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História e Educação
na Amazônia
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História e Educação
na Amazônia
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Ficha Catalográfica elaborada por Suely O. Moraes - CRB 11/365

H673 História e Educação na Amazônia. / Organização de Mar-


cos André Ferreira Estácio e Lucia Regina de Azevedo
Nicida. – Manaus: EDUA; UEA Edições, 2016.
530 p.: il.; 23 cm

ISBN 978-85-7401-834-8

1. História - Amazônia. 2. Educação - Amazônia. I. Es-


tácio, Marcos André Ferreira. II. Nicida, Lucia Regina de
Azevedo.

CDU 930.85:37(811.3)

Editora da Universidade Federal do Amazonas


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Campus Univ. Sen. Arthur Vírgilio Filho, Bloco L, Setor Sul - CEP 69070-000
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PREFÁCIO
O presente livro se apresenta como um amplo painel da educação na
Amazônia, construído em perspectiva histórica por um conjunto de trinta
e sete estudiosos da questão educacional. Na organização da obra, os vinte
e sete estudos produzidos foram distribuídos em cinco partes, contando, as
quatro primeiras partes, com cinco estudos cada uma, e localizando-se os
sete estudos finais na quinta e última parte.
A obra se inicia, apropriadamente, com o tema das relações étnico
-raciais e a educação na Amazônia. Digo apropriadamente porque a carac-
terística diferencial da região amazônica é, sem dúvida, a presença de uma
multiplicidade de povos indígenas em seu amplo território, caracterizado
pela mais rica biodiversidade do planeta.
Na sequência, a segunda parte agrupa os cinco estudos voltados para
a temática da história das instituições escolares, seguindo-se a terceira par-
te com cinco estudos sobre a Escola Nova na Amazônia, e a quarta parte,
que reúne, também ela, cinco estudos sobre a forma como se deu, na região
amazônica, a importante iniciativa do período republicano de transformar
as escolas isoladas em escolas reunidas e grupos escolares. Finalmente, a
quinta parte reúne sete estudos sobre o tema da formação de professores e
a política educacional na Amazônia.
No livro, adotou-se a sistemática de começar a abordagem de cada
um dos temas por um texto introdutório de caráter histórico-teórico. É
assim que o primeiro tema, relativo à educação dos povos indígenas, co-
meça com uma análise da educação e emancipação da escola indígena à
luz dos fundamentos filosóficos da pedagogia histórico-crítica. Após essa
introdução, são contemplados, na análise, o caso dos índios munduruku
no Amazonas, o Instituto do Prata no Pará, a ONG Operação Amazônia
Nativa e a luta por educação escolar levada a efeito pelas organizações in-
dígenas no Amazonas.
O segundo tema se abre, por sua vez, com as considerações teórico-
metodológicas sobre a história das instituições escolares, passando à aná-
lise das seguintes instituições educacionais: Asilo Santo Tereza, no Mara-
nhão; Instituição Pia Nossa Senhora das Graças, em Belém do Pará; Liceu
Cuiabano, em Mato Grosso; e a Universidade do Estado do Amazonas.
Na mesma linha, a análise do terceiro tema, referente à Escola Nova
na Amazônia, se inicia com um estudo sobre o Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova de 1932 como elemento desencadeador da renovação edu-
cacional no Brasil, complementado, ainda no plano da introdução teórica,
com um estudo crítico da contribuição de John Dewey para a consolidação
do pensamento liberal na educação. A partir dessa introdução, desenvol-
vem-se dois estudos sobre a Sociedade Amazonense de Professores, con-
templando, o primeiro, a formulação de diretrizes educacionais de inspi-
ração escolanovista para o Amazonas e, o segundo, a veiculação das ideias
da Escola Nova pela Revista de Educação da Sociedade Amazonense de
Professores. E a abordagem desse tema se completa com um estudo sobre
a introdução da Escola Nova em Mato Grosso.
O quarto tema, que versa sobre as escolas reunidas e grupos escola-
res, começa com um estudo sobre a compreensão da cultura educacional e
da instituição de uma escola de verdade, pensado a partir do aparecimento
dos grupos escolares, seguido de estudos específicos sobre os casos do Ma-
ranhão, do Pará e do Amapá.
Por fim, o quinto e último tema relativo à formação de professores
e à política educacional começa com um estudo geral sobre o dilema en-
tre teoria e prática na formação dos profissionais da educação no Brasil,
com foco na passagem das escolas normais aos institutos de educação. Na
sequência, são estudadas as escolas normais do sul de Mato Grosso e da
província do Amazonas, a instrução primária no Amazonas e no Mara-
nhão no período do império, as escolas de linha em Rondônia e a política
higienista no Pará da Belle Époque.
Ainda que não tenha esgotado todos os aspectos da educação e con-
seguido cobrir todos os locais compreendidos na região amazônica – o que
simplesmente era impossível fazer num trabalho pioneiro formatado em
apenas um livro –, a presente obra avança significativamente no campo
dos estudos de história regional da educação no Brasil. E isto é de grande
relevância porque, como assinalei na conferência de abertura da IX Jorna-
da do HISTEDBR realizada em julho de 2010 em Belém do Pará, as inves-
tigações sobre as formas específicas que a educação assume em nível local e
regional são necessárias não apenas para conhecermos essas manifestações
particulares: elas são uma exigência também para a compreensão concreta
da educação em âmbito nacional. Com efeito, como disse Marx, o concreto
é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo, unidade da
diversidade. Sem os estudos regionais e locais, o nacional será reduzido a
mera abstração ou será tomada como nacional a manifestação local ou re-
gional mais influente, como ocorreu com o município neutro e a província
do Rio de Janeiro no Império, o Distrito Federal e os estados de São Paulo
e Minas Gerais na Primeira República, e Rio de Janeiro e São Paulo após a
Revolução de 1930.
Enfim, estamos diante de uma obra que traz importante contribui-
ção ao desenvolvimento da historiografia da educação brasileira. Reco-
mendo, pois, sua leitura e estudo aos pesquisadores do campo da história
da educação e aos professores não apenas da região amazônica, mas de
todo o País, pois a compreensão das especificidades da educação nas vá-
rias regiões brasileiras é condição para compreendermos concretamente a
educação nacional.

Campinas, 23 de dezembro de 2015.

Dermeval Saviani1

1 - Professor Emérito da Unicamp, Pesquisador Emérito do CNPq, Coordenador Geral do HIS-


TEDBR e Professor Titular Colaborador Pleno do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Unicamp.
APRESENTAÇÃO

O presente livro que o leitor tem em mãos, sob o título de Histó-


ria e Educação na Amazônia é resultado de uma considerável diversidade
de estudos de pesquisadores, os quais são identificados e possuem, muitos
deles, ampla experiência em pesquisas históricas e educacionais na Ama-
zônia. Seu fio condutor, como seu próprio título já expressa, são os fenô-
menos relacionados aos aspectos historiográficos e educacionais da região
Amazônica, principalmente no que se refere a seus processos de relações
étnicas, das instituições educacionais, do surgimento e desenvolvimento
dos ideais da escola nova, dos grupos escolares e das escolas reunidas e
também da formação de professores e das políticas educacionais. O livro
está dividido em cinco eixos: I - Relações Étnico Raciais e Educação na
Amazônia, II - História das Instituições Educacionais na Amazônia, III
- A Escola Nova na Amazônia, IV - Grupos Escolares e Escolas Reunidas
na Amazônia e V - Formação de Professores e Política Educacional na
Amazônia.
Na primeira parte, os autores dedicam-se, prioritariamente, a discus-
são das questões indígenas e educacionais na Amazônia. O primeiro texto,
de Gilberto César Rodrigues e José Claudinei Lombardi, apresenta uma
reflexão da educação escolar indígena, na Terra Indígena Maró, localiza-
da em Santarém (PA), a partir dos fundamentos filosóficos da pedagogia
histórico-crítica, bem como sua orientação pedagógica oficial (“estatal”),
refletindo sobre os limites que os fundamentos liberais dessa orientação
impõem à concretização dos interesses indígenas por uma instrução esco-
lar. O segundo trabalho, de Adria Simone de Sousa, analisa o processo de
implantação da educação bilíngue na Comunidade Indígena Munduruku,
ressaltando que a luta pela educação escolar indígena desse povo, não é um
fato isolado, nem no espaço, tampouco no tempo. O terceiro artigo, de au-
toria de Irma Rizzini e Alessandra Schueler, aborda a criação, com o apoio
político e financeiro do governo do Pará, de dois internatos para meninos
e meninas indígenas por missionários capuchinhos da Ordem da Lombar-
dia, no Núcleo Colonial Indígena do Maracanã, também conhecida como
Colônia do Prata, no período de 1898 a 1921. O quarto estudo, cujos au-
tores são Maria Dolores Rebollar e Artemis Torres, busca compreender as
mudanças e os desafios frente à nova conjuntura do capitalismo global da
proposta formativa de novos indigenistas da Organização não Governa-
mental Operação Amazônia Nativa (Opan), a qual, desde a sua origem em
1969 (até 2009), tem-se dedicado, prioritariamente, ao trabalho com povos
indígenas. O último texto, de Marcos André Estácio, aborda o surgimento
das organizações indígenas, no estado do Amazonas, a partir de 1980, e as
suas lutas e reivindicações por uma educação escolar, específica e diferen-
ciada, da educação básica ao ensino superior.
Na segunda parte do livro os autores refletem sobre a historiografia
de instituições educacionais da região Amazônica. Para tanto, o primeiro
artigo, de Luís Lopes, tem por finalidade, construir, epistemológica e teóri-
co-metodologicamente, reflexões sobre a pesquisa em educação e, princi-
palmente, aquelas que se voltam, sobretudo, para a história das instituições
escolares. O segunto trabalho, de Maria José Rodrigues, almeja identificar
e analisar o modelo educacional oferecido pelo Asilo Santa Teresa (sua
gênese e seu desenvolvimento), as mulheres órfãs e expostas da Santa Casa
de Misericórdia, entre os anos de 1854 e 1870, a partir da compreensão
do contexto sócio-histórico. O terceiro estudo, de Maria Lucirene Callou
e Laura Maria Alves, objetiva analisar as ações de assistência social e edu-
cativas no atendimento à infância pobre da Instituição Pia Nossa Senhora
das Graças, criada em Belém do Pará, no período de 1943 a 1967. O quarto
texto, de Marineide Silva, desvela como o Liceu Cuiabano considerava a
indisciplina escolar cometida pelos estudantes do período de 1900 a 1920,
e também as formas de violência física ou institucional, praticadas no dia
a dia das atividades pedagógicas, as quais geravam ações punitivas, das
mais visíveis as mais veladas. O último trabalho, de Marcos André Estácio
e Lucia Regina Nicida, analisa o processo de criação, instauração e desen-
volvimento da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), no período
histórico de 2001 a 2011, empreendida com o propósito de qualificar inte-
lectualmente os estudantes, dotando-os de capacidade técnica e profissio-
nal para sanar a carência de mão de obra especializada tanto na capital do
estado quanto no interior.
Na terceira parte, os autores estudam o surgimento e difusão dos
ideais do escolanovismo no Brasil e na Amazônia, a partir do Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nova de 1932. O primeiro artigo, de André
Luiz Silva e Luciana Carvalho, almeja aprofundar o conhecimento no que
tange à concepção de educação expressa no Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova de 1932 e sua interface com o pensamento liberal, ressal-
tando que a tônica da educação defendida pelo movimento de renovação
do sistema educacional visava ao atendimento das necessidades sociais e
industriais gestadas na década de 1930. O segundo estudo, de Marco Au-
rélio de Oliveira e Armindo Quillici Neto, discute, a partir de uma pers-
pectiva histórica, a concepção de infância em John Dewey, a relação do seu
projeto de renovação pedagógica e como os conceitos de democracia, li-
berdade e experiência, associam-se para a formação de um “novo homem”,
destinado ao mundo capitalista. O terceiro texto, de autoria de Lucia Re-
gina Nicida e Marcos André Estácio, analisa a criação e desenvolvimento
da Sociedade Amazonense de Professores (SAP), na década de 1930, e em
que sentido esta sociedade se relacionou aos programas nacionais estabe-
lecidos a partir da Revolução de 1930, identificando aquilo que se tornou
específico em relação ao Amazonas. O quarto trabalho, cujos autores tam-
bém são Lucia Regina Nicida e Marcos André Estácio, busca compreender
os ideais da Escola Nova difundidos pela Revista de Educação da Socieda-
de Amazonense de Professores, no período de 1932 a 1937, no estado do
Amazonas, pois a SAP objetivava proteger e congregar o professorado des-
se estado, com a finalidade de tornar mais eficiente a ação cultural dos do-
centes sobre as classes populares, em torno dos novos ideais de educação
do escolanovismo. O último artigo, de Elizabeth Figueiredo de Sá, analisa
como os princípios da Escola Nova permearam as letras da Reforma Edu-
cacional Mato-Grossense de 1927, instituída no governo de Mario Corrêa
da Costa, mediante a análise da legislação e das mensagens dos presidentes
de Estado, dos relatórios de diretores da Instrução Pública e dos periódicos
veiculados à época.
Na quarta parte do livro, os estudiosos discutem os processos de
criação e institucionalização dos grupos escolares e escolas reunidas na re-
gião Amazônica. O primeiro artigo de Antonio Carlos Pinheiro e Antonio
de Pádua Lopes, discute a possibilidade de efetivar estudos comparativos a
partir da compreensão do movimento de constituição de uma “nova cultu-
ra educacional” e da instituição da ideia de uma “escola de verdade”, tendo
por referência o surgimento dos grupos escolares. O segundo estudo, de
autoria de Diana Rocha da Silva, investiga o processo de modernização da
educação pública primária maranhense no período da Primeira República,
focalizando os dez primeiros anos do século XX, descrevendo a história
dos grupos escolares maranhenses no período republicano e refletindo so-
bre como tal modelo de ensino foi institucionalizado enquanto símbolo
de renovação educacional no Maranhão. O terceiro texto, cujos autores
são Renato Pinheiro da Costa e Paulo Sérgio Corrêa, analisa as reformas
educativas da primeira república e suas implicações para a organização do
sistema de ensino do Pará, a partir da criação de grupos escolares entre o
início do século XIX e final do século XX, refletindo sobre a presença das
instituições de ensino na organização social, cultural, curricular, política
e paisagística dos municípios paraenses. O quarto trabalho, de Maria do
Perpétuo Socorro de França, discute o processo de implantação dos gru-
pos escolares no estado do Pará, nos anos de 1889 a 1905, tendo como
referência os relatórios dos diretores da instrução pública, as mensagens
governamentais, a legislação do ensino e a produção literária sobre os gru-
pos escolares no país. O último artigo, de João de Deus de Sampaio e Vitor
Sousa Nery, busca compreender a implantação e consolidação dos Grupos
Escolares no Amapá no século XX, a partir da análise histórica da legisla-
ção educacional, dos Regulamentos da Instrução Primária, dos Relatório
dos Diretores de Instrução Pública do território federal do Amapá e dos
Relatórios do governo do estado do Pará, pois essas instituições escola-
res amapaenses serviram enquanto instrumento para estabelecer os ideais
educativos de disciplina, higiene, controle, patriotismo, ordem e progresso.
Por fim, a quinta e última parte do livro finaliza a História e Edu-
cação na Amazônia com a discussão sobre as instituições de formação
de professores e também de políticas educacionais vivenciadas na região
Amazônica. O primeiro estudo, de Luciana Cristina Coutinho, busca com-
preender, historicamente, a formação de professores no Brasil, da insti-
tuição das Escolas Normais, no século XIX, aos Institutos de Educação,
criados nos anos de 1930, enfatizando a relação entre teoria e prática. O
segundo texto, de autoria de Margarita Victória Rodriguez, Silvia Helena
de Brito, Caroline Hardoim Simões e Lucina Barbosa Belíssimo, analisa,
a partir de leis, regulamentos, mensagens presidenciais e relatórios, a im-
plantação e expansão da Escola Normal no sul do estado de Mato Grosso,
no período de 1930 a 1970, considerando as mudanças sociais e educacio-
nais ocorridas no Brasil e em Mato Grosso. O terceiro trabalho, de Assis-
lene Barros da Mota, reflete sobre a história da Escola Normal da Provín-
cia do Amazonas (sua cultura e práticas escolares), entre o final do século
XIX e o início do XX, período no qual o Amazonas, em especial a cidade
de Manaus, vivia um momento de “crescimento” econômico, propiciado
pelo “ciclo da borracha”, que trouxe benefícios para esta cidade, dentre os
quais citamos a ampliação do número de escolas públicas. O quarto artigo,
de Guiomar Lima de Carvalho, discute a instução primária no Amazonas
Imperial, a partir das mensagens e dos relatórios de presidentes da pro-
víncia e, também, dos diretores gerais da instrução pública do Amazonas,
adotando-se enquanto marco temporal, a criação da Província do Amazo-
nas (em 1850), até os anos finais do Império brasileiro. O quinto estudo,
de Alexandre Ribeiro e Silva, teve por finalidade compreender o processo
de produção e socialização da instrução pública na província do Mara-
nhão, entre os anos de 1866 a 1884, por meio das ideias pedagógicas que
permeavam os discursos dos políticos da elite maranhense desse período,
e, consequentemente, as suas “contribuições” para o campo pedagógico
do Maranhão provincial. O sexto estudo, de autoria de Rosangela Apa-
recida Hilário, Nídia Nacib Pontuschka e Wendell Fiori Faria, parte da
constatação de que nas escolas públicas das cidades do estado de Rondônia
os processos de institucionalização estão diretamente relacionados aos de
migração e povoamento, e assim os autores buscaram coletar dados sobre
a implantação das Escolas de Linha de Rondônia e a preservação da me-
mória das escolas da floresta, bem como, tudo que representaram para o
acolhimento dos migrantes e para a proposição de práticas e, mesmo, de
formação de professores para atuarem nestes contextos. O último artigo,
de Laura Maria Alves, almeja identificar a contribuição do médico Ophir
Loyola e do Instituto de Proteção e Assistência a Infância do Pará, no aten-
dimento médico e educativo da criança pobre paraense, desvelando quais
saberes educacionais e médicos defendidos pelo higienismo formam apli-
cados à infância no referido Instituto.

Manaus, 6 de janeiro de 2016.


63.º de criação política da Amazônia

Os Organizadores
Sumário
Prefácio ........................................................................................................................ 07

Apresentação .............................................................................................................. 11

PARTE I - RELAÇÕES ÉTNICO RACIAIS


E EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA
Educação e Emancipação na Escola Indígena: uma análise à luz dos funda-
mentos filosóficos da pedagogia histórico-crítica ............................................... 23
Gilberto César Lopes Rodrigues e José Claudinei Lombardi
A construção do conceito de bilinguismo na educação escolar indígena: o caso
dos Munduruku do Rio Canumã-AM ................................................................. 43
Adria Simone Duarte de Souza
O Instituto do Prata: índios e missionários no Pará (1898-1921) .................... 61
Irma Rizzini e Alessandra Schueler
Operação Amazônia Nativa e os desafios da formação indigenista ................ 89
Maria Dolores Campos Rebollar e Artemis Torres
Organizações Indígenas no Amazonas e a luta por educação escolar ........... 105
Marcos André Ferreira Estácio

PARTE II - HISTÓRIA DAS INSTITUIÇÕES


EDUCACIONAIS NA AMAZÔNIA
História das Instituições Escolares: considerações teórico-metodológicas .......
...................................................................................................................................... 121
Luís Fernando Lopes
O poder institucional no disciplinamento da infância no Maranhão novecen-
tista: a educação de meninas pobres e órfãs no Asilo Santa Tereza .............. 139
Maria José Lobato Rodrigues
Instituição Pia Nossa Senhora das Graças: assistência e educação de crianças
pobres em Belém do Pará (1943-1967) ................................................................ 149
Maria Lucirene Sousa Callou e Laura Maria Silva Araújo Alves
Ensino Secundário e Indisciplina no Liceu Cuiabano em Mato Grosso (1900 a
1920) ........................................................................................................................... 171
Marineide de Oliveira Silva
Universidade do Estado do Amazonas: quinze anos de histórias .................. 187
Marcos André Ferreira Estácio e Lucia Regina de Azevedo Nicida
PARTE III - A ESCOLA NOVA NA AMAZÔNIA
Renovação Educacional no Brasil: Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
de 1932 e os princípios liberais .............................................................................. 211
Luciana Belíssimo de Carvalho Barbosa e André Luiz da Motta Silva
Infância e Escola Nova: um olhar crítico sobre a contribuição de John Dewey
para a consolidação do pensamento liberal na educação ................................ 225
Marco Aurélio Gomes de Oliveira e Armindo Quillici Neto
A Sociedade Amazonense de Professores e as diretrizes educacionais para o
estado do Amazonas (1932-1937) ........................................................................ 247
Lucia Regina de Azevedo Nicida e Marcos André Ferreira Estácio
Escola Nova no Amazonas: a Revista de Educação da Sociedade Amazonense
de Professores ........................................................................................................... 257
Lucia Regina de Azevedo Nicida e Marcos André Ferreira Estácio
A introdução da Escola Nova em Mato Grosso ................................................. 273
Elizabeth Figueiredo de Sá

PARTE IV - GRUPOS ESCOLARES E


ESCOLAS REUNIDAS NA AMAZÔNIA
Cultura Educacional e Escola de Verdade: pensando os grupos escolares ... 289
Antonio Carlos Ferreira Pinheiro e Antonio de Pádua Carvalho Lopes
Os Grupos Escolares Maranhenses na sua primeira fase de implantação (1903-
1012) ........................................................................................................................... 299
Diana Rocha da Silva
A institucionalização do ensino no estado do Pará e as reformas educativas
materizalizadas nos Grupos Escolares ................................................................ 319
Renato Pinheiro da Costa e Paulo Sérgio de Almeida Corrêa
Grupos Escolares no estado do Pará no Regime Republicano (1899-1905).. 347
Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França
História dos Grupos Escolares do Amapá na primeira metade do século XX ....
...................................................................................................................................... 363
João de Deus Santos de Sampaio e Vitor Sousa Cunha Nery

PARTE V - FORMAÇÃO DE PROFESSORES E


POLÍTICA EDUCACIONAL NA AMAZÔNIA
O dilema da relação entre teoria e prática na formação dos profissionais da
educação no Brasil: da Escola Normal ao Instituto de Educação ................... 383
Luciana Cristina Salvatti Coutinho
A implantação e expansão da Escola Normal no sul do Mato Grosso (1930-
1970) ........................................................................................................................... 401
Margarita Victória Rodríguez, Silvia Helena Andrade de Brito,
Caroline Hardoim Simões e Luciana Belíssimo de Carvalho Barbosa
A Escola Normal da Província do Amazonas (1880-1890) ............................ 419
Assislene Barros da Mota
A instrução primária no Amazonas Imperial ................................................... 445
Guiomar Lima de Carvalho
Princípios de modernização da instrução pública no Maranhão Imperial: aná-
lise de conteúdo dos relatórios de presidentes da Província (1866-1884).... 465
Alexandre Ribeiro e Silva
Memória das Escolas de Linha em Rondônia: o imaginário, o poético, a histó-
ria e o real ................................................................................................................. 483
Rosangela Aparecida Hilário, Nídia Nacib Pontuschka
e Wendell Fiori de Faria
A política higienista no Pará da belle époque e a proteção à infância pobre em
1912 ............................................................................................................................ 499
Laura Maria Silva Araújo Alves

Sobre os Autores ....................................................................................................... 517


PARTE I

Relações Étnico
Raciais e Educação
na Amazônia

História e Educação na Amazônia | 21


22 | História e Educação na Amazônia
­­­­Educação e Emancipação na Escola
Indígena: uma análise à luz dos
fundamentos filosóficos da pedagogia
histórico-crítica
GILBERTO CÉSAR LOPES RODRIGUES
Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA)

JOSÉ CLAUDINEI LOMBARDI


Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Introdução

O objetivo deste texto é apresentar um exame da Educação Escolar In-


dígena no tocante à sua orientação pedagógica oficial/estatal, apontando os
limites que os fundamentos liberais dessa orientação impõem à concretização
dos interesses dos indígenas por instrução escolar. Na sequência, discutimos
pertinência, no âmbito dos fundamentos filosóficos, da Pedagogia Histórico-
Crítica (PHC) para suplantar tais limites. Para tanto, examinamos a educação
escolar presente na Terra Indígena Maró, localizada no município de Santa-
rém (PA).
Partimos das concepções de que a Escola é um instrumento de classe
(ALTHUSSER, 1970, 1983) e que as teorias pedagógicas forjadas no âmbito do
liberalismo e amplamente em vigor nas escolas oficiais brasileiras vão de en-
contro aos interesses dos oprimidos, em geral, e dos indígenas, em particular,
por educação escolar emancipadora. Sendo assim, entendemos que as escolas
indígenas cumprirão mais adequadamente seu papel em defesa da valoriza-
ção e reprodução dos modos de vidas peculiares das sociedades indígenas se
a teoria pedagógica que orienta o fazer escolar se fundamentar no interesse
concreto e necessário da autonomia da classe não hegemônica.
É importante adiantar que a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) ainda
não possui uma experiência avançada com a educação escolar indígena e que
este trabalho tem o objetivo de apontar, através dos fundamentos filosóficos
dessa concepção pedagógica, que outro caminho precisa ser construído para
melhor atender os interesses dos indígenas por educação escolar. A PHC, em
nosso entendimento, pode se constituir como um possível caminho nessa di-
reção. Mas, para tanto, um longo percurso precisa ser trilhado.
História e Educação na Amazônia | 23
Educação Escolar Indígena no Brasil

A relação entre os instrumentos oficiais voltados à educação e a educa-


ção escolar dos povos indígenas tem uma história que, para ser melhor com-
preendida, precisa remontar ao período colonial porque

[...] a principal coisa que me moveu a mandar povoar as


ditas terras do Brasil foi para que a gente delas se con-
vertesse a nossa santa fé católica de modo que os gentios
possam ser doutrinados e ensinados nas coisas de nossa
santa fé (DOM JOÃO III1 apud SAVIANI, 2011, p. 25,
grifo nosso).

Para levar adiante esses objetivos reais, em 1549 chegaram ao Brasil o


Pe. Manoel da Nóbrega com outros cinco Jesuítas. Fundaram imediatamente
um colégio2 na nascente cidade de Salvador (ALMEIDA, 1989).
Consoante a essa intenção, o período da presença jesuítica no Brasil
colônia consolidou-se como a mais longa política de educação escolar para os
povos indígenas perdurando desde 1549 até 1759, com a expulsão dos jesuítas
pelo Marquês de Pombal. Consequentemente, essa categoria de educação está
intimamente ligada à história da Igreja no Brasil, sobretudo à história dos mis-
sionários da Companhia de Jesus (FERREIRA, 2001). Esse período, de modo
sucinto, teve como objetivo homogeneizar a diversidade cultural indígena
através da imposição dos preceitos da civilização cristã e, na medida do pos-
sível, incorporar sua mão de obra à emergente sociedade nacional. Os meios
para isso se deram através da imposição do ensino obrigatório em português,
da catequese e dos aldeamentos.

1 - Em virtude de nossos objetivos e do espaço que cabe a um artigo, não entraremos no âmbito
econômico que confere sentido à colonização, mas entendemos sua importância, que provavel-
mente está implícito nos interesses reais, uma vez que “no seu conjunto, e vista no plano mun-
dial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial,
mais completa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a
explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o
verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará
os elementos fundamentais, tanto econômicos como social da formação e evolução históricas
dos trópicos americanos” (PRADO JÚNIOR, 1997, p. 19-20).
2 - “Os primeiros conventos, fundados pelas ordens religiosas, que abriram escolas para me-
ninos, foram denominados colégios; os outros conservam o nome de conventos” (ALMEIDA,
1989, p. 25).
24 | História e Educação na Amazônia
Na catequese,3 por exemplo,

Todos os dias da semana, acabada a oração, se dirá logo


uma missa que a possam ouvir os índios antes de irem às
suas lavouras a qual acabada se ensinarão aos índios em
voz alta as orações ordinárias: a saber, Padre-Nosso, Ave
Maria, Credo, Mandamentos da lei de Deus e da Santa
Madre Igreja; e os Sacramentos, actos de contrição, e
confissão, geralmente os diálogos do catecismo breve, em
que se contem os mistérios da fé. Acabada esta doutri-
na irão todos os nossos para a Escola aonde os mais
hábeis, se ensinarão a ler e escrever, e havendo muitos se
ensinarão também a cantar, e tanger instrumentos para
beneficiar os oficios divinos; e quando menos se ensinará
a todos a doutrina cristã [sic] (Pe. ANTONIO VIEIRA
apud BEOZZO, 1983, p. 196).

Ou seja, a catequese, enquanto mecanismo instrucional, objetivava a


substituição cultural nativa pela cristã-europeia. Como reconhecido nos do-
cumentos oficiais, desde o período colonial, com os jesuítas, até a promulga-
ção da Constituição Federal de 1988, a essência pedagógica orientadora da
educação indígena foi o integracionismo.

A política integracionista começava por reconhecer a


diversidade das sociedades indígenas que havia no país,
mas apontava como ponto de chegada o fim dessa di-
versidade. Toda diferenciação étnica seria anulada ao
se incorporarem os índios à sociedade nacional. Ao se
tornarem brasileiros, tinham que abandonar sua própria
identidade (BRASIL, 2005, p. 26).

Entretanto, por volta dos anos setenta do século passado,4 o movimento

3 - Pela catequese podemos notar a síntese dos três elementos importantes para o objetivo dos
jesuítas: ela transmitia conteúdos exclusivamente religiosos, era transmitida em português e nos
aldeamentos.
4 - “Na década de 1970, iniciou-se a estruturação de diferentes organizações indígenas, com
o objetivo de defesa dos territórios e de luta por outros direitos. O movimento ganhou corpo
e visibilidade nacional com as grandes reuniões, organizadas pela União dos Povos Indígenas
(UNI), juntando um número expressivo de povos indígenas. A partir da UNI, formam-se outras
organizações indígenas de representação mais regional ou étnica. Estruturam-se igualmente as-
sociações e organizações de professores e de agentes de saúde indígenas. Desde então, intensi-
ficam-se em todo o país a realização de ‘Encontros de Professores Indígenas’, ou ‘Encontros de
Educação Indígena’, nos quais eram discutidas questões relativas à escola que os índios queriam
para suas comunidades” (BRASIL, 2005, p. 28).
História e Educação na Amazônia | 25
indígena no Brasil por reivindicação de direitos começa a tomar forma e é
fortalecido por organizações não governamentais que se articulam para fazer
frente às ações integracionistas do estado brasileiro, abrindo espaços sociais
e políticos para que a questão indígena se impusesse no país, exigindo mu-
danças em relação ao assimilacionismo. Decorrente de um panorama de lutas
por direitos humanos e sociais combinado com a efervescência por mudanças
estruturais impulsionadas pelo fim da ditadura militar e o horizonte de um
“novo Brasil”, a Constituição Nacional de 1988 assegurou aos povos indígenas

[...] o direito ao seu território e aos recursos naturais que


ele abriga, o direito a decidir sobre sua história, sua iden-
tidade, suas instituições políticas e sociais, e o direito ao
desenvolvimento de suas concepções filosóficas e religio-
sas de forma autônoma (BRASIL, 2005, p. 30).

Nesse sentido, a Constituição de 1988 marca uma mudança importante


na concepção do Estado sobre as sociedades indígenas. O fundamento epis-
temológico deixa de ser o integracionista e passa a ser o da valorização, ou
pelo menos da aceitação, da diversidade cultural. No entanto, embora enten-
damos que a implementação de escolas consiste em inegável conquista por
parte dos povos indígenas, ressaltamos ser preciso um exame crítico sobre essa
implantação, particularmente com relação à teoria pedagógica que as orienta.
No mínimo é preciso ficar atento acerca do papel da escola, conforme alertou
Althusser (1970) no século passado, enquanto importante aparelho de Estado
inculcadora da ideologia necessária à reprodução das relações de produção
dominantes, considerando que

Vivendo em contato permanente com componentes da


sociedade nacional há várias décadas, e, em alguns casos,
há mais de séculos, os indígenas da região sul do Brasil
sofreram diversas pressões destinadas a garantir a sua
submissão ou a sua diluição na sociedade nacional. A
educação foi sempre considerada como instrumento es-
tratégico para se atingirem aqueles objetivos (SANTOS,
1975, p. 53).

Apesar de ter passado mais de quatro décadas da observação acima, é


preciso avaliar sua atualidade. Nesse contexto, e tendo em vista o quadro cate-
gorial sucintamente traçado acima, na seção seguinte apresentamos a situação
de uma região brasileira em particular no tocante à educação escolar indígena,
procurando examinar sua situação atual e suas relações com esse quadro.
26 | História e Educação na Amazônia
Educação escolar indígena em Santarém (PA): o caso das escolas
indígenas da Terra Indígena Maró

A Terra Indígena Maró (TI Maró) fica localizada no oeste do estado


brasileiro do Pará, no interior dos limites geográficos do município de Santa-
rém, na margem esquerda do rio Maró, afluente do rio Arapiuns, cujas águas
deságuam no rio Tapajós. A denominação Maró decorre da importância que
o maior rio da região possui para seus moradores indígenas, à margem do
qual se situam as três aldeias componentes da Terra Indígena (TI). A área
requisitada é de 42.373 hectares e o perímetro é de 131 km.5 O acesso, a partir
de Santarém, se dá por meio fluvial, sendo que, por barco de linha6 a viagem
demora em torno de 12 horas.
Os indígenas dessa TI estão distribuídos por três aldeias: Cachoeira do
Maró e São José III, habitadas por indígenas da etnia Arapiuns, e a aldeia de
Novo Lugar, habitada pelos Borari. Os indígenas da TI Maró, tanto Borari
como Arapium, são falantes, atualmente, apenas do português. Porém, como
destacado em Silva (2011, p. 20), “[...] os Arapium e os Borari guardam, na
memória dos mais velhos, o tempo da gíria, forma como denominam o nheen-
gatu”7.
Do ponto de vista da distribuição demográfica, temos o seguinte qua-
dro: Aldeia Cachoeira do Maró, com 88 habitantes distribuídos por 15 famí-
lias; Novo Lugar, com 67 habitantes distribuídos por 12 família; e São José III,
com 84 habitantes distribuídos por 16 famílias. Portanto, são, ao todo, 239 ha-
bitantes distribuídos por 43 famílias, o que gera uma família média composta
por cinco ou seis pessoas.
Paralelamente à luta pela garantia do território8 e à definitiva demar-

5 - Dados confirmados pelo resumo do relatório circunstanciado de identificação e delimitação


da Terra Indígena Maró. Disponível em: <http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/in-
dex.jsp?jornal=1&pagina=36&data=10/10/2011>. Acesso em: 2 out. 2014.
6 - Barcos de linha são aqueles autorizados pela Marinha brasileira a transportar passageiros
em horários e preços teoricamente pré-fixados entre o Estado e os empresários da navegação.
No caso da TI Maró, dois barcos “de linha” atendem seus moradores. Eles descem do Maró para
Santarém aos sábados e um retorna nas quartas-feiras, enquanto o outro retorna nas quintas-
feiras.
7 - Um fator importante de haver palavras em nheengatu dentre o vocabulário dos Borari e
Arapium da TI Maró foi permitir vislumbrar o tronco linguístico Tupi como o originário desses
povos, uma vez que “O nheengatu é uma língua criada a partir do Tupi, principal tronco linguís-
tico dos grupos étnicos da região do baixo Amazonas, de acordo com estudos históricos sobre
migração Tupi nos séculos XV e XVI”.
8 - Os Borari e os Arapium do Maró iniciaram o movimento de reivindicação territorial em
História e Educação na Amazônia | 27
cação da Terra Indígena Maró,9 os Borari e os Arapium iniciaram um mo-
vimento pela transformação legal de suas três escolas em escolas indígenas.
Segundo as entrevistas que realizamos com os professores atuais das escolas
do interior da TI Maró, a diretora e dois dos três caciques, podemos projetar
o início desse tipo de atividade para a década de 1950. Porém, é a partir de
2007 que o processo para torná-las indígenas é iniciado. Para tanto, as escolas
das três aldeias foram reunidas de modo a compor uma organização do tipo
polo-anexas.

Tabela 1 – Resumo da estrutura organizacional da


educação escolar da TI Maró

10

Fonte: Agente Comunitário de Saúde (2012).

A educação infantil é oferecida nas escolas da Cachoeira do Maró e do


Novo Lugar. Os alunos desse nível educacional da aldeia de São José III são
levados à escola da Cachoeira do Maró. Nas três escolas, o ensino oferecido é
multisseriado e dividido do seguinte modo: uma turma de educação infantil,
uma turma reunindo alunos do 1º ao 5º ano, enquanto alunos do 6º ao 9º ano
compõem outra turma. Decorrente desse tipo de estrutura organizacional, o
2000, através de uma Ação Civil Pública junto ao Ministério Público Federal de Santarém (PA).
Porém, em um movimento lento do Estado nacional, somente em 2008 a Fundação Nacional do
Índio (Funai) emite portaria constituindo grupo de trabalho para realizar os estudos necessários
à Identificação e Delimitação da TI Maró (SILVA, 2011). Com a demora da Funai em publicar
no Diário Oficial da União (DOU) os resumos dos laudos antropológico, ambiental e fundiário,
necessários para o prosseguimento desse processo, os indígenas acionam o Ministério Público
Federal (MPF) para exigir essa publicação. Em resposta à Ação Civil Pública 2010.39.02.000249-
0, ajuizada pelo MPF contra a Funai para que esta promova a publicação dos laudos, em novem-
bro de 2011, eles são, finalmente, publicados. A fase seguinte, de contestação, que judicialmente
deveria se estender por 90 dias contados a partir da publicação no DOU (11/2011), ainda se
encontra inconclusa, sem sequer ter sido apreciada às contestações (Disponível em: <http://
pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=36&data=10/10/2011>).
9 - Uma boa descrição dessa luta pode ser encontrada em Assis (2012).
10 - É interessante observar a homenagem ao mesmo santo presente no nome das três escolas.
De acordo com Silva (2011), esse fato decorre da relação de parentesco que envolve as três
aldeias e de que um antigo morador da Cachoeira, devoto de São Francisco, levava a imagem
desse santo quando visitava os parentes das outras aldeias para reuniões religiosas.
28 | História e Educação na Amazônia
quadro de servidores fica reduzido11 nos seguintes números: uma diretora e
uma secretária responsável pela organização das três escolas, dez professores,
dois vigias, três educadoras alimentares,12 três pilotos.13 Esse quadro de fun-
cionário atende a um total de cento e cinco alunos assim distribuídos:

Tabela 2 – Resumo da estrutura funcional da educação escolar da TI Maró

Fonte: Rodrigues (2015a).

Do ponto de vista da estrutura física, verificamos que somente a escola


polo da Cachoeira do Maró possui prédio escolar em alvenaria construído es-
pecificamente para atender as atividades escolares. Porém, esse prédio contém
apenas uma sala de aula e uma secretária, sendo insuficiente para atender as
necessidades. Para atender a demanda são improvisadas três salas de aula em
prédios construídos pelos próprios indígenas em madeira, coberto por palha
ou telha do tipo “brasilit”14 e piso em cimento queimado, fato que se repete nas
outras duas escolas anexas, uma vez que o prédio escolar foi construído pelos

11 - Essa redução, também geradora de precarização, produz dupla função de alguns servidores.
Nota-se o caso das educadoras alimentares que informaram acumular a função de faxineira e do
vigia que abarca a função de bedel.
12 - Nomenclatura pelo qual a prefeitura renomeou o trabalho das merendeiras.
13 - Um piloto da única lancha disponível para as três aldeias e dois pilotos de bajara (tipo de
canoa com cobertura com pequeno motor na popa).
14 - Antiga telha de amianto.
História e Educação na Amazônia | 29
próprios comunitários nas mesmas condições descritas acima.15
O banheiro dos três prédios, inclusive do prédio da escola polo, é do
tipo fossa séptica, sem lavatório ou papel para higienização.16 Nenhuma es-
cola conta com água encanada e energia elétrica. A merenda, segundo uma
das educadoras alimentares, não é totalmente adequada à realidade alimentar
dos indígenas e em quantidade insuficiente, fato que, segundo um professor
do São José III, provoca constante falta dos alunos e constrangimentos aos
professores e alunos.

Figura 1 – Imagens das estruturas físicas das escolas da TI Maró

Fonte: Rodrigues (2015b).

Outro ponto interessante que afeta diretamente o desempenho das ati-


vidades escolares é a formação dos professores. Segundo consta no Projeto
Político Pedagógico do ano de 2012, somente um professor possuía forma-
ção em nível superior. Outros quatro estavam cursando licenciaturas nesse
nível de ensino, os cinco demais possuíam o nível secundário completo sendo
quatro em magistério. Soma-se a esse nível precário de formação o regime de
contratação a que são submetidos todos os professores que trabalham na TI
Maró, uma condição no mínimo geradora de instabilidade.17
Quanto aos conteúdos ensinados, encontramos algumas distorções in-

15 - É ilustrativa a fala de um dos professores que entrevistamos para resumir as condições


precárias desses prédios: “quando chove, os alunos tem que assistir à aula em pé para fugir das
goteiras”.
16 - Sobre a adequação dos banheiros à necessidade escolar, é revelador o relato da diretora
afirmando seu medo de que alguma criança caia no imenso buraco da fossa. “O que temos não
é banheiro, é uma coisa que a gente vai lá, que é obrigado a usar, que as crianças correm o risco
de cair, inclusive, é um imenso de um buraco, a coisa mais horrível do mundo”.
17 - Sobre isso, acompanhamos em janeiro de 2015, o processo de atribuição de aulas aos indí-
genas da Semed da cidade e acompanhamos a angústia que precede os professores indígenas até
o momento da atribuição definitiva, tendo em vista ser essa a única fonte salarial razoavelmente
paga a eles na região.
30 | História e Educação na Amazônia
teressantes. Apesar de toda a legislação permitir e incentivar a construção de
calendários e conteúdos próprios às realidades indígenas, as três escolas fun-
damentam seu currículo com base na resolução do Conselho Municipal de
Educação da Secretaria Municipal de Educação (Semed) de Santarém (PA), nº
001/2008. Segundo essa resolução, ficou estabelecido como obrigatório os es-
tudos das seguintes disciplinas nas escolas da rede municipal a partir de 2007:
língua portuguesa, história e geografia, ciências, matemática, ensino religioso,
educação física, ensino de arte, língua estrangeira – inglês e estudos amazô-
nicos. Nessa mesma linha de impertinências, o material didático utilizado em
aula segue os padrões dos utilizados na cidade. Foi comum encontrar nos mu-
rais atividades fixadas para demonstração com conteúdos alheios à realidade
indígena e que remetem a um modo de alfabetização superado. Em outros
trabalhos, como o da foto à direita da Figura 2 abaixo, evidencia-se o ensino de
conteúdos que apontam para a assimilação da cultura indígena a uma suposta
cultura nacional.

Figura 2 – Imagens de material fixado nas salas de aula

Fonte: Rodrigues (2015c).

Reagindo a insatisfação com o conteúdo urbano ensinado, que pou-


co atendia aos interesses por educação diferenciada, em 2011 iniciou-se um
movimento, a partir das lideranças políticas e de professores indígenas, de
pressão junto à Semed para a incorporação de disciplinas com conteúdo que
atendesse suas peculiaridades. O resultado foi que, a partir de 2012, foram
incluídas, embora de forma secundária, através de projetos, as disciplinas de
notório saber e língua nheengatu. A primeira disciplina tem como objetivo
resgatar o artesanato, a arte, a música, enfim, a cultura própria dos Borari e
História e Educação na Amazônia | 31
dos Arapium, sendo oferecida nas três aldeias. A segunda disciplina procura
resgatar a língua que eles consideram compor sua identidade histórica, mas é
ofertada apenas nas escolas da Cachoeira do Maró e do Novo Lugar.
O calendário é rigidamente montado para satisfazer os duzentos dias
letivos estabelecidos pela legislação para as escolas urbanas e distribuídos ao
longo dos meses compreendidos entre fevereiro e novembro, sem qualquer
adequação ao regime de chuvas e roçado próprio dos Borari e dos Arapium.
Ressaltamos a quantidade excessiva de atividades comemorativas que são dis-
tribuídas no calendário escolar, afetando a quantidade e profundidade dos
conteúdos necessários à formação intelectual voltada para a emancipação in-
telectual dos alunos.18
Para o ano de 2014, foram elencados no calendário oito eventos dessa
natureza que, considerando consumir uma semana de atividades de ensino
para sua elaboração e ensaios, desviam dois meses de conteúdos formativos19!
Por outro lado, o conteúdo de tais eventos nos remeteu aos paradigmas de
assimilacionismo e homogeneização que imperavam nas legislações nacio-
nais anteriores à Constituição de 1988, que pelo menos no campo jurídico,
no campo abstrato da lei, eliminara esses objetivos. Em abril é comemorado a
Semana do Indígena, em março o Dia da Mulher, em junho é realizada a Festa
Junina, em agosto o Dia dos Pais, em setembro a Semana da Pátria e a Festa
de São Francisco, em outubro os Jogos Olímpicos, em novembro a Feira do
Conhecimento e, em dezembro, a Colação de Grau.
O evento da Semana da Pátria é exemplificador da nossa percepção de
que aparentemente o paradigma do assimilacionismo à cultura dominante
persiste. Nesse evento, as três aldeias se reúnem em uma delas para desfila-
rem pela aldeia escolhida portando faixas e bandeiras e para apresentar suas
fanfarras.
Em síntese, o que constatamos em nossas visitas de campo à Terra In-
dígena Maró foi que a educação escolar opera na mais calamitosa precariza-
ção. Considerando as três escolas, constatamos haver apenas uma sala de aula

18 - Sobre a quantidade de datas comemorativas no calendário escolar, é interessante a observa-


ção de Saviani (1997, p. 21): “O ano letivo se encerra e estamos diante da seguinte constatação:
fez-se de tudo na escola; encontrou-se tempo para toda espécie de comemoração, mas muito
pouco tempo foi destinado ao processo de transmissão-assimilação de conhecimentos sistema-
tizados. Isso quer dizer que se perdeu de vista a atividade nuclear da escola, isto é, a transmissão
dos instrumentos de acesso ao saber elaborado”.
19 - Foge das nossas intenções neste artigo apresentar nosso entendimento de educação escolar,
mas indicamos que a entendemos nos moldes definidos na PHC para o qual é central o apren-
dizado dos saberes historicamente constituídos pela humanidade.
32 | História e Educação na Amazônia
construída pelo poder público especificamente para atividades escolares,20 não
há água encanada, banheiro adequado nem energia elétrica. O material di-
dático não atende à realidade indígena. Dentre os conteúdos ensinados há o
ensino do inglês e religioso, tomando mais tempo no calendário escolar do
que os ensinos de notório saber e língua indígena. A maioria dos professores
não possui formação adequada, apesar do empenho desses em participar dos
cursos oferecidos na região (o que inverterá esse quadro nos próximos anos).
Foi possível constatar baixos salários21 concomitante com dupla função. O ca-
lendário escolar inclui uma quantidade excessiva de preparação de eventos,
tomando grande tempo do aprendizado dos saberes sistematizados emanci-
padores.
Porém, considerando a história em movimento e que ela é impulsio-
nada pelas tensões contraditórias geradas pelos seus agentes e na afirmação
contundente de todos os nossos entrevistados de que “queremos a escola!”22 e,
apesar de esse tipo de organização estatal levar aos indígenas saberes eurocên-
tricos, organização do tipo empresarial, temporalidade exógena, individualis-
mo, relembrando em grande medida o período jesuítico de catequização, ela
também opera como elemento de empoderamento material23 e intelectual dos
envolvidos. Foi fundamentado nesse entendimento que avaliamos a pertinên-
cia da Pedagogia Histórico-Crítica para orientar o fazer escolar das Escolas
Indígenas.

Escola Indígena e liberalismo: a inadequação das pedagogias oficiais

Para os educadores comprometidos com a causa indigenista, uma ques-


tão se impõe: qual modelo de orientação pedagógica seria mais adequada a
esse tipo de escola. Enquanto escola oficial, a escola indígena precisa se sub-
meter a uma orientação legal regulamentada pelo Estado. Porém, Escolas não
são blindadas à realidade econômico-social. Ao contrário, elas também são
palco de interesses de classe (ALTHUSSER, 1983; CHARLOT, 1986; DUAR-
20 - Nenhuma das três aldeias conta com posto de saúde ou qualquer outra construção física
para qualquer fim construída pelo poder público além do prédio escolar (figura 1).
21 - O maior salário, excluindo o da diretora, é do professor com 240 horas. No entanto, um
dos professores que possui essa carga horária informou que seu salário não atinge dois salários-
mínimos.
22 - Resposta dada pelo cacique Odair Alves de Sousa, indígena Borari da aldeia do Novo Lugar,
em nossas conversas.
23 - As escolas da TI Maró receberam, no final de 2013, uma lancha para transporte dos alunos,
computadores, TVs, impressoras etc.
História e Educação na Amazônia | 33
TE, 1993; LOMBARDI, 2010; SAVIANI, 1989, 2011). Esse interesse se reflete,
por exemplo, nos fundamentos filosóficos das orientações pedagógicas que
utilizam. No caso da sociedade fundamentada na divisão social em classes e na
propriedade privada dos meios de produção, a teoria pedagógica dominante
desloca o currículo e a didática do ensinamento dos conteúdos para o objeti-
vo da construção das competências e habilidades individuais para lidar com
o cotidiano e o mundo do trabalho24 (DEWEY, 1959; PERRENOUD, 1999,
2000; PIAGET, 1994, 1998). Tal deslocamento se fundamenta (e é aprofunda-
do) no liberalismo,25 base da sociedade fundamentada no modo de produção
capitalista.
Enquanto liberal, essa teoria pedagógica resulta dos interesses da bur-
guesia constituindo-se, portanto, em um projeto pedagógico elaborado no in-
terior da classe hegemônica. De mesmo modo partimos do entendimento de
que os indígenas pertencem a uma classe social forjada pela burguesia, anta-
gônica a ela, configurando-se por uma construção histórica pós-revolução in-
dustrial, que explica em certa medida a situação econômica decadente desses
povos. Embora despossuída da propriedade privada dos meios de produção
e de uma teoria pedagógica própria, ou mesmo pensada para atender seus
interesses, é submetida a uma pedagogia burguesa26 centrada na precarização
e no individualismo que não atende, portanto, ao interesse desses povos pela
Escola.
Diante do quadro de inadequação das teorias pedagógicas fundamenta-
das no liberalismo burguês para orientar as escolas indígenas, surge a questão
de saber se há alguma teoria pedagógica que seja contra-hegemônica e mais
pertinente para orientar a construção de seus currículos e didáticas. Enten-
demos que a Pedagogia Histórico-Crítica, nos moldes sistematizados, funda-
mentalmente, pelo professor Saviani (1989, 1991, 2005, 2011), da Faculdade
de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) vem se confi-
gurando como uma alternativa possível.

24 - Trabalho do tipo assalariado, do qual o trabalhador possui apenas a mercadoria força de


trabalho para vender ao possuidor do meio de produção e em que o produto não lhe pertence.
25 - Não vamos, nesse trabalho, aprofundar o liberalismo, mas o entendemos em linhas gerais
como uma concepção de mundo fundamentada no individualismo e na propriedade privada
dos meios de produção, pilares do sistema capitalista. A liberdade subjacente ao termo libe-
ralismo indica liberdade para negociar a mercadoria força de trabalho no jogo do mercado.
Consequentemente, a instrução escolar qualifica os trabalhadores para disputar esse mercado,
sem o questionar.
26 - É importante considerar que o Estado é entendido por nós como uma construção da classe
dominante, operando como instrumento de dominação de uma classe sobre outra.
34 | História e Educação na Amazônia
Nossa hipótese de que a PHC se configura enquanto alternativa peda-
gógica para orientar pedagogicamente as escolas indígenas em relação às pe-
dagogias oficiais de cunho liberal se fundamenta no entendimento de que a
contemplação dos fundamentos legais estabelecidos legalmente para as esco-
las indígenas27 somente terá êxito se for orientada por uma teoria pedagógica
construída a partir do interesse das populações oprimidas pelo capital e tiver
como horizonte a superação da condição de explorada. A opção por partir
da Pedagogia Histórico-Crítica se explica pelo nosso entendimento de que,
como afirmamos, a Escola é um instrumento de classe e que as populações
indígenas, apesar de não satisfazerem os critérios de classe trabalhadora, se
enquadrariam na classe que sofre a ação da classe detentora da propriedade
privada dos meios de produção e, nesse sentido, suas escolas não deveriam ser
orientadas por teorias pedagógicas burguesas. Diante desse quadro, um dos
desafios que nos move é o de avaliar em que medida a Pedagogia Histórico-
Crítica se constitui em alternativa robusta para orientar escolas indígenas.

Pedagogia Histórico-Crítica, emancipação e Educação Escolar


Indígena

A PHC é uma orientação pedagógica de concepção filosófica materialis-


ta-dialética marxista, de modo que a consciência, enquanto forma específica e
histórica de reflexo da realidade no pensamento, se molda ao longo do proces-
so de evolução da vida sobre nosso planeta como consequência da especifici-
dade da atividade humana. Isto é, a atividade desenvolvida pelos homens não
serve apenas para adaptá-lo à realidade, mas também para transformar essa
realidade, adaptando-a aos interesses humanos e por ela se transformando,
humanizando-se no (e como resultado do) processo. A intermediação dessa
transformação é o trabalho. Por meio dele, a humanidade transforma a natu-
reza, a si próprio e gera conhecimento.28
O resultado do trabalho opera em dois caminhos. Por um lado suprem,
de maneira cada vez mais aperfeiçoada, as necessidades vitais humanas, ga-
rantindo com isso a produção dos meios para a sua subsistência material. Por
outro lado, cria na ordem natural algo especificamente humano, que retroage
sobre a espécie, reconstruindo-a e diferenciando-a das demais, complexifi-

27 - Interessante apontar que o problema não é no plano da lei. Elas existem e são razoáveis. O
problema é praticar o estabelecido no campo teórico das leis.
28 - Conhecimento que não pode ser separado da realidade material que o produziu, de modo
que não é a consciência que gera a realidade, mas o contrário.
História e Educação na Amazônia | 35
cando a consciência. Num ato teleológico, ou seja, numa ação movida por
uma atividade direcionada a um fim, o homem produz objetivamente a partir
do trabalho e se humaniza com essa produção. Cabe as gerações seguintes se
apropriarem dessas objetivações para a manutenção e aprimoramento do ho-
mem (DUARTE, 1993). O papel da escola como mediadora das apropriações
e das objetivações historicamente construídas pela humanidade é imprescin-
dível, sobretudo considerando que o conhecimento se torna cada vez mais
elaborado.
É no contexto acima que Saviani (1997, p. 19) ressalta: “[...] a escola
existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitem o
acesso ao saber elaborado (ciência)”. Consequentemente, “[...] a escola tem
a ver com o problema da ciência” (SAVIANI, 1997, p. 19). Opondo-se fron-
talmente às teorias pedagógicas liberais que em linhas gerais defendem que
todo saber é válido e de que a escola tem que tratar dos assuntos que os alunos
espontaneamente levantam, Saviani (1997, p. 19) conclui, sobre o papel da
escola, que

[...] não se trata, pois, [da socialização] de qualquer tipo


de saber. Portanto, a escola diz respeito ao conhecimento
elaborado e não ao conhecimento espontâneo; ao saber
sistematizado e não ao saber fragmentado; a cultura eru-
dita e não a cultura popular.

Ou seja, o conhecimento de senso comum, que produz palpites e opi-


niões, não justifica a existência da escola. Do mesmo modo, a sabedoria ba-
seada na experiência de vida dispensa a existência da escola. É a exigência
de apropriação do conhecimento sistematizado por parte das novas gerações
que torna necessária a existência da escola. Portanto, a conclusão é a de que
as atividades da escola devem se organizar tendo em vista possibilitar essa
apropriação.
Porém, o que ocorre com a escola fundamentada na propagação do
ideário burguês é um processo de naturalização da alienação, das relações
sociais necessárias a reprodução do modo de produção capitalista, da desa-
propriação dos conhecimentos historicamente elaborados pela humanidade
e dos bens materiais da classe explorada. A escola, nesse contexto, concentra
sua estrutura para a reprodução do trabalhador necessário à manutenção do
modo de produção capitalista. Compreender essa situação para superá-la é
etapa-chave para situar o papel da escola nessa reprodução e para a emancipa-
ção dessa condição. Para tanto, é preciso entender a contingência histórica dos

36 | História e Educação na Amazônia


modos de produção que garantem as condições reais de existência dos seres
humanos. Enquanto contingentes, os modos de produção se transformam ao
longo da história de modo que não existe emancipação da humanidade dada,
mágica, ou mesmo imposta no começo da história, mas a emancipação da
humanidade é uma conquista histórica que tem sido e continua sendo cons-
truída por todos os indivíduos e por cada um na concretude de sua totalidade.
E o papel da escola para a manutenção da ordem estabelecida, ou para sua
superação, é importante. É por ter sido gestada para orientar a educação esco-
lar emancipadora da classe oprimida pelo capital, que situamos a pertinência
da PHC para a educação escolar indígena em relação as pedagogias de cunho
liberais.
Diante dessa constatação, um primeiro e imprescindível passo dos
professores e alunos orientados pela PHC é questionar: a que (ou a quem)
serve(m) os conteúdos científico-culturais propostos pela escola estatal? Isso
porque na PHC o conhecimento não é tomado como neutro e a atividade
escolar não se desconecta da prática social. O ponto de partida e o ponto de
chegada da prática educativa é a prática social, as relações reais e concretas es-
tabelecidas historicamente que moldam o cotidiano. Daí decorre um método
pedagógico que parte da prática social, no qual professor e aluno se encontram
igualmente inseridos ocupando, porém, posições distintas. Posições necessá-
rias para que travem uma relação fecunda na compreensão e encaminhamen-
to da solução dos problemas postos pela prática social, cabendo aos momen-
tos intermediários do método identificar as questões suscitadas pela prática
social, dispor os instrumentos teóricos e práticos para a sua compreensão e
solução, bem como viabilizar sua incorporação enquanto elemento integrante
da própria vida do aluno.
Nesse contexto,

[...] o ponto de partida metodológico da pedagogia histó-


rico-crítica não é a preparação dos alunos, cuja iniciativa
é do professor (pedagogia tradicional), nem a atividade,
que é de iniciativa dos alunos (pedagogia nova), mas é a
prática social (primeiro passo), que é comum a professo-
res e alunos. Essa prática comum, porém, é vivenciada di-
ferentemente pelo professor e pelos alunos. Enquanto o
professor tem uma visão sintética da prática social, ainda
que na forma de síntese precária, a compreensão dos alu-
nos manifesta-se na forma sincrética (SAVIANI, 2013, p.
4, grifos no original).

História e Educação na Amazônia | 37


É importante destacar que a prática social considerada não é fetichiza-
da, alienada ou de uma realidade invertida, mas da prática social real, concre-
ta. Dizer, então, que o professor,

[...] para atuar eficazmente junto aos alunos deve ter uma
compreensão sintética da prática social significa dizer
que ele deverá ter uma compreensão articulada das múl-
tiplas determinações que caracterizam a sociedade atual
(SAVIANI, 2013, p. 4).

Ou seja, se os alunos, situando-se no ponto de partida, numa visão


sincrética, têm uma compreensão ainda superficial marcada pelas vivências
empíricas presas às impressões imediatas, o professor, em tese, já teria passa-
do pela análise, pela mediação do abstrato, ascendendo a uma compreensão
concreta, isto é, apreendendo a realidade como síntese de múltiplas determi-
nações, como unidade da diversidade (a qualidade da formação do professor
é imprescindível!).
Nesse contexto, assumir essa orientação pedagógica na atividade edu-
cativa significa ter presente o modo como está estruturada a sociedade atual
no interior da qual os educandos nasceram. Conhecer implica, então, captar
o movimento real, concreto, que nos permite entender a historicidade dessa
sociedade, de onde ela surgiu, como se encontra estruturada, quais as con-
tradições que a movem, definindo as tendências de seu desenvolvimento e
apontando para as possibilidades de sua transformação numa nova forma de
ordem superior, que somente poderá ser instaurada pela ação efetiva, inten-
cional e organizada das forças sociais que hoje se encontram subjugadas. E,
por isso, têm todo o interesse e buscam lutar para mudar as condições vigen-
tes e instaurar outro tipo de sociedade em que as relações entre os homens
encaminhem coletivamente o pleno desenvolvimento das forças produtivas
humanas em benefício de toda a humanidade (SAVIANI, 2013).
Diante disso e entendendo que o conhecimento concreto se dá media-
do pelos movimentos entre o conhecimento empírico (visão caótica do todo)
e o conhecimento científico (proporcionado pelo ambiente escolar), a PHC
devolve aos professores um papel central na mediação do processo de apren-
dizagem escolar, de modo que sua didática deva priorizar a prática social do
conteúdo; a problematização; a instrumentalização; a catarse; a prática social
final do conteúdo.29
Nesse sentido, a PHC, a partir dessa perspectiva didática e fundamen-

29 - Para maiores detalhes sobre essas etapas, ver Gasparin (2012).


38 | História e Educação na Amazônia
tada no método do materialismo histórico e dialético não distingue teoria e
prática. Ela parte da realidade concreta e retorna a ela, mediada pela proble-
matização, instrumentalização e catarse, com objetivo de trilhar um cami-
nho em direção à apropriação do conhecimento mais elaborado e permitir a
construção de uma representação mais completa no fim do processo do que
a representação caótica do início do processo de conhecimento da realidade
concreta.
Assim, uma educação escolar comprometida com a emancipação deve
propiciar uma visão crítica concreta acerca dos mecanismos e das sutilezas
da imposição de falsas consciências como forte mecanismo de dominação
e de imposição mascarada de consenso através do aprendizado dos saberes
elaborados. Por isso, deve oportunizar, por meio de bases filosóficas, psico-
lógicas e didáticas sólidas, o ensino e a apropriação dos alunos dos saberes
historicamente constituídos a fim de instrumentalizar a classe marginalizada
da força necessária para compreender e reverter sua condição de subalterni-
dade e participar ativamente na construção de uma sociedade que reflita seus
interesses. Entendemos que tais objetivos sequer tangenciam os fundamentos
educacionais das escolas com orientações pedagógicas liberais, como as esta-
tais burguesas.

Considerações finais

Procuramos mostrar que a Escola não é politicamente neutra. Ao lado


de Althusser (1970, 1983), Charlot (1986) e Saviani (1989) não concebemos a
Escola apartada e autônoma em relação à história social humana, mas como
pertencente, produto e produtora dessa história. No lugar de contribuir para a
emancipação intelectual humana a Escola estatal-burguesa centrada na meri-
tocracia e no individualismo perpetua a discriminação entre os homens, con-
denando-nos à alienação e, sobretudo, aos resultados pervesros da naturaliza-
ção da divisão social da produção.
Entendemos que são inúmeras as dificuldades para a implantação de
um modo escolar que atenda os interesses da classe contra-hegemônica em
geral e as sociedades indígenas, em particular. Além do descaso com que o Es-
tado atende as escolas não destinadas às elites há a dificuldade de implementar
um modelo pedagógico adequado que canalize e atenda o interesse da comu-
nidade que recebe a escola. Decorrente desse entendimento, apontamos que
as orientações pedagógicas fundamentadas no liberalismo não são adequadas
para atender aos interesses por escola dos povos oprimidos em geral e dos

História e Educação na Amazônia | 39


povos indígenas em particular.
O que temos constatado nas escolas indígenas que visitamos na região
de Santarém (PA) é um descaso pedagógico e financeiro. Entendemos que
deixar as escolas indígenas abandonadas pedagogicamente, movendo-se por
si, pode facilitar a proliferação de uma escola oficial alienante, que objetive a
formação de mão de obra para o mercado de trabalho e, consequentemente,
fortalecedora da divisão social humana em classes. Nesse contexto, é impor-
tante o exame e a defesa de uma concepção pedagógica que atenda melhor o
interesse desses povos por escola, que reforcem sua resistência à homogenei-
zação cultural e que objetive a emancipação e a autonomia.
A escola indígena deve se desprender do domínio do Estado burguês,
libertando-se da ideologia dominante a fim de se proporcionar formas de or-
ganização e de ação que realizem sua própria ideologia. Essa ruptura deve le-
var em conta as formas de domínio burguês e de combater a burguesia no seio
de suas próprias formas de dominação, mas sem nunca se deixar enganar por
essas formas (ALTHUSSER, 1970). Portanto, não se trata de negar a Escola
para esses povos, mas reelaborá-las às suas realidades e demandas. Foi nesse
contexto que procuramos defender a concepção segundo a qual Pedagogia
Histórico-Crítica, conforme delineada por Saviani (1989, 1991, 1997, 2005),
possa se configurar em um modelo educacional interessante para ser tomado
como parâmetro para as escolas indígenas uma vez que seus fundamentos se
assentam no materialismo histórico-dialético, na busca da emancipação da
classe oprimida pelo capital e na superação do modo de produção capitalista.

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42 | História e Educação na Amazônia


A construção do conceito de bilinguismo
na educação escolar indígena:
o caso dos Munduruku
do Rio Canumã-AM1
ADRIA SIMONE DUARTE DE SOUZA
Universidade do Estado do Amazonas (UEA)

Introdução

“A língua é uma força ativa na sociedade, um meio


pelo qual indivíduos e grupos controlam outros grupos
ou resistem a esse controle, um meio para mudar a
sociedade ou para impedir a mudança, para afirmar
ou suprimir as identidades culturais.”
(Peter Burke)

Neste artigo buscaremos situar as políticas linguísticas articuladas à


política de educação escolar indígena no Brasil, especificamente no estado
do Amazonas, detendo-se nas questões referentes à aliança entre a política
positivista do Estado brasileiro e a ação missionária do Summer Institute of
Linguistics (SIL).
Para tanto, far-se-á uma análise bibliográfica buscando articular as po-
líticas linguísticas às políticas educacionais governamentais no Amazonas.
Concomitantemente, busca-se analisar as consequências sociais, econômicas
e culturais que as políticas governamentais acarretam para os povos indígenas,
em geral, e para os Munduruku, em particular.
Adota-se como eixo de análise a política de implantação do ensino
bilíngue, primeiramente adotada pelo SIL e que posteriormente foi incorpora-
da pelos Munduruku. Esse será o eixo articulador das discussões sobre a atual
política governamental de educação escolar indígena em sua articulação com
as organizações indigenistas e indígenas.
O processo de formação da realidade cultural na Amazônia contou com
a presença de africanos, índios e colonizadores. Nesse território, é possível
conviver com a existência de pessoas que se expressam em línguas diferentes

1 - Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).


História e Educação na Amazônia | 43
e com diferentes visões de mundo. Assim, é preciso que o processo educativo
considere essa diversidade não apenas ao nível declarativo, mas criando con-
dições e espaços que possibilitem a viabilização de um trabalho pedagógico
diferenciado em sala de aula.
O processo de escolarização indígena na Amazônia foi permeado por
uma práxis que caminhava em conformidade com os interesses econômicos
e políticos dominantes. Assim, a evangelização e exploração formavam um
conjunto indissociável, pois a catequese indígena visava, além de transformar
o índio em súdito português, a explorar a mão de obra indígena com o intuito
de acumular riquezas. Na Amazônia, essa situação de imposição, massacre e
exploração não se fazia diferente, pois, como afirma Weigel (2000, p. 99),

O interesse dos Missionários em relação aos índios não


dizia respeito somente à cristianização. As diferentes or-
dens religiosas, que se instalaram na Amazônia, ao longo
do século XVII, configuraram-se como empresas, com
explícitos interesses econômicos e acumulação de rique-
zas.

Nesse sentido, o processo de conquista da Amazônia, como afirma Frei-


re (1983, p. 38), caracterizou-se, entre outras, por uma enorme contradição:
de um lado, a absoluta dependência de comunicação entre os recém-chegados
europeus para com a experiência dos indígenas que já ocupavam esta terra há
milênios; de outro, “[...] o obstáculo encontrado para apropriar-se desta expe-
riência devido às dificuldades de comunicação originadas pelas diferenças de
línguas”.
Assim, propomos algumas questões relacionadas às formas como histo-
ricamente se pretendeu resolver essa contradição na Amazônia brasileira, bem
como afirmar que nessa região as políticas linguísticas, como afirma Honório
(2000, p. 118), oscilaram entre “[...] falar uma língua, falar duas línguas, falar
muitas línguas, ou, simplesmente silenciar [...].”

As políticas linguísticas e a questão educativa indígena: as múltiplas


fases atravessadas

A fase dos intérpretes portugueses: fala branco, fala índio, mas a língua do bran-
co fala pelos indígenas

Podemos afirmar que esse método de educar o índio a partir da ótica


do branco europeu está datado desde o início da ocupação colonial. Essa me-
44 | História e Educação na Amazônia
todologia de educar torna-se mais definida quando o “[...] anseio de submeter
o indígena passou a ser elemento central da ideologia dominante no mundo
colonial lusitano” (FERNANDES apud MELIÁ, 1979, p. 43). Partindo da pre-
missa de que o índio não tinha educação, porque não tinha a “nossa educação”
(a saber, a educação ocidental e cristã), os colonos e a Coroa assumiram essa
modalidade de fornecer a “nossa educação” aos gentios. Mas foram os jesuítas,
entre outros religiosos, que tomaram para si a missão de fornecer uma nova
educação para o índio.
Assim, na realidade brasileira, a partir do século XVI, o programa de
educação escolar para povos indígenas teve como base a catequização e a in-
tegração forçada dos índios. A atuação dos missionários jesuítas, nesse pri-
meiro momento, foi imperativa, pois a educação por eles apregoada e prati-
cada visava a consolidar os interesses da Coroa portuguesa nas suas colônias.
Conforme afirma Meliá (1979, p. 44), “[...] a história da educação imposta ao
índio está intimamente ligada à história da Igreja no Brasil, pelo menos até a
expulsão dos jesuítas em 1759”.
No que tange às questões linguísticas, os europeus compreenderam que
a comunicação com os índios apresentava-se como uma questão de sobrevi-
vência para aqueles que faziam parte das expedições. Nesse sentido, Freire
(1983, p. 40) aponta que “[...] desde os primeiros contatos [...] tanto as entra-
das localizadas em áreas limitadas como as expedições mais ambiciosas leva-
vam sempre ‘línguas’ intérpretes”.
Honório (2000, p. 122) afirma que, nesse período, “[...] a diversidade
linguística passa a ser trabalhada na textualidade dos relatos de missionários
e viajantes, lugar de construção de imagens de um Brasil a ser transformado”.
Contudo, na Amazônia, a urgência na comunicação entre os índios e
os europeus encontrou uma série de obstáculos. Freire (1983, p. 42) aponta
para uma “[...] complexidade do quadro linguístico da Amazônia, caracteriza-
do por uma enorme diversidade de línguas, situação bem diferente da relativa
homogeneidade encontrada pelos portugueses no litoral brasileiro ou pelos
espanhóis nos Andes”.
Nesse período, a divisão das línguas em línguas de cultura (ou civiliza-
ção) e línguas das culturas (indígenas) sustentou as políticas de colonização
e de construção de uma unidade nacional para o País. Na primeira fase do
período colonial, as línguas das culturas serviram como instrumento de do-
mesticação e exclusão, facilitando a política de exploração.

História e Educação na Amazônia | 45


A fase da implantação do nheengatu: a repressão da diversidade para facilitar
o processo de comunicação

Freire (1983, p. 43) argumenta que, diante do quadro de verdadeira “de-


sordem linguística”, urgia que fossem tomadas “sérias políticas” em relação
às inúmeras línguas faladas pelos indígenas, sobretudo porque essa verdadei-
ra “babel” constituía-se como um obstáculo para os agentes do colonialismo.
Assim, milhares de índios foram retirados de suas aldeias de origem, transfe-
ridos de seus territórios e integrados ao sistema de “aldeias de repartição” ou
“aldeias domésticas”.
Nesse sentido, Freire (1983, p. 43) afirma que:

[...] na medida em que foi se tomando consciência da


enorme variedade linguística, as dificuldades de ordem
prática foram se colocando: não era viável para um mis-
sionário encarregado de uma aldeia de repartição apren-
der todas as línguas aí faladas. Era necessário obter essa
‘obediência’ por outros meios.

