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Uma Utopia Brasileira: Vargas e a Construção do

Estado de Bem-Estar numa Sociedade


Estruturalmente Desigual

Adalberto Cardoso
Professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: acardoso@iesp.uerj.br

Getúlio foi tudo para o nosso povo, foi tudo pro pessoal da
lavoura. [...] Antes de Getúlio não tinha lei, nós éramos bicho. A
Princesa Isabel só assinou, Getúlio foi quem libertou a gente do
jugo da escravatura (Cornélio Cancino, descendente de
escravos, em depoimento ao projeto “Memórias do
Cativeiro”, reproduzido por Rios e Mattos, 2005:56).

INTRODUÇÃO

persistente desigualdade brasileira continua a desafiar a imagi-


A nação sociológica. Não é para menos. Em 1872, o índice de Gini,
uma das possíveis medidas da desigualdade de distribuição de renda,
pode ter sido de 0,56, segundo estimativas recentes1. Quase cinquenta
anos depois (1920), o índice parece ter piorado, chegando a 0,622. Em
1976, outros cinquenta anos decorridos, tínhamos o mesmo valor, 0,62.
E, em 2006, o índice era de 0,57, equivalente, então, ao encontrado 130
anos antes. Essa desconcertante e longeva dança de números sugere
cautela aos que se debruçam sobre o tema em busca de causalidade fá-
cil, restrita a dinâmicas recentes. Nesses 130, anos o Brasil deixou de
ser uma economia agrária para se tornar uma das mais importantes so-
ciedades industriais do mundo, e essa mudança estrutural não resul-
tou, como seria de se esperar de processos de modernização semelhan-
tes, em uma sociedade mais igualitária, ou pelo menos em uma socie-

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 53, no 4, 2010, pp. 775 a 819.

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dade na qual a maioria de seus membros já não compartilhasse a condi-


ção de pobreza, ou de restrição de liberdade decorrente da penúria das
condições de vida.

Este estudo se pretende uma pequena contribuição no esforço, persis-


tente e ainda atual, de decifração do enigma da também persistente de-
sigualdade brasileira. Emprego a sociologia do trabalho como chave
inicial de interpretação, para, em seguida, propor uma revisão do que
se conhece como “Era Vargas”, seu significado e alcance histórico, ten-
do em vista a reprodução das desigualdades no tempo. Em primeiro
lugar, apresento os parâmetros da interpretação do Brasil moderno
propostos por Juarez Brandão Lopes nos anos 1960 e as derivações
mais importantes do debate que se seguiu à publicação de seus estudos
empíricos com operários fabris em Minas Gerais e São Paulo. Sugiro
que, se lido em chave menos preconceituosa, informada pelos achados
da historiografia mais recente produzida no país, esse corpo interpre-
tativo tem grande poder explicativo sobre a dinâmica das desigualda-
des entre nós, bem além do que imaginavam seus autores originais.
Continuando, analiso aspectos selecionados do programa varguista
de “valorização integral do homem brasileiro”, a fim de chamar a aten-
ção para seus limites e consequências para a reprodução das desigual-
dades no tempo. Argumento que a pobreza estrutural do Estado foi um
dos elementos responsáveis por minar no berço as possibilidades de
sucesso do empreendimento varguista. Ainda assim, a instituição da
legislação social e trabalhista mudou inteiramente a relação do Estado
brasileiro com seu povo. Sustento que a “cidadania regulada” gerou
nos trabalhadores a expectativa de proteção social, alimentando uma
promessa de integração cidadã que, embora não tenha se efetivado,
cumpriu a tarefa de incorporar, finalmente mas não para sempre, os
trabalhadores como artífices do processo brasileiro de construção esta-
tal. A partir de Vargas, os nacionais descobriram que valia a pena lutar
pela faticidade do Estado enquanto ordem jurídica que lhes prometia
proteção e bem-estar social. Essa luta, por sua vez, moldou sua identi-
dade social e política, pois, num país com 80% da população situada
abaixo da linha da pobreza, a promessa dos direitos era uma promessa
utópica, capaz de disputar corações e mentes com outras promessas
(como a socialista ou a comunista) em posição bastante privilegiada,
porque corporificada em instituições e na ordem jurídica estatal, so-
bretudo em sua capacidade de reprimir legitimamente a dissidência.
Como promessa jamais universalizada, a “cidadania regulada” reve-

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lou-se importante, multidimensional e institucionalizado mecanismo


de reprodução de desigualdades.

“O AJUSTAMENTO DO TRABALHADOR À INDÚSTRIA”

É provável que o estudo de maior impacto na sociologia do trabalho


brasileira da primeira metade dos anos 1960 tenha sido um pequeno
artigo de Juarez Brandão Lopes, intitulado “O ajustamento do traba-
lhador à indústria: mobilidade social e motivação”, escrito com base
em pesquisa realizada em 1957 e publicado em livro organizado por B.
Hutchinson em 1960, de nome Mobilidade e Trabalho. O artigo seria ree-
ditado em 1964 num livro divisor de águas, Sociedade Industrial no Bra-
sil. Não é difícil aquilatar o impacto desse artigo e, depois, do livro, na
interpretação da sociedade do trabalho entre nós, já que boa parte da li-
teratura dos anos 1960 e 1970 no país tomou-os, de um modo ou de ou-
tro, como referência. No que se segue, recupero essa tradição para pro-
por uma reflexão mais geral sobre a incorporação dos trabalhadores na
dinâmica capitalista brasileira. Em seguida, utilizo evidências trazi-
das pelo próprio Lopes, às quais agrego outras, para propor leitura al-
ternativa dos processos por ele apresentados como aspectos da “crise
do Brasil arcaico”.

No texto em tela, Lopes se filia desde logo à tradição weberiana, tal


como apropriada por Parsons nos Estados Unidos, e realiza um estudo
clássico de mudança social. Seu interesse são os ajustamentos de com-
portamento exigidos dos trabalhadores migrantes do campo quando
incorporados à indústria, num processo que combina, em geral, mobi-
lidade geográfica e social, tendo, assim, grande potencial para afetar a
totalidade da vida das pessoas envolvidas.

Lopes opera com um conjunto de pressupostos muito sólidos, embora


nem sempre explícitos em seu texto. Para ele, o Brasil estava às portas
de se transformar numa sociedade industrial, e, por isso, era essencial
à sociologia compreender os mecanismos dessa transformação, sobre-
tudo seu impacto nas populações que viviam do trabalho, no campo ou
na cidade. Dominando com maestria a produção sociológica, em espe-
cial a norte-americana sobre o industrialismo, seus males e dilemas or-
ganizacionais e sociais, ele estava seguro de que a industrialização ti-
nha vindo para ficar, e que transformaria para sempre a realidade bra-
sileira e os padrões de incorporação de sua população à dinâmica
capitalista.

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Seu arcabouço explicativo era simples e elegante, como de resto o eram


as teorias da modernização. Ele partia de um tipo ideal de sociedade
tradicional, em que “os fatos econômicos derivam de um sistema de re-
lações pessoais” (p. 25)3, e os princípios básicos que sustentam as tro-
cas são a reciprocidade e a redistribuição, e não o mercado. A matriz da
explicação é Karl Polanyi e sua ideia de que a economia, nas socieda-
des tradicionais, está “submergida nas suas relações sociais” (ibid.),
tradução de Lopes para a conhecida categoria polanyiana de “embeded-
ness”. Nessa sociedade, o trabalho é assegurado pela obrigação moral
das pessoas às normas da sobrevivência da comunidade, das quais de-
pendem a autoestima, a satisfação das necessidades e a sobrevivência
individual.

Essa sociedade contrapõe-se àquela em que o mercado é o fato central


dos sistemas econômico e social. A “atividade aquisitiva é aprovada; a
expectativa social é que as pessoas procurem a consecução dos seus in-
teresses econômicos individuais. A conduta econômica […] deve ser
racional” (p. 27). O sistema econômico é aberto, já que cada qual busca
sua própria satisfação individual, por contraposição ao relativo ensi-
mesmamento da sociedade tradicional; e o preço de mercado, e não
normas sociais, é o principal elemento de coordenação das ações.

Assim, o problema de pesquisa está de antemão delineado: a vinda de


pessoas das zonas rurais para as cidades é a passagem, sem mediações,
de um ambiente próximo das sociedades tradicionais para outro no
qual impera a economia racional de mercado. Isso gera um problema
de ajustamento de expectativas e padrões de comportamento, caracte-
rístico dos primórdios da industrialização no Brasil e do processo de
construção da classe operária entre nós.

Para estudar esse problema, Lopes elege uma fábrica de porte médio
em São Paulo, na qual apenas 7,5% dos trabalhadores eram paulista-
nos. Outros 28% eram estrangeiros e os 63% restantes eram migrantes
nacionais, 21% dos quais do Nordeste. Em razão da grande concentra-
ção de nordestinos, Lopes reconstrói rapidamente a sociabilidade no
meio rural de origem dos operários, para mostrar que eles de fato pro-
vinham de uma sociedade de tipo tradicional. E sustenta que haveria,
nas classes rurais, em especial nas que vêm do Nordeste, “um valor
cultural de trabalhar por conta própria, ser independente, valer-se da
própria iniciativa e não submeter-se diretamente a ninguém” (p. 36).
Além disso, poucos tinham intenção de permanecer em São Paulo. Seu

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sonho era juntar algum dinheiro e retornar ao campo, onde tinham dei-
xado suas famílias. Esse padrão se distinguia apenas em parte do caso
dos migrantes do interior de São Paulo, que ficariam no destino “se
desse certo”, mas, caso contrário, voltariam (pp. 38-39).

A partir desse ponto, o trabalho de Lopes poderia ter sido escrito como
dedução pura e simples das teorias da modernização. Depois de mos-
trar que o migrante nordestino acaba se fixando na cidade – porque o
trabalho em fábrica, apesar de tudo, é mais leve do que o eito, e a com-
paração entre a vida atual, vista como difícil, com a vida anterior, vista
como muito mais difícil e insegura, é favorável à cidade –, o autor insis-
te em que “[a] orientação psicológica dos entrevistados de origem ru-
ral é claramente para fora do sistema industrial” (pp. 44-45) e que o de-
sejo de todos é “trabalhar por conta própria”, porque não se depende
de horário, não se depende de chefe. Mas então ele oferece uma evidên-
cia interessante, da qual ele mesmo não tira as devidas consequências,
mas que terá impacto duradouro sobre a sociologia brasileira posteri-
or. Um cearense entrevistado por ele diz que “homem que pica cartão
não tem futuro; pessoa que trabalha por conta própria é que pode me-
lhorar” (p. 46). Lopes vê nessa fala a expressão cabal do desajustamen-
to do trabalhador rural de migração recente à sociedade industrial e
atribui a esse desajustamento a dificuldade (na verdade, impossibili-
dade) de constituição de uma solidariedade de classe tipicamente ope-
rária, isto é, tal como a que se desenvolveu no modelo clássico de capi-
talismo industrial.

Talvez a mais provocadora análise alternativa das consequências des-


ses achados de Lopes tenha sido formulada por Alain Touraine, num
texto pequeno mas também muito influente, denominado “Industria-
lização e consciência operária em São Paulo”, publicado em 1961 na re-
vista Sociologie du Travail. Tendo por referência os trabalhos de Lopes,
Fernando Henrique Cardoso (que, por sua vez, se baseava em Lopes) e
o Florestan Fernandes de Mudanças Sociais no Brasil, Touraine sustenta
que o desejo de melhorar de vida, ao contrário do que queriam Lopes,
Florestan Fernandes ou Fernando Henrique Cardoso, é uma conduta
de mobilidade (p. 396)4, expressão de atitudes modernas de certo tipo,
que configuram o que ele denominou “consciência de mobilidade”.
Touraine concorda que o peso das tradições pré-industriais impede
que esses trabalhadores se identifiquem com a classe operária. Mas, ao
lado desse peso, mais importante é “a crença, que pode ser utópica, nas
chances que lhes oferecem a vida urbana e o trabalho industrial; uma

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vontade de mobilidade que não se satisfaz com um trabalho instável e


não qualificado e que os conduz a esperar que um dia eles superarão a
condição presente” (p. 396). Essa consciência de mobilidade é prenhe
de consequências para a dinâmica social e política da classe operária,
segundo Touraine, porque ela “se acompanha de uma relativa integra-
ção das atitudes, nas quais o aspecto mais frequente pode ser o não con-
formismo utópico, isto é, a união da submissão tradicional com a espe-
rança nas possibilidades de ascensão do indivíduo e, mais ainda, de
seus filhos” (p. 397). Nesse processo, a situação pretérita e a presente
são reinterpretadas em função da esperança de melhoria de vida. E,
como essa consciência liga estreitamente a mobilidade individual e o
desenvolvimento coletivo do país, a consequência é a legitimação da
sociedade global, que fica, assim, protegida contra uma sublevação
revolucionária.

Touraine agrega ainda outros argumentos importantes, igualmente


apropriados pelo debate posterior, como a ideia de que no Brasil a ur-
banização precedeu a industrialização, e, com isso, as massas vindas
do campo não encontraram na indústria seu destino primordial. O pro-
cesso, ademais, gerou marginalização e pobreza de grandes contin-
gentes de trabalhadores, além de desigualdade e competição pelos
poucos postos de trabalho industriais, contribuindo para manter os sa-
lários sempre baixos etc.

