo apresent a Jesu s co mo o
pr imo g ênit o ent re mu it o s ir mão s, p len ific ado na ressurreição (Rm 8,29 ; 1 Co r
15,20; Cl 1,18 ; Ap 1,5), assim Hebreu s apresent a Jesu s co mo o primo gênit o
na fé, o pr imeiro que a v iveu cabal e p lenament e no est ado de ho me m
viandant e” 82 .

Quem é Deus para Jesus? É Aquele a qu em ele respo nd e e co rrespo nd e


na fé. O aut o r no s remet e par a a t rad ição bíb lica de usar a ling uag em d e
t ernura ao falar d e Deus. Nessa mesma t rad ição , que usa t er mo s co mo
“espo so ”, “mãe”, ent re o ut ro s, para falar de Deu s, Jesu s fo r mu la su a
exper iência de Deu s na lingu agem de ab ba. A sua relação ínt ima co m Deu s
Pai fo i mo t ivo de alegr ia par a ele, mas no fina l d e sua vid a, est e mesmo Deu s
se t o rnará u ma pedra de t ro peço, quando o uviu o silêncio do Pai. No ent ant o ,
o que Jesus fez fo i co ncret izar o mist ér io de Deus em do is po nt o s. Po r u m
lado , o Deus maio r se manifest a a ele co mo o Deus meno r, present e no po br e
e no pequeno – mais t arde co mo o Deus silencio so na cruz. Po r o utro lado , o

79
Ide m. , p. 225.
80
Ibi d. , p. 225.
81
Há dua s p os si bi l i da des n a t ra duçã o: 1) pel a fé e m Jesu s Cr i st o ou 2) p el a fé de J esus
Cr i st o. Jun t o com a ut or es c om o Ba l t h a sar , Thüsi n g e T uñi , Sobr i n o pr efer e a segun da
op çã o, en fa t i z an do c om i ss o a r ea l i da de h uman a de J e sus d e Na z a r é. Cf. SO BRINO, J e sus ,
p. 234.
82
Ide m. , p. 234.
75

mist ér io de Deu s se t ransfo r ma de mis t ério enig mát ico em mist ér io qu e


irrad ia luz nu m po nt o : o amo r. “Lá o nd e as pesso as prat icam o verdad eiro
amo r, lá est á Deus” 83.

O Deu s que Jesu s r evela man ifest a-se p o rt ant o em sua o ração ; em seu
ag ir, qu e co lo ca sempre o ser hu mano acima d e t udo ; em suas t ent açõ es, qu e
t est am su a fidelid ade ao lo ngo da vid a; em sua fé inq uebrant ável, q u e
per manece mesmo no silêncio d e Deus na Cruz. Est a imag em que Jesu s revela
do Pai cho co u-se co m a q ue er a su b jacent e ao sist ema no qual ele v iv ia e qu e
gerava inú mer as vít imas.

Examinaremo s em seg u ida co mo So br ino t rat a o aspect o mais co nflit ant e


da práxis de Jesus: a d esido lat r ização , que levo u o Nazareno a ser execut ado
co mo u m cr imino so na cruz.

3.2.3. Jesus, Deus e d esid olat riza ção.

So br ino faz u ma reflexão o po rt una so bre a necessár ia desido lat rização


que, à lu z da práxis d e Jesu s, é exig ida pela sit uação lat ino -amer icana.
Segu ndo ele, a práxis pro fét ica do Nazareno e o que ela pro vo co u, o u seja, as
mú lt ip las co nt ro vérsias ent re ele e o s gru po s que det inham o po der, levava m
o s o uvint es de Jesus a esco lher em ent re o Deus d a vida e o s ído lo s da mo rt e.
Tais co nt ro vérsias ajudam- no s a co mpreender o asp ect o po lêmico do
min ist ér io pú b lico de Jesus.

Jesus per cebe que a maio r ia de seu s o uvin t es t inham u ma visão d ifer ent e
da dele e que est a visão d ifer ia mu it o e, at é mesmo , co nt rar iava a do Deu s
que e le anu nc iava. E le t ent a ent ão co rr ig ir a imagem de Deu s d e seu s
co ncid adão s. Sua práxis pro fét ica e messiânica t em co mo co rrelat o a
so ciedad e em si. E la t em co mo finalid ad e a t ransfo r mação dessa so cied ade:
“Na hist ó r ia exist e o verdad eiro Deu s (de vid a), sua med iação (o Reino ) e seu
med iado r (Jesus) ; exist em o s ído lo s (d e mo rt e), sua med iação (o ant i-reino ) e

83
Ibi d. , p. 236.
76

seu s med iado res (o s o presso res)” 84. Est amo s perant e a est rut ura da realidad e
que exp lica a práxis pro fét ica d e Jesu s e a d imensão t eo lo gal d a mes ma.

No s sinó t ico s, enco nt ram-se vár ias co nt ro vérsias de Jesus co m seu s


ad versár io s 85. So br ino analisa as cinco co nt ro vérsias in ic iais que se
86
enco nt ram em Mc 2,1-3,6 e salient a a rad ical afir mação de Jesus: o que vai
co nt ra a vid a real do s ho mens nega pro fu nd ament e a realid ade d e Deu s. Jesu s
equ ipara o amo r de Deus ao amo r ao próximo . E le muda a no ção de Deus d e
t al maneira que, no amo r ao pró ximo , se ho nra, ama e respo nde realment e a
Deus. Jesus percebe qu e o s ho mens t êm visõ es d iferent es e co nt rár ias d e
Deus, q ue u sam sem escrúpu lo s t ais visõ es para d efend er seus int eresses e
o primir o s o ut ro s. Po r isso , Ele bu sca desmascar ar as imag ens o presso ras d e
Deus ( Mc 7,1-23 ; Mt 15,1-20).

At é mesmo a r iqueza, símbo lo d a bênção de Deu s p ara o ju deu, po de se


to rnar u m “ído lo ”. Na visão do So br ino , o s rico s t êm qu e ajudar o s po bres,
mesmo qu e deixe m d e ser r ico s. Os escr ibas e o s far iseus represent am u m
grande po der e são denu nciado s po r Jesu s, po is u sam esse po der para o pr imir
o po vo (Lc 11,37-53 e Mt 23,1-36). O temp lo represent ava a t ot alid ade d a
vid a e co nfig urava, de u ma det er minad a maneira, a so ciedade. A expu lsão do s
co merciant es do t emp lo e o anú ncio da dest ru ição do mesmo t êm su a
sig nificação t eo ló g ica, alé m d e u ma t emível co nseq üência p ara Jesu s.
Teo lo g icament e fa lando , Jesu s anu ncia a rad ical mud ança do lug ar do
enco nt ro co m Deu s. No Evangelho d e Mat eus, esse lug ar é ago ra a
co mu nidade: “q uando do is d e vó s se ju nt arem na t erra para o rar” (Mt 18,19),

84
Ibi d. , p. 241.
85
Ma r cos r eun i u a s ci n co c on t r ovér si a s i n i ci ai s e m 2, 1-3, 6; en con tr a da s em L c 5, 17-6, 11.
E m Mat eus, el a s a par ecem em dua s seç ões (9, 1-17 e 12, 1-21). T am bém n o fi n a l da vi da de
Jesu s, dep oi s de sua en t ra da em Jer usa l ém , a par ecem ci n co c on t r ovér si a s: 1) a expul sã o
dos ven ded or es d o t em pl o ( Mt 21, 12-17; Mc 11, 11. 15-17; Lc 19, 45-46); 2) a c on t r ovér si a
sobr e a a ut or i da de de Jesu s (Mt 21, 23-27; Mc 11, 27-33; Lc 20, 1-8); 3) o tr i but o a Césa r
(Mt 22, 15-22; Mc 12, 13-17; Lc 20, 20-26); 4) a ressur r ei çã o d os m or t os (Mt 22, 23-33; M c
12, 18-27; Lc 20, 27-40); 5) o m a n dam en t o pr inci pa l (Mt 22, 34-40; Mc 12, 28-31. Luca s
desl oca t a i s con t r ovér si a s par a o out r o l ugar : 10,25-28). Cf. Ibi d. , p. 242.
86
1) cur a e per dã o d e um pa r a lí t i co (2, 1-12); 2) a r efei çã o c om os pe ca d or es (2, 15-17); 3)
a quest ã o s obr e o je jum (2, 18-22); 4) a s espi ga s a rr an ca da s n o sá ba do (2, 23-28); e 5) a
cur a do h om em c om a m ã o seca (3, 1-6). Cf . Ibi d., p. 242
77

e just ifica isso cr ist o lo g icament e “eu est arei no meio deles”; e mais
rad icalment e aind a, “o s po bres dest e mu n do (Mt 25,31-49)” 87.

So br ino est á de aco rdo co m o s t eó lo go s que mo st ram qu e “o s ído lo s”


não são co isas do passado , mas est ão present es em no ssa realid ade. No
pensament o o cid ent al ho u ve u ma “desmit ificação ” d a imag em de Deu s, qu e
abr iu o caminho para o at eísmo , qu e se pret end ia libert ado r. Esse pro cesso
t eve, po rém, co nseqüências, po is fez da ido lat r ia u ma co isa do passado (Jua n
Lu is Seg u ndo ), quando co nt inua pro duzindo vít imas. Sem co nt ar qu e o
mesmo pro cesso é ing ênuo , po is o cu lt a o pro blema da ido lat r ia.

Mu it o s t eó lo go s (S icr e, Kasper, Bo ff, Gut iérrez) vo lt am de no vo a


pensar a quest ão da ido lat r ia. Na t eo lo g ia lat ino -amer icana, a análise do
Jesus hist ó r ico levo u à redesco bert a do Reino d e Deu s, e po r sua vez, do
Deus do Reino e d aqu ilo que se o põ e a ele 88. O do cu ment o de Puebla
mencio na co m au dácia a at uação do s ído lo s no present e 89. Segundo So br ino ,
Mo nsenho r Ro mero analiso u a ido lat r ia co m mais precisão t eo ló g ica e
co ncreção hist ó r ica co m a aju da d e E llacur ía. També m par a ele, a co nd ição
de po ssib ilid ad e da ido lat r ia est á na capacidade hu mana d e abso lut izar o
cr iado . Po rém, “não co meça po r aí e sim co m u ma afir mação d inâmica
fu nd ament al, ao mesmo t empo t ranscendent e e hist ó r ica: “a ido lat r ia o fend e a
Deus e dest ró i o ho mem”, sendo a segunda afir mação e ver ificação da
pr imeir a” 90.

Os ído lo s são realid ades hist ó r icas e nem sempr e enco nt ram- se no
âmb it o relig io so 91. Em no ssa épo ca, a relig ião é releg ada à esfera pr ivada e

87
Ibi d. , p. 264.
88
A pr á xi s pr ofét i ca d e J esus, a o a n un ci a r a pr oxi m i da de do Rei n o d e D eus, c om ba t eu o
a nt i -r ei n o n a s con tr ovér si a s, desm a sca r am en t os e den ún ci a s. Cf. Ibi d. , p. 239-266.
89
“E m 1979 o d ocum en t o de Pu e bl a t e ve a a udá ci a de m en ci on a r os í d ol os e d e n om ea r os
que e st ã o m a i s a t ua n t es n o pr esen t e: r ea l i da des h i st ór i ca s que a gem c on t r a o ver da dei r o
Deus (n . 405, 491, 493, 497 e 500)” Ibi d. , p. 272.
90
Ibi d. , p. 272.
91
E l Sa l va dor , n a época (n a s úl t i ma s dé ca da s da segun da m et a de d o s é cul o XX), pa s sa va
por um a fa se d e el i m i na çã o d os qu e d es e ja va m m udan ça s soci a i s em ben efí ci o d os p obr es.
O í dol o sa l va dor en h o, “o di r ei t o “a bs ol ut o” de p r opr i eda de pa rt i cul ar ”, foi d e fen di do pel a
dout r i na de segur a n ça na ci on a l . O exér ci t o sa l va dor en h o, c om esqua dr ões da m or t e e
a ssi st i dos p or A me ri c an Spe ci al Forc e s, a ssa ssi nar a m 85. 000 ci da dã os em dua s déca da s
78

su bst it u ída po r u ma ganância irrest r it a, co mo o neo liberalis mo , po r exemp lo .


So br ino mo st ra que est e e o ut ro s íd o lo s adq u ir ir am caract er íst icas d a
d ivindad e: são tran scen dent es ( não se po de ir além deles) ; se auto-j ustif ica m
(não precisam qu e o ut ro s o s ju st ifique m) ; são into cáveis (quem o s qu est io na
acaba po r ser dest ru ído ) 92.

Os ído lo s hist ó r ico s co nfig uram a vid a da so ciedade em t o do s o s


aspect o s. Eles exig em o cu lt o de seu s adepto s. É só lembr ar as prát icas cru éis
do cap it alis mo e do co mu n ismo , que pro duzir am inú meras vít imas. Os ído lo s
exigem igu alment e u ma o rto do xia e pro met em salvação a seus ado rado res,
embo ra o s desu man izem. O decisivo , po rém, é que pro duzem milhõ es d e
vít imas ino cent es, t ant o as qu e mo rrem lent ament e quant o as qu e mo rre m
vio lent ament e p ela repressão .

Para Jesu s, o s ído lo s não são u nicament e ent idades relig io sas. E les
part icipam da co nst rução da realid ade hist ó rica q ue gera po breza. Seu no me é
Mamo n, a r iq ueza 93. Na t eo lo g ia de Jo ão , a qu est ão de Deu s vo lt a co m u ma
rad icalid ade mais pro fu nd a (cf. Jo 8, 54-55). Pau lo t rat a dest a qu est ão
lembr ando , em Rm 1,18-21, o qu e é a ido lat ria: t ro car a verd ade de Deu s p ela
ment ir a qu e co nduz à desu man ização . Na o pin ião de So br ino : “A co nclu são
simp les, mas d ecis iva, é que Jesu s e o No vo Test ament o ilu st ram so br e a
quest ão de Deu s ao fazerem p erceber a exist ênc ia at iva de o ut ro s deuse s
co nt rár io s (Mamo n, o d iabo ), e po r isso é essenc ial p ara a fé em Deu s qu e, no
mín imo , seja u ma fé ant iido lát r ica” 94.

So br ino lembr a qu e o Deu s da Bíb lia não é capt ável co mo o s ído lo s. Po r


isso , E le não t em imagem, so ment e palavra. S e Deus é p alavra, vo z, o ser
hu mano pr ecisa escut ar e respo nder, e n isso realiza sua r elação co rret a co m

pa ra pr ot eger t a l di r ei t o. Al ém de M on sen h or Rom er o, sa c er dot es, a g en t es d e pa st or a l e


m i lh ar es de out r a s pess oa s, i n cl usi ve os sei s j e s uí t a s de UCA, fa z em pa r t e dest a l i st a dos
m ár t ir es l a t in o-a m er i can os. Mon sen h or Rom er o c om pa r a va os í d ol os h i st ór i cos c om o
m í t i co deu s M ol oc, em cu j o n om e di a r i am en t e sa cr i fi ca m -se n um er osa s ví t i m a s. Cf. Ibi d.,
p. 274.
92
Cf . Ibi d., p. 275.
93
Os si n ót i cos sã o un ân i m es em r epor t ar a s pa la vra s de Jesu s a dver t in do do per i go da s
r i quez a s, c f. Mc 10, 23-27; Mt 19, 23-26; Lc 18, 24-27.
94
Ibi d. , p. 278.
79

Deus. No sso t eó lo go chama est a respo st a hu mana a Deus de o rt o práxis. Est a,


co mo mo st ram as parábo las do bo m samar it ano (Lc 10,29-37) e do ju ízo fina l
(Mt 25,31-46), nada mais é do que imp licar-se co m o que aco nt ece na
realidad e.

Jesus denu ncia o Mal não só em sua realid ade t rans- hist ó r ica, mas e m
seu s respo nsáveis h ist ó rico s. O ant i-reino reage e o mat a. A mo rt e de Jesu s é
co nseqüência d e su a práxis desido lat r izad o ra, que o fez eq u iparar o amo r d e
Deus ao amo r do pró ximo . E le co rr ig e assim a imagem d ist o rcida d e Deu s
present e ent re seu s co nt empo râneo s. E le q uest io na a leg it imid ade do
exercíc io do po der est abelecido , ger ado r de vít imas. Os que det êm est e po der
se pro t egem energ icament e, eliminando aqueles que o s quest io nam.

No sso percurso levo u-no s at é ago ra a examinar o s co nceit o s-chaves d a


práx is d e Jesu s present es na Cr ist o lo g ia d e Jo n So br ino : o anú ncio do Reino ;
a imag em de Deu s present e nas açõ es e palavras d e Jesus; a at iv idad e d e
desido lat r ização , que causo u co nflit o s e levo u Jesu s à mo rt e t rág ica. Ago ra
queremo s dar u m p asso ad iant e. Vamo s analisar a execução de Jesu s co mo u m
cr imino so na cruz, mo st rando co mo , segundo So br ino , a u nic idad e d e seu
so fr iment o e mo rt e insp iro u na AL u ma práxis so lidár ia. Vamo s co meçar
examinando a abo rdag em qu e o t eó lo go salvado renho faz do sig n ificado d a
cruz e da mo rt e de Jesu s, mo st rando em que co nsist e a u nicid ade d est e
mo ment o de sua vida.

3.3. O significado da cruz e da morte de Jesus.

Na t rág ica sit u ação em que viv ia a Amér ica Lat ina na segu nda met ade do
Sécu lo XX surg iu u ma pr áxis de so lid ar iedad e. So br ino faz sua reflexão
t eo ló g ica a part ir d est a sit uação , na q ual ele percebe a pr esença de u m
myst eriu m ini quitati s. Para ele, a mo rt e de Jesu s não fo i ap enas algo qu e
cr io u a co nd ição de po ssib ilidad e d a ressurreição , po is ela t em seu sent ido
pró prio . Jesu s fo i per seg u ido e mo rt o pelo que fez, ist o é, po r causa d e su a
práx is desido lat r izado ra. Da cruz emerge o sent ido da hist ó ria, po is ne la o
80

pró prio Deu s fo i crucificado , mo st rando -se assim so lid ár io e present e no


“po vo crucificado ”. Est a expressão é cent ral na reflexão de So br ino , que v ê
no so fr iment o das vít imas u ma analo g ia co m o de Cr ist o crucificado .

Do s dado s enco nt rado s nas Sagrad as E scr it uras o t eó lo go salvado renho


ret ém pr imeirament e o do pro cesso de co ndenação de Jesu s par a, nu m
segu ndo mo ment o , pro po r uma reflexão desd e o co nt ext o hist ó rico da AL.
Sua chave d e leit ura é: “Os “po vo s cruc ificado s” do t erceiro mu ndo são ho je
o grande lu gar t eo ló g ico para co mpreend er a cruz de Jesus” 95. Sua análise se
faz em quat ro mo ment o s: 1) Jesus u m p er segu ido ; 2) Jesu s que mo rre; 3) e m
Jesus o pró prio Deu s é crucificado ; e 4) o Deus so lidár io present e no “po vo
crucificado ”.

3.3.1. Jesus um persegu ido.

O sig nificado da mo rt e de Jesu s fo i co mpreend ido pau lat inament e pela


co mu nidade. So br ino ent ende que a mo rt e era co nseqüência da práx is d e
Jesus, que ele fo i p ersegu ido durant e sua vid a po r cau sa d isso . O aut o r
examina as t rad içõ es eu car íst icas, o pro cesso co nd enat ó rio de Jesu s e co nclu i
que o element o mist er io so não co nsegu e ilu minação o u esclareciment o ma io r.

Os evang elho s mo st ram que Jesu s fo i pro gressivament e persegu ido 96. Os
que o persegu iam (o s far iseus, o s su mo s sacerdo t es, o s escr ibas, o s sadu ceu s
e o s hero d iano s) exercia m algu m t ipo de po der. As causas dest a persegu ição
são var iadas (u mas hist ó r icas e o ut ras t eolo g izad as, pr inc ipalment e em Jo ão ),
mas no fu ndo , não são o ut ras senão as o riu ndas das “d enú ncias de Jesu s
co nt ra o po der o presso r, d iret ament e o po der relig io so , em cu jo no me se

95
Ibi d. , p. 288.
96
Sã o si t ua ç ões em que J esus c or r e per i go de vi da : “N o r el a t o s obr e o pa ga m en t o do
t r i but o a Césa r (Mc 12, 13-17), os fa r i seus e os h er odi an os sã o en vi a dos “pa r a o p ega r em
pel a pa l a vr a ”. No r el a t o s obr e a r essur r ei çã o dos m or t os ( Mc 12, 18-23), os sa du ceu s
pr ocur a m desa cr edi t á -l o. A pa ssa g em da expul sã o d o t em pl o (M c 11, 15-19), c on cl ui c om a
del i ber a çã o d os sum os sa c er dot es e es cr i ba s em m a t á -l o. T a m bém a pa ssa gem da par á bol a
dos vi nh a t eir os h om i ci da s (M c 12, 1-12), c on c l ui com a i n t en çã o de pr en dê-l o p or que
c om pr een der am que se di r i gi a con tr a el es. Por úl t i m o, Mar cos e Ma t eus i n t r oduz em n est e
l ugar a pa ssa gem sobr e o m a n da m en t o pr in ci pa l (Mc 12, 28-34; Mt 2, 34-35) e a pr es en t a m a
cen a t a m bém com o t en t a çã o i n si di osa c on tr a Jesus” . Ibi d., p. 291.
81

ju st ificavam o ut ro s po deres” 97. So br ino obser va que Jesus cert ament e t inha
co nsciência do co nflit o pro vo cado e de suas pro váveis co nseqüências.

A mo rt e vio lent a não lhe so brevir á co mo u m dest ino ar bit rár io , mas
co mo algo que sempre est eve present e no ho r izo nt e. Jesus t em co nsciência d e
u ma mo rt e pro vável, mas mant eve- se fir me na persegu ição . Isto co nfir ma su a
fidelid ad e a Deu s e a u lt imidade de sua miser icó rd ia para co m o s ho mens. Po r
causa d esse fat o , sua mo rt e fo i int erpret ada co mo assu mida co m liberdad e e,
po r isso , co mo expressão de amo r. Po rém, ela mo st ra t ambém q ue Jesu s
co nhece e assu me a lut a do s deuses e a fo rça negat iva da hist ó r ia qu e aniqu ila
o pro fet a. “O ca minho p ara Jeru salé m, ap esar da p ersegu ição e at ravés d ela, é
a t radução geo gráfica da fid elid ade de Jesus no meio da lut a do s deuses” 98.

Para fa lar so br e o sig nificado que Jesu s d eu à su a pró pr ia mo rt e, So br ino


analisa as t rad içõ es eu car íst icas pro ven ient es de Ant io qu ia (1 Co r 11,23-27 ;
Lc 2 2,14-20) e de Jeru salé m (Mc 14,2 2-25; Mt 26,26-29). Segu ndo ele,
percebe-se nesses relat o s que, pr imeiro Jesu s co mpreend e sua v ida co mo
ser viço sacr ificia l, e segu ndo , co mo u m co nv it e para seus d iscípu lo s
part icipar em d e su a mo rt e. Ele a assu me co m lu cidez e co nfiança, sendo fie l a
Deus at é o fim.

O pro cesso de seu ju lgament o e co ndenação à mo rt e t em u m aspect o


relig io so e o utro po lít ico . Ent re as aut o ridad es ho u ve u ma p ercep ção
co nsensual de q ue Jesu s era u ma ameaça a ser eliminad a. As aut o ridad es
relig io sas co nseg uem co nvencer P ilat o s, o go vernado r ro mano , de que Jesu s
o ferecia mais per igo po lít ico do que Barrabás e, co nseqü ent ement e, P ilat o s
red ig iu em t er mo s po lít ico s a co nd enação de Jesu s.

A mo rt e de Jesu s é a co nseqü ência d a sua pró pria missão , do t ipo de


vid a qu e levo u, do que d isse e fez. Par a respo nder à p ergu nt a so bre o po rquê
da mo rt e de Jesu s, o NT t em do is t ipo s de t ext o s: o s que t ent am exp licar e o s
que bu scam co mpreender seu sig n ificado . O pr ime iro passo , o da

97
Ibi d. , p. 294.
98
Ibi d. , p. 295.
82

“exp licação ”, co nsid era a cru z co mo o d est ino do pro fet a (1 Ts 2,14 s; R m
11,3). Jesus mo rreu co mo u m pro fet a. O passo seg u int e, o de t ipo
apo lo gét ico , fo i dado quando se afir mo u que a cruz e a mo rt e fo ram pred it as
nas Escr it uras. Mas co mo est e passo não o fereceu lu mino sidad e su ficient e,
ent end eu-se que o sig n ificado (o u o po rquê) da cruz est ar ia esco nd ido e m
Deus, o u seja, fazia p art e do desíg n io d iv ino . Para So br ino , isso mo st ra que o
absurdo não é a ú lt ima pa lavra so bre a hist ó r ia e que a esp erança co nt inu a
sendo u ma po ssib ilid ade, po is o sent ido da hist ó r ia est á em Deus 99.

Po rt ant o, para So br ino , Jesu s fo i p ersegu ido ao lo ngo de sua vid a e


pun ido co m a mo rt e po rque ameaçava os int eresses do s po dero so s.
Pau lat inament e, po rém, o sig n ificado mais pro fu ndo dest e event o ,
aparent ement e t ão co mu m, co meço u a mo ld ar-se na co mu n idad e. Veja mo s
co mo no sso aut or co mpr eend e est e apro fund ament o do sig nificado da mo rt e
de Jesu s.

3.3.2. Jesu s que m orre.

Jesus mo rreu na cruz. O bem que Deus realiza at ravés da cruz fo i mu it o


cedo caract er izado co mo “salvação ”. Est a fo i co mpreend ida ao lo ngo da
hist ó r ia co mo “salvação do pecado ”. Para So br ino , est a co ncent ração no
aspect o esp ir it ual d esvirt uo u o que havia de escând alo na cruz de Jesus e nas
cruzes da hist ó ria 100.

Vár io s mo d elo s exp licat ivo s são usado s para afir mar qu e na cruz há
salvação . Os ma is impo rt ant es são o do sacr ifício , o de no va aliança e o da
figura do ser vo so fredo r. Pau lo ins ist e na ressurreição de Jesus, mas a cru z é
cent ral em sua so t er io lo g ia. E le d est aca seu aspect o salvífico e sua fo r ça

99
Sobr i n o sust en t a que, em úl t i ma in st ân ci a, a esper an ça nã o t em c om o fon t e o “ sa ber ” do
m i st ér i o, ma s a “fé” n o Deus c on cr et o c om um desí gn i o c on cr et o h i st ór i co. Cf. Ibi d. , p.
321-323.
100
Pa r a Sobr in o, t oda s a s vez e s que os fr a c os sã o i n just i ça dos, s e l e va n t a m m ai s cr uz es na
h i st ór ia . E l e usa di ver sa s expr ess ões c om o: ví t i m a s, o povo cr uci fi ca d o et c. pa r a descr e ver
a quel es s obr e os qua i s o a n t i -r ei n o a par en t em ente t r i un fa . Na sua m edi t a çã o s obr e “ o p ov o
cr uci fi ca do” , n oss o a ut or c om pa r a a o “s er vo s ofr edor ” (Is 42, 1-7) e di z : “a s or t e do p ovo
cr uci fi ca do, por t a n t o, par t i ci pa h oj e a n al oga m en te do de st i n o do s er vo” . Cf . Ibi d., p. 372.
83

in ig ualável, mo st rando t ambém co mo ela no s libert o u da lei qu e se havia


co nvert ido em ma ld ição .

Co nfo r me So br ino , o NT não vê no aspecto do lo ro so da cruz o element o


que pro duz a salvação . Nenhu m maso qu is mo po de, po rt ant o, se basear no NT.
A id éia d e resg at e t ambém não é t ão imp o rt ant e. O que o NT acent ua é qu e
Jesus fo i agradável a Deu s e po r isso fo i aceit o po r ele. O que fo i agr adável a
Deus fo i a t ot alid ade de sua vida em fidelid ade e miser icó rd ia at é o fim. Na
co nd ição hu mana, a fidelid ad e e a mis er icó rd ia se t o rnam realid ades ao
passarem po r u ma pro va 101.

Exist e u ma co nvicção hist ó r ica de qu e o amo r t em que passar pelo


so fr iment o . De fat o , o s Padres da Igreja d iz iam, “sem d erramament o de
sangu e não há salvação ” 102. Ago ra se to rna co mpreensíve l, po rque no passado
se t enha asso ciado salvação co m o derramament o de sang ue e co m o
sacr ifício . A salvação é co mpr eend id a co mo u m reco mpo r de algo que fo i
dest ru ído e est e pro cesso é cu st o so . “O pecado t em u ma fo r ça negat iva qu e
dest ro ça t udo e para freá- la, Jesus o assu me na cruz” 103.