Assim, a prática missionária decidiu reprimir as diferentes línguas na


tentativa de “abolir as diferenças” e “facilitar a tarefa comunicativa” para via-
bilizar o projeto colonial por meio da “política do silenciamento”. Na prática,
isso significou a imposição de uma única língua.
Como afirma Honório (2000, p. 122-123),

Tanto os indígenas quanto não-indígenas (colonos por-


tugueses, escravos africanos) falam, no período colonial,
a chamada língua geral. A diversidade concreta é redu-
zida a essa unidade imaginária, a língua geral da costa: a
intensificação das relações de contato intra e intertribais
produz um aumento do número de falantes da língua ge-
ral.

Dessa forma, o nheengatu passa a disputar espaços com outras línguas


indígenas, a língua falada pelos escravos africanos e a língua falada pelos co-
lonos portugueses. A implantação definitiva da língua portuguesa no País é
impedida pelo predomínio de falantes indígenas nesse primeiro século de co-
lonização.

46 | História e Educação na Amazônia


A fase da expansão do nheengatu

A difusão inicial do nheengatu se fez de forma não sistemática, a partir


do momento em que, nas aldeias de repartição, começaram a ser “estocados”
índios não tupi. Esses aldeamentos iniciaram um importante papel no ensino
do nheengatu, “[...] que passou então a ter também uma função de língua de
comunicação inter-étnica” (FREIRE, 1983, p. 49).
Conforme a classificação de Honório (2000), duas línguas gerais vieram
a ter grande difusão e importância histórica no Brasil. A primeira era chama-
da língua geral paulista, que, a partir da base linguística dos índios Tupi de
São Vicente e do alto rio Tietê, expandiu-se pelo interior de São Paulo, Minas
Gerais, Mato Grosso e Paraná, tornando-se a língua falada por mamelucos
paulistas do século XVI ao XVIII. A segunda língua era chamada de língua
geral amazônica ou nheengatu, criada no início do século XVII, que teve como
base o Tupinambá.

A fase da expansão do nheengatu por meio do apoio do Estado

A expansão do nheengatu como política de Estado deu-se em confor-


midade com as práticas missionárias de aldeamento, catequização e escolari-
zação dos índios. Nesse momento, houve uma promoção da expansão da lín-
gua geral, ocasionando o enfraquecimento de “falares” das línguas indígenas.
No período aqui compreendido como Regimento das Missões (1616-1757), as
ordens religiosas incumbidas do processo educacional e civilizatório da popu-
lação amazônica

[...] abriram escolas e nuclearam índios em aldeias para a


catequese, cujo objetivo não compreendia apenas a pro-
pagação da fé cristã, mas um complexo trabalho envol-
vendo modificações de hábitos sociais, reformas de re-
gime de trabalho, ensino de leitura e escrita e de ofícios
mecânicos (SILVA, 1985, p. 41-42).

O nheengatu foi implantado como idioma oficial das missões religiosas


da Amazônia e passou a ser ensinado sistematicamente aos índios de diferen-
tes famílias linguísticas estocados nas aldeias de repartição. Conforme afirma
Freire (1983, p. 51), “[...] três anos após o Regimento das Missões, a Coroa
Portuguesa [...] decidiu oficializar o nheengatu como língua da Amazônia, in-
centivando seu ensino”.
Honório (2000, p. 123) afirma que, a partir da oficialização da língua ge-
História e Educação na Amazônia | 47
ral durante o período colonial (século XVI), ocorre uma espécie de negociação
das “heterogeneidades linguísticas em espaços multilíngues” para formulação
de espaços bilíngues onde falar a língua geral funciona “imaginariamente”
como falar as línguas indígenas. Ainda nas palavras dessa autora, “a política
de institucionalização da língua geral, funcionando como uma das práticas
necessárias de dominação do povo colonizado, trabalha a domesticação das
línguas em contato”.
Em relação às políticas linguísticas na Amazônia no primeiro século da
colonização portuguesa (1616-1720), Freire (1983) afirma que: a) o nheengatu
tornou-se a língua de comunicação interétnica falada por diferentes povos da
Amazônia, que foram obrigados a integrar-se ao sistema colonial por meio da
sua utilização nas escolas das aldeias e nas capitanias; b) as demais línguas in-
dígenas foram condenadas à extinção, por ocasião da implantação e expansão
do nheengatu, pois as línguas eram abandonadas pelos índios que as falavam,
sobretudo, pelo extermínio físico de muitos povos.

A fase da expansão do nheengatu sem o apoio do Estado (1727-1850)

Nesse período, a língua portuguesa impôs-se como um mecanismo de


controle do Estado. Construiu-se a partir daí um novo espaço permeado pela
política de interdição explícita advinda da lei pombalina. Até a expulsão dos
missionários da Companhia de Jesus, em 1759, os jesuítas usaram a educação
escolar, entre outros métodos, para impor o ensino obrigatório em português
como meio de promover a assimilação dos índios à civilização cristã. Confor-
me analisa Freire (1983, p. 58),

[...] depois de um século e meio a língua que havia servi-


do como língua franca e de unidade regional para uma
maior rentabilidade da conquista, passou a ser vista como
‘diabólica’ e incapaz de ‘traduzir’ os interesses coloniais.
É que os tempos agora eram outros e a Coroa Portuguesa
tinha um novo projeto para a região.

Após a expulsão dos jesuítas, outras missões se encarregaram de “civili-


zar” os índios por meio dos mesmos “métodos religiosos”. Dando continuida-
de à política de “civilização” das “almas selvagens e pagãs”, iniciada no perío-
do colonial, o primeiro Projeto Constitucional de 1823, já no Brasil imperial,
propôs a criação de estabelecimentos para a catequese e civilização dos índios.
Silva (1994, p. 43-44) afirma que, com a instauração do Império (1822),
“tudo ficou como antes” no tocante à questão educacional, pois no Projeto
48 | História e Educação na Amazônia
Constitucional de 1823, em seu título XVIII, art. 254, foi proposta a criação de
“[...] estabelecimento para a Catechese e civilização dos índios [...]” (SILVA,
1994, p. 43). Em virtude da dissolução da Assembleia Constituinte em 1823,
essa proposta não entrou em vigor e uma nova Constituição foi outorgada por
Dom Pedro I em 1824, a qual não faz referência à questão indígena. Somente
uma década depois, o Ato Adicional de 1834, artigo 11, § 5º atribuiria compe-
tências às Assembleias Legislativas Provinciais “[...] para promover cumulati-
vamente com as Assembleias e Governos Gerais [...] a catechese e a civilização
do indígena e o estabelecimento de colônias” (SILVA, 1994, p.44).

A fase da instituição do português como língua oficial: o Diretório é a “Lei”

O poder delegado aos missionários pelo Regimento das Missões come-


çou a ser considerado obstáculo ao desenvolvimento do estado do Grão-Pará
e do Maranhão. Instituída a partir de maio de 1757, a lei que ficou conhecida
como Diretório dos Índios2 estabelecia uma série de novas medidas com vistas
à efetivação na Amazônia dos objetivos mercantilistas do colonizador portu-
guês.
A tentativa de domínio da região deu-se por meio da imposição de um
perfil predominantemente português e não indígena. Nesses termos, a Coroa
fez do Diretório “a lei” para a Amazônia, tratando tanto de questões econômi-
co-administrativas quanto de assuntos socioculturais e religiosos.
O parágrafo terceiro do Diretório legisla sobre a administração tempo-
ral e espiritual das aldeias com a dupla finalidade de “cristianizar” e “civilizar”.
Sobre a cristianização, o Diretório preceitua que

[...] aos párocos, em cada aldeia missionada tornada pa-


róquia e aos prelados na Diocese, representando a auto-
ridade eclesiástica maior e equiparável ao governador de
Estado, estaria reservada a ‘cristianização’ dos índios [...].

Ao passo que o quinto artigo do Diretório prevê que aos “Diretores”


estaria reservada a tarefa de “civilidade dos índios” (ALMEIDA, 1997, p. 169).
Esse período de proibição da língua geral e da obrigatoriedade do uso
do português tem por objetivo a unificação linguística como uma das normas
no conjunto das práticas institucionais. Assim, “[...] a língua do príncipe era

2 - Nome abreviado do "Directório que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará e Ma-
ranhão em quanto Sua Majestade não mandar o contrário (1757-1798)", publicado em edição
fac-similar por Almeida (1997).
História e Educação na Amazônia | 49
a língua portuguesa, cujo uso passa a ser obrigatório, recebendo seu ensino o
estímulo da criação de escolas públicas” (ALMEIDA, 1997, p. 173).
Almeida (1997, p. 173) também afirma que

[...] a introdução da língua portuguesa foi desafio de luta


contra o uso da ‘língua geral’, empregada pelos jesuítas
no trato com os índios, mas também representou uma
afirmação política sobre os domínios conquistados.

A política pombalina caracterizou-se como um período marcado pela


imposição do português em território nacional e pela negação da língua ge-
ral. No entanto, funcionaram práticas de resistências veladas, pois, embora os
indígenas só pudessem falar em língua portuguesa nas escolas mantidas pelas
missões, muitos deles continuavam a falar línguas indígenas em seu cotidiano.

A prática positivista do SPI: o reconhecimento como forma de controle


do Estado

O ideário de assimilação e integração do índio atravessou todo o pe-


ríodo colonial e imperial até chegar à prática positivista do Serviço de Pro-
teção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN), em
1910. Foi a partir da expansão do Estado nacional no período republicano,
aqui concebido como processo e “[...] formalmente separado das ordens ecle-
siásticas” (LIMA, 1992, p. 166), que ocorreu a criação do Serviço de Proteção
aos Índios (SPI).
Sendo o primeiro aparelho de poder governamental, o SPI foi instituído
para gerir a relação entre os povos indígenas, o Estado e demais segmentos da
sociedade brasileira. A ênfase da ação protecionista e integracionista imple-
mentada pelo SPI residia na educação escolar como via de acesso à incorpora-
ção do índio ao Estado brasileiro com vistas a garantir a soberania territorial
nacional. Nesse sentido, proteger o índio por meio do reconhecimento quanto
à “origem” da nacionalidade brasileira “[...] é assegurar o controle sobre os
rincões mais isolados desse mesmo território” (LIMA, 1992, p. 167).
A afirmação de Ferreira (2001, p. 74) de que a ação do SPI relativa à
educação escolar, “[...] após quatro séculos de extermínio sistemático das po-
pulações indígenas [...]”, era uma preocupação legítima do Estado com a di-
versidade linguística e cultural dos povos indígenas.
Sobre esse período, Silva e Azevedo (2000, p. 150) afirmam que

50 | História e Educação na Amazônia


Com a República, o quadro não mudou significativamen-
te no que diz respeito à educação escolar indígena. Mais
uma vez se observa a inércia do Estado e o grande afluxo
de missões religiosas encarregadas da tarefa educacional
civilizatória. Em poucas palavras, desde a chegada das
primeiras caravelas [...], o panorama da educação escolar
indígena foi um só, marcado pelas palavras de ordem ‘ca-
tequizar’, ‘civilizar’ e ‘integrar’.

A adequação das escolas às necessidades de cada grupo indígena não


ocorria devido à diversidade cultural de cada povo. Ferreira (2001, p. 75) afir-
ma que, “apesar do SPI se referir às diversidades de línguas e culturas como
‘o que melhor caracteriza os nossos grupos indígenas’, o reduzido número de
índios” não justificava, para as autoridades da época, o investimento em alfa-
betização indígena bilíngue.
O período das políticas do SPI também foi marcado pela ação do Sum-
mer Institute of Linguistics no Brasil, que, a partir de 1956, se caracterizou,
conforme Silva (1994, p. 44-45),

[...] pelo emprego de metodologias e técnicas distintas


das que se desenvolviam até então, o ‘novo’ projeto não
escondia, como todos os seus predecessores, os mesmos
objetivos civilizatórios finais. Fundado em teorias lin-
guísticas completamente ultrapassadas nos centros me-
tropolitanos de origem, mas praticamente desconheci-
dos na província acadêmica de países periféricos como
o nosso.

O SIL é uma missão evangélica dos Estados Unidos especialista em tra-


duzir o Novo Testamento para línguas ágrafas. No cenário latino-americano,
essa entidade foi responsável pela educação escolar indígena, na política do
pós-guerra, em uma série de países. No Brasil, por meio do apoio político e
econômico do governo, o SIL treinou monitores e agentes de educação, ela-
borou materiais didáticos, especialmente cartilhas, na língua de cada povo,
desenvolveu programas e métodos de ensino em alfabetização e promoveu a
construção de escolas em algumas áreas indígenas.
Nas décadas subsequentes aos anos 1960, o SIL ditou as regras no que se
referia à questão educativa indígena, tanto no trabalho desenvolvido pelo SPI
quanto, posteriormente, no trabalho desenvolvido pela Fundação Nacional do
Índio (Funai).

História e Educação na Amazônia | 51


Como esses conceitos se apresentaram diante dos Munduruku?

Como o problema de estudo desta pesquisa busca analisar como se dão


as relações entre bilinguismo e identidade nos processos educativos escolares
numa aldeia que não possui falantes da língua indígena Munduruku, torna-se
importante pontuar como ocorreu o processo de implantação das raízes da
educação bilíngue na aldeia Kwatá no rio Canumã, estado do Amazonas.
Nesse sentido, três pontos são passíveis de análise sobre os Munduruku
da aldeia Kwatá. O primeiro deles diz respeito à ação do Summer Institute
of Linguistics à aldeia na década de 1960; o segundo reside na tentativa de
implantação das políticas de educação escolar, onde está assegurado às socie-
dades indígenas o direito a uma educação específica, intercultural e bilíngue;
o terceiro pode ser encarado como um resultado “identitário”, uma síntese
ideológica e cultural, que transita entre os dois primeiros aspectos.
Em relação ao processo de implantação da educação escolar bilíngue
instituída pelo Summer Institute of Linguistics,3 Silva e Azevedo (2000, p. 51)
afirmam que

Com a chegada do Summer Institute of Linguistics ao Bra-


sil em 1956 [...]. Caracterizado pelo emprego de meto-
dologias e técnicas distintas das que se desenvolviam até
então, o ‘novo’ projeto não escondia, como todos os seus
predecessores, os mesmos objetivos civilizatórios finais.
Os objetivos do S.I.L. [...] nunca foram diferentes dos de
qualquer missão tradicional: a conversão dos gentios e a
salvação de suas almas [...]. Neste quadro as línguas indí-
genas passaram a representar meios de ‘educação’ desses
povos a partir de valores e conceitos ‘civilizatórios’.

Na década de 1960, o SIL desenvolveu um projeto em convênio com a


Funai na aldeia Kwatá, onde dois indígenas escolhidos como monitores en-
sinaram a língua Munduruku para duas pesquisadoras do instituto. A esse
respeito, Silva e Azevedo (2000, p. 152) afirmam que “[...] muitas vezes esse
monitor indígena servia também de informante sobre a sua língua para os
missionários, na tarefa da tradução da bíblia, objetivo principal do S.I.L.” De
fato, dois anos após a partida das pesquisadoras, a aldeia Kwatá recebeu do SIL
a tradução da Bíblia na língua Munduruku.
Torna-se importante salientar que, para os Munduruku, o período que

3 - O Summer Institute of Linguistics (SIL) é um organismo ligado a uma fundação norte-ameri-


cana cujo objetivo principal é a tradução da Bíblia em diferentes línguas.
52 | História e Educação na Amazônia
compreende a visita do SIL e as novas determinações legais advindas da Cons-
tituição de 1988 e da LDB/1996 existe um silenciamento nas discussões e prá-
ticas referentes às questões de línguas indígenas, seja no tocante à sua revitali-
zação ou ao seu uso para comunicação entre os indígenas. Essa discussão só é
retomada na década de 1990 em diante, a partir da organização do movimento
dos professores indígenas Mura e Munduruku, com vistas ao fortalecimento
das instituições Munduruku como a União dos Povos Indígenas Munduruku
e Saterê-Mawé (Upins).
Contudo, para os Munduruku, é nos anos 1990 que “nasce” um concei-
to que reorganizará os interesses linguísticos dessa comunidade e se tornará
muito conhecido pelos estudiosos da escola indígena na atualidade: o bilin-
guismo. Posteriormente, esse conceito foi agregado ao vocabulário pedagó-
gico nas suas mais diferentes sinonímias: ensino bilíngue, ensino em língua
materna etc.

A Fundação Nacional do Índio (Funai): a invenção do conceito de


bilinguismo

A extinção do SPI, no fim da década de 1960, e a criação da Fundação


Nacional do Índio (Funai), em 1967, marcaram uma nova fase para a edu-
cação escolar indígena. Nesse período, temos também a criação de diversas
entidades não governamentais de apoio às causas indígenas, como a Associa-
ção Brasileira de Antropologia (ABA) e o Conselho Indigenista Missionário
(CIMI) (1972). No bojo da ditadura militar, a Funai assume uma posição inte-
gracionista e de apoio ao capital estrangeiro no País.
Nessa perspectiva, a política indigenista oficial materializada no Estatu-
to do Índio4 (Lei nº 6.001/1973), artigo 49, institui a obrigatoriedade da alfabe-
tização em língua nativa nas escolas indígenas. Esse artigo do referido estatuto
preceitua que “[...] a alfabetização dos índios far-se-á na língua do grupo a que
pertençam, e em português, salvaguardando o uso da primeira”.
Os objetivos integracionistas da educação escolar colocada em prática
pela Funai contradizem as diretrizes do estatuto que asseguram o bilinguis-
mo como um meio de respeitar o “[...] patrimônio cultural das comunidades
indígenas, seus valores artísticos e meios de expressão” (artigo 47 do Estatuto
do Índio).
A política linguística durante a ditadura militar assumiu o discurso da

4 - Quanto ao Estatuto do Índio, ainda vigora o anterior à Constituição Federal (Lei nº 6.001, de
19 de dezembro de 1973). O novo estatuto encontra-se em tramitação no Congresso Nacional.
História e Educação na Amazônia | 53
“educação bilíngue” como uma tática para resguardar os interesses civilizató-
rios do Estado. Na realidade, a política governamental visava a “favorecer o
acesso” dos índios ao sistema nacional de ensino, da mesma forma que faziam
os missionários católicos e evangélicos, estes os inventores das técnicas bilín-
gues empregadas pelo SIL com vistas à conversão religiosa.
O grande parceiro dos projetos educacionais da Funai foi o SIL, insti-
tuição que transformou o bilinguismo oficial em uma forma de dominação,
mantendo os mesmos objetivos civilizatórios dos primeiros missionários vol-
tados para a salvação das almas pagãs.
Nessa perspectiva, as línguas indígenas passaram a representar formas
de educar o “índio selvagem” a partir dos conceitos e normas do “branco ci-
vilizado”. Associado à negação e ao silenciamento das culturas indígenas dos
períodos anteriores, o SIL utilizou uma nova estratégia, a saber,

[...] a nova ordem passou a ser a documentação destes


fenômenos em caráter de urgência [...] a diferença deixou
de representar um obstáculo para se tornar um instru-
mento do próprio método civilizatório (SILVA, 2000, p.
151).

É possível perceber que o discurso da Funai ganha forma levantando


a bandeira de “respeito a diferença” e do conceito de bilinguismo. No docu-
mento que descreve as ações da Funai acerca da educação escolar indígena, de
1980, encontramos a seguinte afirmação:

A educação indígena é assegurada pela Lei 6.001/73, que


em seu art. 48 estende ao índio o sistema de ensino em
vigor no país, com as necessárias adaptações.
A FUNAI tem concentrado sua atenção no ensino de 1º
grau, principalmente nas quatro primeiras séries, que
correspondem ao antigo primário.
A nível de ensino profissionalizante a experiência da FU-
NAI está na formação de monitores bilíngues de educa-
ção, saúde e agricultura, visando a utilização de mão-de
-obra indígena, nas áreas específicas sem qualquer risco
de destriballização.
O principal projeto da FUNAI na área da educação é o
Centro de Treinamento Clara Camarão - CTPCC, criado
em 20/janeiro de/70, [...] com o objetivo de formar moni-
tores nas áreas de agricultura e saúde, além de monitores,

54 | História e Educação na Amazônia


para atuação como alfabetizadores na língua nativa.5

Por um lado, até o ano de 1988 não havia na Constituição Federal e na


legislação brasileira infraconstitucional nenhuma referência explícita sobre o
reconhecimento dos direitos e especificidades indígenas; por outro, após essa
data é possível perceber que a adoção de conceitos como “bilinguismo, eman-
cipação, destribalização”, que esbarra nas ambiguidades contidas na legislação
e mostra as contradições entre o discurso e a prática desenvolvida junto às
comunidades indígenas.
Em relação à escolarização das comunidades indígenas, se percebe que,
no discurso da Funai, o uso do conceito bilinguismo não apresenta nada de
novo ou moderno, pois no quadro desse modelo de educação “[...] a ques-
tão não era abolir grosseiramente a diferença, mas sim domesticá-la” (SIL-
VA, 1994, p. 44). Assim, o modelo de “escola bilíngue” que nasce na época
da aliança entre Funai e SIL é aquele utilizado para respaldar a formação de
monitores bilíngues para a documentação das línguas e das culturas nativas do
Brasil com intuito meramente de integração.

O movimento dos professores indígenas: a consolidação do conceito


de bilinguismo

Após esse período de efervescência linguística nos anos 1960, propor-


cionada pela visita dos missionários/ pesquisadores do SIL, o povo Munduru-
ku participou ativamente na luta pelo reconhecimento oficial de cerca de 170
línguas indígenas faladas no Brasil e pelo direito dos povos indígenas ao ensi-
no de suas línguas maternas nas escolas diferenciadas indígenas, assegurado na
Constituição Federal de 1988. Esse fenômeno tornou urgente a formação de
professores indígenas especializados no ensino bilíngue (mesmo que esse pro-
fessor não saiba a língua, como é o caso dos Munduruku), gerando expectati-
vas e frustrações nesses sujeitos que anseiam por se expressar em suas línguas.
A fase da “escola diferenciada” resultou da mobilização dos povos indí-
genas e se refletiu diretamente nas políticas e ações da década de 1980, prin-
cipalmente àquelas voltadas para a valorização e/ou revitalização das línguas
indígenas. Esse período é marcado pelo nascimento, surgimento e consolida-

5 - Transcrição dos parágrafos 1º, 3º, 4º e 5º do relatório de 23 de maio de 1980, elaborado pelo
Departamento Geral de Desenvolvimento Comunitário da Funai, assinado por Jaime de Mattos,
Chefe da Divisão de Educação, que descreve os projetos da Funai na área da educação escolar
indígena.
História e Educação na Amazônia | 55
ção de diversas organizações de educadores indígenas.6
Na década de 1980, faz-se a distinção, apontada por Meliá (1979), entre
“educação indígena” e “educação para o índio”, e têm início diferentes expe-
riências escolares indígenas e de formação de educadores, apoiadas por diver-
sas instituições de assessoria.7
As décadas de 1980 e 1990, apesar de a educação escolar indígena se
apresentar ainda com muitas questões a serem discutidas e transformadas, fo-
ram períodos de significativos avanços e conquistas, principalmente marcadas
pela aceleração das discussões e propostas legais de regulamentação de educa-
ção escolar nas comunidades indígenas a partir da promulgação da Constitui-
ção Federal de 1988.
A Constituição Federal assegurou aos indígenas o direito à sua orga-
nização social, costumes, línguas, crenças e tradições, dedicando-lhes um ca-
pítulo no título: “Da Ordem Social”. O § 2º do artigo 210, da Constituição
também consolida o conceito de bilinguismo quando afirma que “o ensino
fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às co-
munidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e proces-
sos próprios de aprendizagem”.
Há também diversas legislações complementares tratando do tema
sobre populações indígenas: Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996, so-
bre processos administrativos de demarcação de terras indígenas; Decreto nº
1.141, de 10 de maio de 1994, sobre ações de proteção ambiental, saúde e apoio
às atividades produtivas para as comunidades indígenas; Decreto nº 564, de 8
de junho de 1992, Estatuto da Fundação Nacional do Índio.
No campo da educação, o Decreto nº 26, de 4 de fevereiro de 1991,
transferiu a responsabilidade da educação escolar indígena da Funai para o
Ministério da Educação (MEC). Em razão dessa mudança, coube ao órgão
ministerial as responsabilidades últimas sobre a educação escolar indígena.
Esse decreto previu que as ações de desenvolvimento das escolas indígenas,
bem como sua regularização, seu incremento e constantes melhorias seriam
feitos pelos Sistemas Estaduais de Educação, e, em casos específicos, pelos mu-
nicípios em colaboração com os respectivos estados.

6 - Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho dos


Professores Indígenas da Amazônia (Copiam), Organização dos Professores Indígenas de Ro-
raima (Opir), Organização dos Professores Ticuna Bilíngues (OGPTB), Federação das Organi-
zações Indígenas do Rio Negro (Foirn), entre outras.
7 - Articulação Nacional de Educação (ANE) [Coordenada pelo CIMI], Comissão Pró-Índio do
Acre (CPI/AC) e Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI/SP), Instituto Socioambiental (ISA),
Operação Amazônia Nativa (Opan), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entre outras.
56 | História e Educação na Amazônia
Posteriormente, a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB), ins-
tituiu como dever do Estado a oferta de uma educação escolar bilíngue e in-
tercultural e uma legislação regulamentar – a Resolução CEB nº 3, do CNE de
1999 – que estabeleceu as diretrizes curriculares nacionais e fixou normas para
o reconhecimento e funcionamento das escolas indígenas.
Soma-se a isso a publicação, pelo Ministério da Educação e Cultura, dos
Referenciais Curriculares Nacionais para as Escolas Indígenas (1998), a atua-
ção do Comitê de Educação Escolar Indígena do MEC (hoje extinto), enquan-
to órgão consultivo das ações do Ministério, além das inúmeras publicações
de livros didáticos financiadas pelo MEC.
Todo esse quadro trouxe inevitavelmente um grande estímulo à discus-
são sobre a escolarização dos diferentes povos indígenas, com inúmeros pro-
jetos de formação de professores indígenas realizados no País desde a década
de 1990, ações que contaram com financiamento público e participação de
secretarias, universidades e organizações não governamentais (ONGs).
Nesse sentido, a Secretaria Estadual de Educação e Qualidade de Ensi-
no do Estado do Amazonas, como as demais secretarias espalhadas pelo País,
mobilizou-se e organizou o curso de formação intitulado “Kabi‘ara”, que visa-
va a formar especificamente os professores Munduruku, Mura e Sataré-Mawé.
O projeto citado é uma ação do Programa de Formação de Professores Indí-
genas no Estado do Amazonas, intitulado “Pira-Yawara”, que foi o primeiro
projeto de formação para professores indígenas no Amazonas.

Considerações finais

Não se pode perder de vista que a educação não se separa de outras


questões presentes no cotidiano em que se insere, nem está desvinculada dos
aspectos sociais, políticos, econômicas e culturais da realidade. Assim, a luta
empreendida pelas sociedades indígenas ainda perpassa pela terra, pela ga-
rantia da demarcação e recuperação de terras milenares que podem garantir a
oferta de alimentos, de água potável, de rios com peixes, da vida em liberdade
e de uma relação equilibrada com a sociedade envolvente – enfeixando e sinte-
tizando a luta pela defesa e garantia dos direitos dos povos indígenas. Soma-se
a isso a necessidade de construir uma educação que “dê conta” das especifici-
dades de cada comunidade, pois “educar o indígena” é, pela própria natureza,
um lugar de profundo confronto ideológico entre as sociedades indígenas, o
Estado e demais segmentos da sociedade civil.
Não adianta discursar sobre o respeito à cultura indígena, à diferença

História e Educação na Amazônia | 57


e ao bilinguismo sem antes ter feito as devidas críticas sobre a ideologia que
permeia as relações educativas e o próprio corpo da educação, no caso da edu-
cação escolar indígena, “levada” pela sociedade hegemônica para as comuni-
dades indígenas durante os diferentes cursos de formação inicial e continuada.
Os povos indígenas e os pesquisadores que “militam” na área educa-
cional veem a necessidade de reflexões teóricas oriundas da própria realidade
indígena e, atrelado a esses espaços de reflexão, percebemos também a neces-
sidade de um comprometimento político tanto dos povos indígenas quanto
de seus parceiros frente aos poderes do Estado com o objetivo de garantir a
efetivação de ações que respeitem as culturas, as línguas e as diferenças de cada
povo indígena.

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História e Educação na Amazônia | 59


60 | História e Educação na Amazônia
O Instituto do Prata:
índios e missionários no Pará
(1898-1921)
IRMA RIZZINI
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

ALESSANDRA SCHUELER
Universidade Federal Fluminense (UFF)

“A chamada dos selvicolas ao gremio da civilisação,


na generalidade, só pode ser feita trazendo á amiza-
de os adultos e velhos, para obter os filhos menores,
que, com a educação do coração e instrucção, são
os que podem ser regenerados de costumes e moral,
cuja modificação não é conseguida naquelles.”1

No dia seguinte à chegada dos missionários capuchinhos ao território


ocupado principalmente por famílias indígenas da etnia Tembé no Pará, er-
gueu-se “[...] a Cruz nas ínvias mattas, celebrando-se, também, pela primeira
vez o Sacrifício da Missa” (MUNIZ, 1913, p. 10). Tratava-se da região da nas-
cente do rio Maracanã e banhada pelo rio Prata, considerada salubre e pos-
suidora de terras férteis pelas autoridades e missionários, além da vantagem
do fácil acesso à capital Belém. O relato histórico do chefe do serviço de colo-
nização, João de Palma Muniz, sobre a primeira missa rezada por frei Carlos
de São Martinho, no solo onde se ergueria o Núcleo Indígena do Maracanã,
é tomado de referências, nas entrelinhas, à chegada dos portugueses nestas
terras e à experiência colonial jesuítica.
A criação de um núcleo indígena, resgatando em vários aspectos a ex-
periência dos aldeamentos do século XIX, não era uma unanimidade entre as
autoridades, tendo em vista os projetos de colonização com braços nacionais
e europeus previstos e/ou desenvolvidos na região de Bragança.2 Contudo, a

1 - Texto de João de Palma Muniz (1913, p. 22), chefe do serviço de colonização do estado do
Pará, vinculado à Secretaria de Obras Públicas, Terras e Viação. Muniz (1873-1927) acompa-
nhou os trabalhos no Núcleo Indígena Santo Antônio do Maracanã (Colônia Santo Antônio
do Prata, a partir de 1902), desde os seus primórdios. Nascido em Vigia, Pará, era engenheiro e
escritor de livros históricos e geográficos.
2 - Segundo Ernesto Cruz (1958, p. 87), a estrada de Bragança tinha 30 quilômetros e suas terras
História e Educação na Amazônia | 61
iniciativa encontrou eco positivo entre autoridades públicas, jornalistas, polí-
ticos e intelectuais que a visitaram ao longo da década de 1910. Os versos do
escritor paraense Paulino de Brito, entoados por mais de 40 meninos índios
por ocasião de uma grande celebração ocorrida em 1900, no núcleo, enalte-
cem a presença da cruz e do que ela representa para estes sertões: a entrada
da luz nas matas virgens dos sertões paraenses. A luz se faz pela presença da
fé cristã, da instrução e do trabalho. Os sertões, percebidos como um mundo
de desordem e barbárie (ALMEIDA, 2003, p. 80), tomados de florestas e ha-
bitados por “selvagens”, deverão ser domados pela ação conjunta do Estado e
da Igreja. Em seguida ao ato de fé, os frades se lançaram à tarefa temporal de
introduzir os elementos da vida civilizada no núcleo: “Em poucos dias abriu-
se vasta clareira na mata, construções novas surgiram e a escola contava com
27 meninos índios, entregues pelos pais, para receber os ensinamentos da fé e
das letras” (MUNIZ, 1913, p. 19).
O caráter empreendedor dos missionários pode induzir à ideia de que
somente coube aos índios aceitar as intervenções realizadas pelos frades, a
partir do contrato efetuado com o governo do estado do Pará. No entanto, as
fontes são claras quanto ao importante papel desempenhado pelos índios no
processo de escolha da região para a criação do núcleo missionário e na via-
bilidade para a sua instalação. Os frades vieram do Maranhão com o objetivo
de instalar uma missão no Pará. Traziam consigo uma experiência de atuação
missionária junto à colônia de São José da Província do Alto Alegre, fundada
em 1895 no Maranhão, onde funcionavam dois internatos para meninos e
meninas indígenas. No Pará, o governador Paes de Carvalho, mostrando-se
disposto a promover a educação dos “silvícolas”, autorizou a ação dos frades.
Para além do consentimento, os índios incitaram a instalação do núcleo
indígena no território que ocupavam junto às margens dos rios Maracanã e
Prata, ao convidarem frei Carlos de São Martinho para visitar os seus “aldea-
mentos” (MUNIZ, 1913, p. 7). O pedido, dirigido ao missionário, foi encami-
nhado por índios Tembé ao procurador-geral do Estado. A receptividade dos
índios e a comunicação rápida com a capital, pela estrada de ferro de Bragan-
ça, determinaram a escolha do local. Essa não foi a única iniciativa dos nativos
que facilitou a missão dos Capuchinhos Lombardos da Missão do Norte do
Brasil no Pará. Os índios da família Miranha teriam recebido os missioná-
rios “[...] com demonstrações especiais de alegria e contentamento, cedendo

eram consideradas as melhores do Pará para a agricultura, tendo abrigado no período republi-
cano 11 núcleos coloniais, povoados por famílias europeias, americanas e brasileiras. Em 1905,
foi construído ramal ferroviário que ligava a Colônia do Prata à estrada de ferro de Bragança.
62 | História e Educação na Amazônia
o seu chefe João Thomaz Miranha a sua própria casa, construída levemente,
segundo o habito dos indios”. Na casa indígena, denominada de “maloca” pela
imprensa paraense, frei Carlos pôde, de imediato, iniciar seu trabalho, nela
instalando a administração, o almoxarifado, a residência dos frades, a escola,
as oficinas de trabalho e a capela (MUNIZ, 1913, p. 19). “Ao redor achavam-se
espalhadas as malocas dos índios”, relata o jornal A Província do Pará (1900).
Sem a amizade dos adultos e dos velhos, os reformadores sabiam ser imprati-
cável a sua empreitada.
O envio dos meninos para a escola e, posteriormente, para o internato
não pode ser interpretado como aceitação passiva de um modelo de educação
diverso do de sua gente. O significativo número de meninas e meninos que
passaram a frequentar as escolas e os internatos sugere que as famílias deseja-
vam a educação de seus filhos segundo os preceitos pedagógicos e religiosos
defendidos pelos frades e autorizados pelo Estado. Afinal de contas, reunir
27 crianças em poucos dias para frequentar a escola não era acontecimento
comum nas áreas rurais. O internato feminino, instalado em janeiro de 1905,
com 20 índias e cinco órfãs, atingiu em setembro do mesmo ano o número
máximo de vagas: 60 internas. A concessão das filhas para a educação sepa-
rada das famílias é descrita no relato histórico do bispo do Maranhão, Fran-
cisco de Paula Silva (1922), como a empresa “mais difficil, pois é sabido que o
indio dá facilmente seu filho, mas sua filha, não”. A despeito do preconceito
encerrado na afirmação, pois desconsidera que as famílias pudessem ter ou-
tros propósitos e meios para a educação de suas filhas, não se deve desprezar
a informação de que as meninas costumavam ser mais protegidas do contato
com outros modelos de educação. Não podemos deixar de chamar a atenção
para a visão disseminada na época de que os índios davam seus filhos, como se
fossem pequenos animais, negando aos pais a capacidade subjetiva de deposi-
tarem no processo educacional expectativas e significados próprios.
É preciso entender que os mecanismos de aldeamento, com suas fun-
ções catequéticas, pedagógicas e políticas, não constituíam novidade para es-
ses índios. No Segundo Reinado, a região já abrigara o aldeamento do Mara-
canã, com escola orientada pelos capuchinhos. Nossa hipótese é a de que as
famílias que ali viviam já conheciam e reivindicaram o trabalho missionário
dessa ordem. O Almanak Paraense informa que, em 1882, havia uma escola
elementar no aldeamento do rio Maracanã, cujos índios empregavam-se nas
plantações.3 A escola fora criada em 1873, na administração do Barão de San-
tarém. Não é possível afirmar que esse aldeamento tenha existido no mesmo

3 - Almanak Paraense de Administração, Commercio, Industria e Estatistica (1883, p. 222).


História e Educação na Amazônia | 63
local em que fora instalado o núcleo após o advento da República. Porém, é
perfeitamente factível supor que membros mais velhos das famílias conheces-
sem a ação missionária na região, pois tinham relações de amizade com outros
grupos indígenas que foram aldeados, inclusive com os grupos Tembé dos
rios Guamá e Capim (MUNIZ, 1913, p. 7). No volume organizado sobre as
comarcas do Pará, Manuel Baena (1885, p. 28-29) informa que o povoado do
Maracanã teve origem em um antigo quilombo, área que veio a ser ocupada
por índios da etnia Tembé, quando foram criados dois aldeamentos, tendo
o do Maracanã uma escola pública. As informações, “costuradas” a partir de
fontes dispersas, sugerem que a região foi alvo de disputas e que a instalação
de aldeamentos no Império e de colônias indígenas na República resultou de
ações políticas desses grupos.
O presidente do Pará noticiou, em 1873, que 500 índios Tembé e Ti-
ruára estavam reunidos na Aldeia d’Assunção com a finalidade de serem ha-
bituados no trabalho agrícola (CUNHA JÚNIOR, 1873, p. 23). Passada uma
década, o governante reconhece nos Tembé e nos Mundurucu os grupos mais
suscetíveis à civilização ou que mais têm respondido aos esforços dos cate-
quistas (MARACAJÚ, 1884, p. 58). A etnia Tembé predominou na Colônia
do Prata. Suas lideranças demonstraram dominar os meios para contatar a
máquina do Estado de modo a fazer seus requerimentos. Evidentemente, al-
guns deles tiveram acesso às letras e percebiam a importância de introduzir
seus filhos e filhas nesses domínios, pois tanto os meninos quanto as meninas,
internos e externos, frequentavam as escolas primárias, nos seus três níveis de
ensino.
De um modo geral, as fontes documentais que registram os meandros
de criação do núcleo e de suas instituições educacionais tendem a enaltecer a
disposição e a ilustração dos frades (os atletas da fé), minimizando a iniciativa
dos índios, subestimados por uma representação que os infantilizava: os ín-
dios teriam se deixado atrair pelo porte majestoso, pela simpatia e ar paternal
de frei Carlos (MUNIZ, 1913, p. 10). A representação dos índios como indiví-
duos-crianças e como povo estacionado na infância da humanidade conheceu
uma tenaz permanência na história das relações de contato entre grupos indí-
genas e colonizadores, como têm demonstrado os estudos que aproximam os
campos da antropologia e da história.
Neste trabalho, nos deparamos com a difícil tarefa de investigar, a partir
das fontes selecionadas, as representações dos índios sobre o processo de mu-
dança a que se lançaram e foram lançados, e os significados que atribuíram à
nova experiência missionária, pedagógica e colonizadora. Difícil tarefa porque

64 | História e Educação na Amazônia


dispomos apenas de fontes oficiais e jornalísticas, que produzem, reelaboram
e disseminam representações que corroboram a suposta incapacidade dos ín-
dios de gerirem suas próprias vidas, especialmente aqueles que mantinham
contato com hábitos ditos civilizados. Alguns desses indivíduos eram seve-
ramente condenados pelos novos reformadores por práticas culturais, como,
por exemplo, a bigamia de alguns de seus chefes. É a partir desses escritos que
identificamos as ações e resistências de alguns índios da colônia às tentativas
de transformação de costumes e experiências culturais. Para tanto, partimos
de uma perspectiva que visa a compreender os índios como agentes sociais e
sujeitos ativos nos processos históricos. Não por acaso, as 55 famílias indíge-
nas chamadas pelos frades para habitar o núcleo, no período inicial de funcio-
namento, chegaram lá por suas próprias pernas, em busca não apenas de terra
e proteção, mas também de possibilidades abertas de sobrevivência, de luta
e de negociação por direitos, em meio a uma sociedade que os hierarquizava
e que os submetia a condições hostis e desiguais de existência (ALMEIDA,
2003).

Missões, aldeias e colônias: a política de redução e conversão dos


índios

Os historiadores que se dedicam ao estudo da história dos grupos e et-


nias indígenas, desde o processo de colonização e de expansão da fé e do impé-
rio português em território americano, têm demonstrado as imbricações exis-
tentes entre catequese, educação, conquista e civilização (NEVES, 1978). Na
segunda metade do século XVIII, a política indigenista conduzida por meio
da ação de missionários e religiosos teve seu principal ponto de inflexão com a
criação do Diretório dos Índios (1755) e com as reformas pombalinas. Centra-
da na catequese e na tentativa de civilizar e “domesticar” os índios, a política
de aldeamento, até então coordenada predominantemente pela Companhia
de Jesus, passou às mãos do Estado português.
De fato, a política de criação de aldeias para o governo dos índios re-
monta aos primórdios da colonização, tanto na América hispânica quanto na
portuguesa, tendo em vista a importância dos povos indígenas para a imple-
mentação do projeto colonial. É o que demonstra a historiadora e antropóloga
Maria Regina Celestino de Almeida (2003), ao analisar o papel dos aldeamen-
tos na vida dos índios do Rio de Janeiro colonial e as apropriações que fizeram
desse espaço de ressocialização. A autora não vê a política de aldeamentos
como mera imposição de um novo modo de vida aos índios; ao contrário, ela

História e Educação na Amazônia | 65


demonstra como os índios ajudaram a construi-los e a mantê-los, percebidos
como espaço de proteção e segurança conforme avançava a conquista de seus
territórios e de sua gente, nos séculos XVIII e XIX.
O aldeamento era criado a partir do deslocamento dos índios de suas al-
deias de origem (descimento) e a sua reunião nas novas aldeias (redução). Em
geral, missionários de ordens religiosas diversas assumiam a administração do
espaço e a catequese dos índios, regidos por determinações legais que sofre-
ram interpretações e usos por diferentes agentes sociais, inclusive os índios.
Sem alimentar nenhuma pretensão de realizar uma análise dessa legis-
lação, sublinhamos a importância de duas leis que marcaram as tentativas de
controle dos aldeamentos por parte do Estado, no período colonial e no Im-
pério. Trata-se do Diretório dos Índios (1758), extensa regulamentação das
aldeias, com seus 95 artigos, e do Regimento das Missões (1845).4 O Diretório
tinha por meta extirpar os costumes indígenas das aldeias, a começar pelo en-
sino da língua portuguesa nas escolas. Surge um novo protagonista: o diretor
de índios nomeado pelo governo colonial. Aos missionários, cabia cuidar da
vida espiritual dos índios.
A educação e a difusão da língua portuguesa entre os grupos indígenas
e a interdição de práticas culturais, como ritos e crenças indígenas e bigamia,
foram estratégias de controle e integração dos índios ao império português,
juntamente com a agricultura, a comercialização de produtos e o pagamento
de tributos. A mudança principal na política indigenista do Diretório foi o
incentivo à miscigenação e à presença de não índios nas aldeias, medidas con-
sideradas necessárias para promover a assimilação dos nativos e romper com
o isolamento das aldeias. O alvará de 4 de abril de 1775 aboliu as distinções
entre brancos e índios, possibilitando a atuação destes últimos como juízes
ordinários e vereadores das Câmaras Municipais.
De um modo geral, a historiografia aponta as dificuldades encontradas
pelo império português na execução da política indigenista proposta pelo Di-
retório dos Índios. De acordo com Almeida (2005, p. 242), a própria política
do diretório utilizou variados procedimentos para lidar com as diversas situa-
ções locais, destacando-se: a formação de novas aldeias, o desencadeamento
de guerras com os grupos nativos e o estímulo à extinção das aldeias de co-
lonização mais antiga, com o argumento de que os índios já se encontravam

4 - Diretório que se deve observar nas povoações de índios do Pará e Maranhão, enquanto Sua
Majestade não mandar o contrário, 1758 (Decreto nº 426, de 24 de junho de 1845 – Regulamen-
to da catequese e civilização dos índios).
66 | História e Educação na Amazônia
misturados e civilizados.5 Essa variedade de procedimentos persistiu durante
o século XIX, posto que o Império acentuou o caráter assimilacionista da po-
lítica indigenista, num contexto marcado pelo recrudescimento das tensões e
conflitos pelas terras aldeadas e devolutas, questão crucial nos anos oitocentos
(CUNHA, 1998).
No Império, a colonização do interior perpassou os planos de civiliza-
ção dos índios e foi retomada com o decreto de 1845 (Regulamento nº 426,
de 24 de julho de 1845, do Ministério do Império, também conhecido pelo
termo Regimento das Missões), o qual reeditou a Diretoria dos Índios, indi-
cando a criação de aldeamentos sob as ordens de um administrador nomeado.
O Regulamento Geral manteve o sistema de aldeamento, entendendo-o como
caminho para a assimilação dos grupos indígenas à civilização imposta pelas
classes dirigentes do Estado. A lei proibiu o antigo sistema de “repartição” do
trabalho indígena que, na prática, conduzia às formas variadas de exploração
da mão de obra e garantiu direito às terras ocupadas pelas aldeias, desde que
produtivas, ou seja, lavradas e cultivadas pelos nativos. Recriou a figura do
diretor das aldeias e reintroduziu a ação dos missionários, religiosos de várias
ordens, responsáveis pela educação e pela catequese. Para tanto, o regulamen-
to determinou a criação de escolas de primeiras letras nos aldeamentos exis-
tentes em todas as províncias do Império, nas quais se deveria ensinar a ler, a
escrever e a contar aos meninos e adultos, recomendando ainda dispensa do
uso de violência nos processos de instrução. Aliada à instrução elementar, a lei
propunha ainda a formação para o trabalho agrícola e para variados ofícios de
artes mecânicas, estimulando também o treinamento militar e o alistamento
dos nativos nas companhias de comércio e navegação (SILVA, 2002, p. 10).
O Império iniciou uma política de importação de capuchinhos italia-
nos, distribuídos pelos governos segundo seus próprios projetos de conquista
pacífica desses grupos (CUNHA, 1998). A relativa autonomia política e eco-
nômica das missões jesuítas dá lugar a aldeamentos dependentes das subven-
ções públicas, regulamentados pela legislação imperial e provincial e subme-
tidos ao poder local. Em meados da década de 1880, o diretor geral de índios
do Pará, Coronel José Evangelista de Farias Maciel, apresentou uma estatística
da população dos aldeamentos, a qual arrolou 4.260 índios aldeados, em 1883,
entre os quais uma grande maioria permanecia à sombra da “luz da instrução”,

5 - “Essas variadas práticas de aplicação da política indigenista coexistiram e se sucederam,


desde as reformas pombalinas até a segunda metade do século XIX. A intenção era integrar os
índios, assimilando-os à massa populacional, e para isso três procedimentos foram frequente-
mente utilizados: combatê-los, aldeá-los, civilizá-los e decretá-los misturados, civilizados, dimi-
nutos, extintos” (ALMEIDA, 2005, p. 249).
História e Educação na Amazônia | 67
pois não mais que dez sabiam ler. O Presidente do Pará, General Visconde de
Maracajú (1884, p. 58), imprimiu ao relatório final um tom sintonizado com
a visão corrente em outras províncias, ao final do Império, sobre a inutilidade
de se manter os aldeamentos, dada a alegada miscigenação racial e de costu-
mes entre os índios e os nacionais.
Os relatórios provinciais, os jornais e os almanaques do período dão
conta da existência de algumas escolas nos aldeamentos indígenas do Pará, o
que não condiz com um número tão reduzido de índios alfabetizados.6 Será
que os índios com domínio da escrita e da leitura permaneciam índios aos
olhos das autoridades? Não teriam se lançado a atividades que os descaracte-
rizariam, na visão dominante, da condição de índio? Não teriam os meninos
mais adiantados tomado outros rumos educacionais, como, por exemplo, o
encaminhamento a estabelecimentos de formação profissional, como o Ins-
tituto de Educandos Artífices do Pará, fundado pelo governo provincial, e o
Instituto “Providência” de Artes e Ofícios, fundado pela Diocese?
No alvorecer do regime republicano, o País viu surgir uma nova orien-
tação legal à política indigenista, através do Decreto nº 7, de 20 de novembro
de 1889, que atribuiu aos estados competência para cuidar da catequese e ci-
vilização dos índios (SODRÉ, 1920, p. 59).7 No período inicial da República,
grassou no Pará uma política de extinção dos aldeamentos remanescentes do
período imperial. Abandona-se o termo aldeia, surgindo em seu lugar as co-
lônias indígenas, tais quais as criadas para receber colonos nacionais e estran-
geiros. Contudo, permanece o sentido da conversão religiosa e da transforma-
ção cultural dos índios em trabalhadores “civilizados”. No entanto, o mesmo
governo que amparou e viabilizou a expansão das atividades da Colônia do
Prata defendeu e promoveu uma política de extinção das colônias indígenas
do Pará. Augusto Montenegro, que em 1903 obteve autorização legal para fi-
nanciar os internatos do Prata, deixou de custear outras colônias, alegando
ineficácia na civilização dos índios (1903, p. 53). O forte caráter educacional
do Prata, que iniciou a instrução dos índios antes mesmo de erguer uma igre-
ja, garantiu a sua sobrevivência por mais 20 anos. A criação de um órgão fe-
deral para executar a política indigenista do governo, em 1910, não alterou
os rumos da colônia. Postos de atração, instalados pelo Serviço de Proteção
aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais, atuaram sobre grupos

6 - Maracajú (1884, p. 60); Almanak Paraense (1883, p. 222); Baena (1885, p. 27-28; 32).
7 - O Decreto nº 7, de 20 de novembro de 1889, extinguiu as antigas assembléias provinciais e
fixou provisoriamente as atribuições dos governos estaduais.
68 | História e Educação na Amazônia
Tembé, no Pará.8

Significados da colônia para as famílias indígenas, missionários e


autoridades do Estado

A despeito das limitações das fontes disponíveis, é possível identificar


na documentação alguns dos significados que os variados agentes sociais atri-
buíam à experiência, fossem eles índios, frades ou funcionários do Estado. O
projeto apresentado pelo frei capuchinho ao governador do Pará em 1897,
por exemplo, visava a trazer à cristandade católica as “almas perdidas nas sel-
vas”, inserindo-as nos “confortos da civilização”. Na perspectiva do Estado,
a proposta se inseria num “programa vasto de colonização”, que requeria a
“catequese de nossos silvícolas”. A concepção de catequese, tanto nos meios
oficiais quanto religiosos, extrapolava o sentido religioso. Pela via da educação
religiosa e temporal, superar-se-ia o estado natural pela introdução dos índios
na vida da nação, sendo o “trabalho regular” o meio civilizador mais apro-
priado. De certa forma, a antiga experiência jesuítica dos colégios indígenas
é atualizada, inserida, contudo, nas exigências da nacionalidade e nos propó-
sitos do Estado de proteger fronteiras e colonizar territórios controlados por
grupos indígenas. Paes de Carvalho (CARVALHO, 1898, p. 28), governador
do Pará no período de 1897 a 1901, apoiou a criação da colônia capuchinha
dedicada à instrução, não deixando de marcar a diferença entre a iniciativa e
o que ele chamou de “erro capital dos jesuítas”, ao manterem um “Estado no
Estado”. O governador seguinte, Augusto Montenegro (1903, p. 53), exaltou
o papel educacional da colônia junto aos filhos dos índios, salvando-a de ser
extinta em 1903, quando todas as outras, também criadas nas administrações
passadas, tiveram esse destino.
Se a intenção inicial dos missionários era civilizar e catequizar índios,
inserindo-os no trabalho regular e educando seus filhos, na associação com o
governo, o objetivo que motivou a atuação missionária se expandiu aos pro-
pósitos de controle social e disciplinamento dos filhos dos pobres da cidade.
“Menores transviados” eram recolhidos pela polícia da capital, Belém, e en-
viados para o instituto por determinação do governador (MUNIZ, 1913, p.
8). A ata de instalação do Núcleo Indígena, de 5 de abril de 1900, determina
o recebimento gratuito de “menores vagabundos” remetidos pela polícia, na

8 - Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/povo/tembe>. Acesso em: 17 fev. 2009. A


respeito do governo dos índios, sob os auspícios do SPI, ver os trabalhos de Antônio Carlos de
Souza Lima (1995, 1998).
História e Educação na Amazônia | 69
proporção de um por 20 meninos subsidiados, totalizando 150 meninos de 7 a
16 anos, a serem ensinados, educados e estabelecidos em lotes agrícolas (MU-
NIZ, 1913, p. 29). Em 1903, a lei que autorizou o governo a custear os dois
internatos reuniu índios e crianças das cidades sob a denominação comum de
“infância desvalida”. Dessa forma, a instituição passou a se chamar Instituto
da Infância Desvalida Santo Antônio do Prata, cuja finalidade consistia em
educar menores de 6 a 20 anos, de ambos os sexos, compreendidos como: a)
filhos de índios; b) órfãos pobres; c) moral e materialmente abandonados; d)
filhos de réus condenados sem meios de subsistência; e) vadios e vagabundos.9
Outro aspecto dos propósitos governamentais junto à criação de co-
lônias indígenas no final do século XIX inseria-se no amplo debate nacional
sobre a colonização do território pátrio, por imigrantes europeus e de outras
nacionalidades. No âmbito da Região Amazônica, a discussão assumia ma-
tizes próprias, frente à crescente onda migratória de nordestinos para a re-
gião, observada, principalmente, a partir da década de 1870. Fugidos da seca
e atraídos pela “sinfonia elástica” dos seringais, cearenses, sobretudo, recebe-
ram incentivos dos governos para se instalarem na região. Nos meios oficiais
paraenses, era intenso o debate sobre as vantagens e desvantagens da coloni-
zação europeia, nacional e indígena, não só calcado em um ideário de civili-
zação, mas, sobretudo, na análise de experiências de manutenção de colônias
para estrangeiros e nacionais nas áreas de terras férteis e de fácil comunicação,
situadas ao longo da estrada de ferro de Bragança, à qual se ligava o Núcleo
Indígena do Prata, por meio de um ramal ferroviário. O Instituto Providên-
cia, criado pelo bispo do Pará para a educação de filhos de índios e meninos
pobres de Belém, também fora instalado em extensa área próxima à estrada
de ferro, concedida pelo governo provincial, por intermédio do Ministério
d’Agricultura, Comércio e Obras Públicas.10
O objetivo consistia em extirpar os antigos hábitos e impingir uma nova
identidade, a do cidadão cristão e trabalhador moralizado, tanto para os ín-
dios como para os meninos da cidade. Como esses sujeitos perceberam e se
apropriaram desse projeto continuará a ser enigma, pois os relatórios só dão
conta de expor os sucessos do processo educacional, o bom aproveitamento
dos alunos e das alunas e os resultados positivos alcançados nos exames de fi-
nal de ano. Na medida em que as famílias desejaram esse modelo de educação
para seus filhos e consentiram que passassem horas do dia – e mesmo todo o
tempo – junto aos professores e religiosos, pode-se supor que entre as crianças

9 - Estado do Pará (Lei nº 877, de 26 de outubro de 1903, artigo 1º).


10 - Estado do Pará (Lei nº 877, de 26 de outubro de 1903, artigo 1º).
70 | História e Educação na Amazônia
e os jovens grassasse também uma perspectiva positiva da escolarização. Esses
índios habitavam uma área próxima e de fácil comunicação com Belém e cer-
tamente tinham conhecimento sobre a vida na cidade e a valorização dada ao
letramento no contexto urbano. Sabiam que a meta do governo era transfor-
mar a área num povoado; portanto, dominar as letras era importante não só
para suas reivindicações, como para as atividades comerciais e a ocupação de
cargos públicos, tal qual ocorreu com o ex-aluno Miranha quando se tornou
professor público. Como tantos outros povoados da Amazônia que tiveram
origem na criação de missões e aldeamentos, a sede da colônia tornou-se o
povoado de Santo Antônio do Prata, onde os frades deram continuidade às
suas atividades missionárias.
Outro aspecto dos interesses dos índios pela colônia consistia na posse
da terra, visto que o governo garantia lotes às famílias indígenas e aos colonos
nacionais do núcleo para o cultivo agrícola, em uma região privilegiada pelos
governos para o assentamento de colonos e cobiçada por particulares. Aceitar
a condição de colono significava proteção e garantia da terra para índios que
já vinham mantendo contato com as populações civilizadas há tempos. Com a
organização dos trabalhos da colônia, as primeiras colheitas podem ter atraído
os índios, como é relatado para o caso do Maranhão (Instituto de Pesquisas
Econômicas e Sociais, 1981). Os frades se empenharam particularmente em
promover o cultivo de variadas espécies vegetais para consumo interno e co-
mercialização.

A ação pedagógica na colônia: escolas, internatos, igreja, casas,


oficinas, roçados e o bom exemplo das famílias “civilizadas”

O projeto para a colônia, baseado no contrato estabelecido entre a Or-


dem Capuchinha da Missão do Norte e o governo do Pará, e efetivamente
aplicado pelos missionários com o apoio estatal, tinha um caráter totalizador
em termos da transformação do espaço físico e do modo de vida dos índios.
Matas desbastadas, ruas e avenidas traçadas, igreja, casas e institutos educa-
cionais construídos e oficinas instaladas deram à colônia a feição de uma vila.
O relógio na torre da igreja permitia desenvolver-se uma nova noção e uso do
tempo. Até mesmo um periódico semanal passou a circular no local: O Prata,
jornal mimeografado, e depois o impresso Correio do Prata, órgão noticioso e
de boa propaganda, voltado para a instrução popular, principalmente a agrí-
cola. Vê-se nessa iniciativa um forte indício da confiança dos frades no seu
trabalho educacional, que pretendia transformar uma sociedade predominan-

História e Educação na Amazônia | 71


temente oral em um meio letrado. O esforço consistiu em retirar do local toda
semelhança com os costumes indígenas, como a poligamia e as “malocas”.
Essas passaram a abrigar a vida administrativa, religiosa, escolar e social do
núcleo indígena nos seus primeiros anos.
Baêta Neves (NEVES, 1978, p. 162) retrata o aldeamento como um “[...]
grande projeto pedagógico total”, onde se ensinava todo tipo de práticas e téc-
nicas aceitas para constituir um novo homem, súditos cristãos do rei. Tratava-
se de uma ressocialização realizada cotidianamente no espaço da aldeia colo-
nial. O zelo dos capuchinhos com a organização do espaço físico da Colônia
do Prata mostra a importância pedagógica atribuída ao local delimitado para a
conversão dos índios. Uma área de 25 km2 fora demarcada mediante contrato
com o governo para a atuação missionária (MUNIZ, 1913, p. 8).
A primeira característica notável da ação educacional dos capuchinhos
na colônia foi a criação dos internatos. Os capuchinhos do sul e do norte acu-
mularam um vasto repertório de experiências com os índios dos aldeamen-
tos no Império. Nessas aldeias funcionavam escolas primárias e a referência
a internatos indígenas no século XIX é mais escassa, especialmente em áreas
indígenas (RIZZINI, 2004).11 Não são poucas as queixas encontradas nos re-
latórios oficiais a respeito da dificuldade em mudar os hábitos dos índios nos
aldeamentos, alegando-se que os índios aldeados permaneciam fiéis às cren-
ças e tradições de seus antepassados. Instaurado o regime republicano, a re-
presentação do índio imutável, de difícil sujeição, apresenta-se nos relatórios
oficiais, como argumento para a separação das crianças dos costumes de seu
meio como fator propiciador do “progresso do Estado”:

Pouco de certo ha a esperar da catechese do índio adulto


e que difficilmente se sujeita ao trabalho regular e não
abandona completamente antigos costumes contrários á
civilisação. O mesmo, porém, não se dá com as creanças.
Estas, sujeitas a um novo regimen, educadas de accordo
com as regras impostas pela civilisação christã, - que ou-
tras não são senão o trabalho methodico, estável das artes
e industrias e a educação intellectual, constituirão mais
tarde núcleos de famílias morigeradas, activas e portan-
to factores poderosos do progresso do Estado (CARVA-
LHO, 1901, p. 79).

11 - A respeito das escolas primárias dos aldeamentos capuchinhos do século XIX, ver o artigo
de Marta Amoroso (2001). Segunda a autora, a Ordem Menor, subvencionada pelo governo,
manteve missionários na maioria dos aldeamentos indígenas criados no Segundo Reinado.
72 | História e Educação na Amazônia
O isolamento das crianças traria ainda a vantagem de manter os índios
na colônia, enfrentando-se o obstáculo do deslocamento constante de índios
observado nos aldeamentos da região.

Detidos pelo amor que consagram a seus filhos e pelo de-


sejo de vel-os receber educação superior á que possuem,
os adultos não se afastarão mais do centro da colônia e
portanto ficarão mais ou menos sujeitos ao influxo bené-
fico que d’ahi dimana (CARVALHO, 1901, p. 79).

Por fim, a política de internação teve por objetivo, na visão dos gover-
nantes e dos missionários, sanar os problemas decorridos do contato diário
entre os alunos e seus parentes, evitando-se o risco de contaminação com os
“vícios” do seu meio.

Abandonado o gasto systema de catechisar indios adul-


tos, o estabelecimento do Prata destinava-se á instrução
das crianças filhas de indios, retirando-as do contacto
material e moral profundamente dissolvente de seus pro-
genitores (MONTENEGRO, 1903, p. 53).

Essa era a leitura que se fazia não só para os filhos dos índios, mas fre-
quentemente empregada para justificar o recolhimento de crianças que vaga-
vam pelas ruas de Belém, “[...] os pequenos vagabundos que pululam nesta
cidade”, segundo referência do governador Augusto Montenegro (1903, p.
54). Os internatos da colônia receberam os pequenos “selvagens” de ambos
os meios. Se, no primeiro ano de funcionamento da colônia, somente índios
habitaram o internato, dois anos depois 24 meninos não índios conviviam
com 33 indiozinhos. O contrato de 1898 previa que o Instituto do Prata deve-
ria “[...] receber e educar menores transviados, de 8 a 12 anos”, e nas revisões
posteriores da legislação essa determinação foi reforçada (MUNIZ, 1913, p.
8). Todos, índios e não índios, estudavam cinco horas por dia e trabalhavam
em diversos misteres leves, segundo a inspeção realizada por Palma Muniz em
1901 (1913, p. 48). Nesse ano, viviam no instituto cinco meninos remetidos
pela polícia, revelando que a maioria dos não índios vinha da própria região, e
não das ruas de Belém. Moravam todos em barracas cobertas de cavaco, pois
a construção do edifício para o instituto masculino demorara a sair do papel.
Outro aspecto digno de nota é a organização das escolas primárias, fe-
minina e masculina, divididas em três graus: elementar, médio e superior. A
frequência aos níveis médio e superior era mais intensa entre as alunas e os

História e Educação na Amazônia | 73


alunos internos, indicando que a permanência no internato propiciava uma
escolaridade mais extensa. O que esses alunos e alunas teriam feito com o
aprendizado formal? Alguns dentre eles atuaram como professores e profes-
soras nas escolas da própria colônia, demonstrando a complexidade dos pro-
cessos educacionais, os quais dependiam da participação dos próprios índios
e seus descendentes na sua (re)elaboração cotidiana. Muniz (1913, p. 80) in-
forma que dois dos ex-alunos, Octavio Miranha e Raphael Damasceno Costa,
regiam as duas classes elementares que atendiam juntas a 58 meninos, em
1912. Octavio pertencia à família indígena Miranha, que abrigou os primeiros
frades que aportaram ao lugar.
O ensino feminino e o masculino correspondiam às diferenciações de
gênero correntes na época. Os meninos frequentavam os três cursos da escola
masculina e trabalhavam como aprendizes nas oficinas (tipografia, serraria,
mecânica), na agricultura, na carpina e nas construções. Os ofícios eram en-
sinados a internos e externos, o que ampliava consideravelmente o alcance
do programa educacional do Instituto do Prata. As aulas de música eram fre-
quentadas por 23 alunos adiantados e 12 principiantes em 1910. A banda reu-
nia 25 integrantes, dos quais 24 posaram para o Álbum do Pará (1901-1909),
com a presença do regente e de um frade (como pode ser visto na figura 1).
Os restantes se encarregavam da limpeza do estabelecimento, da jardinagem,
horticultura, cozinha, dormitórios e outros compartimentos do internato.

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Figura 1 – Banda de música do Instituto do Prata

Fonte: Governo do Pará. Álbum do estado do Pará (1901-1909). Paris, 1908. Obra de propaganda das ações do governo do estado
do Pará, em três línguas e com grande número de fotografias, principalmente das instituições educacionais.

História e Educação na Amazônia | 75


As meninas também tinham acesso aos três graus de ensino, na escola
feminina. Os relatórios de Muniz (1913) e da direção do Instituto do Prata
(1909) não fazem distinções quanto aos currículos de ambas as escolas, a não
ser quanto às especificidades do ensino feminino, referentes aos trabalhos do-
mésticos. Na parte da tarde, as internas e um grupo de voluntárias dedicavam-
se ao aprendizado dos trabalhos de costura, renda, bordado e cozinha, sob a
supervisão das Irmãs Terceiras Capuchinhas. Ao final do ano, os produtos
eram expostos, com um “[...] resultado surpreendente, não só pelo número
de trabalhos feitos, como pela notável perfeição nas suas variadas espécies”
(MUNIZ, 1913, p. 78). Ainda ao término do ano, alunos e alunas passavam
por exame público, com professores nomeados pelo Secretário da Instrução
Pública do Pará. Em 1909, os três professores da banca de exames saíram “sa-
tisfeitos e impressionados com os resultados” obtidos pelos alunos de ambas
as escolas (RELATÓRIO DO INSTITUTO DO PRATA, 1909, p. 8). A Revista
do Ensino (GOVERNO DO PARÁ, 1911, p. 331-334), empregando um tom
mais recatado, informou a respeito dos resultados satisfatórios dos exames de
passagem de classe do curso elementar para o ano de 1910. O ensino seguia
o programa das escolas oficiais, muito embora os religiosos tivessem controle
sobre a escolha e a nomeação dos professores. Havia mais meninas estudando
(128) do que meninos (116), o que sugere o crescimento da demanda pelo
acesso à escolarização para as mulheres, inclusive da atuação no magistério
primário.
As religiosas ensinavam na escola primária feminina (conforme expõe
a Figura 2). Algumas meninas faziam exercício de música vocal. Como aos
meninos, cabiam às internas os trabalhos necessários ao funcionamento dos
estabelecimentos. O vestuário de ambas as seções, feminina e masculina, era
feito por elas, assim como o trabalho de engomar e outros afazeres domésti-
cos da instituição, dispensando o serviço de criadas. “Algumas das maiores já
ajudam as Religiosas no governo da casa e direção das pequenas”, nos relata
Muniz (1913, p. 79). O recolhimento das meninas só ocorreu com a constru-
ção do edifício do internato feminino, de acordo com as “modernas normas
da higiene escolar” (MUNIZ, 1913, p. 14).

76 | História e Educação na Amazônia


Figura 2 – Escola feminina do Instituto do Prata

Fonte: Governo do Pará. Álbum do estado do Pará (1901-1909). Paris, 1908.

O amplo projeto educacional tinha por objetivo preparar trabalhadores


para colonizar a região e esposas para a constituição de famílias dentro dos
moldes cristãos. A meta era promover casamentos entre jovens da própria
colônia, mantendo-os no local através da doação de lotes para o cultivo agrí-
cola. Os religiosos, no relatório de 1909 do Instituto do Prata, informam que
Maria José Rodrigues, órfã, e Balbina de Paula, índia, casaram-se com rapazes
do Prata, havendo mais três prometidas. Cinco se encontravam casadas em
1909, e “[...] não desmentiram a educação que receberam, desempenhando
perfeitamente o papel de dona de casa” (MUNIZ, 1913, p. 9).
Uma ausência que nos causou um estranhamento inicial refere-se à
educação religiosa. O tema não é abordado nas fontes, nem mesmo no relató-
rio anual enviado ao governo pelos missionários. O ensino oficial, de caráter
laico, é a tônica desse relatório. O Estado republicano, com uma nova Cons-
tituição que separou as ações da Igreja e do Estado e estabeleceu o ensino
público laico, teria deixado os frades italianos cautelosos? Uma releitura do
relatório de João Muniz sugere alguns indícios para explicar essa lacuna. Sé-
culos de experimentos de redução de índios pelos capuchinhos e missionários
de outras ordens levaram à crença entre os reformadores de que somente a
pregação e os ensinamentos religiosos não logravam êxito para uma mudança

História e Educação na Amazônia | 77


efetiva dos valores e dos comportamentos dos sujeitos. “A pregação, as pala-
vras afetuosas, os ensinamentos cotidianos não eram suficientes – era neces-
sário o exemplo, sempre presente”. Como? Pela introdução de modelos vir-
tuosos vivos, ou seja, as “[...] famílias de comprovada moral”, de acordo com
Muniz (1913, p. 23). Em seis meses, conviviam no Prata “55 famílias indígenas
e 35 de “civilizados”. O núcleo adquiria o aspecto de uma vila da região, com
casas confortáveis, embora de chão e cobertas de cavaco. Os colonos recebe-
ram lotes para a agricultura e indústrias correlativas.

O grande medo: resistências e revoltas nos núcleos indígenas


capuchinhos

A visão um tanto idílica que perpassa o relatório de Palma Muniz sugere


ao leitor que os capuchinhos obtiveram sucesso na execução de seu programa
educacional de forma harmoniosa e consensual. Cruzando o relatório oficial
com outras fontes, como a imprensa, facilmente se percebe que os frades re-
correram a vários estratagemas para construir os edifícios dos internatos, após
anos de tensas negociações com as autoridades do governo do Estado e de
concessões a aspectos da cultura valorizados pelos índios e índias mais velhos.
De um lado, o governo pouco se envolvia com a colônia, desrespeitando o
contrato estabelecido com os frades. Do outro, o temor de revoltas dos índios
atinge seu ápice em 1901, com as notícias da grande tragédia que se abateu
sobre a Colônia de São José da Providência do Alto Alegre, no Maranhão. Alto
Alegre, fundada em 1895 por Carlos de São Martinho, o mesmo frei responsá-
vel pelo Prata, reunia índios de diversas aldeias, como os Tenetehara, Canela
e Timbira. Em 1901, a colônia foi palco de uma grande revolta iniciada por
índios que lá habitavam e outros de aldeias próximas. Frades e freiras, órfãos
e órfãs, e os colonos cristãos, sofreram ataques, resultando num alto contin-
gente de mortos, estimado em 250 a 300 almas. Casas e armazéns saqueados,
a igreja profanada, um cenário de destruição que deixou viva impressão sobre
os capuchinhos e religiosos de outras ordens. A historiografia do período trata
do tema com grande comoção, denominando o evento com expressões do tipo
“morticínio”, “hecatombe”, “carnificina” ou “massacre” do Alto Alegre. Sob
os gritos selvagens de “Morte aos Christãos!”, os índios dançaram em torno
das fogueiras das casas saqueadas, conta-nos o bispo do Maranhão (SILVA,
1922).
As tentativas de compreender o ocorrido oscilam entre a selvageria do
índio e a sua manipulação por cristãos descontentes com o domínio dos mis-

78 | História e Educação na Amazônia


sionários sobre o trabalho dos índios, ambas as visões cuidando de desprover
os revoltosos de qualquer capacidade de ação racional e planejada. Talvez por
esse motivo, não há nesses relatos a informação a respeito da morte de 28 das
82 indiazinhas do internato, por varíola e tétano, das discórdias em torno da
posse da terra por parte de grupos indígenas que a ocupavam antes dos mis-
sionários e do confronto cotidiano ocasionado pela repressão a certas práticas
condenadas pelos frades, como a poligamia e a embriaguez. São informações
que nos chegam através de estudos recentes, como o levantamento realizado
pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais do Maranhão (1981) e o estu-
do do antropólogo Mércio Gomes (2002), com base nas entrevistas realizadas
com descendentes dos antigos Tenetehara e na pesquisa documental. A co-
lônia, lugar de louvor e glória para autoridades e religiosos, era um caldeirão
de tensões entre índios, missionários, cristãos colonos e não colonos. Gomes
(2002) analisa as consequências sociopolíticas do conflito para os Tenetehara.
A rebelião, que encontrou forte reação da força policial e ressentimentos na
população, deteve temporariamente o processo de integração socioeconômi-
ca da etnia: a sua caboclização ou camponeização. Com o tempo, grupos de
índios conseguiram se reorganizar, mantendo cautela e certo distanciamento
em relação aos regionais, impulsionando a afirmação étnica e as lutas políticas
pela terra.
Como o incidente no Alto Alegre se relaciona com a Colônia do Pra-
ta? O mesmo frei Carlos que fundou a colônia maranhense foi o fundador
do Prata. As notícias da tragédia abalaram profundamente os frades no Pará,
deixando-os temerosos de que o mesmo viesse a ocorrer na nova missão. Frei
Carlos se dirigiu ao Maranhão, imediatamente após a chegada de frei Mathias
de Ponteranica, que trouxe

[...] viva a impressão do desastre do Alto Alegre, e com


ella os receios e naturaes desconfianças do elemento in-
dio que assistia no Prata, entre os quaes não era extranha
a noticia dos acontecimentos do visinho Estado. (MU-
NIZ, 1913, p. 37).