Os trabalhos de Lopes e Touraine influenciaram fortemente a pesquisa


posterior, embora de maneira talvez não antecipada pelos dois auto-
res. Leôncio Martins Rodrigues, por exemplo, em estudos muito influ-
entes realizados em fábricas de multinacionais de automóveis5, então
tratadas como empregando o setor mais moderno do operariado, en-
controu atitudes operárias tradicionais, consciência de mobilidade e
aversão ao trabalho industrial, além de incapacidade de ação coletiva
solidária e ausência de consciência de classe. Fernando Henrique Car-
doso, com base nos mesmos estudos, sustentou ideia ainda mais forte
no seu “Proletariado no Brasil: situação e comportamento social”, pu-
blicado originalmente em 1962. Para ele, os trabalhadores rurais deixa-
ram o campo menos em busca de ascensão social do que para fugir da
miséria (Cardoso, 1969[1962]:116), visto que seriam mais conformados
diante do destino e mais dispostos a aceitar as condições precárias de
trabalho na indústria. A intensa migração do campo para a cidade,
concentrada no tempo, teria produzido um “‘efeito de amortecimento’
sobre o grau de consciência da situação […] e, consequentemente, so-

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bre as possibilidades de empreendimento de ações reivindicatórias no


plano da empresa e da sociedade global” (p. 117). Por essa razão, além
das apontadas por Lopes e Touraine, esse operariado dificilmente che-
garia a agir conforme seu interesse específico de classe, não se colocan-
do “a questão do poder como a pedra de toque de uma ação proletária
historicamente consciente de seu papel” (p. 121).

A historiografia brasileira poria por terra esses argumentos nos anos


1980, como é sabido. A partir do estudo fundador de Paoli et alii (1983),
o encontro dos migrantes com o mundo do trabalho industrial deixou
de ser tratado como inautêntico, por não resultar em atitudes revolucio-
nárias de uma classe “consciente de seu papel”6. Segundo essa inter-
pretação, a classe operária no Brasil seria definida, pelos estudos pre-
cedentes, na negativa: não tinha consciência de classe, não agia politi-
camente para transformar a sociedade, não era moderna etc. Impossí-
vel não concordar com essa crítica. Contudo, parece-me que ela tam-
pouco pode ser levada longe demais. Os estudos mencionados anteri-
ormente, embora carreguem a marca da inautenticidade que a crítica
posterior identificou, trazem elementos que, lidos em outra chave, em
meu ponto de vista, expressam o que de fato ocorreu no Brasil depois
de 1930. Refiro-me muito especialmente ao que em Touraine aparece
como “crença utópica” nas possibilidades de mobilidade social aber-
tas pela sociedade brasileira em mudança. Aqui, sugiro que essa ideia
tem muita força, se lida em perspectiva diversa, isto é, se referida ao
programa varguista de integração social baseado na promessa da “ci-
dadania regulada”. Senão, vejamos.

ASPECTOS DE UMA CONSTRUÇÃO UTÓPICA

A utopia varguista ganhou muitos tradutores ao longo dos primeiros


15 anos de poder de Vargas, mas poucos foram tão sistemáticos e incisi-
vos quanto Oliveira Vianna. Sua obra não é vasta, mas é muito consis-
tente, em especial aquela dedicada a propagandear os feitos da Revo-
lução de 1930. Seleciono para análise o conjunto de conferências, en-
saios e artigos de jornal trazidos a público entre 1932 e 1940 (período
em que participou diretamente da gestão do que ele mesmo denomi-
nou “Governo revolucionário”), depois reunidos em Oliveira Vianna
(1951). Nesse extraordinário libelo de propaganda, somos expostos ao
sumo da ideologia da promoção do homem brasileiro por meio da polí-
tica social da Revolução, que vinha enfim resgatar a nacionalidade de
seus quatro séculos de história. Para Oliveira Vianna, a obra social de

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Vargas tinha um sentido corretivo, ou saneador, dos males de uma civi-


lização que, por imposições da natureza hostil do vasto território em
que vicejou, consolidou-se como carente de ossatura e de mecanismos
promotores de solidariedade social. Oliveira Vianna, na verdade, ava-
lia a obra varguista, de que ele também era artífice, sob a ótica de sua
própria interpretação do Brasil, presente em trabalhos seminais como
Instituições Políticas Brasileiras e, muito particularmente, Populações
Meridionais do Brasil. Segundo essa interpretação, o povo, até 1930, ha-
via sido esquecido pelas instituições civilizatórias, abandonado à pró-
pria sorte num ambiente hostil à vida coletiva, o que o obrigava à vin-
culação individual e submissa ao poder privado de caudilhos locais,
senhores dos escassos recursos materiais e simbólicos da vida
comunitária:

O homem que não tem terras, nem escravos, nem capangas, nem fortu-
na, nem prestígio, sente-se aqui, praticamente, fora da lei. Nada o am-
para. Nenhuma instituição, nem nas leis, nem na sociedade, nem na fa-
mília, existe para a sua defesa. Tudo concorre para fazê-lo um desiludi-
do histórico, um descrente secular na sua capacidade pessoal para se
afirmar por si mesmo. [...] O que os quatro séculos de nossa evolução
lhe ensinam é que os direitos individuais, a liberdade, a pessoa, o lar, os
bens dos homens pobres só estão garantidos, seguros e defendidos,
quando têm para ampará-los o braço possante do caudilho local. Essa
íntima convicção de fraqueza, de desamparo, de incapacidade se radi-
ca na sua consciência com a profundeza e a tenacidade do instinto
(1922[1918]:151).

A eloquência da formulação não deve deixar dúvidas: a sociabilidade


no início do V século brasileiro (como Oliveira Vianna gostava de no-
mear o século XX) era vista como caudatária dessa herança, radicada
no povo brasileiro com “a tenacidade do instinto”; portanto, passada
de uma a outra geração através dos séculos. Mas por que esse povo de-
samparado se submetia aos poderosos locais? Por necessidade, obvia-
mente, mas também porque esse povo era bondoso, indulgente, pací-
fico, “feito de amabilidade, generosidade e doçura cristã” (Oliveira
Vianna, 1951:58). A consequência óbvia é que do povo não se devia es-
perar movimentos violentos para a melhoria de sua própria penúria e
fraqueza. Entre nós, a luta de classe não encontrou terreno fértil, ape-
sar de seus efeitos em geral benéficos em termos de construção da soli-
dariedade social, quando resultante de dinâmica social diferente da
brasileira7. Libertar o povo do jugo dos poderosos locais e promovê-lo

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à cidadania plena era tarefa civilizatória que cabia ao Estado, para o


que este não precisou “lutar contra linhas de cor, contra antagonismos
de classes, contra ódios de raças” (ibidem:56). Resulta que a tarefa da
Revolução, diferentemente dos países europeus, não foi assegurar a
paz social, já de si garantida pela índole do povo, mas sim a justiça so-
cial, barrada pela natureza individualizante e degradante de nosso
processo civilizatório.

Oliveira Vianna propagandeia um artifício, uma engenharia revoluci-


onária voltada à integração do Brasil no “movimento incoercível, de
extensão universal, que constitui a política de restauração das massas
trabalhadoras na posse e na consciência da sua nobreza humana”
(idem:54). A palavra forte dessa engenharia é, não casualmente, inclu-
são. Tendo estado excluídos da fruição das benesses civilizatórias, os
trabalhadores sob Vargas teriam sido triplamente incluídos: na firma,
por meio da estabilidade no emprego, o que gerou compromisso mú-
tuo entre as classes pelo bem-estar de uns e a prosperidade de outros;
no Estado, por meio da participação nos sindicatos como órgãos esta-
tais e nos mecanismos corporativos de tomada de decisão, que acolhi-
am também as classes superiores; e na sociedade de consumo, aspecto
garantido pela instituição do salário mínimo (idem:112 e ss.) e da previ-
dência social, por ele chamada de propriedade social disponível aos tra-
balhadores, que assegurou bem-estar material na velhice e na doença.
Aos trabalhadores, então, teriam sido dadas “todas as condições mate-
riais e morais de segurança e conforto, de tranquilidade e justiça, de in-
dependência e dignidade” (idem:55-56), de tal modo que eles “sentem
por toda parte o carinho do Estado, a ação vigilante de sua tutela e de
sua assistência”. Mas essa assistência, importante salientar, não tinha a
forma dos “óbolos da caridade, que humilhavam o assistido”, e sim a
forma das “prestações de direito, reconhecidas, asseguradas e minis-
tradas pelo poder público” (p. 50). O autor não tem dúvida: a revolu-
ção trouxe aos trabalhadores “segurança jurídica” (p. 71), além de ter
promovido a elevação e dignificação progressiva das classes trabalha-
doras dentro do regime capitalista. “Isso quer dizer, porém: elevação e
dignificação conseguidas, não suprimindo as escalas de hierarquia so-
cial, não eliminando as classes superiores, não nivelando todas as cate-
gorias da sociedade [...] mas sim, fazendo as classes trabalhadoras par-
tilharem progressivamente das vantagens e benesses com que a nossa
civilização vem assegurando, há mais de um século, o conforto, o
bem-estar e a dignidade humana e social das classes superiores” (p.
106).

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Entretanto, no mesmo conjunto de textos apologéticos de sua própria


empreitada, Oliveira Vianna reconhece que a “enumeração das bene-
merências ou serviços, prestados pelas nossas instituições de previ-
dência social e sindicais, representa um quadro nem sempre conforme
aos fatos da realidade atual” (1951:127). Reconhece que a previdência
social paga benefícios insuficientes à subsistência, que os serviços mé-
dicos e ambulatoriais não estão à altura de suas promessas, que o pro-
grama de casa própria para operários esbarrava em problemas de cré-
dito etc. Mas um “juízo justo dessas instituições” devia levar em conta
não o fato de sua penúria atual, mas sim as “formidáveis possibilida-
des que elas contêm em potencial” (idem:128). Oliveira Vianna não se
resigna diante da escassez real de recursos do país, que desenhava ins-
tituições incapazes de cumprir suas promessas diante da enormidade
das carências do povo que o mesmo Estado queria promover à cidada-
nia. O desenho legal dessas instituições era justo em si mesmo, e sua efi-
ciência se provaria no futuro, para o que o trabalhador devia ter pa-
ciência. Os limites estruturais à vigência da obra saneadora, pois, eram
vistos como superáveis por obra do próprio Estado.

Vargas, muito especialmente o Vargas ditador, esteve sempre consci-


ente do aspecto civilizatório do direito do trabalho que ele instituía,
mas tinha melhor clareza do que Oliveira Vianna sobre seus limites
num país como o Brasil. Em 1941, em engenhoso discurso proferido no
Primeiro de Maio – momento em que o ditador costumava informar os
trabalhadores, anualmente, sobre o andamento de “sua” obra social,
isto é, os novos direitos “dadivosamente” agregados ao sempre incom-
pleto edifício de “promoção do homem brasileiro” –, ele pregaria em
favor da fixação do homem no campo, embora não necessariamente
por meio de uma reforma agrária. Sem aquela fixação, o Brasil correria
o risco de “assistir ao êxodo dos campos e superpovoamento das cida-
des – desequilíbrio de consequências imprevisíveis, capaz de enfra-
quecer ou anular os efeitos da campanha pela valorização integral do
homem brasileiro, para dotá-lo de vigor econômico, saúde física e
energia produtiva”. E diria ainda, dirigindo-se aos milhares de traba-
lhadores que lotavam o estádio do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro:

Temos a enfrentar, corajosamente, sérios problemas de melhoria das


nossas populações, para que o conforto, a educação e a higiene não se-
jam privilégio de regiões ou de zonas. Os benefícios que conquistastes
devem ser ampliados aos operários rurais, os que, insulados nos ser-
tões, vivem distantes das vantagens da civilização. [...]

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Não é possível mantermos a anomalia tão perigosa como a de existirem


camponeses sem gleba própria, num país onde os vales férteis como a
Amazônia permanecem incultos e despovoados de rebanhos, extensas
pastagens, como as de Goiás e Mato Grosso. É necessário à riqueza pú-
blica que o nível de prosperidade da população rural aumente para ab-
sorver a crescente produção industrial; é imprescindível elevar a capa-
cidade aquisitiva de todos os brasileiros – o que pode ser feito aumen-
tando-se o rendimento do trabalho agrícola (Vargas, 1941:261-262).

Vargas, como se vê, tinha exata noção das injunções estruturais a seu
projeto civilizatório. O Brasil era um país rural, com pouco menos de
3% de proprietários de terra – apesar dos 70% de brasileiros que viviam
no campo, um terço dos quais assalariados e dois terços compondo di-
ferentes regimes de colonato, parceria, posse ou pequena propriedade
da terra, a maioria deles disposta a arribar ao menor sinal de que a vida
poderia ser melhor em outro lugar. Fixar as populações rurais, pois,
não seria possível se ao trabalhador rural não fossem estendidas as be-
nesses da civilização que a Revolução construía nas cidades.