Ao lo ngo da h ist ó ria, as figuras e lingu agens usadas p ara co mpreender


co mo Jesu s t raz salvação , reco rrem sempre a algo co ncret o . Assim, a
encar nação é part ic ipação na so rt e do s hu mano s e a cru z o resu lt ado dest a
encar nação e a co nd ição de po ssib ilid ad e de sup eração da negat iv idade do
mu ndo . Jesu s fo i co nsider ado o ser vo que vem imp lant ar a ju st iça e o d ireit o
(o prime iro cânt ico de ser vo ), mas acabo u sendo o servo so fredo r (ú lt imo
cânt ico de ser vo ), aquele que agrado u a Deus pela t o t alid ade de sua vid a.

A vid a e a cruz de Jesu s expressam o amo r de Deus pelo s ho mens (R m


3,28; Jo 3,16). A cruz é a no vidad e e a in esper ada afir mação dest e amo r, que
vem a nó s po r inic iat iva do pró prio Deu s. “Jesu s é o sacrament o hist ó r ico no

101
“Qu em t en t a exer cer a m i ser i cór di a pa ra com os out r os e sa l vá -l os, t em de est a r
di spost o a sofr er ” Ibi d., p. 332.
102
Ibi d. , p. 332.
103
Ibi d. , p. 332.
84

qual Deu s expressa su a irrevo gável mu dança sa lv ífica em nó s” 104. O bem que
Deus t raz at ravés da cru z é a inequ ívo ca afir mação que d iz t udo.

3.3.3. Em Jesus o própri o Deus é crucifi cado.

Po r que, nest e co nt ext o de amo r, o pecado t em t ant o po der? Po r que ne m


o pró prio Deu s po de fug ir a essa le i d a hist ó r ia? A cruz em si mesma é
escândalo para a razão . Temo s qu e det er-no s d iant e dest e escândalo , para ser
ho nest o s co m a realidade. Seg u ndo So br ino , est e é o pr ime iro passo de t o da
hu man ização .

Há d iver sas int erpret açõ es do silêncio de Deus e d as pa lavras de Jesu s


na cruz. E m Marco s, Jesu s expressa aband o no ; em Lucas, co nfiança; em Jo ão ,
ele co ro a co m a cruz sua mar cha t r iu nfal para Jeru salé m. Percebe- se nest as
int erpret açõ es u ma cert a su avização do escândalo d a cru z, embo r a Pau lo d ig a
que “Jesu s mo rre co mo mald it o ” (Gl 3,13 ) e a cart a ao s Hebreu s fale qu e ele
“se co lo ca co m grand es gemido s e lágr imas d iant e de que m po d ia livrá- lo d a
mo rt e” (Hb 5,7).

A cru z de Jesus não é apresent ada co mo a cruz de ma is u m márt ir, ma s


co mo a co nseq üência de sua vida e o ú lt imo ser viço à sua cau sa. Par a
So br ino , a inação , o silêncio e o abando no de Jesu s na cru z, t ambém po de m
revelar algo de Deu s.

Deus é co nhecido pelo qu e faz e pelo q ue d iz. O so fr iment o co nt inu a


sendo o enig ma, po r excelência, da r azão hu mana. Qual o sent ido “da mo rt e
de vít imas anô nimas q ue nem sequer puderam lut ar e mo rreram lent ament e o u
em massacres pelo simp les fat o de serem po bres?” 105. Também para a fé, o
so fr iment o co nt inua sendo enig ma. Há t eó lo go s que rejeit am qu alquer
t ent at iva de bu scar sent ido para o so fr iment o , enquant o o ut ro s, co mo
Balt hasar e Mo lt mann t êm u ma po sição diferent e que, segu ndo So br ino , não
fo i mu it o bem ent end id a. Diant e do so fr iment o , Deus não faz nad a, assi m

104
Ibi d. , p. 335.
105
Ibi d. , p. 349.
85

co mo nó s, o s seres hu mano s esperar íamo s que fizesse. Que E le t ambé m


part icipe no so fr iment o é algo inesperado e o no vo para nó s. “A ú n ica co isa
que a cru z d ir ia é qu e o pró pr io Deu s carrega o so fr iment o , e – para qu e m
aceit ar de maneira crent e sua presença na cruz de Jesu s – que é preciso
carregá- lo ” 106.

O pro ble ma cent ral é: o que sig n ifica d izer qu e o so fr iment o afet a a
Deus? A fé cr ist ã int ro duz u ma no vid ade rad ical no mo do de fazer afir maçõ es
do xo ló g icas so bre Deus. Est a no vid ade aparece na id éia da encar nação . Se o
Filho t o rno u-se car ne, ent ão aco nt eceu um “d evir” no Deus que não é carne.
Jesus é aqu ele que so fre na cruz, que é abando nado po r Deus. P arafr aseando
Pau lo , So br ino afir ma qu e “Deu s est ava na cru z” (Gl 3,13). Isso ap arece
t ambém em Mc 15,19, o nde o Cent ur ião , depo is da mo rt e de Jesus, faz a
co nfissão de fé: “verdadeirament e est e ho mem era filho d e Deus”. Par a
So br ino : “Se o Deus de Jesu s co nt rad iz clar ament e a apatheia, a ind ifer ença
do s deu ses grego s, dur ant e t o da a vid a d e Jesu s não há po r que presu mir que,
exat ament e na cru z, se t o rne apát ico , desint eressado ” 107.

A encar nação , d iz So br ino , é part icip ação na so rt e do s seres hu mano s.


E la no s aju da a ent end er co mo Deu s so fre na cruz de Jesu s. O Deu s que so fr e
é o Deus crucificado e o Deu s cruc ificado é Deus so lid ár io . Sua so lid ar iedad e
não é pat ernalist a nem d espó t ico , mas d ispo sição a part icipar da so rt e
daquele co m q uem ele se so lidar iza. Assim, Jesus é o Deus co no sco , Deu s
para nó s e, na cru z, Deu s a mer cê de nó s. O que o so fr iment o de Deu s, nu ma
hist ó r ia de so fr iment o , esclarece é q ue ent re a aceit ação do so fr iment o ,
at ravés de sua su blimação , e sua eliminação , através de u ma d ecisão ext erna,
se po de e se deve int ro duzir u ma no va o pção : a de carregá- lo . Para no sso
aut o r, o silêncio de Deus na cruz é so lid ar ied ade co m Jesu s e co m o s
crucificado s da hist ó r ia.

A so lidar iedad e pro fu nda de Deus co m o s seres hu mano s, esp ecialment e


co m o s mais po bres e fr aco s, O levo u a part icipar do dest ino t rág ico deles,

106
Ibi d. , p. 351.
107
Ibi d. , p. 353.
86

sendo crucificado hist o r icament e co m eles. E xaminaremo s ago ra co mo


So br ino desenvo lve est e co nceit o de Deus so lid ár io , present e no po vo
crucificado .

3.3.4. O Deus solidá rio presente no povo crucifi cado.

A imag em vét ero -t est ament ár ia do “ser vo so fr edo r” resu me a


exper iência hu mana da o pressão , que sempre est eve present e na hist ó r ia. A
so rt e do s po vo s crucificado s 108 de no sso s d ias mo st ra a per sist ência d e u ma
do lo ro sa realid ade que, analo gament e, po de ser co mp arada à do ser vo
so fredo r. Est e fo i esco lhido po r Deu s par a a sa lvação . Sua esco lha (e leição )
só po de ser ent end id a a part ir da fé, po is pert ence ao desíg nio inso nd ável d e
Deus 109.

Os o pr imido s são seu s pró pr io s agent es d e libert ação . O ser vo carrega o


pecado do mu ndo . O pecado é o que mat o u Jesu s e co nt inu a mat ando o po vo
crucificado . Na espo liação do s recurso s nat urais pelas empresa s
mu lt inacio nais, qu e desfig ura o s ro sto s do s po vo s po bres, So br ino vê o preço
que se p aga po r fazer a maq u iag em d as met ró po les.

Po rém, o ser vo é a luz das naçõ es, no sent ido de que a mera exist ência
do po vo crucificado po de desmascarar a ment ira co m que se enco bre a
realidad e dest e mu ndo . O ser vo t raz a salvação , su a crucifixão é hist ó r ica. O
po vo crucificado afir ma a ex ist ência de u m imenso pecado que exig e
co nver são , co mo em nenhu ma o ut ra realid ade.

Segu ndo So br ino , o po vo crucificado oferece t ambém u ma esperança


insensat a o u absurda face ao po sit iv ismo est úp ido e ao prag mat ismo crasso

108
É a r efer ên ci a a os p ovos de vá r i os pa í ses d a Am ér i ca La t i na , com o E l Sa l va d or,
Gua t em a l a e out r os, on de cen t en a s de m i lh ar es de pobr es, i n dí gen a s e ca m pon eses for a m
m a ssa cr a dos n a s déca da s que se segui a m à segunda guerr a m un dia l por quer er em um a vi da
m a i s di gn a m at er i al m en t e. As di t a dur a s l oca i s em c ol usã o c om os E UA, e fet ua r am essa s
ch a ci na s. Ven ci dos os pr a z os l ega i s, os d ocum en t os cl a ssi fi ca dos d o g over n o dos E UA
sobr e sua a t ua çã o n a Am ér i ca La t in a dur ant e est e per í od o, e st ã o pr ogr essi va m en t e
di spon í vei s pa r a con sul t a públ i ca . Com o um exem pl o: Cf . “St umbl i ng upon Guate mal a’s
past ” em NCRon l i n e. or g de set em br o 23 de 2005.
109
Is 42, 1; 49, 3. 7. c f . SOBRINO, J e sus, p. 373.
87

que regem no mu ndo de ho je 110. Est e po vo po ssu i u m grand e amo r e est á


abert o a perdo ar seus o presso res. E le não quer t riu nfar so bre eles, ma s
part ilhar o que t em co m eles e o uto rgar-lhes fut uro . Isso abre espaço para o
surg iment o da so lid ar ied ade, est e mo do abert o de o s seres hu mano s se
relacio narem u ns co m o s o ut ro s, cada u m dando o melho r de si ao s o ut ro s e
recebendo deles o melho r do s o ut ro s.

Para So br ino , po rt anto , a cruz e a mo rt e de Jesus são o resu lt ado de su a


práx is, so bret udo , em sua d imensão desid o lat rizado ra. Jesu s fo i p ersegu ido a
vid a t o da. Sua mo rt e o bedece à seq üência ló g ica de su a encar nação nu m
mu ndo mar cado pelo pecado . A cat ego ria “a mo r” é a que melho r exp lic a
melho r a encar nação e a salvação , send o t raduzid a po r no sso aut or co mo
so lidar iedad e d e Deus co m as vít imas. No s po vo s cru cificado s de ho je, est e
Deus se revela q uest io nando as est ruturas d a so ciedad e que pro duze m
inú meras vít imas, o ferecendo ao mesmo t empo , vid a, esper ança, co nversão ,
perdão e so lidar ied ade na lut a co nt ra o s deuses da mo rt e.

Vejamo s ago ra co mo So br ino ent ende a ressurreição de Jesus e a


exper iência pascal no co nju nt o de sua Cr ist o lo g ia.

3.4. A Ressurreição de Jesus

Na o bra A f é em Jesus Crist o, ensaio a p arti r das vítimas, Jo n So br ino


examina a Ressurreição de Jesu s de mo do exaust ivo . Apresent aremo s a segu ir
algu ns aspect o s dest a o bra, co ncent rand o -no s, so bret udo , na her menêut ica
pro po st a po r no sso auto r.

3.4.1. A abordagem herm enêutica.

Abo rdamo s nessa pr imeir a part e, quat ro po nto s: a) A necessid ade d a


her menêut ica; b) A co mpreensão neo t est ament ár ia da ressurreição ; c) A

110
Cf . Ide m. , p. 378-379.
88

Ressurreição de Jesu s no quer ig ma pr imit ivo ; e d) A esper ança co mo


pressupo st o her menêut ico .

3.4.1.1. A necessi dade da herm enêutica.

A qu est ão her menêut ica levant ada pela ressurreição é análo ga à do


co nheciment o de Deu s at ravés d e suas açõ es. A leit ura que So br ino faz d est a
quest ão é marcada p elas d iversas o p in iõ es pr esent es no debat e cr ist o ló g ico
at ual.

A r essurreição de Jesus é u ma realid ad e- limit e. Usam- se no NT vár ias


ling uagens para abo rdá- la. P ara So br ino , t o das essas ling uag ens querem d izer
u ma ú nica co isa: o Ressu scit ado não é o ut ro senão o Crucificado . O
o primido , a vít ima, fo i exalt ada, e nest e pro cesso , o po dero so fo i abaixado .
Co nt udo , o s t exto s não po dem ser lido s ingenu ament e, nem po dem revelar
suas imp licaçõ es facilment e sem u m co nju nt o de pr incíp io s her menêut ico s
adequ ado s.

A d ificu ldade de co mpreensão do s t exto s ser ve co mo med iação par a


co nhecer mo s o que desco nhecemo s: a Ressurreição . A TdL pro põ e sua
pró pria co nt r ibu ição para enr iquecer as d iversas her menêut icas da
ressurreição present es na cr ist o lo g ia. Essa co nt r ibu ição , surg id a de u ma
práx is cu jo pr essupo st o é a co nvicção de que a vid a, a ju st iça e o amo r
vencer ão o s sist emas que pro duzem v ít imas, t em a esperança das vít imas
co mo princíp io her menêut ico e lug ar de acesso à ressurreição 111.

E m sua análise do s enfo q ues her menêut ico s de alg u ns aut o res mo der no s,
So br ino aco lhe co nt r ibu içõ es valio sas, que enr iqu ecem sua pró pr ia
perspect iva, que é a lat ino -amer icana. E le resu me a co nt r ibu ição do s grand es
t eó lo go s que marcaram o debat e t eo ló g ico do sécu lo XX d izendo que e m

111
Segun do S obr in o, a esper a n ça que a r essur r ei çã o d e J esu s su sci t a , n ã o é qua l quer
esp er an ça , m a s a esper an ça n o poder de D eus c on tr a a in just i ça que pr oduz ví t i m a s. A
r essur r ei çã o de Je sus é esp er an ça pa ra a s ví t i m a s e os cr uci fi ca dos da h i st ór i a . E xi st e,
por t an t o, um a cor r el a çã o en t r e r essurr ei çã o e cr uci fi ca dos, que é a n á l oga à cor r el a çã o
en tr e r ein o de Deus e p obr es.
89

no sso mu ndo mo der no não ser á impr ó pria a ser iedade exist encial d e
Bu lt mann, d iant e d e lev iand ades pó s- mo dernas; nem o chamado à práx is d e
Mar xsen, d iant e da ind iferença q ue se no s int ro jet a; nem a esperança, aind a
que fo sse at é so ment e na versão de Pannenberg, per ant e a geo po lít ica d a
desesp erança; o u a evo cação do mist ér io , feit a po r Rahner, d iant e da
banalização da realid ade 112.

Segu ndo no sso t eó lo go , a co nt r ibu ição o rig ina l q ue a t eo lo g ia lat ino -


amer icana faz à t eo lo g ia é a d e u ma det erminada práxis: viver já d e t al mo do
que est a vid a “seja para a verdade e a just iça”. Para So br ino : “... na AL, a
t radição de Jesu s ressu scit ado facilit o u, ao meno s em p art e, que se ger e
esper ança no co mpro misso , que se fo r mu le e m ut o p ias, que se afir me que a
ú lt ima palavr a que d irá será a vida, a just iça, a verdade, o amo r” 113.

Perant e a realidade- limit e d a ressurreiç ão , So br ino afir ma qu e o NT


anu ncia u ma no vid ade p lur iva lent e que se expresso u em t rês d imensõ es. Ao
chamar o que aco nt eceu co m Jesu s depo is de sua mo rt e de “ressurreição ”, é-
no s revelado u m no vo Deus 114, u ma ind isso lúvel u nião de Jesus co m Deu s 115, e
u ma no va sit u ação p ara aqueles que est iveram co m Jesu s e receberam o
Esp ír it o para co nhecê- lo e segu í- lo 116. Para Pau lo , t o rnamo -no s “no vas
cr iat uras” (Gl 6,5 ; 2 Co r 5,17; Rm 6,4) quando “recebemo s o Esp ír it o ” e
“seg u imo s” Jesu s. A no vid ade aco nt ecid a co m Jesus t o rna-se u ma no vidad e
para o ser hu mano , po ssib ilit ada pelo “no vo ” Deu s.

Para elucid ar seu pr incíp io her menêut ico , So br ino ret o ma as t rês grand es
quest õ es Kant ianas refo r mu lando -as e ap licando -as à ressurreição no NT: 1) o
que eu po sso saber ? “O Senho r ressu scit o u verdadeirament e” (Lc 23,34) ; 2)

112
Cf . SOBRINO, A Fé , p. 57.
113
Ide m. , p. 32.
114
A i m a gem de um Deus s ol i dá r i o, por tan t o en vol vi do c om a sor t e d os s er es h um an os,
c om o ver em os m a i s a di ant e em n oss o ca pí t ul o IV , i t em 3.
115
E ssa c om pr een sã o da un i ã o i n di ssol úvel de Je sus c om D eus c on cr et i z ou-s e
post er i or m en t e em for m ul a ções c on ci l i ar es s obr e a pess oa de J esus de Na z a r é. Nos sa
h i pót ese de t r a ba l h o pr essup õe es sa s de fi n i çõe s e por i sso n ã o pr et en dem os a pr ofun da r
essa di m en sã o.
116
O ca pí t ul o IV va i en um er ar a s ca r a ct er í st i ca s des sa n ova si t ua çã o n a vi da d os que
segui a m Je sus e ver i fi ca r um a si t ua çã o a ná l oga i den t i fi cá vel n a pr á xi s ecl esi a l l a t in o-
a m er i can a.
90

O que me é lícit o esperar ? “Cr ist o ressuscit o u do s mo rto s co mo pr imícia s


daqueles qu e ado r mecera m” (1 Co r 15,20); 3) O que eu devo fazer ? “... ele s
saíram a pregar o Ressuscit ado po r to da part e” (Mc 16,20). No sso auto r
acrescent a aind a u ma quart a pergu nt a às d e Kant : O qu e podemo s cel eb rar n a
hist ó r ia? Segu ndo ele, “celebrar ” p ert ence à t ot alid ade do ser hu mano . “Se m
capt ar o que já exist e de celebr ação na hist ó r ia, não se po de co mpreender a
realidad e lat ino -amer icana a part ir de o nd e no s p ergu nt amo s pela
ressurreição ” 117.

Passaremo s ago ra ao exame qu e So br ino realiza da co mpreensão


neo t est ament ár ia d a ressurreição .

3.4.1.2. A com preensão neot est am entária da ressurrei ção.

As r aízes da linguagem neo t est ament ár ia da ressurreição enco nt ram-se,


segu ndo So br ino , no AT. Os d iscíp u lo s usam u ma cat ego r ia apo calípt ica,
ressu rreição dos mo rto s, para expressarem a p lur iva lência da exp er iência qu e
t iveram apó s a ressurreição de Jesus. É uma met áfo ra t irad a da vida:
desp erta r o u aco rda r do sono, que expressa u ma mudança rad ical. A fó r mu la
mo st ra que a mo rt e não põ e fim abso lut o à exist ência hu mana.

So br ino afir ma que, par a se co mpreender a fó r mu la “r essurreição do s


mo rt o s”, é necessár io perceber su a t rajet ór ia no AT. Desde o pr inc íp io de su a
hist ó r ia, Israel co mpreendeu seu Deu s co mo Deu s da vid a. De fat o, a
exist ência h ist ó rica fo i t ão abso r vent e para est e po vo , que ele não
desenvo lveu, lo go de imed iat o , nenhu ma do ut rina so bre a vid a depo is d a
mo rt e, co mo o fizeram seu s po vo s viz inho s 118. É a part ir das t rad içõ es
pro fét ica, sap iencial e apo calípt ica, que vai surg ir a esper ança na
ressurreição .

117
SOBRIN O, A fé , p. 61.
118
Os egí pci os, por exem pl o, t i nh am um a doutr in a det a l ha da a cer ca da vi da a pós da m or t e.
E st a dout rin a er a in a cei t á vel pa r a Isr a el, por que er a ba sea da n o despr ez o da vi da t err en a ,
a l go que o i sr a el i t a con si der a va o gran de dom de Deus. Cf . Ide m. , p. 63.
91

Na t rad ição pro fét ica, I srael ent endeu o senho r io de Deus que abarcav a
t udo : passado , present e e fut uro . Est ar em co mu nhão co m est e Deu s d a vid a
era fu ndament al e po r isso , o sheol (o mu ndo do s mo rto s) não era co nsid erado
co mo u m âmb it o que impo rt ava a I ahweh. Nesse co nt ext o , a mo rt e co mo fi m
da exist ência, não era u m escândalo p ar a a fé israelit a. Aqu i, So br ino t ira
duas co nclu sõ es: 1) a afir mação do além não surg iu à margem d a hist ó r ia ne m
co nt ra ela ; 2) a fid elidade à fé e m I ahweh, fo i levando , pau lat inament e, o
po vo a afir mar u ma v ida apó s a mo rt e. Quando Israel chego u a examinar a
quest ão da vida além da mo rt e “... su rg iu a esperança escat o ló g ica qu e
Iahweh exercer ia o seu do mín io so br e to do s o s po vo s e so bre t o da realidade,
mais ainda, q ue Iahweh ser ia vencedo r so bre t o do s o s po deres hist ó r ico s e
có smico s” 119.

A t rad ição sap iencial acrescent o u u m no vo element o a essa fé e m


pro cesso de evo lu ção . No livro de Jó aparece u ma so lução inéd it a para o
pro blema d a ret r ibu ição : “... quem ad ere a Iahweh não morrerá p ara sempre,
per manecerá sempre lig ado a ele. “Deus me arranca das garras do abis mo e
do po der do sheo l e me arrebata”. A co mu nhão co m Iahweh per manece par a
sempre” 120.

No s mo ment o s t rágico s da hist ó r ia d e Israel, surge o mo viment o


apo calípt ico que respo nd e à p ergu nt a so bre a just iça d iv ina, co m a afir mação
de que I ahweh co m cert eza far á ju st iça e o carrasco não t riu nfará so bre a
vít ima. A leit ura apo calípt ica se d iferencia n isso da pro fét ica q uando afir ma
que so ment e nu ma no va hist ó ria, rad icalment e d iferent e, as co isas po de m
mud ar.

So br ino apo nt a para o ut ra caract er íst ica no t ável do AT: a ressurreição


final é apresent ada co mo ressurreição de u ma co let iv idad e. Est a fé surge nu m
co nt ext o de per seg u ição a que fo ram submet ido s o s judeu s no t empo d e
ant ío co IV Ep ifanes. Mu it o s fiéis fo ram ent ão cruelment e imo lado s. Danie l
(12,2) é u m t ext o de co nso lação e esp erança no meio d a pro vação , mas t rat a-

119
Ibi d. , p. 64.
120
Ibi d. , p. 65.
92

se t ambém d e u m t ext o t eo ló g ico . Is 65,17-25 fala d e u m mu ndo rad icalment e


d iverso , mas so b a imagem de u ma t erra reno vada. No t empo de Jesu s, est a
esper ança era co mp art ilhad a po r mu it o s judeus. E le mesmo uso u a expressão
Reino de Deu s p ara falar dest a esperança e ins ist e mais na linha pro fét ica do
que na apo calípt ica. “A pr imeira geração de cr ist ão s acred it o u que a
ressurreição de Jesus era o co meço da ressurreição un iversal (1 Ts 4,15.17 ; 1
Co r 15,51) e só na segu nd a g eração se co nscient izo u da t ensão t empo ral ent re
ressurreição de Cr ist o e a parusia fina l” 121.

Para o s pr ime iro s cr ist ão s, a ressurreição de Jesus era a re-ação de Deu s


à ação do s que assassinaram Jesu s. Nela se expressa sua ju st iça em favo r
daquele qu e fo ra assassinado inju st ament e. Ela é o mo t ivo de esper ança qu e
animo u a missão do s apó sto lo s e u m do s pressupo st o s básico s par a a
Cr ist o lo g ia lat ino -amer icana.

3.4.1.3. A Ressu rreiçã o no querigm a pri m itivo.

No quer ig ma pr imit ivo (1 Co r 15,3s) a ressurreição é anu nciad a ju nt o


co m a cruz d e Jesu s. Segu ndo So br ino , os crucificado s da hist ó r ia serão , po r
isso , o lug ar mais apro pr iado para se co mpreender a ressurreição de Jesus. No
Evangelho d e Marco s (16,7), o jo vem vest ido de branco o rdena ao s d iscípu lo s
para ir em à Galilé ia, o nd e verão o Ressu scit ado . No sso t eó lo go pensa q ue a
Galiléia po de ser v ist a co mo E l S alvado r e t o do s o s o ut ro s lugares do mu ndo
o nde surg em cruzes deco rrent es da lut a pela ju st iça.

Os d iscípu lo s t iver am a exper iência pascal e expressaram essa


exper iência em lingu agens co mo ressu rreição, exalta ção e vida. Co mo
ent end er ho je est es t ext o s do passado , que t êm ho r izo nt es e pressu po st o s
pró prio s, e super ar a d ist ância t empo ral e met afís ica par a expr imir a
realidad e escat o ló g ica?

121
Ibi d. , p. 69.
93

3.4.1.4. A esperan ça com o pressup osto herm enêutico.

Tendo a esperança co mo pressupo st o her menêut ico , a t eo lo g ia


recupero u, segu ndo So br ino , aspect o s fund ament ais do NT e pô s-se e m
sint o nia co m as exig ências das ant ro po lo g ias at uais. “A esp erança t e m
relação d ir et a co m a ju st iça, não simp lesment e co m a so brevivência; seu s
su jeit o s pr imár io s são as v ít imas, não simp lesment e o s seres hu mano s; o
escândalo que deve superar é a mo rt e inflig ida in ju st ament e, não
simp lesment e a mo rt e nat ural co mo dest ino ” 122.

Israel v iveu po r mu it o s sécu lo s sem que a mo rt e pesso al fo sse escândalo


para sua fé. No ent ant o , cresceu pau lat inament e a co nsciência da
impo ssib ilid ade d e har mo nizar fé em Iahweh e vít imas ino cent es 123. Uma vez
que surg iu essa co nvicção , a fé em Deus, dent ro da realid ade pro duto ra das
vít imas, inc lu iu, a po ssib ilidade de t r iu n far co nt ra a inju st iça. Nas palavras
do So br ino : “Qu em ama as vít imas, quem sent e ínt ima co mp aixão para co m
elas, quem est á d ispo st o a ent regar-se a elas e a so frer o seu mesmo dest ino ,
est e po de ver t ambém na ressurreição de Jesu s u ma esperança par a si” 124.

Os d iscípu lo s se co nsidera m t est emu nhas (At 2,32) da ressurreição que,


em pr incíp io , desencadeo u u ma missão co ncret izad a de mu it as fo r mas ( At
1,8; Lc 24,48 ; Mt 28,19-20 ; Jo 20,23 ; 21, 15.17; Mc 1 6,17-18). Trat ava- se d e
u ma práx is dual de anún cio da verdade da ressurre ição e de vivência
“r essu scit ada” na h ist ó ria. Fo r malment e, não é u ma práxis qualq uer, mas
aqu ilo que hist o r ica ment e parece impo ssível: “... a lut a co nt ra o s ído lo s d est e
mu ndo , a sup eração de u ma co nsciência po pu lar secu lar ment e r esig nad a, o

122
Ibi d, , p. 70.
123
Aqui pode s e l e va n t ar a quest ã o do t em a do l i vr o de Jó. J ó, n os seu s i n for t ún i os, sur ge
c om o um h om em pr ofun do, ca pa z de a ssum i r e r epr esen t ar a h um an i da de sofr ed or a que
bus ca a uda z m en t e a Deus, per an t e o fr a ca ss o da dout r in a tr a di ci on a l da r et ri bui çã o
(In tr oduçã o a o l i vr o de J ó n a B í bl i a do pe re grino. Sã o Pa ul o: Pa ul us, 2002, p. 1060). O
pr ól og o s e de sen vol ve em d oi s pl a n os, o c el est e e o t er r est r e e o l ei t or sa be que os m a l es
que J ó s ofr e sã o um a pr ova d e sua fi del i da de. (In tr oduçã o a o l i vr o d e J ó n a B í bl i a de
J e rusal é m. Sã o Pa ul o: Pa ul us, p. 801). O l i vr o, n a sua t ot a l i da de, enr i quece o n os s o
c on h eci m en t o de Deus, d o ser h uman o e sua s r el a çõe s. Com o vi m os a ci m a , a tr a di çã o
sa pi en ci a l , da qual o l i vr o de J ó fa z pa r t e, a cres cen t ou um n ovo el em en t o à s ol uçã o d o
pr obl em a da r etr i bui çã o: a com unh ã o com Ia h we h per man ece pa r a sem pr e.
124
SOBRIN O, A Fé , p. 74.
94

esqu ecer em- se as Igrejas de si mesmas e vo lt arem-se para o s o pr imido s dest e


mu ndo ” 125.