Nota-se que a circulação da notícia junto aos índios do Prata inquietava


os missionários. Vale lembrar que os Tembé do Pará pertenciam ao mesmo
grupo étnico dos Tenetehara do Maranhão.
A primeira medida dos missionários foi solicitar a rescisão do contrato
com o governo, desistindo do empreendimento pelo qual tanto lutaram quan-
do da chegada ao Pará. O recuo dos frades não deve ser entendido somente

História e Educação na Amazônia | 79


pelo medo de revoltas, sem desconsiderar os efeitos que tal atitude poderia
alcançar junto ao governador, já que o apoio oficial, prometido e contrata-
do, não foi cumprido. Os missionários atuavam sem recurso algum, contando
mais com o apoio dos índios do que do governo. Segundo Palma Muniz (1913,
p. 51), o governador Augusto Montenegro, que não desejava ver extinta a co-
lônia, decidiu visitá-la.12 Preparou-se uma grande festividade para recebê-lo,
quando foi saudado com o hino nacional, tocado pela banda de música do ins-
tituto masculino. As situações de tensão motivavam as visitas oficiais. O go-
vernador da gestão anterior, Paes de Carvalho, fez o mesmo em 1898, quando
recebeu a notícia de que “[...] alguns indios de Maracanã queriam levantar-se
contra a auctoridade dos frades Capuchinhos”.13 O temor aos levantes surge
junto com as primeiras ações dos missionários, contribuindo para que toleras-
sem manifestações da cultura indígena e negociassem certas práticas, como as
relativas à educação dos filhos e das filhas.
Tudo indica que a recepção aos governadores e às demais autoridades
que os acompanharam foi mesclada de rituais católicos e indígenas, tal qual
ocorreu nas festas em honra a Santo Antônio, em 1900. A festividade é relatada
pelo jornalista d’A Província do Pará, artigo recheado de detalhes pitorescos
e anedóticos sobre os rituais indígenas. À parte, a visão tendenciosa e precon-
ceituosa, que nitidamente trata os índios e as índias como crianças, o relato
sugere que os missionários não só admitiam a manifestação de elementos da
vida cultural daqueles índios, mas aceitavam a sua exibição em dias de cele-
bração. Convidados ilustres dos frades se juntaram a uma multidão de índios
e agricultores das aldeias vizinhas. Os índios ofereciam “um belo espetáculo”,
com gritos e cantos. Uma grande cruz foi colocada na praça Santo Antônio,
cânticos sacros espalhavam-se pela floresta, evocando o “hino da civilização”.
A velha tuchaua Catarina, “tendo um grande pão na mão, fez no círculo da
praça o seu canto rouco, e a sua saudação”. Os tuchauas das aldeias vizinhas
renderam homenagem às autoridades do Estado e a frei Carlos. Dois deles se
apresentaram fardados, porém de forma incompleta: a um faltava a espada e,
a outro, as botas. Não foram poupados do escárnio do jornal.14
A ameaça de abandonar o trabalho missionário, o risco de revoltas e a
12 - Comitiva composta pelo governador do Pará, pelo intendente de Belém e por outros “cava-
lheiros” (MUNIZ, 1913, p. 51-55). Outros visitantes ilustres prestigiaram o trabalho dos frades,
como o primeiro arcebispo do Pará, os cônsules da Itália, Espanha, Peru e Bolívia, jornalistas e
homens de letras.
13 - A Provincia do Pará, anno XXV, n. 7.431, 16 jun. 1900.
14 - A Provincia do Pará, anno XXV, n. 7.431, 16 jun. 1900. Tuchaua era o termo empregado
para designar as lideranças indígenas.
80 | História e Educação na Amazônia
boa impressão causada no governador surtiram efeitos favoráveis aos frades e,
de acordo com a hipótese com que trabalhamos neste artigo, aos índios tam-
bém. Novos planos tiveram execução nos anos seguintes, mudando a feição de
aldeia indígena para um povoado que se beneficiava do progresso. Os edifícios
dos institutos foram construídos, bem como a igreja, em estilo renascentista.
O núcleo indígena se transformou em colônia, perdendo no nome a referência
aos índios. Houve especial preocupação com as condições higiênicas para o
acolhimento das filhas dos índios. Embora não haja referência na documenta-
ção à epidemia que se alastrou no internato feminino do Maranhão, a precau-
ção com as meninas, que só foram recolhidas após a construção do edifício,
denota que os frades aprenderam a lição.
Linha telefônica, telégrafo e a estrada de ferro facilitavam o contato
com a capital e a pronta intervenção policial na colônia, em caso de amea-
ças à ordem. Um dos raros incidentes relatados ocorreu com o “[...] índio
José Antonio Braz, que, embriagado, procurara violentar a casa de residencia
do farmaceutico do Nucleo, cuja familia assustou-se fugindo para o institu-
to masculino”. Frei Mathias de Ponteranica enviou um telegrama urgente ao
governador Augusto Montenegro, dizendo ter sido a colônia assaltada por ín-
dios. Prontamente atendido, praças da polícia militar chegaram ao local para
descobrir que o fato foi “[...] aumentado com os boatos anteriores, que alar-
mavam o núcleo” (MUNIZ, 1913, p. 40).
Apesar de todos os louvores recebidos pelo Instituto do Prata por seus
inúmeros visitantes, este conheceu triste fim em meados da década de 1920,
ao ser extinto e transformado em uma colônia correcional para sentenciados.
Pouco depois, as instalações do instituto se transformaram em local de iso-
lamento para pessoas portadoras de hanseníase. Com o aumento do núme-
ro de doentes no Estado e a proximidade do asilo de Tucunduba do centro
da capital, o governo buscou instalar um novo hospital colônia com maior
extensão territorial, transformando a Colônia do Prata em leprosário.15 Por
ironia do destino, o diretor do Prata por uma década, frei Daniel de Saramate,
que chegou ao Brasil em 1898, aos 22 anos de idade, foi acometido desse mal,
passando os últimos dez anos de sua vida recolhido ao Retiro São Francisco,
próximo ao asilo dos leprosos do Tucunduba, em Belém.16
15 - Agência Pará. Mais de R$ 9 milhões serão investidos em benefício para hansenianos (29
de maio de 2008). Disponível em: <http://200.164.100.137/exibe_noticias_new.asp?id_
ver=27338>. Acesso em: 16 fev. 2009.
16 - Frei Daniel de Saramate (1876-1924) atuou como missionário na Colônia do Prata entre
1900 e 1913. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Daniel_de_Samarate>. Acesso em:
16 fev. 2009.
História e Educação na Amazônia | 81
Mais recentemente, o povoado de Santo Antônio do Prata voltou ao
centro das atenções, devido à alta incidência de hanseníase no local: 16,2% do
total de 2009 indivíduos localizados no povoado por pesquisadores da Ponti-
fício Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) eram ou foram
afetados por hanseníase, transmitida por gerações de doentes. A ex-colônia
tornou-se um estudo de caso exemplar na área de saúde (MACKERT, 2007).

Considerações finais

As fontes não trazem nenhum indício de participação dos índios nas


negociações em torno dos contratos estabelecidos entre o governo e a ordem
religiosa ao longo da existência da colônia, mas não é possível afirmar que na
prática cotidiana concessões e adaptações não tivessem lugar. Para Almeida
(2003, p. 135), as aldeias não podem ser entendidas apenas como um espaço
construído pelos missionários, desconsiderando “[...] o papel dos índios como
sujeitos ativos desse processo”. A afirmação da autora, referida às experiências
de aldeamento do período colonial no Rio de Janeiro, inspira algumas refle-
xões para o caso do Núcleo Indígena do Pará. A experiência foi desejada pelos
índios e não se constituiu pela imposição de interdições: costumes tradicio-
nais foram não somente tolerados no cotidiano das atividades da colônia, mas
exibidos em dias de festa e celebrações, na presença de autoridades e visitantes
ilustres. Resistências ocorreram, mas, pelas informações disponíveis, parecem
ter se restringido às tentativas de combater certas práticas como a poligamia
e hábitos como a embriaguez. Na visão oficial, as rebeldias constituíram atos
isolados de índios mais velhos, sem efeitos devastadores sobre o restante dos
colonos, grande temor dos missionários em função da violenta rebelião que
ocorrera, em 1901, na missão capuchinha do Maranhão. As ações mais em-
preendedoras dos missionários se concentraram nas crianças e nos jovens,
através da educação nos internatos, nas oficinas, nas escolas, no campo, nas
aulas de música e na igreja.
Os capuchinhos da Missão do Norte não se limitaram a criar o Instituto
do Prata. Em 1906, a convite do governador do Pará, os frades instalaram um
instituto na Vila de Ourém, com seção masculina e feminina. Em 1909, exis-
tiam 34 meninos e 32 meninas internados, extrapolando o número total de
vagas, que era de 60. Contudo, o número de alunos externos é particularmente
notável: 197 do sexo masculino e 78 do feminino, perfazendo um total de 341
alunos frequentando as escolas primárias (RELATÓRIO DO INSTITUTO DE
OURÉM, 1909, p. 4). Destes, somente dez são identificados como “indígenas”,

82 | História e Educação na Amazônia


fato relacionado aos critérios adotados para designar os índios – no Prata, as
ações de conversão, religiosa e temporal, no período republicano, agem sobre
os índios tidos por “selvagens” ou não “civilizados” e também sobre os não
índios. O índio alfabetizado, tendo adotado um modo de vida considerado
civilizado, não era mais percebido como etnicamente distinto da população
local por parte da política indigenista, independentemente do modo como os
próprios se percebiam.
Não há nenhum registro de revolta coletiva nos 22 anos de trabalho
missionário na Colônia do Prata. As famílias indígenas não chegaram lá “des-
cidas”, conforme a experiência colonial. Escolheram esse destino. Contudo,
não sabemos que fim tiveram. Um ano antes da extinção do Prata, o instituto
se apresentava com avultado número de alunos e alunas (359, sendo 207 in-
ternos), sendo caracterizado basicamente como uma instituição de instrução
(SODRÉ, 1920, p. 72). Os índios sumiram dessa seção do relatório, vindo a
constar no relato histórico denominado “Protecção dos indígenas” (SODRÉ,
1920, p. 55-59). Defendia a autoridade a substituição das tentativas frustradas
dos “fazedores de catechese” pela proteção das “leis da República” às popu-
lações do sertão (SODRÉ, 1920, p. 55). No ano seguinte, o novo governador
(CASTRO, 1921, p. 24) informa que o Instituto do Prata fora extinto por não
preencher a finalidade de sua criação: “[...] catechese dos índios e ensino pro-
fissional”, onerando o Estado com a sua manutenção. A instituição dedica-
va-se, com o zelo dos capuchinhos, à instrução de mais de 200 alunos, todos
civilizados. A despeito de reconhecer o excelente serviço prestado à instrução,
decidiu-se por seu fechamento, instalando-se no local uma colônia correcio-
nal para o trabalho agrícola dos sentenciados da cadeia de São José (Belém) e,
pouco depois, um leprosário.
Aos olhos das autoridades, não existiam mais índios no Instituto do
Prata, passadas duas décadas de funcionamento: “De índios, não me consta
lá houvesse um só recolhido”, dizia o governador Antônio Castro (1921, p.
24), responsável pela rescisão do contrato com os capuchinhos. Teriam os re-
formadores atingido o objetivo da assimilação, traçado pela política indígena
desde o diretório pombalino? Estariam os índios ocupando os lotes recebidos
após o casamento cristão? Dirigiram-se para outras áreas, vivendo por seus
próprios meios? A história mostra que a etnia sobreviveu às investidas oficiais
para assimilá-la à população regional, ainda que bastante reduzida em núme-
ro de indivíduos, sendo que os Tembé que vivem próximos ao Rio Guamá, no
Pará, não falam mais a língua indígena.
O desconhecimento da história das diversas culturas e etnias indígenas

História e Educação na Amazônia | 83


é característica marcante no ensino de história da educação. Ainda hoje faz
parte do senso comum a referência ao índio ou ao indígena sem que haja uma
reflexão mais detida sobre os significados históricos, sociais, culturais, políti-
cos e simbólicos do uso dessas designações. A denominação índio ou indígena
foi utilizada pelos colonizadores europeus como instrumento de identifica-
ção, classificação e homogeneização cultural em face da enorme diversidade
de grupos étnicos, tribos, nações, culturas e comunidades nativas no vasto ter-
ritório americano. De acordo com a legenda, a atribuição do apelido genérico
“índio” teria resultado do “erro náutico” de Cristóvão Colombo que, em 1492,
em nome da Coroa espanhola, no contexto da expansão marítima e comercial
europeia, tencionava conquistar as Índias. Porém, devido a uma tempestade,
a frota em viagem, à deriva, teria sido trazida para o continente americano.
Essa denominação porta representações e significados históricos diver-
sos, mutáveis e contraditórios, permanecendo, ainda hoje, em uso corrente.
No entanto, tem sido ressignificada, apropriada e reelaborada pelos grupos e
movimentos sociais indígenas, nos seus processos de “etnogênese”. Isto é, a
expressão adquiriu, sobretudo a partir dos anos de 1980 e 1990, sentidos polí-
ticos claros de afirmação e reconstrução étnica e identitária. Assim, a despeito
das diferenças e diversidades culturais e das experiências históricas de indiví-
duos e grupos, a denominação índio articula e confere uma unidade, demar-
cando uma fronteira étnica e identitária entre os povos nativos originários das
Américas (LUCIANO, 2006; OLIVEIRA; FREIRE, 2006).
Nesse processo de reconstrução de identidades, sempre móveis e plu-
rais, os significados da educação e da escolarização permanecem no centro das
lutas e embates históricos. Estabelecer escolas indígenas que atendam às suas
próprias demandas e interesses, respeitando a diversidade cultural, regional e
local e garantindo autonomia e participação das comunidades na formulação
das políticas educacionais, permanece, no século XXI, um desafio para a edu-
cação escolar no Brasil. Romper com o objetivo de assimilar e integrar os ín-
dios à sociedade nacional, sem considerar as diferenças culturais e linguísticas
e sem impor um modelo de educação que sirva para o “[...] branco ensinar ao
índio a ser e a viver como ele” – eis aí um enorme desafio (LUCIANO, 2006,
p. 148).
Esse desafio também se coloca para a escrita e para o ensino da história,
bem como para o avanço das pesquisas sobre as formas de educação e a educa-
ção escolar das comunidades indígenas. Para Kreutz (1999), uma das maiores
questões colocadas à história da educação, no que se refere às abordagens de-
dicadas ao estudo das relações entre etnia e educação, é o enfrentamento dos

84 | História e Educação na Amazônia


limites dos referenciais de análise e das fontes. Como procuramos defender
neste trabalho, é preciso investir na escrita de uma história capaz de captar
a complexa trama da dinâmica social, valorizando as tensões socioculturais
e a capacidade inventiva dos agentes e suas dinâmicas de representação do
social (SILVA, 2002; GONDRA; SCHUELER, 2008). Uma história que possa
recusar o silenciamento dos sujeitos sociais e oferecer novos caminhos para a
compreensão dos processos de (re)construção de identidades étnico/culturais,
mesmo onde ainda hoje se revelam marginalizadas e excluídas.
Assim, se parecem indiscutíveis o reconhecimento da violência imposta
pelos processos de colonização e o desaparecimento de inúmeras etnias ao
longo da história colonial, imperial e republicana, não é menos relevante o
silenciamento que a história da educação e o ensino de história vêm impondo
à atuação dos homens, mulheres e crianças pertencentes aos variados grupos
indígenas como sujeitos históricos. No longo processo de contatos e meta-
morfoses interculturais, as diferentes etnias, misturadas nas aldeias ou com
outros grupos sociais, de formas complexas, diversas, e contraditórias, elabo-
raram e reelaboraram seus modos de viver, resistindo à imposição de modelos
culturais e às condições adversas de dominação e escravidão, reconstituindo
identidades e significados culturais, modificados pelas experiências por eles
vivenciadas (ALMEIDA, 2005; GONDRA; SCHUELER, 2008).
O processo de etnogênese a que muitos grupos indígenas têm se lança-
do, na busca por restabelecer identidades fraturadas, talvez seja uma estratégia
das mais eficientes na luta contra as ações passadas de conversão e assimila-
ção, que, embora condenadas pela história, sobrevivem como prática social.
No âmbito do ensino e da pesquisa em história da educação, a permanência
das desigualdades sociais e tensões interétnicas, no presente, têm demandado
uma nova agenda de trabalho para os historiadores e educadores – uma agen-
da que inclua, em definitivo, os índios como sujeitos e agentes de sua história,
da nossa história.

Referências

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História e Educação na Amazônia | 85


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88 | História e Educação na Amazônia


Operação Amazônia Nativa e os desafios
da formação indigenista
MARIA DOLORES CAMPOS REBOLLAR
Operação Amazônia Nativa (OPAN)

ARTEMIS TORRES
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)

A organização não governamental Operação Amazônia Nativa


(OPAN),1 dedicada, desde sua origem, em 1969, ao trabalho com povos indí-
genas, enfrentou grandes desafios a partir de final dos anos de 1980, em face
das pressões trazidas pela nova conjuntura do capitalismo global. Todo o seu
esforço de preservação dos princípios que vinham conformando, desde seu
nascedouro, a proposta de formação de indigenistas, pedra de toque da Orga-
nização, motivou a pesquisa,2 desenvolvida no período de 2011 a 2012, cujos
resultados aqui relataremos.
Buscamos analisar fundamentalmente o devir histórico-dialético da
OPAN, seu movimento político, pedagógico, sem pretensão alguma de jul-
gá-lo em base a um critério de maior ou menor grau de progresso/retrocesso
ou evolução/involução. Até porque, de outra forma, estaríamos partindo de
uma perspectiva evolucionista e positivista. Como bem afirma Gramsci (1970,
p. 25), “[...] em la idea de progreso se sobreentiende la posibilidad de uma
medición cuantitativa y cualitativa: cuanto más, mejor”. Interessou-nos com-
preender o processo como tal, para podermos contribuir com sua contínua
transformação em face dos desafios atuais que enfrenta o campo indigenista.
A proposta formativa é o alicerce da Organização para a interlocução
qualificada com os povos indígenas, os quais representam no Brasil uma ca-
mada social subalterna e sempre em disputa, principalmente pelas suas visões
de mundo diferenciadas e, frequentemente, contrapostas à proposta hegemô-
nica da sociedade envolvente.

1 - Utilizaremos indistintamente a sigla em maiúscula OPAN, seja para referir à Organização


quando era denominada Operação Anchieta, no 1º período de 1969 a 1989, seja para referi-la
quando passou a se denominar Operação Amazônia Nativa, no 2º período, a partir de 1996.
2 - A pesquisa analisa um período de 40 anos (1969-2009). A OPAN atualmente continua seus
trabalhos tendo se tornado uma importante referência no universo indigenista brasileiro.
História e Educação na Amazônia | 89
Historicamente, sabe-se que educar é sempre um esfor-
ço de grupos para reforçar ou modificar o que existe, em
cada momento histórico. O grupo hegemônico ou que
busca a ‘hegemonia’ só poderá realmente educar se con-
seguir fazer com que os indivíduos sintam-se superiores
ao que existe, oponham-se ao status quo social e desejem
vencer as incoerências existentes, o que só conseguem a
nível coletivo. Vencer as incoerências significa superar o
senso comum para se chegar ao Bom senso [...] (TAVA-
RES, 1985, p. 131, grifos do autor).

Entendemos que, ao analisar as mudanças da proposta formativa da


OPAN, da perspectiva de seu viés político e pedagógico, podemos apontar
com maior propriedade alguns dos desafios atuais que a Organização enfrenta
para manter uma ação que vise a um projeto hegemônico alternativo, já que,
acreditamos, só será possível o pleno desenvolvimento de sociedades diferen-
ciadas dentro de outro marco filosófico, político, econômico e social, ou seja,
dentro de outro modelo hegemônico. Afinal, como poderiam os povos indí-
genas ser respeitados e com direito a autogoverno, gestão e governança terri-
torial plena dentro da lógica capitalista de homogeneização, de exploração da
natureza, dentro da lógica de produção e dos padrões de consumo vigentes?
Partimos, portanto, do entendimento de que as relações pedagógicas
são políticas e vice-versa, fazendo parte de um processo histórico e estando a
serviço de um projeto hegemônico, seja de forma crítica e consciente ou ain-
da submersa na maré de um senso comum acrítico, que preserva, queiramos
ou não, a proposta hegemônica atual. Ou seja, “[...] [a] hegemonia, tal como
Gramsci a concebe, é uma relação educacional”, ou se se preferir: a educação
“[...] equivale simplesmente às operações fundamentais da hegemonia” (BUT-
TIGIEG, 2003, p. 47).
Certamente, como afirma Semeraro (2006, p. 30),

[...] [quando] se começa a colocar no centro da práxis


político-pedagógica o projeto de hegemonia, além de
formar pessoas críticas, ‘libertas’ e éticas, incentiva-se o
preparo de ‘dirigentes’ para assumir a condução do país.

Portanto, interessou-nos também desvendar se estava na consciência


da OPAN um projeto de hegemonia. Para isso, submetemos à crítica os pro-
cessos formativos, de modo que revelassem a sua influência na construção de
uma alternativa hegemônica, e/ou até que ponto se conseguiam abrir frestras
no muro desse sistema global mercantilista e promotor de profundas desigual-
90 | História e Educação na Amazônia
dades e “monoculturas”, visando à busca insistente de outro mundo possível,
ou melhor, de outros mundos possíveis.
Nosso referencial foi o materialismo histórico-dialético, mediante o
qual pesquisamos sob a perspectiva de uma totalidade (independentemente
da abrangência espacio-temporal inicialmente estabelecida), ou seja, dispuse-
mo-nos a reconhecer que

Qualquer objeto que o homem possa perceber ou criar


é parte de um todo. Em cada ação empreendida, o ser
humano se defronta, inevitavelmente, com problemas in-
terligados. Por isso, para encaminhar uma solução para
os problemas, o ser humano precisa ter uma certa visão
de conjunto deles: é a partir da visão do conjunto que a
gente pode avaliar a dimensão de cada elemento do qua-
dro (KONDER, 2010, p. 35).

Dispusemo-nos, enfim, a reconhecer, nas diferentes dimensões que


constituem dialogicamente a OPAN (filosófica, política, pedagógica, econô-
mica, social...), evidências de transformação que promoveram mudanças. A
realizar o esforço de descobrir os movimentos na história e as forças que atua-
ram nela, em relação ao sujeito/objeto da pesquisa, considerando dois princí-
pios marxistas que Gramsci indica como necessários:

(1) O de que nenhuma sociedade se põe tarefas para cuja


solução ainda não existam as condições necessárias e su-
ficientes, ou que pelo menos não estejam em vias de apa-
recer e se desenvolver; (2) e o de que nenhuma sociedade
se dissolve e pode ser substituída antes que se tenham
desenvolvido todas as formas de vida implícitas em suas
relações (GRAMSCI, 2011, p. 36).

Certamente, a descoberta das contradições e mediações estabelecidas


nesse trajeto histórico se tornou essencial a partir de nosso marco referencial.

Caminhos metodológicos

Contribuiu o fato de que, na OPAN, existe um acervo extremamen-


te interessante de documentos que cobrem toda a sua trajetória, o que nos
permitiu realizar uma análise do percurso histórico desses 40 anos (de 1969
a 2009). O critério de seleção, em face de tanta diversidade e riqueza de in-
formações, foi escolher os tipos de documento que poderiam mostrar certas

História e Educação na Amazônia | 91


sínteses e reflexões sobre o trabalho da OPAN, seus objetivos, deliberações
políticas e pedagógicas. Para isso, pareceu-nos fundamental selecionar os re-
latórios anuais (institucionais ou da coordenação), algumas atas ou relatórios
da assembleia geral, referentes a alguns anos que consideramos marcantes,
como foi, por exemplo, o ano de 1989, esclarecendo que as assembleias gerais
se realizam anualmente e são extremamente valorizadas por todos como um
espaço privilegiado de democracia e formação indigenista. A assembleia anual
costuma ser precedida de um seminário anual estruturado de forma a subsi-
diar e possibilitar reflexões maiores para o processo de deliberação em pauta.
Devido à importância de alguns assuntos neles tratados, consideramos perti-
nente, também, adentrar nos relatórios de alguns desses seminários anuais.
Até o ano de 1976, a OPAN produzia um boletim quadrimestral cha-
mado Macaxeira, o qual era uma das principais ferramentas de comunicação
interna e formação permanente, num tempo em que a velocidade das notícias
não contava com a tecnologia digital. Neles, encontramos desde a definição
dos objetivos da OPAN, dos primeiros anos, até conceituações sobre acultura-
ção, reflexões sobre o que é ser um opanista, análises de conjuntura, textos de
antropólogos, bispos, outros intelectuais, equipes, relatórios dos trabalhos etc.
Aleatoriamente, caíram em nossas mãos algumas cartas ou rascunhos
sobre posicionamentos institucionais e particulares que, pela sua relevância
para a compreensão do que estava posto no processo formativo, decidimos
incluir. Dessa forma, analisamos um total de 67 documentos, abrangendo pra-
ticamente todos os anos das quatro décadas estudadas.
Outra ferramenta que utilizamos foram as entrevistas. Em grande me-
dida, pela limitação de tempo, optamos por selecionar pessoas que tivessem
estado na coordenação com responsabilidade direta ou indireta na questão
formativa. A formação na OPAN sempre foi um processo da responsabilidade
da coordenação, ainda que permanentemente discutido coletivamente. Ex-
cepcionalmente, em final de 1989, assumiu a responsabilidade pela formação
uma pessoa específica, que, não sendo coordenadora, estava ligada diretamen-
te a essa instância. Realizou essa função durante duas décadas (2º período, de
1990 a 2009).
Para as entrevistas, cumprindo a função de bússola, optamos por ela-
borar um questionário-base, dividido em três blocos de perguntas, referentes:
1) ao entrevistado/a e à sua trajetória institucional; 2) à formação indigenista;
3) aos horizontes filosóficos e políticos. Esse roteiro era repassado com ante-
cedência aos entrevistados, junto com um resumo da proposta da pesquisa.
Foi um total de oito entrevistados. Cinco das entrevistas foram filmadas em

92 | História e Educação na Amazônia


audiovisual e três foram gravadas em áudio, com uma duração média por en-
trevista de 90 minutos. A seguir, apresentamos uma síntese do perfil das pes-
soas entrevistadas:

Tabela 1 – Perfil das pessoas entrevistadas

Fonte: Rebollar (2012).

Para melhor caracterizar a trajetória da OPAN, dividimos os seus qua-


renta anos de existência em dois grandes períodos, pois entendemos que há
um antes e um depois, se confrontadas as duas primeiras décadas com as pos-
teriores. O primeiro período, que vai até 1988, se caracteriza pela vinculação
da Organização não Governamental (ONG) à Igreja. Ao longo do segundo
período (1989-2009), mudanças começaram a ser produzidas, as quais cer-
tamente já estavam fermentando há mais tempo. Assim, a própria mudança
estatutária do nome, de Operação Anchieta para Operação Amazônia Nativa,
que demarca a separação da Igreja, somente ocorreu em 1996.
Frente aos desafios atuais que se esboçam dentro de um marco de luta

História e Educação na Amazônia | 93


hegemônica alternativa, em contraposição à hegemonia capitalista contem-
porânea – caracterizada por alguns como forma pós-moderna, definida pela
exacerbação do individualismo, do consumismo e pela fragmentação e decor-
rente despolitização –, encontramos uma OPAN que se pautou inicialmente
em valores, tidos como alicerce por esta e outras organizações no campo das
ONGs dos anos 1970, ligados à teologia da libertação e à educação popular.
Tais valores moldavam o fortalecimento do coletivo como base estruturan-
te, pregando a austeridade e a “encarnação”3 com o mais pobre, através de
um compromisso voluntário e militante, alimentado por uma análise crítica
e contínua da realidade, a partir de um horizonte de esquerda (de influência
marxista), incorporado, com orgulho, como fundamento da práxis social e
política desses grupos. Ou seja, a OPAN fazia parte desse universo de ONGs
que, nas décadas de 1960 e 1970, promoviam a “[...] gestação de uma nova
sociedade civil organizada” que “[...] se deu no contexto de resistência à dita-
dura, nas mobilizações e lutas sociais por democratização” (DIAS, 2005, p. 7).
Porém, na trajetória histórica estudada, vemos como, a partir de final
dos anos 1980 e, principalmente, na década de 1990, apareceram fortes in-
fluências de um sistema neoliberal cada vez mais hegemônico, provocando a
ruptura dos referenciais filosóficos, políticos e pedagógicos “libertadores” que
haviam dado origem à Organização. Segundo Tapia (2007, p. 90),

El neoliberalismo produjo un sentido común que conte-


nía una fuerte propensión al pesimismo en casi todo lo
que se refiere a iniciativas colectivas y en particular a pro-
cesos de construcción de estados-nación y democracia.
El despliegue ideológico de los 80s y 90s inducía a pensar
que nada fuera de este horizonte era posible, deseable,
factible. El sentido común neoliberal a su vez funciona
como una matriz atomizadora o atomizante, produce la
individualización de las relaciones y los hechos.

Assistimos também à diminuição progressiva de financiamentos por


parte da cooperação internacional, a partir da queda do Muro de Berlim, e à
definitiva consolidação da globalização neoliberal com sua onda de privatiza-
ções, liberalização do mercado, flexibilização no campo produtivo e a reforma
do Estado, para que este se adéque a um novo papel “mínimo” – o qual reduz
3 - Termo teológico que, a partir do Vaticano II, indica a necessidade de “estar com o outro”/ “ser
como o outro”, dentro de uma nova visão evangélica que ajudou a romper, no caso do campo
indigenista, com as tradicionais missões e internatos católicos para indígenas, promovendo um
novo movimento em direção contrária: o missionário iria conviver com os indígenas nas aldeias
e aprender com eles.
94 | História e Educação na Amazônia
sua responsabilidade com as políticas públicas, transferindo responsabilida-
des à sociedade civil organizada. Esse cenário, segundo a conclusão de Gohn
(2011, p. 10), foi

[...] levando várias organizações a uma reestruturação in-


terna e à prestação de serviços para órgãos públicos, exe-
cutando projetos, pesquisas ou consultorias. E se, por um
lado, o acesso a recursos públicos nas diferentes esferas
de governo significou uma opção política pela disputa de
projetos no Estado democrático e também de alternativa
de sobrevivência institucional, por outro colocou dilemas
e conflitos sobre a preservação de sua identidade e auto-
nomia política, assim como pôs em questão o papel e o
lugar das ONGs na sociedade brasileira.

A OPAN viveu (e vive), dessa forma, alguns desafios semelhantes a ou-


tras organizações desse campo: uma reformulação da sua identidade, espe-
cialmente a partir da cisão com a Igreja (em 1989); o permanente desafio da
sobrevivência financeira; a profissionalização e o fortalecimento institucional
progressivos, com a consequente elevação do nível de gestão e burocratização;
o estabelecimento de novas relações com o Estado, por meio de convênios na
implantação de políticas públicas que, entendemos, também influenciaram e
influenciam de forma substancial o tipo de relações políticas e pedagógicas
que os membros da Organização estabelecem com os povos indígenas e com o
Estado. O processo formativo da OPAN vai perpassar esses períodos tentando
dar conta de tais mudanças, num contínuo tensionamento entre “o novo e o
velho” e dentro de uma especificidade singular de intervenção como ONG
indigenista, ou seja, como grupo orgânico que estabelece relações políticas e
pedagógicas com povos indígenas no Brasil, especialmente, nas últimas déca-
das, nos estados de Mato Grosso e Amazonas.

O primeiro período da OPAN: construção de alternativas e rupturas


com o senso comum

A OPAN, inicialmente, se propôs a lutar contra a subalternidade in-


dígena, para o qual se dispôs a entrar em um processo de superação da pró-
pria subalternidade. Esse processo levava implícita uma dinâmica de trazer à
consciência e de forma crítica a realidade, para poder combater e superar as
características principais da subalternidade: “[...] pluralidad, disgregación, ca-
rácter episódico de su actuar, débil tendência hacia la unificación ‘a nivel pro-

História e Educação na Amazônia | 95


visional’” (MODONESI, 2010, p. 32). No 1º período (décadas de 1970 e 1980),
a Operação Anchieta surgiu da Igreja Católica numa vertente contestatória.
Seu nascimento foi motivado e incentivado por um pensamento progressista
dentro da própria Igreja, influenciado fundamentalmente pelo Vaticano II e
as sucessivas conferências episcopais latino-americanas, Medellín4 e Puebla,5
pensamento este que abria caminho em meio ao conservadorismo eclesial e
ao autoritarismo político que se vivia na América Latina. A teologia da liber-
tação6 teve uma influência fundamental no projeto político dos movimentos
sociais populares. Também a influência da pedagogia do oprimido e da li-
bertação7 teve um papel importante na orientação das práticas político-pe-
dagógicas dos primeiros indigenistas, pois se constituíram como caminhos
metodológicos dentro de uma convergência filosófica, política e pedagógica
que visava à transformação social através da libertação – a qual era um pro-
cesso com vários momentos, sendo o primeiro e fundamental a aquisição da
consciência do próprio oprimido-opressor que incorporamos. Libertar-se seria
sair dessa dialética e se apropriar da própria história de forma consciente e
crítica. Essa consciência deveria estar a serviço da transformação da realidade
e por isso precisava reconhecer seu projeto hegemônico.

La conciencia de formar parte de una determinada fuer-


za hegemónica (es decir, la conciencia política) es la pri-
mera fase para una ulterior y progresiva autoconciencia,
en la que la teoría y la práctica se unifican finalmente
(GRAMSCI, 1970, p. 11).

No 1º período, o engajamento radical dos indigenistas nas aldeias indí-

4 - A Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano realizou-se em Medellín,


na Colômbia, no período de 24 de agosto a 6 de setembro de 1968. A temática proposta foi “A
Igreja na presente transformação da América Latina à luz do Concílio Vaticano II”.
5 - A Terceira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano realizou-se em Puebla de
los Angeles, no período de 27 de janeiro a 13 de fevereiro de 1979. Paulo VI convocou-a oficial-
mente no dia 12 de dezembro de 1977, sob o tema: “Evangelização no presente e no futuro da
América Latina”.
6 - A teologia da libertação surgiu principalmente como uma reação moral à pobreza causada
pela injustiça social naquela região. O termo foi cunhado em 1971, pelo padre peruano Gustavo
Gutiérrez, que escreveu um dos livros mais famosos do movimento – A teologia da libertação.
7 - O livro Pedagogia do oprimido foi escrito em 1968, quando o autor encontrava-se exilado
no Chile. Proibido no Brasil, somente foi publicado no País em 1974. A pedagogia da liberta-
ção faz parte dos postulados centrais de Paulo Freire, obra conhecida e pesquisada em diversas
universidades ao redor do mundo. Essa pedagogia propõe uma educação crítica a serviço da
transformação social.
96 | História e Educação na Amazônia
genas, junto à reflexão constante da prática e a “escuta” como atitude fundante
do novo indigenista, se constituiu numa práxis criadora,8 que deu origem ao
que chamariam de indigenismo alternativo, por ser uma interlocução dife-
renciada, inexistente até o momento e contraposta ao indigenismo oficial da
época. Todas as condições estavam dadas para abrir a possibilidade de uma
nova práxis indigenista. Os indigenistas eram jovens leigos e voluntários, que
vinham das pastorais da juventude e que assumiriam seu papel de novos mis-
sionários, engajados na luta a favor dos povos indígenas com total convicção
e dedicação. A OPAN não oferecia aos jovens um emprego ou ressarcimento
econômico algum, mas um processo formativo político e eminentemente pe-
dagógico de desenvolvimento pessoal, através de novas experiências relacio-
nais, por vezes radicais, de inserção em outras culturas, que adquiriam inicial-
mente, aos olhos desses jovens, um caráter romântico e aventureiro. Oferecia
também a possibilidade de engajamento em uma luta, um projeto político e
social, tendo a solidariedade/fraternidade com os povos indígenas no centro
dele.
Portanto, podemos concluir que a Igreja progressista não foi só um
“protetor” (em relação à segurança física dos indigenistas em plena ditadu-
ra), como não foi somente apoio financeiro para a OPAN. Ela foi o marco
filosófico e político do fazer indigenista dos primeiros anos. A OPAN nunca
esteve isenta de contradições (paternalismo, “aculturação humanista”), que
faziam parte do processo de superação da relação anterior estabelecida com os
povos indígenas; porém, existiram as condições necessárias para uma virada,
para a adesão à crítica ao capitalismo, legitimada por todos os segmentos de
resistência popular que lutavam contra a dependência, o imperialismo e o “co-
lonialismo” promovido pelos países do Norte e os organismos internacionais
a serviço deles.
Assim sendo, destacamos quatro elementos interligados e da maior
importância, como constatação da luta hegemônica alternativa ocorrida no
1º período da OPAN (1969-1989). Primeiro, a existência de um projeto filo-
sófico, político e pedagógico que dava sustentação à atividade intelectual e à
práxis político-pedagógica no jogo de forças que estava posto no contexto in-
dígena e que visava à superação da subalternidade. Segundo, a construção de
um “corpo”, um coletivo “voluntário” com uma identidade “familiar”, ou seja,

8 - Conceito desenvolvido por Adolfo Sanchez Vásquez (2007). Para Vásquez (2007, p. 267),
"[o] homem não vive em um constante estado criador. Ele só cria por necessidade; isto é, para
adaptar-se a novas situações, ou satisfazer novas necessidades. Repete, portanto, enquanto não
se vê obrigado a criar. Porém, criar é para ele a primeira e mais vital necessidade humana [...]".
Por isso, a práxis é essencialmente criadora, ainda que ela transite entre a repetição e a criação.
História e Educação na Amazônia | 97
“não passível de sofrer qualquer tipo de ruptura”. Terceiro, a existência de um
grupo de intelectuais orgânicos importante, de forte influência jesuítica, que
deu origem e orientou os passos da OPAN. E o quarto, o caráter eminente-
mente “educador/libertador” dos primeiros indigenistas.

O segundo período e o neoliberalismo: profissionalismo e


fragmentação

Já na década de 1990 e, principalmente, na de 2000, o projeto original


foi-se fragilizando. A OPAN carregava certa crise de identidade, pois, sem a
Igreja, buscava a si mesma como novo ator político e social na segunda me-
tade dos anos 1980. Entretanto, a década de 1990 trouxe ao cenário, de forma
abrupta, um conjunto de novos elementos políticos, econômicos e sociais que
exerceram sua influência sobre a conformação da nova identidade e práxis
institucional. O capitalismo global, com a hegemonia do pensamento único;
a crise ecológica e a crise ambiental, derivando na proposta de um “desenvol-
vimento sustentável” contraditório e por vezes confuso; o novo Estado bra-
sileiro (democrático representativo e participativo em vários níveis); o novo
papel das ONGs através do terceiro setor;9 o fortalecimento da representação
indígena e sua interlocução com as políticas públicas; e o novo perfil profissio-
nalizado e técnico do indigenista etc.
A OPAN passou a vivenciar um tensionamento permanente entre a re-
sistência a mudanças no seu projeto original e as novas influências que chega-
vam, provocando um aumento progressivo de desagregação interna. Sem dú-
vida, isso teve uma forte influência na proposta formativa (política e filosófica)
da Organização. Constatamos que esse tensionamento foi-se alastrando por
duas décadas e o chamamos de crise, porque “o velho vai morrendo” e o novo
não termina de chegar e se consolidar. Essa tensão entre as diversas visões,
sustentada ao longo de anos, foi-se acirrando num grau suficiente para dificul-
tar a relação dialética entre “o velho e o novo”, envolvendo-os num confronto
radical e excludente. Também constatamos que a OPAN parece ter feito um
movimento para dentro de si mesma, umbilical. Não estabeleceu novas co-
nexões que poderiam orientar filosófica e politicamente sua nova busca (nos
documentos não há referências a novos fóruns e movimentos sociais que des-
pontaram no cenário, como, por exemplo, o movimento alterglobalizacão),

9 - O terceiro setor marca um antes e um depois no papel e na identidade das ONGs de forma
geral. Longe de questionar a estrutura-superestrutura social, o terceiro setor passa a representar
um “voluntarismo” civil para suprir lacunas do Estado ou do setor privado, em prol de uma
suposta “humanização” do capitalismo, sem por isso questioná-lo.
98 | História e Educação na Amazônia
sendo dessa forma vítima de certo “isolamento de paisagem”. Criou-se um
cenário que fortalece a desagregação ou, dito de outra forma, a despolitização.
Grande parte da reflexão e da prática, do aprendizado em si, foi ficando atre-
lada às micropolíticas do coorporativismo.

A dispersão, a falta de articulação com outros espaços


que não os do próprio setor ou ‘tema’, o isolamento e a
inorganicidade – coisas que muitos saúdam em nome
da diferença ou da ‘tolerância’ – só podem levar à con-
servação da sociedade existente. Os atuais pensadores
da dominação deixam com prazer, às organizações das
classes subalternas, o terreno da ‘pequena política’, no
qual apenas se disputam questões ‘parciais e cotidianas’,
para disfarçar assim a renúncia à ‘grande política’, que
se abandona com exclusividade às classes dominantes.
As organizações populares precisam reagir em face das
fortes pressões em favor de sua ‘domesticação’, de seu
enquadramento nos limites de uma ‘governabilidade’ en-
tendida basicamente como um sistema em que as classes
subalternas podem exercer sua liberdade de organização
e mobilização, mas desde que se abstenham de tudo aqui-
lo que possa perturbar as relações de poder existentes
(CAMPIONE, 2003, p. 61).

Nesse 2º período da OPAN, também vimos como as mudanças da pro-


posta formativa têm sido contínuas e de amplo espectro: encurtamento de
tempos de estudo e do processo seletivo, aproximação oficial da academia,
busca de candidatos/as com perfil mais técnico. Ao mesmo tempo, pare-
ce existir uma diminuição de intelectuais orgânicos, que ajudem a pensar e
refletir sobre a práxis institucional. Esse novo papel das ONGs, inaugurado
pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, foi incorporado pela OPAN em
grande medida, uma OPAN que estava em plena transição entre “Anchieta” e
“Amazônia Nativa”.
A Organização continua sua trajetória, no caminho da profissionaliza-
ção, ajustando periodicamente a proposta formativa às novas demandas dos
“Projetos de Trabalho” e do novo perfil de candidatos/as. A OPAN termina
assumindo uma política pública, ao longo de uma década, com claros resul-
tados positivos, mas com importantes contradições principalmente no campo
identitário, pois entendemos que o fato de ter tido a responsabilidade de fazer
a gestão da saúde indígena, ou seja, do atendimento básico de saúde (no Polo
Brasnorte, MT), certamente, reconfigurou as relações da Organização com o

História e Educação na Amazônia | 99


Estado e com os povos indígenas e influenciou a sua organicidade.
A partir da década de 2000, a questão do desenvolvimento, no sentido
de crescimento econômico, produção e consumo e geração de renda, passa a
ter cada vez maior protagonismo nos investimentos públicos e privados e nas
demandas indígenas. Esse tipo de “desenvolvimento” também se impõe no
Brasil, a partir da estabilização da economia, o aumento da renda per capita,
o investimento em programas de aceleração do crescimento etc. Faz-se neces-
sária uma reflexão crítica permanente sobre as novas propostas financiáveis
e incentivadas pelo governo, empresas privadas e organismos internacionais
(como a construção de cadeias produtivas, o novo mercado para redução de
emissões de carbono etc.) para desmascarar possíveis movimentos que levem
não mais à emancipação indígena, mas a uma nova forma de subalternidade
imposta pelo mercado, com a roupagem do “desenvolvimento sustentável”.
O processo de hegemonia passa particularmente pela elaboração de um
projeto político-social e pedagógico de um determinado grupo social e/ou so-
ciedade (SILVA SANTOS; COSTA DE SOUZA, 2011, p. 197), e este se apre-
senta como um dos principais alicerces de qualquer proposta formativa que
vise à autonomia e à emancipação social na luta hegemônica que está posta.
Portanto, quando se dissolve a unidade orgânica de um coletivo, corre-se o
perigo de deixar o campo aberto para relações político-pedagógicas que ora
se afinam, ora se ignoram, ora se combatem, desde o pequeno, desde os egos
umbilicais e os egoísmos individualistas. Corre-se o perigo, também, de tentar
preencher a formação de quadros com propostas tecnicistas e fragmentadas,
que não se sustentam a partir de um projeto político e social maior, mas que
se atrelam a certo senso comum, ou seja, a crenças naturalizadas que a atual
hegemonia normalizou, como, por exemplo, a crença de que “desenvolver-se
passa por crescer economicamente, e de que este crescimento está atrelado ao
aumento de produção e integração com o mercado capitalista”.
Aparece também na OPAN uma polarização entre o que seja o indige-
nista genérico e o especialista, que interpretamos como resultante da angústia
de se perder a perspectiva política maior do papel indigenista, em prol de uma
prática localista10 (referimo-nos a uma prática cega para o mundo, pelo seu
atrelamento local; míope na sua reflexão política; personalista no modo de
formular os problemas) excessivamente técnica e pragmática. Portanto, en-
tendemos que talvez o equívoco dessa polarização seja o de ter atrelado o pro-

10 - Termo que ressignificamos. Apesar de existir a palavra localismo como sinônimo de bairris-
mo, regionalismo etc., aqui o adotamos de forma pejorativa, como a exacerbação da práxis local
em detrimento de uma reflexão política maior.
100 | História e Educação na Amazônia
blema ao tipo de profissional, como se ser especialista em alguma área concre-
ta nos encurtasse inevitavelmente o “olhar” – ao invés de levar a discussão ao
campo do projeto filosófico-político da OPAN, escondendo da visão a questão
principal. Já Freire (1983, p. 21) alertava sobre a especialização “despolitizada”
do indivíduo, que se dá “[...] se este olha e percebe a realidade enclausurada
em departamentos estanques. Se não a vê e não a capta como uma totalidade,
cujas partes se encontram em permanente interação”.
Essa lógica de projetos11 parece conduzir a uma cilada: a fragmentação.
Quando a elaboração e o desenvolvimento dos projetos se fazem vinculados
apenas a uma parte da realidade, as partes/projetos terminam por tomar conta
do universo de atuação, constituindo-se como pequenos horizontes isolados e
esgotados em si mesmos. Dessa forma, o projeto institucional termina sendo
um somatório de partes, sem alinhavo nem organicidade coletiva e coerente.
A relação dialética entre as partes (projetos) e o todo (projeto institucional)
fica, dessa forma, comprometida, pois este último acaba submetido às partes,
tornando-se terreno fértil para a despolitização, se não se traçam estratégias
institucionais de como elaborar e implementar intervenções preservando a
autonomia e a autodeterminação política e pedagógica institucional e indíge-
na. Também o cenário da lógica de projetos deixa claro o tipo de trabalhador/a
que precisa: um operário (empregado) executor nos parâmetros mecanicistas,
que não carece “pensar”, mas “fazer acontecer”.

Algumas conclusões

A pesquisa mostrou indicativos de que a OPAN mudou as característi-


cas principais que a originaram e parece ter ficado muito mais emparelhada ao
projeto hegemônico capitalista do que a um projeto hegemônico alternativo,
mais por uma atitude de consenso passivo e/ou fragmentação interna do que
por uma escolha consciente. Porém, a Organização ganhou em profissionalis-
mo, organicidade e eficiência técnica.
Em grande medida, entendemos que o vácuo gerado pela falta de uma
proposta político-pedagógica unificada coletivamente no 2º período foi de-
terminante, por todos os motivos apontados: mudanças estruturais e conjun-
turais no mundo e no Brasil; crise de identidade decorrente da separação da
Igreja; tensionamento permanente desagregando e acirrando os embates nas

11 - Utilizamos a expressão “lógica de projetos” para definir um olhar engavetado, fragmentado


das intervenções, em contraposição à lógica de programas ou estratégias institucionais, que se
ampara em um projeto político maior.
História e Educação na Amazônia | 101
duas últimas décadas, que termina por fortalecer a dinâmica das micropolíti-
cas internas; redução do corpo intelectual orgânico; novos jovens chegando
nesse campo de tensionamento com outros referenciais, ou seja, não mais os
referenciais político-pedagógicos dos anos 1970; busca de sustentabilidade
financeira e do fortalecimento institucional; redução do tempo de reflexão
político-pedagógica; atrelamento a uma práxis localista; a crescente burocra-
tização; entre outros.
Todos esses indicativos se relacionam entre eles e mostram um modelo
coerente com a proposta despolitizada, mecanicista e pragmática afinada com
a subalternidade e desagregação que o sistema capitalista promoveu nas últi-
mas décadas, conectado com o novo papel instaurado para a sociedade civil a
partir do chamado terceiro setor, opondo-se aos princípios institucionais fun-
dadores. Porém, a Organização, através dos tensionamentos permanentes que
parecem tê-la desacomodado, é levada a não renunciar à busca de um diálogo
diferenciado com os povos indígenas com os quais trabalha.
Consequentemente, entendemos que os futuros processos formativos
político-pedagógicos para esse novo indigenista do século XXI precisam ser
concebidos tomando-se em conta as várias vertentes de um modelo hegemô-
nico alternativo que deve ser contínua e coletivamente refletido. Superar a
miopia política diante do cenário que está se configurando atualmente, frente
à nova onda de acirramentos contra os direitos indígenas no Brasil, principal-
mente no que se refere aos direitos territoriais, é urgente e fundamental, se o
que se pretende é continuar contribuindo com o fortalecimento da emancipa-
ção indígena.

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História e Educação na Amazônia | 103


104 | História e Educação na Amazônia
Organizações Indígenas no Amazonas e
a luta por educação escolar1
MARCOS ANDRÉ FERREIRA ESTÁCIO
Universidade do Estado do Amazonas (UEA)

Introdução

Os fatos históricos observados no final da década de 1970 nos fazem


ver a complexidade da sociedade brasileira, aliada a um sistema perverso de
distribuição de riqueza e de poder, que impulsionava a busca pela democracia
e incluía a liberdade, a reconquista dos direitos excluídos pela repressão e a
aquisição de novos direitos sociais.
É no decorrer dessa década que a questão indígena vem para o centro
das discussões da sociedade brasileira, ou seja, a situação vivida pelos povos
indígenas durante os anos de repressão impulsionou a resistência e a mobi-
lização de luta de diversos segmentos da sociedade civil no interior do País,
visando a alcançar a redemocratização.
As repercussões alcançadas pelas ações anti-indígenas promovidas pelo
governo foram estimuladoras das ações pró-índios, deflagradas pelos segmen-
tos da sociedade civil de apoio aos indígenas. Lideranças emergiam das al-
deias. Os índios chegaram, assim, à condição de atores políticos, em um cená-
rio carregado de autoritarismo e de visões distorcidas sobre o que é realmente
o Brasil.
A presença de inúmeras populações indígenas em regiões de frontei-
ras internacionais do Brasil também colocou em cena a diplomacia brasileira,
constituindo-se em outro ator no cenário indigenista estatal. Caso se iden-
tifiquem os mesmos problemas vivenciados pelos povos indígenas desde o
período colonial, na atual conjuntura, tais problemas são colocados de outra
maneira, uma vez que os agentes do Estado que os representam não são mais
militares, e sim diplomatas.
É justamente entre os anos de 1970 e 1980 que surgem associações
nacionais e outras entidades não governamentais2 que passam a defender os
1 - Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
Trabalho apresentado no VII Congresso Brasileiro de História da Educação (Circuitos e Fron-
teiras da História da Educação no Brasil).
2 - Dentre elas, destacam-se: Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI/SP), Centro Ecumênico de
História e Educação na Amazônia | 105
índios em suas lutas, e elas surgiram em defesa da causa indígena no País,
desenvolvendo uma prática indigenista paralela à oficial e quase sempre em
conflito com ela.
A criação de organizações a favor da causa indígena reflete a tentativa
de estabelecer uma política indigenista alternativa, pautada na mobilização e
conscientização da sociedade, do Estado e dos próprios índios, de que estes
têm o direito à alteridade em sua pluralidade étnico-cultural, à valorização de
seus conhecimentos e tradições.
Este trabalho objetiva compreender o surgimento de três organizações
indígenas, no estado do Amazonas, a partir de 1980, quais sejam: Federação
das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Coordenação das Organi-
zações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Movimento dos Estudan-
tes Indígenas do Amazonas (Meiam), identificando as suas lutas e reivindi-
cações por uma educação escolar, específica e diferenciada, desde a educação
básica até o ensino superior.

O movimento indígena e a luta por educação escolar

Na década de 1980, com o fim do regime militar e a abertura do pro-


cesso de redemocratização do País, a sociedade intensificou as exigências para
que governo realizasse modificações na área política, visando a novos rumos
para o Brasil. Esse foi um longo período de lutas, deflagradas em todos os
níveis da sociedade, e que reunia inúmeros grupos sociais e entidades não go-
vernamentais.
A luta dos povos indígenas e as experiências de educação escolar para
o índio, implementadas pelas entidades e organizações não governamentais,
somadas às forças dos movimentos das organizações em defesa da causa indí-
gena, contribuíram para que se alcançassem as conquistas constitucionais de
1988.
Entretanto, a partir de 1980, apesar das mudanças quanto à questão
indígena, ocorreu a instalação de certa ambiguidade nas formas de se traçar e
implantar uma política de educação para os indígenas – ambiguidade porque
não houve

Documentação e Informação (Cedi), atual Instituto Socioambiental (Isa), Associação Nacional


de Apoio ao Índio (Anaí), Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Instituto de Estudos Socioe-
conômicos (Inesc), Grupo de Trabalho Missionário Evangélico (GTME), além das organizações
criadas pelos setores progressistas da Igreja Católica, Operação Anchieta (Opan) – atual Opera-
ção Amazônia Nativa – e Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
106 | História e Educação na Amazônia
[...] uma revolução nas práticas que deveriam conduzir
os rumos da Educação Indígena, mas sim uma grande
transformação nas concepções que vão nortear o conví-
vio do Estado brasileiro com sua realidade indígena. Os
anos 80 foram o marco na afirmação dos movimentos in-
dígenas organizados no Brasil, motivados também pelo
caminho construído pelas organizações civis de apoio ao
índio para a conquista dos seus direitos formais, garan-
tidos em lei, via Constituição (KAHN; FRANCHETTO,
1994, p. 6).

Logo, parece haver um jogo de forças contraditórias entre as posições


progressistas garantidas na lei e a efetiva consecução desses princípios, ou seja,
um distanciamento do dizer para o fazer.
Assim, a educação escolar para o indígena continuava a ter como refe-
rência o sistema formal, institucionalizado na e pela sociedade não indígena.
Muito embora não tenhamos chegado ao ideal da escola indígena, é verdade
que as mudanças na legislação do País, a favor do índio brasileiro, trazem uma
orientação mais próxima das exigências do movimento indígena.
É nos anos 1980 que os direitos assegurados ao ensino fundamental e as
alterações na organização da educação escolar indígena diminuíram o proces-
so de exclusão social e possibilitaram aos indígenas o acesso à educação nesse
nível de ensino.
É também nessa década do século XX que lideranças e representações
das comunidades indígenas de todo o Brasil se articulam em assembleias in-
dígenas, procurando soluções coletivas para problemas comuns,3 dentre os
quais a questão da educação escolar específica e diferenciada – perspectiva
esta diversa daquela que até então vinha sendo praticada nas áreas indígenas
pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e por entidades religiosas (COIAB,
2014a, 2014b, 2014c).
O objetivo principal dos encontros de lideranças indígenas era pressio-
nar a União, os estados e a sociedade por uma reestruturação na política indi-
genista do Estado e por medidas asseguradoras aos povos indígenas do direito
a uma educação escolar autêntica, fundada nas especificidades socioculturais
de cada povo.
Vale ressaltar que esses movimentos foram e são importantes para am-

3 - Um exemplo é o Fórum Permanente dos Povos Indígenas da Amazônia (FPPIA), o qual


realizou o I FPPIA na cidade de Manaus/AM (nos dias 3 a 6 de novembro de 2003), o II FPPIA
em Cuiabá/MT (nos dias 17 a 19 de novembro de 2004) e o III FPPIA em Porto Velho/RO (nos
dias 28 a 30 de novembro de 2007) (COIAB, 2014a, 2014b, 2014c).
História e Educação na Amazônia | 107
pliar a solidariedade interétnica e solidificar os movimentos e organizações
indígenas.4 Ainda na atualidade, os encontros e as assembleias indígenas con-
tribuem para uma maior integração e fortalecimento dos povos indígenas e
também como instrumentos permanentes para articular e dar força política à
luta indígena.
Uma das organizações pioneiras na década de 1980, no estado do Ama-
zonas, foi a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), cria-
da em 30 de abril de 1987, durante a II Assembleia Geral dos Povos Indígenas
do Alto Rio Negro (FOIRN, 2004). A Foirn

[...] é uma associação civil sem fins lucrativos, sem vincu-


lação Partidária ou Religiosa, fundada [...] para defender
os direitos dos povos indígenas que habitam a Região do
Rio Negro no Estado do Amazonas – Brasil. Compõe-se
de [...] mais de 89 organizações de base representante das
comunidades distribuídas ao longo dos principais rios
formadores da bacia do Rio Negro. São cerca de 750 al-
deias, onde habitam mais de 35 mil indígenas, compreen-
dendo aproximadamente 10% da população indígena no
Brasil, pertencentes a 23 grupos étnicos diferentes, repre-
sentantes das famílias linguísticas Tukano, Aruak, Maku
e Yanomami, numa área de 11,6 milhões de hectares de
terra que incluem os municípios de São Gabriel da Ca-
choeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos (FOIRN,
2015, p. 1).

A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro é composta por


cinco coordenadorias, as quais reúnem as organizações de base. Ela possui
uma Assembleia Geral, como maior instância deliberativa, e também um con-
selho diretor e uma diretoria executiva. A escolha dos integrantes do conselho
diretor e da diretoria executiva é realizada por meio de eleições, para um man-
dato de quatro anos.
Sua criação representou um marco importante dentro do movimento

4 - De acordo com Luciano (2006, p. 58), “[m]ovimento indígena não é o mesmo que organiza-
ção indígena, embora esta última seja parte importante dele”, pois o primeiro significa, “segundo
as lideranças indígenas”, o conjunto de estratégias e ações que as comunidades e as organizações
indígenas desenvolvem em defesa de seus direitos e interesses coletivos; já o segundo é a for-
ma pela qual uma comunidade ou povo indígena organiza seus trabalhos, sua luta e sua vida
coletiva, existindo duas modalidades: a tradicional (organização original dos índios) e a não
tradicional ou formal (organização de caráter jurídico, formal, de modelo não indígena, com es-
tatuto social, assembleias gerais, diretoria eleita, conta bancária e que deve ao Estado satisfação
e prestação de contas de seus atos e recursos utilizados).
108 | História e Educação na Amazônia
indígena no Amazonas, pois “[...] estimulou a criação de uma série de associa-
ções locais” (WRIGHT, 2005, p. 292) no Alto Rio Negro e abriu espaço para a
atuação efetiva das lideranças indígenas que buscavam representar seus povos
na luta pelos direitos dos índios.
As ações da Foirn estão centradas nas demarcações de terras, piscicultu-
ra e manejo agroflorestal sustentável para os povos indígenas da região, saúde,
cultura, artesanato, cidadania e apoio às iniciativas na área da educação em
busca de alternativas para a melhoria da educação escolar indígena e o acesso
diferenciado de indígenas na universidade.
Seus projetos educacionais se voltam para a valorização das línguas e
culturas tradicionais, com o aprendizado “[...] primeiramente nas línguas nati-
vas e num segundo momento em português”, sendo que tais projetos incluem
“[...] ainda a formação em atividades econômicas e sustentáveis que contri-
buam para o desenvolvimento da própria região” (FEDERAÇÃO..., 2004).
Em abril de 1989, foi criada, por líderes indígenas, a Coordenação das
Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), representando, à
época, 23 povos do Acre, Amapá, Amazonas, Rondônia e Roraima, para ser
instrumento de luta e representação dos povos indígenas da Amazônia Le-
gal pelos seus direitos a terra, saúde, educação, economia e interculturalida-
de. Atualmente, existem 75 organizações indígenas membros, representantes
de 160 povos de toda a Amazônia Legal, vinculadas à Coiab.5 Ela tem como
missão “[...] fiscalizar, defender e promover os direitos dos povos indígenas”
(COIAB, 2015, p. 1), com o objetivo de

[...] promover a organização social, cultural, econômica


e política dos povos e organizações indígenas da Amazô-
nia Brasileira, contribuindo para o seu fortalecimento e
autonomia. Também formula estratégias, busca parcerias
e cooperação técnica, financeira e política com organiza-
ções indígenas, não indígenas e organismos de coopera-
ção nacional e internacional para garantir a continuidade
da luta e resistência dos povos indígenas (COIAB, 2015,
p. 1).

A instância máxima de deliberação da Coiab, é a Assembleia Geral, a

5 - Essas organizações-membros pertencem aos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mara-


nhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Elas são associações locais, federa-
ções regionais, organizações de mulheres, professores e estudantes indígenas, que, juntas, so-
mam aproximadamente 430 mil índios, representando cerca de 60% da população indígena do
Brasil, os quais ocupam, aproximadamente, 110 milhões de hectares no território amazônico
(COIAB, 2015).
História e Educação na Amazônia | 109
qual reúne, a cada três anos, lideranças representativas dos estados da Ama-
zônia Legal Brasileira. Essas lideranças compõem o Conselho Deliberativo
e Fiscal (Condef), que é eleito pela Assembleia Geral e atua enquanto órgão
consultivo, de assessoria e deliberativo da coordenação executiva da Coiab.
Essa coordenação é a instância de execução da Coiab, e é composta por um
coordenador geral, um vice coordenador, um coordenador secretário e um
coordenador tesoureiro (COIAB, 2015).
Para Bernal (2009, p. 113), a Coiab foi criada

[...] esforçando-se para ser uma organização completa-


mente autônoma, [mas] é também fruto – entre outras
razões – de um longo processo de educação e de forma-
ção social feito por organizações “brancas”, especialmen-
te entre os anos 1960 e 1980, baixo o amparo da Igreja
Católica, espaço de liberdade durante os anos da ditadu-
ra militar. Essa situação lhe permite hoje dispor de uma
ampla rede de relações e conexões mais ou menos ins-
titucionais, habilmente utilizada pelos dirigentes: Igreja
Católica, universidades, centros de pesquisa, partidos
políticos etc.

Na questão educacional, a Coiab tem reivindicado a presença de es-


colas nas aldeias e a formação de professores indígenas, visando a ações que
garantam a implementação de políticas públicas de educação escolar indígena
diferenciada em todos os níveis de ensino, em conformidade com a legislação
vigente, a cultura e o os interesses dos povos indígenas, e estabelece ainda
espaços de luta e conscientização, com o fito de influenciar na formulação
de políticas adequadas às realidades e aspirações dos índios (COIAB, 2014a,
2014b, 2014c).
O documento final do II Fórum Permanente dos Povos Indígenas da
Amazônia – realizado em Cuiabá em 2004 – define as principais estratégias e
ações do movimento indígena para a área educacional:

Reivindicar junto ao Ministério de Educação (MEC) me-


didas de fiscalização da utilização dos recursos oriundos
do FUNDEF,6 repassados às prefeituras e que não são
aplicados para as escolas indígenas, articulando vagas nos
Conselhos do FUNDEF, nos municípios e nos Estados.
Exigir o fortalecimento e a criação dos Conselhos Esta-

6 - Este Fundo vigorou de 1998 a 2006, e foi substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvol-
vimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
110 | História e Educação na Amazônia
duais e Municipais de Educação Escolar Indígena, para o
controle social da aplicação dos recursos públicos desti-
nados à Educação Escolar Indígena. A COIAB deve fazer
gestão junto ao MEC para que estas instâncias sejam cria-
das e funcionem adequada e efetivamente, e que sejam
definidas realmente as responsabilidades entre estados e
município em relação a gestão da Educação Escolar Indí-
gena Diferenciada.
[...]
Reivindicar, em relação ao ensino superior indígena, a
criação de um Fundo Único no MEC, para garantir o
acesso, a permanência, o sucesso e o retorno social dos
estudantes para as comunidades indígenas.
Criar uma política de publicação de material didático
próprio para a educação escolar indígena.
Efetivar a proposta da Comissão Nacional de Educação
do MEC de elaborar um cronograma de Conferências de
Educação Escolar Indígena e de Seminários regionais e
locais para avaliar a política de educação indígena no país
[...].
Articular a inclusão de representantes indígenas nos
Conselhos Estaduais de Educação (CEE’s).
Reivindicar a criação de um Programa de Formação pro-
fissional em nível médio e ensino superior para Agentes
Indígenas de Saúde (AIS) e outras categorias, de acordo
com a necessidade de cada povo indígena.
Reivindicar a criação de um Programa de Magistério
Inter-cultural, e de Licenciatura, para professores indí-
genas, e de outros cursos, de acordo com as reais neces-
sidades do movimento indígena. Esse Programa deve ser
uma política de Estado e não de Governo.
Reivindicar a participação efetiva dos representantes das
organizações indígenas na definição de vagas e cotas para
estudantes indígenas nas universidades, a fim de garantir
atendimento às demandas dos povos indígenas (COIAB,
2014a, p. 7-8).

No entender de Cordeiro (2008, p. 41), a procura

[...] dos indígenas por [uma educação escolar específica e


diferenciada, e também por] ensino superior tem como
provável explicação a necessidade destes na formação de
lideranças com aquisição de conhecimentos fundamen-
tais, que possam ser utilizados na defesa dos direitos in-

História e Educação na Amazônia | 111


dígenas, gestão territorial, políticas públicas, elaboração
e gestão de projetos em benefício das comunidades nas
áreas de saúde, educação e produção e fortalecimento das
organizações indígenas, contribuindo para a efetiva auto-
nomia dos povos.

E, como afirma Parawá,

[...] muitos nos discriminam e acham que não temos a


capacidade de estarmos em uma universidade, mas po-
demos sim, e temos a mesma capacidade do que aqueles
que não são índios, (ENTREVISTA, 2010)

pois estes,

[...] os brancos, sempre nos enganaram, e nós, indígenas,


queremos fazer uma faculdade, um curso superior, para
defender melhor o nosso povo (KAMÕ, ENTREVISTA,
2011).

Outra entidade que vem lutando pela educação escolar indígena no


Amazonas desde 1989 é o Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas
(Meiam) (MEIAM, 2015), o qual foi

[...] legalmente constituído, registrado, no dia 27 de se-


tembro de 1993, quando adquiriu personalidade jurídica.
Mas antes desta data, em fins dos anos 80 (entre 1987 e
1989), ele já existia como movimento social organizado,
iniciado em São Gabriel [da Cachoeira]. Inicialmente, ele
foi denominado de Associação Autóctone do Alto Rio
Negro. Mas logo após a fundação, criação jurídica, inclu-
sive, da Foirn, em assembleia de [19]87, buscou-se a ne-
cessidade de migrar, de sair de São Gabriel, para buscar
qualificação técnica. E nesta busca muitos vieram para cá
[Manaus]. E na época o curso que realmente estava, diga-
mos, na moda, era o técnico em mineração, e então mui-
tos vieram de São Gabriel, e ao chegar aqui se depararam
que não existiam apenas indígenas do Alto Rio Negro,
mas também de outros povos, regiões, de outros rios, os
quais tinham algo em comum, que era a necessidade des-
sa luta pela defesa dos povos. Então, inicialmente, como
movimento social organizado dos jovens líderes de São
Gabriel, o termo utilizado foi Associação Autóctone do
Alto Rio Negro, mas quando foi verificado que existiam

112 | História e Educação na Amazônia


outros povos e línguas, e o interesse comum que seria a
luta pelos interesses dos povos indígenas, buscou-se um
nome que desse maior prevalência a essa demanda. En-
tão, foi feita a primeira assembleia em Manaus, registrada
em 27 de setembro de 1993, e nela discutiu-se e delibe-
rou-se o Meiam, como Movimento dos Estudantes Indí-
genas do Estado do Amazonas, mas que inicialmente era
Associação Autóctone do Alto Rio Negro (COORDE-
NAÇÃO EXECUTIVA DO MEIAM, GRUPO FOCAL,
2011).

Essa instituição caracteriza-se por ser uma associação civil de estudan-


tes indígenas do Amazonas, sem fins econômicos, partidários e religiosos que
se rege por estatuto próprio, com duração por tempo indeterminado, sede e
foro na cidade de Manaus e

[…] atua na defesa dos direitos dos estudantes indígenas


e como elemento de articulação e intercâmbio de expe-
riências entre os estudantes em nível local, regional, na-
cional e internacional (ALBUQUERQUE; PINHEIRO,
2004, p. 65).

O Meiam tem por objetivos:

I – constituir-se em instância de defesa dos direitos dos


estudantes indígenas para consolidar-se, cada vez mais,
como órgão representativo dos interesses e anseios dos
mesmos;
II – ser elemento de articulação e intercâmbio de expe-
riências em nível local, regional, nacional e internacional;
III – estimular o vínculo com suas comunidades e seu
comprometimento com a defesa dos direitos dos povos
indígenas;
IV – promover o intercâmbio e divulgação cultural dos
diferentes povos indígenas do Estado do Amazonas;
V – promover, apoiar, realizar e incentivar pesquisas e
estudos, desenvolvimento de tecnologias alternativas,
produção e divulgação de informações de conhecimen-
tos técnicos, científicos e tradicionais das populações
indígenas que digam respeito a atividades mencionadas
neste artigo, direcionados a cada área de conhecimento
acadêmico;
VI – buscar e lutar por mecanismos de inclusão de estu-
dantes indígenas ao ensino técnico e superior;

História e Educação na Amazônia | 113


VII – buscar e assegurar mecanismos de permanência e
manutenção para os estudantes indígenas de nível supe-
rior (MEIAM, 2008, p. 1).

Para associar-se ao Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas


é necessário atender aos seguintes requisitos:

I – ser estudante indígena residente no estado do Ama-


zonas;
II – estar cursando nível técnico (pós-médio), graduação
e pós-graduação;
III – ter Registro Administrativo de Nascimento Indíge-
na expedido pelo Órgão Oficial competente ou Declara-
ção de sua Organização de Base (MEIAM, 2008, p. 2).