Ademais, um mundo rural pujante constituiria o mercado interno para


o produto da indústria nascente, e, para tanto, o projeto não era outro
senão colonizar a Amazônia. Isto é, impossibilitado de enfrentar o pro-
blema da propriedade da terra num país ainda refém das oligarquias
agrárias (outra restrição importante a seu projeto saneador), Vargas
via como única alternativa expandir a fronteira agrícola, ocupar a
Amazônia, área de terras devolutas passíveis de políticas públicas de
colonização8, ou seja, era preciso estabelecer políticas que não tocas-
sem na estrutura fundiária consolidada no restante do país, nem nos
interesses agrários ainda fortemente representados no aparelho de
Estado. O discurso, nesse sentido, é o reconhecimento resignado da
própria fragilidade do poder central vis-à-vis os poderes agrários ain-
da prevalecentes9.

Na verdade, a impotência diante de inexoráveis e incontroláveis dinâ-


micas populacionais há muito tirava o sono do estadista gaúcho. Em
discurso pronunciado na Bahia em 11 de agosto de 1933, ao analisar as
consequências do fim da escravidão para as populações diretamente
afetadas, Vargas diria que, nas caatingas, viviam

populações rurais empobrecidas, ao léu das circunstâncias do clima e à


míngua de recursos, vegetam desenraizadas, por vezes quase nôma-
des, vivendo, dia por dia, jungidas à voracidade dos novos senhores

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que lhes exploram o trabalho rude, como se fossem compostas de retar-


datários servos da gleba.
Agravando semelhante desorganização, verificou-se o êxodo dos habi-
tantes do interior, atraídos pelas ilusórias facilidades de trabalho abun-
dante e bem recompensado, para os centros urbanos de vida intensa. O
proletariado das cidades aumentou desproporcionadamente, origi-
nando o pauperismo e todos os males decorrentes do excesso de ativi-
dades sem ocupações fixas (1938, vol. 2:115).

Era esse mesmo pauperismo e seus males (dentre eles, obviamente, o


risco de os pobres sucumbirem ao proselitismo comunista) que Vargas
temia em 1941, daí a necessidade de se fixar o homem no campo.

Vargas tampouco ignorava as injunções materiais do Estado que her-


dara da Velha República, apesar da recorrente apologia de sua própria
obra de construção estatal. Assim, ao fazer um balanço de dez anos de
governo em discurso proferido no Aeroporto Santos Dumont durante
banquete oferecido ao ditador “pelas classes conservadoras e trabalha-
doras” em 11 de novembro do mesmo ano de 1941, regozijou-se de ter
arrecadado em impostos, em 1939, o dobro do que fora extraído em
1930 e de ter despendido quase o dobro de dez anos antes (1941:170).
Ele não mentia, já que a arrecadação de fato quase duplicara em moeda
nacional; mas não dizia propriamente a verdade, se deflacionarmos a
receita e a ponderarmos pelo tamanho da população que ele queria
promover com suas políticas sociais. Nesse novo quadro, em 1930 a ar-
recadação federal per capita havia sido de 0,90 libras esterlinas, e a de
1939, de 1,18 libras. Aumento de quase 30% em relação a 1930, mas bem
longe do dobro propagandeado10. Ocorre que, se em dez anos a arreca-
dação crescera, a população também, e a taxas altas, o que terminou
por anular parte dos efeitos da melhoria da capacidade arrecadadora
do Estado vis-à-vis as carências da população. Contudo, também é ver-
dade que, em mil réis, a despesa de 1939 foi quase duas vezes a de 1930
(4.3 milhões de contos de réis contra 2.5 milhões), mas em libras esterli-
nas o valor foi de 61 milhões, contra 51 milhões de dez anos antes. Ou
seja, o aumento foi de perto de 20% em termos reais. Mas como a popu-
lação também cresceu 20% no período, o gasto per capita foi exatamente
o mesmo em 1930 e 1939: £1,35 por habitante.

Seja como for, ao colocar no centro de seu projeto de poder o enfrenta-


mento da questão social, mesmo diante de injunções estruturais multi-
variadas, Vargas e aliados, sobretudo os tenentes, a quem o tema era

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caro desde os primórdios de suas mobilizações11, não inventaram a re-


gulação estatal na chave dos direitos sociais de maneira descolada do
real, como propôs, por exemplo, John French, em livros de 2001 e 2004.
Mesmo que o mundo urbano acolhesse não mais do que 30% da popu-
lação brasileira, e que, desta, porcentagem diminuta se empregasse na
indústria, alvo prioritário da regulação varguista, esta não se antecipou
aos fatos, estando, na verdade, perfeitamente em dia com a ameaça vi-
sível do pauperismo que o êxodo rural vinha provocando nas grandes
cidades. Assim, em 1940, calculada em relação à população economi-
camente ativa, a proporção de operários industriais ultrapassava os
26% no Distrito Federal (isto é, a cidade do Rio de Janeiro) e os 38% em
São Paulo12; e, se considerarmos apenas os homens, é provável que se
chegasse a 30% dos ocupados no Distrito Federal e mais de 40% em São
Paulo13. Ainda no Distrito Federal, excluindo-se os empregados do-
mésticos, 75,6% dos ocupados eram assalariados. A questão social es-
pecificamente moderna, parteira de revoluções sociais e dos movi-
mentos de reforma que desaguaram na legislação social europeia, era
visível no Rio de Janeiro, capital do país, e em São Paulo, já importante
centro industrial, e era a ela que Vargas pensava estar respondendo ao
propor seu edifício legal de proteção social. Como, porém, o Estado em
transformação permanecia raquítico em termos da capacidade de im-
plementar suas políticas, uma coisa era instituir normas legais, e outra
bem diferente era dar-lhes efetividade. Essa tarefa coube, em grande
medida, aos próprios trabalhadores, tanto individualmente, nos tribu-
nais do trabalho ou na resistência miúda no cotidiano das empresas,
quanto por meio de suas instituições representativas, isto é, os sindica-
tos, moldados pelo mesmo Vargas14.

A “CIDADANIA REGULADA” E ALÉM

A obra legislativa de Vargas não será objeto de análise aqui. A literatu-


ra sobre isso já é bastante alentada, e, embora haja substancial contro-
vérsia quanto ao significado da legislação, não é tanto o caso quanto ao
seu conteúdo15. Neste passo, gostaria apenas de apontar a plausibili-
dade de uma interpretação sobre aquela obra legislativa de proteção
social, para o que parto da premissa de que o leitor conhece minima-
mente suas linhas gerais, que incluem a instituição de um salário míni-
mo, jornada de trabalho, descanso semanal remunerado, férias, prote-
ção ao trabalho da mulher e do menor, aposentadoria etc. Para o que
proponho aqui, esse arcabouço interessa não tanto por sua real ou pre-
tensa efetividade, mas pelo significado que adquiriu na dinâmica soci-

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al mais geral, significado, de meu ponto de vista, ainda não atentado


pela literatura sobre o tema. Tomo como ponto de partida o conceito de
“cidadania regulada”, para mostrar que esta constituiu uma promessa
de incorporação social das massas até então desdenhadas pelo proces-
so de construção da nação, promessa de grande impacto sobre os proje-
tos, esperanças, horizontes de expectativas e sobre a práxis das popu-
lações que vivem do trabalho no país, de consequências duradouras
para a sociabilidade capitalista de modo geral e para a reprodução das
desigualdades ao longo do tempo.

O conceito de “cidadania regulada” é elemento inarredável do arsenal


analítico disponível sobre a era Vargas, que encapsula, numa ideia for-
te e ao mesmo tempo simples, enorme conjunto de significados. A for-
mulação de Wanderley Guilherme dos Santos é muito conhecida, mas
vale a pena reproduzi-la por inteiro, para melhor compreensão do que
proponho aqui:

Por cidadania regulada entendo o conceito de cidadania cujas raízes en-


contram-se não em um código de valores políticos, mas em um sistema
de estratificação ocupacional, e que, ademais, tal sistema de estratifica-
ção ocupacional é definido por norma legal. Em outras palavras, são ci-
dadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram loca-
lizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei.
A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas pro-
fissões e/ou ocupações, em primeiro lugar, e mediante ampliação do
escopo dos direitos associados a essas profissões, antes que por expan-
são dos valores inerentes ao conceito de membro da comunidade. A ci-
dadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restrin-
gem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal
como reconhecido por lei. Tornam-se pré-cidadãos, assim, todos aque-
les cuja ocupação a lei desconhece [...]. O instrumento jurídico compro-
vante do contrato entre o Estado e a cidadania regulada é a carteira profis-
sional, que se torna, em realidade, mais do que uma evidência traba-
lhista, uma certidão de nascimento cívico (Santos, 1979:75-76).

Ou, dizendo simplesmente, “quem tem ofício, tem benefício”, como


consagrou Angela de Castro Gomes (1988:189 e ss.). O que pretendo
propor é que, se, na definição de “cidadania regulada”, levarmos em
conta não apenas os direitos associados à condição de trabalhador in-
serido no setor formal da economia (ou seja, as profissões reconhecidas
por lei), mas a totalidade do projeto varguista de promoção integral do
homem brasileiro, tal como efetivamente vivenciado pelos destinatários des-

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se projeto, a cidadania deixa de aparecer como um conjunto de direitos


que demarcasse, para sempre, incluídos e excluídos da ordem em cons-
trução. Ela passa a denotar, antes, uma ordem porosa e fluida, cujas
portas de entrada se abriam e se fechavam várias vezes ao longo das
trajetórias de vida dos que a ela se candidatavam, e a inclusão no mun-
do dos direitos podia ser bem efêmera, assim como a exclusão dele, de
tal modo que inclusão real, exclusão momentânea ou permanente e re-
novadas expectativas de nova inclusão eram parte do mesmo processo
geral de regulação da cidadania, ou de sua efetividade.

Como primeira aproximação ao problema, parece-me incontroverso


que a ideia de que os que não têm profissão são pré-cidadãos, presente
na formulação original de Wanderley Guilherme dos Santos, denota, a
um só tempo, exclusão do mundo dos direitos e existência de mecanis-
mos pelos quais, em algum momento, os pré-cidadãos podem ser in-
cluídos, tornando-se membros plenos da comunidade de direitos. A
exclusão, pois, pode ser temporária, isto é, a cidadania aparece, para es-
ses pré-cidadãos, como possibilidade. Essa ideia está inscrita no conceito
de “cidadania regulada”: para Santos, Vargas delimitou cidadãos ple-
nos, e também um conjunto de mecanismos que tornavam esse ambi-
ente uma possibilidade talvez crível para os pré-cidadãos16, ou cida-
dãos em processo de vir a ser. Sustentarei aqui que mais do que uma possi-
bilidade, a “cidadania regulada” era uma promessa, e que essa ideia cap-
ta com precisão parte substancial da dinâmica social brasileira no
pós-1930, mais além, talvez, do que imaginou o mesmo Wanderley
Guilherme dos Santos.

Para o trabalhador brasileiro típico, e muito particularmente o traba-


lhador que emigrou dos campos, aldeias e pequenas cidades do inte-
rior fugindo da pobreza ou em busca de melhores condições de vida, o
acesso ao universo dos direitos do trabalho foi uma longa e muitas ve-
zes frustrante corrida de obstáculos17. Para começar, os brasileiros qua-
se nunca tinham registro civil. Parte dessa carência decorria das condi-
ções de vida de boa parte da população rural, quase sempre distante
dos centros urbanos onde o registro era feito. Mas parte não desprezí-
vel tinha a ver com a resistência pura e simples, com origem na ideia
nada irrealista de que o Estado era inimigo do povo, a quem tentava
controlar, alistar no exército, escravizar, vacinar, higienizar ou sim-
plesmente perseguir de maneira arbitrária18. Contudo, para obter uma
carteira de trabalho ou qualquer outro documento, bem como para ma-
tricular os filhos na escola pública (que continuaria, por décadas, inca-

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paz de oferecer as vagas necessárias à educação da população) ou ter


acesso a serviços de saúde (idem), o registro era obrigatório. Assim,
obter a certidão de nascimento era o primeiro passo numa sempre difí-
cil cruzada pelo acesso aos direitos, e ainda em 1948, já muito longe no
processo de consolidação da “cidadania regulada”, 23,4% dos mora-
dores de favelas no Rio de Janeiro não tinham esse documento (Fischer,
2008:124)19. Não há razão para imaginar que a situação fosse melhor
nos demais grandes centros urbanos do país.

Obtido o registro civil, conseguir a carteira de trabalho, a “certidão de


nascimento cívico” de W. G. dos Santos, exigia esforços adicionais.
Como mostrou Fischer (2008), O trabalhador precisava prestar um
conjunto completo de informações ao Departamento Nacional do Tra-
balho, incluindo estado civil, nível educacional, ocupação, endereço,
nomes dos pais, além de levar uma fotografia. Ali, as impressões digi-
tais eram registradas, e os demandantes precisavam informar os no-
mes, atividades e localização de seu empregador atual e dos antecesso-
res, além de salários recebidos e data de admissão e demissão. Eram
exigidos também os nomes, atividades e datas de nascimento de todos
os dependentes, além dos sindicatos de que o trabalhador fosse even-
tualmente membro. Até aqui, tratava-se de informação, em princípio,
simples de fornecer, não fosse o fato de que todas deviam ser provadas
documentalmente, ou então por duas testemunhas portadoras de car-
teira de trabalho. Trabalhadores com vínculos precários de emprego,
vida empregatícia errática (que não pudesse ser provada documental-
mente) ou vida doméstica desviante (por exemplo, homem com parcei-
ra consensual ou mães solteiras) sabiam de antemão que o documento
dificilmente seria emitido, e, sendo o caso, era pouco provável que os
beneficiasse, isto é, que servisse de passaporte a um emprego formal,
pois traria o registro do desvio pretérito. Mas havia mais. Se homem, o
candidato precisava provar que estava em dia com o serviço militar.
Candidatos analfabetos precisavam de três testemunhas, uma das
quais disposta a assinar a papelada que compunha o prontuário do pe-
dido do documento. De todos os candidatos exigiam-se diplomas ou
cartas de empregadores provando suas habilidades profissionais, ou
então, de novo, o testemunho de dois portadores de carteira de traba-
lho. Por fim, a carteira custava Cr$ 5,00 cruzeiros, um valor excessivo
para desempregados e trabalhadores que recebiam um salário mínimo
ou menos (ibidem:127 e ss.). A muitos essas exigências se afiguravam
como verdadeiras barreiras à entrada no mundo dos direitos, aspecto
recorrentemente lamentado por profissionais do serviço social públi-

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co, para quem as regras para obtenção da carteira eram “muito pesa-
das” para os mais pobres20.