Mat er ialment e, a missão é “descer da cruz o po vo crucificado ”. Nas


palavras de So br ino : “Co mo est a práxis é em favo r do s crucificado s, o é
t ambém, aut o mat icament e, co nt ra seu s verdugo s, e é, por isso , u ma práxis
co nflit iva, co nscient e do s r isco s e a eles abert a em favo r das vít imas e co m
d ispo nib ilidad e para que a pró pr ia pesso a se t o rne u ma vít ima” 126.

Assim co mo a práxis de Jesu s imp licava libert ação , sua ressurreição


t ambém abr iu a po ssib ilid ade d e a esperança escat o ló g ica ser o pr incíp io d e
int erpret ação da realidade hu mana. Os segu ido res de Jesu s, em su a práxis,
t ambém co nsegu ir ão “vit ó r ias” parc iais na hist ó r ia co m seu s pro jet o s
hist ó r ico s de libert ação . Para So br in o , essas “ressurre içõ es” parcia is
co nsegu id as p ela práxis, gerar ão a esper ança de q ue a libert ação é po ssível,
do mesmo mo do que a at ivid ade libert ado ra de Jesu s.

To mando po sição no debat e co nt emp o râneo so bre a ressurreição ,


So br ino su st ent a qu e não impo rt a se vo cê co mpreende a ressurreição de Jesu s
co mo “pro lep se” (Pannenberg) o u “pro messa” (Mo lt mann) 127. No sso t eó lo go
não co nco rda, po rém co m P annenberg, q ue pensa a ressurreição co mo algo
relacio nado co m o final d a hist ó r ia, po is isso parece supr imir a necessidad e
da práxis e não põ e em evid ência a parcialid ade d iv ina para co m as vít imas.
E le prefere, ju nt o co m Mo lt mann, co mpr eend er a ressurreição co mo
pro messa, lembr ando que o pro blema mais pro fu ndo é o de t o mar po sição
d iant e do mist ér io ú lt imo da realidade. Os t exto s da ressurreição são para nó s
u m co nvit e exist encia l a ver a hist ó r ia a part ir de u ma visão e caminhar e
at uar na hist ó r ia segu ndo est a visão .

125
Ide m. , p. 78.
126
Ibi d. , p. 78.
127
Cf . Ibi d., p. 40-57.
95

Para So br ino , po rt ant o , a esper ança, enqu ant o pressupo st o her menêut ico ,
recupera aspect o s fu ndament ais do NT, sendo ao mesmo t empo u ma das
cat ego rias pr iv ileg iadas das ant ro po ló g ias at uais. À luz d e sua exper iência
hist ó r ica, a fé israelit a chego u a inc lu ir t ambém a esp erança que seu Deu s
t riu nfar ia co nt ra a in just iça. A missão do s d iscípu lo s fo i t est emu nhar a
ressurreição . Ho je est e t est emu nho co nsist e em descer d a cru z o po vo
crucificado .

3.4.2. A Ressu rreição de Jesus con sid era da historicam ente.

Para falar da hist o ricidad e da ressurreiç ão de Jesu s, So br ino evo ca o


t est emu nho do s d iscípu lo s, t ranscr it o nas d iversas t rad içõ es t ext uais, qu e
co nst it uem o t est emu nho cr iado r. Ele evo ca t ambém a po ssib ilid ad e de rep et ir
analo g ament e a exper iência p ascal em no sso mo ment o hist ó rico na AL.

“O que me é permitido esp era r?” No AT, a met áfo ra “ressurreição do s


mo rt o s”, é u ma expressão t irad a da vid a cot id iana e sig n ifica u ma mud ança
rad ical, enfo cando a super io r id ade da no va s it uação co m resp eit o à ant iga.
Po r detrás da crença na so brevivência ap ó s mo rt e, resu lt ado da influ ência d a
filo so fia greg a, enco nt ramo s a co ncepção do s pro fet as (Ez 37,1-14) e a da
co rrent e apo calípt ica (Dn 12,1-4). No t riu nfo d e Jesu s, algu mas co rrent es
( livro s não canô nico s) co nsid eravam a ressurreição apenas co mo o
pressupo st o para o ju ízo final e at é cheg aram a afir mar qu e o s just o s é que
ressuscit am.

Nas fo r mu laçõ es neo t est ament ár ias da ex per iência pascal, o s d iscíp u lo s
afir mam qu e Jesu s est á vivo po rque Deus o ressu scit o u. De aco rdo co m
So br ino , a expect at iva apo calípt ica co nvert eu-se para eles em ho r izo nt e de
co mpreensão , co mo aparece em Pau lo . Para o Apó st o lo , em co nt inu id ade co m
suas co nvicçõ es ant er io res à exp er iênc ia de Damasco , a ressurreição sig nific a
u ma mud ança rad ical. E m si mesma, ela é salv ífica. E le parece po r isso
96

inc linar-se em d izer que só o s just o s ressuscit arão (1 Co r 15,22s; I s 26,7-19 ;


co nt ra Dn 12,1-3) 128.

Os t ext o s so bre a ressurreição no No vo Test ament o não descrevem o


event o ele mesmo , mas relat am as exp eriências das ap ar içõ es e do t úmu lo
vazio . O t ext o mais ant igo é u ma fó r mu la co nfessio nal d e o r igem ar ameu-
palest ina (1 Co r 15,3 b-5). E le evo ca: 1) a mo rt e e o sepu lt ament o de Jesu s; 2 )
a ressurreição co mo ação de Deu s (egergertai) ; 3) a mar ca t empo ral “ao
t erceiro d ia”, expressão po uco freqüent e, po is só aparece nas pred içõ es d a
paixão e no logion do t emp lo . Est e “g erme d as fut uras pro fissõ es de fé” 129,
est a marca t empo ral é acrescent ada, t alvez, para ind icar que se cu mpr ia u ma
pro fecia (Jn 2,1 ; 2 Rs 20,5 ; Os 6,1s).

Há u ma d iversid ade d e t radiçõ es no s relat o s so bre o t empo e o lugar das


apar içõ es do Ressuscit ado , mas o fat o co mu m é qu e Jesu s se lhes dá a
co nhecer. Os d iscípu lo s t êm q ue su perar cert a dúvid a e o Ressuscit ado lhes
dá o encargo de missio nar. Na reação do s d iscípu lo s há alegr ia, medo e
ado ração , além d e incredu lid ade. So br ino d iz que o s evang elist as precisava m
defender- se d a acusação de t erem vist o um fant asma. Os evang elho s se
d ir ig em às co mu nidades d ist ant es da exp er iência o r ig ina l.

O sepu lcro vazio é o único relat o co mpart ilhado pelo s quat ro evangelho s
(Mt 27,1-8; Mc 16,1-8 ; Lc 24,1-8 ; Jo 20,1-10). O t ext o po ssu i relat iv a
ant igü id ade. So br ino co nco rda co m Kessler p ara quem o sepu lcro vazio
co nt inua sendo u ma quest ão abert a e u m fat o ambíg uo 130. As mu lheres
enco nt ram o sepu lcro vazio , mas não tiram a co nc lusão de q ue ho u ve a
ressurreição . É um an jo que lhes anu ncia a no vid ade ( Lc 24,4-7 ; 16,5-7 ; Mt
28,2-7).

128
E ssa é a posi çã o de S obr i n o em sua obr a Cri st ologi a a part i r da A mé ri c a Lat i na,
pr in ci pa l obr a do “pr i m eir o Jon Sobr i n o” , segundo AL BUQ UE RQ UE , Fr an ci sco Ch a ga s
de, “Pre s supost os, me t odol ogi a e re l e v ânc i a da c ri st ol ogi a de J on Sobri no, Bel o
Hor i z on t e: ISI-CE S. 1996. (Di sser t a çã o de Mest r a do) p. 10.
129
BÍ BLIA DE JE RUSA LÉ M, p. 2013, n ot a “a”.
130
Sobr i n o a gr upa os a r gum en t os con c er n en t es a o t úm ul o va z i o, m ost r an do a
i m possi bi l i da de de se t i r ar con cl usões cl a r a s. E le dest a ca , por ém o i n t er esse m a ni fest o n o
sepul cr o va z i o, em t oda pr oba bi l i da de a ser vi ç o da cel e br a çã o l i t úr gi ca. Cf. SOBRINO, A
f é , p. 94-97.
97

O ver bo ophthe, usado em 1 Co r 15,5 e no s evang elho s, po de sig nificar


que Jesus “fo i apresent ado e t o rnado v isív el” po r Deu s o u “se apresent o u e se
deixo u ver ”. Mais u ma vez, So br ino est á de aco rdo co m Kessler para d izer
que ist o po de sig nificar u m en tend er em pro fu nd idad e o u um sab er qu e
haviam se enco nt rado co m Jesus v ivo e exalt ado . “O “deixar-se ver” de Jesu s
e o “ser capacit ado para ver” quer d izer que as apar içõ es são ant es de t udo ,
expressõ es de do m e graça e qu e, po rt ant o, a in iciat iva vem de Deus” 131.

A pro ximidade iminent e d a p len it ude fina l e a t eo lo g ização que o s


d iscíp u lo s fizera m, mo st ram u ma prefer ência, d a p art e deles, pelo t er mo
“r essurreição ” e não po r o ut ro s co mo : arrebat ament o o u exalt ação , que
aparecem po st er io r ment e. Segu ndo So br ino , nesse co nt ext o , o co nceit o
“Reino de Deu s” d esapar ece em benefício de u ma co ncent ração na p esso a d e
Jesus.

Os relat o s das apar içõ es expr ime m ao mesmo t empo a no vidad e d a


desco nt inu id ade ent re Jesu s t erreno e o Cr ist o glo r io so , e a co nt inu idad e
ent re o Ressu scit ado e o Crucificado . Os t ext o s no s fala m qu e aco nt eceu
algo ao s d iscípu lo s e ist o po r causa do enco nt ro co m Jesu s, a quem chama m
de “o Ressuscit ado ”. E mbo ra as t rad içõ es sejam d e expressão lit erár ia
var iadas, não há mo t ivo , segu ndo So br ino , para duvid ar da ho nest id ade da s
t est emu nhas.

Os pr imeiro s cr ist ão s creram que a ressu rreição de Jesu s era o co meço


da ressurreição u niver sal, po rque na apo calípt ica não havia a expect at iva d e
que ressuscit ar ia “u m” só ho mem. A segu nd a g eração do s cr ist ão s,
percebendo a demo ra d a paru sia, penso u a ressurreição de Jesu s co mo a
ressurreição do primo gênit o de mu it o s ir mão s (Rm 8,29, et c.).

So br ino d iz que o s caso s de Heno c (Gn 5 ,24) e Elias (2 Rs 2,11) não se


co nt rapõ em à esper ança cr ist ã, que é det er minada pelo s seg u int es fat o res: 1 )

131
Ide m. , p. 97.
98

a per spect iva da desco nt inu id ade, qu e se man ifest a na pr egação de Jesu s e na
exigência do seu segu iment o ; 2) a cruz de Jesu s, que dest ru iu a fé do s
d iscíp u lo s, marcada at é ent ão pela expect at iva apo calípt ica g eral do jud aísmo
daquele t empo ; 3) a per spect iva da co nt inu id ad e ent re a apo calípt ica e a
esper ança cr ist ã, que se ev idencia na expect at iva da ju st iça de Deu s. Par a
So br ino , a apo calípt ica não é simp lesmen t e uma quest ão do final de hist ó r ia,
mas de t eo d icéia. Há qu e se p ergunt ar “q uem” ressu scit o u ? A
desco nt inu id ade não res ide no fat o de que alguém ressu scit e ant es do s o ut ro s.
O que co nst it u i o no vo e o escandalo so é que Jesu s fo i co nd enado , execut ado
e abando nado .

So br ino sust ent a que a apo calípt ica é o ho r izo nt e de co mpreensão da


ressurreição de Jesu s, mesmo qu e est e ho rizo nt e não co nsiga fazer ent end er
ressurreição co mo ant ecipação do final d a hist ó r ia. A pregação do Nazareno
Jesus fo i fo r malment e apo calípt ica. Mat er ialment e, o que est á em jo go na
cruz é a verdad e e o po der do amo r de Deus nu m mu ndo de inju st iça. O
quer ig ma pó s-pascal enfo ca a esp erança d e u ma no va ju st iça nu m mu ndo não -
red imido . O aut o r sit ua o lug ar her menêut ico na p ergu nt a pela ju st iça na
hist ó r ia do so fr iment o . Para ele, a d iscu ssão fu ndament al qu e est á embut id a
na ressurreição é a do t riu nfo da just iça.

Para respo nder à quest ão : “o que eu po sso saber ?”, So br ino analisa a s
po siçõ es d e Bu lt mann, Pannenberg e Mo lt mann. Su a respo st a a est a pergu nt a
part e do fat o que o s d iscípu lo s são t est emu nhas da ressurreição de Jesu s. As
d ificu ldad es que a ciência hist ó r ica enco nt ra em est udar event o s co mo a
ressurreição , que t ranscend em o alcance do s meio s cient ífico s d ispo níveis,
levam no sso aut or a rejeit ar as po siçõ es do po sit ivis mo e do exist encialis mo
hist ó r ico s. Segu ndo ele, Pannenberg, qu e é co nt ra a po sição de Bu lt mann,
para quem a fé não deve apo iar-se no hist ó r ico , aceit a a hist o r ic idad e d a
ressurreição , amp liando o sig nificado da hist ó r ia, mas sem capt ar o negat ivo
da hist ó ria. A ressurreição ser ia po rt anto algo hist o ricament e co nst at áve l n a
pesso a do crucificado e na cred ib ilid ade das t est emu nhas, o s apó sto lo s. Mas,
co mo ent end er a hist o r icid ade da r essurreição de Jesu s? No sso aut o r apó ia-se
em Mo lt mann, e afir ma qu e o hist ó rico da ressurreição se capt a o bser vando -a
99

so b a cat ego r ia d a pro messa, que se abr e ao fut uro . E acrescent a: “O t rabalho
do t eó lo go , ao invest ig ar hist o r icament e a ressurreição de Jesu s, não co nsist e
em assegur ar a fé co nt ra o s co nflit o s da hist ó r ia (...), mas em co lo cá- la no
co nflit o da hist ó r ia, que a ressurreição de Jesus d esencadeia.” 132.

Capt ar a hist ó r ia co mo pro messa é t er co nsciência da missão . Isto no s


leva à t erceira pergu nt a: “qu e devo fazer ?” No NT, a apar ição de Jesus e a
vo cação para u ma missão , sempre and am ju nt as. A missão t em aí o segu int e
sent ido : 1) ela est á ao ser viço da pregação de Jesus co mo Cr ist o ressu scit ado ;
2) ela est á ao ser viço do co nt eúdo daqu ilo que aparece na ressurreição de
Jesus. P ara So br ino , a ressurreição não po de ser capt ada fo ra do ser viço à
missão . Ele ins ist e na co mpreensão dos t ext o s da ressurreição co mo u m
t est emu nho cr iado r.

A exper iência pascal o r ig inal do s ap ó sto lo s é irrepet ível. Há u m


co nsenso so bre isso . Mas u ma exper iência análo ga de enco nt ro co m o
Ressu scit ado e o “pro ssegu iment o ” do que ele d isse e fez são co nsid erado s
po ssíveis na h ist ó ria. So br ino cit a alg u mas d as d iversas o p in iõ es so br e
isso 133. Rahner afir ma a po ssib ilid ade de u ma exper iência análo ga à do s
pr imeiro d iscíp u lo s. Wilk ens não nega a po ssib ilidade de o co rrência de u ma
exper iência análo ga. Para Car nley, o acont ecido nas ap ar içõ es po de ser e m
pr incíp io exper iment ado aind a. Schillebeeck x co mpreende as apar içõ es co mo
exper iências d e co nver são e, po rt ant o , como algo po ssíve l d e aco nt ecer ho je.
Kessler u sa a cat ego r ia do “enco nt ro ” para exp licar a exper iência pascal,
exemp lificando , co m o relat o do s d iscípu lo s de E maú s, a d ifer ença e a
semelhança co m as apar içõ es pr imit ivas.

Segu ndo o t eó lo go salvado renho , est e “t est emu nho cr iado r” 134 define, a
chave her menêut ica de co mpreensão da ressurreição no co nt ext o lat ino -
amer icano , que é a chave po lít ica. Para ele, a ver ificação da verdade do
aco nt eciment o da ressurreição so ment e é po ssível nu ma pr áxis

132
SOBRIN O, Cri st ol ogi a, p. 263.
133
SOBRIN O, A fé , p. 110-113.
134
As n a rr at i va s que os di s cí pul os n os d ei xa r am de sua s exp er i ên ci a s de en c on tr o c om o
Ressu sci t a d o.
100

t ransfo r mado ra que pro ssiga o s ideais d est a mesma ressurreição . Ele su st ent a
que na pregação pau lina est a chave já é vis ível, po is Pau lo , co m su a
pregação , dest ró i t o das as est rut uras q ue o br ig am o ser hu mano a viver
o primido . O evang elho da ju st ificação é o prot esto co nt ra a o pressão da
relig ião e do s deu ses.

A po lít ica, co mo chave her menêut ica, deve levar em co nt a a t eo lo g ia d a


cruz, po is a t ransfo r mação da realidade se faz sempre na presença do po der
do mal e d a in just iça.

Ho je po demo s ace it ar a ressurreição co mo algo razo ável, qu e po de ser


acred it ado , po rque exist em t ext o s que no s co nfro nt am ao meno s co m a
pergu nt a pela presença do escat o ló g ico na hist ó r ia. A aceit ação na fé, d a
ressurreição de Jesu s, gera t ambém maio r hu man ização pesso al. Enqu ant o
fu nd ado ra da hist ó r ia, a ressurreição t ambém d á u ma o port unidade ao cr ist ão
para lut ar para que est a mesma h ist ó ria melho re.

Às pergu nt as feit as para respo nder ao desafio da I lu st ração (pergunt as


kant ianas), So br ino acr escent a u ma quart a: “o que po demo s celebrar em no ssa
hist ó r ia?” Os d iscípu lo s exper iment aram esp erança e env io a u ma missão ,
mas t ambém paz, perdão , luz, alegr ia, e t udo isso é apresent ado co mo
“v it ó r ia” so bre a negat iv idad e. As exalt açõ es de Pau lo (Gl 2,20 ; Rm 8,10-11 ;
Cl 3,3-4, et c.) t ambém pert encem a est a classe. Enfim, eles dão t est emu nho
de já v iverem de a lgu ma fo r ma a p lenit ude. O que há d e t r iu nfo na
ressurreição não fico u só em Jesus, mas t ransbo rdo u e mudo u a qualid ade d e
suas vidas.

So br ino acred it a q ue apesar da presença do mysterium i niquitati s, deve-


se analisar o que há de p len it ud e na hist ó r ia. Isso no s p er mit e já viver co mo
ressuscit ado s, na alegr ia, q ue é u m do s aspect o s da ressurreição de Jesu s. E m
ú lt ima inst ância, a v it ó r ia do Cru cificad o é u ma respo st a à et erna pergu nt a
pela just iça par a co m as vít imas, pelo sent ido o u pelo absurdo da hist ó r ia.
101

3.4.3. A Ressu rreição de Jesus ex am inada teologicam ente.

Do po nto de vist a t eo ló g ico , a Ressurreição de Jesus é, seg u ndo So br ino ,


u m mo ment o da revelação de Deu s. Desde o AT, Deu s se revela at ravés d e
suas açõ es.

Na revelação que emerge da ressurreição , percebe- se cert a


“parcia lidad e” d e Deu s em favo r da vít ima e co nt ra o s respo nsáveis pela
in ju st iça qu e ger a t ant as v ít imas. A est a ação de Deus co rrespo nd e, do lado
hu mano , u ma práxis ant iido lát r ica: co mbat er o s deuses da mo rt e na hist ó r ia.

A Ressurreição de Jesu s é u ma ação d ivina na qua l ele se manifest a. Já


no AT, Deus se revelava at ravés d e açõ es libert ado ras das vít imas. O êxo do é
u m event o no qual ele se man ifest a co mo Deus de I srael, u m Deu s parcia l qu e
libert a seu po vo da escravid ão no Egit o . A ação d ivina é, na t er mino lo g ia d e
no sso t eó lo go , uma re- ação co nt ra o so fr iment o que algu ns seres hu mano s
in flig em a o ut ro s. Deus t o ma o part ido das vít imas. Nest e seu ag ir libert ado r
se manifest a a esp ecificid ade d a revelação .

Po rém, ao lo ngo do AT, as açõ es h ist ó ricas, at ravés das qu ais Deu s se
revela, vão se deslo cando em d ir eção ao fut uro , co mo aparece em 1 R s
20,13.28 135; Ez 2 5,6-7.8-11 136, at é chegar à fo r mu lação rad ical de I s 65,17s 137.
Deus t ambém vai se revelando cada vez mais co mo u m Deu s u niversal, qu e
est ende seu senho r io no t empo e no espaço . Isso co exist e, po rém, co m a
parci alidade de sua ação fu nd ant e na h ist ó ria de Israel. A r evelação de Deu s
aco nt ece de maneira dialét ica e du élica em lut a co m o ut ras d iv ind ades. “No

135
Os d oi s ver sí cul os (1 Rs 20, 13. 28) sã o pr om es sa s da r evel a çã o d e D eus n a guerr a de
Isr a el con t ra os Ar a m eus. No v. 13, Deus pr om e t e a gi r par a que Aca b r ec on h eça Ia h weh .
“E n t ã o o pr ofet a vei o pr ocur a r Aca b, r ei de Isra el , e di sse: a ssi m fa l a Iah weh : vê s est a
i m en sa m ult i dã o? P oi s eu a en tr ego h oj e em t ua s m ã os e r ec on h ecer á s que eu s ou Ia h weh ” .
O v. 28 r epet e a pr om essa c om um a pequen a m odi fi ca çã o. “O h om em de D eus a pr oxi m ou-
se d o r ei de I sr a el e di ss e-l h e: “As si m fa l a Ia hweh . Já que Ar a m di sse que Ia h weh é um
Deus d e m on t anh a s e n ã o um Deus de pl an í ci es, en tr ego em t ua s m ã os t oda es sa m ul t i dã o e
r econ h ecer á s que eu s ou Ia h weh ” .
136
Ao I sr a el h um i lha do pel a der r ot a e exi l a do, E z equi el (25) pr ofet i z a a a çã o di vi n a con t ra
os Am on i t a s, Moa b, E dom e os fi l i st eu s pa r a que r econ h eça m a sober a n ia do Iah weh . .
137
“C om e fei t o, cr i ar ei n ovos c éus e n ova t er ra ; a s c oi sa s de out r or a nã o s er ã o l em br a da s,
n em t orna rã o a vi r a o cor a çã o. Al egr a i -vos, p oi s, e r egoz i ja i - vos pa r a sem pr e com a qui l o
que est ou pa r a cr i ar: ei s que fa r ei de Jer usa l ém um júbi l o e do m eu p ovo um a al egr ia ”
102

fat o fu nd ant e da libert ação do Eg it o , est a ( lut a) aco nt ece co nt ra o Faraó ,


co mo se simbo liza nas pragas. E o primeiro mandament o pro íbe em pr incíp io
a ado ração de d eu ses “r iva is”, co m o que essa lut a se eleva ao p lano t eo lo gal:
a lut a do s deuses” 138.

A ação fu nd ant e do NT é a ressurreição de Jesus, que t ambém é u ma


ação libert ado ra. O Crucificado é a vít ima libert a da o pressão da mo rt e
vio lent a e in ju st a. Essa ação , po r sua nat ureza, apo nt a para o f uturo, para a
ressurreição final do s mo rt o s, de mo do que só no fim, “Deus será t udo e m
to do s” (1 Co r 15,28). A ação viv ificado ra de Deu s é r e-ação co nt ra a ação
assassina do s deu ses at ravés d e seus med iado res (At 2,23s). A ação de Deu s
na ressurreição o co rre depo is d e su a in-ação na cruz. Nisso revela-se a
dialética dent ro de Deu s, deno minada po r So br ino co m a fó r mu la “Deu s
maio r” e “Deu s meno r”, o nde u ma d imensão d ivina não supr ime a o ut ra. Só
no fim Deus será Deu s. Deus “necessit a d e t empo par a qu e a hist ó r ia su pere a
amb igü id ade q ue lhe é inerent e e assim Deu s po ssa mo st rar-se co mo pur a
po sit ivid ade” 139.

O NT revela a p arcialid ade libert ado ra de Deus. No s At o s, o Crucificado


é ident ificado co m “o just o ”, “o aut o r da vid a” ( At 3,14-15). Sua ressurreição
é apr esent ada co mo a d efesa q ue Deu s faz do just o e das v ít imas. Aqu i
So br ino ret o ma a reflexão que fazia q uando falava do Reino de Deus.
Est abelece- se o co nt eúdo da bo a no va d o reino , além d a no ção que Jesu s
po d ia t er dele e além da práxis d e Jesu s a seu ser viço , quando a vida do s
dest inat ár io s, o s po bres, é reflet ida de mo do que o reino e o s po bres se
esclarecem mut uament e. “Da mesma maneira o co rre u ma co rrelação
t ranscendent e ent re o Deus r essu scit ado r e o Jesu s ressuscit ado . O que seja a
realidad e de Deus se esclarece t ambém a p art ir da realid ad e de vít ima
daquele q ue ressu scit a. E est e não é o ut ro senão a vít ima Jesu s de Nazaré” 140.

138
SO BRINO, A Fé , p. 129.
139
Ide m. , p. 130.
140
Ibi d. , p. 134-135.
103

E m mu it o s do s t exto s que apresent am a p r imeira pregação cr ist ã, a ação


de Deus é vist a co mo re-ação co nt ra aqu ilo que fo i feit o pelo s seres hu mano s
(At 2,23s; 3,14 s; 4,10 ; 5,30 s; 10,39 s; 13, 28.30). O qu e co rrespo nde a Deu s é
a práxis ant iido lát r ica. O pr imeiro passo é superar cert a “eu fo r ia
ressurrecio nist a”, co mo se o t r iu nfo real de Deus anu lasse a lut a do s d eu ses
ao lo ngo da hist ó ria. O cr ist ianis mo não é u ma relig ião do do lo r ismo , mas d e
lut a e co nflit o , po is a h ist ó ria t em u ma est rut ura t eo lo gal, sendo ao mesmo
t empo penet rada pelo Deu s da vida e pelas d iv indades da mo rt e. Po r isso , crer
no verdad eiro Deu s s ig nifica, lut ar co nt ra o s ído lo s. Crer na ressurreição é
t er p lena co nsc iência d e que exist em as d ivind ades d a mo rt e, co nsciência qu e
po r sua vez leva a t o mar po sição co nt ra t ais d iv indades, co mbat endo -as.

O Deu s at uant e na ressurreição de Jesu s não deve fazer co m que se


esqu eça o Deu s in- at ivo e calado na cruz. Essa impo t ência de Deus é
expressão de sua abso lut a pro ximid ade para co m as vít imas. “O fat o de o
so fr iment o afet ar a Deu s expr ime, ent ão , a super ação do deísmo e da apath ei a
do s deuses, mas a part ir das vít imas expr ime algo mais r ad ical: a p arcialid ad e
em Deu s não só de salvar a cr iat ura qu e so fre, mas d e salvá- la à man eira
humana, mo st rando so lidar iedad e co m ela ” 141. Isso expr ime a po ss ib ilidade d e
E le ser u m Deu s - co no sco e u m Deu s-par a-nó s.

O mist ér io de Deus, a p art ir da d ialét ica assinalada, é u ma bo a no t ícia e


enfat iza a realidad e de Deu s meno r, co mo o fizeram as t eo lo g ias que levam a
sér io o so fr iment o das v ít imas. O aut o r pro põ e u m no vo no me p ara Deu s, se m
reducio nis mo e mant endo a d ialét ica: “Deus é Amo r” (1 Jo 4,8.16). Nas
palavras de So br ino : “Os hu mano s não anse iam po r u m amo r que não seja
eficaz para t ransfo r mar o mal em bem, mas t ampo uco ent endem u m amo r –
enquant o amo r – que não se lhes apro xime deles e seja so lidár io co m eles” 142.

Do po nt o de vist a t eo ló g ico , a ressurreiç ão de Jesu s é para So br ino u m


mo ment o de revelação de Deus at ravés de u ma ação libert ado ra. Essa ação
revela u m Deu s qu e libert a seu po vo , mo st rando -se so lidár io co m o s

141
Ibi d. , p. 140.
142
Ibi d. , p. 142.
104

hu mano s. Essa so lid ar ied ade no s revela u ma d ia lét ica d ent ro de Deu s, u m
Deus a mercê do s seres hu mano s, e ao mesmo t empo , u m Deu s qu e necessit a
de t empo para se mo st rar co mo pura po sit iv id ade. Assim a ressurreição é u ma
bo a no t ícia.