Além desses associados o Estatuto do Meiam, prevê a existência de as-


sociados beneméritos, que poderão ser pessoas físicas ou jurídicas, as quais a
Assembleia Geral do Movimento conferir esta distinção, espontaneamente ou
por proposta da coordenação executiva, em virtude dos relevantes serviços
prestados a instituição. Atualmente, o total de associados

[...] considerando as regras do Estatuto, são em média


vinte indígenas, mas existem outros que não sendo asso-
ciados efetivos, acompanham os trabalhos do movimen-
to, e eles variam entre 60 a 80 indígenas, e existe também
uma base de dados (e-mail) cadastrados para troca de
informações. As etnias que possuem maior representati-
vidade no Meiam são tikuna, tukano e baré (COORDE-
NAÇÃO EXECUTIVA DO MEIAM, GRUPO FOCAL,
2011).

A estrutura de funcionamento do Meiam é:

I – órgão de Deliberação: Assembléia Geral;


II – órgão de Administração: Coordenação Executiva;
III – órgão Fiscalizador: Conselho Fiscal (MEIAM, 2008,
p. 4).

A Assembleia Geral é o órgão soberano e democrático do movimento,


e é constituída por todos os associados. A coordenação executiva é o órgão
gestor e executor das ações do Meiam, é constituída por seis membros, eleitos,
para um mandato de três anos, escolhidos entre os associados em pleno gozo
de seus direitos, sendo permitida a reeleição, e tem a seguinte composição:
114 | História e Educação na Amazônia
coordenador, vice-coordenador, 1º secretário, 2º secretário, 1º tesoureiro e 2º
tesoureiro. O conselho fiscal é o órgão responsável pela fiscalização do movi-
mento e é formado por sete membros, eleitos entre os associados em pleno
gozo de seus direitos estatutários na Assembleia Geral e seus mandatos são de
três anos.
Durante a V Assembleia Geral do Movimento dos Estudantes Indíge-
nas do Estado do Amazonas, de 2002, realizada em Manaus, o Meiam editou
um manifesto no qual reivindicava

[...] a implantação de uma educação diferenciada para a


educação básica e o acesso ao ensino médio e à forma-
ção profissional em áreas de desenvolvimento sustentável
necessário à manutenção das comunidades indígenas do
Amazonas; [...] o prosseguimento dos estudos ao ensino
superior; luta pela efetivação da Universidade Indígena
do Amazonas e o acesso diferenciado de estudantes in-
dígenas ao nível superior, com o objetivo de formação e
atuação, tanto na educação como em outras áreas vitais
à sobrevivência dos povos indígenas (ALBUQUERQUE;
PINHEIRO, 2004, p. 66).

Hoje, as principais reivindicações do movimento são:

1 – passar daquela fase de quotas, pelo menos em relação


a [Universidade do Estado do Amazonas] UEA, pois a
porta foi aberta. Porém, desde o início, nunca foi discu-
tido, foi sequer pensado, a forma de manutenção dos es-
tudantes indígenas dentro da universidade. Então, dentre
várias circunstâncias, o que nós nos atentamos mais, bus-
camos mais, lutamos mais hoje, é buscar uma forma de
tentar manter esses estudantes dentro da universidade,
porque o nível de evasão é muito grande. Então, dentre
várias possibilidades, nós vemos muito a questão da ma-
nutenção. Porque se continuar desta forma, quando se
completar dez anos de quotas indígenas [na UEA], nós
acreditamos que o resultado obtido será muito abaixo do
esperado, infelizmente; 2 – inserir o indígena, após for-
mado, no mercado de trabalho, tanto nas aldeias, na sua
região, quanto em outros meios urbanos, para a constru-
ção e defesa de políticas públicas voltadas para os povos
indígenas; 3 – com relação à educação escolar indígena,
defende-se aquela que respeite as particularidades e es-
pecificidades de cada povo ou etnia (COORDENAÇÃO
EXECUTIVA DO MEIAM, GRUPO FOCAL, 2011).
História e Educação na Amazônia | 115
Tais reivindicações, em especial a primeira, são confirmadas por Para-
wá e Weteragó, sujeitos participantes da pesquisa e os únicos, dentre os entre-
vistados, que integram o Meiam. Em suas afirmações, ressaltaram:

[...] o Meiam busca, ou melhor, luta hoje em dia, pela des-


tinação de recursos financeiros e também outras formas
para a manutenção dos estudos de indígenas e inclusão,
após formados, no mercado de trabalho (PARAWÁ, EN-
TREVISTA, 2010),

[...] uma das muitas reivindicações do movimento dos


estudantes indígenas é a criação de metodologias para os
estudantes indígenas permaneceram estudando, como
por exemplo o oferecimento de bolsas de estudo (WETE-
RAGÓ, ENTREVISTA, 2010).

Considerações finais

As organizações indígenas surgidas, a partir de 1980, como instituições


de apoio às causas indígenas pretendiam propiciar discussões que resgatassem
a identidade e a afirmação étnica dos seus povos, procurando superar discur-
sos que os desqualificavam e os caracterizavam como seres humanos inferio-
res, devido às suas condições étnicas e culturais.
Logo, essas organizações traziam, e ainda trazem, em sua “essência”, os
mesmos objetivos, isto é, a finalidade de apoiar os direitos permanentes dos
índios e os seus projetos étnicos de futuro; produzir, publicar e desenvolver
projetos não integracionistas; propiciar discussões com o intuito de recuperar
não só a posse da terra, mas também a identidade étnica e a autodeterminação
dos povos indígenas.
E assim, as organizações e movimentos indígenas propiciaram encon-
tros e troca de experiências e conhecimentos, de como cada povo está fazendo
para conseguir uma escola adequada às suas necessidades, assim como tam-
bém a reflexão a respeito dos problemas educacionais comuns entre os grupos
indígenas e as propostas alternativas para solucioná-los.
Nesse contexto, os povos indígenas têm apresentado aos órgãos com-
petentes da União, e também do estado do Amazonas, suas propostas e alter-
nativas para a implantação de uma educação escolar indígena diferenciada e
de qualidade.

116 | História e Educação na Amazônia


Porém, essa educação escolar indígena de qualidade é um desafio para
o movimento indígena, pois como pensar nesse modelo educacional quando
os sistemas de ensino são produto de uma sociedade que ainda tende a homo-
geneizar as diferenças?
Isso indica que a educação escolar, do modo como o movimento in-
dígena tem reivindicado, encontra-se dentro do processo de luta indígena e,
como tal, se concretizará gradativamente, ao longo dos anos, conforme a força
política dos movimentos e das organizações indígenas e de como eles intera-
gem nos rumos da política indigenista do País.

Referências

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líticas Públicas para a Educação escolar indígena no Amazonas (1989 – 2003). In: SE-
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______. III Fórum Permanente dos povos indígenas da Amazônia: Carta de Porto
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118 | História e Educação na Amazônia


PARTE II

História das Instituições


Educacionais na
Amazônia

História e Educação na Amazônia | 119


120 | História e Educação na Amazônia
História das Instituições Escolares:
considerações teórico-metodológicas
LUÍS FERNANDO LOPES
Centro Universitário Internacional (Uninter)

Introdução

A pesquisa em história da educação e, mais especificamente, a pesquisa


que tem como objeto a história de instituições escolares tem ganhado desta-
que no cenário brasileiro, sobretudo, a partir dos anos 1990. Nos programas
de pós-graduação em educação, bem como em congressos afins, a investiga-
ção acerca de instituições escolares apresenta-se como um eixo temático pri-
vilegiado.
Segundo Nosella e Buffa (2008, p. 19), que efetuaram um levantamento
da produção escrita sobre história de instituições escolares entre 1971 e 2007
no Brasil, essa grande quantidade de pesquisas constatadas principalmente a
partir da década de 1990, ainda que essencialmente acadêmica, “[...] mostra a
relevância atual desse recorte temático no âmbito da história da Educação”.
Para Gonçalves Neto, Miguel e Ferreira Neto (2011, p. 14), “[...] [a]s institui-
ções educacionais foram e continuam sendo o centro da proposta educacional
brasileira, em todos os níveis, daí a importância do seu estudo”.
Contudo, em vários encontros e debates da última década, cientistas so-
ciais de um modo geral e educadores em particular têm manifestado preocu-
pação com a necessidade de rever os quadros teórico-metodológicos de análise
das suas investigações diante das transformações do mundo contemporâneo
e suas implicações nos modos de educar atualmente (SCHMIDT; GARCIA,
2008). Assim, para Santos e Vechia (2008, p. 10),

[...] a discussão acerca da cultura escolar e a caracteri-


zação histórica das práticas pedagógicas são objetos de
novos estudos, configurando uma historiografia com
pressupostos teóricos e metodológicos particulares.

Nesse sentido, este artigo tem como objetivo fazer algumas conside-
rações do ponto de vista epistemológico e, portanto, teórico-metodológicas,
sobre a pesquisa em educação e principalmente sobre a pesquisa que se volta,
sobretudo, para a história das instituições escolares.
Já de início é preciso destacar que assistimos a um crescimento signifi-
História e Educação na Amazônia | 121
cativo do estudo da escola e seu passado. A materialidade da escola, bem como
a memória dos sujeitos escolares, são analisadas sob diferentes perspectivas.
A compreensão e consequentemente o reconhecimento do caráter científico
desses estudos implica o domínio de fundamentos teórico-metodológicos que
possibilitem explicitar o que é a pesquisa científica em história da educação e
quais os requisitos para a sua produção.
De início, faz-se algumas considerações sobre pesquisa, história e edu-
cação, cujos pressupostos são tomados como base para em seguida refletir-se
sobre os desafios teórico-metodológicos que circunscrevem a pesquisa da his-
tória das instituições escolares. Em um terceiro momento, a partir das consi-
derações anteriores, retoma-se a discussão sobre como e por que pesquisar a
história dessas instituições.

Pesquisa, história e educação

Uma primeira consideração importante a ser feita é que “[...] o cará-


ter de historicidade afeta por essência a pesquisa científica” (PINTO, 1979, p.
520). Pode-se inferir dessa afirmação que a historicidade interfere na consti-
tuição ontológica do processo de constituição da pesquisa científica.
Essa constatação é decorrente da própria concepção de história que lhe
é subjacente, pois “[...] [t]udo o que a história nos mostra é produto da ativida-
de prática dos homens” (VÁZQUEZ, 2007, p. 338). Assim, também a pesquisa
científica, já que, conforme expressa Marx na carta a Annenkov (1846 apud
VÁZQUEZ, 2007, p. 338),

[...] [o]s homens que produzem as relações sociais se-


gundo sua produção material, criam também as idéias,
as categorias; isto é, as expressões ideais, abstratas dessas
mesmas relações.

Da mesma maneira, afirma Kosik (2002, p. 238): “Na história se realiza


o homem e somente o homem”. E ainda, conforme Vázquez (2007, p. 339),

[...] [s]ó os homens podem destruir o que eles mesmos


criaram para dar lugar a uma nova criação. Só eles fazem
sua própria história embora, como Marx adverte, em
condições determinadas.

Nessa mesma perspectiva, Pinto (1979, p. 520) explica que a historici-


dade, por exprimir um caráter essencial do processo de constituição do saber,

122 | História e Educação na Amazônia


precisa ser apreciada por dois aspectos dialeticamente opostos, mas munidos
pelo avanço do processo científico, que no movimento do processo contínuo
os concilia, ou seja: de um lado devemos considerar a historicidade do proces-
so do mundo como tal, e de outro, o da consciência, que tem a capacidade de
captar a realidade e expressá-la com proposições teóricas e conceitos.
A complexidade dessas afirmações faz-nos notar a complexidade que
envolve o processo de pesquisa histórica e consequentemente a pesquisa his-
tórica educacional que pretende investigar a história de instituições escolares.
Assim, é importante fazer-se outra consideração fundamental, confor-
me alerta Kosik (2002, p. 229):

Antes de poder dizer fundamentalmente como é a histó-


ria, devemos saber o que é a história e como é ela possível.
Se a história é absurda e cruel, trágica ou brulesca, se nela
se realiza um plano providencial ou uma lei imanente,
se ela é o cenário do arbítrio e do acaso ou o terreno do
determinismo: a cada uma destas perguntas e a todas em
conjunto só podemos responder satisfatoriamente se já
sabemos o que é história.

Dada a relevância dessa consideração, convém explicitar-se um pou-


co acerca da concepção de história nessa perspectiva epistemológica. Na obra
A ideologia alemã, na parte dedicada à crítica ao pensamento de Feuerbach,
Marx e Engels (2008) defendem uma concepção que se apoia no pressuposto
de que é pelo trabalho que os homens se humanizam – portanto, que se dife-
renciam dos animais.
“O homem cria a história e vive na história já muito tempo antes de co-
nhecer a si mesmo como ser histórico” (KOSIK, 2002, p. 230). Explica também
o autor da Dialética do concreto, no capítulo dedicado a “História e liberdade”,
que os homens ingressam em uma determinada situação independentemen-
te da sua consciência, mas, tão logo se acham dentro dela, transformam-na.
Assim, “[...] a situação dada não existe sem os homens, nem os homens sem a
situação” (KOSIK, 2002, p. 240).
A concepção de história apontada está diretamente relacionada com o
trabalho, como uma ação adequada a finalidades, uma ação intencional, que
distingue os indivíduos humanos, que produzem seus meios de vida, condi-
cionados por sua organização corpórea e associados em agrupamentos. O tra-
balho humano é, portanto, uma atividade necessariamente teleológica.
Com base nessas premissas, afirma Saviani (2008, p. 15), no que diz
respeito à educação:
História e Educação na Amazônia | 123
Dizer, pois, que a educação é um fenômeno próprio dos
seres humanos significa afirmar que ela é, ao mesmo tem-
po, uma exigência do e para o processo de trabalho, bem
como é, ela própria, um processo de trabalho.

Mas se a educação é, assim, um processo de trabalho, que tipo de tra-


balho é esse? Explica o autor que, para produzir materialmente, o ser huma-
no precisa conceber mentalmente o que irá produzir e como irá produzir, ou
seja, produz ideias, conceitos, símbolos, valores, o que pode ser compreendido
como trabalho não material. Trata-se, pois, da produção do saber do conjunto
da produção humana, e é nessa categoria de trabalho que se situa a educação.
Mas, ainda nessa caracterização, é preciso distinguir o trabalho não material,
em que o produto se separa do produtor, como, por exemplo, a produção de
livros e aquele no qual ele, o produto, não se separa do ato produtivo. É nessa
segunda modalidade que se situa a educação, e sua natureza se explica a partir
dessa premissa.
Essas considerações fazem perceber que o fenômeno educativo é muito
mais complexo do que pode aparentar em um primeiro momento de modo
superficial. Essa complexidade deriva principalmente do fato de se tratar de
uma prática essencialmente humana e que, como tal, também carrega as ca-
racterísticas inerentes ao ser social que a produz e que é por ela produzido, do
que decorre que sua análise precisa considerar a pesquisa da totalidade.
No entanto, essa consideração da totalidade do fenômeno educativo
como histórico e social, ou seja, essa visão de conjunto do pesquisador, não
pode ser confundida com ecletismo. Pesquisar em uma perspectiva de con-
junto significa inserir o problema no seu contexto e examiná-lo em função do
conjunto.
De acordo com Kosik (2002), se o conhecimento não descobre por bai-
xo da aparente objetividade do fenômeno, sua autêntica objetividade histó-
rica, ele se torna prisioneiro da intuição fetichista, cujo produto é a má tota-
lidade. Ali, a realidade social é entendida como um produto do movimento
autônomo das estruturas em que o autêntico sujeito desaparece. “A totalida-
de materialisticamente entendida é a criação da produção social do homem”
(KOSIK, 2002, p. 61).1

1 - Considera-se que o conhecimento em geral e, especificamente, o conhecimento histórico-e-


ducacional configura um movimento que parte do todo caótico (síncrese) e atinge, por meio da
abstração (análise), o todo concreto (síncrese). Assim, o conhecimento que cabe à historiografia
educacional produzir consiste em reconstruir, por meio das ferramentas conceituais (catego-
rias) apropriadas, as relações reais que caracterizam a educação como um fenômeno concreto.
124 | História e Educação na Amazônia
No entanto, o atendimento dessa ponderação (consideração da totali-
dade de múltiplas determinações) constitui-se em grande desafio para os pes-
quisadores atualmente, já que um dos aspectos que chamam a atenção nos
últimos anos é o movimento de recuo da teoria – não só nas pesquisas na área
de educação, mas também nas demais ciências humanas e sociais (KUENZER;
MORAES, 2005).
Para as autoras, a constatação do “fim da teoria” está ligada a certa
utopia educacional, praticista e pragmática que considera suficiente o “saber
fazer”, de tal modo que o esforço teórico é considerado especulação, perda
de tempo ou mero recurso retórico. A pesquisa educacional acaba reduzida
a abordagens fenomênicas de levantamento de dados, produzindo narrativas
fragmentadas – fruto, na maioria das vezes, de sincretismos teóricos e meto-
dológicos, empiricismos, relativismos que comprometem irremediavelmente
a produção do conhecimento no campo educacional (KUENZER; MORAES,
2005).
A partir da exposição anterior, convém agora questionar: quais são as
implicações do que se afirmou até aqui para a pesquisa histórica que focaliza a
educação e, mais especificamente, a história de instituições escolares?
Se a historicidade é marca essencial de toda pesquisa científica, infere-se
daí a enorme complexidade da produção do conhecimento histórico. Por isso,
conforme afirmam Lopes, Faria Filho e Veiga (2000, p. 16), “[m]esmo toma-
das todas as precauções alguma coisa falha, pois o historiador está na história
e não se vive sem estar implicado. Sabendo disso o historiador faz2 e conta a
história”. Também, como salientam os mesmos autores, “[...] é preciso não
esquecer que o texto da pesquisa não é a pesquisa” (LOPES; FARIA FILHO;
VEIGA, 2000, p. 18).
A partir dessas considerações acerca da relação entre pesquisa, história
e educação e na busca de trazer elementos para desenvolver a resposta para o
questionamento anterior, objetiva-se direcionar agora a análise para a investi-
gação histórica, que tem como objeto de estudo as instituições escolares. Nesse
campo de investigação, como na pesquisa científica de um modo geral, um dos
aspectos fundamentais diz respeito aos desafios teórico-metodológicos sobre
os quais serão feitas algumas considerações no tópico a seguir.

Essa orientação pode ser definida como o princípio do caráter concreto do conhecimento históri-
co-educacional (SAVIANI, 2010, p. 3, grifos do autor).
2 - “Fazer história é uma prática”, a partir de um lugar social, que termina com a produção de
um discurso. Esse discurso, a própria escrita, será responsável por distorções, alterações, pois
jamais dará conta de atingir e descobrir não só o que quer o historiador, mas aquilo que sua
pesquisa lhe revelou (CERTEAU, 1982 apud LOPES; FARIA FILHO; VEIGA, 2000, p. 16).
História e Educação na Amazônia | 125
História das instituições escolares: desafios teórico-metodológicos

Quanto maior o leque de atividades humanas aceito


como legítimo a preocupação do historiador, com tanta
maior clareza entende-se a necessidade de estabelecer co-
nexões sistemáticas entre elas, e tanto maior a dificuldade
de alcançar uma síntese. Naturalmente, isso é muito mais
do que um problema técnico de apresentação (HOBSBA-
WM, 1991 apud NORONHA, 2007, p. 167).

Como ressalta Noronha (2007) em um texto intitulado Historiografia


das instituições escolares: contribuição ao debate metodológico, a historiografia
dessas instituições não é um campo novo de estudos na história da educação e
já registrou um número bastante significativo de pesquisas sobre a instituição
escola, embora muitos desses estudos tenham sido de caráter oficial, descritivo
ou sociológico.
Assim, para Noronha (2007, p. 165), o que pode ser considerado recen-
te nesse campo de pesquisa “[...] é uma tentativa de escrever a história das ins-
tituições escolares rompendo com a perspectiva descritiva e com os registros
oficiais da escola”.
Como ressalta a mesma autora, tal tentativa “[...] implica um conteúdo
teórico e representa uma das maiores dificuldades atualmente” (NORONHA,
2007, p. 165, grifos da autora). É justamente sobre esse conteúdo teórico e as
razões dessa dificuldade que objetiva-se concentrar as reflexões desse tópico.
Já se falou anteriormente do movimento de recuo da teoria na pesquisa
em educação apontado por Kuenzer e Moraes (2005). Dessa maneira, não es-
tamos diante de um novo problema, mas de um tema recorrente que se cons-
titui um desafio constante em todos os campos de pesquisa e particularmente
na pesquisa educacional que investiga a história das instituições escolares.

A dificuldade de pensar teoricamente a produção sobre o


âmbito da história das instituições escolares tem uma de
suas raízes na crise de paradigmas e na crise da moder-
nidade que trouxe consigo a volta da história narrativa, a
fragmentação da realidade e, portanto, a crença de que a
história das instituições escolares é acessível apenas a co-
nhecimentos fragmentários, negando metodologicamen-
te a relação entre o particular e o universal (NORONHA,
2007, p. 165-166).

A modernidade, consideradas as suas contradições e múltiplas determi-

126 | História e Educação na Amazônia


nações, produz um movimento que pode ser chamado de “particularização”
do conhecimento e que na dita pós-modernidade é levado ao extremo. Tal
movimento repercute diretamente no trabalho dos pesquisadores de todas as
áreas, e as consequências negativas são muito notáveis.
Para Schmidt e Garcia (2011), o enfrentamento das críticas realizadas
pelas teorias pós-modernas e a “volta” do sujeito às discussões teóricas e me-
todológicas como problemáticas a serem enfrentadas pelas ciências humanas
e sociais e, consequentemente, pela educação.
Nessa perspectiva, coloca-se a problemática da relação particular e uni-
versal na pesquisa em educação, que fica ainda mais em relevo ao se focalizar
a história da educação. Se, de um lado, afirma-se que a educação precisa ser
investigada a partir de microanálises, com a redução da escala de análise do
fenômeno educativo, o que proporcionaria uma melhor compreensão da rea-
lidade do sujeito em situações concretas particulares, por outro as discussões
focalizam as dimensões socioculturais do movimento histórico e as múltiplas
determinações e contradições como pressuposto fundamental para a com-
preensão do fenômeno educativo.
Pode-se dizer que, se entendidas dessa maneira, as prerrogativas teó-
rico-metodológicas expressas anteriormente desconsideram justamente o as-
pecto da relação entre particular e universal que é fundamental na pesquisa
educacional.
Os trabalhos amparados em microanálises são considerados produzi-
dos por “historicistas”, e não por historiadores da educação. Segundo Noro-
nha (2007, p. 166),

Os trabalhos que se apresentam como trabalhos dos ‘his-


toricistas em educação em geral são aqueles que se en-
quadram na lista da chamada nova história ou do ressur-
gimento da história narrativa ou história fragmentária. A
título de exemplo podemos citar ‘a história do giz’; ‘a his-
tória do lápis’; ‘a história da mobília’; ‘depoimentos orais
de velhos mestres’; os brinquedos na escola’ etc.

Apesar do tom satírico de como essa crítica se apresenta, existe o reco-


nhecimento de que se está diante de um fenômeno de ampliação do campo de
investigação da história e consequentemente da história da educação. Contu-
do, se, por um lado, essa ampliação representa uma contribuição, por lançar
novas luzes sobre novas fontes, objetos, sujeitos, que de um modo geral foram
deixados de lado, por outro, como ressalta a autora citada, aumenta a dificul-
dade teórico-metodológica de escrever história, principalmente no momento
História e Educação na Amazônia | 127
da exposição, uma vez que no processo de investigação as relações entre parti-
cular e universal não foram consideradas.

Isso implica dizer que não basta ter boa vontade para sair
fazendo história das instituições escolares. É preciso su-
perar a ingenuidade teórica e metodológica e potenciali-
zar ao pesquisador um conhecimento amplo das ciências
da sociedade e de um fundamento sobre a natureza, as
dificuldades e multiplicidade de visões do que seja o his-
tórico (NORONHA, 2007, p. 168).

Essas considerações de Noronha (2007) chamam atenção para a neces-


sidade de se dar atenção ao preparo teórico-metodológico do pesquisador que
se propõe a pesquisar a história das instituições escolares. Disso decorre tam-
bém que não estamos diante de um campo de análises que possa ser conside-
rado inferior ou mais fácil de ser estudado no universo educacional.
Também o fato de concentrar atenção em um objeto delimitado não
pode conduzir à ilusão de que haja apenas um método ou uma única técnica
apropriada para seu estudo, ou mesmo uma única espécie de documentos que
lhe corresponde. Conforme salienta Bloch (2001, p. 80) ao tratar das caracte-
rísticas gerais da observação histórica,

Seria uma grande ilusão imaginar que a cada problema


histórico corresponde um tipo único de documentos,
específico para tal emprego. Quanto mais a pesquisa,
ao contrário, se esforça por atingir os fatos profundos,
menos lhe é permitido esperar a luz a não ser dos raios
convergentes de testemunhos muito diversos em sua na-
tureza. Que historiador das religiões se contentaria em
compilar tratados de teologia ou coletânea de hinos?

A preparação do pesquisador da história da educação no que diz respei-


to aos fundamentos teórico-metodológicos implicará diretamente a maneira
de realizar e na qualidade de suas análises e consequentemente no reconheci-
mento do caráter científico e objetivo do seu trabalho de investigação.

Esse esforço de produzir um conhecimento objetivo re-


quer que o historiador da educação adquira uma forma-
ção adequada teórica e científica porque fazer a escrita da
história não é o mesmo que ‘contar histórias’ ou algo pa-
recido com ‘descrever em minúcias o funcionamento das
instituições escolares’, ou ainda, recolher fotos, registrar

128 | História e Educação na Amazônia


dados etc., como se estes falassem por si mesmos, muito
embora essa forma de trabalhar esteja muito em moda
atualmente (NORONHA, 2007, p. 68).

Nessa perspectiva, Noronha (2007) explica que a tradução desse tipo


de formação do historiador da educação concretiza-se em uma preparação
que precisa ser, ao mesmo tempo, humanística, científica e técnica. A forma-
ção humanística implica um conhecimento suficiente da cultura clássica do
ponto de vista histórico, filosófico e filológico. A formação científica implica o
domínio histórico-epistemológico. Por fim, a preparação técnica considera o
domínio dos métodos e técnicas de investigação histórica.3
Tal preparação do historiador da educação constitui-se como um de-
safio enorme em nosso tempo caracterizado pela especialização e pelo prag-
matismo na produção do conhecimento, com a consequente desconsideração
de estudos clássicos e fundamentos epistemológicos, para alguns tidos como
ultrapassados e desnecessários.
Tem-se, assim, o desafio de resgatar a especificidade da história da edu-
cação de modo que seu objeto “[...] nem seja diluído no geral e nem se perca
no seu aspecto específico” (NORONHA, 2007, p. 172).
E, com relação às incursões pelo campo da história da educação brasi-
leira, convém mencionar aqui o que afirma Romanelli (2000, p. 13), partindo
de uma análise macroestrutural na perspectiva da teoria crítica:

Em princípio descobrimos que, substancialmente, pou-


ca coisa se mudou na forma de encarar a educação que
nos foi legada pelos jesuítas. Depois pudemos verificar
que houve tempos em que essa visão tinha uma razão de
ser, dado o contexto sociocultural em que estava inserta a
instituição escolar brasileira.

O excerto citado mostra que a autora constatou, entre outros elemen-


tos, como a herança cultural influi nos valores e nas escolhas da população que
procura a escola, e também que a forma como se organiza o poder se relaciona
diretamente com a organização do ensino. Assim, a percepção dessas relações,
sua análise e coerente explicitação constitui, pois, um dos grandes desafios
para o pesquisador que intente direcionar sua investigação tendo como objeto
de estudo a história de instituições escolares.
Os resultados das pesquisas realizadas por Romanelli (2000) levantam

3 - Nesse sentido, convém citar o que afirma Bloch (2001, p. 81): “É bom a meu ver, é indispen-
sável que o historiador possua ao menos um verniz de todas as principais técnicas de seu ofício”.
História e Educação na Amazônia | 129
ainda outras constatações fundamentais do ponto de vista teórico-metodoló-
gico para o estudo da história da educação. Conforme as palavras da própria
autora,

A primeira delas é a de que a forma como evolui a eco-


nomia interfere na evolução da organização do ensino, já
que o sistema econômico pode ou não criar a demanda
de recursos humanos que devem ser preparados pela es-
cola. A segunda constatação relaciona-se com a evolução
da cultura, sobretudo da cultura letrada. [...]. A tercei-
ra constatação tem implicações com o sistema político
a forma como se organiza o poder também se relaciona
diretamente com a organização do ensino, em princípio
porque o legislador é sempre o representante dos inte-
resses políticos da camada ou facção responsável por sua
eleição ou nomeação e atua, naquela organização, segun-
do esses interesses ou segundo os valores da camada que
ele representa (ROMANELLI, 2000, p. 14).

Tais constatações expressas na citação anterior fazem perceber outros


grandes desafios que se apresentam para o estudo da história da educação bra-
sileira e particularmente das instituições escolares. De modo geral, pode-se
dizer que esses desafios estão ligados com a visão de totalidade e a percepção
das múltiplas determinações e contradições que estão dialeticamente imbri-
cadas, cuja captação é indispensável para a compreensão do objeto estudado.

Por que e como pesquisar instituições escolares?

É, pois, como dimensão da totalidade histórica que a his-


toriografia das instituições escolares precisa ser escrita
para superar as lacunas e as ausências de respostas que
foram deixadas pela chamada ‘história tradicional’ por
que essas ‘ausências de repostas’ têm sua origem na ‘au-
sência de perguntas’ por que a realidade não responde
nada espontaneamente. É preciso ter indagações e clareza
teóricas e metodológicas do ‘lugar teórico’ de onde se está
falando (do seu alcance e limites) para que seja possível
fazer avançar a compreensão do objeto e dos modos de
tratar-se o objeto nas relações que estabelecem entre su-
jeito e objeto no processo de construção do conhecimen-
to histórico (NORONHA, 2007, p. 170).

Essas considerações de Noronha (2007), sintetizam aspectos funda-


130 | História e Educação na Amazônia
mentais que colaboram na construção da resposta à pergunta sobre por que
e como pesquisar instituições escolares. Primeiramente, pensar a historiogra-
fia das instituições escolares como dimensão da totalidade histórica implica a
consideração da relação dialética entre o universal e o particular de modo que
o objeto de estudo da história da educação não se dilua no geral nem se perca
nas singularidades do específico.
Conforme Bloch (2001, p. 134-137),

[...] o conhecimento dos fragmentos, sucessivamente es-


tudados, cada um por si, jamais propiciará o do todo, não
propiciará sequer o dos próprios fragmentos.

Mas o mesmo autor afirma: “Nada mais legítimo, nada mais saudável
do que centrar o estudo de uma sociedade em um desses aspectos particulares
[...]”.
Uma segunda consideração importante diz respeito às ausências ligadas
à falta de respostas que correspondem à falta de perguntas. Na pesquisa his-
tórica, para chegar a respostas plausíveis, é preciso levantar questionamentos
plausíveis – ou, em termos de metodologia científica, é preciso apresentar o
problema de maneira que possa ser respondido cientificamente.
E uma terceira consideração quanto à pesquisa que versa sobre a his-
tória de instituições escolares, que se coloca como necessária para poder dar
conta das duas anteriores, é a necessidade de se ter clareza da perspectiva teó-
rico-metodológica da relação entre sujeito e objeto e do alcance e dos limites
que esse domínio teórico possibilita na construção do conhecimento histórico.

Sem uma reflexão rigorosa sobre os fundamentos teóri-


cos e metodológicos do trabalho do historiador da educa-
ção, a tarefa de produzir a história ficará reduzida a roti-
nas de descrições narrativas, de uma história sem objeto,
sem problema e sem indagações. Isso significa que sem
a teoria o conhecimento em história da educação não
avança (NORONHA, 2007, p. 166).

Como se pode notar, a reflexão sobre os fundamentos teórico-metodo-


lógicos, embora nem sempre considerada dessa maneira, é fundamental para
o avanço da pesquisa historiográfica. O desprezo dos fundamentos epistemo-
lógicos conduz à mesmice, ao senso comum disfarçado, à pseudoconcretici-
dade, a um conhecimento da história que não é histórico e, portanto, não é
científico.

História e Educação na Amazônia | 131


No contexto dessa preocupação dos fundamentos teórico-metodoló-
gicos da pesquisa da história da educação e especificamente da pesquisa da
história das instituições escolares, Sanfelice (2007, p. 76-89) apresenta 11 con-
siderações como uma forma de ajuda para estudantes que desejam se dedicar
a esse tema, sintetizados a seguir:

1) Quando se decide pesquisar a história de uma instituição es-


colar, o condicionante inicial é o da temporalidade. Assim,
colocam-se questões como: trata-se de uma instituição que
existiu e acabou ou que persiste atualmente? Optar por uma
história somente do passado ou do passado e do presente?
Como periodizar a história da instituição e evitar o anacro-
nismo?
2) As condições materiais objetivas e subjetivas do pesquisador,
especialmente a sua formação no campo da pesquisa, são
fundamentais para que as decisões iniciais estejam presentes
no ponto de chegada, enriquecidas pelos conhecimentos al-
cançados. A pergunta inevitável é: por onde começar? O de-
safio é entrar na instituição, e o passaporte para isso é dado
pelo conjunto de fontes levantadas, criticadas e selecionadas,
e nenhum tipo de fonte deve ser confiscado.
3) É preciso decifrar o quebra-cabeça das instituições. Uma insti-
tuição escolar é a síntese de múltiplas determinações de várias
instâncias que agem e interagem entre si dialeticamente, pro-
duzindo uma identidade.
4) É preciso olhar para o entorno, pois nenhuma instituição
manifesta sua plena identidade apenas no interior dos seus
muros.
5) Cada instituição escolar responde às suas múltiplas deter-
minações de modo único. Não há instituição escolar que não
mereça ser objeto de pesquisa histórica. Há sempre uma iden-
tidade, e ao historiador cabe a tarefa de buscar o sentido dessa
identidade na relação infinita do particular com o geral.
6) Para acessar a história de uma instituição escolar, não há uma
regra que determine um único caminho. Em parte, o resulta-
do da investigação dependerá da formação teórica do pesqui-
sador e do alcance dos recursos metodológicos.
7) Tudo que é prenhe de historicidade se constitui em objeto da

132 | História e Educação na Amazônia


história ciência. Não há história adjetivada – das instituições
escolares, por exemplo – sem uma relação com todas as de-
mais.
8) É importante apreender como os historiadores realizaram
suas pesquisas sobre a história de instituições escolares como
um exercício de historiografia; assim, são citadas e comenta-
das as pesquisas de Alves (1993), Andrade (2000) e Nosella
(2001).
9) Para Alves (1993), a análise histórica deve ser sempre uma
análise concreta. É mister não antagonizar o geral em relação
ao singular. O singular é visto como manifestação de um
movimento universal, mas que tem sua forma própria de se
realizar que precisa ser captada.
10) Andrade (2000), também como no caso de Alves (1993), utili-
za como primeiro recurso o levantamento da bibliografia dis-
ponível e faz uso também de obras sobre o ensino secundário
em Minas Gerais, considerando a necessidade de contextu-
alizar o colégio no quadro geral do ensino desse estado. É uma
pesquisa sobre uma instituição escolar do século XIX mar-
cada pela subjetividade e incompletude, conforme a própria
autora, que teve como intuito desvendar as práticas educativas
resultantes de uma dada concepção de ensino.
11) Da obra de Nosella (2001) convém destacar as concepções que
norteiam o trabalho do ponto de vista teórico-metodológi-
co: a) na relação entre trabalho e educação, afirma-se que
as formas de vida que caracterizam uma sociedade marcam
também sua educação e suas instituições escolares; b) con-
sidera-se metodologicamente o particular como expressão do
desenvolvimento geral; c) não se defende a contraposição en-
tre dados empíricos e interpretações subjetivas, pois a história
contada respeita os documentos coletados que também é re-
sultado de olhares humanos, portanto, subjetivos.

A exposição sintética dessas considerações de Sanfelice (2007) acerca


da produção historiográfica da história das instituições escolares faz perceber
a complexidade desse tipo de investigação e, sobretudo, a necessidade de o
pesquisador estar preparado do ponto de vista teórico-metodológico, uma vez
que o resultado de sua pesquisa dependerá em grande parte dessa preparação

História e Educação na Amazônia | 133


e do alcance dos aportes teórico-metodológicos utilizados.
Por meio da leitura de estudos publicados, Nosella e Buffa (2008, p. 22)
chamam atenção para a frequente falta de articulação percebida entre os dados
empíricos coletados e o referencial teórico anunciado.

Assim, na consideração das particularidades de uma ins-


tituição escolar, indispensável etapa do processo de in-
vestigação, escapa o movimento real da história que, às
vezes, foi exposto como independente da materialidade
dos aspectos singulares. Em outras palavras, no texto, a
sociedade que produziu a escola, fica esmaecida.

Diante dessa necessidade que se apresenta como um grande desafio


para os pesquisadores que investigam ou pretendem investigar instituições
escolares e para a historiografia de um modo geral, Nosella e Buffa (2008, p.
22) defendem uma proposta metodológica “[...] que descreva o particular, ex-
plicitando suas relações com o contexto econômico, político, social e cultural,
dialeticamente relacionados”.
A partir de outra perspectiva, Mialaret (2013, p. 83-84), com relação à
história das instituições pedagógicas, considera

[...] razoável pensar que, em cada etapa da história de


uma sociedade, o estabelecimento de determinada insti-
tuição ou a modificação de instituições já existentes cor-
respondem a uma necessidade social.

Assim, examinar essas necessidades de mudança possibilita compreen-


der o significado exato desta ou daquela parte do sistema e distinguir o que
precisa ser preservado e o que pode ser abandonado como não tendo mais ra-
zão de ser. Para Mialaret (2013), a história da educação não é um simples olhar
lançado para o passado, mas um instrumento poderoso para a compreensão
do presente e pertence, por isso, de direito à família das ciências da educação.
Ainda no que diz respeito à pergunta quanto ao por que pesquisar ins-
tituições escolares, Nosella e Buffa (2008) consideram importante verificar o
impacto que a leitura desse tipo de estudo produz na prática dos profissionais
da escola estudada. A partir de uma pesquisa de campo, por meio de entrevis-
tas com professores e administradores, os autores identificaram influências, as
quais organizaram em seis aspectos, a saber: emocional-afetivo, responsabili-
dade e comprometimento, conhecimento da prática pedagógica, preservação
da escola e relacionamento da escola com o público externo.

134 | História e Educação na Amazônia


Com base nos depoimentos dos entrevistados, Nosella e Buffa (2008, p.
25) defendem que um relato bem-elaborado no qual o particular se articule
adequadamente com o geral “[...] é um instrumento importante para melho-
rar a educação”.
Em relação a como pesquisar instituições escolares, Nosella e Buffa
(2008) apresentam alguns elementos fundamentais que precisam ser conside-
rados. O primeiro diz respeito à escolha do objeto que definirá todo o trabalho
posterior. Assim, apesar dos riscos implicados, é importante que exista uma
relação de profunda empatia entre o pesquisador e a escola escolhida para ser
investigada.
Um segundo elemento importantíssimo são as fontes que possuem uma
relação íntima com as teorias da história. Ou seja, conforme a escolha do re-
ferencial teórico, também algumas fontes serão mais consideradas, bem como
as possibilidades das análises e interpretações.

Pressupostos metodológicos e categorias de análise são


imprescindíveis, porém insuficientes para a realização da
pesquisa. É preciso ir a campo, coletar e selecionar as fon-
tes primárias e secundárias (NOSELLA; BUFFA, 2008, p.
26).

No tocante aos procedimentos e à narrativa, enfatiza-se a participação


do pesquisador em um grupo de estudos ou de pesquisa sobre o assunto. Re-
comenda-se visitar a instituição antes da elaboração do projeto a fim de verifi-
car as condições e possibilidades (arquivos, fontes, contatos) para a realização
da pesquisa. O projeto elaborado precisa conter o referencial teórico-metodo-
lógico adotado, bem como os procedimentos de análise das fontes. Assim, os
documentos precisam ser lidos com atitude crítica, pois eles não falam por si
mesmos. As sucessivas leituras e análises conduzirão paulatinamente à iden-
tificação de categorias catalisadoras e organizadoras que serão fundamentais
para elaboração do relatório final.4 Nessa elaboração, a exemplo das obras
clássicas, aconselha-se aliar rigor científico e capacidade literária (NOSELLA;
BUFFA, 2008).

Considerações finais

Jorge Nagle (1976), na explicação de sua obra Educação e sociedade na

4 - Nosella e Buffa (2008, p. 29-30) sugerem um roteiro guia com os seguintes elementos: cria-
ção e implantação da escola, evolução da escola, vida na escola e trajetórias de ex-alunos.
História e Educação na Amazônia | 135
Primeira República, já advertia sobre o perigo de se agir de forma mecânica ao
tratar da história da educação, sobretudo no que diz respeito à relação entre
educação e sociedade. Um de seus desejos era que seu trabalho pudesse auxi-
liar e quem sabe influenciar a parte metodológica de futuras pesquisas nesse
campo.
O desejo expresso por Nagle (1976), demonstra que a preocupação com
os aportes teórico-metodológicos não é um tema novo, mas recorrente, embo-
ra às vezes menos considerado na pesquisa educacional e particularmente na
pesquisa histórica que tem a educação como objeto principal.
O intuito deste trabalho foi de participar do diálogo acerca dos pressu-
postos teórico-metodológicos da pesquisa sobre a história das instituições es-
colares, apresentando algumas considerações a partir da literatura disponível
de autores que versam sobre o tema.
Em síntese, a partir das análises realizadas neste estudo, é possível dizer
que:

1) A história das instituições escolares não pode ser considerada


um campo inferior e isolado de estudos em história da edu-
cação.
2) Os pressupostos teórico-metodológicos apresentados como
requisitos indispensáveis para a produção da historiografia
em geral e da educação são também necessários para a escrita
da história das instituições escolares.
3) A formação teórico-metodológica do pesquisador em história
da educação é um aspecto que precisa de grande atenção e
dedicação com vistas à superação de abordagens ingênuas e
descontextualizadas que não permitem o avanço do conheci-
mento em história da educação.
4) O reconhecimento e a valorização do estudo da história das
instituições escolares passam pela preparação epistemológi-
ca dos pesquisadores, que precisam estar munidos de aportes
teórico-metodológicos que possibilitem análises científicas
sobre seu objeto de estudo.
5) O estudo da história das instituições escolares, quando bem
conduzido, trará grandes contribuições para a compreensão
da história da educação e para o desenvolvimento de propos-
tas educacionais emancipadoras.

136 | História e Educação na Amazônia


Por fim, convém ressaltar a importância de realizar pesquisas coeren-
tes e bem-fundamentadas sobre instituições escolares como instrumento para
preservação da memória e do patrimônio educacional brasileiro com vistas à
melhora da educação e à humanização. Os apontamentos apresentados neste
artigo intentam colaborar com esse processo.

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138 | História e Educação na Amazônia


O poder institucional no
disciplinamento da infância no
Maranhão novecentista:
a educação de meninas pobres
e órfãs no Asilo Santa Tereza
MARIA JOSÉ LOBATO RODRIGUES
Secretaria de Estado da Educação do Maranhão (Seduc/MA)
Secretaria Municipal de Educação de São Luís (Semed)

Introdução

A construção de interpretações acerca de instituições que não mais


existem, mas que foram significativas dentro de um período histórico deter-
minado, insere-se em um novo paradigma de estudo da história da educação
nacional, que abre a possibilidade de levar-se em conta as especificidades re-
gionais e as singularidades locais e institucionais, conforme defendem Gatti
Júnior e Pessanha (2005, p. 81):

[...] uma concepção de história que supera o factual e o


descritivo, mas é, sobretudo interpretativa, pois na his-
tória de uma instituição escolar, de fato, encontram-se
datas, nomes, fatos interpretados à luz de uma concepção
filosófica. Isso se deve à confluência da filosofia com a
história.

Desse modo, o estudo da trajetória do Asilo Santa Tereza, instituição


pública de educação feminina do Maranhão, criado na segunda metade do sé-
culo XIX, insere-se na perspectiva de compreensão que permite a construção
de um processo histórico que confere uma identidade às instituições educa-
cionais.
O presente estudo busca identificar e analisar o modelo educacional
oferecido pelo Asilo Santa Teresa às mulheres órfãs e expostas1 da Santa Casa
de Misericórdia entre os anos de 1854 e 1870, bem como compreender o con-

1 - O termo exposto advém da prática, da época, de abandonar os filhos indesejados na roda dos
expostos da Santa Casa de Misericórdia, que se encarregava de criá-los com a ajuda financeira
do Estado e de filantropos (CABRAL, 1984).
História e Educação na Amazônia | 139
texto sócio-histórico de sua gênese e desenvolvimento. Categorias de análise
como: espaço, tempo, currículo e educação pública estruturaram o roteiro e
estabeleceram os procedimentos investigativos, que contaram com a leitura e
análise de fontes documentais da Biblioteca Pública Benedito Leite, a saber:
coleções de leis da província do Maranhão, regulamentos do Asilo Santa Tere-
za, jornais da época, bem como a bibliografia pertinente ao tema.

O asilo no contexto educacional do Maranhão imperial

O Maranhão imperial, entre os anos de 1832 e 1868, experimentou uma


fase de crescimento econômico com a produção de algodão e arroz direciona-
da para o mercado externo. A conjuntura externa de guerra e de expansão do
capitalismo tirara a província de uma economia precária e dera-lhe a impres-
são de uma economia forte, com um comércio exportador dinamizado (COR-
RÊA, 2001). Essa realidade possibilitou à aristocracia local a oportunidade de
também educar os filhos segundo a tendência nacional de europeização.
Ao concluírem os estudos superiores na Europa, os bacharéis mara-
nhenses que chegavam a São Luís ocupavam importantes cargos públicos
como juiz, deputado, presidente de província, entre outros, tornando-se não
apenas a elite intelectual, mas também política (RAMOS JÚNIOR, 2002).
Para alguns autores, o crescimento comercial vivido pelo Maranhão foi
responsável por mudanças socioculturais como o refinamento da sociedade,
isto é, o gosto por produtos importados e pelos costumes europeus de falar e
vestir. Entretanto, para Lacroix (2000, p. 64), “[...] foi no meio de uma peque-
na fatia da população branca que se verificou aquela efervescência intelectual
do século XIX”.
Sabe-se que a grande maioria da população provincial constituía-se de
negros escravos, mestiços livres e de brancos pobres. Estes dois últimos en-
frentaram grandes dificuldades quanto ao acesso à instrução mínima ofereci-
da pelo poder público, através das poucas instituições de ensino da capital e
das dispersas aulas de primeiras letras, enquanto aos negros escravos restava
a negação do acesso a qualquer forma de escolarização oficial e a lida do tra-
balho diário.
À época, a província contava com um ensino secundário oferecido pelo
Liceu Maranhense que se caracterizava por um ensino propedêutico e literário
com o objetivo de favorecer o ingresso dos filhos da elite nos cursos superio-
res. O ensino técnico, por sua vez, oferecido pela Casa de Educandos Artífi-

140 | História e Educação na Amazônia


ces,2 apesar de ter sido idealizado para atender a camada pobre da sociedade,
estava circunscrito à capital, São Luís.
A Escola Agrícola do Cutim, criada em 1859, mesmo pretendendo for-
mar aprendizes agrícolas, acabou por formar feitores para as fazendas. Por não
alcançar os fins para os quais fora criada, fechou suas portas seis anos depois.
A educação feminina que era oferecida no período reproduzia os va-
lores sociais e morais vigentes. O ideário de fragilidade, inferioridade e sub-
missão construído pela sociedade brasileira, influenciada principalmente pela
Igreja Católica, é marcado a partir do século XIX por pensamentos filosóficos
e científicos como o liberalismo, os quais apontavam a necessidade de educa-
ção da mulher vinculada à modernização da sociedade. Todavia, essa educa-
ção caracterizava-se por uma formação mais moral e menos intelectual, em-
bora com algum fundamento científico, considerando que a mulher deveria
continuar a desempenhar, de modo mais perfeito, o seu papel de esposa e mãe
prendada e virtuosa.
Nessa perspectiva, foram fundadas em São Luís várias escolas femini-
nas, mas a maioria de caráter particular e destinada às filhas da elite. Segundo
Louro (1997, p. 444),

[...] para as meninas pobres restavam as aulas públicas


de primeiras letras, conforme estabelecia a lei de instru-
ção pública do Império, ou ficavam à mercê da iniciativa
da Igreja ou do governo em criar alguma instituição que
viesse amenizar essa realidade.

No âmbito desta última natureza de iniciativa é que foi instituído o Asi-


lo Santa Tereza, pela Lei Provincial nº 376, de 24 de julho de 1854, pelo então
presidente da província do Maranhão, Eduardo Olímpio Machado (MARA-
NHÃO, 1954), sendo inaugurado em 14 de março do ano seguinte.

O modelo de educação do asilo e sua trajetória

O Asilo Santa Tereza foi idealizado para ser uma versão feminina da
Casa de Educandos Artífices. Visava amparar e proteger meninas órfãs desva-
lidas e as expostas da Santa Casa de Misericórdia de São Luís, recolhendo-as
e educando-as conforme disposto no regulamento. A criação desse tipo de

2 - Escola masculina do período imperial existente em algumas províncias, que ensinava ofícios
como sapateiro, alfaiate, carpinteiro, entre outros, aos filhos dos pobres livres (SANTOS; SILVA;
MADEIRA, 2008).
História e Educação na Amazônia | 141
instituição seguia um modelo estrangeiro e fazia parte da política do Império
brasileiro voltado para assistência de crianças pobres e órfãs, adultos pobres,
doentes e loucos. Nesse conjunto, os asilos, as Santas Casas de Misericórdia e
as escolas de ofício serviam como idealizadores de um país que se pretendia
moderno (SANTOS; SILVA; MADEIRA, 2008).
No Maranhão, essa política imperial encontrou correspondência entre
os fazendeiros, onde se sobressaíam os senhores de engenho, os quais se or-
ganizavam em torno da Liga Maranhense.3 Esse partido defendia para a pro-
víncia um amplo programa de melhoramento material e moral, bem como
comprometia-se com a promoção de uma política de salvação e de paz, uma
metamorfose social. Para Cabral (1984), esse grupo estava interessado mesmo
era em uma reforma econômica que promovesse o aperfeiçoamento e a mo-
dernização do sistema produtivo escravista e se ajustasse às suas aspirações, o
soerguimento da economia mercantil.
O projeto político-econômico de cunho modernizador da Liga Mara-
nhense visava à difusão dos valores ligados aos interesses fundamentais desses
partidários4 e deveria dar-se por meio dos diversos canais ideológicos, como
jornais,5 associações e escolas, favorecendo, assim, a consolidação da hegemo-
nia desses fazendeiros. Para estes,

[...] o ensino primário deveria iniciar os jovens nos deveres


do homem e do cidadão, difundido-lhes os ensinamentos
morais, beneficiando, desse modo a ordem estabelecida.
A promoção dos ensinos de ofício e agrícola6 da mesma
forma tinha por fim conformar os jovens das camadas
livres inferiores aos valores dominantes, integrando-os a
sociedade (CABRAL, 1984, p. 127, grifos da autora).

3 - Agremiação partidária que resultou da reorganização política realizada pelos dissidentes dos
Partidos Cabanos e Bentivis em 1846 (RIBEIRO, 1990).
4 - Adotando uma política de conciliação com os outros partidos (Estrela e Saquarema), a Liga
Maranhense conseguia a vitória de seus candidatos e consequentemente a aprovação na Assem-
bleia Provincial dos seus projetos, o que naquele momento significou a ampliação e consolida-
ção do seu poder (CABRAL, 1984).
5 - Suas ideias eram divulgadas pela elite intelectual (João Francisco Lisboa, os Teixeira Mendes,
os Franco de Sá, os Costa Ferreira, os Ribeiro, os Vilhena e os Carvalho) por meio dos jornais O
Progresso e A Imprensa (CABRAL, 1984).
6 - A Casa de Educandos Artífices era uma escola masculina que ensinava ofícios como sapatei-
ro, alfaiate, carpinteiro, entre outros. Apesar de ter sido idealizado para atender os filhos da ca-
mada livre pobre da província, estava circunscrito à capital, São Luís. O ensino técnico, por sua
vez, foi oferecido pela Escola Agrícola do Cutim, criada em 1859; mesmo pretendendo formar
aprendizes agrícolas, acabou por formar feitores para as fazendas. E, por não alcançar os fins
para os quais fora idealizada, fechou suas portas seis anos depois (CABRAL, 1984).
142 | História e Educação na Amazônia
Os critérios para uma menina se tornar uma asilada eram: ter entre 7
e 12 anos, ser exposta da Santa Casa de Misericórdia, órfã de pai e mãe ou
somente de pai. A admissão na instituição era feita por meio do presidente da
província e do juiz de órfãos, que analisavam as petições e julgavam-nas como
lhes parecia justo. O número inicial de asiladas, de acordo com o regulamento
de 1855, era de 40, compreendendo a capital e todas as comarcas da província,
mas poderia ser aumentado caso o asilo tivesse uma renda que fosse suficiente
para fazer frente às despesas (REGULAMENTO..., 1954, cap. III).
Como forma de custear parte das despesas do asilo, o regulamento pre-
via a admissão de meninas na condição de pensionistas, desde que os pais,
tutores ou benfeitores se comprometessem por meio de um termo a pagar
pela educação, manutenção e curativos a quantia de 12$000 (doze mil) réis
em prestações trimestrais adiantadas. A partir de março de 1860, esse valor foi
reajustado para 16$000 (dezesseis mil) réis mensais. Caso não fosse respeitado
o termo de compromisso, a pensionista era despedida e entregue ao represen-
tante legal ou a outro responsável qualquer.
Como medida para evitar o abandono das meninas e a consequente
superlotação do estabelecimento, o que inviabilizaria o seu funcionamento, o
regulamento previa que nenhuma asilada seria conservada na casa depois de
completar 17 anos. Posteriormente, o artigo III da Lei Provincial nº 787, de
11 de julho de 1866, previa que nenhuma menina fosse admitida no asilo sem
que o responsável assinasse um termo se comprometendo a recebê-la quando
completasse 20 anos. O Asilo Santa Tereza também não admitia o depósito
de mulheres casadas ou de meninas por casar ou qualquer outro fim que não
fosse o designado no regulamento.
O relatório de 1869, emitido pelo diretor ao presidente da província
sobre a instituição, apresentou as seguintes informações: de 1854 a 1869 entra-
ram no asilo 127 menores desvalidas como pensionistas da província. Destas,
seis faleceram; dez casaram-se; 35 foram entregues aos seus pais, tutores ou
parentes e 76 permaneceram na Casa. como pensionistas particulares havia 23
menores, das quais 17 foram entregues aos pais e seis continuaram internas.
Segundo esse documento, “[...] o Asilo até então havia devolvido à sociedade
62 moças entre solteiras e casadas devidamente educadas” (ABRANTES, 2004,
p. 161).
O espaço físico de vivência e aprendizagem das educandas foi primeira-
mente uma casa de morada alugada, situada no Largo dos Remédios no Cen-
tro de São Luís, de propriedade da viúva do desembargador Barradas. Poste-
riormente o asilo foi transferido para um prédio do governo na Rua Formosa,
também no Centro de São Luís (CONDURÚ, 1968). Viviam em sistema de
internato, reguladas por normas específicas que visavam imprimir um ritmo e
História e Educação na Amazônia | 143
uma disciplina, de maneira a moldar seus comportamentos. Cotidianamente,
aquela instituição estabelecia uma rotina marcada por estudos e orações; o
tempo deveria ser controlado de modo que todas as atividades do dia fossem
executadas, e as asiladas cumprissem o horário de recolhimento aos seus apo-
sentos.
De acordo com o regulamento da instituição, a entrada de pessoas es-
tranhas na casa era alvo de controle por parte da regente e só deveria concreti-
zar-se com a devida licença por escrito do diretor. As asiladas, por sua vez, ao
ingressarem ali, só poderiam deixá-la em situações previamente determina-
das, como: casos urgentes devidamente justificados; após casar; por ultrapas-
sar a idade mínima de permanência; e ainda por indisciplina – e, na maioria
dessas situações, somente com o despacho do presidente da província. Assim,
uma vez dentro do asilo, as meninas tinham seu espaço de sociabilidade sig-
nificativamente reduzido. Todavia, o dia da santa de invocação da capela da
instituição (Santa Tereza) era de festividade, e o local era preparado para re-
ceber os familiares das internas e os filantropos, com missa cantada e leilão de
objetos confeccionados pelas meninas.
Infere-se, portanto, que em muitas situações algumas asiladas se viam
obrigadas a deixar para trás hábitos familiares e absorver outros, sob pena de
serem advertidas, repreendidas ou punidas quando desrespeitassem a norma
de comportamento. Possivelmente a vigilância contribuiu para generalizar a
disciplina a que as asiladas estavam submetidas dentro da casa, tendo em vista
que sabiam que eram objeto de observação tanto por parte dos funcionários
quanto por parte das próprias colegas. Como diz Foucault (1987, p. 158),

[...] o poder disciplinar é indiscreto, pois está em toda


parte e sempre alerta, pois em princípio não deixa ne-
nhuma parte às escuras e controla continuamente os
mesmos que estão encarregados de controlar.

Conforme dispõe o capítulo IV do regulamento, o currículo da institui-


ção apresentava-se mesclado de saberes domésticos, intelectuais, religiosos e
morais, distribuídos em quatro classes ao longo do ano escolar, e tinha como
objetivo preparar a mulher para a vida familiar, bem como desenvolver co-
nhecimentos e habilidades que pudessem garantir-lhe o sustento, livrando-a
da prostituição quando não se casava. Assim, as aulas oferecidas eram dividi-
das em quatro classes: 1ª) doutrina cristã, deveres morais e religiosos, leitura,
escrita, aritmética, frações, gramática, noções gerais de geografia, história e
desenho; 2ª) exercício de agulha de todo gênero; 3ª) prática do trabalho de

144 | História e Educação na Amazônia


economia doméstica; 4ª) noções gerais de música (REGULAMENTO..., 1954,
cap. IV).
A instituição contava para o serviço e administração com um diretor
e um vice-diretor, três mestras, um almoxarife, um capelão, um médico, três
serventes e uma regente superiora. Era regra que a direção fosse confiada a
um homem, pois este deveria inspirar a autoridade de pai e impor o respeito
às regras da casa. Suas atribuições estavam mais ligadas ao exercício das fun-
ções administrativas e burocráticas, ficando a cargo da regente zelar pelo bom
andamento da rotina dentro do asilo, o que nos remete a Bourdieu (2007, p.
18) ao afirmar:

A força da ordem social [...] tende a ratificar a domina-


ção masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão social
do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades
atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu local, seu mo-
mento, seus instrumentos [...].

A regente deveria ser selecionada entre as senhoras mais instruídas da


capital da província e atestar “[...] ter boa moral e grande domínio das prendas
domésticas”. Colocada hierarquicamente abaixo do diretor, à regente cabia o
governo interno como o trato com as colegiais e os empregados, fazendo com
que as atividades fossem executadas e as regras obedecidas (REGULAMEN-
TO..., 1954, cap. II, art. 11). Ela deveria ser o primeiro exemplo de decência
e virtude e estimular as meninas na prática da moralidade e da obediência.
Todavia, se apenas o exemplo não fosse suficiente, cabia a ela punir as trans-
gressões com castigos, previstos pelo regulamento especial, ou sugerir a dis-
pensa da asilada ao diretor. Ficava a cargo da regente a supervisão das tarefas,
tanto de ordem logística quanto educacional, ou seja, trabalhos domésticos
feitos pelas asiladas indiscriminadamente; entrada e saída do estabelecimento;
acompanhamento das aulas; conservação da saúde das educandas; abasteci-
mento de víveres; cumprimento das ordens pelos empregados, entre outros.
Ao final de cada ano escolar, eram feitos os exames conteudísticos, os
quais eram regulados pelo diretor do asilo e pelo presidente da província. Ao
serem concluídos, era marcada uma data para a cerimônia de premiação das
três melhores alunas da instituição do referido ano. Esse evento contava com a
presença das alunas, familiares, funcionários e pessoas importantes da cidade,
e diante destes o presidente da província entregava os prêmios. Segundo o re-
gulamento da instituição, “[...] este ato deveria ter alguma pompa e aparato”,
o que nos faz inferir que a realização dos exames extrapolava a verificação

História e Educação na Amazônia | 145


da aprendizagem e adquiria um duplo caráter: recompensar e diferenciar as
educandas e divulgar as ações do poder público provincial por meio de sua
atuação junto ao asilo.

A extinção do asilo

A partir de 1870, a província do Maranhão passou a enfrentar uma cri-


se econômica proveniente da concorrência dos produtos locais no mercado
internacional, seguida de insuficiência técnica, dificuldades de transporte e
de comunicação. Esses fatores agravaram ainda mais a crise, levando o poder
público a adotar inúmeras medidas para conter gastos visando à superação do
referido quadro. Paralelamente, ocorreram várias mobilizações no sentido de
sensibilizar e conquistar apoio do governo central, pois este concentrava suas
atenções para o novo polo econômico, o Sudeste.
O presidente da província e a Assembleia passaram a eximir da respon-
sabilidade do Tesouro Público uma série de despesas referentes ao projeto de
melhoramento material e moral da sociedade, encabeçado durante a década
de 1850 pela Liga Maranhense (CABRAL, 1984). Dessa forma, o abandono do
projeto de modernização pelos liberais afetou diretamente o asilo, o qual fora
criado dentro dessa perspectiva. Segundo o jornal A Cruzada (1891), por meio
da Lei nº 918, de 20 de julho de 1870, o vice-presidente da província, José da
Silva Maia, tornou público que todas as educandas do Asilo Santa Tereza se-
riam transferidas para o Recolhimento de Nossa Senhora da Anunciação e Re-
médios e que a partir daquela data seriam tomadas as seguintes providências:
venda do terreno e parte do prédio pertencente ao asilo, e o produto recolhido
ao Tesouro Provincial; a entrega de todas as moças que já tivessem atingido a
idade de 17 anos aos seus responsáveis legais, e as demais confiadas à direção
do Reverendíssimo Prelado Diocesano.
A província, por sua vez, comprometia-se em: sustentar 30 asiladas,
incluindo as que já existiam no referido Recolhimento: as vagas decorrentes
da saída das asiladas só seriam preenchidas quando correspondessem àquele
número; despender a quantia de 15:000$000 (quinze contos) de réis a fim de
que fossem feitas as acomodações e melhoramentos necessários para a trans-
ferência das educandas; subvencionar com a quantia de 200$000 (duzentos
mil) réis por ano para cada uma das transferidas para o Recolhimento (MAR-
QUES, 1970).
Foi ainda determinado que todas as asiladas deveriam ser entregues aos
responsáveis legais logo que fossem completando a maioridade, ficando o Te-

146 | História e Educação na Amazônia


souro Público exonerado de subvencionar qualquer funcionário ou professor.

Conclusão

A transferência das asiladas para a jurisdição do poder eclesiástico e a


extinção do Asilo Santa Tereza, como instituição da província, demonstrou
que, naquele momento, devido à crise econômica por que passava a província,
resultado da desvalorização do algodão brasileiro no mercado internacional,
as autoridades civis consideraram mais importante conter gastos que despen-
der grandes quantias com a proteção e educação de órfãs e expostas. Observa-
se, portanto, que a educação oferecida na instituição em apreço deixou de ser
uma prioridade, o que evidencia uma contradição entre o discurso e a prática
no que se refere à política social voltada às mulheres órfãs e expostas.
Apesar de, na década de 1850, a Liga Maranhense ter se mostrado em-
penhada em construir um projeto de modernidade para a província, em 1870
parecem concordar com a decisão do governo em conter gastos, já que nenhu-
ma referência foi encontrada mencionando uma posição deles contrária ao
fechamento do asilo. Isso denota que liberais e conservadores concordavam
pelo menos em um ponto: era necessário tirar o Maranhão da crise.
Enfim, pode-se inferir que o modelo educacional produzido a partir da
criação do Asilo Santa Tereza representou um acompanhamento da tendência
que começara a firmar-se em âmbito nacional com relação à educação femini-
na, ainda que se observe uma transformação aparente das práticas sociais, pois
a educação oferecida na instituição tinha como principal objetivo o exercício
de funções outras que não a doméstica e a necessidade de reproduzir os valo-
res morais entendidos como adequados à mulher.

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148 | História e Educação na Amazônia


Instituição Pia Nossa Senhora das
Graças: assistência e educação de
crianças pobres em Belém do Pará
(1943-1967)
MARIA LUCIRENE SOUSA CALLOU
Universidade Federal do Pará (UFPA)

LAURA MARIA SILVA ARAÚJO ALVES


Universidade Federal do Pará (UFPA)

Introdução

A presente pesquisa, de cunho documental, tem como objetivo analisar


as ações de assistência social e educativas no atendimento à infância pobre da
Instituição Pia Nossa Senhora das Graças, criada em Belém do Pará no perío-
do de 1943 a 1967. Essa instituição assistencial acolhia crianças órfãs e de fa-
mílias pobres que vivenciavam a exclusão social e encontravam-se às margens
da sociedade paraense à época.
Nas primeiras décadas do século XX, havia uma significativa preocu-
pação com a infância no Pará em razão do ideário civilizatório de conduzir o
Brasil ao seu ideal de nação. Preocupação com a infância como problema so-
cial provocava uma acentuada proteção com a criança como futuro do Brasil.
No contexto de Belém do Pará, eram recorrentes ações que visualizavam as
soluções para “salvar a infância pobre” e enquadrá-la socialmente como ele-
mentos importantes para o projeto civilizatório do País (RIZZINI, 2011). No
rastro desse ideário republicano, muitas ações caritativas surgem pelas várias
congregações religiosas com as missões de “salvar os necessitados”. Sendo as-
sim, além de evangelização, as congregações atuavam em missões assistenciais
no amparo aos menores. Nos finais dos anos 1940, com a ajuda dos frades
capuchinos, surge a Instituição Pia Nossa Senhora das Graças.
A Instituição Pia Nossa Senhora das Graças pautava-se em uma filo-
sofia de práticas de caridade pela “salvação da alma” baseada nos princípios
da Associação da Juventude Antoniana. Essa associação desenvolvia o grande
projeto dos frades capuchinhos, que era atender os mais necessitados, sobre-

História e Educação na Amazônia | 149


tudo as crianças pobres e órfãs do bairro do Guamá, na capital do Pará. Com
doações e trabalho voluntário desenvolvido pela Associação da Juventude An-
toniana, foi possível à instituição ofertar internato às crianças pobres, além
de berçário para receber os bebês órfãos. O grande slogan da Associação da
Juventude Antoniana era “recolher e instruir à infância”. Centramos nossa
pesquisa nas matérias de jornal, estatuto, atas de reuniões e relatórios para
construir a história da instituição e suas ações educativas com as crianças.
Moldar a criança para transformá-la em um “sujeito de bem” era investimento
social necessário, sendo então a criança pobre abandonada o alvo prioritário
da assistência (RIZZINI, 2011).
O texto que ora apresentamos é composto de três partes. Na primeira
parte, abordarmos o surgimento dos frades capuchinhos em Belém do Pará e
suas ações caritativas. Na segunda parte, destacamos alguns fatos da história
da Instituição Pia Nossa Senhora das Graças, e por fim, na terceira parte apre-
sentamos as ações assistenciais e educativas da Instituição Pia Nossa Senhora
das Graças no atendimento à criança.

As ações caritativas dos frades capuchinhos em Belém do Pará

A ordem dos capuchinhos chegou oficialmente ao Brasil por volta de


1642. Em Belém do Pará, os frades capuchinhos se instalaram em 1900, to-
mando conta da assistência espiritual do hospital da Ordem Terceira. Contu-
do, desde 1898, eles já estavam presentes no estado do Pará atuando principal-
mente na Colônia do Prata no atendimento aos doentes hansenianos. As ações
caritativas implementadas pelos frades renderam principalmente prestígios e
reconhecimento de suas missões. Logo surgiu a necessidade de criação de uma
igreja que abrigasse a ordem religiosa dos capuchinhos para que suas missões
frutificassem em terras na Amazônia.
Foi exatamente em 2 de outubro de 1910, na cidade de Belém, que foi
abençoada e posta a primeira pedra nesse majestoso santuário dedicado a São
Francisco de Assis, fundador da Ordem Franciscana, pelo Excelentíssimo e
Reverendíssimo Dom Santinho Coutinho, então Arcebispo Metropolitano de
Belém do Pará. Os jornais da época noticiaram a maravilhosa participação do
povo e da presença de autoridades civis, religiosas e militares na construção da
igreja. O jornal A Província do Pará, no dia seguinte à inauguração da pedra
que daria mais tarde surgimento ao templo religioso, destacava em uma maté-
ria a importância da sua construção para a comunidade belenense:

Há muito não se via uma demonstração religiosa tão


150 | História e Educação na Amazônia
ardente e tão sincera como a de ontem na colocação da
primeira pedra sobre a qual se levantará o famoso Tem-
plo que terá como padroeiro São Francisco de Assis. A
manifestação pública e o ardor fervoroso manifestados,
desde os homens do povo até as primeiras autoridades
de Belém, devem ter impressionado grandemente esses
homens (capuchinhos lombardos) simples e bons que
pregam, em nome de Deus, o amor ao próximo (A PRO-
VÍNCIA DO PARÁ, 1910).

Sabemos que os frades capuchinhos não foram os primeiros frades que


vieram ao Pará. Já no início do século XIX, em 1803, o frei Francisco de Alba
acompanhava o bispo Dom Manoel Almeida de Carvalho nas visitas pastorais
da imensa diocese que abrangia o estado do Pará. Em 1806, vieram para Be-
lém o frei Pedro de São Pedro e o frei Boaventura de Prado, os quais perma-
neceram pouco tempo na capital do Pará. Tem-se notícias de que, por volta
de 1843, chegou a Belém frei Luiz de Belfort com mais sete frades. O grupo
de frades recém-chegados à capital deu início às missões entre os índios ao
longo do rio Amazonas e seus afluentes. Imbuído com esse espírito de fé e de
entrega total a Deus, os frades capuchinhos vieram então para o Maranhão,
Pará e Amazonas, no final do século XIX. A congregação via a necessidade
urgente de um trabalho missionário mais organizado que pudesse ter conti-
nuidade na evangelização por toda a Amazônia, em especial o estado do Pará.
Assim, a Ordem Capuchinha assume várias missões e deram continuidade ao
anúncio do evangelho e à assistência religiosa entre os povos nativos da Região
Amazônica. Com um grande espírito missionário, os frades capuchinhos não
esqueceram principalmente das populações indígenas.
Com ajuda da população e de autoridades, os frades capuchinhos cons-
truíram o grandioso templo em uma área alagadiça, fora da cidade; como se
dizia, um empreendimento extraordinário para ser um centro de evangeliza-
ção e de promoção humana. Sabe-se que os frades missionários já estavam
presentes no Prata, em Ourém e em outros lugares também do Maranhão,
como Alto Alegre, no interior do estado, onde quatro frades, junto com sete
irmãs e numerosos fiéis, foram mortos pelos índios Guajajaras. Esses missio-
nários se preocupavam em evangelizar a população não somente nos grandes
centros das cidades, mas também em suas periferias. Os missionários capuchi-
nhos acreditavam que a evangelização andava sempre junto com a promoção
humana.
Sabemos que, ao longo de suas primeiras ações, os frades capuchinhos
realizaram várias iniciativas caritativas, como, por exemplo, o “Pão de San-
História e Educação na Amazônia | 151
to Antônio”, que começou no ano de 1937 e ganhou novas instalações. Que
se acrescentem ainda outros atendimentos, como o centro catequético e de
promoção humana Santa Izabel da Hungria, a comunidade Santo Antônio
com o ambulatório e outras atividades promocionais. Indiscutivelmente, esses
missionários realizaram muitas atividades sociais no Bairro de São Brás. A
construção da Igreja dos Capuchinhos teve um significado muito grande não
somente para os frades capuchinhos, mas principalmente para toda a comuni-
dade cristã da cidade de Belém. Ao longo dos anos, foram desenvolvidos gran-
des trabalhos de evangelização e catequese, tanto na cidade quanto no interior
do estado do Pará. Desenvolveram especial trabalho pastoral com a juventude
de Belém. Foi pensada a Juventude Franciscana, a ordem franciscana secular e
outros movimentos leigos. Desse trabalho pastoral, outros frades capuchinhos
foram atuar em cidades do interior do Pará, como Abaetetuba, Moju e Bujaru.
A Igreja dos Capuchinhos foi construída com recursos oriundos das
ofertas dos fiéis da cidade de Belém e de outras cidades do Brasil. Há notícias
de que o venerado frei Paulo de Trescorre visitou várias cidades do Brasil an-
gariando donativos para essa construção, juntamente com as contribuições
do povo de Belém. Também as autoridades colaboraram de bom grado com
a missão. Um exemplo disso foi a doação do Intendente de Belém, o senador
Antônio Lemos, que concedeu o terreno onde está construído o convento e a
igreja.