Esse breve quadro impõe ao menos duas especificações importantes ao


conceito de “cidadania regulada”. Em primeiro lugar, como sugerido,
o processo de instituição da legislação social gerou, por muito tempo,
não uma divisão clara entre incluídos e excluídos, mas um continuum
que fez da inclusão uma promessa mais ou menos distante segundo o
lugar que o trabalhador ocupava na estrutura de distribuição de recur-
sos monetários, bens, serviços, recompensas e, obviamente, direitos.
Isso quer dizer que os direitos talvez aparecessem como “privilégio”
dos que conseguiam cruzar o mar bravio da burocracia envolvida na
obtenção dos documentos que habilitavam a um emprego formal, sem
falar no próprio emprego. Mais do que isso, como havia meios de se
chegar ao “privilégio”, bastando para isso que o trabalhador seguisse
normas que ao Estado pareciam formalmente impecáveis, como ter
uma certidão de nascimento, ser bem casado e provar suas habilidades
profissionais, a não obtenção do registro civil ou, depois, da carteira de
trabalho era vista como fracasso pessoal, sobretudo porque outros (vi-
zinhos, parentes ou amigos do fracassado) conseguiam. Não era o Esta-
do que aparecia como impondo barreiras burocráticas a trabalhadores
pobres e analfabetos. Estes é que não se apresentavam como estando à
altura das normas do Estado enquanto artífice, segundo sua própria
ideologia, de uma nova cidadania ali onde ela jamais existira.

Esse último aspecto não foi atentado por Fischer, em quem me baseio
para sustentar a ideia do continuum de acesso a direitos. Ora, o traba-
lhador dos sonhos de Oliveira Vianna, Getúlio Vargas ou Marcondes
Filho21 era o homem arrimo de família, alfabetizado, higienizado, sau-
dável, senhor de uma profissão e titular de direitos sociais cuja origem
seria sua vinculação a uma profissão regulamentada pelo Estado22.
Esse homem, os três ideólogos sabiam muito bem, não existia, e, por
isso, a tarefa da Revolução seria, justamente, forjá-lo. A “cidadania re-
gulada” era um projeto para toda a nação, a ser, porém, estendido aos
nacionais à medida que cada qual se qualificasse, ou se enquadrasse no
ideal de pessoa que o Estado queria promover. Nesse sentido, o Estado
não estava, de seu próprio ponto de vista, criando privilegiados. Estava
acenando aos brasileiros que a segurança socioeconômica era acessível
a qualquer um, desde que ele ou ela se pusesse à altura do que lhe esta-
va sendo demandado e que, afinal, “era para seu próprio bem”. E des-
de que, obviamente, houvesse emprego regulamentado para todos.

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Mas o emprego era apenas um dos múltiplos aspectos do projeto var-


guista de inclusão cidadã.

A segunda consequência desse arranjo para o conceito de “cidadania


regulada” é que esta era em processo, e num sentido muito próprio do
termo. Não apenas a ordem se apresentava aos brasileiros como um
mundo possível, como ainda legitimava a luta por sua efetividade. Antes
de 1930, a luta por direitos sociais e trabalhistas esbarrava na Constitu-
ição liberal de 1891. Qualquer medida que limitasse a liberdade de
contrato entre pessoas livres e iguais era vista como inconstitucional, e
a demanda por proteção do trabalhador, como simplesmente subversi-
va. Ou seja, a própria questão social era inconstitucional. Sob Vargas, ao
contrário, os direitos estavam ali, completos, à mão dos que se dispu-
sessem a se enquadrar nos requisitos definidos pelo Estado. O traba-
lhador já não precisava, como acontecera no modelo clássico de cons-
trução estatal, conforme analisado por Oliveira Vianna, lutar pelos di-
reitos. Bastava a ele encontrar os meios para se titular aos benefícios san-
cionados, meios que o próprio Estado oferecia. E, muito importante, se
ainda assim o empregador se negasse a seguir a lei, o trabalhador po-
dia recorrer ao Estado para assegurar sua efetividade, por exemplo,
via recurso à Justiça do Trabalho ou ao sindicato, também garantido
pelo Estado.

Isso quer dizer que, malgrado o discurso apologético de justificação do


regime varguista, a legislação trabalhista e social terminou por instau-
rar, no ambiente em que incidiu, um campo legítimo de disputa por
sua própria faticidade, cuja matriz de legitimação era o próprio Esta-
do. Com isso, o horizonte da luta por direitos tornou-se, legitimamen-
te, o horizonte da luta de classes no país. A “cidadania regulada”, nes-
se sentido, tornou-se a forma institucional da luta de classes entre nós:
uma luta por efetividade dos direitos existentes; uma luta por extensão
dos direitos a novas categorias profissionais; e uma luta por novos di-
reitos. Isso quer dizer, ademais, que, se os direitos sociais e do trabalho
(e os serviços sociais de saúde e educação) precisaram ganhar faticida-
de por meio da luta regulada de classes, então a “cidadania regulada”
precisou ser conquistada pelos candidatos a ela, tanto individual quan-
to coletivamente. Tendo ou não sido outorgada por Vargas (discussão
que tantas energias consumiu dos estudiosos do trabalho no Brasil) 23, o
fato é que, no processo de tornar-se real no mundo, a legislação social
foi apropriada pelos trabalhadores, e a “cidadania regulada” não era

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outra coisa senão o modo dessa apropriação em seu processo mais miúdo,
mais cotidiano.

Revela-se, aqui, o sentido mais profundo da categoria de pré-cidadão,


elemento necessário do conceito cunhado por Santos: no processo de
instituição da legislação social, todos os trabalhadores eram, no ponto
de partida, pré-cidadãos; à medida que se tornavam titulares de direi-
tos aos poucos garantidos pelo Estado, deixavam apenas em parte
aquela condição, já que precisavam lutar para vê-los ganhar efetivida-
de em sua vida pessoal e coletiva. Essa luta, por fim, não estava aberta
a todos da mesma maneira, e foi tal que não conseguiu nem universali-
zar os direitos, nem dar-lhes a faticidade pretendida por seus ideólo-
gos e, depois, pelos próprios trabalhadores, organizados ou não.

A PROMESSA E O BRASIL REAL

Os limites à universalização da “cidadania regulada”, de modo que


esta incluísse todos aqueles que ela mesma definia como pré-cidadãos,
eram portentosos e estavam muito além da capacidade de intervenção
dos próprios trabalhadores. Antes de mostrar por que, cumpre reco-
nhecer que parece paradoxal que a “cidadania regulada”, definida
como restrita a determinada parcela da população, se pudesse univer-
salizar. Mas é da natureza do direito social e do trabalho delimitar titu-
lares específicos de seus regulamentos24. Por exemplo, o seguro de-
semprego não faz sentido para proprietários dos meios de produção,
crianças ou pessoas inativas. O descanso semanal remunerado idem. A
aposentadoria, em todo o mundo, só muito tardiamente incluiu outros
que não os trabalhadores assalariados25. Para que o conceito de “cida-
dania regulada” faça sentido, o problema relevante não é reconhecer
que o direito social nunca é universal, no sentido de delimitar uma co-
munidade de titulares coextensiva à população como um todo, mas
sim saber se ele está universalmente disponível ou é universalmente
efetivo para as categorias populacionais que ele titula. É esse o significa-
do do pré-cidadão da cidadania varguista: sua condição de trabalha-
dor o tornava, imediatamente, potencial titular de direitos, mas para
isso ele precisava se qualificar e conseguir um emprego regulamenta-
do, como dissemos. O pré-cidadão é constitutivo do conceito de “cida-
dania regulada” porque, se todos os potenciais titulares do direito so-
cial se qualificassem, isto é, se todos deixassem de ser pré-cidadãos,
então a cidadania já não seria regulada, e sim cidadania social sem
mais, indistinta do conceito clássico de Marshall. Nossa cidadania era

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regulada porque, na maior parte do tempo, permaneceu como uma


possibilidade, ou, mais propriamente, uma promessa de inclusão pela
qual, sustento aqui, passou a valer a pena lutar.

Dito isso, a dinâmica social brasileira depois de 1930 foi tal que atuali-
zou os piores temores de Vargas quanto aos riscos do êxodo rural para
seu projeto de elevação moral, econômica e social do homem brasilei-
ro. A extrema vulnerabilidade das condições de vida da maioria da po-
pulação – estivesse ela lotada no mundo agrário, nos bairros rurais ou
nas aldeias e pequenas cidades interioranas, nas periferias das gran-
des cidades ou em seu centro de gravidade –, tornava-a predisposta à
busca de condições mínimas de sobrevivência em outra parte, sempre
que a vida atual se lhe afigurasse insuportável, por qualquer motivo. A
literatura sobre migrações no Brasil nunca se cansou de marcar que ca-
tástrofes naturais, a fome momentânea ou estrutural ou mesmo a desa-
gregação rotineira ou violenta de formas tradicionais de vida não re-
presentaram motivos especiais para a migração das populações ru-
rais26. Quando muito, apressavam ou antecipavam movimentos que
ocorreriam de qualquer modo. A mobilidade geográfica foi, sempre,
característica dessa população vulnerável27, que tentou extrair seu sus-
tento de um ambiente social caracterizado por grande restrição de as-
pirações, projetos e possibilidades reais, malgrado importantes dife-
renças regionais.

A partir de determinado momento no V século brasileiro, o mundo ur-


bano passou a exercer irresistível força gravitacional sobre essa popu-
lação, gerando movimento avassalador de pessoas e famílias na dire-
ção das cidades em espaço muito curto de tempo. Isso também já foi
muito estudado, mas é preciso dar uma ideia dos montantes envolvi-
dos, para a correta compreensão do ponto em tela aqui. Ao longo da
década de 1950, deixaram o campo o equivalente a 24% da população
rural contada no início da década. Isto é, um em cada quatro morado-
res do campo procurou as cidades naquela década. Nos anos 1960, saí-
ram 36% dos rurícolas existentes no início (mais de um em cada três
pessoas), e, ao longo da década seguinte, nada menos que 42% (ou
mais de dois em cada cinco) da população rural contada em 1970 (Mer-
rick, 1986:62)28. Impossível argumentar, contrafactualmente, que os
desgarrados do campo ou das vilas do interior do Brasil não teriam pro-
curado as cidades se nestas o mercado de trabalho não tivesse sido or-
denado e regulado, tornando-se atrativo e alimentando a utopia inte-
gradora dos direitos sociais e trabalhistas. A dificuldade com argu-

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mento dessa natureza está em que os milhões de pobres e miseráveis


que habitaram o campo ao longo dos séculos fizeram-no porque era
este o horizonte da vida de todos. Isto é, não havia alternativa para eles
senão a escolha entre um chefe fazendeiro ou outro e, não havendo es-
paço aí, entre uma situação precária e miserável ou outra em algum lu-
gar do imenso território brasileiro. É razoável imaginar que uma pes-
soa nessa situação teria preferido migrar para as cidades assim que ne-
las vislumbrasse uma saída para sua penúria, do mesmo modo que
centenas de milhares deixaram o Nordeste em direção à Amazônia nos
dois grandes ciclos da borracha, e assim como retornaram à sua região,
também às centenas de milhares, em seguida ao esgotamento dos mes-
mos ciclos ou em resposta à melhoria das condições de vida em suas re-
giões de origem29. A atração pela cidade não diferiria da atração pelo
Eldorado amazônico. A cidade seria, como argumentara Vargas, o lu-
gar de “ilusórias facilidades”.

Mas há fortes evidências em favor da atratividade dos direitos sociais.


Iniciemos pelo lamento de um funcionário do Departamento Nacional
de Imigração, que estudava casos de imigrantes que passaram pelo
Serviço de Encaminhamento de Trabalhadores no Rio de Janeiro, em
1949. A força irresistível da cidade é por ele posta nesses termos: “No
Nordeste, J. B. S., em atividade agrícola como jornaleiro, recebe dez
cruzeiros por dia, de sol a sol, no eito. Do Rio, chega-lhe uma carta do
compadre solteiro, revelando o seguinte: o ajudante de pedreiro [...]
ganha 43 cruzeiros, trabalhando das 7 às 16 horas, com uma hora para
almoço”30.

A carta do parente não tentava seduzir J. S. B. apenas pelo salário bem


mais vantajoso. Mencionava também as horas de trabalho e de descan-
so, aspectos centrais da regulação do mercado de trabalho, e era o con-
junto da informação que parecia configurar, para o burocrata ministe-
rial, o que estou denominando “atratividade dos direitos”.