3.5. Conclusão.

Na Cr ist o lo g ia d e So br ino , a ressurreição de Jesus é o event o e a


exper iência fu ndament al para a t eo lo g ia lat ino -amer icana. Dent ro do
ho r izo nt e de vio lência em que surg e est a t eo lo g ia, emerge igualment e u ma
no va imag em de Cr ist o , fo r jada na práx is so lidár ia e libert ado ra. Os
do cu ment o s das Co nferências de Ep isco pado Lat ino -Amer icano fo rt alece m
essa no va imag em, q ue é elabo rada a p art ir de u ma releit ura em chave lat ino -
amer icana do “Jesus hist ó r ico ”.

A no vidad e qu e a Teo lo g ia de AL int ro duz é a que fo i elabo rada pela


ót ica d a libert ação . Est a ót ica t em co mo dest inat ár io s pr iv ileg iado s o s po bres
e as v ít imas da in just iça na hist ó r ia. Co mo no t empo de Jesus, é a eles q ue
pr io r it ar iament e é dest inado o anú ncio do Reino de Deu s. De aco rdo co m
So br ino , exist e u ma semelhança ent re a sit uação em qu e Jesu s anu ncio u a
pro ximid ade do Reino de Deu s e a sit u ação de E l S alvado r. E le pret end e
segu ir u m caminho semelhant e ao qu e se enco nt ra no NT, sem esqu ecer que já
exist e u ma d iver sidad e de esbo ço s cr ist o ló gico s na Amér ica Lat ina.

Examina mo s sucint ament e a práxis liber t ado ra de Jesus, mencio nando


sua at ividade pro fét ica, qu e s imbo liza a inst aur ação e a presença do Reino .
E la g ero u esperança e expect at iva, sem, no ent ant o , fechar o s o lho s à
presença e at uação do ant i-reino . P ercebemo s a r elação esp ecia l qu e Jesu s
t inha co m Deu s e a co nseq üent e desido lat rização do s ído lo s qu e o levo u à
mo rt e.

Qual é o sig nificado da cruz e d a mo rt e de Jesu s? A cruz e a mo rt e d e


Jesus são co nseqü ências de su a p ráxis, qu e t eve u ma d imensão
105

desido lat r izado ra. Por causa d isso , Jesus fo i per segu ido . Sua mo rt e o bedece à
ló g ica d a encar nação nu m mu ndo marcado pelo pecado e que pro duz inú mer as
vít imas. A cat ego r ia do amo r é a q ue melho r expressa a encar nação e a
salvação , que So br ino ent end e co mo so lid ar ied ade de Deus para co m as
vít imas. No s po vo s crucificado s de ho je, est e Deus se revela quest io nando as
est rut uras que t iram a d ig n idad e de mu ito s. Ao mesmo t empo , E le o fer ece
vid a, esperança, p erdão , co nver são e so lid ar iedad e na lut a co nt ra o s d euses d a
mo rt e.

Her menêut icament e, a r eflexão Cr ist o ló g ica na Amér ica Lat ina t em u ma
co nt r ibu ição o rig inal para a t rad ição viva, qu e busca em cada épo ca
co mpreender a Ressurreição de Jesus. E la suscit a a esp erança que se expressa
nu ma práx is libert ado ra. Às p ergu nt as k ant ianas, que se fazem no r malment e
para co mpreender o s sig nificado s do s text o s so bre a ressurre ição , So br ino
acrescent a u ma o ut ra pergunt a: o que podemos celeb ra r na histó ria?

Israel co nheceu seu Deus co mo Deus da vid a. E m g eral a mo rt e não era


u ma preo cupação para o israelit a. A ressu rreição aparece co mo u ma esperança
nu m co nt ext o de persegu ição e em face à gro sseira in ju st iça à qual o po vo fo i
su bmet ido durant e mu it o t empo . O pró prio Jesus u sa a expressão “Reino d e
Deus” para anu nciar a irrupção dessa ação de Deus. Sua ressurreição é vist a
co mo re-ação de Deus co nt ra a inju st iça d o s ho mens.

Os d iscíp u lo s t est emu nham a ressurreição de Jesus at ravés d a missão ,


que é lut a co nt ra o s ído lo s do ant i-rein o e práxis co nflit iva, que t ambé m
pro duz esperança. Est a se expressa em ressurreiçõ es parcia is e hist ó r icas,
co mo as que a práxis de Jesu s t inha su scit ado. Os t ext o s da Ressurreição são
u m co nvit e par a to mar mo s po sição d iant e do mist ér io ú lt imo d a realidade.

Hist o ricament e, o s t ext o s que fala m d a Ressurreição são fó r mu las d e


co nfissão de fé. Ex ist em d iver sas t rad içõ es qu e t ent am d izer o que aco nt eceu.
As pr inc ipais são as narraçõ es das ap ar içõ es do Ressu scit ado e o s relat o s do
t úmu lo vazio . Os t ext o s so bre as ap ar içõ es deixam bem claro que o aco nt ecido
fo i ação de Deus. O q ue aco nt eceu o rig ina lment e é irrep et ível, ma s
106

exper iências análo g as são po ssíveis. Celebram-se vit ó r ias na hist ó r ia, po rque
a p lenit ud e t ransbo rdo u de Jesu s para o s d iscípu lo s e mu do u a qualidad e de
suas vidas.

Teo lo g icament e falando , a ressurreição é ação de Deus, co mo o AT e


t ambém o NT evid encia m. É u ma ação hist ó rica de libert ação da vít ima, u ma
re-ação de Deu s co nt ra a in ju st iça hu mana. Est a re-ação vem d epo is da in-
ação de Deus na cru z. E la é parcia l e favo rece as vít imas assassinad as
in ju st ament e po r seus verdugo s. Deus salva o s po bres de mane ir a hu mana e
sendo so lid ár io co m eles. É assim qu e E le é o “Deus co no sco ”. So br ino
apresent a u m no vo no me para esse Deu s: “Deu s é Amo r” (1 Jo 4,8.16).

Na Cr ist o lo g ia lat ino -amer icana a Ressurreição é a esper ança d iant e da s


cruzes d a hist ó r ia, u m hu mild e camin har , sem querer sint et izar o que só se
po de fazer no f inal, e u ma práxis libert ado ra “para que Deus seja t udo em
to do s” (1 Co r 15,28).
107

Capítulo Quarto
Uma nova abordagem teológica da Ressurreição
A experiência de encontro com o Ressuscitado
a partir de América Latina

4.1. Considerações preliminares

Examina mo s no s cap ít u lo s ant er io res alg u mas o bras selet as de Leo nardo
Bo ff, Juan Lu is Segu ndo e Jo n So br ino co m o int u it o de desco br ir qu al o
lug ar da ressurreição de Jesus em suas respect ivas abo rdagens cr ist o ló g icas.
Há u m co nsenso ent re eles q uant o à fact ic idad e da r essurreição , bem co mo
quant o a seu carát er escat o ló g ico , o que os d ist ancia do s mét o do s
ver ificat ó rio s do hist o ricismo mo der no . Eles são mu it o at ent o s a est a
pro blemát ica. Só para cit ar u m exemp lo : co m a finalid ade d e se ad equar à s
necess idad es da ling uagem mo d er na, Ju an Lu is Seg u ndo faz u ma d ist inção
ent re o s ad jet ivo s “h ist ó r ico ” e “verd adeiro ”’ 143, nas o bser vaçõ es in ic iais que
faz so bre a ressurreição de Jesu s.

Temo s co nheciment o da ressurreição po rque fo i u m aco nt eciment o que


causo u mud anças (o u “reviravo lt a”, na ling uag em do Bo ff) na hist ó r ia
hu mana. Nasceram co mu nid ades que viv em a fé na ressurreição at é no sso s
d ias. Est e co nheciment o chego u at é nó s at ravés do s t ext o s pro duzido s nas
pr imeir as co mu n idad es, e t ambém pela p ráxis que no s fo i t ransmit ida co mo
t radição da co mu nid ade do s crent es. No sso s aut o res est ão de aco rdo co m
relação à necessidad e de u ma no va t eo lo g ização a part ir da realid ad e lat ino -
amer icana e d e u ma no va práxis q ue surg e a part ir dest a no va t eo lo g ização . É

143
O a ut or pr et en de est a bel ec er cr i t ér i os l i n güí st i cos pa r a fa l a r coer en t em en t e da
“r essur r ei çã o” e de s eu va l or h i st ór i co. A h i st or i ogra fi a m oder n a , diz el e, n ã o c on segu e
ver i fi ca r o e ven t o da r essur r ei çã o. O qu e el a p ode con st a t a r é o qu e os t ext os di z em s obr e
o t úm ul o va z i o e a m uda n ça r a di ca l oper a da na vi da dos a p óst ol os. “A r essur r ei çã o d e
Jesu s – se ja el a ver da dei r a, h i st ór i ca ou m í t i ca – é est r i t a m en t e “h i st ór i ca ” , e nquant o
i n fl ui n a cri a çã o de um a c om un i da de ou Igr eja q ue, de a l gum m odo, pr ol on ga Jesus. Ma s,
n esse ca s o, sua h i st or i ci da de n ã o per t en ce à hi st ór i a do pr ópr i o Jesu s, m a s à h i st ór i a de
sua Igr eja . Nel a s e t or na ver i fi cá vel a i n fl uên c i a da r essurr ei çã o, p or que foi ver da dei r a
ca usa de m ui t os a con t e ci m en t os post er i or es” . SE G UNDO, Hi st óri a, p. 306.
108

co nsenso de t o do s que u ma vo lt a ao Jesu s hist ó r ico é necessár ia para realizar


est a t arefa p io neir a. Nas o bras examina das, po de-se perceber as pr imeiras
et apas dest e pro cesso de u ma no va t eo lo g ização da ressurreição .

Os t eó lo go s que est udamo s fazem cr ít icas à t eo lo g ia t rad icio na l,


mo st rando sua incap acid ade de respo nder às angú st ias e qu est io nament o s que
at orment am a vid a do ho mem mo der no , princ ipalment e o do co nt inent e lat ino -
amer icano . No ssa pro po st a ago ra é mo dest a. Queremo s ident ificar algu n s
resu lt ado s dest e enco nt ro co m o Ressu scit ado no s escr it o s qu e examina mo s,
mo st rando que o s mesmo s po dem caract er izar a exper iência da ressurreição
ho je. Assim co mo o enco nt ro co m o Ressu scit ado mu do u a vida do s
d iscíp u lo s, assim igu alment e aco nt ece u ma pro fu nd a mudança na práx is
eclesial lat ino -amer icana, frut o ela t amb ém da exper iência d a ressurreição e
o bjet o da reflexão t eo ló g ica do s aut o res que est udamo s.

Div id iremo s a análise qu e se segu e em cin co po nto s:


1) A ressurreição de Jesu s causo u u ma mudança na vid a e no
co mpo rt ament o do s d iscípu lo s e essa mu dança é deco rrent e da co mpreensão
que eles t iveram do aco nt ecido co m seu mest re;
2) O enco nt ro co m o Ressuscit ado prop icio u u ma no va reve lação de
Deus;
3) O enco nt ro co m o Ressuscit ado é envio à missão ;
4) O enco nt ro co m Ressu scit ado suscit a uma práx is (segu iment o ).
5) O mo ment o lit úrg ico é u m mo ment o pr ivileg iado de enco nt ro co m o
Ressu scit ado .

4.2. A Ressurreição de Jesus causou uma mudança na vida e no


comportamento dos discípulos.

Do s t ext o s neo t est ament ár io s, p ercebe-se que a sit u ação do s d iscípu lo s


depo is da mo rt e de Jesus era d e perp lex id ade, medo (Mt 26,56; Mc 14,52 ;
16,8; Lc 2 2,54-62), e dú vid as ( Mt 28,17). A est a sit u ação segu iu-se u ma
exper iência de alegr ia (Mt 28,8; Mc 16,2 0; Lc 24,52). O que o casio no u essa
109

mud ança fo ram as exp er iências de enco nt ro que cad a u m do s d iscípu lo s t eve
co m o Ressu scit ado 144. O NT co nser vo u o s relat o s das apar içõ es e o símbo lo
do t ú mu lo vazio par a expressar isso . Na AL, nu ma sit uação análo ga (d e
perp lexid ade d iant e da exp lo r ação desu mana d e u ns p elo s o ut ro s, e de
vio lência sem sent ido que est a exp lo ração pro vo ca), surge na práxis do s
cr ist ão s u ma no va esperança.

No sso s aut o res apresent am d iverso s asp ect o s dest a mu dança. A no va


co mpreensão da realid ad e, que surg iu da Ressurreição , é que a t o rno u
po ssível. Pret endemo s mo st rar que há u ma co nsciência dest a mud ança na v id a
do s d iscípu lo s e, analo gament e, na práxis eclesial lat ino -amer icana.

4.2.1. A mudança na vida e no com port am ento dos discí pulos segund o
Leonardo Boff

Co mo vimo s, Leo nardo Bo ff sit ua sua in t erpret ação da Paixão , Mo rt e e


Ressurreição de Jesu s no co nt ext o em q ue nasceu a t eo lo g ia d a libert ação ,
mar cado pela exper iência de o pressão , de resist ência e d e bu sca d e libert ação .
Para ele, o s cr ist ão s qu e passam p ela “exper iência da paixão e da cruz est ão
unido s ao “ser vo so fredo r” e po dem ser ident ificado s co m o Ho mem das
do res, Jesu s Cr ist o ” 145.

Po rém, a cruz não é símbo lo de resig nação , po rque o crist ão não apo nt a
para ela, mas p ara o Crucificado . E est e é ago ra o Vivent e e o Ressu scit ado .
Para o s que resist em à o pressão , “a ressurreição é o sent ido derradeiro da
insurreição pelo d ireit o e pela ju st iça” 146. A cr ist o lo g ia do t eó lo go brasileiro
est á inser ida no co nt ext o de u ma práxis eclesial d e so lidar iedade, qu e ger a
co mu nidades. E la est á ao serviço da libert ação exig ido pelo mo ment o
hist ó r ico .

144
E ssa m udan ça pode s er ca ra ct er i z ada com o a de um a m udan ça n a fé dos di s cí pul os.
E ntr e os t e ól og os a t ua i s, h á dua s posi ç ões s obr e est a “m uda n ça ” : 1) cr ia çã o de um a n ova
fé; 2) el a est á n a ori gem da fé pr é-pa sca l . De a cor do c om Jon Sobr i n o, a r essurr ei çã o
a cr esc en t a doi s el em en t os d e ci si vos, a sa ber , a de fi n i t i vi da de e o i n t egr ar a r ea l i da de da
cr uz à fé pr é-pa sca l dos di s cí pul os. Cf . SOBRIN O, A Fé, p. 162-166.
145
BOFF, Pai x ão, p. 12.
146
Ide m, p. 14.
110

Co mo u m do s p io neiro s da t eo lo g ia da libert ação , Bo ff se esfo rço u


arduament e p ara id ent ificar u m po nt o de part ida q ue no rt ear ia t o do o percurso
da Cr ist o lo g ia lat ino -amer icana. Co mo vimo s no cap ít u lo pr imeiro , a
cr ist o lo g ia q ue q uer co mu nicar-se co m o s lat ino -amer icano s, segu ndo ele,
deve t o rnar-se o rto práxis. E la est ar ia assim em co nso nância co m a esperança
que a ressurreição de Jesu s desencad eo u no s d iscíp u lo s apó s a cruz. Para o
t eó lo go brasileiro , a sit uação t rágica e aparent ement e sem sent ido na qu a l
vive m o s po vo s da AL, adqu ire sent ido à lu z do enco nt ro co m o Ressu scit ado .
Est e fat o exp lica a no va práxis de so lid ar iedade que surge ent re o s cr ist ão s d a
AL.

Est a no va práxis surg e de u ma no va co mpreensão que a Ressurreição de


Jesus po ssib ilit o u. A Igreja pr imit iva co mpreende a mo rt e de Jesus à luz das
Escr it uras e da exper iência d e enco nt ro co m o Ressuscit ado . A mo rt e de Jesu s
é co mpreensíve l à luz do dest ino co mu m do s pro fet as e ju st o s do AT. Para o s
jud eu s, no ent ant o , um Messias crucificado é impensável. A ressurreição do
Crucificado revela po r isso o esco nd ido . O que era escandalo so na práxis d e
Jesus t o rno u-se lu mino so à luz d a fig ura do servo (Is 53). Cat ego rias
vet erot est ament ár ias, co mo exp iação e sacr ifíc io , são relid as co mo mo delo s
exp licat ivo s para co mpr eend er a pro fu nd id ade do que aco nt eceu no “event o
Cr ist o ”.

As cart as d e Pau lo t rat am t emas impo rtant es a part ir d a Ressurreição ,


co mo o da liberdad e hu mana, o da relação ent re a fé e as o bras, o da
libert ação da mald ição da lei et c. Co nt udo Jesus Ressu scit ado não é u m sup er-
ho mem que ro mpeu as barreiras do hu mano e ent ro u na esfera do d ivino .
Co nt ra est a visão triu nfalist a, Pau lo co nt rapõ e a cruz e o so fr iment o , a
fraqu eza e a mo rt e de Jesus. Co m iss o ele sa lva “o mist ér io cr ist ão da
mit o lo g ia greg a e da redução de Cr ist o ao hero ísmo d a cu lt ura po pu lar” 147.

Uma mu dança rad ical na vid a da co mu nid ade nascent e é t est emu nhada na
t eo lo g ia d a cart a ao s Hebreu s. Para u ma co mu n idad e abat ida e sem esperança,

147
Ibi d. , p. 103.
111

a mensag em d est a cart a é decisiva. Jesus é apr esent ado co mo o pro tót ipo e o
exemp lo d a fé e d a fidelid ade. Cr er t ambém inclu i o so fr iment o e a mo rt e
co mo mo do de ent rar na p len it ude celest e. Co m Jesus veio a salvação
defin it iva par a to do s.

4.2.2. A mudança na vida e no com port am ento dos discí pulos segund o
Juan Luis Segundo.

Para Ju an Lu is Segu ndo , exist e aind a u ma práxis desu man izado ra e m


no sso co nt inent e, que po r mu it o t empo , se ut ilizo u de u ma her menêut ica qu e
ig no rava as est rut uras po lít icas e eco nô micas gerado ras de misér ia e mo rt e d e
milhar es de pesso as. Um insu fic ient e relacio nament o ent re escat o lo g ia e
hist ó r ia d ist o rce o Evangelho . Esco nd er a hist ó r ia co nflit iva d e Jesu s, co m
sua práxis pro fét ica, em favo r d e u ma escat o lo g ia que leva em co nt a ap enas o
Crucificado no seu asp ect o vit o rio so de Ressu scit ado , o ferece “u ma ar ma d e
o pressão que fo i sist emat icament e usada co nt ra o s po bres na Amér ica Lat ina.
At é pelo s po bres...” 148.

Co mo vimo s, o t eó lo go uruguaio pensa q ue as chaves po lít ica e


ant ro po ló g ica são as ma is ad equadas p ara se p ensar a cr ist o lo g ia na AL. E le
dá u m exemp lo d e co mo ap licar est as chaves her menêut icas à no vidad e
represent ad a pela ressurreição , analisando a su bida a Jerusalém po r Jesu s.

A expr essão “su bir a Jeru salém” evo ca no r malment e vár ias emo çõ es e
sig nificado s. A cid ade de Jeru salé m er a a cap it al po lít ico -relig io sa de Israe l
no t empo da o cupação ro mana. Perant e o fracasso de sua missão na Galilé ia,
Jesus d ir ig e-se a est a cidade. Juan Lu is S egu ndo afir ma que em chave
po lít ico -relig io sa, est e “su bir” de Jesu s t em algo d e d ecis ivo . O qu e o
Nazar eno , u m bo m po lít ico , visava era a subst it u ição das aut o ridades ind ig nas
e o presso ras, para que fo sse inst aurado um no vo reinado . No ent ant o , ele fo i
mo rt o , e sua mo rt e é o resu lt ado de u m co nlu io po r part e de seus ad ver sár io s.

148
SE GUN DO, Hi st óri a, p. 334.
112

A ressurreição de Jesu s t ransfo r mo u o ag ir do s d iscípu lo s. O gru po


vo lt o u a se reu nir e a se enco nt rar co m o Ressuscit ado . Na med ida em qu e
eles co mpreend iam o sig nificado da ressu rreição , fo ram est rut urando -se nu ma
co mu nidade qu e assu miu u ma missão “evangelizado ra”. Co mo veremo s, est a
co mu nidade ad apt o u sua práxis às no vas circu nst âncias.

Para elucid ar a mud ança r ad ica l pro vo cad a pelo enco nt ro co m o


Ressu scit ado , o t eó lo go uruguaio cit a o exemp lo do que aco nt eceu co m Pau lo ,
que era u m p ersegu ido r zelo so do s cr ist ão s. Seu enco nt ro co m o Cr ist o
Ressu scit ado levo u-o à co nver são (At 9,1-19 e par) e à missão . E le é
t est emu nha da t ransfo r mação escat o ló g ica que Deu s int ro duziu na “realidade”
ao ressuscit ar Jesus e assim d ar no va vida a seu pro jet o hist ó r ico de to rnar
pró ximo o Reino .

As reflexõ es t eo ló g icas de Pau lo fo ram feit as para r eso lver o s pro b lema s
das co mu nid ades cr ist ãs. Não eram t rat ado s sist emát ico s. No ent ant o , em su a
tot alidad e, a mensagem Pau lina revela a rad ical no vid ade qu e a Ressurreição
de Jesu s int ro duziu na realid ade hu mana. Nu ma sit uação em que t o do s, pagão s
e jud eus, havia m se t o rnado escravo s do pecado , surg e u ma no va cat ego r ia: a
do s que são declarado s ju st o s pela fé, a exemp lo d e Abr aão , que viveu a
pro messa. A p lenificação hu mana e a revelação do s filho s de Deu s são
event o s escat o ló g ico s. Co nt udo a hist ó ria hu mana co nt inua sendo o que ela
sempre fo i, enqu ant o o s filho s de Deu s vão realizando co m seu s pro jet o s
hist ó r ico s, libert açõ es parcia is da hu man idade.

Para o s d iscíp u lo s de E maú s (Lc 2 4,11-35), o enco nt ro co m o


Ressu scit ado fo i u m mo ment o que levo u a u m “abr ir a ment e”. No sso aut o r
ins ist e na impo rt ância de u ma her menêut ica co rret a que faça co m q ue, na AL,
a t eo lo g ia seja u ma t eo lo g ia da libert ação .

Para Pedro , o enco nt ro co m o Ressuscit ado é perdão po r sua neg ação d e


Jesus ( Mc 1 4,66-72 par.). A co mu n idad e t em u ma “no va co mpreensão ” d a
“p lenit u de” que a ressurreição é, e perdo a um ho me m qu e peco u, mas não
paro u de amar. Po r isso , ele co nt inu a exercendo u m pap el impo rt ant e na
113

Igreja nascent e. Para exp licit ar a impo rt ância de Pedro , o NT evo ca dua s
vezes a apar ição do Ressu scit ado a ele (1 Co r 15,5; Lc 24,34). Co mo veremo s
mais ad iant e, no ep isó d io do bat ismo d e Co rné lio , é Pedro quem int ro duz
mud anças no s co st u mes da co mu nid ade, co nvencendo -a da necessid ade d e
adapt ar sua práxis nu ma no va circu nst ância.

Ao pro po r no vas chaves her menêut icas, q ue ilu minar iam as p ist as para a
ação e a reflexão t eo ló g ica encar nad as na AL, Juan Lu is Seg u ndo mo st ra a
necess idad e de u ma mud ança rad ical na vid a e no co mpo rt ament o do s que
ho je seguem o Ressuscit ado . Co mo o ut ro ra fizeram o s d iscípu lo s, o s que t ê m
a exper iência de enco nt ro co m o Ressuscit ado são co nvo cado s a exercer u ma
liber dade cr iat iva p erant e o s quest io na ment o s que surge m nu ma Igreja q ue
passa da “cr ist and ade” par a u m “p luralis mo ”, dent ro de u ma sit u ação so cia l
de desig uald ades gr it ant es.

4.2.3. A mudança na vida e no com port am ento dos discí pulos segund o
Jon Sobrino

Jo n So br ino co nst at a a sit uação de vio lência que aflige o co nt inent e


lat ino -amer icano nas su as fo r mas mais var iadas. Não o bst ant e, ele cit a o
exemp lo d e pesso as co mo Do m Oscar Ro mero , Ignácio E llacur ía e milhares de
o ut ro s que, co m su as v idas so lidár ias co m o s o pr imido s e em suas mo rt es
vio lent as, t est emu nharam em no sso s d ias a esperança rad ical que a
Ressurreição de Jesus desencad eo u em E l Salvado r e em mu it o s o ut ro s países
da Amér ica Lat ina. Vivemo s u m mo me nt o que marca u ma t ransfo r mação
rad ical no co nt inent e. Est amo s perant e u ma no va práxis, o r iu nd a do ho r izo nt e
lat ino -amer icano , cu jo s aspect o s t eó rico e prát ico remet em- se u m ao o ut ro e
são análo go s ao s d e Jesu s. O t eó lo go salvado renho caract er iza essa no va
práx is co mo co nseqüência d e que cr ist ão s repet iram a exper iência pasca l
o rig ina l, po r mais par cial qu e seja, d e enco nt rar o Ressuscit ado na hist ó ria
do s no sso s d ias.

Do s t ermo s u sado s no NT para d izer a ressurreição , So br ino dedu z o


aspect o que expr ime co m ma io r clareza o sig nificado da ressurreição : a
114

esper ança que t r iu nfa so bre a mo rt e. A ressurreição do s mo rto s é u ma


met áfo ra t irad a da vida co t id iana (despert ar do so no ) e expressa a rad ica l
super io r id ade do no vo est ado so bre o ant igo . Co mo Israel, a Sagrada Escr it ura
t est emu nha in ic ialment e a preo cupação co m a vid a a ser viv id a aqu i na t erra,
po uco se preo cupando co m a vid a além da mo rt e. Quando circu nst ância s
hist ó r icas fo rçar am o surg iment o de u ma reflexão so bre a vida depo is d a
mo rt e, a fo r mu lação fo i de u ma co mu nh ão co m o Deus da vid a que nem a
mo rt e quebra. Os pr ime iro s cr ist ão s t inham a visão da ressurreição de Jesu s
co mo o co meço da ressurreição u niver sal. Co u be à segu nda geração se
co nscient izar da t ensão t empo ral ent re a ressurreição de Jesu s e a paru sia
final.

Co m essa co mpreensão da ressurreição , que é mais q ue a so brevivência


ind iv idual alé m d a mo rt e, a esperança to rna-se a chave de leit ura d a
Ressurreição de Jesus. A no vidade é a crescent e co nsciência d a necessid ad e
de refazer a esper ança das vít imas no pr esent e. Nas palavras de So br ino : “A
esper ança t em relação d ir et a co m a ju st iça, não simp lesment e co m a
so brevivência; seu s su je it o s pr imár io s são as vít imas, não simp lesment e o s
seres hu mano s; o escând alo qu e deve sup erar é a mo rt e inflig id a in ju st ament e,
não simp lesment e a mo rt e nat ural co mo dest ino ” 149.

A mudança rad ical que aco nt ece na AL, vist a desde a p ersp ect iva do
enco nt ro co m o Ressu sc it ado , po de ser co mpr eend id a co mo a co nt est ação do
sist ema que d urant e sécu lo s pro duziu vít imas. O sist ema reage co m vio lência,
que po r sua vez, ger a mais v io lência. Nest e amb ient e vio lent o surgem, po rém,
pesso as que ado t am u ma práxis que qu ebr a o círcu lo vic io so da vio lência e do
ó dio carregando -o s e to rnando -se v ít imas, nu ma práxis análo ga à do pró prio
Jesus. A co nclu são d e So br ino é que a esperança e o ân imo q ue mudaram a
vid a do s d iscípu lo s ao enco nt rarem o Ressu scit ado , se repet em na AL, no s
cr ist ão s que t êm u ma exper iência d e enco nt ro co m o Ressu scit ado .

149
SOBRIN O, A Fé , p. 70.
115

4.3. O encontro com o Ressuscitado, um momento de revelação de Deus.

Já vimo s qu e a ressurreição de Jesu s mud o u rad icalment e a vida d e seu s


d iscíp u lo s. Pau lat inament e eles co mp reenderam as imp licaçõ es mais
pro fu nd as dest e aco nt eciment o inesp erado . Ent re o s sig nificado s que se
to rnaram ma is claro s, dest aca-se ainda u m apro fu nd ament o na co mpreensão
de Deu s. No ssa t arefa ago ra é ver ificar se no s escr it o s de Bo ff, Segu ndo e
So br ino que analisa mo s, co nst a u m apro fund ament o da co mpreensão de Deu s
a part ir do enco nt ro co m o Ressu scit ado e nu ma p ersp ect iva lat ino -amer icana.