A história da Instituição Pia Nossa Senhora das Graças

A Instituição Pia Nossa Senhora das Graças foi legitimada como inter-
nato no ano de 1949, porém, nos anos anteriores essa entidade era a Associa-
ção da Juventude Antoniana, com personalidade jurídica, conforme publica-
ção do Diário Oficial nº 14.347, de 11 de maio de 1943, e filial da Pia União de
Santo Antônio do Pão dos Pobres. Esse projeto filantrópico tinha como idea-
lizadores os frades capuchinhos e D. Ilda Seabra de Almeida Martins, entre
outros sócios. Nos anos 1940, a instituição mantinha-se por meio de doações
da sociedade da época, como médicos, religiosos e pessoas com considerável
condição financeira, denominados de sócios.
A finalidade dessa associação, conforme a ata de 16 de janeiro de 1944,
era “assistir com esmolas as crianças órfãs”. As reuniões sempre se iniciavam
com orações e havia muito apelo por parte do assistente eclesiástico em en-
contrar cada vez mais sócios para as obras divinas. Os frades capuchinhos
pregavam a caridade, e com esse discurso tentavam estimular o maior número

152 | História e Educação na Amazônia


de pessoas engajadas em prol do auxílio à criança pobre.
Embora o período estudado já apresente ações de assistência e educação
por outras congregações na área da infância pobre por todo o País, na capital
do Pará as ações dos capuchinos ainda eram tímidas – a prova disso eram as
precárias condições financeiras e de infraestrutura encontradas na Associação
Juventude Antoniana, pois nos seus primeiros anos de existência o atendi-
mento às crianças pobres se reduzia à oferta de alimentos. A ideologia cristã
presente no contexto dessa associação é advinda do período colonial. De acor-
do com Rizzini (2011, p. 91), “[...] entendia-se como condição primordial para
a salvação da alma uma atitude caritativa de piedade, de compaixão - para com
os pobres”.
As obras desenvolvidas nessa associação pelas causas de Deus e da cari-
dade visavam à “imortalidade da alma e do coração dos caridosos”, conforme
registro da ata de 29 de outubro de 1944. As reuniões eram conduzidas pelo
assistente eclesiástico, superior dos frades capuchinhos. Para Rizzini (2011, p.
109),

[...] o sentido de obediência à religião-católica no caso do


Brasil era muito importante na moralização do indivíduo
e será incutido... Deus está acima de todas as coisas.

Para os capuchinhos, aproximar-se da caridade estimulava o fervor da


fé, e é uma chance para que se “abra as portas do céu”, conforme registro
em ata do dia 28 de março de 1945. Ainda nesse documento, os capuchinhos
conclamavam por mais pessoas envolvidas na Associação da Juventude Anto-
niana para dar suporte aos trabalhos desenvolvidos na capital do Pará. Eram
recorrentemente estimulados os donativos para a Associação da Juventude
Antoniana com o intuito de ajudar os mais necessitados, sobretudo as crianças
pobres e órfãs. As doações começaram a se multiplicar por parte de fiéis des-
conhecidos. No ano de 1945, essa associação recebeu um fio de pérolas como
doação para ornamentar o altar de Santo Antônio e um jarro de vidro e prata
que foram rifados em um sorteio pela loteria do estado em prol das crianças
atendidas pela associação (ATA DE 1º DE MAIO DE 1945).
Havia uma preocupação da Associação da Juventude Antoniana em
destacar a finalidade da instituição em seus registros escritos, onde pregava o
trabalho com zelo e amor pela causa das crianças abandonadas (ATA DE 2 DE
FEVEREIRO DE 1947).
Na ata de 7 de novembro de 1948, mais uma vez, o frei capuchinho
Paulino reforçava a importância de se trabalhar em prol dos pobres de Santo

História e Educação na Amazônia | 153


Antônio, pois diz ele “quem serve a Santo Antônio serve também a Deus”. No
ano de 1949, o referido frei conclamava que as antonianas rezassem para que
fosse adquirido um terreno em que se construiria a casa da criança pobre, pois
ele estava disposto a conversar com o bispo sobre a possibilidade de doação do
terreno adequado (ATA DE 6 DE FEVEREIRO DE 1949).
O esforço do frei capuchinho Paulino em adquirir um terreno para
construção da casa que abrigasse crianças pobres e órfãs teve eco imediata-
mente. No mesmo ano, a presidente da Associação da Juventude Antonia-
na, D. Ilda Martins, anuncia que o Arcebispo Mario de Miranda Vilas Bôas
prometeu doar o terreno para construção do prédio das crianças desampara-
das (ATA DE 6 DE MARÇO DE 1949). No dia 25 de setembro de 1949, foi
realizada a cerimônia de lançamento da primeira pedra fundamental da casa
da criança pobre denominada Instituição Nossa Senhora das Graças, que foi
erguido pela Associação Pia União da Juventude Antoniana. Para essa cerimô-
nia, foi convidado grande número de católicos, autoridades civis e militares.
No final de 1949, a Associação da Juventude Antoniana necessitava de
atendimento médico para as crianças pobres atendidas pela associação, bem
como pedido de auxílio à diretoria de educação para aquisição de material
escolar e o Natal das crianças. Havia também preocupação do frei capuchinho
Paulino em pedir ajuda ao governo municipal, a fim de construir o prédio
do Instituto Pia Nossa Senhora das Graças (ATA DE 4 DE DEZEMBRO DE
1949).
Em janeiro de 1950, é registrada em ata a escolha de um novo nome
para a Associação da Juventude Antoniana, e Dom Mário de Miranda Vilas
Bôas, Arcebispo Metropolitano de Belém, depois de refletir, conclui que os
trabalhos da então nomeada agora Instituição Pia Nossa Senhora das Graças
deveriam ser independentes, desvinculando-se da Associação Antoniana.
Em 5 de fevereiro de 1950, é fundada então a Instituição Pia Nossa Se-
nhora das Graças pelo Dom Mario de Miranda Vilas Bôas, arcebispo de Belém
do Pará. No estatuto da inaugurada instituição, o arcebispo declarava a sua
preocupação na assistência e no amparo espiritual à infância pobre:

Havemos por bem aprovar o estatuto da Instituição Pia


Nossa Senhora das Graças. E o fazermos com ardentes
votos para que sejam fielmente observados a fim de que,
assim, se realizem as suas altas e tão oportunas finalida-
des. Estas são de molde a mover a simpatia e adesão de
todas as almas cristãs, isto é, O Culto da Santíssima Vir-
gem, Mãe de Deus, Mãe Nossa, sob o título especioso de
Nossa Senhora das Graças e, justamente com o culto, a
154 | História e Educação na Amazônia
assistência e amparo espiritual e material à infância po-
bre, educando-a e habilitando-a para uma vida cristã real
e objetiva, vivida com dignidade e proveito, no Lar e So-
ciedade (ESTATUTO DA INSTITUIÇÃO PIA NOSSA
SENHORA DAS GRAÇAS, 1950, p. 1).

No capítulo 1 do estatuto da instituição, verificamos a preocupação em:

[...] socorrer fisicamente e espiritualmente crianças po-


bres de qualquer sexo e principalmente pugnar, por to-
dos os meios lícitos a seu alcance, pelo bem-estar de seus
associados e crianças pobres (ESTATUTO DA INSTI-
TUIÇÃO PIA NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS, 1950,
p. 1).

Figura 1 – Instituição Pia Nossa Senhora das Graças

Fonte: A Província do Pará (1950).

No jornal A Província do Pará (Figura 1) foi publicada em 1950 uma


matéria direcionada à infância e à instituição que acolhe, como espaço que
comanda o amparo dos deserdados, menores desassistidos, que não têm pai,
mãe e nem lar. A reportagem destacava que a Instituição Pia Nossa Senho-
ra das Graças era o “quartel-general de um exército de senhoras e senhoritas
simples e sem complexos, que se dedicam a missão de recolher e instruir a in-

História e Educação na Amazônia | 155


fância abandonada nas ruas”. A reportagem ressaltava ainda que as abnegadas
senhoras e senhoritas comandavam “o amparo aos deserdados, aos menores
desassistidos, aos que não tem nem pai, nem mãe, nem lar”. Enfim, uma orga-
nização de socorro aos infelizes.
A eleição da primeira diretoria da Instituição Pia Nossa Senhora das
Graças aconteceu em 1950 (ATA DE 5 DE FEVEREIRO DE 1950). Segundo
Dom Mario de Miranda Vilas Bôas, a finalidade da instituição era a propaga-
ção do culto a Nossa Senhora das Graças e o amparo espiritual e material às
crianças abandonadas.
Nos finais do ano de 1950, encontramos registros da instalação de alto-
falantes no terreno da própria instituição para oferecer músicas pagas, cujo
resultado seria revertido em auxílio para a construção da casa. Foi solicita-
do também ao prefeito de Belém que liberasse o terreno, pois a dívida estava
avultada. O terreno foi adquirido em 6 de março de 1949, e a construção foi
concluída em 1961 com a ajuda financeira do Dr. Afonso Freire, que, além de
colaborar com a construção do prédio, ocupou cargo de presidente. Conforme
publicado em jornal de grande circulação, a instituição já abrigava cerca de
200 crianças.

Figura 2 – Para as crianças pobres do bairro dos capuchinhos

Fonte: A Província do Pará (1955).

156 | História e Educação na Amazônia


Na matéria publicada no jornal A Província do Pará em 1955 (Figura 2),
destacava-se que estavam quase “ultimadas as obras da Casa Nossa Senhora
das Graças, destinadas às crianças pobres do bairro dos Capuchinhos e cuja
construção, de caráter particular, é financiada pelos moradores das redonde-
zas”. A referida matéria noticiava também que cerca de 200 crianças pobres
já faziam as refeições na Casa Nossa Senhora das Graças e que outros serviços
seriam implantados na instituição. Diz o jornal: “[...] será mais tarde dotada de
escolas, ambulatórios, etc”. A fotografia apresentada na reportagem demons-
trava o avanço da construção da instituição.
Embora com instalações precárias, a instituição começou a funcionar
em prédio próprio desde 12 de março de 1959, com a transferência tanto da
residência de D. Ilda Martins (fundadora da instituição) para esse espaço
como da escola que funcionava provisoriamente no Salão Bento XV, no San-
tuário de São Francisco desde 5 de fevereiro de 1950.
Em 1949, no jornal A Província do Pará (Figura 3) era noticiada uma
campanha para adquirir recursos para construção da instituição com o título
Construção em nossa capital, da casa da criança desamparada. A reportagem
anunciava que a construção da instituição era uma “iniciativa da Associação
da Juventude Antonina, que vai erguer aquela casa em terreno junto à Igreja
dos Capuchinhos”. A matéria dava destaque à Associação de Juventude Anto-
nina, que era filiada da Pia União do Pão de Santo Antônio, fundada pela Sra.
Ilda Martins e que tinha desde 1943 a direção da Sra. Rosila Gabriel da Silva,
sendo que esta se dedicava à fundação em Belém da Casa da Criança Desam-
parada (Instituto Nossa Senhora das Graças) junto à Igreja dos Capuchinhos.
Era destacado ainda na matéria que os “[...] primeiros frutos dessa meritó-
ria campanha já atuavam significativamente prestando auxílio para algumas
crianças, com o fornecimento de sopa às terças-feiras, às 11 horas”.
O projeto de lançamento da pedra fundamental dependia dos recursos
adquiridos através de uma campanha que movimentou toda a cidade de Be-
lém. Para isso, a Associação da Juventude Antonina distribuiu “cofres” pelos
bairros da Condor, Guarani, Igapó, Flor do Bosque, Paraíso, Pedreira e ao
Salão da cabelereira Dulce. Havia também a possibilidade dos contribuintes
ajudarem dirigindo-se ao superior dos capuchinhos na Igreja de São Fran-
cisco. O projeto de edificação do Instituto Pia Nossa Senhora das Graças foi
oferecido pelo Sr. Osvaldo Pinto, competente projetista do Departamento de
Engenharia da Prefeitura de Belém.

História e Educação na Amazônia | 157


Figura 3 – Construção, em nossa capital, da Casa da Criança Desamparada

Fonte: A Província do Pará (1949).

Na ata de reunião do dia 2 de abril de 1950, há passagens escritas que


demonstram o desafio de angariar recursos em prol das crianças pobres, onde
o frei Hilário de Verano afirma que,

‘[...] embora seja uma humilhação pedir, mas devemos


fazer tudo isso por amor em Nossa Senhora das Graças
e pensando também nas crianças pobres que esperam
por nosso auxilio’, terminando a reunião o frei lamentou
muito as crianças que viviam pedindo esmolas na frente
da igreja, achando mesmo uma coisa inconveniente.

158 | História e Educação na Amazônia


Figura 4 – “Campanha do Centavo” em favor da criança pobre

Fonte: A Província do Pará (1949).

Na Figura 4, apresentamos uma matéria publicada em 1949 no jornal


A Província do Pará sob o título “Campanha do Centavo em favor da criança
pobre”, que enaltecia a valorosa juventude antoniana em ter feito a doação de
“um centavo” para a construção do Instituto Pia Nossa Senhora das Graças.
Diz a matéria:

[...] por iniciativa da valorosa Juventude Antoniana, que


tão pouco pode, UM CENTAVO apenas de cada um para
início desse gigantesco empreendimento que honrará,
por seu elevando valor altruístico, a mocidade cristã de
nossa terra.

Enfim, a matéria faz apelo à caridade.


Conforme registros escritos por Alda Cunha (ex-vice-presidente da ins-
tituição), nos primeiros anos de vigência da instituição, D. Ilda (fundadora da
instituição) contou com a colaboração de voluntários e dos membros da dire-
toria para manter, embora precariamente, os serviços domésticos e o interna-
to de crianças pobres de todas as idades e sexo, mantendo também o berçário
no salão ao lado de seus aposentos.
Durante o ano de 1952, verificamos prestações de contas e os registros
de algumas doações por parte do Ministério da Educação, onde os padres sale-
sianos avisam, por meio de telegrama, que há uma quantia de Cr$ 100.000,00
História e Educação na Amazônia | 159
(cem mil cruzeiros) destinados à instituição – porém, os padres salesianos pe-
diram deste total Cr$ 3.000.000 (três mil cruzeiros) para fazer o despacho a
fim de auxiliar nas obras da Igreja de São Francisco. Dessa forma, a instituição
e os padres fecham o acordo.
Na Figura 5, temos uma matéria em 1954 sobre a instituição publicada
no jornal A Província do Pará, sob o título A criança órfã desamparada vai
também possuir sua casa. A reportagem é acompanhada de uma foto onde
aparece a diretoria da Instituição Pia de Nossa Senhora das Graças, D. Ilda,
nove senhoras da diretoria e o frei capuchinho Hilário de Verano.

Figura 5 – A criança órfã desamparada vai também possuir sua casa

Fonte: A Província do Pará (1954).

Foram encontrados também registros de auxílio financeiro por parte


do Departamento Nacional da Criança, que repassou cerca de Cr$ 130.000,00
(cento e trinta mil cruzeiros), porém não eram auxílios constantes. No ano de
1955, a escola, depois de registrada na Secretaria de Educação, recebeu o au-
xílio de valorização da Amazônia, que consistiu na merenda escolar composta
de leite em pó, com farinha vitaminada para o preparo de mingau, sendo a
distribuição feita pela manhã, diariamente para 250 crianças das 327 matricu-
ladas, passando a sopa a ser distribuída diariamente às terças, quintas e sába-
do. A alimentação era consumida pelas crianças, o que pode vir a justificar a
carência nutritiva que estas apresentavam nas imagens reveladas pela súplica

160 | História e Educação na Amazônia


publicada no jornal da época.
Em outra passagem registrada em fevereiro de 1957, a presidente da
instituição, D. Ilda Martins, informou o recebimento de uma verba extra, do
exercício de 1955, do Ministério da Justiça, no valor de Cr$ 300.000,00 (tre-
zentos mil cruzeiros). Essa quantia foi recebida pelo superior frei Hilário de
Verano no Banco do Brasil em janeiro de 1956, de cuja verba foi entregue a
D. Ilda a importância de Cr$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil cruzeiros),
ficando o restante em poder do superior para obras da Igreja de São Francisco.
Nos finais do ano de 1957, com a ajuda volumosa para a instituição, o
discurso ainda era de sensibilizar os doadores para a arrecadação de donativos.
Evidenciava-se muito intensamente o discurso da fé e da salvação da alma em
prol da ajuda aos pobres e crianças desamparadas. Entretanto, começa a existir
certo desentendimento entre a diretoria da Instituição Pia Nossa Senhora das
Graças com os padres capuchinhos. O fato que mais marcou esse desentendi-
mento foi a retirada de dinheiro pelo superior da Igreja dos Capuchinhos sem
autorização de D. Ilda Martins. Esse acontecimento causou o distanciamento
dos frades capuchinhos da Igreja de São Francisco com a presidência da ins-
tituição. Em agosto de 1957, foi registrada em ata a solicitação da presidente
da instituição para que o cofre da instituição fosse retirado da Igreja de São
Francisco e removido para o prédio da Instituição Nossa Senhora das Graças,
e assim foi feito (ATA DE 1957). Dessa forma, revela-se a materialização da
tentativa de distanciamento da relação da instituição com a igreja.

Assistência e educação às crianças da Instituição Pia Nossa das Graças

De acordo com os relatórios analisados, a Instituição Pia Nossa Senhora


das Graças passa a ser conhecida como a Escola Primária e Doméstica Nossa
Senhora das Graças, que ofertava às crianças (a partir dos 10 anos) e jovens (a
partir dos 12 anos) cursos sobre noções de corte e costura, aulas de culinária,
flores e bordados. No cotidiano das crianças também estava uma rotina de
ida à missa para cultuar a Nossa Senhora das Graças e obterem o amparo es-
piritual. As crianças pobres, além do ensino de 1ª a 4ª séries, recebiam diaria-
mente sopa e pão. Em ata do dia 5 de janeiro de 1958, registrou-se a primeira
turma de corte e costura e arte culinária que a escola diplomou.
Vale ressaltar que a instituição é fruto do trabalho vinculado à Associa-
ção da Juventude Antoniana, a qual, após virar instituto, adota a proposta de
Escola Doméstica e Profissional Nossa Senhora das Graças, que funcionava
no Salão Bento XV, localizado na Igreja de São Francisco (Capuchinhos). A

História e Educação na Amazônia | 161


partir de 1959, com a mudança de D. Ilda Martins para morar na instituição,
iniciou-se o projeto de internato com a casa da criança pobre e a transferência
da escola para esse espaço. Portanto, a partir de 1959 assistência e educação
escolar começaram a ser oferecidas aos sujeitos do internato.
Percebe-se que a formação moral e intelectual das crianças e jovens era
preocupação latente dos idealizadores desse projeto. A formação intelectual
ofertada nos primeiros anos de vigência do projeto voltava-se somente para
conteúdos das primeiras letras, contemplando o ensino de 1ª a 4ª séries – po-
rém, percebendo a necessidade de as crianças e jovens aprenderem afazeres
domésticos e um ofício, incluiu-se no currículo da escola conteúdos elemen-
tares.

Figura 6 – Desprovida de recursos a instituição de amparo a menores

Fonte: A Província do Pará (1959).

162 | História e Educação na Amazônia


Figura 7 – Recolhe e instrui a infância

Fonte: A Província do Pará (1960).

Em relação à formação espiritual, havia, uma vez por semana, encon-


tros religiosos de culto a Santo Antônio e Nossa Senhora das Graças, e todo
dia 27 de novembro acontecia a Eucaristia. Na matéria intitulada Desprovida
de recursos a instituição de amparo a menores (Figura 6), de 1959, publicada
no jornal A Província do Pará, verificamos uma foto de um grupo de aproxi-

História e Educação na Amazônia | 163


madamente 30 crianças atendidas no Instituto Pia Nossa Senhora das Graças
com as suas senhoras damas da sociedade paraenses, que com sua obra filan-
trópica eram destacadas como exemplo de abnegação. Quanto a D. Ilda Mar-
tins, diretora da instituição, a matéria destacava suas qualidades: “pequenina
de corpo”, “coração grande”, “humildade feito pessoa”, “modestíssima até no
sorrir”.
Em outra matéria publicada em 1960 no jornal A Província do Pará
(Figura 7), com o tema Recolhe e instrúi a infância, percebemos a denúncia e
o desabafo da presidência devido à ausência dos governos federal, municipal e
estadual no auxílio à instituição. A matéria destacava as dificuldades financei-
ras que o Instituto Pia Nossa Senhora das Graças estava passando, e também
as condições “precaríssimas” de manter a hospedagem de 30 criancinhas com
parcas mensalidades dos sócios. Na mesma matéria, é destacada ainda a in-
fância amparada com instrução primária e doméstica gratuita. Considerada
“gente de coragem”, é exposto na matéria que as crianças internas e externas
recebiam instrução primária e doméstica totalmente gratuita. Dá destaque à
professora Edmea, a qual dirigira a escola primária, e com sua abnegação e a
colaboração de outras jovens recebiam um “agrado” mensal de Cr$ 200.000,00
(duzentos mil cruzeiros) por unidade para desenvolver suas atividades com as
crianças. Assim, as crianças aprendiam as primeiras letras, fundamentos de
curso elementar, aulas de culinária, corte e costura – tudo sob a supervisão de
sua diretora, D. Ilda Martins.

164 | História e Educação na Amazônia


Figura 8 – Apelo: “Socorram-nos”

Fonte: A Província do Pará (1960).

Por volta dos anos 1960, a instituição passava por dificuldades financei-
ras, e na Figura 8 identificamos uma publicação de matéria intitulada Apelo:
Socorram-nos no jornal A Província do Pará, que revelava a necessidade do
poder público em ajudar a instituição. A matéria apelava ao poder público e ao
povo da terra na doação de lençóis, camas, roupas, calçados e alimentos com o
apelo de “ajudem a salvar a infância abandonada”. Destacava ainda a ajuda de
um deputado estadual, que, penalizado com a situação das criancinhas, doou
ao Instituto Pia Nossa Senhora das Graças 20 mil cruzeiros.
O olhar para a infância abandonada é um sentimento forte, nas palavras
de D. Ilda Martins, diretora da instituição. Diz ela:

[...] sujeitos são tidos como filhos de ninguém, que a sorte


deixou ao féu, que devemos amar com espírito religioso
a esses homens e mulheres de amanhã, menores jogados
às baratas da miséria.

História e Educação na Amazônia | 165


O discurso de D. Ilda Martins era arraigado de sentimentos de caridade
e de ajuda às crianças pobres e abandonadas, procurando enaltecer a impor-
tância da sociedade cuidar dessas crianças, já que eram importantes para o de-
senvolvimento do Brasil. Como se vê, a grande mestra Ilda Martins não media
esforços para atingir seus objetivos. No mais, seu discurso estava atrelado aos
princípios da República, que tinham a criança como a salvação do Brasil ao
dizer que elas seriam “hoje esperanças do futuro da Pátria”.

Figura 9 – Você poderá ajudar estas crianças!

Fonte: A Província do Pará (1961).

Já na Figura 9, apresentamos a reportagem do jornal A Província do


Pará, publicada em 1961, que apelava para que todos pudessem ajudar às
crianças aparentemente doentes e muito necessitadas que se encontravam
abrigadas no Instituto Pia Nossa Senhora das Graças. A reportagem é acom-
panhada da imagem de duas crianças deitadas em um berço sob o título Você
poderá ajudar essas crianças!, induzindo o leitor paraense a se sentir penaliza-
do pelas condições em que se encontrava uma centena de crianças na referida
instituição. A matéria pedia a piedade da população em doar comida e roupa
166 | História e Educação na Amazônia
para crianças que vão ser úteis para a sociedade: “[...] elas todas precisam da
ajuda de todos [...]. Precisam de comida, roupa, assistência, para que mais
tarde possam ser útil a sociedade”. E “[...] toda ajuda que possamos dar será de
grande valia, pois elas vivem no completo desconforto, mal vestidas, famintas
e doentes”.
A matéria jornalística destacava com bastante ênfase ainda a situação
das crianças na instituição, que, com ínfimos recursos, enfrentava uma situa-
ção de abandono, com a diretoria sempre engajada em acolher e educar as
crianças pobres abandonadas à sua sorte. A reportagem informava aos leitores
as ações de algumas entidades de assistência social na ajuda a Instituição Pia
Nossa Senhora das Graças. Portanto, destacando a ajuda importante do Lions
Clube de Belém e aproveitando para reforçar o incentivo a toda a população
em ajudar aos pequeninos desamparados com a compra do ingresso do espe-
táculo do Barnus Circus em benefício da instituição:

Porém todos tem o dever de ajudar. Para isto basta você


comparecer ao espetáculo que o Barnus Circus dará na
terça-feira à noite, em benefício das crianças abandona-
das.

Figura 10 – São crianças desamparadas que necessitam de sua ajuda!

Fonte: A Província do Pará (1961).

Ao analisar a Figura 10, publicada em 1961 sob o título de reportagem


São criancinhas desamparadas que necessitam de sua ajuda!, vê-se que apare-

História e Educação na Amazônia | 167


cem várias crianças sentada à mesa com pratos vazios, indicando a necessida-
de de doações de alimentos. Embora a imagem queira sensibilizar a população
com o discurso da ajuda aos mais necessitados, a imagem mostra meninos e
meninas alegres e bem-cuidados. Todas estão de roupas brancas, cabelos cor-
tados bem curtos demonstrando para o leitor que a instituição cuidava bem
dos menores. A imagem indicava que a fotografia foi montada e bem-organi-
zada ao redor da mesa para a matéria do jornal A Província do Pará, pois todas
estão olhando para o fotógrafo.

Considerações finais

O presente artigo revelou parte da história da Instituição Pia Nossa Se-


nhora das Graças e as ações realizadas em prol da infância, assistência, educa-
ção e internato de crianças. De acordo com que foi apresentado, destacamos:

1. A Instituição Pia Nossa Senhora das Graças foi uma ins-


tituição de extrema importância para o acolhimento de
crianças pobres na cidade de Belém do Pará na década
de 1950, pois possibilitou acolhimento sem restrições de
sexo e idade das crianças, bem como seus fins foram filan-
trópicos e mantendo-se com o auxílio de “almas carido-
sas” que se compadeceiam da situação em que os indiví-
duos se encontravam acolhidos.
2. Conseguimos identificar, a partir das ações de assistên-
cia e educação, que a Instituição Pia Nossa Senhora das
Graças, ao atender crianças pobres e abandonadas, de-
senvolveu práticas sociais e pedagógicas na assistência à
infância.
3. Nos seus anos de vigência, a Instituição Pia Nossa Senho-
ra das Graças deu conta inicialmente da alimentação de
crianças abandonadas, depois ampliou suas ações contri-
buindo com a formação intelectual e doméstica das crian-
ças atendidas, ensinando-lhes as primeiras letras e as au-
las direcionadas para a formação em afazeres domésticos
e ofícios.
4. É importante destacar que a Instituição Pia Nossa Senho-
ra das Graças passou pelo processo de transição: da filo-
sofia de práticas de caridade aos abandonados almejando

168 | História e Educação na Amazônia


a salvação da alma para a responsabilização do poder pú-
blico à infância. Assim, o Estado passou a financiar parte
de suas ações, como a realização de convênios com outras
instituições e com políticas públicas que foram criadas
para o controle social dos menores, como o Serviço de
Assistência a Menores (SAM), a Fundação Nacional do
Bem-Estar do Menor (Funabem) e a Fundação Papa João
XXIII.

Referências

Ata de 16 jan. 1944. Biblioteca Instituto Pia Nossa Senhora das Graças, 1914.

Ata de 29 out. 1944. Biblioteca Instituto Pia Nossa Senhora das Graças, 1944.

Ata de 28 mar. 1945. Biblioteca Instituto Pia Nossa Senhora das Graças, 1945.

Ata de 1º maio 1945. Biblioteca Instituto Pia Nossa Senhora das Graças, 1945.

Ata de 2 fev. 1947. Biblioteca Instituto Pia Nossa Senhora das Graças, 1947.

Ata de 7 nov. 1948. Biblioteca Instituto Pia Nossa Senhora das Graças, 1958.

Ata de 6 fev. 1949. Biblioteca Instituto Pia Nossa Senhora das Graças, 1949.

Ata de 6 mar. 1949. Biblioteca Instituto Pia Nossa Senhora das Graças, 1949.

Ata de 25 set. 1949. Biblioteca Instituto Pia Nossa Senhora das Graças, 1949.

Ata de 4 dez. 1949. Biblioteca Instituto Pia Nossa Senhora das Graças, 1949.

Ata de 29 jan. 1950. Biblioteca Instituto Pia Nossa Senhora das Graças, 1950.

Ata de 5 fev. 1950. Biblioteca Instituto Pia Nossa Senhora das Graças, 1950.

Ata de 2 abr. 1950. Biblioteca Instituto Pia Nossa Senhora das Graças, 1950.

Ata de 1957. Biblioteca Instituto Pia Nossa Senhora das Graças, 1957.

Ata de 5 jan. 1958. Biblioteca Instituto Pia Nossa Senhora das Graças, 1958.

DIÁRIO OFICIAL nº 14.347, de 11 de maio de 1943. Biblioteca Instituto Pia Nossa


Senhora das Graças.

História e Educação na Amazônia | 169


ESTATUTO DA INSTITUIÇÃO PIA NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS, 1950.

JORNAL A PROVÍNCIA DO PARÁ, 1910.

______. Apelo: “Socorram-nos”. Belém, 1960.

______. “Campanha do Centavo” em favor da criança pobre. Belém, 1949.

______. Construção, em nossa capital, de casa da criança desamparada. Belém,


1949.

______. A criança órfã desamparada vai também possuir sua casa. Belém, 1954.

______. Desprovida de recursos a instituição de amparo a menores. Belém, 1959.

______. Instituto Pia Nossa Senhora das Graças. Belém, 1950.

______. Para as crianças pobres do bairro dos capuchinhos. Belém, 1955.

______. Recolhe e instrúi a infância. Belém, 1960.

______. São crianças desamparadas que necessitam de sua ajuda! Belém, 1961.

______. Você poderá ajudar estas crianças. Belém, 1961.

RIZZINI, Irene. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para infân-
cia no Brasil. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

170 | História e Educação na Amazônia


Ensino Secundário e Indisciplina no
Liceu Cuiabano em Mato Grosso
(1900 a 1920)1
MARINEIDE DE OLIVEIRA SILVA
Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT)

A história da educação brasileira é composta por inúmeros momentos


educacionais, momentos esses que nem sempre contribuíram para o desen-
volvimento educacional do Brasil. Um desses momentos é a implantação do
ensino secundário em Cuiabá (MT), um projeto inovador destinado à elite
mato-grossense que almejava cursar o ensino superior, mas que passou por
problemas, entre eles a indisciplina escolar. Percebe-se, assim, que a indisci-
plina não é um problema da modernidade, pois ela já ocorria no passado, em
diversas instituições de ensino mato-grossenses e fazia parte do bojo de preo-
cupações do diretor da Instrução Pública no período de 1900 a 1920.
Diante do explicitado, elaborou-se um trabalho que pudesse desvelar
como do Liceu Cuiabano, primeira instituição de ensino público secundário
de Mato Grosso, considerava a indisciplina escolar cometida pelos estudantes
do período de 1900 a 1940. Pesquisaram-se também as formas de violência
física e/ou institucional praticadas no dia a dia das atividades pedagógicas, as
quais geravam ações punitivas, indo desde as mais visíveis até as mais veladas.
Teoricamente, para este trabalho, realizou-se o método histórico em
que se analisaram fontes documentais no Arquivo Público de Mato Grosso,
como: jornais, relatórios de diretores e inspetores da Instrução Pública, atas
escolares e o regimento interno do Liceu Cuiabano, legislações do ensino e
mensagens dos presidentes da província de Mato Grosso, no intuito de eluci-
dar como a indisciplina escolar era tratada entre os anos de 1900 a 1920.
Para analisar a história do ensino secundário em Cuiabá, inicialmente
deve-se reportar a missão dos jesuítas que aqui chegaram em 1549, na expedi-
ção de Tomé de Souza. Os primórdios de implantação do ensino secundário
em Mato Grosso se deu no Seminário Episcopal da Conceição e possuía uma
grade curricular pautada nos preceitos cristãos.
Segundo Santos (2007), a finalidade educacional jesuítica, que perdu-
rou por aproximadamente 200 anos, tinha como prioridade a catequização e

1 - Artigo apresentado na IX Jornada do Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e


Educação no Brasil (HISTEDBR, 2010) e foi revisado para esta publicação.
História e Educação na Amazônia | 171
a instrução dos que eram considerados pela Igreja Católica como infiéis. Para
isso, foram criadas algumas escolas, que, além de ensinar as primeiras letras,
propagavam os ideais católicos. Criaram, também, colégios destinados a for-
mar clérigos, bem como preparar para os estudos superiores jovens que não
buscavam a vida sacerdotal.
O poderio hegemônico do Seminário Episcopal da Conceição como
única instituição de ensino secundário recebia apoio e repasse de verbas do
governo imperial para seu funcionamento. Segundo Sá e Siqueira (2006, p.
134), o poder hegemônico do seminário foi pleno até 1880, ano que se inaugu-
rou o Liceu Cuiabano, instituição pública a qual ministrava o mesmo nível de
ensino. “A partir desta última data até a República, os dois estabelecimentos
disputaram, corpo a corpo, os minguados alunos secundaristas”.
Em 1908, o presidente da província de Mato Grosso, Exmo. Sr. Coro-
nel Generoso Paes Leme de Souza Ponce, reafirma em mensagem enviada à
Assembleia Legislativa, em 13 de maio de 1908, a finalidade para que o Liceu
Cuiabano fora criado:

[...] O Liceu cuiabano, criado pela Lei n. 536, de 3 de de-


zembro de 1879, organizado pelo regulamento de 4 de
março de 1880 e reorganizado pelos de 20 de junho de
1896, de 2 de janeiro de 1903, de 13 de janeiro de 1912 e
pelo atual, é um estabelecimento estadual de ensino se-
cundário que tem por fim ministrar aos estudantes sólida
instrução fundamental que os habilite não só a desem-
penhar cabalmente os deveres de cidadãos, como a pres-
tar, em qualquer academia, rigoroso exame de admissão
(MATO GROSSO, 1908, p. 4).

Decorridos 15 anos da inauguração do Liceu Cuiabano, além do pro-


blema com a disputa por alunos e pela hegemonia do ensino secundário, sua
criação trouxe outras complicações, como a de ordem econômica, pois o custo
para manter um estabelecimento do porte do Liceu Cuiabano era muito alto
para a província mato-grossense. Desse modo, seria mais vantajosa a criação
de uma escola normal, pois, além de custar menos à província, abarcaria um
número maior de estudantes, em sua maioria mulheres, que se propusessem
seguir a carreira do magistério.
Essa preocupação fica evidenciada na mensagem do presidente da pro-
víncia de Mato Grosso, Dr. Manoel José Murtinho, em maio de 1895, em que
ele explica que seria mais rentável criar uma escola normal:

172 | História e Educação na Amazônia


Não concordamos com a primeira parte da indicada re-
forma, por entender que o Estado, pela distância em que
se acha dos grandes Centros de Instrução deve possuir
um instituto de preparatórios no qual se habilitem os as-
pirantes aos cursos superiores, penso, todavia que será de
muito mais vantagem para o ensino a criação de uma Es-
cola Normal á parte tão logo nossas circunstâncias finan-
ceiras o permitam. Sendo muito oneroso aos professores
catedráticos do Liceu Cuiabano reger cada um três aulas
no corrente ano letivo, que é o terceiro do curso, tratou-
se de prover quanto possível, os lugares de substituto que
com aqueles repartem os encargos do ensino secundário
(MATO GROSSO, 1895, p. 7).

Isso porque, de algum modo, a escola normal contribuiria para a for-


mação de cidadãos subordinados à nova lei e ordem republicana, como tam-
bém para o desenvolvimento da sociedade.
Em 1919, o Conselho Superior do Ensino concedeu a equiparação do
Liceu com o Colégio Pedro II, acabando com os entraves gerados pela disputa
entre a igreja e o diretor geral da Instrução Pública. Nesse mesmo período, foi
nomeado um inspetor federal para realizar a fiscalização do ensino no Liceu, o
Dr. Floriano Lemos, que foi empossado em 12 de outubro de 1919:

O Conselho resolveu ainda, pôr especial concessão a esse
estabelecimento, que os alunos submetidos, com êxito, a
exames finais no tempo da desequiparão, fosse permitido
prestar, dentro do praso de dois anos, exames das maté-
rias de preparatório, de que exibissem certificado passa-
do pelo Liceu Cuiabano, além dos quatro preparatórios
pôr ano, facultados em Lei Geral. Os exames anuais de
1919 ainda pendem de aprovação do Conselho Superior
do Ensino, que terá também de pronunciar-se sobre o
novo regulamento do Liceu, vazado inteiramente nos
moldes do Regimento do Colégio Pedro II, e publicada
na Gazeta Oficial de 23 de janeiro último (MATO GROS-
SO, 1919, p. 2).

Sobre o Colégio Pedro II, este foi criado na Corte em 1837, com o intui-
to de orientar as iniciativas das províncias em torno desse nível de ensino, um
estabelecimento de estudos secundários para servir como modelo para todas
as províncias brasileiras.

História e Educação na Amazônia | 173


Em 1837, porém, para servir de modelo a esse nível de
ensino, tanto para os estabelecimentos provinciais como
para os particulares, foi criado o Colégio Pedro II. O
curso nele oferecido tinha a duração de sete anos e era
ministrado pelos melhores professores do país. Dali o
aluno sairia com título de bacharel em Letras e poderia
ingressar em qualquer curso superior oferecido pelas ins-
tituições públicas brasileiras. Todavia, os alunos que fre-
qüentassem outras instituições deveriam prestar os exa-
mes parcelados, os quais eram elaborados pela Comissão
de Instrução do Colégio Pedro II (MOISES; MURASSE,
2006, p. 2023).

Nesse contexto educacional, destaca-se um período importante que foi


a implantação do ensino secundário nas províncias – mas cabe ressaltar, ini-
cialmente, que, antes desse fato, começou-se, após a independência, a redigir
uma nova política no campo da instrução popular.
Somente a partir do Ato Adicional de 1834 houve a criação de um siste-
ma equivalente de ensino em cada província, e começou, assim, a preocupação
com o ensino básico, para então direcionar o foco para o ensino superior, que
continuava sendo de responsabilidade do poder central. Segundo Moisés e
Murasse (2006, p. 2024), não foram criados cursos superiores nas províncias
para conservar o domínio desse nível de ensino no poder central:

De acordo com os Annuários do Colégio Pedro II, o de-
senvolvimento intelectual se manifestava em compara-
ção aos demais estabelecimentos de instrução primária e
secundária da Corte, e estes exigiam providências urgen-
tes e indispensáveis para elevar o nível de ensino. A par-
ticipação direta dos poderes gerais no desenvolvimento
do ensino provincial não se efetivou de fato. Essa partici-
pação limitou-se quase que exclusivamente ao município
da Corte, não se criando por leis gerais quaisquer estabe-
lecimentos dos níveis primário e secundário nas provín-
cias. As províncias, por outro lado, não criaram estabe-
lecimentos no nível de ensino superior, conservando de
fato ao Poder Maior seu domínio (MOISÉS; MURASSE,
2006, p. 2024).

Acredita-se que a criação do Colégio Pedro II aumentou o interesse das


províncias brasileiras em implantar e equivaler o ensino secundário a esse es-
tabelecimento de ensino criado na Corte, que tinha função seletiva, pois ape-

174 | História e Educação na Amazônia


nas uma minoria tinha acesso a ele para ingressar no ensino superior e con-
quistar postos de destaque na direção do País. Talvez seja por esse motivo que
o diretor geral da Instrução Pública persistiu firmemente em criar e manter o
Liceu Cuiabano e, assim, não deixar a província de Mato Grosso – ou a elite
mato-grossense – fora do cenário educacional brasileiro.
Primeiro foi a disputa pela hegemonia, depois problemas de ordem
econômica; mas ainda o ensino secundário enfrentou um novo desafio: a in-
disciplina de alunos matriculados no Liceu Cuiabano e que compunham a
elite da província.
Sobre a indisciplina nas escolas, Elizabeth Madureira Siqueira (2000),
em seu livro Luzes e sombras: modernidade e educação pública em Mato Gros-
so (1870-1889), relata que, desde o século XIX, as escolas possuíam mecanis-
mos coercivos para serem aplicados, se necessários, a fim de manter a ordem
no ambiente da sala de aula, e a educação em Mato Grosso se incluía nesse
cenário.
A autora (2000, p. 238) ressalta ainda que tradicionalmente, na escola,
quando uma regra é transgredida, poderia aparecer, como fonte de condena-
ção, o castigo. Para essa autora, “[...] o castigo, de maneira genérica, significa a
aplicação de um corretivo que pressupõem a transgressão de regras estabele-
cidas”. Ela enfoca ainda que os dispositivos disciplinares no século XIX eram
utilizados para punir condutas consideradas indesejáveis e essas punições se
efetivavam por meio da palmatória, utilizada pelos professores que batiam nas
mãos dos estudantes considerados infratores. O artefato – palmatória – ini-
cialmente era

[...] feita de couro cru, engrossada em uma das extremi-


dades, constituindo esta o cabo onde se pegava; era acha-
tada e arredondada na outra extremidade, com extensão
suficiente para cobrir a palma da mão. Depois passou a
ser feita de madeira, quase no mesmo formato, tendo na
parte redonda, destinada a cobrir a palma da mão, cinco
buracos, os quais, sem ultrapassar toda madeira, serviam
de sanguessugas [...]. No Brasil, além dos alunos faltosos,
servia também para castigar escravos (BRETAS apud SI-
QUEIRA, 2000, p. 240).

Com a expansão dos sistemas escolares na modernidade, a partir do


século XIX surge a necessidade de criar mecanismos externos de controle. A
sociedade naquele momento carecia de um veículo de propagação em massa
que transmitisse signos, valores, modo de ser e de perceber o mundo. Sendo

História e Educação na Amazônia | 175


assim, os comportamentos, hábitos e costumes que fugiam ao modelo hege-
mônico da época seriam punidos.
No seu vasto trabalho sobre a construção das instituições punitivas mo-
dernas, Foucault (1987, p. 165) ressalta que estas possuem mecanismos intrín-
secos de exclusão. O autor esclarece que:

[...] a divisão constate do normal do anormal, a que todo


indivíduo é submetido, leva até nós [...] a existência de
um conjunto de técnicas e de instituições que assumem
como tarefa medir, controlar

aqueles que não se enquadram nos moldes da intituição.


Nesse sentido, o conceito de indisciplina pode estar associado ao con-
ceito de disciplina, sendo que esta

[...] consiste num dispositivo e num conjunto de regras


de conduta destinada a garantir diferentes atividades
num lugar de ensino. [...] A disciplina permite entrar na
cultura da responsabilidade e compreender que nossas
ações têm conseqüências (PARRAT-DAYAN, 2008, p.
8).

Por isso, entende-se que a falta da disciplina é que parece gerar ações
indisciplinadas. Sobre a disciplina Foucault (1987, p. 127):

O momento histórico das disciplinas é o momento em


que nasce uma arte do corpo humano, que visa não uni-
camente o aumento de suas habilidades, nem tampouco
aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação
que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente
quanto é mais útil, e inversamente. Forma-se então uma
política das coerções que são um trabalho sobre o corpo,
uma manipulação calculada de seus elementos, de seus
gestos, de seus comportamentos.

A busca pela disciplina no cotidiano do Liceu Cuiabano fez com que o


General Doutor Caetano Manoel Faria e Albuquerque, presidente da provín-
cia de Mato Grosso, usando da autorização constante do artigo 2º da Lei nº
713, de 20 de setembro de 1915 e da atribuição que lhe confere o artigo 25, § 3º
da Constituição do Estado, mandou que no Liceu Cuiabano se instituísse e se
observasse o novo regulamento. Esse regulamento passou a reger o cotidiano
escolar, em todos os sentidos, dos professores e alunos do Liceu Cuiabano.

176 | História e Educação na Amazônia


Um exemplo de como o Liceu Cuiabano de Mato Grosso tratava certas
condutas consideradas como infrações encontra-se expresso na Portaria nº 4
de 6 de março de 1901:

O professor servindo de Director da Instrução Pública,


considerando que os alunos do 2º ano do Lyceu Cuya-
bano [...] portaram-se incorrectamente no interior do
edifício. Commettendo actos offensivo aos transentes;
considerando que provesse motivos se acham incursos
no § 8 do artigo 120 do regulamento em vigor; resolve
suspende-los das aulas do mesmo estabelecimento pelo
tempo de 8 dias [...] (MATO GROSSO, 1901, p. 1).

O estudante não se portou adequadamente na instalação do colégio,


sendo punido com oito dias de suspensão. O artigo 196 faz uma referência de
como deveria ser o comportamento dos alunos no interior do estabelecimento
de ensino Liceu Cuiabano, o que parece reforçar as queixas sobre a falta de
respeito aos regimentos internos do colégio, em 11 de junho de 1926: “Art.
196º- Os alunos entrarão no estabelecimento com todo o respeito, atravessan-
do os saguões com todo o silêncio tanto na entrada como na saída” (MATO
GROSSO, 1926).
A penalidade sofrida pelo aluno tem como base vários artigos expressos
no regulamento interno do Liceu, entre elas a que se aplica no caso do aluno
que se portou de maneira inadequada dentro da instituição e levou oito dias
de suspensão.

Art. 109 – É vedado aos alunos promoverem, no recinto


do Liceu subscrição ou coletas que não tenham caráter
cívico e patriótico.
[...]
Art. 111 – Incorrerão nas penas cominadas pelo artigo
anterior os alunos:
a) Por perturbarem o silêncio ou ficarem distraí-
dos durante a aula;
b) Por negarem-se a executar qualquer trabalho
concernente á lição;
c) Por desrespeitarem ou injuriarem os colegas
durante a aula.
Art. 112 – Incorrerão nas penas do art. 110 alínea b e d:
a) Os alunos que fumarem no estabelecimento
ou nele penetrarem sem o devido respeito e
compostura;

História e Educação na Amazônia | 177


b) Os que danificarem as paredes, os móveis e
utensílios do estabelecimento;
c) Os que procederem mal em qualquer parte do
estabelecimento e suas imediações;
d) Os que desatenderem as determinações feitas
pelo Diretor;
e) Os que dirigirem aos funcionários injurias
verbais ou por inscrito.
Art. 113 – Incorrerão nas penas do art. 110, alíneas e e f,
conforme gravidade do caso:
a) Os alunos que reincidirem nos delitos especi-
ficados no artigo anterior;
b) Os que praticarem atos imorais dentro do es-
tabelecimento;
c) Os que dirigirem injurias verbais ou escritas
ao Diretor ou algum membro do corpo docen-
te;
d) Os que agredirem o Diretor, ou qualquer
membro da corporação docente, ou os funcio-
nários do ensino [...]. (MATO GROSSO, 1926,
p. 8).

Nesse contexto, percebe-se que o regimento interno condenava com


suspensão ou até mesmo com expulsão os estudantes que praticassem qual-
quer conduta considerada como indisciplinada pelo corpo docente e adminis-
trativo do Liceu. Esse documento dava plenos poderes para que o diretor do
Liceu Cuiabano decidisse como seriam aplicados os castigos, em cada caso. Os
delitos eram registrados em ata, cuja cópia era enviada aos pais dos discentes.
Nesse sentido, percebe-se o ordenamento do tempo e do espaço da es-
cola, em função do qual a disciplina deve ser alcançada a qualquer preço, nem
que, para isso, fossem utilizados instrumentos coercitivos para coordenar,
controlar e manipular minuciosamente as atividades corporais dos alunos. Es-
sas práticas eram justificáveis, pois havia um regimento a ser seguido – além
disso, este seguia os modelos utilizados no Colégio Pedro II do Rio de Janeiro,
modelo de colégio considerado exemplo a ser seguido.
Segundo Elias (1994, p. 207), o tempo passa a ser um instrumento valio-
so de controle da vida das pessoas, e não só um controle externo, como tam-
bém uma espécie de controle internalizado pelo sujeito, e acaba por determi-
nar, de maneira automática, o que este deve ou não fazer. O autor acrescenta
ainda que esse “ritmo” nada mais é do que uma mostra da existência das redes
sociais entrelaçadas de interdependência a qual abrange as funções sociais que

178 | História e Educação na Amazônia


todos os indivíduos devem desempenhar.

[...] necessidade de sincronização da conduta humana


em territórios mais amplos e a de um espírito de previsão
no tocante a cadeias mais longas de ações como jamais
haviam existido [...] também há manifestação do gran-
de número de cadeias entrelaçadas e interdependência,
abrangendo todas as funções sociais que os indivíduos
têm que desempenhar, e da pressão competitiva que sa-
tura essa rede densamente povoada e que afeta, direta
ou indiretamente, cada ato isolado da pessoa. Esse ritmo
pode revelar-se, no caso do funcionário ou empresário,
na profusão de seus encontros marcados e reuniões e, no
do operário, na sincronização e duração exatas de cada
um de seus movimentos. Em ambos os casos, o ritmo é
uma expressão do enorme número de ações interdepen-
dentes, da extensão e densidade das cadeias compostas
de ações individuais, e da intensidade das lutas que man-
tém em movimento toda essa rede interdependente [...]
(ELIAS, 1994, p. 207).

Segundo Elias (1989, p. 67), o tempo é um processo social de longa data


e deve ser associado à história e ao desenvolvimento da humanidade, pois “[...]
o tempo é uma rede de relações, muitas vezes bastante complexa e que subs-
tancialmente, determinar o tempo é uma atividade integradora, uma síntese”.
Assim, entende-se que o tempo se constitui como uma convenção social que
acompanhou e acompanha a história da humanidade.
Percebe-se que o tempo, na escola, serve de instrumento de ordenação e
controle dos alunos. Para Foucault (1987, p. 163), a escola insere-se no modelo
de instituição disciplinar que fixa cada um dos indivíduos no lugar que ele
deve ocupar, em espaços fechados, divididos e vigiados: “[...] onde os menores
movimentos são controlados, onde todos os acontecimentos são registrados,
[...] onde cada indivíduo é constantemente localizado [...]”. Isso tudo consti-
tui um modelo compacto dos dispositivos disciplinares. Assim, a indisciplina
pode ser considerada como

[...] dispositivo e num conjunto de regras de conduta


destinadas a garantir diferentes atividades num lugar de
ensino. A disciplina não é um conceito negativo; ela per-
mite, autoriza, facilita, possibilita. A disciplina permite
entrar na cultura da responsabilidade e compreender que
as nossas ações têm conseqüências. [...] Ser disciplinado

História e Educação na Amazônia | 179


não é obedecer cegamente; é colocar a si próprio regras
de conduta em função de valores e objetivos que se quer
alcançar (FOUCAULT, 1987, p. 163).

Um fato interessante aconteceu com outro aluno: ele ofendeu o colega


com palavras de baixo calão e levou cinco dias de suspensão, mas na ata de
penalidades não ficou explicitado quais palavras foram utilizadas por este, as
quais foram consideradas uma transgressão as regras do Liceu.

O professor servindo de Director da Instrução, consi-


derando que hoje, no recinto d’este estabelecimento o
alunno [...] alem de não dispensar tratamento affectuoso
ao alunno [...], tratamento affetuoso e digno, maltratan-
do-o phisiecamente; e considerando que por esse motivo
incorreu o referido alunno nas faltas do § 07 do artigo
119 e do artigo 120, do vigente regulamento; resolve sus-
pendel-os das aulas deste Estabelecimento por espaço de
cinco dias a contar desta data, na forma do artigo 126 do
mesmo regulamento [...] (MATO GROSSO, 1903, p. 3).

Nesse sentido, Luckesi (1999, p. 48) explica que as condutas dos estu-
dantes consideradas inviáveis por uma parcela de professores eram motivos
suficientes para a aplicação dos castigos.

As condutas dos alunos consideradas como erros têm


dado margem, na prática escolar, tanto no passado como
no presente, às mais variadas formas de castigo por parte
do professor, indo desde as mais visíveis até as mais sutis.
À medida que se avançou no tempo, os castigos escolares
foram perdendo o seu caráter de agressão física, tornan-
do-se mais tênues, mas não desprovidos de violência.

Sayão (2007) ressalta que o castigo dá poder a quem o aplica, poder de


decidir o que a criança ou o jovem precisa fazer ou não pode fazer, poder de
escolher a punição a ser aplicada. Sendo assim, muitas vezes o corpo docente,
quando sente que seu poder está em risco, não tendo mais recurso linguístico
para o diálogo, parte para aplicações de castigos, cujas ações são, em sua maio-
ria, dotadas de violência.
O olhar sobre as consequências da violência pode se direcionar para di-
ferentes abordagens teóricas, muitas vezes antagônicas. Mas, particularmente,
para este trabalho, interessa a articulação entre violência e indisciplina, feita
por Parrat-Dayan (2008, p. 9):
180 | História e Educação na Amazônia
A violência que se produz dentro da escola é reflexo do
que acontece na sociedade. Seja a violência social, como
resultado do desemprego, do aumento da corrupção, da
impunidade e da insegurança crescente; seja a violência
familiar, que se manifesta no abandono, na separação,
nos maus-tratos verbais e/ou físicos, na falta de espaço e,
portanto, falta de intimidade; seja a violência midiática,
que aparece nos seriados, filmes, novelas, games e notí-
cias. Levemos em conta que os conceitos de violência e de
indisciplina não têm o mesmo significado, mas é possível
que da indisciplina se passe à violência.

Hannah Arendt (1994, p. 36) afirma que no lugar em que a violência


opera de forma recorrente o poder já se desintegrou. Assim, concebe a autora
que “[...] o poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo
e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se
unido”.
Percebe-se que, na escola, as relações de poder tornam-se evidentes na
relação professor-aluno, o qual, em muitos casos, é atribuído ao docente pe-
las instituições educacionais, familiares e sociais, além daquele que o próprio
aluno atribui à figura desse profissional. Na relação entre esses sujeitos tam-
bém pode ocorrer de o poder, antes instituído ao professor, ser assumido por
outra pessoa, como a diretora, a inspetora, a coordenadora. O poder, tal como
a autoridade, não é estático; ele muda de “mãos” se a situação assim o exige.
Quando, porém, ele se ausenta do ambiente escolar, provavelmente se instau-
ra ali a violência.
As ações dos alunos que se consideram indisciplinadas podem ser, em
um primeiro momento, relacionadas a transgressões de regras e normas, ao
confronto com uma figura de autoridade, requerendo do professor assunção
de uma postura diante do acontecido.
Com o desenvolvimento educacional, os castigos físicos passaram a não
fazer mais parte dos instrumentos legais de coerção das escolas. Porém, ainda
nos dias de hoje, parece haver se inserido na prática de alguns docentes ações
violentas de natureza física e verbal que podem deixar ou não marcas visíveis.
Nesse sentido, fica fácil identificar a maneira que as punições eram es-
tabelecidas, como é o caso ocorrido com um estudante do 1º ano do Liceu
Cuiabano que levou uma suspensão de três dias em 1905. No documento está
especificado o seguinte:

História e Educação na Amazônia | 181


O professor servindo de Director do Lyceu Cuyabano,
considerando que hoje o alunno do 1º anno [...] portou-
se mal, atirando pedras em seus collegas no recinto deste
estabelecimento, resolve suspende-lo das aulas do mes-
mo Lyceu por espaço de tres dias, a contar desta data.
Cumpra-se [...] (MATO GROSSO, 1905, p. 7).

Em 16 de janeiro de 1915, o diretor do Liceu Cuiabano, Januário da


Silva Rondon, no relatório apresentado ao diretor geral da Instrução Pública,
ressalta que os alunos desse ano estavam confundindo liberdade com vadia-
gem, além de decretarem lei marcial contra os livros, contra os professores e
principalmente contra a disciplina.

[...] O uso dessa liberdade pouco a pouco foi se degene-


rando até hoje a encerram como um instrumento de es-
timulo para a vadiagem e a indisciplina. Não são raros os
casos de tendência para o abuso dessa liberdade por parte
de alunos deste estabelecimento. Todos os anos as aulas
reabrem-se com uma numerosa concorrência de alunos
matriculados. Dois ou três messes depois, a freqüência
acusa um decrescimento de 6 a 8%, em uma outra aula: é
a liberdade que alguns alunos já tomaram de freqüentar
esta ou aquela aula e abandonar as demais contra expres-
sas disposições regulamentares (MATO GROSSO, 1915,
p. 2).

Percebe-se que é preciso coordenar os gestos, treinar para que sejam


precisos, rápidos e seguros – tudo dentro de um ambiente estruturalmente
delineado, tudo deve ocorrer como se espera. O corpo passa a ser um “objeto”
manipulável, se transformando em um corpo dócil, “[...] um corpo que pode
ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfei-
çoado” (FOUCAULT, 1987, p. 118).

O controle disciplinar não consiste simplesmente em


ensinar ou impor uma série de gestos definidos; impõe
a melhor relação entre um gesto e a atitude global do
corpo, que é sua condição de eficácia e de rapidez. No
bom emprego do corpo, que permite um bom emprego
do tempo, nada deve ficar ocioso ou inútil: tudo deve ser
chamado a formar o suporte do ato requerido. Um corpo
bem disciplinado forma o contexto de realização do mí-
nimo gesto. Uma boa caligrafia, por exemplo, supõe uma
ginástica — uma rotina cujo rigoroso código abrange o

182 | História e Educação na Amazônia


corpo por inteiro, da ponta do pé à extremidade do indi-
cador (FOUCAULT, 1987, p. 138).

Nesse sentido, percebe-se a importância de se estudar os mecanismos


de controle disciplinar que faziam parte do cotidiano escolar no passado e
investigar o cotidiano escolar no qual os estudantes se inserem na atualidade,
para assim compreendermos os problemas que ainda persistem nas escolas
hoje.
A indisciplina, sob a ótica documental, parece significar a violação de
regras estabelecidas entre as pessoas que visam a garantir a ordem na vida co-
munal. A problemática da indisciplina na escola desperta interesse, na medida
em que se desvelam as redes de relações que a compõem.
Não se pode afirmar, no passado e até mesmo nos dias de hoje, que
ações ou comportamentos indisciplinados estão ligados à pobreza, discurso
proferido pela sociedade atual, ou que esse é um problema somente das es-
colas de periferia. Se olharmos a questão por esse viés, estaremos incorrendo
numa análise simplista, sem fundamentação consistente e, ainda pior, estare-
mos reproduzindo e legitimando o discurso vigente na sociedade, que associa
a indisciplina à falta de condições socioeconômicas. Ao olhar para o passado,
os dados mostraram que a indisciplina fazia parte do cotidiano do Liceu Cuia-
bano, considerado um colégio frequentado pela elite cuiabana.
Credita-se ainda que a implantação do ensino secundário na província
de Mato Grosso, em toda sua história, foi permeada de relações conflituosas
entre os eclesiásticos e governantes locais, pois ambos almejavam a hegemonia
do ensino secundário. Os governantes ambicionavam a construção de um pré-
dio que abrigasse esse nível de ensino e colocasse a província de Mato Grosso
no cenário educacional que se instaurou a partir da criação do Colégio Pedro
II.
Já a Igreja Católica não queria perder o poder e os recursos advindos
do Império para que o ensino secundário continuasse ser ministrado no Se-
minário Episcopal da Conceição em Cuiabá, em meados do século XIX. O
inesperado é que, além de diversos problemas organizacionais, o diretor do
Liceu Cuiabano teve de lidar com algumas ações indisciplinadas, que tumul-
tuavam o cotidiano e causavam descontentamento tanto dos docentes quanto
dos pais.

História e Educação na Amazônia | 183


Referências

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184 | História e Educação na Amazônia
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História e Educação na Amazônia | 185


186 | História e Educação na Amazônia
Universidade do Estado
do Amazonas: quinze anos
de histórias1
MARCOS ANDRÉ FERREIRA ESTÁCIO
Universidade do Estado do Amazonas (UEA)

LUCIA REGINA DE AZEVEDO NICIDA


Universidade do Estado do Amazonas (UEA)
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da
Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF)

Introdução

O estado do Amazonas é gigantesco e ocupa 18,31% da superfície do


País. Em termos territoriais são mais de um milhão, quinhentos e cinquenta
e nove mil quilômetros quadrados e uma população estimada de quase qua-
tro milhões de habitantes. O problema da ocupação populacional do estado
é muito grande, pois somente Manaus, a capital do estado e um dos seus 62
municípios, concentra mais de 52% da população do Amazonas (IBGE, 2015a,
2015b, 2015c).
Há, portanto, neste estado, atualmente, uma baixa densidade demo-
gráfica, haja vista os municípios do interior possuírem uma relação de pouco
mais de um habitante por quilômetro quadrado.2 O acesso ao Amazonas é rea-
lizado, principalmente, por via aérea ou fluvial, e ele possui uma bacia hidro-
gráfica de mais de seis milhões de quilômetros quadrados, o que representa
uma extensão de vias navegáveis superior a vinte mil quilômetros.
Logo, tem-se um estado de grandes dimensões e com muitos problemas
logísticos de acesso entre seus diversos municípios. Como exemplo disso, po-
de-se citar as distâncias entre as cidades do interior e a capital do Amazonas:
a cidade de Eirunepé, que fica no extremo oeste do estado, as margens do rio
Juruá, dista de Manaus, mil e trezentos quilômetros em linha reta; já pelas
águas navegáveis do Juruá, são cinco mil quilômetros. Um barco de linha co-

1 - Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).


2 - Em Manaus a densidade demográfica é de 158,06 habitantes por quilômetro quadrado
(IBGE, 2015a).
História e Educação na Amazônia | 187
mum leva de quinze a vinte dias de Manaus a Eirunepé (GONÇALVES, 2011).
No que tange a sua formação étnica, o Estado apresenta mais de 60
grupos indígenas e vinte e nove línguas faladas; e detém a maior população de
índios do Brasil; 183.514 (AMAZONAS, 2011e; GONÇALVES, 2011; IBGE,
2015c). E mais, ele tem convivido, ao longo dos diversos ciclos da economia
brasileira, com uma situação de isolamento e desequilíbrio regional, quadro
esse que deve ser superado, principalmente, com investimentos para qualifi-
cação intelectual e técnica dos seus povos.
Nesse sentido, compreende-se que o caminho para a transformação so-
cial é a educação; pois ela é o antídoto à ignorância, à apatia social e à falta de
sentido para existência humana. Isso significa que nenhuma sociedade pode
almejar um futuro próspero e promissor caso negligencie a formação de seus
cidadãos e cidadãs.
E foi nesse contexto amazônico, que se instituiu a Universidade do Es-
tado do Amazonas (UEA), com a missão de proporcionar o desenvolvimento
do Estado, capacitando e formando quadros que possam atuar no sistema pro-
dutivo, na gestão da coisa pública, na geração de novas tecnologias e na valori-
zação do patrimônio imemorial, tendo sempre por objetivo maior a qualidade
de vida, a cidadania e a integridade cultural e ambiental da Amazônia.
Essa instituição de ensino superior surge enquanto resposta as reivin-
dicações de conhecimento dos amazonenses, e busca interiorizar a formação
no ensino superior. E para estar presente em todos os municípios do estado,
foi, e ainda o é, necessário superar desafios e vencer distâncias, pois o acesso à
maioria dos municípios é feito por via fluvial e pode demorar mais de dez dias
em embarcações regionais.
Como afirma Telles (2010), a criação da Universidade do Estado do
Amazonas, corresponde ao anseio de oportunizar o acesso dos estudantes do
interior amazonense a educação superior, assim como também, ao desafio de
interiorizar o conhecimento enquanto pressuposto indispensável para o apri-
moramento dos indivíduos e reforma das estruturas sociais interioranas, as
quais são beneficiadas com a presença das unidades da UEA.

Universidade do Estado do Amazonas: criação, instauração e


desenvolvimento

Aos 15 dias do mês de dezembro de 2000, o então governador do Estado


do Amazonas, Amazonino Armando Mendes, enviou a Assembleia Legisla-
tiva a Mensagem Governamental nº 50/2000, e com esta, o Projeto de Lei nº

188 | História e Educação na Amazônia


128/2000, que tinha por finalidade autorizar o “Poder Executivo a instituir a
UNIVERSIDADE DO ESTADO” (ALEAM, 2000a, p. 4), tendo sido solicitado
para a apreciação da matéria o regime de urgência, com fundamento no artigo
35 da Constituição do Estado do Amazonas.3
Compreendia o governador, que a

[...] instalação – a partir de 2.001 – da instituição estadual


de ensino superior representa uma ação de Governo coe-
rente com o conjunto de medidas que têm buscado, por
um processo crescente e abrangente de qualidade de en-
sino, imprimir melhoria nas condições educacionais do
Amazonas, em favor das gerações presentes e futuras. É,
portanto, uma das iniciativas de maior relevância desta
Administração, pois conferirá ao Amazonas assento per-
manente no concerto dos Estados desenvolvidos, contri-
buindo para o fim das desigualdades regionais e, por con-
seqüência, para assegurar ao Brasil um lugar de destaque
no mundo competitivo da globalidade (ALEAM, 2000a,
p. 1).

No que tange aos objetivos da Universidade do Estado, estes seriam o


de promover a educação, desenvolvendo o conhecimento científico, em par-
ticular o da Região Amazônica, juntamente com valores éticos capazes de in-
tegrar o homem à sociedade e, também, aprimorar a qualidade dos recursos
humanos. Inicialmente esta instituição de ensino superior responderia “[...] as
demandas de conhecimento e qualificação técnica nas áreas de Ciência e Tec-
nologia, Educação, Saúde, Direito, Administração Pública e Artes” (ALEAM,
2000a, p. 2).
Vale ressaltar que o Projeto de Lei nº 128/2000, bem como as concep-
ções básicas da Universidade do Estado constantes no referido projeto, foram
elaborados, conjuntamente, pela Secretaria de Estado de Governo (Segov),
Secretaria de Estado da Administração, Coordenação e Planejamento (Sead),
Secretaria de Estado da Saúde (Susam), Secretaria de Estado da Cultura e Tu-
rismo (SEC) e Secretaria de Estado da Educação e Qualidade do Ensino (Se-
duc)4 (AMAZONAS, 2001e).

3 - O referido artigo da Carta Estadual prescreve que o governador do estado poderá solicitar
urgência para apreciação de projetos de lei de sua iniciativa (STONE, 2005).
4 - Atualmente essas secretarias são, respectivamente, assim denominadas: Secretaria de Estado
da Casa Civil, Secretaria de Estado de Administração e Gestão (Sead), Secretaria de Estado de
Saúde (Susam), Secretaria de Estado de Cultura (SEC) e Secretaria de Estado de Educação e
Qualidade do Ensino (Seduc) (AMAZONAS, 2015a).
História e Educação na Amazônia | 189
Acatada a solicitação do executivo estadual para o regime de urgência
do Projeto de Lei, o então presidente da Assembleia Legislativa, deputado José
Lupércio Ramos de Oliveira (PFL), designou para relator da matéria o tam-
bém deputado Belarmino Lins de Albuquerque (PTB), e determinou a distri-
buição do projeto as Comissões de Constituição, Justiça e Redação Final; de
Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia; e de Economia, Finanças
e Orçamento, para a emissão de parecer sobre a matéria, bem como a inclusão
em pauta durante dois dias,5 com a finalidade de receber emendas.
Durante o prazo previsto para apresentação de propostas de emendas
ao Projeto de Lei nº 128/2000, apenas uma foi apresentada, a emenda aditiva
de autoria do deputado Manoel do Carmo Chaves Neto (PFL), que sugeriu
que fosse “[...] asseguradas 50% (cinquenta por cento) das vagas dos diversos
cursos da Universidade Estadual, aos alunos que tenham concluído o curso
médio em Escolas da Rede Pública de Ensino” (ALEAM, 2000a, p. 15).
Ao fundamentar sua proposição, o deputado Manoel do Carmo, justi-
ficou que

A sociedade brasileira e dentre esta se inclui a Sociedade


Amazonense vem tomando conhecimento do verdadeiro
massacre com que a classe de menor renda vem sofrendo,
com a atual política de seleção dos candidatos às vagas
da Fundação Universidade do Amazonas, mantida pelo
Governo Federal.
A cada ano, o número de concorrentes se eleva mais ain-
da, sem que se vislumbre a possibilidade de uma solução
mais justa para este angustiante problema.
Pelo que se vê, com o sucateamento que se vem promo-
vendo no estudo público do País, dentre em breve, -- [sic]
e num futuro bem próximo – estudar no Brasil, sobretu-
do cursar o nível superior, será privilégio único de alunos
descendentes de família pertencentes à classe de maior
renda.
E tudo isto é bem compreensível. Os alunos de famílias
ricas, normalmente cursam os melhores colégios da rede
particular, onde os professores bem remunerados, trans-
mitem as informações mais atualizada aos seus alunos,
hoje, ainda mais beneficiados pelos avançados serviços
da Internet.
Aos alunos pobres, esta oportunidade não lhe é concedi-
da. Daí porque, mesmo capazes, eles ficam privados de

5 - O Projeto de Lei nº 128/2000, foi incluído nas reuniões ordinárias da convocação extraordi-
nária dos dias 18 e 19 de dezembro de 2000 (ALEAM, 2000a).
190 | História e Educação na Amazônia
um melhor nível de informações.
Ademais é fácil concluir que os abastados não teriam
maiores dificuldades. Afinal, poderiam também custear
seus cursos superiores nas Universidades Particulares,
hoje em um número significativo, inclusive em nosso Es-
tado (ALEAM, 2000a, p. 16).

Entretanto, o relator da propositura da lei, em seu parecer, asseverou


que a emenda aditiva do deputado Manuel do Carmo era inconstitucional e
inoportuna, e deveria assim ser rejeitada, uma vez que a alteração pretendida
afrontava, dentre outros, o princípio da igualdade. Afirmou o deputado Be-
larmino Lins:

[...] por mais elevado o senso e o objetivo colimado pelo


Nobre Parlamentar, há de se ter a necessária compreen-
são do estatuto jurídico das liberdades públicas estampa-
do, em exemplar latitude, no artigo 5º da CR. Inaugura o
citado versículo a expressão ‘Todos são iguais perante a
lei...’ (ALEAM, 2000a, p. 9) [grifo no original].

E prosseguiu ressaltando, em clara defesa das instituições particulares


de ensino, que a

[...] emenda sub examine, data máxima venia, afronta a


vontade do escriba formulador do eixo fundamental do
ordenamento jurídico pátrio, discriminando os alunos
pertencentes aos quadros das instituições privadas de
ensino [e] [...] provoca inegável prejuízo a este universo
pela diminuição de vagas a eles disponibilizadas, através
de concursos promovidos por instituições públicas de
ensino superior. Além disso, discrimina por igual o livre
exercício da educação por entidades particulares, pois
que projeta uma restrição a seus alunos, que terão maio-
res dificuldades em obter aprovação nos prélios compe-
titivos já mencionados (ALEAM, 2000a, p. 10-11, grifos
no original).

Porém ao analisar a proposta proveniente do executivo, o relator com-


preendeu-a como de

[...] extraordinário valor [...] [pois] a criação de uma uni-


versidade pública e gratuita de caráter estadual atende
em cheio os anseios de multifários segmentos da socie-

História e Educação na Amazônia | 191


dade amazonense, que se ressentem das poucas vagas
existentes na única opção desse jaez a nível superior, a
saber: a tradicional Universidade Federal do Amazonas
(ALEAM, 2000a, p. 8).