As promessas de direitos sociais (muito especialmente o salário míni-


mo), além, é claro, de acesso a serviços públicos de educação e saúde,
sempre valorizados pela população pobre, parecem ter atraído, além
das populações desgarradas do campo, muitos daqueles antes subme-
tidos aos padrões tradicionais de dominação – padrões que eram, ao
mesmo tempo, veículos de segurança socioeconômica, ainda que su-
bordinada – que, de outra maneira, talvez tivessem permanecido ali.
Os direitos dos trabalhadores urbanos, nessa interpretação, estabele-

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ceram um parâmetro contra o qual os trabalhadores rurais passaram a


julgar sua condição atual, mudando, com isso, e de maneira profunda,
o patamar da aceitabilidade de sua tradicional penúria e subordina-
ção31.

Na mesma direção, em 1973, em pesquisa junto a moradores de favelas


em Campos do Jordão, Schühly (1981:97) constatou que apenas 18%
dentre 190 entrevistados tinham carteira de identidade. Porém, dos
195 trabalhadores da amostra, 82% possuíam carteira profissional, em-
bora apenas 61% tivessem um emprego registrado. Os pobres favela-
dos preferiam a carteira profissional à de identidade, mesmo que a
posse daquele documento não garantisse acesso ao mercado formal de
trabalho, sendo, para muitos, apenas a insígnia de uma promessa. Do
mesmo modo, dos 134 migrantes que responderam à pergunta sobre as
razões para a migração, 42% mencionaram a busca de “melhores em-
pregos”, sendo que 48% tinham deixado sua cidade ou vila natal por
“falta de empregos”. Quanto da promessa de direitos estará escondido
na busca por “melhores empregos” é difícil aquilatar. Mas parece plau-
sível supor que essa motivação estivesse presente em boa parte dos tra-
balhadores que, em busca de melhores empregos, traziam consigo sua
carteira profissional32.

Evidências esparsas como essa, mas não menos robustas, povoam a


farta literatura sobre migrações do campo para a cidade no Brasil e so-
bre a consolidação do mundo urbano, estando muitas vezes invisíveis
aos próprios pesquisadores. A esse respeito, voltemos ao trabalho de
Lopes (1967:34). Ao analisar as motivações migratórias de operários
fabris de duas pequenas cidades no interior de Minas Gerais, o autor
aponta que “O meio urbano dessas comunidades, os seus maiores re-
cursos, quer educacionais, quer médico-sanitários, ou, ainda, a seguran-
ça do trabalho, exercem perceptível atração sobre os trabalhadores ru-
rais e pequenos sitiantes, cujos meios de subsistência na roça entram
em crise” (ênfase minha).

Um pouco mais adiante, no mesmo parágrafo, Lopes afirma que “um


[trabalhador] declara que veio com sua família ‘para pagar instituto e
dar educação aos filhos’”, enquanto outros mencionam adicionais
“motivos desta ordem”. Ora, “pagar instituto” e outros “motivos desta
ordem”, no caso de operários fabris em 1957, ano da pesquisa de cam-
po realizada por Lopes, queriam dizer a associação do trabalhador a
um dos institutos de previdência oficiais. A atratividade da “cidadania

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regulada” passa virtualmente despercebida pela análise sempre fina


do autor, e é secundada, na mesma fala, pela segunda promessa mais
importante do desenvolvimentismo brasileiro, aquela relativa à edu-
cação dos filhos como meio de ascensão social. Do mesmo modo, e um
pouco mais adiante, Lopes sustenta que os operários valorizam o em-
prego fabril vis-à-vis outras ocupações urbanas, “não só em função do
salário, como também pela maior segurança que oferece (assistência
médica, aposentadoria etc.)” (idem:51). Uma vez mais o “etc.” revela a
pouca importância atribuída na análise à promessa integradora dos di-
reitos do trabalho, como o salário (naquele tempo, em geral, o salário
mínimo) que, tudo indica, tinha centralidade nas motivações dos que
buscaram as cidades ao longo das décadas.

Essas evidências sobre a adesão dos brasileiros à promessa integrado-


ra dos direitos sociais sugerem que, se, por um lado, o processo de in-
clusão dos nacionais no universo desses mesmos direitos foi desigual e
intermitente, por outro, a crença na possibilidade de inclusão na “cida-
dania regulada” parece ter sido universal. Em 1976, os trabalhadores
titulares de direitos, porque ocupantes de empregos registrados em
carteira ou servidores públicos, eram 59% da força de trabalho urbana
no país. Contudo, tudo indica que a maioria dos trabalhadores, empre-
gados ou não, ativos ou não, se havia titulado para o acesso a um em-
prego formal, caso ele aparecesse.

É o que sugere o Gráfico 1, que apresenta as curvas do crescimento da


população economicamente ativa – PEA – urbana (ou trabalhadores de
dez anos ou mais que estavam empregados ou procurando emprego),
do número de carteiras de trabalho emitidas e do número de contribu-
intes para a previdência entre 1940 e 1976. A contribuição para a previ-
dência, na ausência de indicadores mais precisos, funciona aqui como
medida aproximada da proporção de trabalhadores lotados no seg-
mento regulado da economia, aproximação, de resto, bastante acura-
da, pois até pelo menos 1971 o acesso à aposentadoria estava restrito a
trabalhadores com carteira assinada e funcionários públicos33. Os va-
lores no gráfico expressam o acréscimo de novos membros da PEA, ti-
tulares de carteiras e direitos previdenciários em cada período. Os
montantes são portentosos. Em 1940, a PEA urbana era composta por
pouco mais de 5 milhões de pessoas. Até ali, o Ministério do Trabalho
emitira menos de 1 milhão de carteiras de trabalho, e os contribuintes
para a previdência eram pouco menos de 2 milhões de pessoas, ou per-
to de 38% dos ocupados. Logo, o trabalho regulado e protegido pela le-

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gislação social e trabalhista não atingia 40% dos ocupados nas cida-
des34. Entre 1940 e 1950, a PEA urbana seria acrescida de 1,8 milhão de
pessoas, enquanto aos contribuintes para a previdência somaram-se
menos de 1,2 milhão de trabalhadores. Entretanto, o Ministério do Tra-
balho emitiu 2,7 milhões de carteiras de trabalho no mesmo período. Ou
seja, foram emitidas 150% mais carteiras do que o crescimento da PEA,
e 230% mais do que beneficiários da previdência social. Isso parece in-
dicação bastante forte de que os trabalhadores acreditavam na possibili-
dade de sua incorporação pelo mercado formal em consolidação, já
que se habilitaram para isso (isto é, tiraram sua carteira de trabalho)
em proporção muito superior à própria oferta de postos de trabalho
(aqui mensurada pela PEA urbana). Mais do que isso, a titulação foi
muito superior à capacidade de regulação pelo sistema previdenciá-
rio, isto é, à capacidade de incorporação dos novos citadinos pelo mun-
do dos direitos sociais e do trabalho, e isso num ambiente de enormes
restrições burocráticas à titulação. Ao que parece, a crença na promessa
dos direitos deve figurar entre as explicações para a habilitação sem-
pre muito superior à disponibilidade desses mesmos direitos por parte
dos trabalhadores que migravam do campo para a cidade.

Essa dinâmica se aceleraria nas décadas seguintes. Entre 1950 e 1960,


seriam emitidas 36% mais carteiras do que o crescimento da PEA urba-
na, e nada menos do que 377% mais do que o crescimento no número
de contribuintes previdenciários. Entre 1960 e 1970, as carteiras emiti-
das superaram o crescimento da PEA urbana em 213%, e em 271% nos
seis anos posteriores (até 1976). No período considerado aqui
(1940-1976), foram titulados com a carteira de trabalho 2,78 vezes mais
brasileiros do que aqueles efetivamente acolhidos pelo sistema previ-
denciário, e 1,92 vezes mais do que os que figuraram na própria PEA35.
Isso quer dizer que o crescimento de contribuintes à previdência social
correspondeu a apenas 38% do aumento dos que se titularam com a
carteira de trabalho no período. Nesse quadro, aquele primeiro valor
(2,78 vezes) deve ser tomado como a medida mesma da inflação da cren-
ça dos trabalhadores brasileiros na promessa dos direitos, que gerou
uma esperança de inclusão quase três vezes superior às possibilidades
reais do mercado formal de trabalho urbano ao longo de mais de três
décadas. Lendo os mesmos números de outra maneira, pode-se dizer
que a taxa objetiva de desconto das esperanças de proteção social foi de
62%, proporção de titulares de carteiras de trabalho que excedeu à de
contribuintes previdenciários ao longo dos anos, atualizando, assim,

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Gráfico 1
Evolução da PEA Urbana, do Número de Carteiras de Trabalho Expedidas pelo
Ministério do Trabalho e do Número de Contribuintes para a Previdência Social:
Brasil, 1940-1976

Fontes: Anuário Estatístico do Brasil (IBGE, vários anos); e IPEADATA para estimativas daPEA urbana
e dos contribuintes para a previdência social. Os dados foram cotejados com os de IBGE (2003) e po-
dem apresentar pequenas diferenças, que não influem no movimento geral.

os piores temores de Vargas quanto aos riscos que a migração rural/ur-


bana representava para seu projeto civilizatório.

Cabe notar que, se as promessas de proteção sofreram substancial taxa


de desconto pelos fatos, parece incontestável que o emprego registra-
do no Brasil representou, para parcelas crescentes dos trabalhadores
urbanos (e, tudo indica, também para parte dos trabalhadores rura-
is36), um ponto de referência normativo para a estruturação das expec-
tativas individuais e coletivas quanto aos padrões do que se poderia
denominar “mínimos civilizatórios”, aquém dos quais o mercado de
trabalho não poderia operar de forma legítima. Salário mínimo, direito a
férias regulares, descanso semanal remunerado, abono de natal (igual
ou próximo ao salário percebido) etc. tornaram-se parâmetros que pas-
saram a operar, também, em segmentos do mercado assalariado infor-
mal, no âmbito de acordos tácitos entre empregadores informais e as-
salariados sem carteira, que tomavam esses direitos como justos. Mes-
mo que nunca se tenha universalizado, o mercado formal estruturava

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um conjunto de relações sociais e econômicas que ocorriam ao seu lar-


go, pela razão mesma de que os assalariados urbanos esperavam, cedo
ou tarde, integrar-se a ele. E essa expectativa era de fato atendida vez
por outra no curso da vida empregatícia de homens e mulheres, em ra-
zão das sempre muito altas taxas de rotatividade da economia urbana
brasileira, sobretudo nas ocupações menos qualificadas37.

São extraordinárias, a esse propósito, algumas trajetórias ocupaciona-


is de migrantes sumariadas por Lopes em outro estudo fundador
(1971:41): um trabalhador foi operário por um ano e meio, retornou a
seu sítio por 21 dias, foi vendedor em porta de loja por um ano e nova-
mente operário por quatro anos; outro foi lavador em empresa de ôni-
bus por três meses, operário por oito anos, trabalhou em sítio por dois
anos, outra vez operário por dois meses e de novo operário por mais
dois anos; um terceiro foi servente de pedreiro por dois meses, apren-
diz de padeiro por duas semanas, operário por um ano e meio, vende-
dor na base de comissão por tempo não informado, operário por 15
dias e novamente operário por dois anos e meio. Essas trajetórias errá-
ticas são a expressão mais cabal da insegurança socioeconômica de tra-
balhadores urbanos pouco qualificados, sujeitos a dinâmicas de mer-
cado inteiramente fora de seu controle, já que a carência de especializa-
ção de qualquer tipo reduzia seu poder de barganha num mercado hi-
persaturado38. Mas o que importa marcar aqui é que o trânsito regular,
ainda que efêmero, por um emprego formal e protegido terminava ge-
rando expectativas de retribuição equivalente no mercado assalariado
informal, e estas eram por vezes atendidas39. E, ao que tudo indica, os
trabalhadores acreditavam que o mercado formal os acolheria nova-
mente em algum momento de sua vida empregatícia40.

A PROMESSA E A DESIGUALDADE

Apesar da adesão dos trabalhadores à utopia varguista, e de sua luta


por dar faticidade à “cidadania regulada”, as recompensas a ela associ-
adas foram, quase sempre, insuficientes para assegurar a “valorização
integral do homem brasileiro”. Tomemos, apenas como exemplo, a fi-
xação do salário mínimo, propagandeado pelo Estado Novo como um
dos principais instrumentos dessa valorização. Como também já farta-
mente estudado, aquele salário foi definido pelo Decreto-Lei no 399, de
1938, como “a remuneração mínima devida a todo trabalhador adulto,
sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer,
em determinada época e região do país, às suas necessidades normais

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de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte”. Esse texto


seria mais tarde incorporado à CLT e aprimorado pela Constituição de
1946, que incluiria as necessidades do trabalhador e de sua família.