4.3.1. A nova vi são de Deu s qu e em erge d o Encont ro com o


Ressu scitad o segun do Leonardo Boff.

Segu ndo Bo ff, a pr imeir a co nst at ação do s t ext o s do NT é que o


Ressu scit ado ago ra po ssu i u ma presença q ue se est ende a t o da realidade. Par a
Pau lo , po r exemp lo , Cr ist o vive ago ra na fo r ma do Esp ír it o (2 Co r 3,17; 1 Co r
6,17.45; R m 8,9), o t er mo Esp ír it o evo cando o Esp ír it o que enche t o das as
co isas no in ício da cr iação (Gn 1,2). E le é o Kyrio s e o Pleroma (E f 1,23). O
t eó lo go brasileiro t ambém reco rda a pro messa que o Ressu scit ado faz qu ant o
à sua presença at é o fim do s t empo s (Mt 28,20).

A part ir da sit u ação de in ju st iça, exp lo ração e exclu são em q ue nasce e


amadurece sua reflexão t eo ló g ica, Bo ff faz u m apro fu nd ament o da realid ad e
do so fr iment o . Co mo mo st ramo s no cap ít u lo pr imeiro , ele examina a
co mpreensão da cru z e da mo rt e de Jesu s na Escr it ura e na t rad ição t eo ló g ica s
ant es de apresent ar su as reflexõ es sist emát icas. Na t rad ição t eo ló g ica, ele
examina o s vár io s mo d elo s empregado s para sig nificar a mo rt e na cruz e
apo nt a para a incap acid ade qu e cada u m t em em esgo t ar po r si só to do o
sig nificado da cruz e da mo rt e de Jesu s.

Pr ivileg iando o mo delo da so lid ar iedade, Bo ff d iz qu e nu m sist ema e m


que se g eram exclu ído s e so fr iment o , Deus é u m Deu s so lidár io do s hu mano s
116

em seu so fr iment o . Isso quer d izer que Deus so fre. Um Deu s que não so fre
não libert a do so fr iment o .

Bo ff não est á de aco rdo co m a lingu agem qu e Mo lt mann e Ba lt hasar


usam par a falar da mo rt e de Deu s em Jesu s na cru z, po r ela ser mít ica e
pro vo car “u m mo do de falar t eo ló g ico profu nd ament e amb íg uo e pr imit ivo ” 150.
E le o pt a po r uma lingu agem qu e dá co nt a da ambigü id ade e do carát er
analó g ico de no sso d iscur so so bre Deu s.

Sem pro jet ar ind iscr iminadament e a do r e a cruz no seio de Deus (co mo
fazem Mo lt mann, Balt hasar e Sö lle) Bo ff exp licit a a so lid ar iedade d e Deu s
co mo u m andar ju nt o na hist ó ria. Sem dest ru ir a no vid ade do evang elho e
evit ando sacr ament alizar a in iqü idad e do mu ndo , ele exp lica o silêncio d e
Deus na cruz: “S e Deu s se cala d iant e da do r é porque E le mesmo so fr e,
assu me a cau sa do s mart ir izado s e so fredo res (Mt 25,31)” 151. E le a assu miu
po rque quer findar t o das as cruzes da hist ó ria.

O aspect o cho cant e dest e silêncio d e Deus d iant e do gr it o o rant e d e


Jesus na cruz (Mc 15, 34), é que ele, a quem Jesu s chamava p ai, se mo st ra
impo t ent e d iant e da r ejeição da missão d o Nazareno po r seus ad ver sár io s. A
mo rt e de Jesu s parece o abso lut o fim d e sua missão e o fracasso tot al do que
ele anu nciava: a pro ximid ade do Reino d e Deu s. Na mo rt e de Jesu s, t o do s o s
no sso s co nceit o s de Deus são dest ru ído s. Bo ff afir ma que “O Deus de Jesu s
Cr ist o é assim o Deus q ue dest ró i e t o rna ido lát r icas t o das as imagen s
hu manas de Deu s” 152.

Alg u ns d ias d epo is d e sua mo rt e, po rém, Deus ressu scit o u Jesus ( At


2,23; 3,15 ; 4,10 ; 10,39-40). Isso mo st ra para o s d iscíp u lo s qu e Deu s não o
abando nara.

150
BOFF, Pai x ão, p. 137.
151
Ide m, p. 141.
152
Ibi d. , p. 131.
117

A p art ir dest e aco nt eciment o , a imag em de Deus fo i ent end id a


d ifer ent ement e. Alar garam- se o s ho r izo nt es da co mpreensão . Deu s so fre e
est e so fr iment o é frut o de u m amo r que man ifest a sua in fin it a capac idad e d e
so lidar iedad e co m o s seres hu mano s.

Na med id a e m que se apro fu ndo u no s d is cípu lo s a co mpreensão do que


sig nifico u a Ressurreição de Jesus, cresceu t ambém neles u ma no va image m
de Deu s deco rrent e dest e event o : Deus p resent e nu m ser hist ó r ico , Jesu s de
Nazar é. Bo ff afir ma qu e “E st amo s aqu i d iant e de u m dado cent ral d e no ssa fé,
que sit u a o crist ianis mo nu m níve l à p art e no co nju nt o geral das relig iõ es.” 153.
O aut o r diz q ue a afir mação “Jesu s é Deus e Ho mem” fo i u m escând alo par a
to do s o s que ado ram u m Deu s t ranscendent e. A infin it a so lidar iedad e de Deu s
man ifest a em Jesu s de Nazar é acr escent ou a valio sa int u ição que Deu s é u m
Deus co mu nid ade 154.

4.3.2. A nova visão de Deus qu e em erge do Encont ro com o


Ressu scitad o na reflex ão teológi ca de Ju an Luis Segundo.

Ago ra no ssa t arefa é a d e ver ificar se, na o bra de Juan Lu is S egu ndo
que est udamo s, exist em t ext o s que revelam u ma no va imagem d e Deu s
deco rrent e da exper iência de enco nt ro co m o Ressu scit ado . No ssa pesqu is a
co nst at o u uma au sência do s t ext o s que falam d ir et ament e d e u ma no va
imagem d e Deu s o r iu nda d est e enco nt ro . Po r isso , vamo s apro fu nd ar u m
po uco ma is a aná lise que o t eó lo go uruguaio faz d as parábo las, em seu est udo
do s sinó t ico s, para desco br ir a no va imagem de Deus que o ensinament o de
Jesus r evelo u. E m segu id a, acrescent aremo s algu ns co nt o rno s do “Deu s
co no sco ” co lhido s da análise q ue e le faz do s pr ime iro s o it o cap ít u lo s d a cart a
ao s Ro mano s, que co mp le ment am a aná lise preced ent e e no s dão u ma idéia do
Deus revelado em e at ravés do event o cr isto ló g ico .

153
Ibi d. , p. 194.
154
Boff est uda est e a spe ct o i m por t a n t e da r evel a çã o de D eus em J esus d e Na z a r é (a
dout r i na da Sa n tí ssi m a Tr in da de) na sua obr a A Tri ndade e a Soc i e dade Pet r óp ol i s: V oz es,
1987.
118

Para Ju an Lu is S egu ndo , na co nflit iv id ad e int r ínseca d a práxis de Jesu s


revela- se u ma imagem de Deu s d ifer ent e da q ue era d ifu nd ida na épo ca. A
práx is de Jesus inclu ía at o s e pa lavras. S eus milagres, at o s de cura e p erdão ,
aco lhem e rest abelecem as pesso as co nsideradas “pecado ras” p ela so cied ade.
Fo ram eles qu e deram o r igem às co nt ro vérsias do Nazar eno co m o s det ent o res
de po der em Isr ael. No segu ndo cap ít u lo , mo st ramo s co mo no sso auto r
classifica o discurso parabó lico , d ivid indo -o em quat ro grupo s 155. Aqu i
queremo s mo st rar que nas co nt ro vérsias de Jesus co nt ra a falsa imag em de
Deus se revela t ambém algu ns co nt o rno s de u ma o utra fo r ma de se pensar
Deus.

Co meçaremo s co m o pr ime iro grupo de parábo las analisado po r no sso


t eó lo go : o co nst it u ído pelas parábo las d o rico insensat o (Lc 12,16-21), do
r ico e Lázaro (Lc 16,19-31), do ladrão not urno (Mt 24,42-42) e das v irgens
(Mt 25,1-12). Trat a-se de cr ít icas que Jesus faz à o rganização da so cied ade d e
seu t empo . Jesu s desfaz a falsa segur ança q ue as aut o ridades israelit as
sent iam, baseando -se na imag em de u m Deus q ue ju st ificava o status quo.
At ravés da parábo la do mo rdo mo (Mt 24,45-51) e da referência ao po rt eiro
(Mc 13,34), ele mo st ra que a aut o ridad e exercid a na so ciedade é delegada e
que a t ent ação d e cr iar u ma falsa seg urança e exercer est a aut o rid ade e m
benefício pró pr io é sempre lat ent e. Jesu s t ambém d esp ert a a co nsciência do s
o primido s so bre a su a sit u ação de dep endência.

No segu ndo grupo de parábo las, co nst it u ído pelas parábo las da esco lh a
do s lugares (Lc 14,8-10), a o velha perd ida (Lc 15,4-7), o filho pró d igo (Lc
15,10-32) e o s co nv idado s do banqu et e nupcial ( Mt 22,1-12), o aut o r ent ende
que Jesus apó ia- se na mesma id eo lo g ia de seu s ad versár io s e aceit a que I srae l
est eja d iv id ido em do is gru po s: 1) o daq ueles qu e t êm po der; 2) o daquele s
que eram vít imas dest e po der, o u, em o ut ras palavras, o s o presso res e o s
o primido s. A id eo lo g ia v igent e classifico u est es do is grupo s co mo “ju st o s” e
“pecado res”. No final da exegese d as parábo las do banq uet e (Lc 14,15-24 e

155
Com o e voca m os n o ca pí t ul o II, em sua a n áli se da s pa r á bol a s, Jua n Lui s S egun do
cl a ssi fi ca -a s em qua tr o gr upos: 1) a fa l sa segura n ça opost a a o Rei n o; 2) os p eca d or es e a
a l egr ia de Deus; 3) os ver da dei r os pe ca dor e s e m Isr a el ; 4) a a ut ên t i ca l ei t ur a da Pa l a vra
de Deu s.
119

Mt 22,1-12), no sso t eó lo go sust ent a qu e “o s pr efer ido s d e Deus, o s qu e


defin it ivament e sent am à sua mesa, para alegrarem- se co m ele no Reino , são
o s po bres e marg ina lizado s de Israel, a pesar d e serem pecado res” 156. Deus se
alegra co m o bem est ar de seu s prefer ido s.

No t erceiro grupo , co nst it u ído pelas parábo las do s t rabalhado res


enviado s à v inha ( Mt 20,1-15), o s do is fil ho s (Mt 21,28-31), a figueir a est ér il
(Lc 16,1-9), o far iseu e pu blicano (Lc 1 8,9-14) e o s vinhat eiro s ho micid as
(Mc 12,1-11), enco nt ramo s o asp ect o mais po lêmico d as parábo las: a
id ent ificação que Jesu s faz do s det ent o res do po der em Israel co m o s
verdadeiro s “p ecado res”. O t eó lo go uruguaio analisa a par ábo la do s o perár io s
da v inha (Mt 20,1-15), para evidenciar o “po rquê” da d ist ância que sep ara as
aut o ridad es de Isr ael do co ração de Deu s. O que est á em qu est ão , d iz ele, é a
no ção co nvencio nal de “ju st iça”, que no rt eava o exer cício do po der e a falt a
de co mpreensão d a bo ndad e d e Deu s. Obser var a “ju st iça” p assa po r cima d e
to das as o ut ras co nsideraçõ es leg ít imas e necessár ias no exer cício do po der.
Na parábo la do far iseu e do pu blicano (Lc 18,9-14) aparece a exclu são qu e
Israel prat icava. No sso t eó lo go t ambém analisa a parábo la do s do is filho s (Mt
21,28-31), para exp lic it ar a falácia da d iv isão da so ciedad e israelit a e m
“ju st o s” e “pecado res”; a p arábo la d a figueira est ér il ( Lc 13,6-9), para
mo st rar a sit uação das “aut o rid ades” em Israel, que não pro duziam o s frut o s
dese jado s e po r isso iam ser co rt adas; a parábo la do s vin hat eiro s ho micid as
(Mc 12,1-11), o nde Jesu s leva “a cabo o desmant elament o do s mecanismo s
id eo ló g ico s que ajud avam – a part ir de sua co ncep ção de Deu s – a mant er
o primid a e marg ina lizad a a maio r ia d e Israel” 157.

A quart a sér ie de p arábo las, q ue reagrupa as p arábo las do ad min ist rado r
in fiel ( Lc 16,1-9), do s t alent o s (Mt 25,14-30), e do bo m sa mar it ano (Lc 10,25-
37), exp licit a o s camin ho s pelo s qu ais a palavra libert ado ra de Deu s pô de ser
t ão mal co mpreend ida, at é pe las aut o rid ad es o ficia lment e encarreg adas de su a
int erpret ação , e co nvert ida em inst rument o de o pressão do s po bres e
pecado res. O aut o r analisa est as parábo las nu ma pro gressão , mo st rando co mo

156
SE GUN DO, Hi st óri a, p. 195.
157
Ide m. , p. 207.
120

elas levam o s o u vint es de Jesu s a chegar em a u ma aut ênt ica leit ura da Palavr a
de Deu s. E le co meça co m a p arábo la d o ad min ist rado r infiel (Lc 16,1-9),
sust ent ando que é a esco lha p arado xal do ad min ist rado r, e a mist er io sa
co incid ência co m o verd adeiro int eresse d o pro pr iet ár io , o t ema da p arábo la e
não u ma qu est ão mo ral. O fat o de Israel t er receb ido a lei não é u m
pr ivilég io , po is é preciso assu mi- la co m respo nsabilid ade e co lo cá- la ao
ser viço da hu man ização do ser hu mano . A parábo la do s t alent o s (Mt 25,14-3 0
par.) desenvo lve est e pensament o e mo st ra a impo rt ância da “co -
respo nsabilid ad e” hu mana na co nst rução do Reino . Na p arábo la do ju ízo fina l
(Mt 25,31-46), d iz Ju an Lu is Segu ndo , Jesus mo st ra qu e t o do s o s ho mens são
igu ais d iant e de u m ú nico cr it ér io – o Reino , ist o é, o s mais necessit ado s
devem ser ajud ado s a recup erar sua hu manidad e, e isso a co meçar po r suas
necess idad es mat er iais mais urgent es. O cu me do ens inament o parabó lico
enco nt ra-se na parábo la do bo m samar it ano (Lc 10,25-37), que é a respo st a d e
Jesus a u m mest re da lei que pro curo u pô -lo em apuro s co m a pergu nt a:
“quem é meu pró ximo ?”.

A imag em falsa d e Deus que Jesu s co mbat e em suas par ábo las no s
revela u ma o ut ra imag em de Deus, que p o ssu i as seg u int es caract er íst icas: 1 )
Jesus não est á int eressado em mant er o st atus quo d e Israel, mas em anu nciar
a pro ximid ade do Reino ; 2) Deus favo rece o s que fo r am t rad icio na lment e
o primido s e exclu ído s e est á do lado deles. E le se a legra co m a recup eração
dest es in fo rt unado s (parábo las d a o velha perd ida, d a dracma perd id a e o filho
perd ido : Lc 15) ; 3) Jesu s se abo rrece co m a mesqu inhar ia do s d et ent o res do
po der em Israel, que u savam o Deus hu manizado r para ju st ificar a
desu man ização prat icada; 4) u ma le it ura aut ênt ica d a Palavr a de Deu s leva a
desco br ir a co -respo nsabilid ade hu mana na realização do Reino de Deus.

No est udo que Juan Lu is Segu ndo co nsagra à cart a d e Pau lo ao s


Ro mano s, Deu s aparece co mo “Deu s co no sco ”.

Co mo evo camo s no cap ít u lo II, Juan Lu is S egu ndo lembra qu e Pau lo


t eve a exper iência de enco nt ro co m o Ressuscit ado sem t er co nhecido Jesu s de
Nazar é. As co nseqü ências dest e enco nt ro fo ram- se desvelando ao lo ngo d e
121

to da sua vida. O cap ít u lo qu int o da cart a ao s Ro mano s no s fala d a


reco nciliação da hu man idad e co m Deu s. Est a reco nciliação aco nt ece na
part icu lar id ade de Jesus de Nazaré. No ent ant o, a u niver sa lidad e qu alit at iva e
quant it at iva do que isso sig nifica nu nca fo i bem exp lic it ada. Segu ndo o
t eó lo go uruguaio , est a reco nciliação é surg id a do amo r de Deu s qu e é sempr e
pr imeiro , sempre t ot al e é ação exclu sivament e su a.

Deus é Aq uele qu e ju lga a hu man idad e int eir a e a ju st ifica pela fé. Ess a
fé que ju st ifica est á rad icalment e lig ada a Jesus Cr ist o 158. É a fé naqu ele q ue
pro met e. No sso t eó lo go fr isa o fat o de qu e o Deu s q ue Jesu s revela não é u m
Deus d ist ant e. Aquele qu e viveu da pro messa, Abraão , po de t er amizade co m
Deus 159 po rque é assim qu e E le se revelo u a Abr aão 160.

Jesus se sent iu abando nado na cruz. Po rém, Deu s o ressuscit o u. Aqu i


Pau lo t em u m dado t ranscendent e a mais: ele fo i t est emu nha da mudança
escat o ló g ica que Deus int ro duziu na “realid ade” ao ressuscit ar Jesu s e assim,
dar no va vida a seu pro jet o hist ó rico so br e o reino 161.

Pau lo u sa o t ít u lo Kyrio s p ara falar d e Jesu s nest a cart a (Rm 1,4 ;


5,1.11.21; 6,23 ; 7,25 ; 8,39) co mo t ambém em o ut ro s escr it o s. Para Ju an Lu is
Segu ndo , ist o é u ma ind icação da exist ência, ent re o s pr imeiro s cr ist ão s, da
percep ção , a part ir da ressurreição , que Jesus p ert encia à esfer a d iv ina.

Segu ndo o t eó lo go uruguaio , os sin ót ico s t est emu nham que a


ressurreição de Jesus fo i int erpret ada p ela pr imit iva co mu nid ade ju daico -
cr ist ã co mo sig nificando u m sim de Deu s à fé daqueles qu e acred it avam ser
ele o Messias o u o Cr ist o pro met ido a Israel. A t rad ição jud aica nut r iu essa
expect at iva da vinda d e u m Messias durant e mu it o s sécu lo s. O d esafio de seu s
ad versár io s: “O Cr ist o ... que desça ag o ra da cruz para q ue ve jamo s e
creiamo s” (Mc 15,32), sig nifica p ara o s segu ido res de Jesus que Deus hav ia

158
Cf . SE GUND O, Hi st óri a, p. 490.
159
Ide m, p. 492.
160
Ibi d. , p. 495.
161
Ibi d. , p. 574.
122

desig nado o Nazareno para u ma alt íssima missão , dot ando -o para isso de
sabedo r ia e po deres ext rao rd inár io s.

Nas p alavr as do cent ur ião Ro mano , u m p agão , t emo s a pr imeir a


int erpret ação da “messian idade” de Jesu s em t er mo s co mpreensíveis p ara o s
não jud eu s: “Verdad eirament e, est e ho mem era f ilho d e Deus!” (Mc 15,39). O
pagão reco nhece a p ert ença d e Jesu s à esfera d iv ina. No ent ant o , o grau dest a
pert ença per manece amb íguo , assim co mo fico u amb íg ua a idéia da
messianid ade par a o s jud eus.

No prime iro d iscurso de Pedro no s At o s temo s o resu mo da co nsciênc ia


que o s pr ime iro s cr ist ão s ( ju deu s e pagão s) t inham d est a pert ença d e Jesu s à
esfera d iv ina. “Saiba, po rt ant o , co m cert eza, t o da casa de Israel: Deus o
co nst it u iu Senh or e Cri sto, est e Jesu s... (At 2,36).

O t ít u lo Kyrio s t ambém era u sado para chamar à veneração relig io sa,


sem esp ecificar exat ament e o grau de pert ença ao mu ndo d iv ino , da pesso a e m
quest ão .

Pau lo t ambém fala de Deus co mo Esp ír it o . O Esp ír it o é a fo rça d iv in a


que dá segur ança para Pau lo quando ele fala não já so bre o id eal, mas so bre a
realidad e qu e mesmo depo is d a ressurreição de Jesus co nt inua sendo u ma
mescla. A vit ó r ia da Vid a na hist ó ria do ho mem é po ssível so ment e graças à
fo rça qu e pro vém do Esp ír it o . O Esp ír ito que ressu scit o u Jesus dent re o s
mo rt o s vai viv ificar t ambém no ssa car ne mo rt al po r seu Esp ír it o que mo ra e m
nó s ( Rm 8,11 ; 2 Co r 4,13-15). E nco nt ramo s t ambém r eferênc ias a Deu s co mo
Esp ír it o , co mo po r exemp lo , Deus co mo aquele qu e gu ia a hu man idade “pelo
Esp ír it o ” 162.

Para Juan Lu is Segu ndo , nó s co nhecemo s Deu s no seu Filho , qu e não


aparece d iant e d e nó s na sua “g ló r ia”, mas “nu ma car ne de pecado ”
semelhant e à no ssa. Est e Filho t ambém p asso u po r u ma hist ó r ia qu e se

162
Ibi d. , p. 599.
123

co nst ró i “esperando co nt ra t o da esperança” (Rm 4,18). O Reino , que já est á


mist er io sament e present e em no ssa t erra, é o pro jet o que Deus t em d e
co nst ru ir u ma hu man idade pro fu nd ament e so lid ár ia, segu ndo a “imagem d e
Jesus”. Est e pro jet o levo u Jesu s a essa so lid ar iedad e at é à mo rt e (Rm 8,29).

4.3.3. A nova visão d e Deu s que em erge do en cont ro com o


Ressu scitad o segun do Jon Sobrino

Jo n So br ino pro põ e uma reflexão bast ant e elabo rada so bre a relação
ent re a ressurreição e a revelação de Deus. Co mo vimo s no cap ít u lo III,
part indo da est rut ura bíblica da revelação de Deus, no sso t eó lo go apro fu nda
vár io s aspect o s do co nheciment o de Deus, ent re o s quais o da d ialét ica int ra-
d ivina, que se manifest a na parcia lidade de Deu s em pro l das vít imas, em su a
lut a co nt ra o s falso s deu ses pro vo cado res de o pressão ; o da fut ur id ade d e
Deus, que ev idencia a pro fu nd id ade do mist ér io reve lado em Jesus, mist ér io
que, no ent ant o , co nt inua sendo mist ér io .

Israel co nhece seu Deu s co mo libert ado r no event o do êxo do . O que est á
em jo go nest e event o é u ma ação libert ad o ra das vít imas (Dt 5,6; E x 20,2 ; Dt
26,5-9). No deco rrer do AT, essas açõ es nas qu ais Iahweh se revela, vão se
deslo cando em d ir eção do fut uro (1 Rs 20,13.28; Ez 25,6-8 ;) at é chegar à
fo r mu lação rad ical d e Is 65,17 s. Deus vai se revelando de mane ir a cada vez
mais u niver sal, est endendo seu senho r io no t empo e no esp aço . Per manece, no
ent ant o co mo co nst ant e a “parc ialid ade” de su a ação fu ndant e e libert ado ra.
Nest a ação , revela- se t ambém a maneira “d ialét ica” e “d uélica” d e Deu s e m
lut a co nt ra o ut ras d ivind ades.

A ressurreição de Jesus, ação hist ó r ica, fu nd ant e e defin it iva do NT,


revela u ma est rut ura semelhant e à da ação de Deu s no AT. Para fazer ju st iça a
u ma vít ima e livr á- la da o pressão da mo rte vio lent a e in ju st a, Deus ressuscit a
Jesus. Essa ação , po r sua nat ureza, apo nt a para o fut uro , para a ressurreição
final do s mo rt o s (1 Co r 15,28). Ela é igua lment e re-ação co nt ra a ação
assassina do s deu ses e so br evém d epo is da in- ação de Deu s na cru z. Po r isso ,
ela revela a d ialét ica dent ro de Deus. S o br ino t raduz essa d ialét ica co m as
124

cat ego rias met afó r icas do “Deu s Maio r” e do “Deu s Meno r”, e afir ma qu e
“Deu s precisa d e t empo ” para que a h ist ó ria supere a amb igü id ade que lhe é
iner ent e, po dendo assim mo st rar-se co mo pura po sit ivid ad e.

Já no AT Deus se revelava co mo “p ar cial” e libert ado r das vít imas.


Ambas as t rad içõ es, Javist a e E lo íst a, caract er izam a ação de Deu s (Ex 3,7s)
co mo u ma re-ação face à aflição , ao s clamo res e ao so fr iment o do po vo . Nest e
co nt ext o , afir ma So br ino , a “miser icó rd ia” de Deu s não é mero sent iment o .
Hist o rizada, ela se t o rna necessar iament e ju st iça. Co nhecer o Deus qu e se
revela do po nt o de vist a h ist ó rio -salv ífico , é afir mar que no “pr inc íp io ” era a
miser icó rd ia para co m as vít imas, a libert ação (Ex 3) 163. O “pr inc íp io ” ao qu al
se refere m esses t ext o s, não é o “pr incíp io ” cro no ló g ico , mas o nt o ló g ico . A
ação libert ado ra no êxo do é med iação da revelação de Deus. A p art ir dela,
Israel co nhece seu Deus co mo parcia l e libert ado r.

Do mesmo mo do , a ressurreição de Jesu s mo st ra a “p arcialid ade”


libert ado ra de Deus no NT. A cru z e a ressurreição to rnam- se símbo lo s
universais do dest ino de to do ser hu mano . O Ressu scit ado é o Nazareno que
anu ncio u o Reino d e Deus, d enu nc io u o s po dero so s, fo i p ersegu ido e
in ju st içado , mant endo -se fie l à vo nt ade d e Deu s e co nfiant e Naqu ele que ele
chamava Pai. O qu e Deus revela em sua ressurreição é a d efesa da v ida do
ju st o e das vít imas.

O quer ig ma pr imit ivo apresent a a ressurreição de Jesu s co mo o t riu nfo


de Deu s so bre o s ído lo s 164. A ação de Deu s é apresent ada co mo re-ação co nt ra
aqu ilo qu e fo i fe it o pelo s ho mens. O NT t ende a suav izar a respo nsabilid ad e
do s judeu s no assassín io de Jesus ( At 3,17). No ent ant o , é impo rt ant e
id ent ificar o s “dest inat ár io s” p ara co mpreender a ação de Deus co mo
libert ado ra e d et er minar o s respo nsáve is pela mo rt e de Jesu s. Só assim
po demo s co mpreender a ação de Deu s co mo lut a, que se expr ime na est rut ura
t eo lo gal du élica da hist ó r ia, o nde, o Deus da vida lut a co nt ra o s ído lo s da

163
Num par al el o c om J o 1 (N o pr in cí pi o er a a Pa la vr a ) e Gn 1 (No pr in cí pi o Deus cr i ou o
céu e a t erra ). Cf . SOBRIN O, A Fé , p. 132.
164
Os s ei s di s cur sos d os At os d os Ap óst ol os (2, 23s ; 3, 14s; 4, 10s; 5, 30s; 10, 39s; 13, 28. 30)
a pr esen t am um esquem a di a l ét i co a nt a gôn i co pa ra fa l ar da r essur r ei çã o de Je sus.
125

mo rt e. A cruz é símbo lo do triu nfo do s ído lo s so bre Deus, enqu ant o a


ressurreição simbo liza o t riu nfo de Deu s so bre o s ído lo s. Na cruz, Jesus é a
vít ima qu e o s ído lo s g eram po r necessid ade. Na ressurreição , Deus rest it u i a
vid a à vít ima Jesu s. O Cr ist ian ismo é u ma relig ião de lut a e co nflit o . Crer no
verdadeiro Deus sig nifica ao mesmo t empo lut ar co nt ra o s ído lo s. Os ído lo s
são falso s deuses não po r serem eficazes o u inert es, mas po r pro duzirem
vít imas. So br ino le mbra que d iant e da mo dernidad e, é necessár io defender a
realidad e de Deu s, e d iant e da pó s- mo der nid ade, é impo rt ant e defender a lut a
co nt ra o s ído lo s par a sup erar a ind iferença.