E desta feita, votou favorável, em 21 de dezembro de 2000, pela aprova-


ção do Projeto de Lei nº 128/2000 e rejeição integral da emenda aditiva pro-
posta pelo deputado Manoel do Carmo. Vale ressaltar que as comissões téc-
nicas de: Constituição, Justiça e Redação Final; Educação, Cultura, Desporto,
Ciência e Tecnologia; e Economia, Finanças e Orçamento, acompanharam,
nessa mesma data, o voto e as recomendações do deputado Belarmino Lins,
aprovando na íntegra o seu parecer.
Aos 22 de dezembro de 2000, o Projeto de Lei nº 128/2000, oriundo da
Mensagem Governamental nº 50, foi colocado em plenário para “Discussão
Geral e Votação Única” (ALEAM, 2000b, p. 5), com parecer favorável das co-
missões técnicas. Manifestaram-se

[...] o deputado Manuel do Carmo Chaves Neto, te-


cendo comentários elogiosos ao Projeto, sugerindo que
50% das vagas fossem destinadas para alunos de Escolas
Públicas. Para encaminhamento de votação; manifesta-
ram-se os deputados: Eron Bezerra, favorável a questão,
encaminhou voto em separado complicando [sic] as ra-
zões de assim fazê-lo; Berlamino Lins, favoravelmente
fez uma explanação sobre a matéria, mais precisamente
de como seria realizado a transferência dos recursos da
UTAM para a Universidade Estadual; Na oportunidade
informou que a emenda do deputado Manoel do Carmo
Chaves Neto, fora rejeitada por inconstitucionalidade
mas transformada em indicação do Executivo. Fizeram
encaminhamento favorável também os parlamentares:
Mário Frota, Miquéias Fernandes, Liberman Moreno,
Sinésio Campos e Vicente Lopes, tendo este informado
também que iria encaminhar seu voto em separado. Em
seguida o Projeto foi aprovado [sem emendas], com 20
VOTOS SIM. Tendo o Presidente Lupércio Ramos regis-
trado o voto em separado, favorável ao projeto do depu-
tado Eron Bezerra [...] (ALEAM, 2000b, p. 5-6) [grifo no
original].

No entanto, mesmo o deputado Vicente Lopes de Sousa (PMDB), ten-


do informado em plenário que encaminharia voto em separado a respeito da

192 | História e Educação na Amazônia


matéria, este não se encontra no Processo Legislativo do Projeto de Lei nº
128/2000. Quanto ao voto em separado do deputado Eronildo (Eron) Braga
Bezerra (PC do B), ele inicia sua fundamentação contrário a criação da Uni-
versidade do Estado, pois

Se o objetivo do Sr. Amazonino fosse, efetivamente, ele-


var o nível técnico e cultural do nosso povo – objetivos
pelos quais a esquerda e, em especial o PC do B, sempre
pugnaram – através de mais oferta de vagas no Ensino
Superior, de caráter público, não seria necessário a cria-
ção de uma nova UNIVERSIDADE. Bastaria reforçar o
orçamento da Universidade Federal do Amazonas – UA
que, a um custo de aproximadamente 1/3 do que será
despendido na construção da Universidade Estadual se
obteria o MESMO RESULTADO (ALEAM, 2000a, p. 13).

Acrescentou esse deputado que o objetivo do chefe do executivo esta-


dual era mais de caráter politiqueiro, com clara conotação eleitoreira e que o
Estado, com a criação de uma instituição de ensino superior, “[...] vai gastar
alguns milhões de reais”, sendo mais econômico e alcançaria o mesmo ob-
jetivo, caso se investisse na Universidade Federal do Amazonas, realizando
“[...] reformas, ampliações, melhorando os equipamentos e contratando mais
alguns professores se poderia elevar, consideravelmente, o número de vagas
no Ensino Superior público no Estado do Amazonas” (ALEAM, 2000a, p. 13).
Entretanto, ao finalizar seu voto em separado, o deputado do PC do B,
contraditoriamente a sua posição inicial e também a toda a sua fundamenta-
ção, passou a ser a favor da proposta. Isso porque,

[...] esse projeto [...], FELIZMENTE, ultrapassa a existên-


cia do mandato do Sr. Amazonino Mendes, [e] seria uma
profunda incoerência alguém como o Deputado [Eron
Bezerra] que subscreve esse VOTO EM SEPARADO, que
historicamente DEFENDEU E DEFENDE O ensino pú-
blico gratuito, votar contrário à criação da Universidade
do Estado do Amazonas.
Diante do exposto, e com as ressalvas apostas, VOTO
FAVORÁVEL a aprovação do Projeto de Lei n.º 128/00 -
capeado pela Mensagem Governamental [...] n.º 50/2000
que ‘AUTORIZA o Poder Executivo a instituir a Univer-
sidade do Estado [...]’ (ALEAM, 2000a, p. 14) [grifo no
original].

História e Educação na Amazônia | 193


Aprovado em plenário o Projeto de Lei nº 128/2000, o presidente da
Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, deputado Lupércio Ramos
(PFL), determinou, na mesma data da sua aprovação, a devolução do referido
projeto e todo o seu Processo Legislativo à “Comissão de Constituição e Justi-
ça para elaborar a Redação Final” (ALEAM, 2000a, p. 18).
A redação final deste Projeto de Lei ficou pronto no mesmo dia de sua
aprovação, aos 22 de dezembro de 2000, e nesta data foi incluída e aprovada
pelo plenário, “[...] em Discussão Geral e Votação Única, EXTRA-PAUTA, a
Redação Final do Projeto de Lei n.º 128, oriundo da Mensagem Governamen-
tal n.º 50” (ALEAM, 2000a, p. 22). Após essa última votação, a proposição de
lei estadual, seguiu, imediatamente para a sanção ou veto governamental, por
meio do ofício nº 317/2000 - GP, de 22 de dezembro de 2000, com a mesma
proposta originalmente construída pelo executivo, ou seja, sem emendas.
Como se pode concluir, a decretação da Assembleia Legislativa do
Estado do Amazonas, a qual autorizava o Poder Executivo a instituir a Uni-
versidade do Estado, foi integralmente sancionada pelo governador, ato que
ocorreu em 12 de janeiro de 2001, com a Lei nº 2.637 e publicada no Diário
Oficial. Nessa mesma data, o chefe do Poder Executivo Estadual instituiu uma
comissão com competências administrativas, técnicas, jurídicas, financeiras e
pedagógicas necessárias para a implantação da universidade e de seus cursos.6
No entanto, foi o Decreto nº 21.666, de 1º de fevereiro de 2001, que
efetivamente instituiu a UEA, com personalidade jurídica de direito público e
possuidora de autonomia administrativa, financeira, pedagógica, disciplinar,
de gestão e instituição integrante da administração indireta do Poder Executi-
vo do Estado do Amazonas, vinculada diretamente ao governador (AMAZO-
NAS, 2001c; UEA, 2006). Os investimentos para a implantação “[...] da UEA,
no exercício de 2001, atingiram cerca de R$ 50 milhões” (AMAZONAS, 2002,
p. 204).
E assim, autorizada a instauração da Universidade do Estado,7 sob a
forma de fundação,8 ela deve se nortear pelas seguintes finalidades:

I – promover a educação, desenvolvendo o conhecimen-

6 - Decreto nº 21.645, de 12 de janeiro de 2001 (AMAZONAS, 2001e).


7 - A Lei nº 2.640, de 5 de abril de 2001, modificou a denominação Universidade do Estado para
Universidade do Estado do Amazonas, na ementa e em todo o texto da Lei nº 2.637, de 12 de
janeiro de 2001 (AMAZONAS, 2001a).
8 - A Lei nº 4.169/2015, manteve a natureza jurídica da Universidade do Estado do Amazonas
de fundação pública componente da administração indireta, mas vinculada diretamente ao ga-
binete do governador do estado do Amazonas (AMAZONAS, 2015b).
194 | História e Educação na Amazônia
to científico, particularmente sobre a Amazônia, conjun-
tamente com os valores éticos capazes de integrar o ho-
mem à sociedade e de aprimorar a qualidade dos recursos
humanos existentes na região;
II – ministrar cursos de grau superior, com ações espe-
ciais que objetivem a expansão do ensino e da cultura em
todo o território do Estado;
III – realizar pesquisas e estimular atividades criadoras,
valorizando o indivíduo no processo evolutivo, incenti-
vando o conhecimento científico relacionado ao homem
e ao meio ambiente amazônicos;
IV – participar da elaboração, execução e acompanha-
mento das políticas de desenvolvimento governamentais,
inclusive com a prestação de serviços;
V – cooperar com Universidades e outras instituições
científicas, culturais e educacionais brasileiras e interna-
cionais (AMAZONAS, 2001b, p. 1).

Vale ressaltar que o estatuto dessa universidade aprovado pelo Decreto


nº 21.963, de 27 de junho de 2001, ou seja, cinco meses após o poder legislativo
autorizar a sua criação, alterou suas finalidades, especificamente, a última e
acrescentou uma outra:

V – promover e estimular o conhecimento da tecnologia


da informação;
VI – cooperar com Universidades e outras instituições
científicas, culturais e educacionais brasileiras e interna-
cionais, promovendo o intercâmbio científico e tecno-
lógico (AMAZONAS, 2001c, p. 2, grifos nossos).

Essa instituição de ensino superior tem prazo de duração indetermina-


do, com sede e foro na cidade de Manaus, jurisdição em todo o território do
Amazonas e organizada em Estatutos, os quais devem incorporar os seguintes
pressupostos:

I – autonomia didático-científica, administrativa e de


gestão financeira e patrimonial;
II – atuação, inicialmente, nas áreas de Tecnologia, For-
mação de Professores, Ciências da Saúde, Direito, Admi-
nistração Pública e Artes;
III – administração superior compreendendo, no pla-
no deliberativo, o Conselho Universitário e o Conselho
Consultivo e, como órgão executivo, a Reitoria;

História e Educação na Amazônia | 195


IV – organização em Unidades Acadêmicas, com vis-
tas ao cumprimento de suas finalidades (AMAZONAS,
2001b, p. 1).

As primeiras unidades acadêmicas dessa instituição de ensino superior


foram criadas na capital do estado do Amazonas, e elas eram: Escola Normal
Superior, Escola Superior de Ciências da Saúde, Escola Superior de Ciências
Sociais, Escola Superior de Artes e Turismo e Escola Superior de Tecnologia
(AMAZONAS, 2001d). Esta última surgiu da extinção do Instituto de Tecno-
logia da Amazônia (Utam), e incorporou o patrimônio material e as atividades
de ensino, pesquisa e extensão desta (AMAZONAS, 2001c, 2004).
A Utam, instituição criada pela Lei nº 1.060, de 14 de dezembro de 1972
e pelo Decreto nº 2.450, de 18 de janeiro de 1973, sob a denominação inicial
de Universidade de Tecnologia da Amazônia9 e que tinha por finalidade for-
mar, em nível superior, profissionais em áreas tecnológicas de todos os ramos
do saber (AMAZONAS, 1972, 1973), teve sua extinção autorizada pela Lei nº
2.637/2001, e os seus cursos e atividades acadêmicas, já implantados ou em
fase de implantação foram reestruturados e incorporados pela Universidade
do Estado do Amazonas, sem sofrer solução de continuidade. E isto ocorreu
definitivamente, conforme Decreto nº 24.788, de 30 de dezembro de 2004, em
1º de março de 2005.
A essas unidades acadêmicas10 da Universidade do Estado do Amazo-
nas, o Decreto nº 21.963/2001, acrescentou outras três: o Centro de Estudos
Superiores do Trópico Úmido, o Centro de Estudos Superiores de Parintins e
o Centro de Estudos Superiores de Tefé. O primeiro situava-se na capital do
estado (Manaus) e os dois últimos nos respectivos municípios do interior. E
isso demonstra que essa instituição de ensino superior “[...] já começa interio-
rizada” (DE VOLTA..., 2001, p. 39).
No entender de Telles (2010, p. 352), a

Universidade do Estado do Amazonas se insere, portan-


to, no contexto das ações do governo estadual, empreen-
didas com o propósito de reparar uma injustiça secular:
possibilitar o acesso dos estudantes do interior ao ensi-
no universitário. Sabe-se que Manaus, por força de cer-

9 - A Lei nº 1.237, de 10 de outubro de 1977, transformou a Universidade de Tecnologia da


Amazônia em Instituto de Tecnologia da Amazônia, mantendo a mesma abreviatura, Utam
(AMAZONAS, 1977).
10 - A competência para criar unidades acadêmicas na Universidade do Estado do Amazonas é
do Conselho Universitário (AMAZONAS, 2001c, 2001d).
196 | História e Educação na Amazônia
tas circunstâncias históricas e econômicas, concentrou,
durante décadas, os benefícios gerados pelo processo
econômico regional. Os jovens que desejassem dar pros-
seguimento aos seus estudos tinham como alternativa
migrar para a capital amazonense, onde estavam con-
centradas todas as oportunidades em termos de ascensão
social, econômica e cultural.

A UEA deve ser dirigida por um reitor,11 auxiliado pelo vice-reitor e pró
-reitores, nomeados por ato normativo do chefe do Poder Executivo (AMA-
ZONAS, 2001c, 2001d, 2007a). No concernente a Estrutura Organizacional
dessa instituição de ensino superior, ela foi assim definida pelo Decreto nº
21.666/2001:

I – ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO SUPERIOR:


1 – De Deliberação Coletiva:
Conselho Curador
Conselho Universitário
2 – De Gestão:
Reitoria
II – ÓRGÃOS DE ASSISTÊNCIA DIRETA:
Gabinete do Reitor
Procuradoria Jurídica
Assessoria
III – ÓRGÃO DE ATIVIDADES-MEIO
Pró-Reitoria de Planejamento e Administração
IV – ÓRGÃOS DE ATIVIDADES-FIM
Pró-Reitoria de Ensino de Graduação
Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários

11 - Desde a sua criação, até 1º de abril de 2014, a UEA possuiu quatro reitores pro tempore:
I – Prof. Lourenço dos Santos Pereira Braga (2/2/2001 a 9/5/2007), II – Prof.ª Dr.ª Marilene Cor-
rêa da Silva Freitas (9/5/2007 a 31/3/2010), III – Prof. Dr. José Aldemir de Oliveira (13/7/2010
a 25/3/2013), IV – Prof. Dr. Cleinaldo de Almeida Costa (25/3/2013 a 1º/4/2014). Durante o
período de 1º/4/2010 a 12/7/2010, ficou no exercício de reitor, o então vice-reitor, Prof. Carlos
Eduardo de Souza Gonçalves. Vale ressaltar, que a Lei nº 3.656, de 1º de setembro de 2011,
determinou que o processo de escolha do reitor e vice-reitor da Universidade do Estado do
Amazonas, dar-se-á por votação direta da comunidade universitária, sem, no entanto, estabele-
cer a partir de qual data esta escolha devesse ocorrer. Fato sanado com a edição do Decreto nº
34.433/2014, o qual aprovou as normas para a realização de processo de escolha de reitor e vice
-reitor da UEA. E em 20 de março de 2014, o Prof. Dr. Cleinaldo de Almeida Costa e o Prof. MSc
Mário Augusto Bessa de Figueiredo, foram eleitos pela comunidade acadêmica da Universidade
do Estado do Amazonas, para os cargos de reitor e vice-reitor, respectivamente, e tomaram pos-
se, aos 2 de abril de 2014, para um mandato de quatro anos (AMAZONAS, 2001f, 2007b, 2007c,
2010a, 2010b, 2011a, 2013b, 2013c, 2014a, 2014b; UMA DÉCADA..., 2011; UEA; CEG, 2014).
História e Educação na Amazônia | 197
(AMAZONAS, 2001d, p. 1).

Atualmente, a Estrutura Organizacional da Universidade do Estado do


Amazonas, decorridos 15 anos de sua instauração, está regulamentada tanto
pela Lei Delegada nº 114, de 18 de maio de 2007, quanto pela Lei nº 4.116, de
29 de dezembro de 2014, a Lei nº 3.595, de 11 de abril de 2011 e o Decreto nº
31.163, de 11 de abril de 2011, os quais reorganizaram essa instituição de ensi-
no superior da seguinte forma:

I – ÓRGÃOS COLEGIADOS:
a) Conselho Curador
b) Conselho Universitário

II – ÓRGÃOS DE ASSISTÊNCIA E ASSESSORAMEN-


TO:
a) Gabinete
b) Assessoria de Relações Internacionais
c) Assessoria de Comunicação
c) Procuradoria Jurídica
d) Auditoria Interna

III – ÓRGÃOS SUPLEMENTARES:


a) Coordenadoria de Tecnologia da Informação e Comu-
nicação (TIC)
b) Universidade Aberta da Terceira Idade (Unati)
c) Prefeitura Universitária
d) Biblioteca Central
e) Comissão Geral de Concurso
f) Editora Universitária
g) Policlínica Odontológica
h) Secretaria Acadêmica Geral
i) Agência de Inovação
j) Centro de Estudos do Trópico Úmido (Cestu)

IV – ÓRGÃOS DE ATIVIDADE-MEIO:
a) Pró-Reitoria de Administração
1. Coordenadoria de Orçamento, Finanças e Contabili-
dade
2. Coordenadoria de Recursos Humanos
3. Coordenadoria de Administração
4. Coordenadoria de Material e Patrimônio
5. Coordenadoria de Documentação e Arquivo
6. Coordenadoria de Manutenção de Prédios

198 | História e Educação na Amazônia


b) Pró-Reitoria de Planejamento
1. Coordenadoria de Planejamento Orçamentário
2. Coordenadoria de Planejamento Institucional
3. Coordenadoria de Avaliação Institucional

V – ÓRGÃOS DE ATIVIDADE-FIM:
a) Pró-Reitoria de Ensino de Graduação
1. Coordenadoria Geral de Qualidade de Ensino
2. Coordenadoria de Apoio ao Ensino
3. Coordenadoria de Ensino Mediado Tecnológico
4. Coordenadoria de Legislação e Normas
5. Coordenadoria de Programas Acadêmicos

b) Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação


1. Coordenadoria de Pós-Graduação
2. Coordenadoria de Pesquisa
3. Coordenadoria de Projetos Institucionais

c) Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários


1. Coordenadoria de Extensão
2. Coordenadoria de Assuntos Comunitários

d) Pró-Reitoria de Interiorização

e) Escolas Superiores:
1. Escola Superior de Ciências Sociais (ESO)
2. Escola Superior de Ciências da Saúde (ESA)
3. Escola Superior de Tecnologia (EST)
4. Escola Superior de Artes e Turismo (Esat)
5. Escola Normal Superior (ENS)

f) Centro de Estudos Superiores:


1. Centro de Estudos Superiores de Tabatinga (Cestb)
2. Centro de Estudos Superiores de Parintins (Cesp)
3. Centro de Estudos Superiores de Tefé (Cest)
4. Centro de Estudos Superiores de Itacoatiara (Cesit)
5. Centro de Estudos Superiores de Lábrea (Cesla)
6. Centro de Estudos Superiores de São Gabriel da Ca-
choeira (Cessg)

g) Núcleos de Ensino Superior12

12 - Entre o segundo semestre de 2015 e o primeiro semestre de 2016, foram concluídas as cons-
truções dos seguintes núcleos de ensino superior: Núcleo de Ensino Superior de Boa Vista do
Ramos (Nesbovir), Núcleo de Ensino Superior de Barcelos (Nesbar), Núcleo de Ensino Superior
História e Educação na Amazônia | 199
1. Núcleo de Ensino Superior de Boca do Acre (Nesbca)
2. Núcleo de Ensino Superior de Carauari (Nescar)
3. Núcleo de Ensino Superior de Coari (Nescoa)
4. Núcleo de Ensino Superior de Eirunepé (Neseir)
5. Núcleo de Ensino Superior de Humaitá (Neshum)
6. Núcleo de Ensino Superior de Manacapuru (Nesmpu)
7. Núcleo de Ensino Superior de Manicoré (Nesmcr)
8. Núcleo de Ensino Superior de Maués (Nesmau)
9. Núcleo de Ensino Superior de Novo Aripuanã (Nes-
nap)
10. Núcleo de Ensino Superior de Presidente Figueiredo
(Nespfd)
11. Núcleo de Ensino Superior de Careiro Castanho
(Nescac) (AMAZONAS, 2007a, 2011c, 2011d, 2014c).

Os órgãos colegiados, os de assistência e assessoramento, os suplemen-


tares, os de atividade-meio e as pró-reitorias e escolas superiores de ativida-
de-fim estão localizados em Manaus. Os centros de estudos superiores e os
núcleos de ensino superior situam-se nas cidades do interior do estado do
Amazonas. A figura abaixo ilustra os municípios onde estão situados os cen-
tros de estudos superiores e os núcleos de ensino superior:

de Ipixuna (Nesipi), Núcleo de Ensino Superior de Nova Olinda do Norte (Nesnon) e Núcleo
de Ensino Superior de São Sebastião do Uatumã (Nessasu). Vale ressaltar que estão sendo cons-
truídos núcleos de ensino superior da UEA, nas seguintes cidades: Apuí, Autazes, Beruri, Borba,
Careiro, Barreirinha, Envira, Fonte Boa, Itamarati, Itapiranga, Jutaí, Nhamundá, Santo Antônio
do Içá, São Paulo de Olivença, Tapauá e Urucará.
200 | História e Educação na Amazônia
Figura 1:
Visão sistêmica
das unidades
acadêmicas
da UEA no
Amazonas.

Fonte: UEA; Proplan


(2016).

História e Educação na Amazônia | 201


Compreende-se que as implantações de centros de estudos superiores e
núcleos de ensino superior da UEA, no interior do estado do Amazonas, como
afirma Telles (2010, p. 353), começou a inverter uma realidade, pois

[...] os jovens conquistaram a possibilidade da continui-


dade dos estudos e o mais importante: sem precisar rom-
per com suas origens, crescendo e enraizando-se no seu
chão originário. O resultado disso é o enriquecimento do
patrimônio cultural das cidades e núcleos beneficiados
com a presença de centros de ensino superior, contri-
buindo assim com o enriquecimento acadêmico e cultu-
ral desses núcleos populacionais.

É necessário acrescentar, que mesmo sem unidades acadêmicas pró-


prias, esta instituição de ensino superior se faz presente em todos os outros
municípios do Estado, oferecendo cursos de graduação por meio do Sistema
Presencial Mediado Tecnológico13 (UEA, 2006, 2009b), o qual também é uti-
lizado em alguns centros de estudos e núcleos de ensino da universidade. Isso
significa que

[...] sua atuação se estende a uma área geográfica de 62


municípios, ou seja, atinge todo o estado do Amazonas,
dispondo de uma estrutura multicampi [...]. A universi-
dade integrada num sistema multicampi tem, como seu
maior desafio, a manutenção dessa complexa e dispen-
diosa estrutura que necessita cada vez mais da atenção,
no que tange à gestão orçamentário-financeira e acadê-
mico-administrativa (AMAZONAS, 2010c, p. 50).

A Lei nº 4.169/2015, vinculou a Universidade do Estado do Amazonas,


diretamente ao gabinete do governador do estado. No entanto, foi mantida a
personalidade jurídica de direito público da instituição, sob a forma de funda-
ção pública estadual da administração indireta do Poder Executivo, bem como

13 - Também conhecido como Sistema Presencial Mediado pela Tecnologia, consiste na trans-
missão das aulas em tempo real por professores titulares, acompanhadas pelos alunos nas salas
de aula distribuídas nas sedes municipais do estado do Amazonas, sob a orientação de professo-
res assistentes (UEA, 2006, 2009b). “Esta ferramenta [é] utilizada pela Universidade do Estado
do Amazonas para vencer as distâncias e as dificuldades de logística características da região
amazônica [...]. No total, por este sistema, a UEA beneficiou mais de 20 mil alunos em todos os
municípios do Estado” (UEA, 2009a, p. 11).
202 | História e Educação na Amazônia
sua sede, foro, jurisdição e as autonomias didático-científica, administrativa e
de gestão financeira e patrimonial.
Alterações importantes ocorridas em 2011, foi na composição do Con-
selho Curador14 e do Conselho Universitário15 da Universidade do Estado do
Amazonas, pois em suas composições originárias não era previsto a repre-
sentação de docentes nestes órgãos colegiados, os quais são, respectivamente,
definidores tanto da política administrativa e de gestão da instituição, quanto
da acadêmica.
Acredita-se que a criação da

Universidade do Estado do Amazonas corresponde,


portanto, a um anseio legítimo do povo amazonense,
especialmente dos cidadãos que vivem e trabalham nas
vilas e cidades interioranas, sem acesso aos bens cultu-
rais e benefícios oferecidos nos grandes centros urbanos.
Trata-se de uma ação do Governo do Estado, realizada
com recursos do povo amazonense, e empreendida com
o propósito de qualificar intelectualmente os estudantes,
dotando-os de capacidade técnica e profissional para sa-
nar a carência de mão-de-obra especializada no interior
(TELLES, 2010, p. 354).

Considerações finais

Compreende-se que o caminho para a transformação social é a educa-


ção; pois ela é o antídoto à ignorância, à apatia social e à falta de sentido para
existência humana. Isso significa que nenhuma sociedade pode almejar um
futuro próspero e promissor caso negligencie a formação de seus cidadãos e
cidadãs.
E foi nesse contexto amazônico, que se instituiu a Universidade do Es-
tado do Amazonas (UEA), com a missão de proporcionar o desenvolvimento
do estado, capacitando e formando quadros que possam atuar no sistema pro-
dutivo, na gestão da coisa pública, na geração de novas tecnologias e na valori-
zação do patrimônio imemorial, tendo sempre por objetivo maior a qualidade

14 - Sua atribuição é atuar como órgão colegiado de caráter consultivo e deliberativo da política
administrativa e de gestão da UEA, em assuntos de relevância (AMAZONAS, 2001d). É de
competência desse conselho, estabelecer as políticas e diretrizes gerais administrativas dessa
instituição de ensino superior, bem como a promoção e a viabilização de planos, programas e
projetos que almejem o seu fortalecimento institucional (AMAZONAS, 2001c).
15 - Atua como órgão colegiado de caráter normativo, consultivo e deliberativo da política aca-
dêmica da Universidade (AMAZONAS, 2001d).
História e Educação na Amazônia | 203
de vida, a cidadania e a integridade cultural e ambiental da Amazônia (UEA,
2009a).
Essa instituição de ensino superior surge enquanto resposta as reivin-
dicações de conhecimento dos amazonenses, e busca interiorizar a formação
no ensino superior. E para estar presente em todos os municípios do estado,
foi, e ainda o é, necessário superar desafios e vencer distâncias, pois “o acesso à
maioria dos municípios é feita por via fluvial e pode demorar mais de dez dias
em embarcações regionais” (UEA, 2006, p. 10).
Como afirma Telles (2010), a criação da Universidade do Estado do
Amazonas, corresponde sim, ao anseio de oportunizar o acesso dos estudantes
do interior amazonense a educação superior, assim como também, ao desafio
de interiorizar o conhecimento enquanto pressuposto indispensável para o
aprimoramento dos indivíduos e reforma das estruturas sociais interioranas,
as quais são beneficiadas com a presença das unidades da UEA.

Referências

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MEIDA COSTA, para exercer o mandato de Reitor, pro tempore, da Universidade do
Estado do Amazonas. In: Diário Oficial do Estado do Amazonas. Manaus, n. 32.522,
p. 1, 25 mar. 2013c. Ano CXVIII.

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Corrêa da Silva Freitas do cargo de reitor, pro tempore, da Universidade do Estado do
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204 | História e Educação na Amazônia


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Silva Freitas para exercer o mandato de reitor, pro tempore, da Universidade do Estado
do Amazonas, nos termos do artigo 34, §§ 1º e 2º, da Lei 3.098, de 13 de dezembro
de 2006. In: Diário Oficial do Estado do Amazonas. Manaus, n. 31.097, p. 6, 9 maio
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nº 1.762, de 14 de novembro de 1986, o Professor Doutor CLEINALDO DE ALMEI-
DA COSTA, para exercer o cargo de Reitor e o Professor Mestre MÁRIO AUGUSTO
BESSA DE FIGUEIREDO, para exercer o cargo de Vice-Reitor da Universidade do
Estado do Amazonas, para um mandato de 04 (quatro) anos, a contar de 02 de abril
de 2014. In: Diário Oficial do Estado do Amazonas. Manaus, n. 32.830, p. 15, 27 jun.
2014b. Ano CXX.

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exercer o mandato de reitor, pro tempore, da Universidade do Estado do Amazonas,
nos termos do artigo 34, §§ 1º e 2º, da Lei nº 3.098, de 13 de dezembro de 2006. In:
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de do Estado do Amazonas, dispõe sobre sua estrutura e funcionamento e dá outras
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História e Educação na Amazônia | 205
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dade do Estado do amazonas – UEA, e dá outras providências. In: Diário Oficial do
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ção de processo de escolha do reitor e vice-reitor com a finalidade de alterar o Estatuto
vigente adequando-o ao que dispõe o artigo 58 da Lei nº 3.656, de 01 de setembro de
2011. In: Diário Oficial do Estado do Amazonas. Manaus, n. 32.733, p. 1-2, 31 jan.
2014a. Ano CXX.

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– “Amicus Curiae”. In: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO AMAZONAS (TJAM). Ação
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UMA DÉCADA de desafios. A Crítica. Manaus, ano LXI, n. 21.635, 24 jun. 2011. C4
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS - UEA. Informativo UEA/2009 –


Balanço Geral. Manaus: [S.n.], 2009a.

______. Multicampi – Informativo da Universidade do Estado do Amazonas. Ma-


naus: [S.n.], ano II, n. 03, jul. 2009b.

______. Relatório de Gestão: 2001 – 2006. Manaus: [S.n.], 2006.

______; COMISSÃO ELEITORAL GERAL (CEG). Edital nº 01/2014 ‒ Dispõe sobre


o Edital do processo de escolha do Reitor e Vice-Reitor da Universidade do Estado
do Amazonas, em consonância com o Decreto nº 34.433, de 31/01/2014, que apro-
vou as normas para a realização do mencionado processo de escolha com a finali-
dade de alterar o Estatuto vigente, adequando-o ao que dispõe o art. 58, da Lei nº
3.656, de 01 de setembro de 2011. Manaus: [S.n], 2014.

______; PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO - PROPLAN. Relatório de Gestão


2015. Manaus: [S.n.], 2016.
208 | História e Educação na Amazônia
PARTE III

A Escola Nova
na Amazônia

História e Educação na Amazônia | 209


210 | História e Educação na Amazônia
Renovação Educacional no Brasil:
Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova de 1932 e os princípios liberais1
LUCIANA BELISSIMO DE CARVALHO BARBOSA
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)

ANDRÉ LUIZ DA MOTTA SILVA


Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)

Introdução

O objetivo do presente artigo consiste em aprofundar o conhecimento


no que tange à concepção de educação expressa no Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova de 1932 e sua interface com o pensamento liberal. A pesquisa
focaliza a caracterização geral do contexto social, e por decorrência, explici-
ta a forma em que foram gestadas as condições sociais, as quais contribuem
para o despontar do grande movimento de renovação relativo aos padrões de
escolarização, que, por sua vez, se configura na publicação do Manifesto dos
Pioneiros de 1932.
Para tanto, parte-se de um enfoque pautado na compreensão crítica, o
qual não prescinde das relações sociais e econômicas relativas à época, que se
caracterizam pela inserção do País num processo de crescente industrialização
que, por conseguinte, gera a necessidade da formação de um novo homem,
cidadão que deveria se integrar à política nacional.
Nessa perspectiva, para mapear esse novo ideal de educação, parte-se
da pesquisa bibliográfica ao eleger como base o Método Histórico, uma vez
que para se apreender um determinado problema-objeto pressupõe conhecer,
numa primeira instância os fatores que marcam a sua gênese e expansão a fim
de não incorrer em digressão no que concerne ao exame dos elementos fun-
damentais que o estruturam enquanto tal.

Esta maneira de considerar as coisas não é desprovida de


pressupostos. Parte de pressupostos reais e não os aban-
dona um só instante. Estes pressupostos são os homens,

1 - Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato


Grosso do Sul (Fundect).
História e Educação na Amazônia | 211
não em qualquer fixação ou isolamento fantásticos, mas
em seu processo de desenvolvimento real, em condições
determinadas, empiricamente visíveis. Desde que se
apresente este processo ativo de vida, a história deixa de
ser uma coleção de fatos mortos, como para os empiris-
tas ainda abstratos, ou uma ação imaginária de sujeitos
imaginários, como para os idealistas (MARX; ENGELS,
1984, p. 38).

Tomando como pressupostos os condicionantes histórico-sociais que


norteiam a educação no referido momento histórico, tem-se a intencionali-
dade de manter o foco para além da aparência dos discursos presentes nas
ideologias de caráter nacionalistas encetadas no Brasil e das nuanças do ideal
de educação e sua relação com o pensamento liberal. Ante a análise empreen-
dida, os resultados revelam que as mudanças ocorridas no mundo do trabalho
(início do processo de industrialização pautado pelo capital em seu segundo
ciclo monopólico)2 demandam uma espécie de reestruturação no âmbito edu-
cacional.
Para fins de sistematização, o artigo está dividido em três partes. A pri-
meira parte traz uma breve análise da sociedade ao realizar a definição dos
setores sociais, bem como as ideologias deles resultantes. A segunda parte
enuncia as bases e os princípios que produzem o movimento de renovação
educacional, traçando a sua configuração geral. A terceira parte estabelece a
relação da concepção de educação apregoada pelos reformadores sintetizada
no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 e o pensamento libe-
ral, destacando-se, no entanto, as contradições impregnadas no documento.

A realidade social que impulsiona a “renovação educacional” no Brasil

Quando partimos do pressuposto que visa ao entendimento de uma


determinada concepção de educação, ou seja, para compreender a função que
é atribuída à educação escolarizada historicamente, não se deve prescindir da
dimensão social, uma vez que a estrutura da sociedade e suas respectivas trans-
formações exercem influência nesse processo e vice-versa. Do clima de ebuli-
ção social consubstanciado na década de 1920 surge, no campo educacional,
as forças do movimento renovador impulsionado pelos ventos modernizantes

2 - Quanto ao tratamento dos ciclos econômicos, verifica-se que neste momento inicia-se o se-
gundo ciclo monopólico caracterizado por uma crise, que se inscreve à historiografia designada
como a Grande Depressão, cujo fenômeno emblemático foi o crash da bolsa de valores de Nova
York, em 1929. Ver Brito (2008), Dobb (1963).
212 | História e Educação na Amazônia
do processo de industrialização e urbanização. Tal contexto caracteriza-se por
um processo de transição do modelo social que ainda busca consolidar suas
bases, portanto, se define como período intermediário entre o sistema agrá-
rio-comercial e o urbano-industrial, os dois grandes ciclos da vida econômica
brasileira. Integra esse momento um grande esforço para alterar as bases do
poder e a função do Estado, principalmente no campo educacional. Consta-
ta-se a preocupação com a democratização do ensino: enfim está na pauta do
debate a “educação do povo” com a finalidade explícita de arregimentar forças
no sentido de consolidar a nação brasileira e o regime político imanente à
nova Federação, fazendo emergir um sentimento de pertencimento à Pátria.
Profundas alterações nos setores sociais,3 quer sejam de ordem política
quer sejam de ordem econômica e social, marcam o início do século XX. Fren-
te às contingências, tratava-se de Republicanizar a República, ou seja, batalhar
pela consolidação dos velhos e prementes ideais proclamados desde o advento
do novo modelo político instalado em 1889. Tal contexto marcado por pro-
fundas mudanças estruturais desencadeia a emersão do “entusiasmo pela edu-
cação e o otimismo pedagógico”, uma vez que a educação passa a ser concebida
como o problema vital do qual dependeria o progresso do País. Verifica-se
que tal corrente de pensamento constituiu a mais expressiva bandeira de luta
hasteada na década de 1920. A questão educacional se sobrepõe em grau de
importância ante os demais problemas, sejam de natureza política, econômica
ou social, vista como a única alternativa que possibilitaria a resolução deles. A
instrução torna-se cada vez mais laureada no sentido de atuar na desintegra-
ção da velha formação social considerada resultado da incultura e ignorância.
Diante dessa breve exposição, a luta ideológica que vem na esteira do
período que se estende dos anos de 1910 aos 1920 encontra espaço propí-
cio para se fortalecer com os reformadores e, por conseguinte, o processo de
viabilização de um novo paradigma educacional culmina no lançamento do
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, destinado “ao povo e ao
governo”, elaborado por Fernando de Azevedo e assinado por 26 educadores
brasileiros. O documento, por sua vez, sintetiza os princípios necessários à tão
premente renovação educacional ao conferir uma direção mais objetiva ao
campo educacional, ganhando terreno e respaldo no plano das medidas polí-
ticas adotadas pelo presidente Getúlio Vargas a partir de 1930, principalmente
quando da promulgação da Constituição de 1934.

3 - Sobre os Setores Sociais correspondentes ao período, ver Nagle (2001), na Primeira Parte,
“Os setores da sociedade brasileira”. Ali é empreendido um estudo aprofundado acerca dos as-
pectos imanentes aos setores político, econômico e social, sobretudo ao integrá-los dialetica-
mente ao movimento da Escola Nova.
História e Educação na Amazônia | 213
Configuração do Movimento Renovador: precedentes do Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nova (1932)

Em contraposição à pedagogia tradicional,4 são formuladas contunden-


tes críticas que emergem ao final do século XIX. Esse turbilhão de ideias dá
corpo e estrutura paulatinamente uma nova teoria de educação. Essa nova
teoria consiste em atribuir à escola e, por conseguinte, à educação a função de
instrumento de equalização social, fator que põe em xeque a inoperância da
dita Escola Tradicional ante o fenômeno da marginalização social. “Se a escola
não vinha cumprindo essa função, tal fato devia-se a que o tipo de escola im-
plantado – a Escola Tradicional – se revelara inadequado” (SAVIANI, 2009,
p. 6).
Inicia-se um grande movimento visando à reforma educacional a fim
de atender tal demanda, o que passa a ser designado como “escolanovismo”.
Ao evidenciar o ponto de partida da Escola Nova – a referência à Escola Tra-
dicional como eixo de reestruturação dos princípios norteadores da educação
defendida nesse momento, constata-se a crescente esperança depositada na
educação e sua função de equalizadora social. Dessa forma, o ideário esco-
lanovista torna-se amplamente difundido, inclusive no Brasil, tendo como
principais representantes: Lourenço Filho, que lança as bases psicológicas do
movimento renovador; Fernando de Azevedo, o qual traz as bases sociológicas
e as Reformas do Ensino; e Anísio Teixeira, com os fundamentos filosóficos e
políticos da renovação escola.
A influência do movimento escolanovista encontra espaço propício à
sua propagação no contexto brasileiro no limiar do século XX5 justamente
pelo fato de encontrar adeptos desse ideário. Sob esse enfoque, a década de
1920 se traduz quanto ao aspecto ora tratado em condições profícuas para o
estabelecimento da “Nova Pedagogia”, como chamou Nagle (2001). Sabe-se,
pois, que em 1924 funda-se a Associação Brasileira de Educação (ABE), fator
fulcral para o hasteamento da bandeira em defesa da implantação da Escola
4 - Contudo, faz-se mister ter cautela ao fazer referências à pedagogia tradicional, haja vista tal
designação constituir-se de especificidades conforme cada país. No caso da pedagogia tradicio-
nal no Brasil, podem-se constatar duas vertentes: o primeiro período (1549-1759), caracteriza-
do pelo monopólio da vertente religiosa da pedagogia tradicional, e o segundo período (1759-
1932), marcado pela coexistência entre as vertentes religiosa e leiga da pedagogia tradicional
(SAVIANI, 2010).
5 - Todavia, adverte Nagle (2001), que a penetração do escolanovismo no Brasil constitui-se por
duas grandes fases: a primeira vai dos fins do período imperial até o final da segunda década do
século XX. Já a segunda fase se estende por toda a década de 1920, fator que constitui o processo
de forma lenta e gradual.
214 | História e Educação na Amazônia
Nova, uma vez que arregimenta forças ao incorporar os principais defensores
dessa nova maneira de conceber a educação.
Dentre os defensores desse movimento, tem-se Azevedo (1971), que
estabelece uma visão panorâmica entre as reformas educacionais6 realizadas
na década de 1920 e a reforma de 1928, no Distrito Federal, que precedem o
lançamento do Manifesto de 1932. Destarte, faz apologias à última ao consi-
derá-la “[...] como um ponto culminante no movimento de renovação escolar
no Brasil” (AZEVEDO, 1971, p. 663). Segundo relata o autor, a reforma de
1928, realizada no Distrito Federal constituiu-se como ponto deliberativo no
tocante à irradiação das novas ideias e técnicas pedagógicas, visto que

[...] nenhuma outra, de fato, até 1930, imprimiu ao nos-


so sistema de educação uma direção social, tanto quanto
nacionalista, mais vigorosa, nem levou mais em conta, no
conjunto como nos seus detalhes, a função social da esco-
la (AZEVEDO, 1971, p. 664).

Outro expoente do movimento de renovação educacional que define e


ajuda a propor uma nova política em matéria de educação no decorrer das dé-
cadas de 1920 e 1930 foi Anísio Teixeira, pensador de capital relevância para a
estruturação de tal projeto.
Considerado um liberal igualitarista preocupado com a condição hu-
mana, parte de pressupostos teóricos calcados em ideais escolares democráti-
cos, uma vez que denuncia o caráter segregador da educação tradicional. Tal
ideal tem sua base de apoio no princípio de igualdade propugnado desde os
albores da Revolução Francesa de 1789, quando a burguesia traz elementos
distintivos para a qualificação da escola.
Alves (2001, p. 167), ao analisar os determinantes sociopolíticos da es-
cola pública, assevera:

[...] o escolanovismo incorporou, basicamente, a concep-


ção formulada pelo liberalismo clássico no que se refere
aos princípios gerais da escola pública. Se, desde o sécu-
lo XVIII, eram celebrados como elementos distintivos
dessa escola os princípios expressos pelos termos que a
qualificavam – universal, laica, obrigatória e gratuita –, o
movimento escolanovista reforçou-os em sua plenitude
e acrescentou-lhes, tão somente, um princípio comple-
mentar: única.

6 - O autor faz apologias à reforma de 1928, no Distrito Federal, ao exacerbar a superioridade da


referida reforma em relação às reformas educacionais precedentes (AZEVEDO, 1971).
História e Educação na Amazônia | 215
Em consonância com os princípios liberais, a educação se configura na
proposição de um novo modelo educacional comprometido com a formação
comum do homem para atender à multiplicidade de vocações, ofícios e profis-
sões em que a nascente sociedade liberal e progressiva começou a desdobrar-
se. Assim, ao refutar a escola antiga, preconiza-se uma educação que prescinde
dos métodos tradicionais constituídos pelo caráter especializante, o que torna
a escola um instrumento de efeito e impacto peculiar, um mecanismo de se-
gregação social. Assim sendo, as propostas de educação empreendidas funda-
mentam-se em pressupostos e ideais democráticos (TEIXEIRA, 1989).

Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932: concepção


educacional e interface com os princípios liberais

Como fator resultante do intenso movimento renovador que se de-


senvolveu paulatinamente, uma vez que tais propostas político-educacionais
estiveram limitadas ao modelo econômico do País num contexto complexo
como o caso brasileiro, tem-se o lançamento do Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo.
O documento sintetiza e estrutura toda a proposta de reconstrução
educacional no Brasil destinado ao Povo e ao Governo, sobretudo no aspecto
que se refere à bandeira de luta pela implantação da escola pública nacional
pautada na democratização do ensino. Assim, o movimento da Escola Nova
atinge um ponto culminante, haja vista os princípios e diretrizes do projeto de
reformulação nacional de educação encontrarem respaldo para se consolidar
a partir do Golpe de 1930, portanto, estão postas, nesse momento, as condi-
ções favoráveis para tais aspirações no plano educacional.
Verifica-se, portanto, no texto do manifesto, a articulação constante en-
tre questão educacional e direitos humanos, enunciada em todas as instâncias
do documento. Parte-se do pressuposto de que a educação deve ser um direito
de todos, independentemente da classe social.
O manifesto, como se pode perceber, foi inspirado em princípios libe-
rais, princípios estes que estão vinculados não ao liberalismo dos velhos libe-
rais (clássico), mas ao liberalismo voltado à ampliação de direitos, uma vez
que as propostas liberais precedentes não foram assaz à resolução das contra-
dições – enfim, não conseguiram gerir os problemas de ordem social, inclusive
o sistema público de educação.
Esse pensamento está explícito nas propugnações de Fernando de Aze-

216 | História e Educação na Amazônia


vedo em A cultura brasileira quando se refere ao ideal de educação preconiza-
do por Dewey – a educação universal, capaz de possibilitar a todos os benefí-
cios que a escolarização pode proporcionar, uma vez que vai ao encontro das
múltiplas exigências imanentes à vida em sociedade, sobretudo satisfazendo
as necessidades e aptidões individuais.
Assim, ao partir de uma visão mais atenta relativa ao contexto, torna-
se inegável que a defesa do processo de democratização do ensino veiculada
pelas propostas dos educadores da Educação Nova no Brasil se traduz na ten-
tativa de tornar a sociedade mais justa e equitativa, isto é, torná-la consoante
às promessas burguesas de liberdade e igualdade para todos.
Na focalização de tais pressupostos que integram o conteúdo do mani-
festo o que se constata é uma estreita relação com o pensamento Deweyano,
mais precisamente ao que diz respeito aos fundamentos da educação.
A grande defesa da qual parte Dewey na busca pela democracia e con-
comitantemente pelo entendimento do problema da liberdade humana ins-
taurado como uma meta histórica se converte exatamente num modelo de
educação democrático em que cada indivíduo possa se desenvolver por meio
da reconstrução da experiência individual ou coletiva, advertindo que tal pro-
cesso tão somente se faz possível nas sociedades democráticas, portanto, na
formação de uma cultura que gera a liberdade.
Logo podemos confirmar esse princípio no seguinte excerto:

Educação não é preparação, nem conformidade. Educa-


ção é vida, e viver e desenvolver-se, é crescer. A teoria ge-
ral de educação, que vimos expondo, deixa subentendido
que a contínua reconstrução da experiência, individual
ou social, somente pode ser aceita e conscientemente
buscada, por sociedade progressivas ou democráticas,
que visem, não à simples preservação dos costumes esta-
belecidos, mas à sua constante renovação e revisão (DE-
WEY, 1978, p. 31).

Em termos gerais, é notória a relação intrínseca do pensamento filo-


sófico-educacional do autor e os princípios liberais, uma vez que não põe em
xeque a sociedade de classes, mas a renovação e revisão no propósito de ate-
nuar as inconveniências sociais geradas pelo liberalismo em sua trajetória real.
Como ferrenho defensor da liberdade individual no que tange ao processo
educativo, preconiza a importância desse fator na construção de uma socieda-
de democrática, devendo-se, portanto, recorrer à “[...] liberação da capacidade
do indivíduo para a expressão livre e autônoma” (DEWEY, 1979, p. 88).

História e Educação na Amazônia | 217


Contudo, para não incidir em digressão, retornemos ao manifesto e sua
interface com determinados princípios da política liberal, que, apesar de man-
ter uma determinada relação com o liberalismo, concomitantemente compõe-
se de matizes ideológicas oriundas de concepções contraditórias, inclusive de
cunho socialista e de diversas correntes liberais.
Anísio Teixeira, a título de exemplo, na defesa da educação como um
direito de todos e não como privilégio, dota-se de uma visão que o aproxi-
ma de um liberalismo igualitarista, como bem demostrou Saviani (2010). Esse
princípio expresso no manifesto nos remete à explicitação de que a educação
passa a ser reivindicada neste momento como um direito de todos, portan-
to uma exigência que integra os anseios gerais das camadas subalternizadas
como forma viabilizadora de ascensão social como um todo.
Na verdade, essa tônica imperante permite visualizar a maneira pela
qual a sociedade empreende uma marcha no sentido de demandar a educação
universal como um direito, fazendo com que tal contexto histórico seja mar-
cado por propostas de ampliação da liberdade e igualdade às classes populares
próprias do liberalismo e, nesse caso, o lançamento do Manifesto dos Pionei-
ros da Educação Nova se faz pertinente no que tange a tais propostas voltadas
para a democratização do ensino.
Com o escopo de conferir uma maior compreensão acerca do referido
período caracterizado por profundas mudanças na estrutura da sociedade e
consequentemente tais transformações refletidas de modo dialético na área
educacional torna-se mister sublinhar que a década de 1930 caracteriza-se
pelo intenso crescimento das cidades atrelado ao surgimento da industrializa-
ção. Isto posto, verifica-se o desencadeamento de mudanças na função social
da educação, ao passo que o processo de transição nos âmbitos econômico,
político e cultura demanda novos fins e novos objetivos à educação.
Passou-se, no entanto a exigir uma educação não dual como impressa
naqueles moldes da sociedade colonial e ulteriormente imperial, ambas mar-
cadas por acentuada estratificação social. Demanda-se, nesse contexto histó-
rico, uma espécie de educação voltada para a formação comum do homem,
como propõe Anísio Teixeira: agora a escolarização não se legitima a partir do
privilégio, mas como um direito comum do homem.
Fazem-se presentes os ideais vinculados diretamente à concessão de
direitos para as classes em “ascensão social”.7 A tônica impressa pelo debate

7 - Constata-se, nesse momento de transição social, a emergência de diversas classes sociais,


antes subalternizadas, entre as quais destacam-se os imigrantes e migrantes, a pequena burgue-
sia e as populações oriundas do meio rural que buscam ascensão social via escolarização. Ver
Tozoni-Reis (2002).
218 | História e Educação na Amazônia
político acerca da concepção de educação postulada no texto do manifesto
e que mantém uma relação com o pensamento liberal encontra-se na parte
introdutória do documento.
A educação é tida como a alavanca propulsora do desenvolvimento na-
cional em todas as suas dimensões, pois se sobrepõe aos demais problemas
nacionais em grau de relevância. Por consequência, somente a partir da reso-
lução dos problemas educacionais poderia proceder a reconstrução do País.

Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobre-


leva em importância e gravidade ao da educação. Nem
mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a
primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois se a
evolução orgânica do sistema cultural de um país depen-
de de suas condições econômicas ou de produção, sem o
preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimen-
to das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores
fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade
(MANIFESTO, 2010, p. 33, grifos nossos).

As especificidades do período traduzem-se pela busca do fortalecimen-


to do poder, haja vista o clima reinante se constituir na busca frenética pela
consolidação do governo de Vargas, implantado via golpe em 1930. A preo-
cupação precípua reside em reconstruir a unidade republicana em torno de
um único ideal: a superação da ignorância da sociedade precedente a partir da
estruturação de um sistema educacional voltado inteiramente à disseminação
dessa ideologia, que consequentemente resultaria no desenvolvimento da na-
ção em seus amplos aspectos, trazendo de uma vez por todas o tão aspirado
modelo industrial que implicaria diretamente no bem-estar social.
Passemos, neste ponto da discussão, à análise de alguns princípios libe-
rais que estruturam tal proposta. Como explanado anteriormente, o manifesto
constitui-se de concepções contraditórias, ou seja, como adverte Romanelli
(2003), constitui-se de uma espécie de reflexo das “incoerências do momen-
to”. Contudo, esse fato não lhe exime de manter forte relação com o pensa-
mento liberal.
De um lado, a concepção de educação expressa pelo manifesto repre-
sentou um grandioso avanço à época, já que interconecta a educação direta-
mente com o desenvolvimento tanto econômico quanto social, característica
importante do liberalismo. De outro lado, as propostas de reconstrução edu-
cacional não contestam em instância alguma o modelo econômico vigente,
pois propunha apenas uma espécie de “[...] educação a serviço do projeto de

História e Educação na Amazônia | 219


modernização da sociedade brasileira, o desenvolvimento industrial” (TOZO-
NI-REIS, 2002, p. 72).
O desiderato imperante quanto à concepção educacional e seus fins,
explicitados com a publicação do documento, está estreitamente ligado à vi-
são liberal, embora num contexto ditatorial. Daí emanam as contradições que
fazem parte desse período, em que a educação é vislumbrada como redentora
social, fator que constitui a tônica fulcral defendida no manifesto, ou seja, a
ascensão social tanto no plano individual quanto no plano coletivo, consolida-
se tão somente por meio da educação.
A preocupação central dos pioneiros se restringe à reconstrução educa-
cional, ao por em xeque apenas a pedagogia tradicional considerada obsoleta.
Todavia os fatores econômicos e políticos não são contestados, uma vez que,
para sua eficiência na focalização de suprir as necessidades humanas, bastava
a resolução dos problemas educacionais, viabilizando a instrução ao povo no
atendimento às demandas do trabalho.
O entrelaçamento da reforma educacional às medidas políticas em-
preendidas pela República é algo notório.

No entanto, se depois de 43 anos de regime republicano,


se der um balanço ao estado atual da educação pública, no
Brasil, se verificará que, dissociadas sempre as reformas
econômicas e educacionais, que era indispensável entre-
laçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos
os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito
de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de
organização escolar, à altura das necessidades modernas
e das necessidades do país (MANIFESTO, 2010, p. 33).

A concepção de educação veiculada por esse manifesto demonstra certa


proximidade com o pensamento liberal e idealista dos educadores do século
XIX, como bem demonstrou Romanelli (2003). Constitui-se, por sua vez, o
auge da luta ideológica no âmbito da renovação do sistema educacional em
todos os seus níveis, firmando um estado de compromisso, isto é, a real to-
mada de consciência por parte dos educadores com o fito de traçar um plano
objetivo no que diz respeito ao tratamento dos problemas educacionais.
Portanto, na denúncia à “educação-privilégio” propiciada pela condi-
ção econômica de classe reivindicava-se a educação como direito humano le-
gitimado pelo caráter biológico e funcional do indivíduo. A tônica que marca
profundamente o debate referente ao problema da democracia, no País, cen-
tra-se no indivíduo e, mais especificamente, no que respeita a sua oportunida-

220 | História e Educação na Amazônia


de educacional, que agora passa por uma nova dimensão legitimadora. Pres-
cinde-se, de acordo com essa nova forma de conceber a educação, de critérios
seletivos, isto é, conforme a classe social a qual o indivíduo pertence.
O direito à educação se fundamenta no direito natural ou biológico,
que remonta à teoria liberal que considera o indivíduo livre por natureza, daí
a exacerbação do individualismo nos aspectos referentes à educação. O aluno
torna-se o centro do processo educativo. Contudo, a ideia de seleção conti-
nua. Agora, a seleção viabiliza-se não pela “diferenciação econômica”, mas
pela “diferenciação de capacidades individuais”, dado que o indivíduo é livre
para se desenvolver e atingir o máximo de seu potencial, sendo a educação a
mediadora e responsável por todo esse processo.
O ideal de educação destacado no Manifesto dos Pioneiros pauta-se na
crença no poder da ação educativa como instrumento determinante da eleva-
ção das “aptidões naturais” do indivíduo e, consequentemente, “selecionando
os mais capazes” para exercer “influência efetiva na sociedade”, inclusive, in-
terferir na “consciência social” de modo a transformá-la.
Desta forma convém destacar que o discurso em torno da Escola Nova,
cuja expressão máxima se traduz na publicação do seu manifesto, não se viabi-
lizou integralmente na prática. Para tanto, convém recorrer ao caminho traça-
do por Tozoni-Reis (2002) que evidencia com precisão a relação de tais ideais
de educação e sua aplicação no contexto histórico concretamente dado.
Verifica-se que “[...] a escola aparece mais como expectativa, como as-
piração, do que como realidade” (TOZONI-REIS, 2002, p. 56). A autora cha-
ma a atenção quanto ao caso das crianças das famílias de imigrantes, para as
quais a escola constituía-se quase inacessível devido às precárias condições de
vida dessas famílias. Assim, a realidade mostra-se bastante controversa às as-
pirações oficiais. As dificuldades de permanência na escola eram implacáveis,
o que resultou na exclusão de muitas crianças pobres da escola.
Torna-se patente que tais contradições podem ser visualizadas em ter-
mos que desmistificam a filosofia de educação traçada no manifesto, a Edu-
cação Pública para todos independente da classe social, logo fundamentada
em preceitos democráticos. A escola na prática resultou em uma instituição
excludente, visto que as crianças não alcançavam uma permanência sólida.

Era a lembrança mais profunda de sua infância que ter-


minava com a viagem de trem. Ali, em São Paulo, ia para
o trabalho com o avô e João Pedro. Freqüentou uns meses
a escola, o suficiente para aprender a ler e escrever e a
escrever. Mas, depois já rapaz, voltou a queimar as pes-

História e Educação na Amazônia | 221


tanas sobre a cartilha, tinha desejo de saber mais (AMA-
DO, 1972, p. 333 apud TOZONI-REIS, 2002, p. 57, grifos
do autor).

Considerações finais

À guisa de conclusão, cabe destacar que a análise realizada no que diz


respeito ao teor político do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de
1932, e, logicamente, à necessária explicitação de seus determinantes sociais
tornou-se possível uma visão mais aprofundada da questão. Na tentativa de
perquirir a concepção educacional expressa no documento e sua interface
com os princípios liberais, tornou-se necessário estabelecer uma relação de
integralismo entre a estrutura social e o movimento de renovação do siste-
ma de educação. Constata-se, portanto que à medida que as contradições se
agravaram e os problemas surgiram no interior da ordem social, gestou-se
a necessidade de profundas mudanças sociais, dentre elas, a reestruturação
educacional.
Nessa perspectiva, a tônica da educação defendida pelo movimento de
renovação do sistema educacional sintetizada no manifesto visava ao aten-
dimento das necessidades sociais prementes da efervescente década de 1930,
caracterizada pela industrialização. Mapear no plano teórico os princípios li-
berais presentes no manifesto de 1932 de acordo com tal premissa evidenciou
que a realidade brasileira, nesse momento histórico, caracterizava-se pela in-
serção do País num crescente processo de industrialização atrelado à urbani-
zação. Para tanto, pensar a educação no interior dessa conjuntura significou
buscar de maneira mais acurada o contexto social como um todo, bem como
traçar esse processo paulatino que se deu numa realidade complexa como a
realidade brasileira, haja vista, a educação refletir tais mudanças sociais.
À luz da explanação, é conveniente destacar que a publicação do ma-
nifesto se configura na culminância do processo de reforma educacional, pois
a partir desse momento traça-se uma direção mais objetiva para o plano de
reconstrução no âmbito educacional, cuja preocupação maior seria refutar o
sistema tradicional de educação considerado obsoleto. A concepção de edu-
cação apregoada no documento possui estreita relação com os princípios libe-
rais, principalmente àqueles vinculados à ampliação da liberdade e igualdade,
ou seja, em princípios democráticos. Outro aspecto que ganha destaque é a
questão da exacerbação do indivíduo. Portanto, a educação concebida como
um direito de todos conforme defendida pelos pioneiros de 1932, na prática
teve outra conotação, uma vez que não atendeu à demanda em razão das pre-
222 | História e Educação na Amazônia
cárias condições de vida da maior parcela da população, fator que redundou
em dificuldades de permanência na escola.
Em síntese, a educação fundamentada em princípios de igualdade como
reação à educação, privilégio ou seleção, preconizada em todas as instâncias
no Manifesto dos Pioneiros, traduz-se em contradições, ao passo que é tida
como instrumento determinante da elevação das “aptidões naturais” do in-
divíduo e, consequentemente, “selecionando os mais capazes” para exercer
“influência efetiva na sociedade”, inclusive de maneira a interferir na “cons-
ciência social” de modo a transformá-la. Enfim, agora as desigualdades pas-
sam por uma nova dimensão legitimadora, o que incorre na segregação social.
Apesar de a educação pautada em tais pressupostos refletir as incoerências do
momento marcado por indefinições, a escola foi se firmando como importan-
te instituição social.

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224 | História e Educação na Amazônia


Infância e Escola Nova:
um olhar crítico sobre a contribuição
de John Dewey para a consolidação do
pensamento liberal na educação1
MARCO AURÉLIO GOMES DE OLIVEIRA
Universidade Federal do Tocantins (UFT)

ARMINDO QUILLICI NETO


Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

A liberdade e a democracia em John Dewey: princípios fundamentais


para uma nova infância

O contexto histórico revela-nos que John Dewey (1859-1952) viveu


num período de ascensão dos Estados Unidos, frente ao mundo, graças ao
processo acelerado da industrialização e das condições materiais que possi-
bilitaram um rápido crescimento populacional. Segundo Hobsbawm (1977),
o olhar encantador do mundo para os Estados Unidos se dava pela riqueza
produzida naquele país e pela forma como o povo estadunidense encarava o
capitalismo; a exacerbação da individualidade fundada no princípio democrá-
tico, herdado dos patriarcas da América, possibilitava o empreendimento de
grandes projeções.
Os Estados Unidos, vistos como o novo mundo, a partir da segunda
metade do século XIX atraíram milhares de imigrantes e capitalistas europeus
e de outras partes do mundo com um único objetivo: fazer dinheiro e viver
bem. Os princípios liberais tinham sido bem incorporados pelos estaduniden-
ses, que entregavam sua vida ao trabalho como meio de produzir sua riqueza,
pois, acima de tudo, conforme Hobsbawm (1977, p. 163),

[...] estavam imbuídos [...] pelo imperativo capitalista da


acumulação. As oportunidades eram realmente colossais
para homens preparados para seguir a lógica da obten-

1 - Este trabalho foi publicado como artigo na Revista HISTEDBR on-line de dezembro de 2012
como parte de uma pesquisa de mestrado que resultou na dissertação intitulada A concepção de
infância presente no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932: a presença do pensamen-
to de John Dewey (1859-1952), a qual contou com o financiamento da Coordenação de Aperfei-
çoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), sob forma de bolsa de mestrado.
História e Educação na Amazônia | 225
ção do lucro em lugar da lógica de viver, e que possuíam
competência suficiente, energia, rudeza e ambição. As
distrações eram mínimas. Não havia uma velha nobreza
para seduzir os homens com títulos, e nem o exemplo
tentador da vida descontraída de uma aristocracia agrá-
ria. A política era antes algo para se comprar do que para
se praticar, exceto, evidentemente, como outro meio de
fazer dinheiro.

Portanto, numa sociedade capitalista, que vivia seu auge de produção e


consumo, a educação era um importante instrumento para formação da po-
pulação e não havia melhor caminho do que ter como princípio um modelo
fundamentado no aprender fazendo – learning by doing –, no qual a liberdade
dos educandos era estimulada para soluções das situações-problema do coti-
diano escolar e social, com a utilização de procedimentos científicos, cabendo
ao mestre a condução desse processo educativo (MANACORDA, 2010).
John Dewey, um produto histórico do seu contexto, concebe a educa-
ção como um processo contínuo de aprendizagem em que o educando deve
experimentar e avaliar as condições de sua aprendizagem. Dessa forma, o lema
“Aprender fazendo” retrata a natureza filosófica de sua teoria educacional. É
importante ressaltar a contribuição do filósofo na discussão sobre a escola e
o trabalho e a relação dos princípios pedagógicos com os princípios sociais.
Dewey (1979, p. 55) acredita que a escola é o espaço mais apropriado
para realizar as experiências educativas das crianças e aponta a necessidade de
um planejamento pedagógico que vise a uma integração com a sociedade, pois
“[...] aprender com a própria vida e tornar tais as condições da vida em que
todos aprendam com o processo de viver, é o mais belo produto da eficiência
escolar”.
A perspectiva deweyana vislumbra uma sociedade harmonizada a par-
tir da educação científica para todos e tem, na atividade infantil, o elemento
que possibilita formar um homem que saiba lidar com situações diversas no
cotidiano, que participe coletivamente das decisões e valorize sua capacidade
individual, pois essa característica o diferencia dos demais, sendo mais reco-
nhecido aquele que consegue usar sua inteligência a serviço de uma finalidade,
seja ela educativa ou produtiva.
Esse ponto, para Manacorda (2010, p. 384), marca a diferença e a limi-
tação da concepção de mundo, de sociedade e de homem em Dewey para um
projeto de transformação social, defendido por Marx e Engels, pois o seu lema,

[...] learning by doing, o aprendendo fazendo, é o centro

226 | História e Educação na Amazônia


da unidade de instrução e trabalho [...] não é a mesma
unidade visada por Marx: é a adequação dinâmica da es-
cola à vida produtiva real, dinâmica no sentido de que
a escola pode ser chamada a colaborar para a mudança,
mesmo que, acrescente, corrigindo a ilusão pedagógica
inicial [...].

A filiação filosófica ao pragmatismo possibilita ao filósofo compreen-


der que a concretização da mudança pedagógica não se dá simplesmente por
meios práticos ou teóricos, mas sim na compreensão geral do papel da filosofia
como ponto de referência para a direção em que deseja evoluir na educação.

A reconstrução da filosofia, a da educação e dos ideais e


métodos sociais, caminham, assim, de mãos dadas. Se for
verdade que existe, nos tempos atuais, uma necessidade
especial de reconstrução educativa, se essa necessidade
torna urgente uma revisão das ideias básicas dos sistemas
filosóficos tradicionais, é devido à completa mudança da
vida social, paralela aos progressos da ciência, à revolu-
ção industrial e ao desenvolvimento da democracia. Não
se podem efetuar essas mudanças na vida prática sem
uma reforma educativa de acordo com elas, sem levar os
homens a perguntar-se que idéias e ideais existem implí-
citos nessas transformações sociais, e que mudanças elas
requerem nas idéias e ideais herdados das velhas e desse-
melhantes culturas (DEWEY, 1979, p. 364-365).

Dessa forma, fica evidente o papel fundamental que a educação exer-


cerá para o fortalecimento do novo sistema e de uma filosofia que a sustente
e oriente com princípios que possibilitem uma constante avaliação de seus
propósitos. Sendo assim, a mudança do sistema social buscou associar-se a
várias esferas para a difusão e a incorporação de seus ideais básicos, e a esfera
da educação é uma das mais cobiçadas pelo sistema.
Segundo Hobsbawm (1977, p. 63), uma característica do contexto edu-
cacional estadunidense se relaciona diretamente com essa concepção filosófi-
ca, pois a compreensão de progresso científico não está necessariamente amar-
rada à ideia de originalidade, mas sim na “[...] capacidade de compreender e
manipular ciência: desenvolvimento mais do que pesquisa”. Logo, a preocu-
pação era formar, “[...] em massa, engenheiros de nível adequado ao invés de
produzir uns poucos superiormente inteligentes e de grande cultura [...]”.
A associação de ciência e educação recebe, concomitantemente, in-
fluências do campo econômico e político, bem como do pensamento prag-
História e Educação na Amazônia | 227
matista, iniciado por Charles Peirce e popularizado por William James e pelo
próprio Dewey. No sentido de esclarecer nossa afirmação sobre a relação entre
ciência e educação existente na educação estadunidense, o trecho a seguir, do
livro Experiência e educação, escrito por Dewey em 1938, mostra o quão é es-
sencial tal parceria para efetivação de uma proposta educacional.

O sentido da ênfase que ponho no método científico tem


pouco a ver com técnicas especializadas. O que desejei
dizer é que o método científico é o único meio autêntico
sob o nosso comando para obter a compreensão da real
significação das experiências de todos os dias, no mundo
em que vivemos. O método científico provê um modelo
operante e eficaz do modo pelo qual e das condições sob
as quais podemos utilizar experiências para delas extrair-
mos luzes e conhecimentos que nos guiem para frente e
para fora em nosso mundo em expansão (DEWEY, 1976,
p. 93).

O trecho acima reafirma a incorporação dos princípios do pragmatis-


mo. Charles Peirce (1839-1914) desenvolveu uma lógica de raciocínio que
busca superar a dicotomia existente entre a lógica dedutiva – que tem no cam-
po abstrato e geral sua formulação central – e a lógica indutiva – a qual parte
única e exclusivamente da experiência sobre o objeto/matéria para formular
um raciocínio – para uma lógica abdutiva, que propõe uma associação da teo-
ria com a experimentação, guiadas por um propósito prático.
De acordo com Peirce (2008), a filosofia pragmática cumpre uma fun-
ção de produzir novos conhecimentos a partir de uma necessidade prática,
isto é, o conhecimento produzido em sintonia com as demandas sociais. Para
o autor, a abdução simplesmente sugere que alguma coisa pode ser.

Sua única justificativa é que, a partir de suas sugestões,


a dedução pode extrair uma predição que pode ser veri-
ficada por indução, e isso, se é que nos é dado aprender
algo ou compreender os fenômenos, deve ser realizado
através da abdução (PEIRCE, 2008, p. 220).

Portanto, a abdução é um conceito-chave para compreendermos a cor-


rente filosófica do pragmatismo e, concomitantemente, como se apresenta no
pensamento deweyano.
A apropriação dos princípios pragmatistas, na teoria deweyana, está
relacionada com sua visão de ciência e produção do conhecimento, funda-

228 | História e Educação na Amazônia


mentada na lógica utilitarista do uso da inteligência para o bem social em prol
do progresso científico e tecnológico. Para Dewey (1979, p. 210), a ciência
proporciona

[...] que todas as concepções e afirmações sejam de tal na-


tureza, que umas continuem outras e conduzam a outras.
[...] Esta dupla relação de conduzir para alguma coisa e
confirmar alguma coisa é o que significamos com os ter-
mos lógico e racional.

Entretanto, consideramos aqui um dos pontos contraditórios da teoria


educacional do filósofo americano, pois a relação ciência versus demanda so-
cial é determinada pelas relações de produção que regem o sistema capitalista,
e não apresenta uma preocupação em desenvolver uma formação humana em
sua plenitude, mas sim a criação de um sujeito alienado que não reconheça no
seu trabalho a fonte de sua existência material, isto é, o homem passa a ser en-
carado como uma máquina viva, que serve apenas para alimentar e produzir a
riqueza material do capital.
Para Marx e Engels (2010), a industrialização moderna transformou a
ciência num conjunto de conhecimentos técnicos que visam ao aperfeiçoa-
mento do trabalhador e das forças produtivas com o único propósito de au-
mentar sua riqueza material. Nessa perspectiva, o trabalhador perde o contro-
le e sua autonomia na produção científica, pois não cabe a ele decidir o que
pesquisar e como pesquisar, já que

[...] as formas multifárias, aparentemente desconexas e


petrificadas do processo social de produção, se decom-
põem em aplicações da ciência conscientemente plane-
jadas e sistematicamente especializadas segundo o efeito
útil requerido (MARX; ENGELS, 2010, p. 77).

Portanto, é importante deixar claro que a preocupação deweyana de so-


cialização do conhecimento está direcionada para uma classe, para um mode-
lo social, ou seja, a burguesia, e para o fortalecimento das relações capitalistas,
que, na sua perspectiva, avançaram a patamares impressionantes graças ao
desenvolvimento industrial.

As propostas de Dewey eram pensadas com base nas di-


ficuldades e contradições do modelo social vigente, con-
sideradas por este autor como decorrentes de um modelo
liberal ultrapassado e inadequado que confundiu capita-

História e Educação na Amazônia | 229


lismo com liberalismo. O problema a ser superado não
era o modo de produção vigente, mas a forma de pensar
e agir nele existente. Se mudassem o sentimento e o pen-
samento dos homens, as crises presentes se resolveriam.
Desse modo, as suas propostas visavam conciliar os di-
versos interesses das classes, mas a sua manutenção de
uma forma mais justa e mais humana. Para ele, era pos-
sível uma convivência pacífica entre as diferentes classes
sociais (GALIANI, 2009, p. 137).

Ressaltamos essa contradição no pensamento deweyano sobre ciência


e demanda social por acreditar que essa relação está associada diretamente à
sua concepção de educação e sociedade e demais princípios fundamentais de
sua teoria, como, por exemplo, liberdade e democracia, que nos dá uma visão
global sobre sua concepção de infância.
Para Dewey (1979), a liberdade e a democracia são princípios que de-
vem ser almejados para a realização de uma sociedade moderna. É interes-
sante perceber que essa valorização da prática democrática e do exercício da
liberdade individual tem suas raízes nos fundadores da América, em especial
na concepção política de Thomas Jefferson (1743-1826), que trouxe uma con-
tribuição fundamental para a formação do espírito de liberdade do povo esta-
dunidense nos séculos XVIII e XIX.
Em sua obra Liberdade e cultura, escrita em 1939, Dewey apresenta uma
discussão sobre o papel do sujeito, da liberdade e da cultura para formação
de uma sociedade democrática. Nessa obra, o autor destaca o papel relevante
exercido pelos fundadores da América, homens que acreditavam na liberdade
individual e, acima de tudo, no poder que ela tem de transformar uma nação.