O Decreto-Lei no 2.162, que definiu o primeiro valor do salário mínimo


em maio de 1940 com base em estudos regionais específicos realizados
ao longo de 1938 e 1939, estabeleceu-o em 240 mil réis para o Distrito
Federal (cidade do Rio de Janeiro). Esse foi o maior valor arbitrado no
país. São Paulo foi contemplado com 220,6 mil réis, enquanto em certas
regiões interioranas do Norte e do Nordeste o valor não ultrapassou os
90 mil réis41. Esse último montante equivalia, em 1939, a menos de 70%
do gasto mensal com alimentação de um só membro de uma família de
classe média no Rio de Janeiro42. Isso quer dizer que o salário mínimo
de 240 mil réis dava para alimentar 2,6 membros da mesma família por
mês e nada mais43. O simples aluguel de uma casa para essa família,
por sua vez, requeria 2,6 salários mínimos. É claro que a renda mínima
não se destinava a famílias de classe média, que gastavam apenas com
criados, em 1939, 200 mil réis em média. Mas essa constatação dá a me-
dida do poder de compra da renda arbitrada por Vargas e divulgada
com grande alarde nas comemorações do Primeiro de Maio de 1938. Dá
uma medida, também, da tolerância com a desigualdade social embu-
tida na legislação do salário mínimo: aquela família de classe média ca-
rioca gastou por mês, em média, em 1939, nada menos do que 10 vezes
o mínimo arbitrado em 194044. Se considerarmos que mulheres de clas-
se média raramente trabalhavam, e que, portanto, esse gasto, muito
provavelmente, era assumido pelo chefe da casa, então o ganho mensal
de um profissional de classe média era provavelmente muito superior
a 10 vezes o salário mínimo em 1940 (considerando os gastos correntes
e alguma poupança).

Definido em patamar muito baixo, o valor nominal do salário mínimo


permaneceu, ademais, congelado entre julho de 1940 e maio de 1943, o
que representou perda real de poder de compra de perto de 40%, infla-
ção acumulada no período. Os 25% de reajuste concedidos por Vargas
em maio de 1943 não repuseram as perdas, que foram compensadas em
dezembro do mesmo ano com mais 27% de reajuste, contra inflação
adicional de 12%45. Todavia, embora a legislação comandasse revisão
trienal de seu valor, a partir de janeiro de 1944 e até dezembro de 1951,
portanto já no novo governo Vargas, não haveria novos reajustes, e o
salário mínimo, corroído pela inflação, atingiu seu valor mais baixo em
muitas décadas, equivalente a 40% da cifra do início do período46.

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Ainda assim, para determinados setores da economia urbana, a fixa-


ção do salário mínimo pode ter representado ganhos de renda, obvia-
mente condicionais à sua efetiva adoção pelos empregadores, algo
sempre problemático num Estado que contou, historicamente, com
parcos recursos para fiscalizar a vigência da legislação trabalhista47.
De qualquer modo, há indícios de que, com o passar do tempo, o valor
depreciado do mínimo tornou-se referência, não como remuneração
mínima, mas como teto para grande parte das ocupações assalariadas
urbanas, inclusive na indústria.

Com efeito, em 1939, o salário médio mensal pago a um operário indus-


trial foi de 177 mil réis48. Nas indústrias modernas, o valor foi mais alto:
238,4 mil na metalurgia; 284,4 mil na mecânica; e 300,9 mil na de mate-
rial de transporte, indústrias concentradas no eixo Rio/São Paulo. No
ano seguinte, o salário mínimo foi decretado acima de 177 mil réis jus-
tamente para os estados de São Paulo (220 mil), Distrito Federal (240
mil), além de Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (200 mil) e Bahia e Pa-
raná (180 mil), conforme Montali (s. d.:2). Para uma parte da indústria,
pois, o mínimo excedeu o salário médio efetivamente pago em 1939,
mas não nos setores emergentes e mais dinâmicos49. Estes continuaram
“descolados” da remuneração arbitrada ainda por algum tempo. Mas
o descolamento, contrariamente ao que se deveria esperar em setores
de mão de obra mais especializada e escassa, não se deu na direção de
remunerações mais altas.

Assim, em dezembro de 1943, o salário mínimo foi arbitrado em Cr$


360 no Distrito Federal e em Cr$ 340 em São Paulo (o mil-réis havia dei-
xado de existir em 1942). O salário médio pago na indústria nessas duas
localidades em julho daquele mesmo ano fora de Cr$ 417 e Cr$ 354, res-
pectivamente, logo, superior ao salário mínimo praticado até ali, con-
gelado desde 1940 em Cr$ 240 e Cr$ 220. O novo valor mínimo, pois, se
aproximou do que a indústria efetivamente já praticava em termos mé-
dios, e pode ter forçado um ajuste dos menores salários em direção ao
novo preço arbitrado nessas duas regiões, o que, contudo, é difícil de-
monstrar com as evidências disponíveis50. Ainda assim, é muito pouco
provável que esse ajuste tenha ocorrido nos demais estados da federa-
ção, já que em todos eles os operários recebiam, em média, em dezem-
bro de 1943, menos do que o Estado arbitrara como o salário de subsis-
tência, por sua vez definido em patamar muito abaixo das necessida-
des reais de uma família operária típica51.

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Vargas não daria novos reajustes ao mínimo no Estado Novo, e o go-


verno Dutra simplesmente não aplicou a legislação que obrigava à re-
visão trienal de seu preço (prevista para dezembro de 1946). Com isso,
entre 1944 e 1951, quando a inflação superou os 182%52, configurou-se
o maior arrocho imposto ao salário base até ali e por algumas décadas
posteriores. A consequência foi novo descolamento da remuneração
média dos operários fabris do valor artificialmente arbitrado em pata-
mar muito baixo, como, aliás, era intenção do governo Dutra, que ten-
tava anular o papel do salário mínimo na regulação da economia53. Em
1949, um operário médio recebeu Cr$ 835 por mês, para um salário mí-
nimo congelado em Cr$ 360 no Distrito Federal54. Os trabalhadores in-
dustriais parecem ter conseguido, apesar da enorme repressão e da in-
tervenção em quase todos os sindicatos identificados com Vargas ou
dominados pelos comunistas55, repor ao menos parte das perdas infla-
cionárias do período56. Mas em 1959, depois de nova política de recu-
peração iniciada no segundo governo Vargas e levada adiante por Jus-
celino Kubitschek, o mínimo foi novamente arbitrado em consonância
com o salário médio pago a um trabalhador de produção, que era de
Cr$ 6.000. Uma vez mais, parte substancial dos trabalhadores indus-
triais recebia abaixo do mínimo legal, e uma vez mais os salários gerais
parecem ter convergido apenas parcialmente para aquele patamar,
configurando o já mencionado “efeito farol” desse preço arbitrado
como teto de boa parte das remunerações.

Assim, em 1960, nada menos do que 56% dos trabalhadores urbanos


ganhavam até um salário mínimo57. Desagregando esse valor pelos ra-
mos industriais, descobre-se que 83% dos empregados na indústria de
transformação, 91% dos operários da construção civil e 95% daqueles
lotados em indústrias extrativas encontravam-se nessa faixa de renda,
ou seja, igual ou inferior ao mínimo58. Em 1966, quando o salário míni-
mo valia 36% menos do que em 1959, a remuneração na indústria se ha-
via descolado novamente, mas apenas em parte: 46% dos operários
paulistas que tinham carteira assinada, 49% dos cariocas, 70,5% dos
pernambucanos, 70% dos mineiros (para média de 53% dos brasilei-
ros) recebiam até um salário mínimo. Considerando até dois mínimos,
tínhamos 78% dos trabalhadores formais urbanos59. Como afirmou
Oliveira (1981), em análise clássica, “o leque da remuneração dos tra-
balhadores urbanos não é um leque, mas um pobre galho com apenas
dois ramos”, os que ganham até um salário mínimo e os poucos que ga-
nham mais do que isso (ibidem). E o autor acrescentaria:

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A fixação dos demais salários, acima do mínimo, se faz sempre toman-


do a este como ponto de referência e nunca tomando a produtividade
de cada ramo industrial ou de cada setor como parâmetro que, contra-
posto à escassez específica, servisse para determinar o preço da força
de trabalho. A institucionalização do salário mínimo faz concreta, ao
nível de cada empresa, a mediação global que o mesmo desempenha ao
nível da economia como um todo: nenhuma empresa necessita deter-
minar o preço de oferta da força de trabalho específica do seu ramo,
pois tal preço é determinado para o conjunto do sistema (p. 54).

A arbitragem do salário mínimo em patamares quase sempre muito


baixos teve impactos na distribuição de renda no país, ao aprofundar,
no tempo, as distâncias sociais entre os muito ricos e os muito pobres.
Em 1960, os 10% mais ricos se apropriavam de 39,6% da renda nacio-
nal. Em 1970, 46,7%; e 51% em 198060. Esse resultado dificilmente pode
ser atribuído unicamente ao salário mínimo, mas já não há controvér-
sia sobre o fato de que – sobretudo durante os governos militares,
quando aquele preço arbitrado foi novamente depreciado, num mo-
mento em que o Estado voltou a controlar os sindicatos e a definir políti-
cas oficiais de reajuste salarial – o “efeito farol” do mínimo vigorou com
toda força, no sentido de comprimir os salários dos segmentos mais di-
nâmicos, ou, ao menos, de impedir que eles fossem definidos pelo que
Oliveira denominou “escassez específica” de força de trabalho.

PALAVRA FINAL

É fato que o salário mínimo foi, quase sempre, simples promessa de


renda de subsistência. Em boa parte de sua história, esteve abaixo des-
se nível, e a maioria dos trabalhadores era, por sua vez, remunerada
abaixo do valor arbitrado pelo Estado. Mas isso não anulou seu aspec-
to civilizatório, na medida em que aos trabalhadores foi sinalizado que
uma renda digna era direito seu, e, portanto, era o caso de se lutar por
ela, mesmo que, por injunções políticas ou econômicas, o Estado se
abstivesse de manter o poder de compra do salário que unilateralmen-
te determinava. Isso vale para esse preço arbitrado, os serviços de saú-
de e educação, o valor das aposentadorias e tudo o mais que a obra de
“valorização do homem brasileiro” tornara um direito, legitimando,
com isso, a luta por dar-lhe faticidade.

Mesmo que, para boa parte dos brasileiros, o mundo dos direitos cons-
truído ao longo da Era Vargas tenha permanecido uma promessa – pois

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até pelo menos o final da década de 1960 nunca menos de 50% dos tra-
balhadores urbanos tinham vínculos empregatícios extrínsecos à le-
gislação trabalhista –, o que importa para a discussão em tela é a ideia
de que aquele mundo passou a fazer parte inarredável do horizonte de
expectativas das populações que viviam do trabalho como a insígnia
mesma da “boa vida”, medida contra um parâmetro de grande e multi-
dimensional vulnerabilidade e insegurança socioeconômica: a vida no
campo. Para boa parte das massas rurais e urbanas, cuja vida cotidiana
e cujos processos de diferenciação eram espontâneos, miúdos, instá-
veis, em grande medida invisíveis ao Estado ou ao capital, o mundo
dos direitos sociais e do trabalho, ou a “cidadania regulada”, ofereceu
um referencial poderoso para a construção de suas identidades indivi-
duais e coletivas. Agora, o horizonte das aspirações já não estava de-
marcado pela penúria de todos, e sim pelo sonho da autopromoção
pessoal pela via do trabalho protegido pelo Estado.

Dizendo de outro modo, durante a maior parte da história recente do


Brasil, o sentimento de privação relativa, de tão importantes conse-
quências para a dinâmica social em sociedades desiguais em processo
de acelerada mudança61, não encontrou terreno fértil, porque os estilos
de vida de dominantes e dominados eram incomensuráveis, e aos do-
minados parecia impensável aspirar à posição dos poderosos, simples-
mente porque ela estava longe demais. A “cidadania regulada”, ao
contrário, estava ao alcance de todos, desde que cada qual se habilitas-
se a ela. Isso estabeleceu uma distinção irresistível entre brasileiros do
campo e da cidade, tornando a cidade um destino também irresistível,
porque lugar de atualização da “crença utópica” (Touraine, 1961) na
inclusão pelos direitos sociais. Essa foi uma das razões do fracasso do
projeto varguista, e aqui é preciso insistir. Não importa se esse projeto
era “para valer” ou se parte da elite dirigente entorno a Vargas via nele
apenas um meio de controle das massas ou de sustentação de seu pró-
prio projeto de poder62. É provável que motivações dessa natureza ani-
massem muita gente. No entanto, do ponto de vista que interessa ao ar-
gumento aqui defendido, o que importa é que, uma vez instituída, a le-
gislação social tornou-se objeto real de aspiração das massas despos-
suídas de recursos e direitos, simplesmente porque foi apresentada
como, justamente, um conjunto de direitos, e não como privilégios. A li-
teratura mais recente sobre o tema tem parcialmente razão em susten-
tar que, a muitos trabalhadores, aqueles que conseguiram se titular
para ascender ao mundo da “cidadania regulada” pareciam privilegia-

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dos63. Mas como essa posição estava acessível, idealmente, a qualquer


um que conseguisse sua carteira de trabalho, o privilégio se transfor-
mava, imediatamente, em aspiração legítima, e o acesso àquela posi-
ção, em uma conquista, agora em ambiente regido pelo direito, não pelo
privilégio. E isso apesar da via crucis que podia se tornar o trâmite pela
burocracia estatal para a obtenção dos documentos de acesso aos direi-
tos. É toda uma nova concepção de Estado que está em jogo aqui. Até
Vargas, a questão social era inconstitucional, e o rosto do Estado para
os nacionais era a polícia. É claro que French (2004) tem razão ao afir-
mar que Vargas foi tão ou mais violento em relação ao trabalho organi-
zado do que Washington Luis ou Arthur Bernardes. A questão social,
sempre que emergiu por fora da “cidadania regulada” (por exemplo,
na forma do proselitismo comunista ou socialista, ou da luta por um
sindicalismo autônomo), foi combatida de forma sangrenta depois de
193564. Mas ao apresentar-se diante dos nacionais como um projeto,
como uma ordem jurídica carente ainda de faticidade, o Estado var-
guista afirmou-se como o Estado de sua nação, e não como uma institui-
ção a serviço dos poderosos. Vargas (e aqui eu o tomo como personifi-
cação de um projeto de construção estatal) enunciou, diante de uma
nação até ali em grande medida alheia a seu Estado, que havia um pro-
jeto em curso de construção nacional e que nele havia lugar para os tra-
balhadores. Ademais, e ao menos no discurso apologético da ordem,
um lugar de destaque. Isso representou novidade completa na história
brasileira até ali, uma história em que o Estado fora construído contra o
inimigo interno representado pelo povo miserável, mestiço, perigoso.
Verdade ou não, ideologia ou não, o fato é que isso fez da faticidade da
ordem em construção um interesse daqueles a quem a ordem dizia que-
rer incluir, e, a partir de então, lutar pela vigência dos direitos sociais
tornou-se aspecto central do processo pelo qual o Estado ganhou efeti-
vidade no Brasil. Com Vargas, os trabalhadores ganharam um centro
de identificação de caráter geral e, muito importante, no interior e nos
limites da ordem capitalista que o Estado varguista também tentava
transformar. A partir de então, qualquer projeto de superação da penú-
ria a que os trabalhadores continuaram submetidos pelas décadas se-
guintes ao primeiro período Vargas precisou competir com essa sólida
aspiração dos trabalhadores por inclusão na chave dos direitos so-
ciais65. A consciência de classe dos trabalhadores brasileiros foi, por
muito tempo, a consciência do direito a seus direitos, cuja efetividade es-
teve sempre em processo e, nesse sentido, foi, sempre e renovadamen-
te, utópica.