A ressurreição ilu mina alg u ns aspect o s do mist ér io que Deu s co nt inu a


sendo . Assim, sem eliminar nenhu m do s pó lo s da d ialét ica dent ro de Deu s, o
Deus at uant e na r essurreição é o mesmo , po rém inat ivo e calado na cruz. A
impo t ência de Deu s é a expressão de su a abso lut a pro ximidad e das vít imas. A
ressurreição d iz “alt er idad e”, enquant o a cruz d iz “afin id ad e”, co m relação às
vít imas. S em essa pro ximidad e, a r essurr eição per manece na pura alt er id ade.
O Deu s que so fre na cruz sup era a apat heia e salva as cr iat uras que so frem, e
o faz de maneira hu mana, mo st rando sua so lid ar iedade e revelando -se co mo
Deus co no sco , Deus par a nó s e Deu s à mercê-de- nó s. “Os hu mano s não
anse iam po r u m a mo r que não seja eficaz para t ransfo r mar o mal em bem, mas
t ampo uco ent end em u m amo r – enq uant o amo r – que não se lhes apro xime
deles e seja so lid ár io co m eles” 165.

So br ino ent ra em d iá lo go co m vár io s t eó lo go s mo der no s para pensar a


cat ego ria de “fut uro ” ap licada ao mo d o de ser d e Deu s. Seg u ndo ele,
Pannenberg, co m a t eo r ia da pro lep se, mo st ra qu e a au sência de fut uro
co nfer ia a Deu s u ma limit ação grave, po is o fut uro é u m ele ment o essencia l
da exper iência que Israel t inha de Deu s 166. Rahner evo ca o mist ér io de Deus

165
SOBRIN O, Op. c i t. , p. 142.
166
Pa r a Pann en ber g, o “ fut ur o” é a usen t e p or que a t eol ogi a pen sou- o a pa r t ir da fi l os ofi a
gr ega . Deus é com pr een di do a par t ir da or i gem. E st e m od o de c on h ecer é “m í t i co” e sup õe
que a ver da de já est á a dequa da m en t e c on st i t uí da na or i gem . Con sequen t em en t e, ger ou-s e
n a t eol ogi a a i n ca pa ci da de de s e p en sa r a hi stór i a . E l e a pon t a par a a possi bi l i da de d e
des en vol ver um n ovo c on cei t o d e D eus on de o “ fut ur o” é c on st i t ut i vo d o ser . Iss o
pos si bi l i t a um a r ei n t er pr et a çã o dos a t ri but os cl á ssi c os da di vi n da de. A Ressur r ei çã o d e
Jesu s é a a çã o d e D eus qu e r evel a i n equi voca m en t e o D eus d o fut ur o c om o p od er cr i a dor
c on tr a a m or t e. A con cl usã o d o a ut or é que Deus a in da nã o é. Cf . Ide m, p. 143-144.
126

co mo mist ér io abso lut o e co nsid era a t ranscend ência, qu e no s faz já


present es, co mo apelo a um inco nd icio nal amo r ao pró ximo 167. Para
Sch illebeeck x, que co nfere u m pr imado ao fut uro, a t ranscend ência adqu ir e
especial afin idade co m aq u ilo qu e em no ssa t empo ralid ade se deno min a
“fut uro ”. No ent ant o , ele ad vert e co nt ra a po ssib ilidad e d e g erar u ma no va
mit o lo g ia. Mo lt mann, que usa a cat ego r ia da pro messa, co nsidera o “fut uro ”
co mo carát er co nst it ut ivo do Deu s d a esp erança. E ssa fut ur id ade de Deu s est á
fu nd ament ada na ressurreição de Jesu s. P o rém, “Deu s é u m Deu s cru cificado ,
e po r isso é u m pro cesso t rinit ár io qu e cu lminará no fim da h ist ó ria” 168 Na
visão de Met z, o co nceit o de Deu s deve ser repensado não só a part ir do
fut uro , mas a part ir da memó r ia (per igo sa) de Cr ist o (não só co mo
ressurreição , mas t ambé m co mo cruz).

Em sua reflexão , So br ino int egra algu mas co nt r ibu içõ es dessas
t eo lo g ias, co mo a idéia d a “fut ur idade de Deu s”. Po r isso , ele d iz que na
ressurreição de Jesu s, Deu s “já” se revelo u, mas “aind a não ” p lenament e. A
cruz da hist ó r ia per manece mes mo dep o is da ressurreição . Deus se aut o -
revela at ravés d e u m pro cesso e a revelação aco nt ecer á de mo do p leno no
fim. O fim não só é o t ér mino t empo ral, mas é vit ó r ia co nt ra a neg at ividade.

4.4. O encontro com o Ressuscitado desencadeia a missão.

A mudança pro fu nd a qu e o enco nt ro co m o Ressu scit ado cau so u na vid a


do s d iscípu lo s e a no va reve lação de Deus que ele pro po rcio no u desembo ca m
na missão , que po r su a vez frut ifica nu ma no va práx is. Veremo s co mo isso
aparece em no sso s t eó lo go s.

O mandat o de Jesus ao s d iscípu lo s para fazerem d iscíp u lo s, bat izarem e


ensinarem é co mpreend ido de maneir as d iferent es pelo s aut o res qu e
est udamo s. Para Bo ff, o cu mpr iment o dest e mandat o frut ifica nu m no vo
engajament o e nu ma no va t eo lo g ização . Para Ju an Lu is S egu ndo , o mand at o

167
Di fer en t e do Pa n n en ber g, Ra hn er n ã o con c en tr a t udo n o fut ur o e n a esp er an ça e a fi r ma
o m i st ér i o de Deu s c om o m i st ér i o do fut ur o a bs ol ut o. Cf . Ibi d., p. 144.
168
Ibi d. , p. 146.
127

de Jesu s t em relação co m u ma no va her menêut ica. Para So br ino , o


cu mpr iment o dest e mand at o sig nifica u ma práxis co mo segu iment o de Jesus a
part ir das vít imas que se t raduz na expressão : “d escer da cruz as vít imas”.

4.4.1. O Encontro com o Ressuscitado e a m issão segundo Leonardo


Boff

Vimo s no cap ít u lo pr imeiro , que para Bo ff a pergu nt a “Quem so u eu ?”


(Mc 8,29), que Jesu s d ir ige ao s seu s d iscípu lo s, deve ser respo nd ida po r cad a
geração , dent ro do co nt ext o de su a co mp reensão do mu ndo , do ho mem e d e
Deus. E le mesmo já co meça a cu mpr ir est a t arefa p ara a sua geração na o br a
Jesu s Cri sto Libertado r. Nest a o bra, ele d iz qu e é preciso afir mar e anu nciar ,
dent ro da perspect iva mo der na lat ino -amer icana, qu e Cr ist o é a memó r ia e a
co nsciência cr ít ica da hu man idad e. Est a afir mação se t raduz, segu ndo ele,
nu m no vo engajament o do cr ist ão que cu mpre o mandat o missio nár io de
Jesus. I sso levará a mu danças est rut urais na Igreja, qu e co ncret izam a
ressurreição de Cr ist o em vist a da libert ação de u m po vo o primido .

O aut o r pro põ e co mo met a da missão do cr ist ão de ho je: “... caminhar e


realizar aquela reco nc iliação 169 e at ing ir t al grau de hu man idad e que man ifest a
a har mo nia inso nd ável de Deu s t udo em t o do s” 170 (1 Co r 15,28). Assim co mo
Pau lo fo r mu lo u a met a de sua missão , Bo ff t ambém adere à met a escat o ló g ica
fr isando a necessidad e d a esperança rad ical co mo pr incíp io her menêut ico
enquant o aguarda-se a p arusia.

O aspect o de no vo engajament o na missão é baseado na práxis d e Jesu s.


De aco rdo co m Bo ff, há seme lhanças ent re o amb ient e no qual Jesu s realizo u
sua missão e a sit uação at ual na AL, que é o lugar d esd e o nde ele t eo lo g iza.

169
Qua l ser á o si gn i fi ca do dest a r ec on ci l i a çã o? N a Bí bl i a , a r econ ci l i a çã o é i n i ci a t i va de
Deus (2 C or 5, 18). Seus e fei t os l e va m , n a s pa la vr a s de Pa ul o, a “ Um a n ova cr i a çã o” (2
Cor 5, 17). O pr ópr i o m un do m a t er i al , t odo o un i ver s o “n a t err a ” e “n os c éus” (Cl 1, 20) é
r econ ci l i a do c om D eus pel o sa n gue da cr uz . A r econ ci l i a çã o é i n t im am en t e l i ga da com o
cul t o. P or ém , h á a col a bor a çã o h um an a exi gida n est e pr oc es s o. No c on t ext o l a t in o-
a m er i can o, a r ec on ci l i a çã o l e va n t a per gunt a s sobr e a quest ã o da ju st i ça e i m pl i ca t a m bém
m udan ça s soci a i s r a di ca i s, que per m i t em uma r econ ci l i a çã o en t r e os opr i m i dos e s eus
opr ess or e s.
170
BOFF, J e sus Cri st o Li be rt ador, p. 266.
128

Na Palest ina do t empo de Jesus, ex ist ia u m r eg ime g eral d e depend ência. O


aut o r apo nt a para a o pressão só cio -eco nô mica co njug ada à o pressão relig io sa,
o riu nda de u ma int erpret ação leg alist a da relig ião .

Perant e est a realid ade, a reação de Jesu s é surpreendent e. Ele não adot a
u ma po st ura igual à d e Bar Ko chba o u de Jo ão Bat ist a. Ele co nt est a o present e
ao anu nciar u m sent ido ú lt imo , est rut ural e g lo bal, qu e alcança para alé m d e
to do o fact ível e det er minável pelo ser hu mano . O no vo em Jesu s é ant ecip ar
o fut uro e revert er o utó pico em t ó pico (Mc 1,15; Mt 3,17).

É bo m reco rdar qu e p ara Bo ff, já em su a práxis, Jesus t ambém p asso u


pelas t ent açõ es de reg io nalizar e at é privat izar o Reino , reduzindo -o a u ma
grandeza hu mana 171. Est e Reino , que no fu ndo , é uma libert ação tot al d e t o da
a hist ó r ia e não apenas de seg ment o s dela, já ant ecip a a t ot alid ade nu m
pro cesso libert ado r que se co ncret iza em libert açõ es parcia is sempre abert as
para a t ot alid ade.

No mu ndo enco nt rado po r Jesus, havia abso lut izaçõ es (da relig ião , da
Lei et c.) que escravizavam o ser hu man o . Jesus não so ment e relat iv izo u as
leis e o cu lt o , mas encar no u u m no vo t ipo de so lidar iedad e. Co m sua
capacidad e de supo rt ar o s co nflit o s e aceit ando a vida co m t o das as
co nt rad içõ es, inc lusive a mo rt e, ele abre a po ssib ilidad e de u ma missão
apro pr iada para a AL de ho je. Tudo isso era baseado na exp er iência qu e ele
t inha do Pai.

Co ncret ament e, a missão para o s crist ãos lat ino -amer icano s que t êm a
exper iência de enco nt ro co m o Ressuscit ado, se t raduz, segu ndo Bo ff, e m
carregar a cruz e so lid ar izar- se co m aqueles que são crucificado s nest e

171
Boff ca r a ct er i z a a pr á xi s de Jesu s de r e vol uci on á ri a , por ém “n ã o n o sen t i do em oci on a l e
i deol ógi c o de r e vol uci on á ri o c om o o vi ol en t o ou o r e bel d e fr en t e à est r ut ura çã o p ol í t i co-
soci a l ” . BOFF, Op. c i t ., p. 260.
129

mu ndo . Assim anu ncia-se Jesus, a memó r ia e a co nsciência cr ít ica d a


hu man idade 172, no co nt ext o lat ino -amer icano .

4.4.2. O Encont ro com o Ressuscitado e a m issão segundo Juan Lui s


Segundo

Juan Lu is Segu ndo analisa a missão a p art ir d e u m est udo de alg u ns


t ext o s do NT. Os At o s do s Apó st o lo s, d iz ele, no s apresent am o bat ismo d e
Co rnélio , o cent ur ião ro mano , e o s aco nt eciment o s que se segu em no s
cap ít u lo s 10 e 11. Fo i Pedro que realizo u o bat izado e t eve que just ificar su a
co ndut a em Jeru salém, d iant e do s p art idár io s da circu ncisão . Não há nenhu ma
menção do mandat o missio nár io no d iscurso just ificat ivo de Pedro . Po rém,
no sso t eó lo go ent ende est e ep isó d io co mo o resu lt ado do enco nt ro da
co mu nidade, e não só de Pedro , co m o Ressu scit ado e a exper iência d e vit ó r ia
da vid a no va que t al enco nt ro suscit o u ent re o s p agão s. Aqu i a co mu nid ad e
crescent e acert a o s ru mo s de sua caminhada a perco rrer.

Nest e ep isó d io , per cebemo s co mo o enco nt ro co m o Ressuscit ad o


pro vo ca mud anças na co mu nid ade, na med ida em qu e su a co mpr eensão das
co nseqüências dest e enco nt ro fo i se apro fu nd ando . A co mu nid ade cr ist ã
pr imit iva, co mpo st a de jud eus, co nsid erava que não se po d ia ent rar na casa
do s pagão s, nem bat izá- lo s. No ep isó d io refer ido pelo s At o s, vemo s co mo
Deus prep aro u t udo co m visõ es, e u ma vez que Pedro se enco nt ro u diant e do
fat o de o Esp ír it o Sant o t er sido derramad o so bre o s pagão s, bat izo u-o s co m a
segu int e just ificat iva: “Po demo s, po r acaso , negar a águ a do bat ismo a est as
pesso as, que receberam, co mo nó s, o Esp ír it o Santo ?” ( At 10,47).

A ressurreição , “a exper iência que t êm d a no va vida ilimit ada e g lo r io s a


de qu e go za Jesu s ju nt o a Deu s” 173, é o qu e per mit e a co mu nid ade cr ist ã de
ju st ificar o bat ismo do s pagão s. A co mu nid ade per cebe qu e, co mo Jesu s

172
Je sus Cr i st o, “ Li ber t a dor da con s ci ên ci a opr i m i da pel o pe ca d o e p or t oda s or t e de
a l i ena ções, é Li ber t a dor da tri st e c on di çã o h um a na n a s sua s r el a çõe s pa r a com o m un do,
pa ra com o out r o e pa r a com Deus” . Ide m, p. 260.
173
SE GUN DO, Hi st óri a, p. 318.
130

Ressu scit ado , sua mensagem não t em mais limit es, o u seja, a u niver salid ad e
da missão faz part e da narração da pásco a.

E m sua análise de cart a ao s Ro mano s, Juan Lu is S egu ndo afir ma q ue “a


preo cupação ant ro po ló g ica de Pau lo d ir ig e-se à hu man idad e int eira e ao p lano
que Deu s t em para ela” 174. O est udo que o t eó lo go uruguaio faz da reflexão
pau lina so bre a escravid ão do pecado , a d ivisão que cada ser hu mano t e m
co mo exper iência de lut a no seu int er io r, uma mesc la do bem e do mal,
present e igualment e no s pagão s, no s jud eus e no s cr ist ão s, evo ca, segu ndo
ele, a co nsciência q ue as pr ime iras co mu nid ades cr ist ãs t inham da valid ade do
“mandat o miss io nár io ”.

A pro messa que Deu s faz a Abraão é ant erio r à “aliança” que E le faz
co m Abraão . De fat o , a aliança é rat ificada mais t arde, po r o rdem de Senho r
Deus co m a circu ncisão de Abraão e de sua família (Gn 17,1-27). Para Jua n
Lu is S egu ndo , em Abraão a fé é o uto rgada co mo po ssibilid ade a t o do ho me m
e “essa qualid ade de ag ir hu mano t ão amp lo , co mo a hu man idade, é u m
prenú ncio daq uela que Jesus Cr ist o t ornará po ssíve l ao mo rrer e
ressuscit ar” 175. Abr aão eng lo ba t o da a hu man idad e, dest ru indo a o po sição
cir cu nciso / inc ircu nciso .

Ao t rat ar das imp licaçõ es d a ressurreição de Jesu s no cap ít u lo 8 d e


cart a ao s Ro mano s, o t eó lo go uruguaio d iz qu e so ment e Pau lo , ent re o s
escr it o res neo t est ement ár io s, elabo ro u uma v isão de u m ju ízo final d e Deu s
que levasse em co nt a a inevit ável mescla de caract er íst icas po sit ivas e
negat ivas d a at uação hu mana 176. A no va cr iat ura que surge co mo resu lt ado da
ressurreição de Jesus co nt inua sendo u m campo de bat alha ent re a car ne e o
Esp ír it o . A u niversalidad e do pecado , em sua ext ensiv id ade e int ens iv idad e, é
co mu m a t o da hu manidad e, sem exclu ir pagão s, judeus o u cr ist ão s.

174
SE GUN DO, Op. c i t. , p. 454.
175
Ide m, p. 489.
176
Cf . Ibi d., p. 587.
131

Co mo ve mo s, o pensament o t eo ló g ico de Juan Lu is Segu ndo é marcado


po r um ant ro po cent r ismo acent uado e co nt ém mu it o s co nceit o s qu e
co nt r ibu íram para desenvo lver u m t rabalho missio nár io at ualizado em no ssa
épo ca. Sua reflexão part e do ho mem e da mu lher sit u ado s na hist ó r ia,
pro jet ando ambo s para o cent ro que é Deus. Dev ido à sua t eo lo g ia d a graça e
da revelação , o discurso ant ro po ló g ico não se t ransfo r ma em u ma t end ência
desviant e, na qu al a ação hu mana ent ra em co nco rrênc ia co m a ação d iv ina o u
se so brepõ e a ela.

O p lano de Deus co nsist e em co nduzir a hu manid ade int eir a, que viv e
u ma só hist ó ria e t em u ma ú nica vo cação , que é so brenat ural, e o co smo s,
para a sua p lenit u de d e sent ido em Cr is to . É a revelação que po ssib ilit a à
hu man idade co nhecer exp lic it ament e a grat u idad e do do m de Deus, qu e
co nt inua ment e se insere na hist ó r ia. A graça de Deu s alicer ça a ação do
ho mem co mo co nst ruto r da hist ó r ia, co nfer indo p leno valo r à sua liberd ad e
cr iado ra e impreg nando escat o lo g icament e sua exist ência.

4.4.3. O Encontro com o Ressuscitado e a m issão segundo Jon Sob rino

Para Jo n So br ino , a ressurreição “... po r sua nat ureza, exig e ser


t est emu nhad a e, po rt ant o , deve d esencadear em pr incíp io u ma missão ” 177.
Segu ndo ele, o cu mpr iment o do mandat o missio nár io na AL sig nifica u ma
no va práx is que se t raduz co mo seg u iment o de Jesu s a part ir das vít imas. A
pr incipal t arefa dest a práxis é descer da cruz as vít imas. É u m pro jet o
audacio so e per igo so , baseado na preg ação da ressurreição de Jesu s e no
ser viço ao co nt eúdo do que se prega.

A reação do s d iscíp u lo s às apar içõ es fo i capt ar o Reino de Deu s co mo


u m co nceit o práxico de esperança, cu ja raiz ú lt ima é o amo r. E les são
t est emu nhas 178 da ressurreição e a eles é co nfiada a missão de pregar, bat izar,
perdo ar pecado s, apascent ar o s fiéis ( Mt 28,19-20; Jo 20,23 ; 21,15.17) e,

177
SOBRIN O, A Fé , p. 76.
178
Nã o vi den t es n em vi si on á r i os.
132

co mo o Jesu s t errest re, eles devem t amb ém curar e expu lsar de mô nio s (Mc
16,17-18) 179.

A d ispo nib ilid ad e de no ssa part e para a missão é essencial. Sem ela, a
ressurreição de Jesus per manecer ia mud a. Nas apar içõ es do Ressuscit ado , não
se t rat a só de co mpreender a realidad e do mu ndo e do ho me m, mas d e
o ferecer algo no vo ao mu ndo . É preciso anu nc iar a verdade d a ressurreição
co mo u ma bo a no va: fez-se just iça a u ma vít ima e t rat a-se de t o rnar realid ad e
est a verdade.

Fo r malment e, a missão é fazer aqu ele bem qu e é hist o r icament e


co nsid erado impo ssíve l. E la inc lu i: a lu t a co nt ra o s ído lo s dest e mu ndo ; a
superação de u ma co nsciência po pu lar secu lar ment e resig nada; o
esqu eciment o de si po r part e das Igrejas e o vo lt ar-se d elas para o s o pr imido s
dest e mu ndo . Mat er ialment e, a missão se expressa no co nt eúdo da esper ança,
ist o é, que se faça ju st iça às vít imas d est e mu ndo co mo se fez ju st iça a Jesu s
Crucificado . Daí surge u ma práx is que, na AL, se t raduz em d escer da cruz o
po vo crucificado . É u ma práxis a fav o r do s crucificado s e co nt ra seu s
verdugo s, u ma práx is co nflit iva e cheia de r isco s.

Essa fo r ma de ent end er a missão levant a a quest ão da vio lência. So br ino


elabo ro u uma reflexão so bre isso desd e o co nt ext o lat ino -amer icano . Em
pr imeiro lug ar, d iz ele exist e u ma hier arqu ização da vio lência. Uma é “a
vio lência inst it u cio nalizad a”, o ut ra a vio lência insurrecio nal e o ut ra a ação
do s cr ist ão s co mpro met ido s nas lut as e na hu man ização do s co nflit o s.
Baseado no co nflit o ar mado que surg iu em E l S alvado r, no sso t eó lo go chega à
co nclu são de que “a lut a ar mad a sempr e é u m mal maio r do que se pensa”,
mesmo nas circu nst âncias qu e a ju st ificam t eo ricament e.

E m segu ndo lu gar, So br ino co nst at a que ent re o s d iscípu lo s de Jesu s


havia t ant o zelo t as quant o co labo rado res do s ro mano s. E m Lucas, Jesu s

179
O a ut or n ã o se m ost r a de a cor do c om a s l ei t ura s que pen sa m a s a par i ções c om o
l e gi t i madoras do a post ol a do, m esm o di a n t e de t ext os que a pr esen t a m a a par i çã o d o
Ressu sci t a d o c om o just i fi ca d or a da mi ssã o (1 Cor 15, 5. 8; Gl 1, 11-24; 1 Cor 15, 8-11).
133

manda co mprar espad a (Lc 22,36), em Mat eus, co ndena seu u so (Mt 26,52).
No ser mão da mo nt anha, e le ro mp eu co m o esq uema do amigo / in imigo e
apela, não para a vingança, mas par a o perdão . Para no sso t eó lo go , o que a
hist ó r ia d e Jesu s mo st ra não é a apo lit ic idade do reino que ele anu ncia nem o
pacifismo puro , mas u m mo do d iferent e p ara co nst ru ir o reino 180.

E m t erceiro lug ar, o aut or t ira pr inc íp io s o rient ado res para a at ualidad e
da at uação de Jesus. 1) É u ma exig ência abso lut a desmascar ar a inju st iça
est rut ural co mo vio lência inst it ucio nalizada; 2) To da vio lência, mesmo a q ue
po de chegar a ser leg ít ima, t em u m po t encial desu man izant e; 3) À vio lência,
Jesus o põ e a uto pia da paz co mo pro jet o a ser realizado e co mo meio par a
realizá- lo ; 4) To da vio lência precisa sempre de r edenção . “Co mo a vio lênc ia
hist ó r ica pro vém da in ju st iça, é preciso carregá- la, o que sig nifica pô r-se do
lado de su as vít imas vio lent ad as, as maio r ias po pu lares, e carregar o dest ino
que recai so bre elas: não se red ime a vio lência sem carregá- la de a lgu ma
fo r ma” 181.

A missão cr ist ã na AL t em sua d imensão so cial e po lít ica. So ment e o


envo lviment o so cial e a at uação po lít ica po dem efet uar a t ransfo r mação das
est rut uras que t o rnam po ssível a ressurreição de mu it o s. A ressurreição e o
Reino aco nt ecem na med id a em que se desce da cruz o po vo crucificado .
Mu it as vezes, t rat a-se de u m ag ir co nt ra to da esperança ao serviço do s id eais
escat o ló g ico s: ju st iça, paz, so lid ar ied ade, vida do s mais fr aco s, co mu nidade,
d ig n idad e, celebração , et c.

A missão que a exper iência de enco nt ro co m o Ressuscit ado desencadeia


t ambém t em seu aspect o celebr at ivo na h ist ó r ia. É viver co mo ressuscit ado s,
co mo a “no va cr iat ura” na lingu agem do NT. A exper iência da ressurreição
efet uo u uma mud ança na vida do s d iscíp u lo s, não so ment e po rque passara m
do medo à int rep idez, mas po rque no meio do s seus t rabalho s e esfo rço s, eles

180
De fa t o, Moh a n dha s Ka ra m ch an d Gan dhi (Maha t m a Gan dh i ), o pa i da m oder na n a çã o
i n di an a, pr at i cou e st e “n ovo m od o” de c on st r ui r o r ei n o em sua l ut a nã o vi ol en t a pel a
i n depen dên ci a da Ín di a, na pr im ei ra m et a de do sé cul o XX. T oda vez qu e a p opul a çã o
c om e ç ou a r ea gi r vi ol en t a m ent e c on t ra a s ba r bá r i es que os br i t â ni cos pr a t i ca va m , Ga n dh i
fa z i a gr eve de fom e e for ça va seu p ovo a vol t a r ao ca m i nh o da n ã o vi ol ên ci a .
181
SOBRIN O, J e sus, p. 317.
134

at uam co m liberdade e a legr ia ( At 5,41). Po r isso , o s prime iro s cr ist ão s


resu miram t ant o a pesso a co mo a missão de Jesus co mo Evangelh o,
Evangeli zação. Mesmo nas t r ibu laçõ es (2 Co r 4,8s) eles não se sent ia m
abando nado s, mas t est emu nhava m o viv er da p len it ude, t endo “algo para
celebrar ”. Isso não sig nifica qu e o mysterium i niquitati s d eva ser ig no rado .
Segu ndo so br ino , P au lo co rr ig e o s cr ist ão s de Co r int o , que imag inar am qu e
milagres, do m de líng uas et c. pareciam t riunfar so bre a realid ade do d ia-a-d ia.

4.5. Uma práxis (seguimento) que surge como resultado do


encontro com o Ressuscitado.

Vamo s ago ra analisar a d imensão práxica q ue o Enco nt ro co m o


Ressu scit ado pro vo co u no s d iscípu lo s. No NT, est a d imensão recebe
fo r mu laçõ es co mo : segu iment o , no s sinó t ico s; fazer as o bras de Jesus, e m
Jo ão ; t er o s mesmo s sent iment o s de Cr ist o , no s escr it o s de P au lo . O fat o r
co mu m ent re to das elas é o co nvit e a repr o duzir a vida de Jesus.

Mais u ma vez as reflexõ es t eo ló g icas so br e est a t emát ica enco nt radas nas
o bras do s no sso s aut o res t êm caract er íst icas pró pr ias. E les mo st ram d iver so s
aspect o s do segu iment o , de aco rdo co m a perspect iva her menêut ica ado t ada
po r cada u m. No ent ant o, na t o t alid ade d as reflexõ es, po demo s d iscer nir cert a
co mp lement ar id ade ent re essas d ifer ent es perspect ivas. É po ssíve l
caract er izar o segu iment o de Jesu s na t eo lo g ia de Leo nardo Bo ff co mo
co mpro misso co m o Reino de Deu s. Juan Lu is Seg u ndo , po r sua vez, insist e
no aspect o de “aprend er a aprend er”. Este é o co nceit o que se apro xima mais
da idéia d e segu iment o em sua t eo lo g ia, u ma vez que o t ema do “seg u iment o ”
em si mesmo é au sent e em suas o bras. Jo n So br ino , part indo de seu co nt ext o
vit al d e in ju st iça, so fr iment o e mo rt e, desenvo lve u ma reflexão t eo ló g ica qu e
mo st ra co mo o s cr ist ão s de ho je repet em analo g ament e em cada épo ca o
segu iment o de Jesus.
135

4.5.1. A práxi s resultant e o encont ro com o Ressu scit ado segund o


Leonardo Boff

Para Bo ff, o enco nt ro co m o Ressuscit ado sig nifica co mpro misso co m o


Reino d e Deu s o nd e t o do s são ir mão s e isso exige u ma r eest rut uração das
at it udes. Nest e co nt ext o , o co mpo rtament o de Jesu s po ssu i grand e
sig nificação par a a exist ência cr ist ã. Jesus, em su a práx is, dest eo lo g izo u a
relig ião , desmit o lo g izo u a lingu agem, desr it ualizo u a p ied ade, emancipo u a
mensagem de Deu s da mo ldura relig io sa de seu t empo e secu lar izo u o s meio s
da salvação . De fat o , u ma práxis análo ga repet iu- se no s pr imeiro s sécu lo s
depo is da ressurreição de Jesu s e a d ifer ença no co mpo rt ament o do s cr ist ão s
era no t ada. E les fo ram co ns iderado s co mo o tertium genu s, o u seja, d iver so s
do s ro mano s e do s bár baro s, mas fo r mado s de ambo s ind iscr iminad ament e.
E m no sso co nt ext o , t ent ar viver semelhant e pro jet o de vid a é segu ir
Cr ist o ” 182, sust ent a o aut or.