Em todo país em que o homem tem liberdade para pensar


e falar surgem divergências de opinião sobre diferença de
percepção e imperfeição da razão; mas essas divergên-
cias, quando permitidas como neste país, para purificar-
se pelo livre debate, são apenas nuvens passageiras que
se estendem transitoriamente pelo país e deixam nosso
horizonte mais brilhante e mais sereno. Esse amor pela
ordem e obediência às leis, que caracterizam tão extraor-
dinariamente os cidadãos dos Estados Unidos, constitui
penhores seguros da tranqüilidade interna; e o direito
de voto eletivo, se preservado como a arca de nossa se-
gurança, dissipará pacificamente todas as combinações
de subverter-se uma Constituição ditada pela sabedoria
e apoiada na vontade do povo. Essa vontade é o único

230 | História e Educação na Amazônia


fundamento legítimo de qualquer governo, e proteger
sua livre manifestação deve ser nosso primeiro objetivo
(JEFFERSON, 1964, p. 76).

Dewey corrobora Jefferson (1964) sobre a ideia de que a liberdade de


um povo está associada à sua participação política nos rumos do país. Quan-
do o autor discute sobre as condições para o exercício livre da cidadania e
da liberdade, é interessante atentarmos para uma questão crucial que revela
o propósito de uma renovação na ideia sobre infância. O caráter liberal da
renovação é essencial para entendermos a profundidade da proposta, pois sua
intenção e referências ideológicas almejavam promover uma readaptação dos
sujeitos à nova ordem mundial e não uma transformação social que interferis-
se na relação de produção no mundo do trabalho (DEWEY, 1953).
Portanto, temos que compreender que sua noção de liberdade, demo-
cracia e participação social está comprometida com uma visão de mundo bur-
guês, a qual idealiza uma sociedade igualitária sem a necessidade de mexer em
sua estrutura social de forma drástica, ou seja, que abale a ordem social.
Segundo Marx (2004, p. 81-82), o discurso capitalista de liberdade,
democracia e participação social acoberta a realidade concreta, pois ela está
determinada pelas condições desiguais de produção, e a privação dos meios
de produção por parte do trabalhador faz com que seu trabalho – algo que o
tornaria humano –, no sistema capitalista, o transforme numa máquina que
cria mercadoria e, ao mesmo tempo, torna esse sujeito uma mercadoria por
dispor somente de sua força de trabalho para sua sobrevivência.
Nesse sentido, convalidamos a tese de Hobsbawm (1977, p. 84) sobre
o sistema capitalista em sua fase de consolidação, quando trata da “fantasia
revolucionária” vestida pelo capital para afirmar seus princípios de igualdade,
fraternidade e solidariedade entre os povos.

Não há dúvida de que os profetas burgueses de meados


do século XIX olhavam para frente procurando um mun-
do único e mais ou menos padronizado, onde todos os
governos teriam o conhecimento das verdades da eco-
nomia política e do liberalismo, [...]. O máximo que se
poderia então desejar é que estas nações comungassem o
mesmo tipo de instituições, economia e credos. A unida-
de do mundo implicava sua divisão. O sistema mundial
do capitalismo era uma estrutura de ‘economia nacio-
nais’ rivais. O triunfo mundial do liberalismo ficava na
conversão de todos os povos, pelo menos os que eram
vistos como ‘civilizados’ (HOBSBAWM, 1977, p. 84).
História e Educação na Amazônia | 231
Para Dewey (1953), o fato de acreditar nos princípios do liberalismo
só reafirma seu posicionamento político, pois o progresso social só é possível
mediante liberdade individual em todas as esferas. Portanto, o liberalismo, na
sua forma original na visão deweyana, deve ser ressignificado para atender às
exigências da dinâmica do mundo do trabalho e, com isso, criar um espírito de
solidariedade e comunhão entre os povos, independentemente das desigual-
dades econômicas e sociais.
Para Schilling (2004, p. 119), Dewey expressa de forma clara o espírito
norte-americano de ser, “[...] um ianque, um daqueles homens que, sozinhos,
querem enfrentar o mundo e a natureza” e, dessa forma, não é admitida pelo
filósofo americano uma submissão do homem ante a natureza e nem a so-
ciedade, sobretudo porque, ao longo da história, o homem foi submetido a
vontades exteriores, ora por parte do Estado (pólis grega), ora por parte da
Igreja e ora por parte da sociedade (Iluminismo). É chegada a hora, no con-
temporâneo, “[...] do indivíduo ver-se inteiramente libertado daquele tipo de
obrigações. Nenhuma canga seria imposta sobre sua pessoa, nem por parte do
Estado, nem pela sociedade”.
O ímpeto arrebatador descrito pelo autor sobre o homem americano é
compreensível se levarmos em conta que a visão de mundo, de homem e de
sociedade que orienta suas ideias e práticas está em sintonia com a essência do
liberalismo, que, segundo Chaves (2007, p. 7-8),

[...] sustenta-se no princípio fundamental de que quando


o indivíduo, ao se associar com outros indivíduos, passa a
viver em sociedade, a liberdade torna-se o seu bem supre-
mo e, enquanto tal, tem preponderância sobre qualquer
outro bem que possa ser imaginado. [...] Mas para nós,
que vivemos em sociedade, a liberdade é essencial para
e por nos preservar um espaço privado, inviolável, que
não possa ser transgredido pelos nossos semelhantes. A
função primordial do Estado é garantir a existência e a
inviolabilidade desse espaço. [...] Por isso, o liberalismo
luta para preservar esse espaço privado do indivíduo, seja
contra a sua invasão por outros indivíduos, seja contra a
sua restrição ou eliminação pelo Estado. Assim, a liber-
dade é, para o liberalismo, o bem supremo no contexto
da relação do indivíduo com seus semelhantes na socie-
dade, e no contexto de sua relação com o Estado.

A liberdade, considerada como elemento central no pensamento bur-


guês, é a forma de encarar o mundo e as relações sociais entre os homens, e

232 | História e Educação na Amazônia


não foi somente no período de consolidação da classe burguesa como classe
dominante no século XIX que se tornou preponderante essa forma de agir e
pensar. As raízes dessa compreensão filosófica sobre liberdade são datadas,
historicamente, mesmo antes de sua elaboração mais sistematizada, ocorrida
no século XVIII.

Enquanto doutrina, o liberalismo deve ser visto como


a expressão mais desenvolvida da visão de mundo bur-
guesa. Mas ela não surge do nada. Sua gênese deu-se no
interior das lutas que a burguesia vinha travando con-
tra a Igreja Católica e a nobreza no sentido de superar
os ‘entraves feudais’ postos ao desenvolvimento de seus
negócios. No âmbito do discurso, essa classe alicerçava
suas reivindicações nas liberdades individuais: liberdade
de comerciar, liberdade de produzir, liberdade de cren-
ça, liberdade de trabalho etc. Logo, o liberalismo, mes-
mo tendo sido formulado enquanto doutrina no século
XVIII, tinha suas raízes fincadas na existência da burgue-
sia desde as suas origens (ALVES, 2007, p. 79-80).

Ao analisar, historicamente, a constituição de uma matriz teórico-fi-


losófica – nesse caso, o do liberalismo –, é importante destacar a perspicácia
analítica de Marx e Engels (2007) ao escrever, em A ideologia alemã, sobre
a relação da consciência do homem e sua materialidade, que a produção de
ideias e os pensamentos estão associados diretamente à forma de produzir
materialmente a vida humana de cada tempo histórico.

A produção de ideias, de representações, da consciên-


cia, está, em princípio, imediatamente entrelaçada com
a atividade material e com o intercâmbio material dos
homens, com a linguagem da vida real. O representar, o
pensar, o intercâmbio espiritual dos homens ainda apa-
recem, aqui, como emanação direta de seu comporta-
mento material (MARX; ENGELS, 2007, p. 93).

Com base no mesmo raciocínio, é possível entender as razões que le-


varam os liberais, ao final do século XIX e início do século XX, a ressignificar
algumas de suas teses, particularmente no tocante à relação do indivíduo com
o Estado. Para os liberais clássicos, a relação do indivíduo com o Estado é bem
clara e determinada: cabe a este apenas assegurar a integridade física dos cida-
dãos contra agressões de qualquer natureza que coloquem em risco sua vida e,
consequentemente, sua liberdade.
História e Educação na Amazônia | 233
Os liberais acreditam que, dada a natureza humana, não
é possível preservar a liberdade dos indivíduos sem um
Estado que defenda o indivíduo contra violações de sua
liberdade por outros indivíduos, e que se ocupe em de-
fender a liberdade dos seus cidadãos contra agressões
externas. Essas funções estatais, relacionadas com a pro-
teção dos indivíduos uns contra os outros (função poli-
cial), com a arbitragem de desavenças (função judicial) e
com a proteção dos indivíduos contra agressão externa
(função militar), tudo isso com base em regras básicas e
mínimas de convivência, são, portanto, para os liberais,
necessárias e legítimas, indispensáveis para a preservação
do máximo de liberdade possível para os indivíduos no
ordenamento social. Sem um Estado que as desempenhe,
os indivíduos ficarão presa fácil dos mais fortes ou mais
espertos, tanto dentro como fora da comunidade em que
vivem (CHAVES, 2007, p. 39).

A leitura do contexto social, realizada pelos liberais no final do século


XIX e início do século XX, aponta para os danos sociais provocados pela polí-
tica econômica do laissez-faire, ou seja, uma política que coloca todos contra
todos numa disputa desenfreada por um reservado lugar ao sol, provocando
mais miséria e mais violência entre os indivíduos.
Concomitantemente a essa constatação da ineficácia da política liberal
naqueles moldes, os “liberais sociais”2 tinham o receio de que essa situação
pudesse alimentar uma grande revolta que colocaria em xeque todo o sistema

2 - A utilização do termo “liberais sociais” pode parecer estranha, e, em certa medida, é, mas
cabe a distinção por entender que o pensamento liberal, ao longo da história, sofreu algumas
modificações, todas elas com o mesmo objetivo: manter a ordem social e econômica nos pa-
drões estabelecidos pela burguesia. A adjetivação social está sendo empregada no sentido dado
pelos liberais à época, de tratar as questões sociais (educação, saúde, cultura, habitação etc.)
como algo que necessitaria de uma intervenção maior do Estado com duas intenções claras:
a primeira, na formulação e execução de políticas sociais que amenizassem as desigualdades
sociais e econômicas produzidas pelo sistema de produção capitalista; a segunda, afastar e de-
sacreditar as ideias de outra sociedade que não seja a capitalista. Dentre os “liberais sociais”, po-
demos identificar Dewey como um dos que percebem a necessidade de mudar a forma e o agir
na sociedade. De acordo com Galiani (2009, p. 143), “[...] o contexto social que determinou as
bases do pensamento de Dewey acentua este papel do Estado que a um só tempo promove a am-
pliação das desigualdades, ao permitir os investimentos na produção capitalista, sem interferên-
cia, mas, ao perceber que a ampliação das desigualdades ameaçavam a própria ordem burguesa,
estabelece uma reformulação política, nos moldes do new deal, como um meio de proporcionar
o equilíbrio nas relações econômicas, com medidas intervencionistas, assim, permite recompor
e conservar a ordem burguesa no país”.
234 | História e Educação na Amazônia
de produção capitalista. Logo, a participação do Estado deveria ser colocada
como sendo o agente responsável em manter a harmonia das relações confli-
tuosas entre as classes sociais, de modo que suas políticas sociais garantissem
o acesso das camadas populares aos benefícios mínimos produzidos pela “ma-
ravilhosa” máquina do capital.
Nesse sentido, a educação pensada por Dewey, adepto da nova forma
de conceber o liberalismo, cumpriria um duplo papel, ambos essenciais para
manter o ordenamento social. Num primeiro momento, a educação teria fun-
ção de reorganização social, no sentido de trazer para si a responsabilidade
moral de “remediar” as mazelas produzidas pelo capital, isto é,

[...] a função da educação é contribuir para recomposição


das peças imperfeitas neste modelo. Entendida desta for-
ma, ao invés de questionar o modelo social. Na organi-
zação hierárquica do trabalho na sociedade capitalista, a
educação se colocaria no papel de reformadora e restau-
radora das mazelas que o próprio sistema capitalista pro-
porcionou, entre as quais a marginalidade, a seletividade,
a exclusão, as diferenças de oportunidades, as desigual-
dades sociais e o desemprego (GALIANI, 2009, p. 44).

Num segundo momento, a educação é tida como referência para o de-


senvolvimento social e econômico de um país, pois um bom sistema de ensino
nacional, articulado com a ciência e a tecnologia, garantiria as condições ne-
cessárias para a superação do estado de miséria da população carente.

Portanto, a educação em Dewey passa a ter uma função


socializadora no que se refere ao ensino e transformado-
ra a partir dos conhecimentos ensinados. A sua proposta
de reforma educacional deveria estar voltada não apenas
para a educação e seu desenvolvimento, e sim para re-
formas na sociedade como um todo (GALIANI, 2009, p.
45).

Com base nessa discussão sobre o contexto histórico e filosófico de De-


wey, adentraremos na discussão mais detalhada sobre sua concepção de infân-
cia e sobre como está associada ao contexto escolar, cultural e social.

A centralidade da criança no projeto deweyano: uma visão de mundo

Para tanto, o nosso trabalho buscou nas principais obras de Dewey seu

História e Educação na Amazônia | 235


conceito de infância – por vezes, de criança, pois ambos estão associados.3
Dentre as diversas obras produzidas pelo autor, dedicamos mais atenção às
obras relacionadas a educação, cultura, liberdade e experiência. As obras ana-
lisadas foram: Democracia e educação: introdução à filosofia da educação, de
1979; Experiência e educação, de 1976; Liberdade e Cultura, de 1953; e Vida e
educação, de 1978.
Nesse momento, é fundamental discutir em qual contexto social e es-
colar Dewey discute, pois sua teoria se configura, ao mesmo tempo, como
uma resposta contrária ao modelo educacional vigente e uma reafirmação dos
valores e princípios morais do sistema capitalista ora em fase de consolidação
mundial.
Para iniciarmos a discussão, é importante identificarmos a concepção
de ser vivo concebida por Dewey para entendermos as raízes de sua crítica
à escola tradicional e de sua defesa de uma escola que valorize o indivíduo.
Segundo Dewey (1979, p. 1), ser vivo “[...] é aquele que domina e regula em
benefício de sua atividade incessante as energias que de outro modo o destrui-
riam. A vida é um processo que se renova a si mesmo por intermédio da ação
sobre o meio ambiente”.
Logo, o indivíduo, na perspectiva deweyana, é um sujeito mutável, em
constante transformação, que participa do meio social, cujos interesses pes-
soais estão associados aos do seu grupo social, numa interação recíproca. Essa
concepção de ser vivo, presente em Dewey, também é influenciada pela ques-
tão biológica, mormente pela teoria de Charles Darwin (1809-1882), defensor
da teoria da evolução das espécies por meio da seleção natural, ou seja,

[...] a significação filosófica da doutrina da evolução re-


side principalmente em pôr em relevo a continuidade
das formas orgânicas mais simples e mais complexas, até
chegar-se ao homem. [...] O efeito disto sobre a teoria do
conhecimento é afastar a noção de ser ela atividade de
um mero observador ou espectador do mundo, noção
essa que vai de par com a ideia de ser, o ato de conhecer,

3 - Neste trabalho, entendemos o termo infância e criança na perspectiva adotada por Araújo
(2007). Segundo o autor, “[...] a infância é uma etapa da vida. Assim como são as fases da vida
a adolescência, a juventude, a adultícia e a velhice. O termo criança se refere concretamente à
pessoa que está vivendo a infância” (ARAÚJO, 2007, p. 186, grifos do autor). Logo, “Infância,
etimologicamente, vem do verbo fari – que significa falar, ter a faculdade e o uso da fala; daí a
derivação como infans, antis (que não fala; que tem pouca idade, infantil, criança). Portanto,
infantia significa dificuldade ou incapacidade de falar, nudez. Já o terno criança tem sua etimo-
logia vinculada ao verbo criar + anca, que significa o indivíduo na infância” (ARAÚJO, 2007, p.
189, grifos do autor).
236 | História e Educação na Amazônia
uma coisa por si mesma (DEWEY, 1979, p. 370-371).

Para o historiador Schilling (2004, p. 91), a teoria darwinista fornece


aos pensadores liberais elementos fundamentais para justificar uma mudan-
ça nas relações sociais, pois “[...] o público leitor identificava-se com expres-
sões como ‘luta pela sobrevivência’, ‘seleção natural’ ou ainda ‘vitória do mais
apto’, que bem traduziam a convivência no capitalismo”. Portanto, a ênfase
no indivíduo em detrimento dos aspectos sociais é fundamentada numa pers-
pectiva biológica.4
Com base nessa concepção de ser vivo, é possível avançarmos no enten-
dimento sobre a discordância teórica do autor em relação aos preceitos defen-
didos pelo modelo da escola vigente de seu tempo. Para Dewey (1976, p. 5-6),
o sistema educacional carecia de reformas, uma vez que toda a sociedade pas-
sava por uma transformação geral, e o campo educacional precisaria acompa-
nhar esse movimento, pois um modelo em que ensinar signifique transmitir
“[...] um produto acabado, sem maior atenção quanto aos modos e meios por
que originariamente assim se fez, nem também quanto às mudanças que segu-
ramente irá sofrer no futuro”, necessita de uma ampla reformulação.
Ao discutir a educação tradicional influenciada pelos princípios religio-
sos, temos a tendência em considerá-la restrita aos preceitos católicos. Entre-
tanto, o confronto posto no contexto estadunidense da época de Dewey está
marcado pela influência dos protestantes sobre o cenário escolar.
Diferente da postura católica em relação à divulgação do conhecimen-
to, o protestantismo defende a liberdade do indivíduo, resguardando, primei-
ramente, a própria leitura do texto bíblico. De acordo com Karnal (2010, p.
47-48),

[...] uma das origens da reforma religiosa na Europa ti-


nha sido a defesa da livre interpretação da Bíblia. [...] Essa
preocupação levou a medidas bastante originais no con-
texto das colonizações da América.

4 - Duarte (2006, p. 137) analisa como a burguesia apropria-se do discurso evolucionista em


prol da sua perpetuação no poder de forma a cristalizar o discurso da seleção natural, ou seja,
sempre foi assim ao longo da história humana, uns vencem ou perdem. “A sociedade burguesa
produz a concepção de que a luta entre os indivíduos é própria da natureza humana e, nessa
luta, cada indivíduo persegue seus interesses particulares. Surge assim a concepção de que o de-
senvolvimento tanto do gênero humano de cada indivíduo é fruto dessa constante tensão entre
individualismo e convivência social. Aquilo que é uma característica específica à organização
social capitalista é universalizado, no plano ideológico, a toda a história humana, transforman-
do a competição própria da sociedade mercantil em algo natural ao ser humano em toda e
qualquer época”.
História e Educação na Amazônia | 237
Segundo o autor, a educação nas 13 colônias tinha a preocupação de
oferecer aos indivíduos o conhecimento das primeiras letras, com intuito de
formar homens doutrinados na ordem religiosa protestante. Mas, conforme
Karnal (2010, p. 48-49),

[é] importante notar que os documentos sobre educação


nas colônias inglesas apresentam um caráter religioso,
mas não clerical. As propostas são, na verdade, leigas. A
educação será feita e paga por membros da comunidade.
[...] Em todos os documentos sobre educação, há a mes-
ma preocupação: o conhecimento das coisas relativas à
religião. Do ensino primário ao superior, o conhecimen-
to da Bíblia parece ter orientado todo o projeto educacio-
nal das colônias inglesas (Grifos do autor).

Apesar da preocupação em promover uma escolarização básica à po-


pulação, não nos iludamos que essa postura expresse uma universalização do
ensino. Conforme Karnal (2010, p. 50), “[...] uma das regiões do mundo onde
o índice de analfabetismo era dos mais baixos” e “[...] tinham um nível de
educação formal bastante superior à realidade dos séculos XVII e XVIII, seja
na Europa ou no restante da América” contrastava com uma realidade mar-
cada pela divisão social do trabalho, pois mesmo “[...] assim, é inegável que
havia mais alfabetizados brancos homens e ricos do que mulheres, negros e
indígenas pobres”.
Portanto, o cenário escolar que está posto não condiz com os anseios
de uma sociedade capitalista, por apresentar métodos e recursos antiquados
que propiciem a formação de indivíduos livres, autônomos e participativos.
Para Marx e Engels (2010, p. 91), essa argumentação de cunho liberal, da ne-
cessidade de mudança no campo educacional, é uma espécie de camuflagem
da real intenção dos capitalistas mais “humanistas”, que se preocupavam com
a educação.
Compartilhando desse sentimento humanista dos capitalistas, Dewey
(1979) reafirma a defesa da democracia como caminho para o progresso so-
cial, sendo que esse modelo educacional deve ser revisto e modificado. Como
vem sendo discutido, a mudança do sistema de ensino extrapola a esfera es-
colar – métodos e conteúdos – e abrange outras esferas (econômica, política,
cultural e social).
Por conseguinte, o confronto posto entre a educação vigente de seu
tempo e as mudanças sociais forneceu, para o autor, as condições indispensá-

238 | História e Educação na Amazônia


veis para a elaboração de um novo modelo educacional, em especial uma nova
ideia de infância, que rompesse com o estado de espírito estático e passivo e
assumisse uma nova postura compromissada com o desenvolvimento econô-
mico, social e político do país.
Para Valdemarin (2010, p. 76), o compromisso de transformar a escola
numa sociedade em miniatura configura um dos seus maiores desafios, pois a
mudança deve atingir o plano administrativo-pedagógico, a relação professor
e aluno e, sobretudo, garantir que a cultura seja “[...] apresentada de modo
simplificado e acessível às diferentes faixas etárias e está depurada das contra-
dições e problemas presentes na sociedade”.
O trecho anteriormente citado nos provoca uma indagação: por que
depurar as contradições e problemas presentes na sociedade? Qual a intenção
de depurá-las? É importante destacar que essa estratégia de divulgação e pro-
dução do conhecimento a partir dos aspectos da cultura local e trabalhar na
resolução de situação-problema são artifícios utilizados para ocultar ao traba-
lhador – nesse caso, a criança e os adolescentes – as mediações essenciais para
entender, por exemplo, o porquê de trabalhar coletivamente ou por que todos
somos necessários para salvar o planeta [sic]. Para Marx (2004, p. 82), esse véu
revestido sobre o trabalhador tem o objetivo de ocultar:

[...] o estranhamento na essência do trabalho porque não


considera a relação imediata entre o trabalhador (o
trabalho) e a produção. Sem dúvida. O trabalho produz
maravilhas para os ricos, mas produz privação para o
trabalhador. Produz palácios, mas cavernas para o traba-
lhador. Produz beleza, mas deformação para o trabalha-
dor. Substitui o trabalho por máquinas, mas lança uma
parte dos trabalhadores de volta a um trabalho bárbaro e
faz da outra parte máquinas. Produz espírito, as produz
imbecilidade, cretinismo para o trabalhador (Grifos do
autor).

Posto isso, identificamos o terreno social com o qual dialoga o autor e


começamos a compreender sua razão para a defesa de uma nova educação,
nova infância e nova escola. Portanto, indagamos: como foi pensada a infância
nesse novo contexto social? A escola cumpre qual papel para formação dessa
infância? A criança é vista como sujeito ou mero projeto social para o futuro?
A criança, na perspectiva deweyana, ganha centralidade não só no que
se refere ao processo de ensino e aprendizagem, mas, numa óptica ampla, ela
assume um papel protagonista para consolidação futura de uma nova socieda-

História e Educação na Amazônia | 239


de. Segundo Dewey (1978, p. 46), a criança:

[...] é o ponto de partida, o centro e o fim. Seu desenvolvi-


mento e seu crescimento, o ideal. Só ele fornece a medida
e o julgamento em educação. Todos os estudos se subor-
dinam ao crescimento da criança: só têm valor quando
sirvam às necessidades desse crescimento. [...] Aprender
envolve um processo ativo de assimilação orgânica, ini-
ciado internamente. De sorte que, literalmente, devemos
partir da criança e nos dirigirmos por ela.

A escola tem um papel central na formação de uma nova infância, pois

[...] o progresso da civilização aumenta a distância entre


a capacidade originária do imaturo e os ideais e costumes
dos mais velhos. [...] A educação, e só a educação, supri-
me essa distância (DEWEY, 1979, p. 3).

Portanto, a escola é um dos meios pelos quais os indivíduos serão for-


mados.
A realização da sociedade democrática está condicionada à questão da
liberdade, educação e experiência do indivíduo e nos remete a pensar sobre
a condição da criança, pois são os membros imaturos da sociedade que pos-
suem o potencial da mudança. Entretanto, Dewey (1979, p. 44) ressalta que
esse potencial na figura da criança não representa um desdenho em relação a
sua fase em detrimento da posterior, pelo contrário, significa direcionar “[...] a
atividade de seus membros mais novos, e determinando-lhes, por esse modo,
o futuro, a sociedade determina o seu próprio”.
Para melhor compreendermos essa relação, o conceito de experiência
é de suma importância, pois nele o autor afirma o princípio da continuidade,
isto é, o ser humano é aquilo que é nesse momento, fruto de suas experiências
passadas e presentes, de modo que as situações futuras representam os interes-
ses e desejos pessoais, influenciados pelo grupo social em que participa.
Segundo Dewey (1979, p. 85), a experiência

[e]m rigor significa [...] um processo ativo prolonga-se


no tempo e que seu período ulterior completa o período
antecedente; projeta luz sobre as conexões nele implica-
das mas até então despercebidas. O resultado final reve-
la, assim, a significação do antecedente, ao passo que a
experiência considerada como um todo estabelece uma
determinada tendência ou disposição para com as coisas

240 | História e Educação na Amazônia


que possuam essa significação. Toda a experiência ou
atividade assim contínua é educativa, e toda a educação
consiste em ter tais experiências.

Para ilustrar melhor essa relação, Dewey (1979, p. 25) explica a dife-
rença de três palavras – direção, controle e guia, que podem ter sentidos pró-
ximos, porém com implicações distintas. Segundo o autor, o sentido de guiar
está mais próximo do sentido da educação, pois “[...] a ideia de auxiliar, por
meio da cooperação, as aptidões naturais dos indivíduos [...]” possibilita à es-
cola explorar atividades que promovam o desenvolvimento e crescimento dos
educandos.
Nesse sentido, é possível perceber que a ideia de criança, para o autor,
está associada à liberdade e à proatividade do indivíduo, pois o desenvolvi-
mento e o crescimento da criança dependerão dessa relação, ou seja, não ocor-
rerá por uma imposição de hábitos e valores do adulto. Por outro lado, isso
não quer dizer que a criança viva num mundo paralelo, separado do mundo
do adulto com interesses próprios e distintos, mas que a incorporação dos há-
bitos e valores do grupo social tem que fazer sentido na vida das crianças, tem
que pulsar em seus movimentos e fazê-las dispor de sua energia para com-
preendê-los e exercê-los.

O primeiro passo consiste em estabelecer condições que


estimulem certos modos patentes e tangíveis de proce-
der; e o passo complementar é tornar de tal modo o indi-
víduo participante ou companheiro na atividade comum
que ele sinta, como seus próprios, os triunfos e os maus
êxitos da mesma. Desde que esteja possuído da atitude
emocional do grupo, terá sempre o cuidado de procurar
conhecer os fins especiais a que o referido grupo aspira
e os meios necessários para garantir o triunfo. Por ou-
tras palavras – suas crenças e ideais assumirão natureza
análoga à dos demais de sua agremiação. E ele assumirá
o cabedal de conhecimentos desta, uma vez que conhecê
-los para o exercício da sua atividade habitual (DEWEY,
1979, p. 15).

Portanto, Dewey (1979) reafirma que a imaturidade da infância, com-


parada com as demais fases da vida humana, não significa incompletude ou
imperfeição, pois, à medida que o processo de desenvolvimento ocorre por
meio das experiências individuais ou em grupo, o crescimento acontece. Des-
sa forma, o indivíduo acumula mais experiência e conhecimento – logo, é o

História e Educação na Amazônia | 241


processo de interação do indivíduo com a sociedade mediado pela experiência
que determina seu crescimento, e não a fase na qual esteja vivendo.
Dewey (1976) acredita que o processo desencadeado pela educação fun-
damentada na experiência e na liberdade do indivíduo traz um novo enfoque
para o trabalho pedagógico, pois, nessa óptica, a centralidade está no aprendiz,
seja ele criança, adolescente ou mesmo adulto, o importante é partir de seu
interesse5 e promover o seu crescimento intelectual e moral.

Considerações finais

É interessante observar que o trabalho pedagógico defendido na visão


dos liberais se assemelha, em parte, aos anseios de uma educação voltada para
a classe proletária, pois, para Marx e Engels (2010), a educação deve desen-
volver os aspectos intelectual, corporal e tecnológico do homem. Contudo, a
diferença aqui se encontra na perspectiva futura de sociedade, pois, para os li-
berais, a educação deve adequar-se às mudanças do contexto e evoluir, sempre
que necessário, para manter essa “ordem natural” das coisas, isto é, a defesa
incondicional da propriedade privada. Já na perspectiva comunista, “[...] o
setor mais culto da classe operária compreende que o futuro de sua classe e,
portanto, da humanidade, depende da formação da classe operária que há de
vir” (MARX; ENGELS, 2010, p. 69).
Para Marx e Engels (2007), a semelhança entre os objetivos é prolongá-
vel até o determinado momento em que a classe dominante é obrigada,

[...] para atingir seus fins, a apresentar seu interesse como


o interesse comum de todos os membros da sociedade,
[...] é obrigada a dar às suas idéias a forma da universali-
dade, a apresentá-las como as únicas racionais, universal-
mente válidas (MARX; ENGELS, 2010, p. 48).

Logo, concluímos o porquê da preocupação do movimento escolano-

5 - No entendimento deweyano, “[i]nteresse é, primeiro, qualquer coisa de ativo ou propulsivo­ –


nós tomamos interesse, isto é, tomamos impulso, empenhamo-nos ativamente nisto ou naquilo.
Em interesse, não há simplesmente um sentimento inerte ou passivo, mas alguma coisa de mo-
triz, de dinâmico. Em segundo lugar, interesse é objetivo. Dizemos: Fulano tem muitos interesses
de que tratar. Comentamos a extensão dos seus interesses – comerciais, locais, etc. identificamos
interesses a negócios. Interesses, assim, são sempre concretizados em alguma coisa, não se con-
fundindo com simples sentimentos. Em terceiro lugar, ainda, o interesse é pessoal. Significa que
estamos diretamente ligados a alguma coisa que tenha importância para nós. Por isso, além dos
seus aspectos de atividade e de objetividade, tem um aspecto emocional e pessoal” (DEWEY,
1978, p. 71, grifos do autor).
242 | História e Educação na Amazônia
vista em incorporar princípios que são comungados por vários grupos e ten-
dências em prol da reformulação pedagógica, pois sua intenção principal é

[...] entre outras coisas, que eles dominem também como


pensadores, como produtores de ideias, que regulem a
produção e a distribuição das ideias de seu tempo; e, por
conseguinte, que suas ideias sejam as ideias dominantes
da época (MARX; ENGELS, 2010, p. 47).

Com esse entendimento, Dewey (1979) considera a criança o prota-


gonista dessa renovação pedagógica por duas razões: a primeira, por ser um
sujeito imaturo e inexperiente, e a segunda, por ter a capacidade de desenvol-
vimento e crescimento.

[...] capacidade, uma aptidão, um poder; [...] energia,


força. Ora, quando dizemos que imaturidade significa a
possibilidade de crescimento, não nos referimos à au-
sência de aptidões que poderão surgir mais tarde; referi-
mo-nos a uma força atual – a capacidade e aptidão para
desenvolver-se (DEWEY, 1979, p. 44, grifos nossos).

É possível perceber, claramente, a concepção de infância do autor, isto


é, a infância, na perspectiva deweyana, é pensada a partir da relação da expe-
riência com o meio social e sua potencialidade de mudança, algo que contribui
decisivamente para realização de uma sociedade democrática.
Portanto, percebemos que a concepção de infância em Dewey (1979)
coloca a criança no centro do processo educativo e social, ou seja, por meio
das experiências infantis é possível ampliar seu estado cognitivo, emocional,
cultural e político, e, ao final desse processo, o propósito é formar homens
com capacidade de liderança, espírito participativo e talento criativo na reso-
lução de situações-problema do cotidiano.
O propósito almejado pelo filósofo nos desafia a pensar a realização
dessa nova concepção. A liberdade, a democracia e a experiência livre do edu-
cando são possíveis dentro de uma sociedade determinada pelas condições
materiais desiguais? Ou melhor, é possível para qual classe social?
Nessas circunstâncias, vale ressaltar que nos deparamos com uma con-
cepção de mundo, de sociedade e de homem em que, para nós, é inviável a rea-
lização plena de tais atividades. Segundo Kosik (1976, p. 15, grifos do autor), o
sistema capitalista opera um mecanismo que transfigura a realidade concreta
para uma realidade abstrata, isto é, projeta “[...] na consciência do sujeito, de
determinadas condições históricas petrificadas”.
História e Educação na Amazônia | 243
Logo, acreditamos que somente uma transformação nas relações sociais
tornaria viável a concretização da liberdade e da democracia. Isso quer dizer
uma sociedade sem exploração do trabalho alheio para fins privados, de acu-
mulação de capital, uma associação livre dos homens em que o princípio do
trabalho coletivo seja extraído das reais necessidades humanas.
Para Marx e Engels (2010, p. 106), a realização da sociedade comunis-
ta será obra dos próprios trabalhadores organizados em classe, fruto de sua
luta histórica contra a exploração do trabalho. Logo, como consequência dessa
ação política,

[...] desaparecerá toda a diferença de classe. Por isso, a so-


ciedade organizada segundo o modo comunista é incom-
patível com a existência de classes sociais e oferece dire-
tamente os meios para eliminar tais diferenças de classe.

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História e Educação na Amazônia | 245


246 | História e Educação na Amazônia
A Sociedade Amazonense de Professores
e as diretrizes educacionais para o
estado do Amazonas (1932-1937)1
LUCIA REGINA DE AZEVEDO NICIDA
Universidade do Estado do Amazonas (UEA)
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
Instituto Nacional de Saúde da Mulher,
da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF)

MARCOS ANDRÉ FERREIRA ESTÁCIO


Universidade do Estado do Amazonas (UEA)

Introdução

Com a análise do contexto apresentado pelo Estado brasileiro, em es-


pecial das tentativas de reformas educacionais que se desenrolaram desde a
década de 1920, é possível observar que, dentre os desdobramentos por ela
gerados, inúmeras foram as iniciativas por parte dos estados da Federação
que, àquela época, tinham por intenção formar uma elite com maior preparo
intelectual (FAUSTO, 2012).
Destacou-se, naquele período, a ocorrência tanto do movimento do en-
tusiasmo pela educação, em que se preconizava o desejo de abertura de esco-
las, quanto o do otimismo pedagógico, voltado para uma maior preocupação
com os métodos e conteúdos que deveriam ser adotados (GHIRALDELLI JU-
NIOR, 2008).
Nesses movimentos, identifica-se a propagação dos ideais escolanovis-
tas de John Dewey, Jean Ovide Decroly e Maria Montessori, que por sua vez
serviram de suporte teórico para as atuações brasileiras, com destaque para as
de Anísio Teixeira, Fernando Azevedo, Lourenço Filho, Francisco Campos e
Carneiro Leão.
Com a ascensão de Vargas ao poder em 1930, novas tendências surgi-
ram no panorama nacional, e no campo educacional, observa-se uma postura
de direcionamento do centro para a periferia, com a instalação de uma orga-
nização centralizadora, materializada pela criação do Ministério da Educação
e Saúde Pública.
Assim, a política educacional nacional passa a ser dirigida, em grande

1 - Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).


História e Educação na Amazônia | 247
parte, pelas figuras destacadas anteriormente, e como estratégia de atuação
promoveu-se a difusão de suas ideias por intermédio da Associação Brasileira
de Educação (ABE) – criada na década de 1920 –, de suas conferências e con-
gressos, e também com a criação de entidades e associações nos estados da
Federação para que propagassem as diretrizes que deveriam ser implantadas.
Nesse sentido, o presente estudo objetivou analisar a criação e o de-
senvolvimento da Sociedade Amazonense de Professores (SAP), na década
de 1930, e como ela se relacionou com os programas nacionais estabelecidos
a partir da Revolução de 1930, identificando as especificidades relativas ao
estado do Amazonas. A metodologia adotada neste trabalho foi de natureza
qualitativa e o tipo de pesquisa foi documental.
Por fim, tomando como objeto de estudo a Revista de Educação da SAP,
compreende-se que o estudo de periódicos tem muito a nos revelar a respeito
da dinâmica de uma determinada sociedade, possibilitando-nos uma aproxi-
mação com o pensamento coletivo, os quais são, muitas vezes, omitidos dos
registros e fontes tradicionais.

A Sociedade Amazonense de Professores: diretrizes educacionais


para o estado do Amazonas

O entendimento do significado da fundação da Sociedade Amazonense


de Professores, em 4 de julho de 1930, perpassa a compreensão de que no pe-
ríodo assinalado são adotadas várias medidas de caráter autoritário, por parte
do Estado brasileiro, para organizar a educação de cima para baixo, ação esta
inicialmente associada a um grupo de educadores ligados aos ideais da Escola
Nova e, contraditoriamente, também integrada aos pensadores católicos, mas
que pode ser entendida quando se verifica que a Igreja Católica constituiu-se
como base de apoio, de significativa importância para o governo (FAUSTO,
2012).
Desta feita, a compreensão da forma como a SAP se desenvolveu per-
passa também a identificação e o estudo do contexto em que se encontrava
o estado do Amazonas, o qual vivenciava, de forma peculiar e distinta dos
demais estados da Federação, a sua imersão na crise gerada com a queda da
borracha.
No entender de Souza (2009, p. 312-313),

Enquanto o sul amadurecia, promovendo a instalação


de uma economia competitiva, inicialmente de maneira
tímida e, depois, com rápidas mudanças, num processo

248 | História e Educação na Amazônia


que se completaria em 1930, os empresários extrativis-
tas viviam mergulhados no delírio da monocultura, com
uma estrutura tão antiga que só por um milagre de mau
gosto pôde se manter durante trinta anos.
Essa defasagem constante e tão característica da expe-
riência amazônica oferecia amargos frutos. Quando os
coronéis acordaram do delírio e tentaram uma aliança,
mesmo precária, com as classes hegemônicas no poder,
sentiram que o panorama era outro e exigia funções no-
vas para o extrativismo. A elite amazônica não possuía
alcance ideológico para preencher essa exigência nem
o Brasil possuía recursos para mudar a órbita da região
rumo a uma trajetória de autossustentação, semelhante
ao fenômeno sulista. A borracha, ao contrário do café,
não era tipo de matéria-prima que permitia o mínimo de
dinamismo próprio em relação ao mercado mundial. Ou
era mantida sob subordinação direta ou estava voltada
ao desprezo. Ou ligava-se a borracha a uma estrutura di-
nâmica, que o Brasil não possuía, ou atolava-se no ma-
rasmo.

Essa situação de crise estendeu-se por vários setores da sociedade ama-


zonense, onde, diariamente, eram divulgadas notícias da saída apressada de
inúmeras famílias do estado do Amazonas, na tentativa de se afastarem da
grave situação econômica e da falta de perspectiva local. Por sua vez, a eli-
te que permaneceu não possuía força política capaz de reivindicar e atrair o
apoio que necessitava, em especial dos estados tradicionalmente mais fortes
da Federação, os quais pudessem contribuir para a superação de tantos obs-
táculos.
A esse quadro de crise, ainda se soma a grande instabilidade política
vivida pelo Amazonas no referido período, pois os

[...] moços não tinham horizontes e os velhos só pos-


suíam olhos, lacrimejantes, para a bancarrota. O Ama-
zonas submergia ao peso do determinismo histórico. Os
próprios homens de letras, desesperados na luta contra
o meio. Isolaram-se, emudeceram, só alguns permanece-
ram fiéis às cogitações da inteligência. Os estabelecimen-
tos oficiais de ensino entraram a se despovoar de alunos
e professores, estes porque não eram pagos (Plácido Ser-
rano, para viver e não abandonar a liça, se desfazia dos
próprios livros), e aqueles porque não tinham estímulo e
muitos nem dispunham de elementos com que se apre-

História e Educação na Amazônia | 249


sentar na classe. Uma geração toda naufragou intelectual-
mente (BATISTA, 1946 apud SOUZA, 2009, p. 314-315).

É justamente em meio a esse quadro delineado por Djalma Batista que


a SAP passa a desenvolver suas atividades, objetivando

[...] proteger e congregar o professorado deste Estado,


para tornar o mais efficiente possível a sua acção cultural
sobre as classes populares, em torno dos novos ideaes de
educação (ESTATUTOS SAP, Art. 2º).

E com o intuito de atrair o professorado e os que pudessem ter afini-


dade com a sua causa, passa a desenvolver variadas estratégias de divulgação
para que, por meio dos discursos, palestras, publicações e eventos culturais,
pudessem ser esclarecidos os conteúdos aos quais se desejavam que se tornas-
sem a marca do estado do Amazonas.
Exemplo disso é o discurso do professor Francisco Fernandes Costa,
por ocasião da colação de grau dos normalistas da turma de 1931 (COSTA,
1932a; COSTA, 1932b). Nele, Costa esclarece sobre a missão social de ensinar
e de “modelar” o caráter das crianças no caminho do civismo e na formação
de verdadeiros cidadãos que honram sua nacionalidade. E mais, afirma que
as tendências modernas se afastam das antigas concepções individualistas de
família e de castas para se aproximar daquelas cujo foco é a consciência social,
o espírito de povo e de humanidade, e dessa forma os problemas educacionais
são tidos como problemas sociais e as escolas como locais de onde devem
emergir energias que atuem na massa.
Em relação aos métodos pedagógicos, ele faz uma análise de que aqueles
que centram sua preocupação na memorização de matérias na verdade impe-
dem o pleno desenvolvimento da inteligência e aptidão dos alunos. Adverte
que no novo programa educacional a escola

[...] deve ser o meio, o ambiente no qual as forças do jo-


vem são estimuladas; a comunidade humana em que se
desenvolve, conforme as leis da natureza, o pensamento
livre. Certos conhecimentos podem paralyzar uma expe-
riencia séria do trabalho e da vida. A moralidade e a soli-
dariedade humana não são sciencias ensinadas de cadei-
ra, senão principios directores, regras de vida que cada
um adquire em suas relações multiplas com os homens e
com o mundo physico (COSTA, 1932a, p.18).

250 | História e Educação na Amazônia


O autor estabelece, por fim, a relação entre a escola e o trabalho, no
sentido de que, como parte da sociedade, a escola deve estar integrada às ne-
cessidades reais que a sociedade apresenta, compreendendo que a vida dessa
sociedade tem relação com o seu desenvolvimento econômico e, por conse-
guinte, com o trabalho por ela realizado.
Percebe-se, pelas afirmações de Costa (1932a, 1932b), a afinidade e a
proximidade tanto no que diz respeito ao discurso nacional voltado para a
formação de uma mão de obra que atendesse as necessidades do projeto que
se estabelecia para o desenvolvimento do País quanto ao movimento de for-
mação de um professorado que se tornasse fiel aos ideais agora defendidos, em
consonância com a Escola Nova.
Insere-se aí também, pela perspectiva amazonense, a necessidade de re-
vitalização da situação cultural do Estado no intuito de diminuir as diferenças
sociais e econômicas quando comparado aos estados que tradicionalmente
controlavam a vida socioeconômica do País.
A postura de direcionamento do centro para a periferia pode ser iden-
tificada em comunicados e convites que foram publicados na Revista de Edu-
cação da SAP. Como exemplo disso, tem-se o de Lourenço Filho, que, ao se
dirigir à diretoria geral de Instrução Pública do Amazonas, em nome da Asso-
ciação Brasileira de Educação (ABE), para tratar da V Conferência Nacional
de Educação, passa-lhe instruções sobre os procedimentos que deveriam ser
adotados, preliminarmente, pelo referido estado na seara educacional.
Informa Lourenço Filho que, para a participação na referida conferên-
cia, a ser realizada em 9 de dezembro de 1932, deveria ser montada uma co-
missão especial com 21 membros para representar cada governo estadual e o
Distrito Federal. Ressalta que tal comissão devia realizar estudos para serem
relatados na conferência, os quais seriam atribuições dos governos federal, es-
taduais e municipais em relação ao ensino primário, secundário, profissional
e normal.
Finaliza o comunicado afirmando que as manifestações a serem ex-
pressas não terão responsabilidade oficial, mas serão apenas para oportunizar
aos técnicos expressarem suas opiniões e esclarece que a referida temática já
estava sendo estudada por um grupo de dez membros da ABE. Solicita ain-
da que os governos estaduais estimulem a participação de um maior número
de professores do ensino primário nas discussões das temáticas educacionais
(LOURENÇO FILHO, 1932a).
Desta feita, confirma-se pelo comunicado que a chamada para parti-
cipação nas discussões não tinham por intenção a construção coletiva de di-

História e Educação na Amazônia | 251


retrizes e saberes, haja vista estes já estarem sendo definidos nacionalmente,
evidenciando-se, apenas, como uma forma dos professores dos estados e mu-
nicípios terem conhecimento das ideias preestabelecidas.
No que concerne à atuação da SAP no contato com os professores ama-
zonenses, se, por um lado, é perceptível nos artigos apresentados pela revista
uma preocupação e atenção voltada para a formação e criação de turmas no
curso normal para atender a um número cada vez maior de professores, perce-
be-se também, nos frequentes movimentos que se realizava com a intenção de
atraí-los à causa escolanovista, que a adesão estava aquém do que desejavam
aqueles que defendiam tal proposta.
Isso posto, tem-se que, muito embora a adesão realmente estivesse
aquém do quantitativo almejado pela SAP, ela era, no mínimo, coerente com
a situação do contexto político, socioeconômico e cultural vivido pelo estado
do Amazonas naquele período de crise, o qual trazia em si uma desestabiliza-
ção das atividades intelectuais e pedagógicas.
Ou seja, se em 1932 o movimento em defesa e adesão ao escolanovismo
encontrava-se em plena expansão em outros contextos nacionais, no Amazo-
nas a Sociedade Amazonense de Professores enfrentava uma forte crise, pois
afirma Julio Uchôa (1932a, p. 9) que

Quando Mercedes Dantas aqui andou como mensageira


enthusiasta da escola nova, de accôrdo com a orienta-
ção do eminente educador patricio, doutor Fernando de
Azevedo, fundou, com seguras bases, a Sociedade Ama-
zonense de Professores. Approvados os seus Estatutos e
empossada a primeira Directoria, no dia 4 de Julho de
1930 – dia da fundação – a Sociedade obteve triumphos
em toda linha; poucos tempos depois, achavam-se ins-
criptos no quadro social 180 socios. A Directoria, com-
posta dos melhores elementos do magisterio publico,
creou as mais acertadas medidas, tendentes a engrande-
cer e desenvolver cada vez mais, o raio de acção da novél
aggremiação.
Entretanto, pena é confessar o fastigio da Sociedade foi
de curta duração; logo sobreveio o declinio. Os socios co-
meçaram a sahir. O seu quadro social ficou reduzido a 40
socios, dos quaes apenas 25 quites, com visivel tendencia
de baixar mais ainda esse numero. O desanimo era geral;
o desapparecimento da Sociedade era fato consumado.
Em cada membro da reduzidissima Assembléa Geral de
27 de Junho – dia das eleições – pairava um espesso veu
de tristeza. Que o digam aquelles que ali se achavam (Gri-
252 | História e Educação na Amazônia
fos do autor).

Nessas condições, assume uma nova diretoria aos 4 de julho de 1932,


presidida por Julio Uchôa, que apresentou o seu programa de trabalho com
as seguintes ações: reforma do estatuto com elaboração de um plano de be-
nefícios cuja primeira etapa de implantação cobriria descontos em caso de
hospitalização e cota funeral para os sócios que estivessem em dia com sua
contribuição; e em uma segunda etapa seria incluído o direito a consultas mé-
dicas e fármacos de forma gratuita, amparo às crianças pobres, pensão e auxí-
lio monetário aos sócios necessitados.
Essas propostas da nova diretoria da SAP evidenciam que, além das
questões educacionais propriamente ditas, e em razão das condições de pre-
cariedade enfrentadas pela sociedade amazonense, esta desenvolveu outras
ações no sentido de oferecer suporte aos associados para que pudessem supe-
rar as dificuldades do cotidiano.
É oportuno ressaltar que também foi incluído, no plano de recupera-
ção da SAP, o estabelecimento das ações que doravante se tornariam mais
intensas, dentre elas a propaganda junto aos grupos escolares, escolas isoladas
e estabelecimentos de ensino particular, a fim de demonstrar os benefícios
para aqueles que a ela se filiassem. E assim, com um mês de atuação, a nova
diretoria já registrava a entrada de mais 160 sócios, e por ocasião da edição da
Revista de Educação de nº 3 (1932a) ela contabilizava 215 associados.
Avançando na análise de como se delineou as atividades da Sociedade
Amazonense de Professores, é esclarecedor o relatório apresentado na As-
sembleia Geral de 1937, por Eunice Serrano Telles de Souza (1937), a qual
apresentou as ações adotadas durante a sua gestão à frente da presidência da
diretoria no período de 1936 a 1937. Nas afirmações de Eunice Serrano, iden-
tificou-se que, passados sete anos de atuação, ainda era reduzido o número de
professores associados, perfazendo um total de 292, e que o funcionamento da
sociedade ocorria em um espaço cedido dentro de um grupo escolar.
Porém, ressaltou a conquista da sede própria, a qual era de fundamental
importância para que se ampliassem as atividades, e também a criação de um
ambiente mais agradável e atrativo aos professores, como já era realizado por
outras sociedades semelhantes do sul do País.
Argumentou ainda Eunice Serrano que a capacidade financeira da SAP
não possibilitava a realização de planos mais amplos e solicitou apoio material
e moral do governador do estado do Amazonas, Alvaro Maia, e do diretor do
Departamento de Educação e Cultura, Themistocles Gadelha, afirmando que
até a frequência de publicação da Revista de Educação encontrava-se prejudi-
História e Educação na Amazônia | 253
cada.
Com relação às atividades que estavam sendo desenvolvidas para elevar
o conteúdo dos professores, tem-se: a Hora de Estudo, com espaço reservado
para os docentes assistirem aula nos dias de seção da SAP; aquisição de publi-
cações para biblioteca; negociação com o governo do estado para se convidas-
sem técnicos em assuntos pedagógicos modernos para ministrarem cursos de
aperfeiçoamento.
A essas ações, acrescente-se o contato com outras associações, autorida-
des federais, estaduais e municipais para trocarem informações e circulares. E
isso é comprovado na seguinte afirmação de Souza (1937, p. 5):

Por força de nossos Estatutos, somos filiados á Federação


Nacional das Sociedades de Educação que, no entretanto,
não se tem correspondido com esta Directoria.
Logo depois de assumirmos a Presidencia recebemos
um officio da Associação Brasileira de Educação, comu-
nicando a filiação de nossa Sociedade áquella, segundo
decisão de seu Conselho Director. Surprehendidos com
a comunicação que nos fôra feita, dirigimos o seguinte
officio: Ilmo. Sr. Presidente da Associação Brasileira de
Educação. ‘Accuso com prazer o recebimento de vosso
officio de 15 de junho recem-findo, communicando a de-
liberação do Conselho Director da A. B. E. concernente á
filiação da S. A. P. a essa distincta aggremiação.
Cumpre-me, entretanto, solicitar-vos esclarecimentos
sobre se, estando esta Sociedade, de accordo com seus
Estatutos – art. 84, cap. 12. Disposições geraes – filiada já
á Federação Nacional das Sociedades de Educação, pode-
rá filiar-se a outra congenere. Agradecendo a deferencia
contida na decisão do Conselho Director e retribuindo os
votos de prosperidades feitos a esta Sociedade, subscre-
vo-me com apreço e estima. Luna Graça Fortunato – S.
Geral’.

Assim, o sistema educacional que se impunha tornou-se referência ba-


silar do processo de unificação e centralização do Estado brasileiro, posicio-
nando-se como elemento central de modernização intelectual, com a adoção
dos ideais da Escola Nova, os quais se desenvolveram a partir dos anos 1930,
incluindo-se como um dos principais critérios que consolidariam o progresso
do Brasil.
Para tanto, além do estabelecimento das diretrizes educacionais, foi de
fundamental importância o comprometimento e a dedicação das pessoas que
254 | História e Educação na Amazônia
se envolveram na criação e consolidação da SAP como parte desse processo
nacional. Tal envolvimento possibilitou a adaptação de estratégias de atração
do professorado de acordo com a realidade do contexto amazonense e con-
tribuiu com atividades voltadas para efetivas alterações do fazer pedagógico,
e também com atuações mais amplas como aquelas voltadas para benefícios
sociais e de saúde.

Considerações finais

Ao analisar a criação da Sociedade Amazonense de Professores, identi-


ficou-se que, embora estivesse relacionada a um movimento localizado, regio-
nal, ela também estava ligada ao movimento educacional nacional implemen-
tado no início dos anos 1930, que objetivava a propagação e divulgação dos
ideais escolanovistas e a implementação, nos diversos estados brasileiros, das
proposições de unificação e uniformização estabelecidas pelo governo federal.
Nesse sentido, foi notório o intenso movimento ocorrido no estado do
Amazonas, mas os resultados na formação do grupo de professores ligados
aos ideais propostos pela SAP seguiram um ritmo determinado pelo contexto
social, político, econômico e cultural vivido pela sociedade amazonense da
época, que impunha como marca a superação de inúmeros obstáculos que se
apresentavam em seu cotidiano.
Por fim, mas não menos importante, destaca-se que a interferência de
agentes externos na sociedade na qual se pretende desenvolver um programa
ou projeto – no caso estudado, uma proposta educacional – corresponde a
apenas uma parte desse processo, pois, para que ele seja exitoso, faz-se neces-
sário o comprometimento de pessoas do próprio local que conheçam a sua
dinâmica e de acordo com as necessidades possam empreender as modifica-
ções que se façam necessárias, e também um ambiente conjuntural propício e
favorável ao seu desenvolvimento, o qual muitas vezes envolve outros setores
para além do educacional.

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO - ABE. Comunicado de Lourenço Fi-


lho da V Conferência Nacional de Educação. In: SOCIEDADE AMAZONENSE DE
PROFESSORES. Revista de Educação, Manaus, anno II, n. 3, p. 15, ago./set. 1932a.

COSTA, Francisco Fernandes. Discurso pronunciado pelo professor Francisco Fer-

História e Educação na Amazônia | 255


nandes Costa, orador official, na occasião de collarem o gráo os normalistas da turma
de 1931. Revista de Educação, Manaus, anno II, n. 3, p. 18, ago./set. 1932a.

______. ______. Revista de Educação, Manaus, anno II, n. 4, p. 15-17, out./nov.


1932b.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2012.

GHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. História da Educação Brasileira. São Paulo: Cortez,


2008.

LOURENÇO FILHO, Manuel Bergström. Introdução ao Estudo da Escola Nova:


bases, sistemas e diretrizes da pedagogia contemporânea. 11. ed. São Paulo: Edições
Melhoramentos, 1974 (Biblioteca de Educação, Obras Completas de Lourenço Filho,
v. II).

______. V Conferência Nacional de Educação (Associação Brasileira de Educação).


Revista de Educação, Manaus, anno II, n. 3, p. 15, ago./set. 1932a.

SOCIEDADE AMAZONENSE DE PROFESSORES. Estatuto da Sociedade Amazo-


nense de Professores. Manaus: 1930.

SOUZA, Eunice Serrano Telles. Relatório. Revista de Educação, Manaus, anno V, n.


25, p. 3-6, fev./ago. 1937.

SOUZA, Márcio. História da Amazônia. Manaus: Valer, 2009.

UCHÔA, Julio. Em plena acção! Revista de Educação, Manaus, anno II, n. 3, p. 9-10,
ago./set. 1932a.

256 | História e Educação na Amazônia


Escola Nova no Amazonas:
a Revista de Educação da Sociedade
Amazonense de Professores1
LUCIA REGINA DE AZEVEDO NICIDA
Universidade do Estado do Amazonas (UEA)
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
Instituto Nacional de Saúde da Mulher,
da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF)

MARCOS ANDRÉ FERREIRA ESTÁCIO


Universidade do Estado do Amazonas (UEA)

Introdução

Desde meados do século XIX, a escola tradicional tem sido alvo de


constantes críticas pelos adeptos do ideário educacional escolanovista. Ela foi,
historicamente, reivindicada nos séculos XVII e XVIII pela burguesia revolu-
cionária a qual ascendia em meio à decadência do feudalismo, pautada pelos
ideais educacionais de tendência liberal. Tais ideais, que acompanhavam o
processo histórico de organização da sociedade capitalista na eliminação dos
remanescentes feudais, transformaram-se em razão do contexto revolucioná-
rio do século XIX.
Almejando consolidar e preservar as relações sociais capitalistas que
eram ameaçadas e contestadas, a educação tornou-se historicamente con-
servadora, limitando o desenvolvimento individual aos valores e normas da
sociedade de classes. Foi contra esse conservadorismo na educação que sur-
giu a Escola Nova, cuja função seria fortalecer o indivíduo, desenvolver suas
aptidões pessoais e levá-lo a adotar valores e virtudes sociais essencialmente
necessários à nova dinâmica social.
A razão do fracasso na formação dessas virtudes não era atribuída à
escola como tal, mas sim ao tipo de escola existente. Assim sendo, defendia-se
um novo método, com o fito de que a classe trabalhadora fosse incorporada ao
Estado, reformando-o. As desigualdades sociais e econômicas passavam a ser
atribuídas aos indivíduos, que possuíam diferenças naturais.
Isso posto, é inegável que os ideais e as experiências relativas à Escola

1 - Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).

História e Educação na Amazônia | 257


Nova suscitaram, e ainda suscitam, estudos e pesquisas. E mais: desde o seu
surgimento, esses trabalhos propõem discussões a respeito dos entendimentos
sobre o escolanovismo, almejando tanto o aprofundamento quanto a amplia-
ção das perspectivas frente às suas mais diversas interpretações e aplicações.
Desta feita, o presente artigo objetiva analisar os ideais da Escola Nova
difundidos pela Revista de Educação da Sociedade Amazonense de Professo-
res (SAP), no período de 1932 a 1937, no estado do Amazonas. A metodologia
adotada neste trabalho foi de natureza qualitativa, e o tipo de pesquisa, a do-
cumental.
Por fim, compreendemos a inegável importância dos periódicos, em es-
pecial os educacionais, pois esses impressos permitem estudar fatos e feitos,
aparentemente irrelevantes do cotidiano – até mesmo os anúncios de varieda-
des presentes nas revistas representam uma via de acesso aos fenômenos mais
gerais do passado e constituem-se fontes privilegiadas para aproximação ao
pensamento coletivo de uma determinada época.

A Escola Nova no Amazonas e a Revista de Educação da Sociedade


Amazonense de Professores

A Sociedade Amazonense de Professores (SAP), fundada aos 4 de julho


de 1930, com sede e foro na cidade de Manaus, objetivava

[...] proteger e congregar o professorado deste Estado,


para tornar o mais efficiente possível a sua acção cultural
sobre as classes populares, em torno dos novos ideaes de
educação (SOCIEDADE AMAZONENSE DE PROFES-
SORES, 1930, Art. 2º).

A referida sociedade foi fundada no estado do Amazonas “[...] pela pro-


fessora carioca Mercedes Dantas, que aqui esteve em propaganda da escola
nova” (UMA SOCIEDADE..., 1932, p. 8, grifos do autor). A SAP contou ainda
com o patronato de Plácido Serrano, Álvaro Maia, Agnello Bittencourt, Vi-
valdo Lima, Antonio Telles de Souza, Julio Uchoa, Eunice Serrano Telles de
Souza, Raymunda Chevalier, Herminia Carneiro de Lima e Alcina Limaverde
Barros.
Para a execução de seu programa, a sociedade procuraria, dentro de
suas possibilidades:

a) cultivar o espirito de solidariedade entre os socios,


promovendo a união da classe professoral, de modo a

258 | História e Educação na Amazônia


estabelecer um nucleo poderoso que fortifique e proteja
a mesma classe, em todas as suas emergenciais sociaes;
b) pugnar pelo interesse da classe, patrocinando todas
as causas justas em que ella se empenhe, quer affectem
os direitos da collectividade, quer os de cada socio em
particular;
c) actuar harmonicamente sobre o meio social colabo-
rando com os poderes publicos na obra da civilização
brasileira;
d) propugnar pela autonomia didactica e pela responsa-
bilidade educativa do professor, em collaboração com os
paes;
e) influenciar sobre as iniciativas particulares, orientando
-as no sentido dos modernos principios educativos;
f) dar ao professor a possibilidade de adquirir uma cul-
tura uniforme e generalizada que facilite o exercício das
funcções de que elle se acha investido;
g) promover reuniões de caracter educacional e recrea-
tivo, ás quaes poderão comparecer, além dos socios,
pessôas estranhas ao quadro social, mediante convite da
Directoria;
h) crear o cooperativismo, entre socios, o qual será regu-
lamentado;
i) distribuir beneficiencias aos socios necessitados;
j) formar um ambiente de alegria e bom humor entre os
sócios por meio de jogos recreativos e outros divertimen-
tos licitos;
k) promover, por todos os meios ao seu alcance, um
constante intercambio entre os professores;
l) construir ou adquirir, quando lho permita seu patri-
monio, edificios para a CASA DO PROFESSOR, em tor-
no da qual se estabelecerá a assistencia aos socios;
m) manter um museu escolar e uma bibliotheca de cul-
tura geral e de cultura technica especial referente á edu-
cação;
n) estudar e criticar os regulamentos e programas rela-
tivos ao ensino, para apresentar ás autoridades adminis-
trativas sobre as conveniencias de alterações que nelles
devam ser introduzidas;
o) promover a fundação da federação dos círculos de
paes e professores, afim de tornar mais efficientes a obra
dos mesmos circulos;
p) prestar assistência ás creanças pobres, sob qualquer
modalidade;
q) auxiliar ou tomar a seu cargo o funeral dos socios ef-
História e Educação na Amazônia | 259
fectivos e cooperadores (SOCIEDADE AMAZONENSE
DE PROFESSORES, 1930, Art. 3º).

No que tange ao quantitativo de sócios da SAP, estes eram em número


ilimitado, sem distinção de culto, política, nacionalidade ou sexo e classifica-
vam-se em: efetivos, cooperados e correspondentes. A primeira classificação
refere-se aos docentes de instituições de ensino públicas ou particulares, sejam
eles de nível primário, secundário ou superior, e dividem-se em: “a) Fundado-
res, os que assignaram a acta de installação da Sociedade; b) Contribuintes, os
que ingressaram no quadro social depois da installação da Sociedade” (ESTA-
TUTOS SAP, Art. 6º, § 1º, grifos do autor).
Os cooperados eram os alunos e mestres da Escola Normal e todas as
pessoas que, não sendo professores, se interessassem pela educação. Já os cor-
respondentes eram aqueles que, residindo fora do Amazonas, fossem, pela di-
retoria ou pela assembleia geral, considerados capazes de prestar à sociedade
serviços de ordem moral ou material, bem como aqueles que, pertencendo a
qualquer outra classe, se retirassem definitivamente do território estadual e
que merecessem tal distinção, a critério dos respectivos corpos dirigentes.
Vale ressaltar que existia, ainda, a categoria de sócio benemérito, que
era um título concedido ao sócio de qualquer categoria, desde que tivesse de-
sempenhado ações relevantes para o engrandecimento da Sociedade Amazo-
nense de Professores, devendo tal concessão ter sido aprovada pela assembleia
geral. No que tange à admissão de sócios, esta ocorria após solicitação escrita
do solicitante, a qual era submetida à diretoria para aceitação ou rejeição, sen-
do a decisão desta comunicada ao solicitante para o respectivo conhecimento.
Durante o ano de 1931, a SAP passou por dificuldades, pois

[...] minguaram-lhe as forças, corroídas as suas fibras por


agentes pestiferos imprevistos: desenfreada má vontade
ou insopitavel desanimo de muitos dos que deveriam
apoia-la, a crise politica convulsionando o paiz e origi-
nando a crise economica, etc. (SURGE..., 1932, p. 1).

Comprovação de tal colapso é que, dos 180 sócios, ficaram apenas 40,
com visíveis prenúncios do aniquilamento da sociedade.

Mas eis que o milagre se opera. Surge et ambula, balbucia


o thaumaturgo das novas esperanças; e, sobre os andrajos
do amesquinhado derrotismo, toma novo surto a S.A.P.
e, consequentemente, a REVISTA reassume o seu posto
na arena da luta, cheia de novas energias, disposta a se-
260 | História e Educação na Amazônia
guir a senda que lhe traçaram os seus primitivos orienta-
dores, apenas com esta pequena modificação: apparece-
rá, doravante, bimestralmente e não mais por trimestre
(SURGE..., 1932, p. 1, grifos do autor).

O seu rejuvenescimento ocorreu em meados de agosto de 1932, e já em


janeiro de 1933 passava a contar com 250 sócios (UCHÔA, 1932; 1933). E
mais: tanto a Revista de Educação quanto a própria SAP foram apresentadas
como instrumentos de publicidade e divulgação dos ideais de seus fundadores
declaradamente inseridos e comprometidos com os ideais da Escola Nova.
Prova disso é o artigo intitulado de Manacapurú e o problema da edu-
cação (MANACAPURÚ..., 1932), no qual é apresentada a experiência edu-
cacional vivida no referido município do estado do Amazonas. A escolha do
município se deve ao fato de a revista considerá-lo, dentre os municípios do
interior, como o mais adiantado no que se refere à instrução pública, sendo
apresentadas as experiências das seguintes escolas:

• Instituto Araújo Filho, considerado como escola ati-


va, pois possuía, à época, um bom material didático,
museu, oficinas de trabalhos manuais, laboratórios de
física e química, jardim, sala de iniciação geográfica,
entre outros;
• Escola Tiradentes, a qual traz como peculiaridade a
existência de um bosque onde são realizadas aulas ao
ar livre;
• Escola Ruy Barbosa, tida (pela revista) como possui-
dora de um ambiente perfeito para a personalidade
da criança;
• Escola Felipe dos Santos, “esplendido viveiro, onde
se pratica, a pedagogia activa da escola nova” (MA-
NACAPURÚ..., 1932, p. 2, grifos no original), desta-
cando a existência do “Círculo de Paes e Professores”
(MANACAPURÚ..., 1932, p. 2).

Outro destaque exposto no artigo acima se refere à suposta marca do


sucesso da instrução pública de Manacapuru, em razão da organização – se-
gundo o texto, inédita no Brasil – de uma “Semana do Trabalho Manual e
Agrícola” (MANACAPURÚ..., 1932, p. 2). A ideia lançada pelo Instituto
Araújo Filho seguiu a seguinte programação:

História e Educação na Amazônia | 261


• 1º dia – Palestra sobre trabalho, com atividade de
limpeza dos lugares escolares e reparação do mobi-
liário escolar;
• 2º dia – Palestra sobre os seis sentidos, com ativida-
de de confecção de objetos escolares;
• 3º dia – Palestra sobre a escola, com atividade de
reparação dos estabelecimentos escolares e trabalho
em barro;
• 4º dia – Palestra sobre agricultura, com atividade de
cultura dos jardins, plantação de árvores em torno
da escola;
• 5º dia – Palestra sobre a utilidade dos museus, com
atividade de busca de materiais para o museu;
• 6º dia – Palestra sobre crimes que a vadiação traz,
com atividades de reparação das ruas que condu-
ziam às escolas.

Identifica-se, na programação proposta, a notória preocupação em con-


jugar-se o conteúdo teórico com sua aplicação prática, bem como a valori-
zação das atividades de participação da coletividade. Ressalta-se que, em seu
texto, o referido artigo não menciona o número de participantes, tampouco o
público-alvo. Entretanto, dos temas que foram tratados na “Semana de Traba-
lho Manual e Agrícola”, conclui-se que estavam relacionados aos responsáveis
pela instrução de crianças.
A partir das várias afirmações presente no artigo Manacapurú e o pro-
blema da educação (MANACAPURÚ..., 1932), concluímos que os ideais es-
colanovistas se faziam presentes em vários aspectos: nas atividades propostas,
nas características dos ambientes citados, na escolha de temas e no desenvol-
vimento das palestras, nas quais encontramos a intencionalidade de formação
de um aluno que não desenvolva somente sua cognição em atividades teóricas
e práticas, mas também que faça despertar em seu interior o comprometimen-
to com as questões da comunidade na qual está inserido, seja ela escolar ou
geral. E mais: percebemos ali a busca de uma adequação do conteúdo escolar
ao contexto vivido pelo discente, especificamente quando aborda temáticas
voltadas para a agricultura.
No que tange a atividades artísticas, estas também foram incluídas na
“Semana de Trabalho Manual e Agrícola”, evidenciando um cuidado com a

262 | História e Educação na Amazônia


formação mais ampla voltada para a questão cultural, por meio da instala-
ção de um teatro, incluindo atividades cênicas de construção de cenários e
da própria formação de plateia. Por fim, identificamos, no referido artigo, a
manifestação de incentivos às atividades didáticas novas e à identificação de
seus agentes como “pioneiros” (MANACAPURÚ..., 1932, p. 2), termo este de
grande significado no contexto político e educacional brasileiro, a partir dos
anos de 1930.
Em outro artigo, intitulado de O ensino da história (REIS, 1932), de
autoria de Arthur Cesar Ferreira Reis, pode-se acompanhar o movimento de
atualização de procedimentos e conteúdos didáticos e pedagógicos, relaciona-
dos, de modo específico, ao ensino de história no estado do Amazonas. Segun-
do afirmava o autor, não era mais possível se aceitar

[...] o professor que martyrisa o alumno com a chrono-


logia fastidiosa e o rol de nomes que farta e crea para a
disciplina a desconfiança dos moços. Passou esse tempo.
Nem mesmo o compendio é possivel acceitar o que se
condemna no explicador. Alli se deve conter o necessa-
rio para que o joven tenha conhecimento dos episodios
centraes da vida do mundo, com as figuras primordiaes
desses varios casos, figuras que realizaram as transforma-
ções sociaes, operaram de maneira a nos levarem a con-
templal-as na galeria dos heróes, dos homens typos da
humanidade (REIS, 1932, p. 7).