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Aspecto também pouco atentado pela literatura corrente sobre o tema


tem a ver com o fato de que Vargas iniciou o processo (certamente ain-
da inconcluso) de civilização do capital, ao impor-lhe trabalhadores
não como corpos dos quais os capitalistas se desfaziam com a sem-ceri-
mônia dos senhores de escravos, mas como pessoas em relação às
quais tinham obrigações definidas em lei. O Estado varguista impôs à
elite, em grande medida indiferente, massas trabalhadoras dotadas de
humanidade, e, portanto, dignas de ser reconhecidas em sua indivi-
dualidade, autonomia e liberdade. Mesmo que o empresariado brasi-
leiro tenha resistido profundamente a dar efetividade à regulação do
mundo do trabalho, perdeu para sempre a prerrogativa da indiferença.
Depois de 1945, esta seria substituída pela desconfiança, pelo medo e
pelo preconceito de classe, mas a indiferença substantiva em relação ao
destino das massas, fruto de seu não reconhecimento como “outro”
digno de um “eu” autorreferente, já não tinha espaço na sociabilidade
em mutação.

Tudo isso se deu, repita-se, à custa da restrição das aspirações e dos


projetos de parte importante dos trabalhadores. O trabalho organiza-
do teve, em Vargas, a afirmação de seu direito à construção de identi-
dade, mas se, e somente se, essa construção ocorresse no âmbito da “ci-
dadania regulada”. Vargas enquadrou, pela violência física e simbóli-
ca, o horizonte de expectativas e a vida cotidiana dos trabalhadores, li-
mitando-os às fronteiras mesquinhas da sociabilidade capitalista, ao
prometer acesso ao mundo do consumo e aos bens da civilização libe-
ral, muito especialmente os direitos sociais que o liberalismo renovado
do século XX incorporou em sua matriz regulatória. Os símbolos da
identidade operária passaram a ser o “operário padrão”, o “pai dos po-
bres” e a CLT. Porém, apesar de mesquinhas, aquelas fronteiras deram
significado real à vida da maioria, e razões para lutar por sua efetivida-
de. Até pelo menos a década de 1980, nenhuma força política articula-
da posteriormente à morte de Vargas foi capaz de opor projetos alter-
nativos viáveis de construção identitária para as populações que vi-
vem do trabalho66.

O projeto varguista de inclusão pelo direito social revelou-se, por fim,


poderoso instrumento de reprodução das desigualdades sociais no
Brasil. A imensa onda migratória, montante a partir dos anos 1940, ge-
rou longeva inércia social no processo de inclusão dos migrantes no
mundo do trabalho, restringindo de maneira importante, como foi
dito, a efetividade da promessa varguista. Mas o efeito demonstração

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das não poucas trajetórias individuais ascendentes mostrou aos brasi-


leiros que, embora difíceis de se alcançar, as promessas da integração
ao mundo dos direitos e de acesso às benesses civilizatórias à brasileira
eram não apenas críveis, mas possíveis a quem fizesse por isso. Isso
gerou um processo retroalimentado de legitimação da ordem desigual,
de grande alcance para a sustentação de sua estrutura mais geral, mal-
grado os enormes custos sociais e pessoais da permanência da desi-
gualdade.

(Recebido para publicação em fevereiro de 2010)


(Reapresentado em julho de 2010)
(Versão definitiva em novembro de 2010)

NOTAS

1. O índice de Gini é a medida mais comumente usada para expressar a apropriação da


renda por uma população específica. Varia de 0 a 1, e um índice 0 quer dizer que cada
pessoa na população se apropria da mesma renda que cada outra pessoa. Um índice 1
significa que uma única pessoa se apropria de toda a renda disponível. Logo, quanto
mais próximo de 1, mais concentrada é a distribuição total da renda numa dada po-
pulação. Já foi demonstrado que, em países com alta concentração de renda, o Gini
não é a melhor medida, por não ser sensível aos extremos da distribuição. Além dis-
so, o índice é medida bastante restrita da desigualdade, já que esta se expressa em
múltiplas dimensões além da renda. O objetivo aqui é apenas mostrar que esta sem-
pre foi muito concentrada em nosso país, e que o padrão de concentração é persistente
no tempo.
2. Os índices de 1872 e 1920 foram estimados por Bértola et alii. (2009) em estudo ainda
preliminar, de modo que os valores devem ser tomados com cautela. Os de 1976 e
2006 estão disponíveis em http://www.ipeadata.gov.br e são fidedignos (acessado
em setembro de 2009).
3. Nesta análise, utilizo a versão do texto publicada em Lopes (1971:22-95). As citações
trarão apenas o número da página.
4. As páginas se referem à edição original, Touraine (1961).
5. Muito especialmente, Martins Rodrigues (1966 e 1970).
6. Ver também Paoli et alli. (1983), além de Gomes (1988).
7. Em Populações Meridionais do Brasil, Oliveira Vianna vê na luta de classes um podero-
so agente de solidariedade social, muito “eficiente na organização dos povos ociden-
tais” (p. 157). Fazendo eco a Marx, afirma que “Toda a evolução grega, toda a evolu-
ção romana, toda a evolução medieval, toda a evolução moderna se fazem sob a in-

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fluência fecunda da luta de classes. Em nossa história, tais conflitos são raríssimos
[...]. Duram tempo brevíssimo. Desdobram-se em áreas restritíssimas”, não sendo,
portanto, promotores da solidariedade, trazendo, ao contrário, efeitos negativos “à
evolução política e social da nacionalidade” (pp. 157-158).

8. Numa amostra de que isso talvez fosse mesmo possível, em 1943 o Japão invadiu a
Malásia, para onde as sementes da seringueira amazônica haviam sido pirateadas no
final do século XIX, o que liquidara o monopólio brasileiro na produção do látex. A
invasão japonesa provocou súbita carência da matéria prima, e os seringais da Ama-
zônia, praticamente desativados desde inícios do século XX, voltaram à ativa pelas
mãos dos “soldados da borracha”, migrantes, nordestinos em sua maioria, que aten-
deram ao chamado do Estado para a produção de borracha nas florestas do Acre e do
Amazonas, como parte do esforço de guerra do Brasil. Ver Silva (1982).
9. Em 1939, portanto dois anos antes desse discurso, duas culturas, café e algodão, ti-
nham respondido por nada menos que 60% do valor global das exportações do país
(IBGE, 1941:90). Além de medida importante da fragilidade do comércio exterior,
essa cifra revela a enorme dependência da nação em relação a um punhado de gran-
des produtores de café e algodão, bem como a dificuldade de Vargas confrontar dire-
tamente seus interesses. Vale lembrar que, em seu discurso de posse na chefia do go-
verno provisório, em 3 de novembro de 1930, ele enumeraria entre as tarefas do go-
verno revolucionário “promover, sem violência, a extinção progressiva do latifún-
dio e, assim, proteger a organização da pequena propriedade” e estimular o traba-
lhador a “construir com as próprias mãos, em terra própria, o edifício de sua prospe-
ridade” (1938, vol. 1:73). Em 1941, essa tarefa era ainda uma promessa e assim perma-
neceria pelas décadas seguintes.
10. Calculado a partir de IBGE (1941:120), com dados para a receita per capita, deflacio-
nada pelo valor da libra esterlina em mil réis (apresentado na mesma publicação, p.
64, tabela 2).
11. Como mostraram Tavares de Almeida (1978) e Gomes (1979).
12. Eram 273 mil operários em São Paulo, segundo Dean (1971:127), numa população
economicamente ativa estimada em 55% dos 1,3 milhão de habitantes.
13. Os números são aproximados, porque os dados publicados dos censos incluíram ina-
tivos e atividades mal definidas numa mesma categoria. Ver IBGE (2003) para os da-
dos de população.
14. É sabido que boa parte da obra legislativa de Vargas estivera antes nas reivindicações
do movimento operário anterior a 1930, como demonstrou pioneiramente Moraes
Filho (1952), pondo por terra o mito da dádiva ou outorga dos direitos trabalhistas
por Vargas. Isso levou Gomes (1988) a sugerir que a fala operária teria sido apropria-
da por Vargas e transformada em mecanismo de controle sobre os próprios operári-
os. Mais adiante veremos que, conquanto relevante, a discussão sobre o mito da dá-
diva é lateral ao argumento central deste artigo.
15. Alguns trabalhos de referência obrigatória são Simão (1966), Dean (1971), Werneck
Vianna (1999), Tavares de Almeida (1978), Santos (1979), Erickson (1979), Gomes
(1979 e 1988), French (2004) e Fischer (2008). A divergência de conteúdo, quando
ocorre, refere-se, em geral, aos institutos que este ou aquele autor inclui (ou deixa de
lado) na configuração legal de proteção social varguista.

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16. O conceito, pois, difere da noção de subcidadania, que recobre o que Souza (2000) de-
nomina ralé permanentemente excluída por nosso processo de “modernização seleti-
va”. O argumento aqui defendido é oposto pelo vértice a essa ideia simplificadora.
17. Mostrar isso em detalhes para o caso dos pobres do Rio de Janeiro é uma das grandes
contribuições de Brodwyn Fischer (2008) à compreensão da construção da sociedade
do trabalho no Brasil, ainda que sua pesquisa tenha foco exclusivo nesse estado. A
frágil faticidade do direito do trabalho é sistematicamente investigada também por
French (2004), embora, como veremos mais adiante, eu considere incompleta sua
compreensão daquela faticidade.
18. As populações do século XIX e inícios do XX tinham razões de sobra para desconfiar
das tentativas de ingerência do Estado em suas vidas cotidianas. Revoltas como as da
Cumbuca, contra a lei do sorteio militar obrigatório, de 1874, ou a da Vacina, no Rio
de Janeiro, em 1904, tiveram como motivo principal a percepção de que o Estado es-
tava indo longe demais em sua tentativa de ordenar a vida dos mais pobres. Essa
ideia explica a resistência, também, ao recenseamento e à cobrança de impostos nas
comunidades rurais, e às políticas de saneamento sanitário nas cidades. Para o recen-
seamento e os impostos, ver Queiroz (1965:216). Analiso as medidas sanitárias em
Cardoso (2010).
19. Em Rios e Mattos (2005) encontramos vários depoimentos de descendentes de ex-es-
cravos que tampouco tinham registro formal de nascimento. A carência era comum
também em comunidades quilombolas (Gomes, 2006) e em comunidades de migran-
tes nordestinos nas cidades do sudeste (Perlman, 1977; Durham, 1973).
20. Boletim do SOS citado por Fischer (2008:129).
21. Alexandre Marcondes Filho, Ministro do Trabalho nos últimos anos do Estado Novo,
foi um dos grandes responsáveis pela consolidação do mito da dádiva dos direitos
por Vargas, com sua fala radiofônica semanal de dez minutos, na Hora do Brasil. As
mais de duzentas palestras proferidas entre 1942 e 1945 foram analisadas por Gomes
(1988:229-256).
22. Ver ainda Weinstein (1996) e Dávilla (2003).
23. Como já se disse (ver nota 14), o mito da outorga (ou da dádiva) dos direitos traba-
lhistas foi desconstruído pela primeira vez por Moraes Filho (1952). Martins Rodri-
gues (1974) é expoente da corrente que sustenta a ideia de que os trabalhadores não
teriam conquistado, na luta sindical e política, o que Vargas instituiu em lei, sobretu-
do tendo em vista sua sistematicidade e amplitude. Weffort (1978) está entre os mui-
tos que não concordam com essa ideia. Gomes (1988), seguindo Moraes Filho, sugere
que a fala operária foi expropriada por Vargas, que emergiu como autor dadivoso de
demandas históricas do movimento operário. Mais recentemente, Ferreira (1997) e
equipe vêm tentando resgatar a ideia de que Vargas de fato inovou na concessão dos
direitos sociais. French (2004) pretende ter colocado uma pá de cal na controvérsia.
Embora relevante, a discussão sobre a dádiva é lateral ao argumento central deste
artigo.
24. Ver, sobre isso, Supiot (1994).
25. Ver Rosenvallon (1981), Titmuss (1963) e Castel (1998).
26. Ver, de perspectivas bastante diferentes, mas com o mesmo resultado, Durham
(1973), Perlman (1977), Sales (1977), Coutinho (1980), Alvim (1997), Linhares e Teixe-
ira (1998) e Fontes (2008). Uma resenha, ainda que limitada, é Hasenbalg (1991). Para