Co mo já vimo s, o t eó lo go brasileiro pensa qu e o mal, para Jesu s, não


est ava aí p ara ser co mpr eend ido , mas par a ser assu mido e vencido pelo amo r.
O pro jet o da vid a de Jesu s fo i o camin ho da encar nação , que é t ot al abert ura a
Deus, mas t ambém ho min ização de Deu s 183, para qu e aco nt eça a d iv in ização
do ser hu mano . Cit ando Nost ra Aetat e, Bo ff afir ma que o cr ist ian ismo se
co ncret iza no segu iment o de Jesu s, e isso faz co m qu e o s ho mens e as
mu lheres se abr am para a t ot alidad e da realidad e, fazendo co m que est a se
abra t ambém p ara Deu s 184.

Exp lic it ando o camin ho da encar nação , ist o é, co ncret ização d a


so lidar iedad e d iv ina que se man ifest o u na pesso a d e Jesus de Nazaré, o
t eó lo go brasileiro pro põ e as segu int es reflexõ es t eo ló g icas. E m pr imeiro
lug ar, na sua ressurreição Cr ist o não deixo u no sso mu ndo . Ele penet ro u-o de

182
BOFF, J e sus Cri st o Li be rt ador, p. 111.
183
Boff m ost r a est a r de pl en o a c or do c om J os eph Ra t z i n ger sobr e a di vi n i z a çã o do h om em
e h om i ni z a çã o de Deus (c om un hã o c om Deus). Cf . Ide m, p. 273.
184
E st a in t ui çã o a l ca n ça uma m ai or el uci da çã o e m sua obr a Vi da se gundo o E spí ri t o, na
qua l Boff bus ca r el er o si gn i fi ca do da vi da r eli gi osa , prin ci pa l m en t e os t r ês vot os qu e
t od o r el i gi os o fa z , c om o i n t ui t o de a pr ofun da r a ót i ca de um a n ova espi r i t ua l i da de
en ca rn a da e l i ber t a dora . BOFF, Le on a r do Vi da se gundo E spí ri t o Pet r ópol i s: V oz es, 1981.
136

fo r ma mais pro fu nda e ago ra est á pr esent e em t o da a realid ade do mesmo


mo do co mo Deu s est á present e a t o das as co isas (Mt 28,20). A fé cr ist ã vive
dest a presença.

E m segu ndo lug ar, a práxis deco rrent e do enco nt ro co m o Ressu scit ado
ho je na AL sig n ifica co mpreend er o mu ndo a part ir de seu fut uro já
man ifest ado em Jesus. Tal co mpreensão imp lica o reco nhec iment o das
mo d alidades da presença de Cr ist o dent ro da realid ade em t o do s o s seu s
aspect o s, ent re o s quais Bo ff ressalt a o sacrament al.

E m t erceiro lu gar, Bo ff mo st ra, co mo fizeram Tert u liano e Or ígenes,


que o ser hu mano é o maio r sacrament o de Crist o . “E m Jesus, ele (Deu s)
apareceu d e fo r ma co ncret a, assu mindo no ssa co nd ição hu mana. Po r isso cad a
ho mem faz lembrar o homem que fo i Jesu s” 185. Na sit u ação de po breza e
exclu são causadas po r u m sist ema in ju st o , a práxis cr ist ã co meça co m a
aceit ação do po bre co mo po bre po rque ele é o sacrament o de Jesu s.

A práx is resu lt ant e do enco nt ro co m o Ressuscit ado em Bo ff po de ser


resu mid a assim. É u m caminhar so lidár io do s cr ist ão s ju nt o co m o rest o da
hu man idade p ara cr iar maio r abert ura para o o utro e maio r lu gar hu mano par a
Deus po rque Jesus veio t razer o ho mem no vo (E f 2,15). E m cada geração t al
práx is t o ma fo r mas co ncret as de co mpro misso co m o Reino naque les qu e po r
suas vidas lut am po r aqu ilo pelo qual o pró prio Jesus lut o u e mo rreu.

4.5.2. A práxi s resul tante do en cont ro com o Ressuscitado segund o


Juan Luis Segundo

Já fo i mencio nado acima, na int ro dução a est e t ó pico , que, à d iferenç a


de Bo ff e So br ino , Ju an Lu is segu ndo não usa a cat ego ria “segu iment o ” para
sig nificar a práxis qu e resu lt o u do enco nt ro que o s d iscípu lo s t iver am co m o
Ressu scit ado . Há u ma expressão “aprender a aprender” 186, que inco rpo ra o que
no sso aut or co nsider a co mo sendo a práx is resu lt ant e de u m enco nt ro

185
Ibi d. , p. 236.
186
SE GUN DO, Hi st óri a, p. 89.
137

ho d ier no co m o Ressuscit ado na AL 187. Veremo s co mo essa no vidad e


her menêut ica imp act o u as pr imeiras co mu nid ades.

Mais u ma vez vo lt amo s p ara o ep isó d io do s d iscípu lo s d e E maús ( Lc


24,13-35), que o t eó lo go uruguaio esco lhe co mo u m do s exemp lo s mais
elo qüent es para exe mp lificar o mo ment o her menêut ico (o pro cesso d e
aprender a apr ender) que o enco nt ro co m o Ressu scit ado desencadeo u na vid a
do s d iscípu lo s d esesperançado s apó s a mo rt e de Jesus. Os peregr ino s d e
E maú s, ao co nt arem seu desalent o , resu lt ado da mo rt e de Jesus, e o est ranho
que co m eles caminha, ao int erpret ar as Escr it uras, ilu st ram u m pro cesso que
se rep et e inú meras vezes na hist ó r ia, revelando a est rut ura básica dest e
mo ment o her menêut ico .

A exp er iência her menêut ica, que é a exper iência d e enco nt ro co m o


Ressu scit ado , t em do is mo ment o s no t ext o em quest ão . No primeiro , o s
d iscíp u lo s narram o que aco nt eceu. O est ranho , po r sua vez, co meça u ma
reflexão so br e o s aco nt eciment o s. Segundo Lucas, o est ranho (Jesu s)
“co meçando po r Mo isés e po r t o do s o s pro fet as, int erpret o u-lhes em t o das as
Escr it uras o que a ele d izia respeit o ” ( Lc 24,27). Lo go depo is, durant e a
refeição , vem o mo ment o de “part ir o pão ”, quando seu s o lho s se abr iram, e
eles o reco nheceram ( Lc 24,31). Jesus desaparece e eles reco rdaram a emo ção
que sent ir am qu ando E le lhes exp licava as E scr it uras p elo camin ho ( Lc
24,32).

No segu ndo mo ment o , o s d iscípu lo s já est ão de vo lt a a Jeru salé m,


reun ido s co m o s o ut ro s, que co nfir maram a exper iência deles: ”Realment e, o
Senho r ressuscit o u e apareceu a S imão ” (Lc 24,34). Jesu s aparece no meio
deles e abr e- lhes a int elig ência para ent end eram as Escr it uras (Lc 24,45). “O
que fo i narrado pr imeiro , co mo u ma lição in fo r mat iva, é rep et ido o u resu mido

187
Cf . GOME S, Pa ul o Rober t o Humani zados e m Cr i st o, a humani zaç ão pe ssoal e soci al na
Cri st ol ogi a de J uan Lui s Se gundo Bel o Hor i z on t e: ISI-CE S, 1996. Di sser t a çã o d o
Mest r a do, p. 103.
138

depo is, co m u m “abr ir a ment e” p ara co mpreender. A in fo r mação se co nvert e


em co mpreensão ” 188.

A celebr ação da Eucar ist ia, na pr át ica eclesia l na AL, é u m mo ment o


pro pício para o enco nt ro co m o Ressu scit ado . Ela per mit e a leit ura d as
Escr it uras a part ir d a realidad e lat ino -amer icana e o abr ir a ment e para u ma
práx is t ransfo r mado ra, que po de levar a co nfigurar essa realid ad e so fr id a,
co nfo r me o co ração de Deus, de aco rdo com Ju an Lu is Seg u ndo .

Pau lo , no cap ít u lo 8 d a cart a ao s Ro mano s, analisa a no vid ade que é a


vit ó r ia de Jesus so bre a mo rt e. No sso auto r expõ e em t o da sua pro fu nd id ade o
que o enco nt ro co m o Ressu scit ado sig nifico u para o Apó st o lo . Segu ndo ele, a
ressurreição de Jesus é u ma no va cr iação , que co nt inu a, po rém, sendo u ma
mescla, na qual o s pro jet o s hist ó r ico s d e libert ação não se acu mu lam p ara
mar car u m “pro gresso hist ó r ico ”. Isso significa qu e as geraçõ es po st er io res
deverão co nt inu ar sua t arefa e pro duzir seus pró pr io s pro jet o s. Ao d izer qu e a
cr iação é su je it a à inut ilidad e (Rm 8,1 9-23), Pau lo mo st ra cert a lucid ez,
abr indo a hist ó r ia à no vid ade de cada épo ca hist ó rica, que relê sua t arefa à luz
do Ressu scit ado .

Depo is de alud ir ao impact o que a ressurreição causo u na v ida do s


pr imeiro s d iscípu lo s, aqu i é pr eciso vo lt ar a u m co nceit o impo rt ant e no
pensament o t eo ló g ico de Juan Lu is seg undo : id eo lo g ia. No cap ít u lo II já
examina mo s algu ns aspect o s da co mpreensão qu e Juan Lu is S egu ndo t e m
dest e co nceit o impo rt ant e para a práxis eclesial na AL. Para ele, a B íb lia é u m
pro cesso não so ment e em seu t ext o escr it o (que levo u sécu lo s para se
co mp let ar), mas t ambém na ap licação dest e t ext o nu m co nt ext o hist ó rico
d ist ant e do o r ig inal. A ideo lo g ia t em u m p apel impo rt ant e na superação da
d ist ância ent re a sit uação bíb lica e a no ssa. No sso t eó lo go afir ma que exist em
d iversas id eo lo g ias at rás do s t ext o s bíb lico s, co mo t ambém d iversas
id eo lo g ias at rás de no ssas int erpret açõ es e ap licaçõ es dest es mesmo s t ext o s.
O pró pr io Jesus faz p art e do pro cesso da revelação , po rque ele pert ence a u m

188
SE GUN DO, Hi st óri a, p. 315.
139

mo ment o e a u m co nt ext o hist ó rico específico s. Os evang elist as e Pau lo fo ra m


in flu enciado s ideo lo g icament e em su as o bras. É só lembr ar que na o bra q ue
est udamo s a pro po st a do t eó lo go uruguaio é a de examinar o s sinó t ico s
usando a chave po lít ica e o s pr ime iro s cap ít u lo s de cart a de Pau lo ao s
Ro mano s u sando a chave ant ro po ló g ica, p ara desco br ir a sig nificação de Jesu s
de Nazaré para a AL ho je.

Na visão de no sso auto r, a práxis exig id a do s cr ist ão s na AL n a


at ualid ade é a d e reler as Escr it uras usand o chaves her menêut icas adequ adas a
part ir da sit uação hist ó rica. A leit ura t rad icio nal perpet uo u u ma sit uação de
misér ia para a grand e ma io r ia da po p u lação lat ino -amer icana 189. Na su a
análise do ensinament o parabó lico d e Jesu s, Juan Lu is Segu ndo mo st ro u co mo
o Nazareno desmascaro u as ideo lo g ias empregad as p ara mant er o po vo
su bmisso . Nó s t ambém vimo s co mo o auto r mo st ra que o enco nt ro co m o
Ressu scit ado fo i u m mo ment o de “aprender a aprend er” p ara o s d iscíp u lo s,
que o s levo u à co mpreensão da no v idade que a ressurreição int ro duz na
realidad e.

Queremo s co nclu ir est e tó p ico mo st rando que o t eó lo go uruguaio


co nsid era que a relig ião que t eme ent rar na imp er feição e na relat iv idad e das
id eo lo g ias e sist emas hu mano s d e eficácia po ssu i u ma “fé mo rt a”; o que é
p io r aind a é qu e essa mes ma re lig ião , em vez d e ser “u m sist ema d e va lo res e
realizaçõ es, po de t o rnar-se u m “inst ru ment o ” que, indep endent e do s valo res
pelo s q uais se apo st e a exist ência, par ece t er uma eficácia salv ífica” 190. Nest e
caso , o ho mem r elig io so pro cura salvar-se indep endent ement e do que
aco nt ece na hist ó r ia. Po rém, Juan Lu is Segundo pensa que a práxis d eco rrent e
de no sso enco nt ro co m o Ressu scit ado é a no ssa bu sca da “fé d e Jesus”,
desid eo lo g izando -a do s acú mu lo s hist ó rico s e re- ideo lo g izando -a para a AL
de no sso s d ias, nu m pro cesso de “apr ender a aprender”, po r mais do lo ro so que
ele seja.

189
Cf . Ide m, p. 96.
190
Ibi d. , p. 96.
140

4.5.3. A p ráxi s resultante do Encont ro co m o Ressu scita do segund o Jo n


Sobrino

A t eo lo g ia de Jo n So br ino , qu e caract erizamo s co mo resu lt ado de seu


Enco nt ro co m o Ressu scit ado , se desenvo lve nu m amb ient e relig io so e ao
mesmo t empo co nflit ivo e vio lent o . Co mo vimo s, su a Cr ist o lo g ia vo lt a p ar a
Jesus de Nazaré co mo u m exercício de f ides q uaeren s int ellectum no co nt ext o
lat ino -amer icano . Po r causa d isso , vár io s element o s da práxis d e Jesu s co mo o
desmascarament o do s falso s deuses, a so lid ar ied ade co m o s o primido s, são
pr ivileg iado s em sua t eo lo g ia e in fluenciam o que ele d iz so br e a práxis.

Para So br ino , a fé em Jesu s recebeu u ma refo r mu lação depo is d a


ressurreição e est a refo r mu lação é a via d a práxis (Fl 2,5 ; Jo 13,15 ; Hb 12,2).
E la int egro u a r ealid ade da cruz. No s evangelho s, fica claro que Jesu s não
chamo u o po vo co mo u m t o do para segu í- lo . A cru eza da exig ência d e Jesu s
se exp lica so ment e a part ir do seu dest ino de ser viço ao Reino . A ex igência d e
co nfigurar a pró pr ia vid a de aco rdo co m a de Jesus aparece no chamado ao
segu iment o . Po rém, no t a-se u ma mudança inesperad a ent re ser d iscípu lo
(t empo de Jesu s) e pert encer à Igreja (t empo s neo t est ament ár io s) (Mt 16,24-
28; Mc 8,34 ; Lc 14,28-33).

Desencadeia- se u m no vo mo viment o relig io so , fo r mam-se co mu n idad es


abert ament e missio nár ias, o nde t o do s o s crent es est avam po st o s ao mesmo
t empo a serv iço do Crist o de Deus. Eles aceit am at é persegu içõ es e se
alegram po r so frer u lt rajes ao se mant erem fiéis ao t ipo de vida exig ido po r
Jesus. E sse t ipo de vid a sig nifico u mudanças rad icais nas prát icas
t radicio nais. Na ceia eucar íst ica e na co munhão frat erna, o s pr ime iro s cr ist ão s
t est emu nhar am a fé no Senho r Ressuscit ado co mo t ambém a po ssib ilid ade d e
refazer hist o r icament e sua realidade ao viver em co mo ressuscit ado s. Na AL,
est e aspect o práxico é decis ivo po rque mu it o s cr ist ão s d isseram co m a vid a e
a co m a mo rt e que vêe m em Jesus algo últ imo . A r eflexão t eo ló g ica do aut o r
salvado renho so bre o segu iment o de Jesus part e dest a realidade.
141

Para Vera Ivan ise Bo mbo nat to , que analisa o “segu iment o ” nas o bras de
Jo n So br ino , a práxis enquant o segu iment o faz co m q ue o segu ido r repro duza
a est rut ura fu nd ament al da v ida d e Jesus, hist o r icizando -a de aco rdo co m o
co nt ext o em qu e vive e seg u ndo a ló g ica viv id a po r Jesus, que fo i a ló g ica d a
encar nação , missão , cruz e ressurreição 191.

Co mo pr ime iro passo no pro cesso de seg u iment o , a encar nação é par cial,
exclud ent e e co nflit iva. S egu ir Jesu s é o pt ar pela ex igência fu ndament al d a
so lidar iedad e. A encar nação não é so ment e o pção , mas t ambém co nver são e
no vo mo do de ver o mu ndo e avaliá- lo . Co ncret ament e ist o sig nifica ado t ar
u ma po st ura ét ica qu e se co nst it u i para a hu man idade em evangelho v ivo , bo a-
no va, do m e graça recebido s inesp erad a e imer ecida ment e. Mesmo sendo
parcial, a encar nação , em sua t ranscendência e hist o r icid ade, est á em sint o nia
co m a par cialid ade libert ado ra do Deu s q ue as E scr it uras r evela m. E la não se
o põ e à u niversalidade e não é red ut o ra. A encar nação parcia l na hist ó r ia
exclu i, po r sua nat ureza, a r iqueza e desco bre a caract er íst ica evang élica d a
alt er nat iva (Mt 6,24). Est a encar nação é co nflit iva po rque seu in imigo est á
at ivo . Encar nar- se co mo o prime iro passo no pro cesso de segu iment o na AL é,
segu ndo Bo mbo nat to, “enfr ent ar a exc lusão e o co nflit o , po is exist em p esso as
e est rut uras, so bret udo eco nô micas e p o lít icas, milit ares e relig io sas, que
t iranizam e o pr ime m o s po bres” 192.

Já fizemo s u ma análise amp la da missão o riu nda da exp er iênc ia d e


enco nt ro co m o Ressuscit ado no pensament o de So br ino . Su blinharemo s,
po rém, de no vo algu ns po nt o s, po is a missão é o fu nd ament o do segu ido r de
Jesus. A missão suscit a esperança po r ser u ma expressão inco nd icio nal d e
do ação tot al nu ma práxis libert ado ra em favo r das v ít imas. Ao exercer suas
at iv idad es, Jesu s se preo cupo u em exp lic ar co ncret a e h ist o ricament e em q ue
co nsist e o pecado e o amo r. Para isso , reafir ma a necessid ade d e med iaçõ es
co ncret as, para qu e o amo r seja eficaz e transfo r mado r. Est e amo r t em u ma
d imensão só cio -po lít ica e é co nflit ivo , pois est ar ao lado do s po bres sig nific a

191
Cf . BOM BONAT T O, V er a Iva n i se. Se gui me nto de J e sus uma abordage m se gundo a
Cri st ol ogi a de J on Sobri no. Sã o Pa ul o: Pa ul in a s,2002, p. 297-345.
192
Ide m, p. 304.
142

est ar co nt ra os o presso res. A missão vai se mo delando na práxis,


especialment e nas co nt ro vérsias de Jesu s ( Mc 2,1-3,6) 193. O qu e aco nt ece
nest as co nt ro vérsias é o anú ncio do Rein o de Deu s na presença do ant i-reino .
Jesus co mbat e as falsas imagens de Deus, at ravés do desmascarament o , e
anu ncia a pro ximidad e do Reino . E le se insere na lin ha do s pro fet as clássico s
de Israel, co m su a mensag em d e defesa d o s o primido s. Trat a-se de d enu nc iar
o s o presso res e d esmascarar a o pressão que se just ifica co m o po der relig io so .
A missão fo i p ara Jesu s e é para seu segu ido r, a fo r ma de mant er a supremacia
do amo r.

O escândalo da cru z o cupa u m lug ar especial no esqu ema da est rut ura
fu nd ament al da vida de Jesu s. O ca minho de segu iment o de Jesus passa pelo
escândalo da cruz. Co mo nó s vimo s no cap ít u lo III, as t eo rias d e Jürg en
Mo lt mann e Ig nacio E llacur ía in fluenciar am a co mpreensão que So br ino t e m
do escânda lo da cruz e isso apar ece na análise q ue ele faz do s element o s que
exp lica m a mo rt e de Jesu s. Para o t eó lo go salvado renho , est amo s per ant e o
mist ér io de Deus, po is nenhu m mo d elo nem exp licação sat isfazem à
int eligência hu mana. Uma d as at it udes básicas perant e t al mist ér io , é a de
per manecer ao pé da cruz e descer d ela o s crucificado s d a hist ó r ia. So br ino d á
u ma co nt r ibu ição t eo ló g ica o r ig inal em sua reflexão cr ist o ló g ica so bre o s
“po vo s cruc ificado s”. No co nt ext o lat ino -amer icano , a cr ist o lo g ização do
po vo crucificado passa p elo caminho da co incid ência do po vo crucificado e
do Cr ist o crucificado co m a fig ura do ser vo de Iahweh. Os po vo s de AL
repro duzem o s t raço s fu ndament ais do ser vo de Iahweh: “São po vo s se m
ro sto, pr ivado s de t o da ju st iça, t endo seus d ireit o s fu nd ament ais vio lado s,
co mo o servo de Iahweh, (eles) t ent am imp lant ar a just iça, o dir eit o e lut a m
pela libert ação ; sabem que fo r am esco lh ido s para que a salvação passe po r
eles e int erpret am su a pró pr ia o pressão co mo caminho para a libert ação ” 194.
No caminho do segu iment o , é impo rt ant e det er-no s no escândalo da cruz,
po rque a hist ó ria co nt inua pro duzindo cruzes.

193
Pa ra um a en um era çã o da s con t r ovér si a s: cf. a ci m a ca pí t ul o III.
194
BOM BON AT T O, Op. c it ., p. 329.
143

O quart o ele ment o da est rut ura fu ndament al da vid a de Jesu s é a


ressurreição . Na pr áxis co mo segu iment o ist o sig nifica viver co mo
ressuscit ado s na co nt ingência hist ó r ica. No NT exist e u ma t ot al id ent ificação
do Ressuscit ado co m o Crucificado . A relação ent re a cruz e a ressurreição é
decis iva par a co mpreender o mist ér io pascal e seu po t encial revelado r e
salvado r. A co mpreensão da ressurreição se expressa em vár io s mo delo s
ling ü íst ico s e pro clama u ma t r íp lice no vidade acerca de Deus, de Jesu s e do s
seres hu mano s. So br ino pro põ e “a esperança das vít imas” co mo pr incíp io
her menêut ico específico da co mpreensão da ressurreição . Quem segue Jesus é
chamado a reafir mar a esper ança no po der de Deu s co nt ra a in ju st iça qu e
pro duz vít imas. Est a esperança se t raduz no anú ncio d a bo a no t ícia d a
ressurreição , to rnando assim realid ade essa verd ade d e fo r ma analó g ica, ist o
é, realizando sina is de ressurreição – u ma po lít ica t ransfo r mado ra do mal e d a
in ju st iça. Capt ar a realid ade d a ressurre ição não é apenas capt ar a d imensão
da t empo ralid ade, mas t ambém a d imensão da pro messa defin it iva e
escat o ló g ica d e Deu s. Assim, a exp er iência de enco nt ro co m o Ressuscit ado
se co nvert e em po ssib ilid ad e de refazer sua realid ade – repro duzir e at ualizar
a ressurreição .

4.6. O momento litúrgico: um momento privilegiado de encontro


com o ressuscitado. Os cristãos têm algo para celebrar.

Depo is d e analisar a no va fé qu e surg iu e a no va co mpreensão de qu e m


Deus é co mo resu lt ado de enco nt ro co m o Ressuscit ado , vimo s a missão e a
práx is (segu iment o ) deco rrent es dest a exper iência. Ago ra analisaremo s o
mo ment o de cu lt o da co mu nidade pr imit iva e sua relação co m o mo ment o
lit úrg ico d as co mu nid ades na AL, part ind o das perspect ivas do s t eó lo go s qu e
est udamo s.
Pro curaremo s ident ificar o lug ar e o sig nificado do cu lt o no ho r izo nt e
t eo ló g ico de cad a u m d e no sso s aut o res. O cu lt o fo i u m mo ment o impo rt ant e
para o s cr ist ão s desde o in ício . E le é o lu gar de u ma exp er iência co mu nit ár ia.
O enco nt ro co m o Ressu scit ado é que t rouxe o s d iscípu lo s d isp erso s de vo lt a
para refazer a co mu n idad e. Será que a exper iência d e enco nt ro co m o
144

Ressu scit ado po de gerar no vid ades em no sso s d ias t ambém? Vejamo s as
leit uras q ue Bo ff, Segu ndo e So br ino fazem dest a exp er iência desde a
Amér ica Lat ina.

4.6.1. O Encontro com o Ressuscitado no culto, segundo Leona rdo Boff

Leo nardo Bo ff ent ende q ue o s relat o s da paixão , mo rt e e ressurreição


t êm co mo co nt ext o vit al o mo ment o de cu lt o da co mu nidade cr ist ã. E m su as
reun iõ es, o s cr ist ão s faziam memó r ia do s grand es mo ment o s da vida, mo rt e e
ressurreição do Senho r. No s At o s do s Ap ó sto lo s (4,24-31), o auto r id ent ifica
u m mo ment o cú lt ico da pr ime ira co mu n idade. E m sua o p in ião , a gramát ica
lit úrg ica impõ e o rdem e est á co ncent rada nu ma linha q ue se desenvo lveu ao
lo ngo de sécu lo s: a da pro fissão de fé e a da celebração da presença do
Salvado r.

No relat o do s d iscípu lo s d e E maú s (Lc 24,13-35), Bo ff vê o camin ho


pelo q ual nó s aind a ho je chegamo s à no vid ade da fé pascal: pela Pa lavra e
pelo sacrament o . A est rut ura dest a narrat iva (t ip icament e lucana) é repet ida
t ambém em At 8,26-39, que narra o ep isó d io da co nversão do fu ncio nár io d a
rainha da Et ió p ia. E m ambas as narraçõ es exist em o s segu int es p aralelo s: o
Ressu scit ado o u Filipe, insp ir ado pelo Esp ír it o , exp lica o AT e o relacio na a
Cr ist o . No fina l dest a exp licação , o camareiro o u o s do is jo vens fazem u m
ped ido . O po nt o culminant e do relat o est á na recepção de u m do s
sacra ment o s, que na Igr eja pr imit iva eram fu nd ament alment e do is: a
Eucar ist ia e o Bat ismo . “Assim a fé na Ressurreição , para o s t empo s pó s-
apo st ó lico s se baseia na pregação e no s sacrament o s da Igr eja, qu e
t est emu nham e t o rnam pr esent e e vis ível o Cr ist o Ressuscit ado ” 195.

Os relat o s da paixão , mo rt e e ressurreição de Jesu s enco nt rado s no NT,


são pro fu ndament e mar cado s po r int erpr et açõ es t eo ló g icas, que pro curava m
pro var a co nt inu id ade qu e exist e ent re a maneira qu e o AT e NT co nceit uam a
o bra salv ífica. Co nt udo , Bo ff se propõ e a pensar isso “a part ir do

195
BOFF, A R e ssurre i ç ão, p. 52-53.
145

engajament o po lít ico , dent ro de u ma práxis libert ado ra” 196. As fo nt es


neo t est ament ár ias q ue ele usa são as mesmas mencio nad as acima, mas
segu ndo ele, o Sitz im Leben da AL, na segu nda met ade do sécu lo XX, é
d ifer ent e. Est e no vo co nt ext o vit al faz su rg ir u ma práxis qu e co rrespo nde às
necess idad es ev ident es do mo ment o hist ó rico , co mo aco nt eceu o ut ro ra na
práx is do s apó st o lo s. E a lit urg ia aind a co nt inua sendo o mo ment o apro priado
para t al empreend iment o .

4.6.2. O Encontro com o Ressu scit ado no culto, segundo Ju an Luis


Segundo

Para Juan Lu is Segu ndo , o s relat o s pascais do s evangelho s sinó t ico s já


reflet em u ma d ist ância t empo ral do event o pascal e narram “as lembranças
que a co mu nid ade cr ist ã t em de Jesu s, mas mu it as vezes não co nsegue m
co lo cá- las no co nt ext o que t iveram o r ig inalment e” 197. Os t exto s fazem vár ias
alusõ es às prát icas sacrament ais d a Igr eja, co mo a d a eu car ist ia e a do
bat ismo . Os event o s são lido s na per spect iva her menêut ica do co nt ext o
eclesial de t r int a ano s depo is do event o fu nd ant e. A co mu nid ad e é est rut urada
e já t em u ma det er minada práx is cú lt ico -sacrament al.

Na o bra est udada po r nó s, a cat ego r ia “cu lt o ” não recebe mu it a


impo rt ância. Ao caract er izar a ressurreição co mo u m mo ment o her menêut ico
para o s d iscíp u lo s que iam para E maús, no sso aut o r diz que a expressão
"part ir o pão ” 198 era t rad icio nalment e u sada para se refer ir à Eucar ist ia. Juan
Lu is Segu ndo usa est a mesma expr essão quando examina o d ifíci l
reco nheciment o do Ressuscit ado pelo s d iscípu lo s 199. Jesus super a a
incr edu lid ade deles mo st rando algo que lig a sua at ual co nd ição à sua vid a
“h ist ó rica”. E nt re t ais element o s enco nt ram- se o “pro nu nciar seu no me”
(Mar ia Madalena), o “palp ar as chagas” ( To mé), a “pesca milagro sa” ( Lc 5,4-

196
BOFF, Pai x ão, p. 18.
197
SE GUN DO, Hi st óri a, p. 132.
198
“S om en t e, n o fi n a l , quan do o c om pa nh ei r o de vi a gem “pa r t ir o pã o” , com o J esu s o fez
t an t a s vez es di a n t e del es, é que vã o r ec on h ecê-l o” Ide m., p. 314.
199
Cf . Ibi d., p. 320.
146

7; Jo 21,6-11), além do “part ir o pão ”, a part ir do qual o s d iscípu lo s d e


E maú s reco nheceram o Ressuscit ado .

Co mo evo camo s, Juan Lu is Segu ndo refere-se ao bat ismo d e Co rnélio


para mo st rar co mo a co mu n idad e pr imit iva co meço u a u lt rapassar o s limit es
impo st o s pelo fat o de o r ig inar iament e ser co nst it u ída so ment e d e jud eu s. A
co mpreensão pro gressiva da ressurreição levo u-a a u ma libert ação de t ais
limit es.

Ao reflet ir so bre Rm 6, no sso t eó lo go co ment a o esvazia ment o do


sig nificado do rit o do bat ismo 200 na épo ca mo derna. E le d esenvo lve ent ão uma
reflexão sist emát ica so bre o sig nificado do bat ismo , que expr ime pur ificação ,
perdão do s pecado s e t ransfo r mação exist encial. No ent ant o , assim co mo
Pau lo est ava mu it o lo ng e de co nfu nd ir o ideal do ho mem co m a realidade
(ho mem d iv id ido que vive nu ma cr iação su jeit a à inut ilid ade) o t eó lo go
uruguaio afir ma que o bat ismo faz co m q ue o crist ão ent regue sua v ida a u m
id eal que não supr ime a “bat alha”.

4.6.3. O Encontro com o Ressuscitado e o culto segundo Jon Sob rino

Jo n So br ino examina algu mas o br as de algu ns t eó lo go s ant es d e


int ro duzir su a pró pria reflexão . Para ele, a ressurreição deve ser
co mpreend ida na AL a part ir das vít imas. De aco rdo co m ele, o NT “relacio na
a ressurreição de Jesu s co m aqu elas d imensõ es ant ro po ló g icas qu e,
co nsid erad as em co nju nt o , expressam a t ot alidad e do ser hu mano ” 201.

E le apo nt a para a necessidad e d e co mp lement ação à no ssa co mpr eensão


da ressurreição , que surge d a re leit ura do s t ext o s a part ir da r ealid ade lat ino -
amer icana. “Celebrar” p ert ence à t ot alid ade do ser hu mano e não po de ser
per mut ado simp lesment e co m as d imensõ es do saber, do esperar e do fazer. É

200
“d e um ba n h o pur i fi ca do r eduz i do à m í n im a expr essã o d e um a s g ot a s d e á gua
der ra m a da s sobr e a ca be ça do ca t e cúm en o” Ibi d. , p. 529.
201
SOBRIN O, A fé , p. 60.
147

necessár io p ergu nt ar: o que pod emo s cel ebra r na hi stóri a? Mesmo na t r ist e
realidad e lat ino -amer icana já exist em mo t ivo s de celebração .

Aq u i é necessár io mencio nar o que So br ino co nsid era “a parcia lidad e d e


Deus”, que Israel per cebeu no AT, para respo nder à pergu nt a: o que podemo s
celeb ra r na histó ria ? E st e Deus se revelo u no êxo do co mo Deus d e Israel. E le
se revela co mo u m Deu s libert ado r que cr io u u m po vo co m o qual p udesse
fazer u ma aliança d e cu lt o . Ele o uve as recla maçõ es dest e po vo quando
est ava o pr imido (Ex 3,7-9) e sua ação é fu ndament alment e u ma re-ação
co nt ra as in ju st iças prat icadas co nt ra seu po vo . Na o pinião de So br ino ,
fo r mad a apó s u ma aná lise de Ex 3, o cu lt o é para a libert ação .

A ação de Deus na ressurreição de Jesu s é t ambém u ma ação libert ado ra,


ist o é, fazer ju st iça a u ma vít ima. Co mo vimo s na análise d e So br ino , est e
aco nt eciment o imp act o u a vid a do s d iscípu lo s, que ago ra vive m co mo no vas
cr iat uras. E les co meçam a pregar sem medo e co m aud ácia, cheg am a ficar
co nt ent es no meio d as persegu içõ es ( At 5,41). Pau lo e o s pr imeiro s cr ist ão s
resu mem t al exper iência em palavras co mo : evangel ho e evang elização. O
que havia de t riu nfo não fico u só em Jesus, mas t ransbo rdo u e mudo u a
qualidad e de su as vid as. O cu lt o cr ist ão sempr e celebro u est a presença
animado ra do Senho r em su as vid as.

Po rém, perant e a t rág ica sit uação lat ino -amer icana, So br ino t em u ma
palavra d e caut ela: “... u ma prepo nd erância ló g ica dad a ao cu lt o , co mo mo do
de acesso ao Crist o present e, d iminu i a impo rt ância d a exp ect at iva (práxica)
do Crist o que há de vir” 202.

4.7. Algumas conclusões

Analisamo s a leit ura q ue Bo ff, Seg u ndo e So br ino fazem do s t ext o s d a


sagrad a Escr it ur a que falam d a ressurr eição a part ir da realid ade lat ino -
amer icana. Est a leit ura levo u a u ma pr áxis d e libert ação . Nest e cap ít u lo ,

202
SOBRIN O, Cri st ol ogi a, p. 277.
148

no sso trabalho fo i ver ificar se essa práxis resu lt o u da exper iência d e enco nt ro
co m o Ressusc it ado . Na análise q ue fizemo s, id ent ificamo s a pro fu nd a
mud ança na práxis eclesial, análo ga à que aco nt eceu co m o s d iscípu lo s depo is
da ressurreição de Jesus. Ret o mamo s ago ra br evement e o resu lt ado de no sso
t rabalho .

O enco nt ro co m o Ressu scit ado causo u p ro fu nd as mu danças na vid a do s


d iscíp u lo s. E les adqu ir ira m u ma no va co mpreensão da realidade a p art ir do
que aco nt eceu co m Jesu s. O NT usa vár io s mo delo s lingü íst ico s para falar d a
“r essurreição ” o u do que aco nt eceu co m Jesu s depo is de sua mo rt e.
Semelhant e mudança se enco nt ra analo g ament e t ambé m na no va t eo lo g ização
que no sso s aut o res pro põ em. Na d iver sid ade d as o bras examinadas, cada u m
expressa a impo rt ância e a necessidad e de u ma t eo lo g ia co nt ext ualizada, a
part ir da t rág ica sit uação da AL na segunda met ade do sécu lo XX. E m
co nt rast e co m a t eo lo g ia ant ig a, o s element o s ant ro po ló g ico s e hist ó rico s são
ressalt ado s. Par a exemp lificar a mudança rad ical, So br ino cit a o s exemp lo s
do s cr ist ão s lat ino -amer icano s qu e deram suas pró pr ias vidas em
so lidar iedad e co m as v ít imas da o pressão eco nô mico -so cial, em pro jet o s
parciais de libert ação na hist ó r ia e qu e, despert aram esp erança nas vít imas.

O enco nt ro co m o Ressu scit ado co nst it u i u m mo ment o de r evelação d e


Deus. Est e mo ment o co nsist e nu ma no va co mpreensão que o s d iscípu lo s t ê m
da pro fu nda so lidar ied ade de Deu s co m o s seres hu mano s qu e so frem po r
causa da in ju st iça. À lu z da ressurreição de Jesus, a “ido lat r ia” adqu ire u m
sent ido mais pro fu ndo e exp lica em part e o porquê da d ivisão da hu man idade
ent re o primido s e o presso res. A part ir de Deus, qu e so fre a mo rt e e m
silencio sa so lid ar ied ade co m as vít imas, nó s t ambém per cebemo s co mo a
imagem e a Palavr a de Deu s po dem ser manipu lad as p ara mant er o status quo.
No ent ant o , na práxis de Jesu s fico u claro que Deu s est á do lado do s
in ju st içado s, em co nfo r mid ade e co nt inu idade co m a r evelação no AT, o nd e
ele se co lo cava a favo r e ao lado do s o primido s. I st o gera esperança para as
vít imas.
149

“Id eo lo g ia” é u ma p alavra chave nest e apro fu nd ament o da co mpreensão


de qu em é Deu s. Co nhecer Deu s é o resu lt ado de u m pro cesso d e
desid eo lo g ização e re- id eo lo g ização co nst ant e, para Juan Lu is Segu ndo . O
“fut uro ” é u ma cat ego r ia que alarga o ho rizo nt e do pro cesso de co nheciment o
de Deu s na t eo lo g ia mo der na, po is E le mesmo ago ra é co mpreend ido co mo u m
pro cesso . Já na pro clamação do querig ma pr imit ivo , a Ressurreição era
apresent ada co mo u ma lut a do s deuses. A sit u ação hist ó rica do s aut o res
analisado s t ambém mo st ra que est a lut a aind a co nt inu a ho je.

O mandat o missio nár io qu e resu lt o u do enco nt ro do s d iscípu lo s co m o


Ressu scit ado mant ém sua validad e. Os au to res pro curam exp licit ar u ma no va
práx is qu e co rrespo nd e às necessidades do s po vo s lat ino -amer icano s na su a
sit uação hist ó r ica. Cu mpr ir est e mandat o ho je sig n ifica u m no vo engaja ment o ,
que ajud e a mo d ificar as est rut uras. Assim co mo a exper iência de enco nt ro
co m o Ressuscit ado po ssib ilit o u mu danças nas prát icas das co mu nid ades (o
caso do bat ismo do Co rnélio , po r exemp lo ) est a exp er iênc ia, rep et id a
analo g ament e na realidad e lat ino -amer icana, aut o riza ret ificaçõ es na práxis
eclesial. As in fo r maçõ es qu e no s o ferecem as ciências e as int u içõ es qu e
resu lt am d a análise dessas in fo r maçõ es, são co nt ribu içõ es valio sas qu e
facilit am o cu mpr iment o do mandat o miss io nár io nu m no vo co nt ext o
hist ó r ico . A missão é t est emu nhar q u e o enco nt ro co m o Ressu scit ado
po ssib ilit a “viver co mo ressu scit ado s na h ist ó ria”, po rém so lidár io s co m as
vít imas, na presença do mysterium ini quit atis.

Na AL, a exper iência de enco nt ro co m o Ressu scit ado suscit o u u ma


práx is análo g a à do s pr imeiro s d iscípu lo s. A palavr a que caract er iza me lho r
essa práxis é “segu iment o ”. Nem t o do s o s auto res que est udamo s u sam est a
palavra, mas é po ssíve l ident ificar elabo raçõ es do s d iverso s asp ect o s de
“seg u iment o ” em t o do s eles. Leo nardo Bo ff caract er iza o segu iment o co mo
co mpro misso co m o Reino de Deu s, u m caminhar so lidár io do s cr ist ão s co m o
rest o da hu manid ade a fim de vencer o mal p elo amo r. Para Ju an Lu is
Segu ndo , segu ir Jesu s sig n ifica necessar iament e u sar chaves her menêut icas
adequ adas (u m pro cesso que ele chama d e “aprender a apr ender”) na leit ur a
da sagrad a E scr it ura e levar em co nt a a mensagem b íb lica em sua t ot alidad e.
150

Jo n So br ino p ensa po r sua vez o segu iment o co mo “repro duzir a est rut ura
fu nd ament al da vida de Jesus na at ualid ad e”.

O cu lt o sempre t eve u m lug ar impo rt ant e na vid a e na t rad ição do s


cr ist ão s. E le t ambém sempre fo i o mo ment o pr ivileg iado de enco nt ro co m o
Ressu scit ado para o s cr ist ão s ao lo ngo da h ist ó ria. E le co nt inuar á sendo u ma
med iação priv ileg iada de acesso ao Ressuscit ado . Po rém, no sso s aut o res t êm
cr ít icas co nt ra a lit urg ia e a vid a sacrament al da Igreja, qu e t o leraram cert as
sit uaçõ es desu manas d e o pressão durant e sécu lo s na AL. E les afir mam a
necess idad e de refo r mu lar o cu lt o , para que a urg ência da libert ação seja
co rrespo nd ida d e algu ma fo r ma na práx is eclesial.
151

Conclusão.

A seg u nda met ad e do sécu lo XX fo i u m p er ío do cr iat ivo e fért il n a


t eo lo g ia. Ho u ve u m grand e esfo rço para co nt ext ualizar o pensament o
t eo ló g ico , d ialo gando co m o mu ndo mo derno . A Cr ist o lo g ia lat ino -amer ican a
sit ua- se dent ro dest e mo viment o e dá sua co nt r ibu ição o rig inal no seio d a
TdL. Acabamo s de analisar u m asp ect o dest a Cr ist o lo g ia – a co mpr eensão da
ressurreição de Jesu s.

Po r seu carát er acadêmico , vár io s aspect o s da co mpreensão da


ressurreição não fo ram t rat ado s nest a d issert ação . No ent ant o , pret endemo s
reto mar su cint ament e ago ra algu ns po nt o s de no sso est udo para ver ificar se
no ssa hipó t ese o r ig inal, a d e que a ressu rreição fo i co mpr eend id a co mo u ma
exper iência de enco nt ro co m o Ressu scit ado , fo i co nst at ada nas o bras do s t rês
aut o res examinadas.

Leo nardo Bo ff d iz qu e co nhecemo s a ressurreição de Jesu s po rque


exist em t ext o s que fala m do t úmu lo vazio e das ap ar içõ es do Ressuscit ado . O
t úmu lo vazio é geralment e co nsid erado u m símbo lo amb íguo , mas mant ém seu
valo r simbó lico . A fé na ressurreição de Jesu s vem d as apar içõ es. Nas
narraçõ es que delas faz o NT, Jesus é apresent ado co mo algu ém vivo , de
maneira t ão real que E le at é é co nfu nd ido co m u m viajant e, u m jard ineiro et c.
Co nt udo , o s t ext o s d izem t ambém q ue ele não é mais ligado ao espaço e ao
t empo .

O debat e da t eo lo g ia mo der na ajudo u a esclar ecer vár io s aspect o s da


ressurreição de Jesu s no NT: 1) t rat a-se de u m event o ind iret ament e hist ó rico ;
2) o co nceit o de ressurreição do NT é mais avançado e não co rrespo nd e
exat ament e ao das esp eranças apo calípt icas do judaís mo t ard io ; 3) par a o NT
a ressurreição é a passag em do mu ndo present e ao mu ndo fut uro, da hist ó ria à
met a- hist ó r ia, e não u ma vo lt a à v ida bio ló gica.
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As narraçõ es das apar içõ es t êm car act er íst icas pró pr ias: 1) são
aco nt eciment o s que impact aram defin it iva ment e a vid a do s d iscíp u lo s; 2) não
são narraçõ es do s aco nt eciment o s, mas t ext o s que exig em reflexão e
int erpret ação , que precisa m ser decifr ado s; 3) o ver bo ophte acent ua a
in ic iat iva que vem de fo ra.
A p luralid ade d as t rad içõ es do s t ext o s do NT em t o da sua d iver sid ad e
enfat iza: 1) a co nt inu idade ent re o Crucificado e o Ressuscit ado ; 2) o qu e
aco nt eceu fo i p ara cu mpr ir as Escr it ur as; 3) a presença rea l do Senho r
Ressu scit ado ; 4) a impo rt ância do mo mento lit úrg ico e da prát ica sacrament a l
co mo lugares pr iv ileg iado s de enco nt ro co m o Ressu scit ado ; 5) a missão que
surge dest e enco nt ro .

Para Ju an Lu is S egu ndo , o t ú mu lo vazio e o enco nt ro co m o Ressu scit ado


mar cam p ara o s d iscípu lo s “o mo ment o ” de passar do “ver” ao “crer”. Est e
“mo ment o ” po ssibilit o u vár ias mu danças na vida d a co mu nid ade pr imit iva.
Co nt ra a t endência de “d eificação ” de Jesus, que, em part e, causo u u ma
“eu fo r ia ressurrecio n ist a”, já present e nas Escr it uras, o aut o r analisa a cart a
ao s Ro mano s, mo st rando que é pr ecis o fu ndament ar a práxis cr ist ã na
hist o r icid ade d e Jesu s de Nazaré.

Pau lo já é o exemp lo que co nfir ma a po ssib ilidad e de rep et ir


analo g ament e a exp er iência p ascal na histó ria. E le exper iment o u a co nver são
que o enco nt ro co m o Ressu scit ado pro vo co u em su a pró pr ia vida e po r isso
ins ist e no sig nificado ant ro po ló g ico da Ressurreição . O “no vo ho mem”, que
surge na Ressurreição de Jesu s, vive na hist ó r ia, que depo is da ressurreição ,
co nt inua sendo u ma lut a, u ma mist ur a de element o s “p erecedo uro s” e
“defin it ivo s”. No ju ízo fina l, est e ho mem vai ser ju lgado co m o s mesmo s
cr it ér io s ap licado s à t o da hu manid ade, o u seja, seus pro jet o s hist ó rico s. Pau lo
mo st ra u ma cert eza d a salvação de t o da hu man idade, po rque em Jesus, Deu s
se mo st ra apaixo nadament e int eressado pelo s pro jet o s hu mano s. O Esp ír it o
que viv ifico u Cr ist o dent re o s mo rto s, vai v iv ificar t ambém no ssa car ne
mo rt al e no ssa o bra hist ó r ica (Rm 8,11 ; 2 Co r 4,13-15).
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A r essurreição de Jesus é a r espo st a clar a e d efin it iva de u ma pro messa


d ivina fe it a à h ist ó ria hu mana. Viver a pro messa é viver na fé co mo fez
Abr aão . No ent ant o , a ressurreição não é u ma so lução mág ica. A libert ação
(cu mpr iment o da pro messa) aco nt ece já na hist ó r ia e na práxis cr ist ã, que
inc luem pro jet o s hist ó r ico s. P au lo sit ua est a libert ação na realid ade hu mana
de “guerra” que se t rama dent ro do ser hu mano (Rm 7) e afir ma que a
ressurreição faz u ma d iferença nest a sit uação hu mana.

A hu manid ade g u iada pelo Esp ír it o passo u po r vár ias et apas e ago ra
caminha para o “fim” d a reve lação p lena do s “filho s d e Deus”. Aqu i surge a
quest ão do valo r da cr iação e Pau lo co nt rar ia o AT, afir mando que a cr iação
fo i su bmet ida à inut ilid ade. Cabe ao s seres hu mano s, at uando co mo filho s d e
Deus “cr iado res”, co lo carem a cr iação int eir a ao ser viço do amo r frat er no
(ágape) o u do “Re ino de Deus”, na ling uagem d e Jesu s.

Ser filho é ser herd eiro , o u seja, ag ir co mo o Pai na cr iação . A liberd ad e


hu mana é u m fat o r impo rt ant e nest e “ag ir” do s filho s. Apesar d a “d iv isão ”
que afet a o s pro jet o s hu mano s, a “liberd ade cr iado ra” do s filho s de Deu s est á
co nst ru indo o cult ament e a o bra de Deu s. A co mpreensão da cr iação co mo
rad icalment e imper feit a exp lica vár io s asp ect o s da pr áxis cr ist ã: 1) o s
resu lt ado s hist ó r ico s naqu ilo que t êm de po sit ivo não se acu mu lam; 2) as
no ssas so luçõ es, at ravés do s pro jet o s hist ó rico s d e libert ação , são pro visó r ia s
e não deixam o mu ndo sem pro blemas; 3) as geraçõ es fut uras deverão t ambém
ser libert adas em su a hist ó r ia, co mo as d e ho je e as do passado . O Filho de
Deus é aquele qu e, desde ant es de Abr aão , co nst ró i na h ist ó ria esper ando
co nt ra t o da esperança. A ressurre ição de Jesus é o mo ment o da “man ifest ação
do s filho s d e Deu s”’.

De aco rdo co m Jo n So br ino , o s t ext o s do NT so bre a r essurreição de


Jesus anu nciam u ma p lur iva lent e realidade. Co mpreend er a ressurreição d e
Jesus enquant o fat o escat o ló g ico é u m pro blema análo go ao que apresent a o
co nheciment o de Deus at ravés de qu alquer ação sua. Fu ndament ando -se nu ma
análise das raízes da “ressurreição ” no AT, So br ino caract er iza a
co mpreensão que o s pr imeiro s cr ist ão s t iveram d a ressurreição de Jesu s de re-
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ação de Deu s à ação do s seres hu man o s e de just iça d e Deu s em favo r


daqueles qu e são assassinado s in just ament e.

Os d iscípu lo s são t est emu nhas de u m event o que dá o rig em a u ma práx is


de viver “r essu scit adament e na hist ó r ia”. Isso sig nifica: 1) anu nciar a
ressurreição ; 2) missio nar, ist o é, descer da cruz o po vo crucificado ; 3) g erar
esper ança, ass im co mo Jesu s fez co m sua práx is libert ado ra.

O “t est emu nho cr iado r” que o s discípu lo s no s deixar am no s t ext o s do NT


define a chave po lít ica p ara a co mpreensão da ressurreição no co nt ext o
hist ó r ico da AL. So br ino ins ist e qu e essa chave leva em co nt a a t eo lo g ia d a
cruz d iant e da presença do mysterium iniq uitatis.

A ressurreição de Jesu s é u m mo ment o da reve lação de Deus, o nde est e


se mo st ra e reag e em favo r das vít imas da in just iça hu mana. O qu e
co rrespo nde a est a revelação é a práx is (segu iment o ) ant iido lát r ica. O êxo do ,
no AT, é o event o no qual, p ela pr imeir a vez, Israel co nhece seu Deu s
libert ado r. No NT, a parcialid ade libert ado ra de Deus é r evelada no quer ig ma
pr imit ivo ( At 3,14). Cr er na ressurreiç ão é t er p lena co nsciência d e qu e
exist em as d iv indad es de mo rt e e to mar po sição d iant e delas, co mbat endo -as.

O Deu s at uant e na ressurreição é o mesmo Deus in-at ivo que aparece na


cruz de Jesu s. Essa impo t ência de Deus expressa su a pro ximid ad e, su a
so lidar iedad e co m as vít imas. Essa so lid ar ied ade revela a d ialét ica dent ro de
Deus. Na h ist ó ria, Deu s é u ma “bo a n o va” para a p art e da hu man idade
in ju st içada.

Fina lment e, na d iver sidad e das per spect iv as her menêut icas mo st radas po r
no sso s aut o res, vimo s: 1) o aspect o inesgo t ável do mist ér io d e Deus; 2) a
po ssib ilidade de no vas int erpret açõ es dest e mist ér io dent ro do co nt ext o
hist ó r ico de cada g eração ; 3) a pr áxis cr ist ã co mo ét ica t ransfo r mado ra, qu e
surge d e u ma co nsciência da cr iação su bmet ida à inut ilid ade, já red imid a,
embo ra a inda não p lenament e; 4) na pr esença do myst eriu m iniq uitati s, “o
filho de Deu s” exer cit a sua cr iat iv idad e co m pro jet o s hist ó r ico s de libert ação
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(de t o da criação ), mesmo sabendo que a r ealidad e co nt inuar á u ma “lut a”; 5) o


exemp lo do s milhares de márt ires lat ino -amer icano s que do aram a vid a na
práx is (segu iment o ) so lidár ia co m as v ít imas, leva- no s a acred it ar qu e vale a
pena apo st ar na h ist ó ria; 6) at rás d e t udo isso co nst at a-se a exper iência d e
enco nt ro co m o Ressu scit ado , repet id a analo g ament e em no sso s d ias na
Amér ica Lat ina.
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Bibliografia.

1. Obras Principais

1) BOFF, Leo nardo . JESUS CRISTO LIBERTADOR, ensaio de Cri stologi a


para o no sso tempo. Pet ró po lis: Vo zes, 19 77.
2) -------, PAIXÃO DE CRISTO – PAIXÃO DO MUNDO, o f ato, as
interp ret ações e o sig nif icado ontem e hoj e. Pet ró po lis: Vo zes, 1977.
3) -------, A RESSURREIÇÃO DE CRISTO A NOSSA RESSURREIÇÃO NA
MORTE, a dimensão antropológi ca da esperan ça cri sta. Pet ró po lis :
Vo zes, 1972.
4) SEGUNDO, Juan Lu is. A HISTÓRIA PERDIDA E RECUPERADA DE
JESUS DE NAZARÉ: dos sinótico s a Paul o. São Paulo : Pau lus, 1997.
5) SOBRINO, Jo n. A FÉ EM JESUS CRISTO: ensaio a pa rti r das vít ima s.
Pet ró po lis: Vo zes, 1999.
6) -----------, JESUS O LIBERTADOR: a histó ria d e Jesu s d e Naza ré.
Pet ró po lis: Vo zes, 1996.
7) -----------, CRISTOLOGIA A PARTIR DA AMÉRICA LATINA.
Pet ró po lis: Vo zes, 1976.

2. Bibliografia comple mentar

1) ALBUQUE RQUE, Fr ancisco de Chagas de. PRESSUPOSTOS,


METODOLOGIA E RELEVÂNCIA DA CRISTOLOGIA DE JON
SOBRINO. Belo Ho r izo nt e: ISI –CES,1996.
2) BOFF, Leo nardo . A TRINDADE E A SOCIEDADE. Pet ró po lis: Vo zes,
1986.
3) -----------, VIDA SEGUNDO O ESPÍRITO. Pet ró po lis: Vo zes, 1982.
4) BOMBONATTO, Vera I vanise. SEGUIMENTO DE JES US: uma
aborda gem seg undo a Cristol ogia d e Jon Sobrino. S ão Pau lo : Pau linas,
2002.
5) GALEGO, Andrés. EL SEGUIMIENTO DE JESÚS en la Cr ist o lo g ia de
Jo n So br ino . Lima: CEP,1991.
6) GOMES, Pau lo Ro bert o . HUMANIZADOS EM CRISTO: a humanizaçã o
pessoal e so cial n a Crist ologia de Ju an Luis Segundo. Belo Ho r izo nt e:
ISI – CES, 1996. (Dissert ação do Mest rado ).
7) MURAD, Afo nso T. REVELAÇÃO E HI STÓRIA. Um estudo sob re o
pensa mento t eológi co de Juan Lui s Segundo. Ro ma: P.U.G., 1991.
(Tese de Do ut orado ).
8) SANTANA, Jo sé Ho rácio . A PROPOSTA PASTORAL DE JUAN LUIS
SEGUNDO PARA AMÉRICA LATINA – estud o em algu ma s obra s
pasto rai s. Belo Ho r izo nt e: ISI – CES, 1991. (Dissert ação do Mest rado ).
157

9) SEGUNDO, Juan Lu is. A FÉ E IDEOLOGIA, as dimensõ es do homem.


São Pau lo : Lo yo la, 1983.
10) ----------, LIBERTAÇÃO DA TEOLOGIA. São Pau lo : Lo yo la, 1978.
11)SOBRINO, Jo n. JESUS NA AMÉRICA LATINA: seu signif icado pa ra f é
e a cristologia. São Pau lo : Lo yo la e Vo zes, 1985.
12) ----------, RESSURREIÇÃO DA VERDADEIRA IGREJA: os pobres
lugar teol ógico da eclesiologi a. São Pau lo : Lo yo la, 1982.

3. Artigos

1) BARRIOLA, M. A. “E xegesis Libert ado ra?” em PT 20 (1978), p.97-137.


2) MURAD, Afo nso T. “A ‘t eo lo g ia inqu iet a’ d e Ju an Lu is S egu ndo ”, e m
PT 26 (1994), p.155-186.
3) PALACIO, Car lo s. “’O Jesus hist ó r ico ’ e a Cr ist o lo g ia sist emát ica.
No vo s po nt o s de part id a para u ma Cr is to lo g ia o rto do xa”, em PT 16
(1984), p.353-370.
4) SEGUNDO, Ju an Lu is. “P ersp ect ivas para u na t eo lo g ia lat ino -
amer icana”, em PT 17 (1977), p.9-25.

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