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os mecanismos de herança como fonte regular de expulsão dos filhos de pequenos


proprietários de terra, ver Willems (1961) e Moura (1978).
27. “Numa cultura de mínimos vitais, qualquer variação nas condições de trabalho, ex-
pressa em diferenças climáticas ou de solo, ou mesmo em variantes de benevolência
ou severidade do patrão, representa frequentemente a diferença fundamental entre a
sobrevivência e a fome. É esse fator que torna a mobilidade uma característica tão ge-
neralizada da vida rural brasileira” (Durham, 1973:120). Nos séculos XVI e XVII, o
nomadismo das populações rurais foi fortemente combatido na Europa, como mos-
trou Castel (1998). E a destruição dos laços que prendiam esses trabalhadores à terra
no século XVIII e sua migração em massa para as cidades está na origem do capitalis-
mo ocidental, como mostrou Marx em sua memorável análise do que ele denominou
“acumulação primitiva”. Ver ainda Thompson (1987).
28. Entre 1920 e 1960, Minas Gerais foi o estado com maior emigração interna líquida (1,8
milhão de pessoas deixaram o estado em quarenta anos), seguido da Bahia, com qua-
se 900 mil, e de Alagoas, com perto de 450 mil. Ver Villela e Suzigan (2001[1973]:284).
Esse montante correspondeu ao total de imigrantes estrangeiros entrados no Brasil
entre 1871 e 1920. Ver Maram (1977:178). Considerando o Brasil como um todo, 5,5
milhões de pessoas emigraram de seus estados de origem para outras regiões nesses
quarenta anos, sendo que São Paulo recebeu 1.5 milhão dos migrantes, o Rio, 1 mi-
lhão e o Paraná, quase 1,4 milhão (Villela e Suzigan, ibid.).
29. Para as migrações em massa no Brasil durante os ciclos da borracha, ver Silva (1982),
Costa Sobrinho (1992) e Martinello (2004).
30. Apud Fontes (2008:51).
31. Garcia e Palmeira (2001:61) certamente tinham casos como esse em mente ao escrever
que, “[a]s grandes cidades industriais passaram [...] a significar o universo onde ha-
via direitos, diante do qual o mundo rural só podia aparecer como ‘universo de priva-
ção’ e reino do arbitrário, mundo da sujeição e do cativeiro”.
32. Ver ainda Lopes (1976).
33. Neste ano é criado o Prorural, programa de aposentadoria para os trabalhadores ru-
rais. Em 1972, as empregadas domésticas são incluídas no sistema; e, em 1973, os tra-
balhadores autônomos. Ver Santos (1979:35-36).
34. Isso representava meros 12% da população ocupada global, já que 70% dela ocupa-
vam-se no campo.
35. Parte importante da explicação da titulação tão superior à própria PEA terá a ver com
a habilitação das mulheres a um emprego formal, não necessariamente efetivada ao
longo de seu ciclo de vida.
36. Rios e Mattos (2005:55-57 e 248) sugerem que Vargas, ao combater o coronelismo no
campo, sobretudo depois de 1937, teria gerado expectativas de direitos contratuais
também entre a população de trabalhadores rurais. Não por acaso, na memória de
muitos descendentes de escravos, a periodização de sua cidadania tem dois momen-
tos fundadores: a Lei Áurea e a legislação trabalhista varguista.
37. A rotatividade no Brasil é longamente estudada em Cardoso (1999 e 2000). Ver tam-
bém Barros e Mendonça (1996).
38. O caráter errático das trajetórias de trabalhadores não especializados, maioria da
força de trabalho migrante, não ficou na história. Como mostram Cardoso (2000),

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Guimarães (2004), Cardoso et alii. (2006) e Guimarães (2009), a instabilidade do vín-


culo empregatício marca a dinâmica do mercado de trabalho ainda hoje.
39. A literatura sobre o “efeito farol” do salário mínimo e outros direitos trabalhistas é
abundante no Brasil. Para uma boa resenha, ver Ulyssea (2005). Lopes (1976) e Siga-
ud (1979) são estudos clássicos sobre a importância dos direitos na estruturação das
identidades sociais dos trabalhadores da cana e dos engenhos de açúcar em Pernam-
buco.
40. Ver, uma vez mais, Fontes (2008).
41. Ver estudo de Montali (s. d.), disponível em http://www.dieese.org.br/cedoc/
007171.pdf, e Lowenstein (1942). Montali sustenta que a fixação do mínimo não le-
vou em conta os gastos reais das famílias, como previa a lei de 1938, mas apenas a mé-
dia dos rendimentos inferiores a 420 mil réis.
42. Dados em IBGE (1941:94).
43. A inflação medida pelo IPC-Fipe entre janeiro e junho de 1940 para a cidade de São
Paulo foi de 7,2%, segundo série disponível em http://www.ipeadata.gov.br. Como
o salário mínimo passou a viger em julho de 1940, o custo de vida para essa mesma fa-
mília havia se alterado em comparação a 1939, mas não a ponto de mudar qualitativa-
mente os montantes.
44. Dados em IBGE (1941:94). O gasto total médio de uma família como essa na capital fe-
deral foi de 2,4 contos de réis em 1939.
45. Ou seja, a inflação global de 1940 a 1944 foi de pouco menos de 57%, e o reajuste do sa-
lário mínimo, de pouco menos de 59%.
46. Os cálculos foram todos feitos com base nos valores reais do salário mínimo encon-
tráveis em http://www.ipeadata.gov.br. Em janeiro de 1944, o salário mínimo valia
o equivalente a R$ 336,8 (em reais de julho de 2007). Em dezembro de 1951, R$ 136,4,
ou quase 60% menos.
47. Como mostrou, à farta, John French (2004). Erickson (1979:104-105) sustenta que, en-
tre 1934 e 1941, o Ministério do Trabalho, responsável pela inspeção da legislação tra-
balhista e por toda a regulação das relações de trabalho, gastou apenas 0,9% do orça-
mento federal, em média. Esse valor pode estar subestimado, já que, segundo dados
de IBGE (1987:574-576), a cifra foi de quase 4% em 1939, ainda assim um valor muito
baixo. Nesse ano, havia no Brasil 1,8 milhão de contribuintes para alguma caixa de
previdência. Esse deve ser tomado como o tamanho aproximado do setor formal da
economia, regulado pelo Estado. Os 160 mil contos de réis gastos pelo Ministério do
Trabalho corresponderam a 8,9 mil réis por pessoa formalmente ocupada naquele
ano, preço aproximado de uma lata de azeite, ou dois quilos de banha em 1937 (IBGE,
1941:93). Os dados sobre contribuintes à previdência são da mesma fonte do Grá-
fico 1.
48. Calculado com base em IBGE (1987:347-348, tabelas 7.10 e 7.12). A remuneração total
paga a operários de produção no ano foi dividida pelo pessoal ocupado e dividida
por 12.
49. O salário médio no comércio foi de 420,7 mil réis no Distrito Federal e de 341 mil réis
em São Paulo. Cf. Tavares de Almeida (1978:244).
50. Os dados com salários médios na indústria por estado podem ser encontrados em
IBGE (Anuário Estatístico do Brasil 1941-1945:326). Ver também Tavares de Almeida

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(1978:247), que, contudo, oferece cifras discordantes com as do IBGE (fico com o va-
lor oficial). A mesma autora (que polemiza com Francisco de Oliveira (1981[1972])
acerca do efeito do salário mínimo sobre as remunerações industriais, sustentando
que houve ganhos para os trabalhadores de menor remuneração, enquanto Oliveira
sustenta a ideia de que o mínimo puxou para baixo os maiores salários) adverte que
os salários médios na indústria, captados pelo IAPI, estavam superestimados. Logo,
eram ainda mais baixos do que as figuras aqui transcritas. Werneck Vianna (1999)
toma partido de Francisco de Oliveira.
51. A penúria do trabalhador industrial no Distrito Federal no período foi captada, den-
tre outros, por Fischer (2008).
52. Cf. dados de inflação em http://www.ipeadata.org.br.
53. Conforme argumentaram Werneck Vianna (1999) e Skidmore (2003).
54. Cálculo do salário médio efetuado segundo a mesma metodologia exposta na nota .
No Anuário Estatístico do Brasil de 1950, do IBGE, o salário médio pago em julho de
1949 teria sido de Cr$926, calculado com base em informação dos contribuintes do
Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários – IAPI (cf. p. 328). Essa fon-
te, porém, superestima o valor real pago a operários de produção, por incluir tam-
bém pessoal administrativo. IBGE (1987) permite separar os operários dos demais
ocupados.
55. Ver Gomes (1988).
56. Para a reposição total da inflação, o salário médio no Distrito Federal deveria ser de
Cr$ 1.150,00.
57. Segundo dados do censo demográfico, tabulados para este trabalho.
58. Idem. No serviço público, 65% dos ocupados ganhavam até um salário, 69% no co-
mércio.
59. Dados em Souza (1971:123).
60. Ver IBGE (1987:75). Trata-se da renda do trabalho, tal como declarada pelas pessoas
nos censos demográficos. Subestima, portanto, a distribuição real da riqueza, que é
certamente mais concentrada do que isso. Um experimento comparando a renda de-
clarada na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) com aquela medi-
da pela Pesquisa de Padrão de Vida (PPV) constatou que a renda do trabalho declara-
da subestima a renda efetivamente recebida em perto de 40%. Ver Barros et alii.
(2007).
61. Como longamente explorado em Santos (2006).
62. A má-fé de parte da elite dirigente sob Vargas, incluindo o próprio, foi sustentada
por French (2004) e Levine (1998).
63. Como o fazem Levine (1998), French (2004), Fischer (2008) e, em menor medida, We-
instein (1996).
64. Como afirmou Werneck Vianna (1999), o Estado Novo, para os trabalhadores, come-
çou depois do fracassado levante da Aliança Nacional Libertadora em 1935.
65. A esse propósito, ver Paoli (1988), Weinstein (1996), Negro (2004) e Santana (2001).
66. Apenas nos anos 1980 aqueles símbolos foram eficazmente circunscritos por um re-
novado movimento operário como herança a ser superada. Lula, como líder sindical,
dizia que “a CLT é o AI-5 do trabalhador”, referindo-se ao controle dos sindicatos e
da negociação coletiva pelo Estado, não à legislação de proteção do trabalhador indi-

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vidual. Mas o projeto do “Novo Sindicalismo” de superação do legado varguista se-


ria atropelado pelo neoliberalismo dos anos 1990, e os trabalhadores brasileiros vi-
ram-se na situação de precisar defender a CLT e os direitos que o Estado passou a
querer extinguir ou flexibilizar. Analisei esses processos em Cardoso (2003).

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ABSTRACT
A Brazilian Utopia: Getúlio Vargas and Welfare State Building in a
Structurally Unequal Society

This article joins the persistent (and still current) effort to decipher the riddle of
Brazil’s equally persistent inequality. Resuming the interpretation of modern
Brazil proposed by Juarez Brandão Lopes in the 1960s, the article proposes to
revisit the “Vargas Era” and its historical meaning and scope, in light of the
reproduction of inequalities over time. The author contends that “regulated
citizenship” generated the expectation of social protection among Brazilian
workers, feeding the promise of citizens’ integration, which was not fulfilled,
while performing the task of finally (but not definitively) incorporating
workers as artifices in the Brazilian state-building process.

Key words: Vargas Era; social inequalities; regulated citizenship; migrations;


state-building

RÉSUMÉ
Une Utopie Brésilienne: Vargas et la Construction de l’État Providence
dans une Société Structurellement Inégale

Cet article s’ajoute à l’effort persistant et toujours actuel de déchiffrer l’énigme


des inégalités persistantes, elles aussi, du Brésil. En reprenant l’interprétation
du Brésil moderne proposée par Juarez Brandão Lopes dans les années 1960,
on propose une révision de “l’Ère Vargas”, de ses signification et portée
historique, compte-tenu de la reproduction des inégalités au long du temps.
On affirme que la “citoyenneté réglée” a fait naître chez les travailleurs une
attente de protection sociale, nourrissant une promesse d’intégration citoyenne
qui, même si elle ne s’est pas réalisée, a eu finalement pour tâche d’intégrer
mais pas durablement, les travailleurs en tant qu’artisans du processus
brésilien de construction de l’État.

Mots-clé: Ère Vargas; inégalités sociales; citoyenneté réglée; migrations;


construction de l’État

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