E acrescenta Reis (1932, p. 7) que “[...] o Brasil já [...] comprehendeu


que era preciso reformar a mentalidade do professor e do autor”, referindo-se
como fato já ocorrido, mas, contraditoriamente, afirma que ainda é possível
encontrar aqueles que se opõem e se negam em colocá-las em prática.
Essas afirmações de Arthur Cesar Ferreira Reis evidenciam a eferves-
cência de um período profícuo de transformações, no qual a nova maneira de
ensinar era considerada uma inovação, a qual deveria ganhar espaço frente
a posições que resistiam em defesa da continuação das práticas já existentes.
Mostram-nos ainda a complexidade inerente a essa realidade social e política,
composta por contrastes, contradições e convivências dentro de um mesmo
espaço de forças divergentes que lutam entre si pela prevalência de suas ideias.
Digna de registro é a informação de Reis (1932), relativa à dúvida exis-
tente sobre a questão do ensino da história regional nos colégios primários e
nas escolas normais – dúvida não em relação ao aspecto pedagógico, mas sim
ao seu aspecto político. Isso porque o contexto era de reafirmação do Estado

História e Educação na Amazônia | 263


nacional brasileiro, o qual questionava se os novos métodos e procedimentos
de ensino não seriam perigosos para a formação da criança, pois tenderia para
a valorização do regional, ao passo que o estudo da história do Amazonas,
do Pará, do Rio Grande do Sul ou de Goiás (regiões estas mencionadas pelo
próprio Reis), em detrimento da valorização de figuras nacionais, instigaria a
rivalidade e a fragilidade da integralidade brasileira.
Contudo, Reis (1932) expõe que tal preocupação não foi levada adiante,
optando-se pela interpretação de que o estudo ou as referências dos símbolos
estaduais estavam relacionados às lutas pela reafirmação da nação, reforçando
o estado de unidade política por meio da língua e da religião, dos motivos
econômicos e da formação racial. E dessa forma deveriam ser interpretados
os programas elaborados e divulgados pela diretoria da Instrução Pública do
Amazonas, reforçando a contribuição do estado na constituição e construção
da unidade nacional.
A Revista de Educação da Sociedade Amazonense de Professores apre-
senta, em várias de suas matérias, orientações para o fortalecimento da Escola
Nova no Amazonas, e esses ideais também foram discutidos e analisados no
artigo: Escola de Aprendizes Artífices (ESCOLA..., 1932, p. 8). Nele, são apre-
sentados os novos procedimentos adotados na Escola de Aprendizes Artífices,
que era dirigida por Antônio Carlos Mello Barreto, um “[...] apologista da
nova pedagogia, esposando com extremo carinho as idéas do grande educador
Lourenço Filho de quem é amigo íntimo e sincero admirador” (ESCOLA...,
1932, p. 8), com a descrição das atividades desenvolvidas na respectiva escola:

Todos os sabbados, ás 10 ½, a Escola formada no pateo


interno, ouve com o maior respeito e silencio, a disser-
tação de um dos seus professores, sobre um thema pre-
viamente designado pelo Director. Terminada essa parte,
seguem-se recitativos, comedias, dialogos pelos alumnos
e por fim, hymnos apropriados, encerrando-se sempre a
reunião, com o Hymno Nacional Brasileiro (ESCOLA...,
1932, p. 8).

Embora a experiência seja propalada como atividade escolanovista, ra-


tificada pela apresentação de dados e afinidades pessoais do diretor, vemos, no
entanto, que as ações e atividades apresentadas são práticas de cunho nacio-
nalistas, remetendo-nos às comuns e antigas práticas das escolas tradicionais.
Possibilita-nos a reflexão de que, em determinadas ocasiões, muito embora
existisse a intenção de um alinhamento com os ideais da Escola Nova, as vi-
vências e ações apresentavam-se distantes dos desejos e aspirações de seus
264 | História e Educação na Amazônia
teóricos.
E essa contradição é explicitada na seguinte afirmação, presente na Re-
vista de Educação da Sociedade Amazonense de Professores:

Dizer não é ensinar. Fazer prelecções e discursos não é


ensinar. Ensinar é exercitar a intelligencia do discipulo
para que este, por esforço proprio, aprenda, observe, jul-
gue e raciocine (ESCOLA..., 1932, p. 8).

Desta feita, evidencia-se que a adesão aos ideais da Escola Nova no


Amazonas não seguia uma rigidez conceitual, pois nos anos 1930, no estado,
quando um profissional aderia ao movimento, isso já era considerado uma
conquista, principalmente considerando-se o grande número de associados
afastados das ações desenvolvidas pela SAP, situação esta que a associação es-
forçava-se para superar.
Ressalta-se que, para além das publicações relativas às experiências e
sugestões de trabalho referentes à nova proposta educacional, a Revista de
Educação da SAP também apresentava artigos que referenciavam persona-
gens e obras de importância cultural e científica, nas quais podemos identifi-
car a intenção de aumentar o cabedal cultural dos professores, almejado um
melhor exercício de suas atividades profissionais.
Outra estratégia também utilizada era a divulgação das programações
realizadas pelos Círculos de Pais e Professores, em artigo fixo da revista, atra-
vés dos quais observamos um movimento intenso dos diretores da SAP, di-
retores de outros órgãos ligados à administração escolar, simpatizantes do
movimento que se faziam presentes tanto para proferir as palestras como para
prestigiar os encontros, os quais eram realizados uma vez por semana e em
cada semana em um grupo escolar diferente.
Existia uma compreensão de que a transformação das práticas tradicio-
nais se daria de forma lenta, e que, portanto, todos os envolvidos no desejo de
divulgação e implantação da Escola Nova no Amazonas necessitariam man-
ter-se persistentes em seus propósitos. Era clara também a compreensão de
que seria peça fundamental nesse processo a postura do professor retornando
o seu interesse para com o estudo, e em especial aquele referente à nova me-
todologia.
Para que tal objetivo pudesse em algum momento vir a se concretizar,
várias estratégias foram pensadas no sentido de oportunizar tal assimilação:
discursos em formaturas da escola normal, palestras no Círculo de Pais e Pro-
fessores e a montagem de biblioteca para disponibilizar o acesso a livros. Per-

História e Educação na Amazônia | 265


cebia-se em matérias recorrentes nas revistas que o esclarecimento sobre os
ideais nos quais se baseavam o escolanovismo era assunto sempre em pauta.
Em uma conferência realizada em 19 de novembro de 1932 por Eunice
Serrano Telles de Souza, vice-diretora da SAP, por ocasião de uma homena-
gem feita a Mercedes Dantas, vários pontos sobre o referido tema foram abor-
dados, dirigindo suas palavras de forma especial para os professores do ensino
primário.
Esclarece então a origem europeia dos ideais da Escola Nova, e que não
se deteria a comentar trabalhos sobre seus adeptos, tais como Decroly e De-
wey; cita o seu florescimento no Brasil a partir da experiência de Fernando
Azevedo no Distrito Federal e sua propagação pelo Brasil por meio de Merce-
des Dantas. Em relação às práticas que envolviam a pedagogia da Escola Nova,
destacava a importância de adequação de alguns aspectos fundamentais para o
bom funcionamento da proposta:

• Sobre a forma de organização dos horários das au-


las: apontava para a necessidade de estabelecimen-
to de um horário que fosse mais flexível e capaz de
acompanhar o interesse do aluno por ocasião de sua
possível manifestação de desejo em proceder a um
aprofundamento de estudo em um determinado
ponto ou disciplina, sem a necessidade de interrup-
ção da discussão pelo fato de o horário da disciplina
ter terminado.
• Sobre o respeito pela autonomia do estudante e o
seu relacionamento com o professor, chamou aten-
ção que muitas vezes isso era interpretado como
uma forma de anarquia, completa recreação onde a
criança faz aquilo que quer, mas esclarece que:

É autonomia no estudo, sem que o mestre lhe perturbe


o cerebro como condemnavel e tradicional caderno de
pontos, sem a decoração absurda de regras grammaticaes
e outras quejandas...
É a autonomia no seu desenvolvimento physico e intellec-
tual, encontrando no mestre apenas um guia e um conse-
lheiro. Assim se expressa o professor José Escobar: ‘Fazer
para aprender, mas fazer só, assistido, acompanhado do
professor é o processo da escola nova; fazer tudo, todas as
lições, todas as experiências, de maneira que os conheci-

266 | História e Educação na Amazônia


mentos adquiridos pelo alumno não sejam mais do que
resultados de sua propria atividade mental e physica’.
Essa é que é a verdadeira autonomia do estudante (SOU-
ZA, 1932; 1933, p. 7).

• Sobre a realização de aulas exploratórias em am-


bientes ao ar livre, esclarece que estas contribuíam
para a quebra do caráter formal da escola, da deco-
ração de pontos e de um formato de disciplina que
prejudicava a formação de cidadãos de coragem. Es-
sas aulas, ao contrário de um mero passeio, exigiam
uma preparação prévia minuciosa, onde os alunos
eram convidados a fazer relatórios ou outro traba-
lho que possibilitasse o registro de sua experiência.
• Incluiu ainda a difusão dos Círculos de Pais e Pro-
fessores como forma de estreitar e unir a escola e
o lar. Recomendava que em reuniões mensais de-
vessem ser tratados assuntos referentes ao esclare-
cimento da nova pedagogia, sem, contudo, se ater a
aprofundamentos científicos que poderiam afastar
os pais que, segundo ela, não tivessem muita cul-
tura.

Reconhecia a dificuldade que o professor deveria encontrar até mesmo


para conseguir superar seus antigos hábitos, métodos e rotinas já estabeleci-
das, mas ressaltava que era fundamental que ele incorporasse em sua metodo-
logia a prática de três principais fases que envolviam o centro de interesse no
que concerne ao ensino-aprendizagem, que seriam: a observação, a associação
e a expressão.
Outro aspecto que se torna necessário ser pontuado são as evidências de
que tais movimentações locais funcionavam em consonância ao movimento,
que se desenvolve em nível nacional, guardadas as devidas peculiaridades as-
sumidas em cada região – em especial aquelas questões referentes a recursos
e materiais para desenvolvimento dos projetos. A vinda de Mercedes Dantas
é uma marca desse vínculo que se estabeleceu, assim como alguns artigos da
revista, que apontam também nessa direção, a citar um comunicado de Lou-
renço Filho que, se dirigindo à diretoria geral de Instrução Pública, em nome
da Associação Brasileira de Educação (ABE), trata da urgência em que seja
montada uma comissão especial para representar cada governo estadual e o

História e Educação na Amazônia | 267


Distrito Federal na V Conferência Nacional de Educação, com data marcada
para 9 de dezembro de 1932.
O tema que deveria ser discutido pela comissão, para posterior relato na
V Conferência, dizia respeito à delimitação das atribuições do governo federal,
estadual e municipal relativo aos ensinos primário, secundário, profissional e
normal. Lourenço Filho deixava claro que a contribuição não teria caráter que
correspondesse a uma responsabilidade oficial, mas que seria uma forma de
os técnicos apresentarem suas opiniões sobre a direção e custeio do ensino no
País, embora simultaneamente esse tema já estivesse sendo tratado por outro
grupo composto por dez membros, segundo consta em um regimento interno
da organização da referida conferência.
Outro fato que sinaliza para a relação de controle e proximidade entre
as diferentes esferas de poder é notado pelo fato de que nesse período o estado
do Amazonas estava sendo governado pela figura de um interventor federal,
capitão-tenente Antonio Rogerio Coimbra, e nos discursos transformados em
artigos da revista nota-se a consonância do grupo com as diretrizes nacionais,
evidenciando o desafio da adequação da realidade regional, a qual apresenta
necessidades e peculiaridades próprias e distintas ao direcionamento que se
fazia por parte do Estado nacional.
Dentre os artigos publicados pela revista, outro que merece destaque
em referência à pedagogia nova foi escrito por Agnello Bittencourt, ex-diretor
da Instrução Pública do estado do Amazonas, o qual trata sobre os métodos
de ensino. Segundo ele, o método seria a coordenação racional e sistemática
de uma atividade e necessário para que o trabalho, intelectual ou material, seja
lucrativo; onde a sua realização teria por finalidade atingir um maior rendi-
mento, com menor tempo e menor esforço (BITTENCOURT, 1937).

O methodo é inimigo da desordem, do atabalhoamento.


Nos dominios do ensino, cresce de ponto a importância
dos preceitos que levam o mestre á victoria de seu labor.
Tão elevados e indispensaveis são esses preceitos que
constituiriam mais do que uma parte da Pedagogia, para
formarem uma nova sciencia – a Methodologia, hoje in-
dependente da Didactica.
Podemos, pois, definir a Methodologia o estudo dos me-
thodos, processos e outros artificios usados na transmis-
são facil e segura do ensino (BITTENCOURT, 1937, p.
2).

Em sua análise, os métodos estariam relacionados a preceitos teóricos,

268 | História e Educação na Amazônia


fundamentados na filosofia e na lógica, e as práticas desses métodos se consti-
tuiriam em processos. Especifica ainda uma subdivisão entre métodos gerais,
que corresponderiam àqueles aplicáveis a qualquer ensino – metodologia ge-
ral; e os específicos, que se aplicariam a determinadas disciplinas – metodolo-
gia particular.
Dentro da metodologia geral, estariam incluídos os métodos:

• Sintético – partindo do específico para o todo;


• Analítico – partindo do geral para os elementos
formadores;
• Indutivo – aplicável aos estudos científicos, onde
conhecimentos abstratos seriam explicados através
da demonstração;
• Dedutivo – onde, de forma contrária ao anterior,
o ponto de partida seria o resultado para se atingir
a regra.

Acrescenta ainda que, de acordo com a necessidade do estudo que es-


taria sendo realizado, ou ainda levando-se em consideração a capacidade de
percepção mental da pessoa, deveria ser feita uma combinação entre eles.
Em relação aos métodos particulares, observa que cada um possui um
ponto de vista pedagógico, e, entre aqueles categorizados como antigos, inclui
o socrático ou interrogativo, o Pestalozzi ou intuitivo, o do abade Girord, o
Froebeliano e o de Herbart. E sobre cada um deles faz algumas observações,
além de apenas citar os métodos de Spencer, Rousseau, Lancaster e Comenius.
Já aqueles que foram apresentados como em plena disseminação, en-
contram-se:

• Método de Decroly – criador da Escola Nova, onde


o estudante participa na pesquisa junto com o pro-
fessor, baseando-se nos “centros de interesse” (BIT-
TENCOURT, 1937, p. 3), possibilitando uma maior
atividade por parte das turmas e onde os conheci-
mentos teriam uma utilidade para a vida.
• Método Dewey – que considera que o papel da es-
cola não é o de comunicar um saber acabado, mas
sim fazê-lo no momento certo, e no conjunto dos
estudantes promovendo uma rápida socialização.

História e Educação na Amazônia | 269


Assim como Decroly, defende uma escola ativa, de-
senvolvendo o esforço do aluno e criando nele as
aptidões para servir a sociedade da qual será parte.
Seu método encontrava-se disseminado nos Esta-
dos Unidos.
• Método Montessori – criado pela Dr.ª Maria Mon-
tessori, inicialmente esteve voltado para as crianças
anormais e mais tarde estendido para as crianças
normais (mantendo aqui a classificação do autor).
Possível de ser encontrado nos jardins de infância,
ao lado do método froebeliano. Considera-o como
um método essencialmente intuitivo e que utiliza
uma coleção de objetos padronizados.

Finalizando seu artigo, destaca que o êxito de aplicação de qualquer um


desses métodos dependeria da inteligência e perspicácia do professor, e mais,
que

[...] cada estudante, é uma entidade differente dos seus


companheiros, na indole, na capacidade perceptiva, no
gosto de aprender, nos predicados da alma, nas aspira-
ções e na disciplina (BITTENCOURT, 1937, p. 4).

Considerações finais

Embora a proposta de divulgação e propagação dos ideais da Escola


Nova difundidos pela Revista de Educação da Sociedade Amazonense de Pro-
fessores (SAP), no período de 1932 a 1937, no estado do Amazonas, apontasse
para a criação de condições múltiplas e diversas de ensino e aprendizagem – e
nesse sentido estivesse associada a uma ação pedagógica que possibilitasse ao
aluno a busca do conhecimento com maior autonomia –, vimos que na prá-
tica esse vir a ser pedagógico necessitava de tempo para a sua compreensão e
assimilação.
Mas esse mesmo tempo, em sua inerente contradição, impelia uma ur-
gência sobre aqueles idealizadores no sentido de que aquelas propostas se tor-
nassem a realidade daquele momento. E na medida em que, dialeticamente, a
realidade os mostrava a grande lacuna entre o teórico e o concreto, a paciência
e a perseverança se tornaram elementos fundamentais naquele contexto.

270 | História e Educação na Amazônia


A partir da análise do conteúdo dos artigos apresentados na Revista de
Educação da Sociedade Amazonense de Professores, nos foi possível concluir
que um grupo de professores e admiradores da cidade de Manaus aderiu e se
incorporou na luta em defesa dos ideais escolanovistas defendidos pelos Pio-
neiros da Educação Nova. Essa adesão se deu por meio de ações que visavam a
propagar e implantar os fundamentos os quais favorecessem o embasamento
teórico dos professores que os adotariam em sua prática pedagógica.
Tornou-se evidente que as propostas de mudanças encontraram resis-
tências, a se notar a instabilidade do número de sócios e contribuintes da SAP
ao longo do período estudado, e que o processo de enfrentamento ocorreu
através de movimentos intensos pela superação dos frequentes obstáculos,
sendo adotadas diferentes estratégias, tais como palestras, encontros, panfle-
tos, encontros individuais de convencimento, eventos culturais, entre outros,
além de uma postura assistencialista que não foi tratada no presente artigo,
mas que se encontra presente em outros artigos da revista.
Não nos foi possível comprovar se as transformações propostas se con-
solidaram da forma desejada pela SAP. De tal forma, consideramos que essa
avaliação tornar-se-ia o objeto de outra pesquisa, a qual, entre seus objetivos,
se incluiria identificar aquilo que mudou e o que permaneceu, assim como
identificar os avanços conseguidos.
Notória também foi a compreensão de que o desenvolvimento desse
projeto se deu, em grande parte, a um grande comprometimento dos líderes
do movimento para com o processo de esclarecimento teórico, propaganda,
divulgação e implantação dos ideais escolanovistas, conjugado com outros
movimentos que aconteciam pelo País.
E, ao analisar o fecundo material produzido e as formas de sua disse-
minação, foi possível concluir que o esforço da reflexão e os movimentos de
convencimento e esclarecimento dos pares e da sociedade foi algo que ocorreu
de forma intensa, e que por si só agregou ganhos ao processo educativo no
estado do Amazonas, apontando para uma diferente possibilidade de fazer
pedagógico.
Finalizando, a revista nos proporciona riquíssimas informações con-
cernentes à época, trazendo a dinâmica do cotidiano local frente à necessida-
de de arregimentação de entusiastas e defensores do projeto educacional, que
por sua vez estava intimamente relacionado ao projeto nacionalista do Estado
brasileiro.

História e Educação na Amazônia | 271


Referências

BITTENCOURT, Agnello. Methodos de Ensino. Revista de Educação, Manaus, anno


V, n. 27, p. 2-4, nov./dez. 1937.

DEWEY, John. Democracia e educação. São Paulo: Companhia Nacional, 1959.

ESCOLA de Aprendizes Artifices. Revista de Educação, Manaus, anno II, n. 3, p. 8,


ago./set. 1932.

MANACAPURÚ e o problema educacional. Revista de Educação, Manaus, anno II,


n. 3, p. 2, ago./set. 1932.

REIS, Arthur Cezar Ferreira. O ensino da história. Revista de Educação, Manaus,


anno II, n. 3, p. 7, ago./set. 1932.

SOCIEDADE AMAZONENSE DE PROFESSORES. Estatuto da Sociedade Amazo-


nense de Professores. Manaus: 1930.

SOUZA, Eunice Serrano Telles. Breves palavras sobre alguns pontos da Escola Nova.
Revista de Educação, Manaus, anno II, n. 5, p. 6-8, dez. 1932/ jan. 1933.

SURGE et ambula. Revista de Educação, Manaus, anno II, n. 3, p. 1, ago./set. 1932.

UCHÔA, Julio. Uma grande victoria! Revista de Educação, Manaus, anno II, n. 5, p.
8, dez. 1932/ jan. 1933.

UMA SOCIEDADE que renasce. Revista de Educação, Manaus, anno II, n. 3, p. 8,


ago./set. 1932.

272 | História e Educação na Amazônia


A introdução da Escola Nova
em Mato Grosso1
ELIZABETH FIGUEIREDO DE SÁ
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)

Introdução

As ideias da Escola Nova foram introduzidas no Brasil, segundo Nagle


(2001), nos últimos anos do período imperial, através de um modesto conjun-
to de procedimentos, pensamentos ou princípios que facilitariam a posterior
difusão desse ideário. No entanto, foi a partir da década de 1920 que se deu a
propagação e desencadearam-se as iniciativas para as mudanças institucionais
de acordo com essa nova corrente de ideias, revelando preocupações com o
processo de aprendizagem das novas gerações.
Para acompanhar e divulgar as discussões teóricas e as inovações prá-
ticas realizadas na educação europeia e norte-americana segundo os parâme-
tros escolanovistas, alguns educadores dedicaram-se a ler, traduzir artigos
constantes de várias obras estrangeiras e organizar congressos e conferências,
cujos debates puderam ser acompanhados de perto pelos professores da rede
pública de ensino (VIDAL, 2000).
Mas, para Vidal (2000), não bastava propagar o pensamento desse novo
movimento, era necessário adaptá-lo à realidade nacional. Ademais, o aluno
passou a ser o sujeito da aprendizagem, o que tornou “inevitáveis” algumas
modificações no interior da escola: o professor deixou de ser o centro do pro-
cesso de ensino e aprendizagem, o detentor do conhecimento, atuando como
o incentivador e orientador do educando, que era inserido em situações pro-
pícias para a construção do conhecimento. Também, a metodologia de ensino,
até então baseada no ensino sensorial, que, por sua vez, privilegiava a observa-
ção, agora “associava o ‘ver’ ao ‘fazer’” (VIDAL, 2000, p. 498), em consequên-
cia do que os materiais escolares foram ressignificados.
Tais direcionamentos precisavam ser contemplados na legislação edu-
cacional, de sorte que o Distrito Federal e vários estados brasileiros, através de

1 - Este artigo contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e


Tecnológico (CNPq) e foi publicado na obra Reformas Educacionais: as manifestações da Escola
Nova no Brasil (1920-1946), organizada por Maria Elisabeth Miguel, Diana Vidal e José Carlos
Araújo, publicada pela EDUFU e Autores Associados, em 2011.
História e Educação na Amazônia | 273
reformas do ensino, inseriram as ideias escolanovistas nas novas proposições
para a educação.
Este artigo busca compreender como os princípios da Escola Nova per-
mearam as letras da Reforma Educacional Mato-Grossense de 1927,2 instituí-
da no governo de Mario Corrêa da Costa, mediante a análise da legislação e
das mensagens dos presidentes de estado, dos relatórios de diretores da Ins-
trução Pública e dos periódicos veiculados à época.

A circulação do ideário da Escola Nova no estado

Em Mato Grosso é possível perceber a penetração e a influência dos


pensamentos escolanovistas nas reformas da Instrução Pública de iniciativa
do governo estadual, implementadas entre os anos de 1891 e 1910 (ROSA,
2002). Porém, foi na década de 1920 que os discursos desse novo movimento
tornaram-se mais frequentes, embora a situação da educação no estado não
favorecesse muito a circulação de pensamentos pedagógicos inovadores, con-
forme afirma o presidente do estado Dom Aquino Corrêa (1920), em mensa-
gem à Assembleia Legislativa:

[...] a não ser nesta capital, quão longe ainda estamos de


ter convenientemente aparelhada a nossa organização!
Nem são pequenas as dificuldades que se nos atoalham, e
podem talvez resumir-se nas seguintes: extensão enorme
do território do Estado, população muito disseminada,
escassez de meios fáceis de comunicação, falta de pessoal
habilitado e disposto a sujeitar-se, com módicos venci-
mentos, à vida do interior, insuficiência da receita públi-
ca, pouco ou nenhum concurso da parte dos municípios
e, finalmente, fiscalização quase nula (CORRÊA, 1920, p.
31).

Na opinião de Dom Aquino, o quadro pintado burla a luta contra o


analfabetismo, e, inconformado com a constante interferência política no an-
damento do ensino, a qual se tornava cada dia mais ostensiva, adverte que,

2 - São poucos os trabalhos que versam sobre esse tema em Mato Grosso. Referenciam-se aqui
somente a obra Nas trilhas do ensino, publicada em 1998, de autoria de Laci Maria Alves, que
dedica parte do segundo capítulo às repercussões da proposta escolanovista no estado, e o artigo
Os caminhos da Escola Nova no estado de Mato Grosso nas primeiras décadas do século XX: notas
sobre a Escola Normal e o ideário escolanovista, publicado em 2007, de autoria de Nilce Apare-
cida Fedatto e Almerinda Rodrigues, que analisa os princípios escolanovistas na formação de
professores para a escola primária.
274 | História e Educação na Amazônia
“[...] sobre o pretexto de propagar o ensino, multiplicam-se inutilmente as
escolas, para transformá-las em meras sinecuras, sem fiscalização alguma”. A
solução do problema, continua, não dependia

[...] somente do aumento do número de escolas, mas


principalmente da eficiência das que já existem, e para
este ponto é que devem convergir as vistas dos adminis-
tradores (CORRÊA, 1920, p. 31).

Dom Aquino Corrêa, em seu discurso, refere-se à situação política vi-


vida por Mato Grosso na Primeira República, quando as oligarquias do norte
e do sul permaneciam em constantes lutas armadas pelo poder político. A
situação já havia sido denunciada pelo General Caetano Manoel de Faria e
Albuquerque (1916, p. 54), presidente do estado na ocasião:

O que faz mal ao ensino público não é essa dependência


em que ele ainda está do governo; o que, todavia, lhe faz
grandíssimo dano é a politicagem, fazendo do professor
público o servidor de um partido, o galopim eleitoral, que
escreve a ata e é o agente da cabala eleitoral. O que faz mal
ao ensino é a intromissão malsã do patronato nos con-
cursos para provimento dos lugares do magistério.

Mas, mesmo com as dificuldades apontadas, Mato Grosso não se man-


teve alheio ao movimento educacional que se impunha no País, tendo partici-
pado da Conferência Interestadoal de Ensino Primário, através do deputado
Severiano Marques, promovido pelo governo central de 12 a 16 de novembro
de 1921. A organização do evento centrou-se em seis grandes eixos: difusão
do ensino primário; escolas rurais e urbanas; programas de ensino; ensino
normal; criação do patrimônio do ensino primário; e Conselho de Educação
Nacional – sua organização e fins.
Na ocasião, Marques conviveu com representantes dos estados, da Liga
de Defesa Nacional, da Liga Nacionalista de São Paulo, da Liga contra o Anal-
fabetismo, entre outros, que partilhavam do ideário escolanovista; ouviu di-
versos discursos nesse sentido e participou efetivamente da 4ª comissão que
tratava sobre o “Patrimônio do Ensino Primário”. É provável que o resultado
dessas experiências tenha sido levado aos seus pares em Mato Grosso, contri-
buindo para a disseminação das concepções da Escola Nova no estado.
Além disso, em janeiro de 1922 o Coronel Pedro Celestino Corrêa da
Costa reassumiu o governo, cargo que já exercera no período de 1908 a 1911,
quando foram criados os grupos escolares e a escola normal. Nesse momen-
História e Educação na Amazônia | 275
to, encontrava-se residindo no Rio de Janeiro, onde cumpria o mandato de
senador e acompanhava de perto os movimentos que estavam em ebulição,
inclusive no setor educacional.
Em mensagem à Assembleia Legislativa (COSTA, 1923, p. 34), afirma
que

[...] nenhum progresso é possível sob o ponto de vista


material e social sem a difusão do ensino útil pela massa
popular. A instrução que deve ser ministrada pelas esco-
las abrange noções de conhecimentos necessários à for-
mação de cidadãos aptos para a vida prática e à colabora-
ção para o progresso da sociedade em que vivem.

Com isso, ressalta a necessidade de integração da escola com a comuni-


dade, através de conhecimentos práticos e úteis à vida, promovendo a adap-
tação do homem ao seu meio, princípio vital da Escola Nova. Nesse sentido,
a escola não é apenas um centro mecânico de aprendizagem. É, antes, um
núcleo social em que a criança não aprende somente a ler, mesmo porque só
a alfabetização não preenche a finalidade dessa instituição de ensino (LEITE,
1970).
Em 1926, Dr. Mario Corrêa da Costa assumiu o governo do estado. À
época, o médico pós-graduado na Europa residia no Rio de Janeiro, quando
foi “convidado” a concorrer ao referido cargo. Assumiu a função como opo-
sicionista do seu parente Pedro Celestino e, de acordo com Póvoas (1995),
como marco do fim do ciclo político no qual as elites rurais influíam decisiva-
mente na escolha do governo estadual.
Na sua administração, Mato Grosso sofreu grandes transformações. O
setor de estradas e transportes obteve investimentos especiais. Construiu as
principais estradas hoje existentes, restaurou as antigas, construiu e restaurou
pontes, o que amenizou o problema de transporte e comunicação dentro do
estado.
Investiu no setor da colonização agrícola, assentando colonos, facili-
tando-lhes crédito, oferecendo-lhes ensino agrícola e transporte, investindo
na permanência do homem no campo. Modernizou os aspectos urbanísticos
da capital, através da construção de praças, avenidas e reformas nos antigos
prédios.
Devido à sua profissão, dispensou especial atenção à saúde, reformulan-
do o sistema de abastecimento de água, visando ao saneamento e promoven-
do uma reforma na Santa Casa da Misericórdia, principal hospital do estado,
equipando-o. Tais investimentos deveriam interferir diretamente na educa-
276 | História e Educação na Amazônia
ção, mas o quadro continuava desolador, com a falta de professores prepara-
dos, materiais didáticos, fiscalização e recursos.
Segundo Marcílio (1963), assim que assumiu a presidência do estado,
Dr. Mario Corrêa investiu no ensino secundário. Inicialmente baixou um
novo decreto (nº 735) com o propósito de acompanhar a reforma verificada
no setor federal, através do qual foram criadas as cadeiras de filosofia, história
da filosofia, lógica e psicologia no Liceu Cuiabano. Além disso, defendeu a
criação do Patronato Agrícola, escola profissionalizante com a finalidade de
preparar os que se dedicavam à lavoura, e o Curso Comercial para o preparo
da vida comercial e bancária. Em sua opinião, “[...] é tempo, entretanto, de
tratarmos do ensino profissional e de uma aprendizagem mais prática e con-
forme as exigências da vida moderna” (CORRÊA DA COSTA, 1926, p. 51).
Referente ao ensino primário e à formação de professores deliberou
proceder à reforma dos regulamentos da Escola Normal e Instrução Pública
“[...] moldadas sobre bases aceitas e adotadas pelos estados, e em modernas
conquistas pedagógicas” (CORRÊA DA COSTA, 1929, p. 58). Para tal, o go-
verno nomeou uma comissão composta pelo diretor da Instrução Pública, Dr.
Cesário Alves Corrêa, e pelos professores Jayme Joaquim de Carvalho, Isaac
Povoas, Julio S. Muller, Franklin Cassiano da Silva, Rubens de Carvalho, Phi-
logônio de Paula Corrêa, Fernando Leite de Campos, Nilo Póvoas e Alcino
Carvalho.
Segundo o diretor da Instrução Pública,

O Governo do Estado, no intuito de dotar a Instrução


Pública dos meios necessários a sua maior eficiência e
manter na devida conta os princípios que se prendem a
educação da população infantil do nosso Estado, delegou
a uma comissão de professores o encargo de estudar os
atuais regulamentos da Instrução primaria e da Escola
Normal e apresentar um projeto de reforma mais con-
ducente ao progresso do ensino entre nós (ALVES COR-
RÊA, 1927).

Os integrantes da comissão pertenciam a cargos de destaque no cenário


educacional mato-grossense da época. Dr. Cesário Alves Corrêa atuava como
professor do Liceu Cuiabano (Ato 116 de 10 de agosto de 1920) quando assu-
miu em 1922 a diretoria geral da Instrução Pública (Ato 1678 de 3 de setembro
de 1922). Jayme Joaquim de Carvalho era inspetor escolar do 2º Distrito da
capital desde 12 de janeiro de 1917 e foi diretor da Escola Normal de Cuiabá e
da Escola Modelo anexa através do Ato 1679 de 3 de setembro de 1921. Isaac

História e Educação na Amazônia | 277


Póvoas era inspetor escolar do 1º Distrito da capital desde 19 de março de
1920, atuou como professor e diretor da Escola Normal, do Liceu Cuiabano,
contribuía através de seus artigos com a imprensa e era membro da Academia
Mato-Grossense de Letras. Julio Muller atuou como professor e diretor do
Grupo Escolar de Poconé, como professor de alemão do Liceu Cuiabano, di-
retor da Escola Normal e Modelo anexa. Franklin Cassiano da Silva havia sido
professor de português da Escola Normal quando, em 1925, assumiu a direção
do Grupo Escolar Senador Azeredo. Rubens de Carvalho, professor paulis-
ta contratado pelo governo do estado em 1922 para dirigir a Escola Normal,
atuou como professor de psicologia e como advogado provisionado. Publicou
as obras Algumas sugestões sobre o ensino de aritmética (1924) e Memória (ca-
pítulo de psicologia experimental) (1925). Philogônio de Paula Corrêa atuou
como professor e diretor do Liceu Cuiabano e, em 1922, representou o estado
no Congresso de História e Ensino. Fernando Leite Campos era professor do
Liceu e foi removido em 1920 para a Escola Normal. Nilo Póvoas atuava como
rábula, jornalista, professor de português do Liceu Cuiabano e da Escola Nor-
mal e secretário da Assembleia Legislativa. E Alcindo de Camargo era mem-
bro da Academia Mato-Grossense de Letras.3
Além de proceder à reforma do ensino, o estado se fez presente nos con-
gressos e conferências sobre a educação, promovidos pela Associação Brasilei-
ra de Educadores (ABE), que assumiu a liderança de todos esses movimentos
de renovação no campo educacional no País, apoiando-os e promovendo a
realização de palestras, debates, cursos, para os quais convidava autoridades e
especialistas nacionais e estrangeiros. Em 1927, o governo enviou Frederico G.
Cartens para participar da I Conferência Nacional de Educação, em Curitiba;
em 1928, indicou Paes de Oliveira para participar do II Congresso Nacional
de Educação; e, em 1929 enviou José Rizzo4 para o III Congresso Nacional de
Educação.

3 - As informações sobre os membros da comissão foram conseguidas através dos Relatórios


da Diretoria da Instrução Pública (1920-1921 e 1927), do Dicionário Biográfico Mato-Grossense
(1971) e por meio da obra intitulada de História do Poder Legislativo de Mato Grosso (1969), de
autoria, ambos, de Rubens de Mendonça.
4 - É interessante observar que o professor José Rizzo foi contratado pelo governo mato-gros-
sense em 1912, juntamente com outros professores paulistas para dirigirem os grupos escolares
no estado. Depois de certo tempo, ele retornou ao estado de São Paulo, onde continuou atuando
na educação, pois, conforme Nery (1999), Rizzo foi membro da Sociedade de Educação de São
Paulo e participou como 2° Secretário da primeira diretoria (1921-1922), juntamente com Oscar
Freire, Sampaio Dória, Alexandre Albuquerque, Djalma Forjaz, Ovídio Pires de Campos e Al-
meida Júnior. Em algum momento posterior, Rizzo retornou ao estado de Mato Grosso.
278 | História e Educação na Amazônia
As mudanças da educação no contexto legal

A reforma da Instrução Pública primária mato-grossense direcionava-


se, como se verifica, muito mais para uma reorganização administrativa do
aparelho escolar do que para a incorporação de novos padrões pedagógicos,
a exemplo do que se deu em outros estados. Isso se deveu à preocupação com
a expansão do ensino num estado que, em 1926, ocupava uma área territo-
rial de 1.378.783 km², tinha uma população de 250.000 habitantes, possuía
aproximadamente 150 escolas, contava com estradas em péssimas condições
de conservação, dispunha de um escasso sistema de comunicação e sofria de
completa carência de materiais pedagógicos, fiscalização e orientação aos pro-
fessores (ALVES, 1998).
Diante dessa realidade, era preciso investir no estabelecimento de ór-
gãos diretores e fiscalizadores para orientar e dirigir a iminente reforma edu-
cativa.5 Para isso, o regulamento da Instrução Pública Primária de Mato Gros-
so (MATO GROSSO, 1927) especificou as competências do diretor geral da
Instrução Pública, dos inspetores gerais do ensino,6 dos diretores das escolas
reunidas e dos grupos escolares e dos inspetores distritais, encarregados de
fiscalizar as escolas isoladas.
Entretanto, como seria possível à legislação provocar alguma mudan-
ça na qualidade do ensino se os inspetores distritais, responsáveis pela fis-
calização de grande parte das instituições educacionais do estado, não eram
remunerados? Sem dispor de arrecadação necessária para o pagamento desse
pessoal, o Dr. Mario Corrêa da Costa apelou para o sentimento nacionalista
dos mato-grossenses, solicitando-lhes auxílio na fiscalização do ensino:

Neste particular, daqui dirijo um veemente apelo a todos


os conterrâneos responsáveis pelo destino e bem estar
dos municípios para que especialmente dêem ao governo
o seu concurso valioso nesta cruzada patriótica de difun-
dir a instrução em todos os recantos do Estado, conscien-
tes de que nenhum serviço poderão prestar mais relevan-
te e meritório, em tal objetivo, do que tomar cada um a si,
o encargo de velar pela regularidade do funcionamento
das escolas, influindo que não seja abandonada a sua fre-
qüência [...] (CORRÊA DA COSTA, 1928, p. 134).

5 - No entanto, cabe ressaltar que a redação final das novas diretrizes elaboradas pela comissão
instituída passou por uma reavaliação por parte do próprio governo, que lhe adicionou alguns
artigos e deu-lhe nova redação (CORRÊA DA COSTA, 1927).
6 - Foi investido no cargo o Coronel Alexandre Magno Addor.
História e Educação na Amazônia | 279
Lamenta, em discurso posterior (1929, p. 87), a escassez de recursos
para a ampliação de inspetores de ensino (comissionados), que poderiam as-
segurar resultados benéficos e compensadores, “melhorando a situação do
corpo docente, punindo os maus professores, estimulando os bons e propor-
cionando aos novos, ensejo de uma aprendizagem didática, aos poucos, mi-
nistrada pelos próprios inspetores”.7 Ressalta que os inspetores distritais, “[...]
na maioria dos casos, sob pretexto de não auferirem remuneração alguma dos
cofres públicos, [...] limitam-se a passar, sem fiscalização alguma, os atestados
de exercício dos professores”.
Como técnica de planejamento, o citado regulamento, em seu artigo
76, institui “[...] o recenseamento escolar a cada dois anos, no mês de junho,
em todo estado, num raio de 3 km em torno de cada escola pública [...]” e, no
parágrafo único, prescreve a realização pelos inspetores gerais e pelas autori-
dades policiais de um levantamento constante dos “[...] núcleos desprovidos
de escola em perímetro de 3 km de raio, a partir do ponto principal do núcleo
[...]”. Devido a uma peculiaridade da região, cuja população se dispersa em
uma ampla área territorial, o documento propõe, em seu artigo 78, a participa-
ção de todos os envolvidos com a educação no recenseamento escolar.
Nesse caso, a não remuneração dos inspetores distritais dificultava ou
até mesmo impedia o serviço de estatística escolar porque eles, segundo o
presidente do estado, não forneciam à diretoria geral da Instrução Pública as
informações necessárias para a organização do quadro estatístico das escolas
públicas e particulares existentes (CORRÊA DA COSTA, 1929), deixando os
governantes sem a noção do número de crianças que não frequentavam os
bancos escolares, “dificultando” a campanha contra o analfabetismo.
Relativamente à situação do magistério, a reforma voltou-se para a for-
mação inicial e continuada do professor. Através do Decreto nº 742 de 29 de
setembro de 1926, que estabelece um novo regulamento para a Escola Normal,
foram criadas duas disciplinas – higiene e ginástica –, que, conforme o art. 7º
do § 1º, não tinham como foco somente a comunicação dos conhecimentos
necessários

[...] ao desempenho da missão futura dos educandos,


mais ainda, proporcionar-lhes o desenvolvimento de to-
das as faculdades, familiarizando-se com os methodos a
serem empregados no estudo e no ensino das varias dis-
ciplinas.

7 - Referia-se, provavelmente, às aulas-modelo ministradas pelos inspetores de ensino paulista.


280 | História e Educação na Amazônia
Desse modo, os normalistas (supostamente) conheceriam a metodolo-
gia em voga tanto na teoria quanto na prática.8
Já o regulamento da Instrução Pública Primária previa a formação con-
tinuada dos professores através de conferências pedagógicas ou cívicas ofe-
recidas pelo diretor geral da Instrução Pública ou pelos diretores dos grupos
escolares e das escolas reunidas. Entretanto, a obrigatoriedade da participação
desses momentos era exigida somente aos professores destes dois últimos es-
tabelecimentos.
Evidenciando um novo olhar à educação da infância, primeiramente
o regulamento (1927) determinou uma abrangência maior da idade escolar
para crianças de 7 a 12 anos (no regulamento de 1910 previa de 7 a 10 anos)
e a criação da escola noturna para meninos de 12 anos ou mais impossibili-
tados de frequentar as aulas diurnas; e, na ampliação da área de implantação
de escolas, através da criação de novas categorias escolares: escolas isoladas
urbanas, quando localizada num raio de 3 km da sede do município; escolas
isoladas rurais, quando localizada a mais de 3 km da sede do município; esco-
las reunidas (3 a 7 classes) e grupos escolares (8 classes ou mais).
A seleção dos materiais didáticos, livros e mobiliários, era determinada
por uma comissão formada pelo diretor da Instrução Pública, pelos inspetores
gerais e pelo inspetor médico (artigo 88), e atendia também a uma preocupa-
ção estética, bem como se atentava à facilidade de limpeza, à comodidade dos
estudantes e às dimensões dos materiais, que deveriam ser proporcionais ao
porte médio dos alunos (artigo 90), evidenciado a ênfase dada à higiene e às
diferenças biológicas das crianças.
Ainda como manifestação dos cuidados com a saúde dos estudantes,
criou-se uma assistência médico-escolar com a incumbência de inspecionar
periodicamente as escolas do estado, aconselhando as medidas profiláticas de-
terminadas pela legislação sanitária; vacinar e revacinar os professores, alunos
e empregados das escolas; examinar se os prédios onde funcionam escolas pú-
blicas e particulares satisfaziam as condições higiênicas necessárias; tratar gra-
tuitamente das principais doenças endêmicas e das moléstias de olhos, nariz,
garganta e ouvido dos alunos; aplicar, nas casas de ensino público e particular,
as medidas profiláticas que julgarem necessárias; e fazer parte de comissão de
júri verificador da incapacidade para o ensino (capítulo VIII).

8 - Muito embora a legislação tenha demonstrado a preocupação com a capacitação docente


para o trabalho, conforme relata a professora Joana Evangelina de Mattos Martins (apud ROSA,
1990, p. 145), a “[...] Escola Normal dava muito conhecimento geral, aprofundava determinadas
matérias, mas deixava a desejar no terreno da didática. Tanto que eu não tinha a mínima noção
de como alfabetizar um aluno”.
História e Educação na Amazônia | 281
Além da saúde, o regulamento expressa a preocupação com a escolari-
zação da criança pobre. Para isso, oficializa a criação das caixas escolares, já
presentes em algumas escolas, destinadas a “[...] auxiliar os alunos indigentes
na compra de roupas, livros e outros materiais escolares” (artigo 187).
Sobre as caixas escolares, Corrêa da Costa aponta como “[...] um no-
tável fator de sucesso na alfabetização da nossa gente” (1929, p. 89), pois, em
sua opinião,

[...] não basta fornecer o mestre: indispensável se torna


a roupa, o livro e, muitas vezes, o pão e o medicamento.
[...] A assiduidade do aluno não depende sómente de sua
vontade, senão também das possibilidades econômicas
dos seus pais.
Com o auxilio das contribuições dos municipios, mes-
mo em módica proporção, do funcionalismo público, em
uma tributação razoável, e de tão pouco, as Caixas Es-
colares estarão aparelhadas para atender a esta vultuosa
lacuna que vem imprecando a romaria da infância patrí-
cia às oficinas de educação e de cultura do caráter e da
inteligência (CORRÊA DA COSTA, 1929, p. 89).

A caixa escolar vinha sendo praticada no município de Rosário Oeste


desde 1922, tendo como referência “[...] o que acontece nos grandes centros
dos países europeus e americanos” (MATO GROSSO, 1922). Tinha como fim
constituir fundos pecuniários para socorrer as crianças que frequentavam o
grupo escolar, cujos pais reconhecidamente pobres não as podiam sustentar
na escola. Na capital, a ideia vinha sendo divulgada pelo professor Rubens de
Carvalho em reuniões no Palácio da Instrução com a presença de muitas pes-
soas, quase todas chefes de repartições (MATO GROSSO, 1923, s.p.).
No prisma pedagógico, o novo regulamento trouxe algumas inovações,
mas não tão substanciais quanto as que estavam acontecendo em outros esta-
dos. O movimento pela Escola Nova destacou-se pela valorização da criança,
concebida como sujeito da aprendizagem e agente do seu próprio desenvolvi-
mento; pelo pensamento científico do processo educacional, em observância
ao desenvolvimento biológico e psicológico do estudante; pelo respeito à ca-
pacidade e ao ritmo individuais de aprendizagem do educando; e pela valori-
zação de sua liberdade de expressão.
Contrapondo-se à concepção da “pedagogia tradicional”, que se funda-
menta na primazia do conhecimento acumulado pela sociedade a ser trans-
mitido pelo professor, através da sua palavra, ou captado pelo educando, me-

282 | História e Educação na Amazônia


diante a observação sensorial, a educação na concepção escolanovista não é
uma preparação para a vida, é a própria vida, é a interação entre o indivíduo
e o meio, mediante situações de experiência que estimulam a curiosidade e os
interesses naturais da criança, visando ao desenvolvimento de suas potencia-
lidades.
Tal concepção está presente, ainda que de modo preliminar, nas orien-
tações quanto aos métodos de ensino e nas prescrições pedagógicas do regu-
lamento aqui analisado:

Art. 91 – Os professores observarão, no seu trabalho


educativo, entre outras, as seguintes normas básicas:
1) passarão sempre, no ensino de qualquer discipli-
na, do concreto para o abstrato, do simples para o
composto e o complexo, do imediato para o me-
diato, do conhecido para o desconhecido;
2) farão o mais largo emprego da intuição;
3) conduzirão a classe às regras e às leis pelo cami-
nho da indução;
4) conservarão de vista a finalidade educativa e pro-
curarão o melhor caminho para alcançá-la;
5) empregarão, no ensino da leitura, o método ana-
lítico;
6) estudarão os seus alunos para os conduzir de
acordo com a capacidade de cada um;
7) promoverão pela instrução, o desenvolvimento
harmonioso de todas as faculdades infantis;
8) transformarão os seus alunos em colaboradores;
9) tornarão as suas lições interessantes;
10) educarão pela palavra e pelo exemplo;
11) evitarão a rotina e acompanharão de parte as li-
ções, a experiência didática e da ciência pedagó-
gica.

Como é possivel verificar, embora mantenha o uso do método intuiti-


vo, fazendo uso da indução e do ensino verbalista, o regulamento inovou ao
se preocupar com a figura da criança, adequando o ensino à sua capacidade
individual, tornando-a coparticipante das aulas e propiciando-lhe um desen-
volvimento harmônico.

Considerações finais

A reforma da Instrução Pública de Mato Grosso, promulgada em 1927,


História e Educação na Amazônia | 283
era uma das faces do projeto modernizador proposto pelo então presidente,
Corrêa da Costa. Este, entre outras ações já citadas, também investiu na re-
forma da Constituição do Estado mediante o sancionamento da Lei nº 965 de
1927.
O investimento na educação procurou acompanhar as ideias pedagó-
gicas que circulavam em outros estados do País, através das legislações, das
publicações e dos congressos promovidos pela ABE e pela União. Os profes-
sores que compuseram a comissão estabelecida pelo presidente do estado,
conforme verificamos, eram intelectuais que ocupavam cargos expressivos
no cenário educacional e na sociedade cuiabana. Demonstraram, através da
leitura detalhada do corpo legal do regulamento, terem se debruçado sobre
os regulamentos das instruções públicas de outros estados, não deixando, no
entanto, de considerar a realidade socioeconômica, política e educacional de
Mato Grosso.
Desse modo, pode-se afirmar que, mesmo de forma ainda elementar, a
reforma educacional difundida na administração do diretor de ensino Cesário
Alves Corrêa apresentava algumas propostas semelhantes às realizadas em ou-
tros estados, trazendo a lume alguns princípios escolanovistas para a educação
mato-grossense, embora em muitos aspectos não tenha indicado a ruptura
com os modelos pedagógicos até então apregoados em Mato Grosso.

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286 | História e Educação na Amazônia


PARTE IV

Grupos Escolares e
Escolas Reunidas
na Amazônia

História e Educação na Amazônia | 287


288 | História e Educação na Amazônia
Cultura Educacional e Escola de
Verdade: pensando os grupos escolares
ANTONIO CARLOS FERREIRA PINHEIRO
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

ANTONIO DE PÁDUA CARVALHO LOPES


Universidade Federal do Piauí (UFPI)

Neste texto nós nos propomos a discutir a possibilidade de efetivar es-


tudos comparativos a partir do que estamos entendendo como movimento de
constituição de uma nova cultura educacional e da instituição da ideia de uma
escola de verdade tomando como referência o surgimento dos grupos escola-
res. Para tanto, nos inspiramos nos estudos de Gramsci (1995), Hobsbawm e
Ranger (1997) e Gomes (1998).

O lugar dos “grupos escolares” como objeto de pesquisa

No Brasil, as discussões sobre os grupos escolares se encontram em


processo de elaboração historiográfica. As primeiras indicações sobre o sur-
gimento, a organização e a expansão dos grupos escolares no Brasil encon-
tram-se nos estudos realizados por Costa (1983), Peixoto (1983), Fiori (1991)
e Reis Filho (1995), os quais trazem breves informações acerca desse novo
tipo de instituição escolar que posteriormente se transformou em modelo de
organização escolar, muito embora dele não tratem de forma mais especiali-
zada. Somente a partir do final dos anos de 1990 surgem os primeiros estudos
publicados que se caracterizam por uma maior densidade de análise e apro-
fundamento do tema, são elas: Souza (1998), Faria Filho (2000), Lopes (2001),
Pinheiro (2002) e Gonçalves (2006). Entretanto, inúmeros artigos, texto e co-
municações já foram produzidos e publicados em revistas, anais de congres-
sos, encontros, seminários e em coletâneas.1 Há, também, uma vastíssima pro-
dução realizada nos programas de pós-graduação em educação e em menor
quantidade nos de história e de arquitetura que não foram publicados em sua
íntegra, mas que muito provavelmente tenham sido apresentados nas seções
de comunicações ou de mesas redondas nos vários congressos internacionais
e nacionais de educação (mais particularmente nos de história da educação),
1 - Uma parte significativa das coletâneas é resultante da aglutinação de trabalhos que foram
apresentados em eventos e/ou são fragmentos de dissertações e teses.

História e Educação na Amazônia | 289


nos de história (principalmente nos Simpósios da ANPUH), nos de literatura
e linguagens e nos de gênero, realizados nos últimos anos.
Em relação às coletâneas, destacamos o trabalho organizado por Vidal
(2006), com 13 estudos sobre grupos escolares de várias unidades da federa-
ção, concernentes a temporalidades distintas e procedimentos de análise os
mais diversos. Na referida coletânea também se encontra um artigo de Souza2
e Faria Filho, que “[...] efetuam um cuidadoso balanço da produção nacional”
(VIDAL, 2006, p. 14) e um estudo sobre as escolas centrais em Portugal. Em
função deste último trabalho, Vidal (2006, p. 14) afirma que “o texto incita
a percepção das aproximações e dos contrastes nas formas de escolarização
inventadas nos dois países e estimula o exercício comparativo”. E acrescenta:
“Esse convite à comparação, aliás, pode e deve ser estendido aos demais 13 ar-
tigos” que formam a coletânea. Ainda em relação às publicações de coletâneas,
é importante destacarmos os seguintes trabalhos: Moreira e Araújo (1997),
Nóbrega (2003), Dallabrida (2003), Bencostta (2005a; 2005b).
A partir das indicações acima, podemos afirmar que a discussão relativa
aos “grupos escolares” configura-se em um importante tema/objeto de estudo
entre os pesquisadores da história educacional brasileira. Temos que conside-
rar, ainda, que o referido tema/objeto de pesquisa surge no contexto de dis-
cussões sobre a história das instituições educacionais e, mais particularmente,
escolares. As discussões sobre estudos relacionados à história das instituições
educacionais e escolares vêm sendo estimuladas a partir da constituição de
eixos temáticos nos encontros e congressos de história da educação.

Os grupos escolares como constitutivos da produção de uma cultura


educacional e da ideia de uma escola de verdade

Como já afirmamos anteriormente, as discussões sobre os grupos es-


colares vêm se desenvolvendo a partir do final dos anos de 1990 com carac-
terísticas predominantemente acadêmicas. Sendo assim, trata-se de uma pro-
dução marcada pelo “lugar social” que ocupam os seus estudiosos, ou seja, as
universidades e mais particularmente os programas de pós-graduações. Outra
característica de amplo espectro refere-se à não adoção de estudos comparati-
vos sobre os grupos escolares no Brasil. Muito pelo contrário, a sua produção
historiográfica emergiu em um momento em que se tornava mais forte o mo-
vimento de deslocamento das explicações pela via das grandes estruturas para
se priorizar o papel e as ações dos sujeitos nos microespaços e micropoderes.

2 - Ver, da mesma autora, o Lições da Escola Primária (2004).


290 | História e Educação na Amazônia
Voltaram-se os estudos e pesquisas para tentar compreender o que acontecia
na sala de aula, no cotidiano escolar e, finalmente, na construção da história
da educação pelo viés das culturas e práticas escolares. Esse movimento parece
apresentar-se sincronizado com o momento de mudanças político-institucio-
nais relativas ao Estado brasileiro, já que se encontrava em pleno processo o
fim da ditadura militar e a redemocratização da sociedade. Sobre esse aspecto,
Le Goff (1994, p. 51) nos chama atenção que os “[...] progressos da democracia
nos levam a procurar mais o lugar dos ‘pequenos’ na história, a colocarmo-nos
no nível da vida cotidiana”.
Cabe, todavia, contra-argumentar que essas perspectivas teórico-meto-
dológicas não impedem a realização de estudos comparativos, mas é forçoso
reconhecermos que conduziram as atenções dos pesquisadores na busca de
melhor compreender o que estava mais próximo, o que era particular ou espe-
cífico, enfim, o que havia (ou há) de peculiar. Daí o grande número de estudos
no campo da história cultural. Nesse movimento, os objetos de pesquisa se
ampliaram e abriram importantes discussões sobre as crianças e os jovens, o
livro e a leitura, as mulheres, a violência e as questões étnicas, conforme ana-
lisam Lopes e Galvão (2001).
Mas a nossa grande questão nesse momento é a seguinte: seria possível
realizarmos estudos comparados sobre os grupos escolares? A partir de que
base(s) teórica(s) e empírica(s) devemos proceder esse tipo de análise? São
suficientes os referenciais geográficos e/ou temporais?
Evidentemente que essas variáveis não poderão ser abandonadas, mas
aqui sugerimos que eles sejam realizados a partir da compreensão de que os
grupos escolares produziram uma cultura educacional e participaram da for-
mulação de uma ideia de uma escola de verdade.
Entendemos que a cultura educacional é uma dimensão específica da
cultura histórica que toma como foco os aspectos relativos aos processos
educacionais, sejam eles intra, extraescolares ou não escolares (PINHEIRO,
2009). Essa dimensão da cultura histórica não prescindirá do referencial po-
lítico-educacional “[...] que se destina à conformação e divulgação de normas
e valores identitários da nacionalidade em certo momento da vida de uma so-
ciedade”, conforme nos sugere Gomes (1998, p. 122).3 Nesse sentido, articula
setores especializados da burocracia estatal (meios administrativos e financei-
ros), propicia a adesão de intelectuais que elaboram representações de uma
nacionalidade ou ainda daqueles que são críticos dessa perspectiva, isto é, os

3 - Essa citação foi retirada de um trecho em que a autora inicia uma discussão sobre cultura
histórica no seu sentido mais amplo e não se refere à problemática educacional particularmente.
História e Educação na Amazônia | 291
que entendem que não há uma “única” nacionalidade, mas várias.
Um pouco diferente do que se pensa sobre a cultura histórica, que se
caracteriza pela “[...] relação que uma sociedade mantém com seu passado”
(LE GOFF apud GOMES, 1998, p. 122), a cultura educacional expressa tanto
as determinações do passado (cultura histórica educacional) quanto expressa
as leituras e possibilidades apresentadas no presente que é “efêmero”, uma
vez que imediatamente se transforma em passado, mas que ao mesmo tem-
po pode ser “duradouro” porque pode permanecer. Nesse sentido, podemos
indicar que os grupos escolares foram “efêmeros” porque tão brevemente dei-
xaram de existir (1893-1971, apenas 78 anos), no entanto duradouros porque
marcaram a escola com características que demarcam a organização da escola.
Podemos considerar, nesse sentido, que essas permanências são ele-
mentos constituintes não somente de culturas escolares e de práticas educa-
tivas assentadas na tradição que se processaram no interior da escola, mas
também considerar que elas podem ter alcançado uma dimensão extrainstitu-
cional escolar. Nesse sentido, alimentaram ou contribuíram para a constitui-
ção de uma cultural educacional (PINHEIRO, 2009).
Como dito, a tradição é parte significativa da cultura educacional e so-
mente se mantém enquanto os sujeitos sociais encontram-se “satisfeitos” com
a forma, os procedimentos estabelecidos ou dominantes e principalmente
quando os resultados atendem aos interesses daqueles que estão envolvidos,
tanto entre os que predominantemente fazem, produzem e elaboram quan-
to entre aqueles que absorvem, aprendem e reproduzem. Quando as formas,
os procedimentos e principalmente os resultados não mais satisfazem aos in-
tegrantes do ambiente cultural, inicia-se o processo de invenção de nova(s)
tradição(ões), que é (são) forjada(s) no espectro da tensão, do conflito e da
disputa. Para Hobsbawm e Ranger (1997, p. 9), essas novas tradições somente
se efetivam a partir de

[...] um conjunto de práticas, normalmente reguladas por


regras tácitas ou abertamente aceitas; tais como práticas,
de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos va-
lores e normas de comportamento através da repetição,
o que implica, automaticamente; uma continuidade em
relação ao passado.

Essa perspectiva interpretativa nos parece extremamente importante,


uma vez que já é possível afirmarmos que eles se constituíram como elemento
dos mais significativos para a elaboração de uma nova tradição.
O surgimento dos grupos escolares tornou-se campo fértil para que
292 | História e Educação na Amazônia
ocorresse uma maior hierarquização de saberes os quais deveriam ser ensina-
dos em sala de aula; propiciou a tentativa de homogeneizar o grupo classe a
partir do aspecto relativo ao grau de desenvolvimento cognitivo dos alunos to-
mando como referência a idade biológica; aglutinou professores em um mes-
mo prédio (espaço) escolar; necessitou de um novo personagem para exercer
a atividade de controle, fiscalização e gestão – o diretor escolar, entre tantas
outras tradições que foram inventadas e que, apesar de os grupos escolares
não mais existirem, as suas práticas disciplinares e de organização do trabalho
escolar permanecem até os dias atuais.
Em síntese, os momentos iniciais de criação de grupos escolares podem
ser interpretados como resultantes de um longo processo de transformações
na estrutura organizacional do Estado brasileiro – processo esse marcado por
permanências e mudanças. Nesse último caso, foi articulado aos ideários da
modernidade que subsidiou a modernização da estrutura organizacional da
educação e mais particularmente a escolar. Constituiu-se também como um
momento de rompimento de antigas tradições e ao mesmo tempo a inven-
ção de uma nova tradição educacional e escolar. Alimentada prioritariamente
pelo poder público, através da escola pública, mas também atingindo o mun-
do da educação escolar privada, confessional e não confessional, daí ter-se
pouco a pouco constituído parte significativa da cultura educacional e da ideia
de escola de verdade.
Paralelamente, não devemos perder de vista que não são somente os
“educadores de ofício” ou aqueles que detêm o “métier professoral” que atuam
no processo de constituição e propagação de uma cultura educacional, seja ela
na prática cotidiana, seja ela no campo da produção historiográfica, marcada,
como já dito, pelo viés acadêmico. Na verdade, há outros sujeitos ou agentes
sociais que atuam, interferem e agem de forma interativa. Assim como

[...] a história da história não deve se ocupar apenas com


a produção histórico profissional mas com todo um con-
junto de fenômenos que constituem a cultura histórica
(LE GOFF, 1994, p. 48),

a produção da cultura educacional não está restrita aos educadores ou, mais
ainda, restrita aos historiadores da educação.
Nessa perspectiva, entendemos que a cultura educacional constitui-se
e é constituída a partir de diversos atores sociais. O referido autor nos re-
mete aos estudos dos manuais escolares como um aspecto privilegiado para
entendemos como a cultura histórica pode perpetuar ou esquecer momentos,

História e Educação na Amazônia | 293


fatos, acontecimentos do passado. Acrescenta também que “[...] o estudo da
literatura e da arte pode ser esclarecedor desse ponto” (LE GOFF, 1994, p. 48).
No entanto, para além dos manuais didáticos, da literatura e da arte,
mas nos mantendo ainda no campo historiográfico, refere-se à cultura edu-
cacional produzida e manifesta a partir de livros de memórias que não raras
vezes são elaborados por intelectuais locais – jornalistas, médicos, advogados,
geógrafos, historiadores ou simplesmente autodidatas. Aqui estamos nos re-
metendo ao que Gramsci (1995, p. 8) denominou “persuasor permanente”, ou
seja, aquele que num “imiscuir-se ativamente na vida prática, como constru-
tor, organizador”, não chega a dirigente.4
Muitos desses “persuadores” estão nos institutos históricos e geográ-
ficos e escrevem com regularidade crônicas, artigos nos periódicos locais,
principalmente nos de pequena circulação, plaquetes e livros, sobre seus res-
pectivos “torrões” natais, dedicando, no último caso, capítulos referentes à
“educação” ou “instrução”. Nessas obras, encontramos com regularidade a
importância que os grupos escolares exerceram sobre as suas próprias vidas
ou de como eles contribuíram para o “desenvolvimento e progresso sociocul-
tural e econômico” da cidade e/ou do município.
O lugar que os grupos escolares ocupam em relação à disciplina, às au-
las de educação física e aos exames são testemunhos, parafraseando Le Goff,
do gosto de algumas sociedades históricas pelo seu passado, ou particular-
mente, melhor explicitando, pelo passado escolar e educacional. Assim, essa
cultura educacional é reforçada, revelada, compreendida e manifestada nos
níveis mais capilares da sociedade brasileira, ou seja, podem abordar os senti-
mentos que uma sociedade tem sobre o seu passado escolar, no sentido mais
restrito, ou educacional no sentido mais amplo.

Grupo escolar: indícios da permanência de uma cultura educacional


e da ideia de escola de verdade

Aqui, ainda, poderíamos continuar apontando uma série de aspectos


que fortaleceriam os nossos argumentos sobre a possibilidade de construir-
mos conhecimentos sobre os grupos escolares na perspectiva da comparação,
tomando como referência a cultura educacional e a ideia de escola de verdade.
Aliás, segundo Pinheiro (2002), na Paraíba a criação de grupos escolares teve
muito mais o papel de contribuir com o processo de modernização do Estado
do que de fortalecimento dos ideais republicanos, muito embora esse aspecto

4 - Para Gramsci, constitui-se um tipo ou forma de atuação do intelectual.


294 | História e Educação na Amazônia
tenha aparecido de forma secundária, nos discursos da elite paraibana.
Nesse sentido, partimos da hipótese de que a permanência no imaginá-
rio social dos grupos escolares se deva pela promessa ou ideal de essas escolas
terem se constituído na possibilidade de acesso a uma escola marcada pela
ideia de ser uma “escola de verdade” e, portanto, vinculada a modernidade e
qualidade. Um tempo de escola, um tempo de vida constituído pela articula-
ção entre cultura educacional e reorganização da escola. É possível que parte
do que fora prometido com a criação dos grupos escolares tenha de fato se
efetivado.
Para uma melhor compreensão desse processo, urge realizarmos estu-
dos que comparem o modo como essa instituição escolar se constituiu nas
diferentes localidades, o que se torna possível pelo volume de estudos já exis-
tentes sobre grupos escolares no Brasil.
Aqui pensamos essa comparação através do conceito de cultura escola e
da constituição da ideia de escola de verdade, que se amalgamam no processo
de constituição desse tipo de escola. Compreendemos que essa pode ser uma
possibilidade de análise que, inclusive, nos ajude a analisar a permanência do
grupo escolar no imaginário social e as marcas dessa escola na que hoje temos.

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História e Educação na Amazônia | 297


298 | História e Educação na Amazônia
Os Grupos Escolares maranhenses na
sua primeira fase de implantação
(1903-1912)
DIANA ROCHA DA SILVA
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Introdução

Com a proclamação da República brasileira, aflorou-se a necessida-


de de os estados se adequarem aos ideais de civilidade e modernidade. No
Maranhão do final do século XIX, a incorporação desses intentos resultou na
criação de cinco leis,1 as quais estabeleciam reformas no campo educacional.
Tais leis priorizaram a abertura de cadeiras isoladas e a obrigatoriedade do
ensino, porém esses dispositivos não se ativeram aos repasses de recursos que
seriam aplicados na melhoria do ensino público primário. A maioria das esco-
las funcionava com inúmeras dificuldades, entre elas a ausência de professores
formados pela Escola Normal, a falta de recursos didáticos, a inexistência de
prédios próprios para a instalação das escolas e de mobiliário escolar necessá-
rio ao bom andamento do ensino.
Dessa forma, as estratégias traçadas em âmbito legal não foram sufi-
cientes para transformar a situação decadente em que se encontravam as es-
colas públicas primárias. Foi nesse contexto que os republicanos maranhenses
se mobilizaram para adotar o modelo de escola paulista, já reconhecido em
todo o País desde 1893.
A uniformidade nos conteúdos, a presença de professores normalistas,
a graduação do ensino e a divisão e descentralização dos trabalhos docentes
eram fatores que ressaltavam a eficácia dessas escolas. No Maranhão, os de-
bates em prol da instalação desses grupos se fizeram mais evidentes a partir
do início do século XX, época em que os discursos políticos e de intelectuais
se concentraram na defesa da implantação de escolas consideradas modernas,
culminando com a instalação dos grupos escolares maranhenses, em 1903.
O destaque dado à eficácia dos grupos escolares, antes mesmo de sua
implantação, pode ser visualizado em jornais da época, como foi o caso do A

1 - Reforma José Tomaz de Porciúncula, de 1890; Reforma Lourenço de Sá, de 1891; Reforma
Cunha Martins; Reforma Benedito Leite, de 1895; Regulamento da Instrução Pública do Mara-
nhão, 1896; e Reforma da Instrução Pública, 1899.
História e Educação na Amazônia | 299
Pacotilha, de 1904, onde J. Palhano de Jesus, cronista caxiense ao se referir ao
relatório do Ministro do interior, José Joaquim Seabra, ressalta a importante
contribuição que poderia ter sido dada ao ensino público primário no Mara-
nhão se fossem criadas as “Casas de Ensino”, e se também fossem abolidas as
nomeações de pseudoprofessores. No entanto, acreditamos que o fato de sim-
plesmente converter as escolas públicas primárias, existentes no perímetro de
São Luís no ano de 1903, em grupos escolares, foi uma medida precipitada do
governador do estado, Alexandre Collares Moreira Junior, uma vez que essas
escolas deveriam apresentar características peculiares que as diferenciassem
das típicas escolas públicas isoladas ou mistas, até então existentes, e o que
comprometeria, de certa forma, o tão idealizado projeto.
As instituições públicas de ensino, existentes tanto em São Luís como
no interior do estado, consistiam em escolas isoladas ou mistas que ofereciam
um ensino rudimentar. No perímetro de São Luís, por volta de 1903, havia
somente seis escolas estaduais de nível primário, dentre as quais apenas duas
apresentavam condições de funcionamento, além da Escola Modelo Benedito
Leite.
No caso do Maranhão, embora os discursos republicanos exaltassem a
eficiência dos grupos escolares, estes não apresentaram as mesmas vantagens
dos implantados em São Paulo, Pará e Minas Gerais, devido, essencialmente, à
fragilidade econômica e política vivenciada pelo Maranhão durante o período
de sua criação.

A criação dos grupos escolares

A criação dos grupos escolares no Maranhão pode ser dividida em duas


fases: a primeira ocorreu em 1903, quando foram criadas duas escolas na capi-
tal e três no interior, se estendendo até 1912, com a extinção dessas instituições
por não conseguirem atender a todas as recomendações que caracterizavam
os grupos escolares como uma escola moderna. A segunda fase inicia-se em
1919, quando foram criados nove grupos na capital e uma no interior, quando
da avaliação negativa pelos governantes e educadores da instrução primária.
Os grupos da segunda fase se estenderam até 1970, época em que foram trans-
formados em unidades escolares (MOTTA, 2006).
No Maranhão, o governador2 permitiu que os grupos escolares ocupas-
sem o prédio das escolas estaduais que, nesse período (em 1908), já apresen-
tavam inúmeras dificuldades estruturais, como vidraças quebradas, aspectos

2 - Arthur Quadros Collares Moreira.


300 | História e Educação na Amazônia
de escola antiga e malcuidada. A seguir, as imagens mostram as condições
estruturais desses prédios:

Figura 1 – Primeiro Grupo Escolar – Rua do Sol.

Fonte: Anuário do Maranhão (1908).

Figura 2 – Segundo Grupo Escolar – Rua Grande.

Fonte: Anuário do Maranhão (1908).

O governador do estado, Alexandre Collares Moreira Junior (1905), ao


reconhecer o estado decadente dos prédios destinados a essas escolas,
História e Educação princi-
na Amazônia | 301
palmente em relação ao edifício do Segundo Grupo Escolar da Capital, res-
saltou que, se não fossem as más condições financeiras do estado, lembraria
como medida imperiosa a construção de prédios para as instituições públicas,
que, colocadas em casas em que faltam quase todos os requisitos pedagógicos,
não poderiam exercer satisfatoriamente a sua missão. Em realidade, os gover-
nantes tinham ciência de que, se não houvesse maiores investimentos para a
manutenção desse empreendimento, certamente o estado de decadência se
agravaria. E foi o que aconteceu, de acordo com o comentário a seguir:

Comunicando-me a secretária do Primeiro Grupo Esco-


lar da Capital a absoluta falta de água neste estabeleci-
mento, rogo-vos que vos digneis de mandar providenciar
no sentido de ser feito pela respectiva companhia o repa-
ro que se torna necessário no encerramento de água do
referido estabelecimento. B. G. Dir.3
[...]
Comunicando-me a secretaria do primeiro grupo esco-
lar da capital acha-se bastante danificado o telhado do
edifício em que funciona esse instituto, o que acarreta a
quase impossibilidade de funcionamento das aulas nesta
estação de chuva, solicito-vos providências no sentido de
serem apurados naquela parte do referido prédio os con-
certos de cuja falta ele se recente. B. G. Dir.4

Como forma de reverter esse quadro, Barbosa de Godóis reivindicou


melhorias físicas para os prédios, compra de materiais didáticos, contratação
de professores, aparelhos para instalação do laboratório de química e física e
serviços diversos, como reparos no prédio, reforma do telhado, conserto do
relógio de parede, conserto da latrina, reparos no quadro-negro e da calha de
zinco.
Devido à falta de estrutura do Segundo Grupo Escolar, que se refletia,
principalmente, nas condições precárias do interior do prédio – presença de
goteiras, portas e janelas que não ofereciam segurança –, Arthur Collares Mo-
reira autorizou, em 1907, o fechamento definitivo do grupo, que já não era
mais utilizado para ministração de aulas desde o início de 1905.
A fim de superar esse “desmantelo” no cenário educativo de São Luís,
esse governador abriu mão da administração do Segundo Grupo e a transfe-
riu para a municipalidade por meio do Decreto nº 66 e de acordo com a Lei
nº 464, de 13 de abril de 1907. O grupo passou a funcionar em 1º de maio de

3 - MARANHÃO. Secretaria da Escola Normal (1907).


4 - MARANHÃO. Secretaria da Escola Normal (1908).
302 | História e Educação na Amazônia
1907. Ao ter suas aulas reabertas, manteve a mesma estrutura organizacional
de sua origem e seguia, ainda, as mesmas recomendações dispostas no regi-
mento interno criado em 1904.5 Apesar de ter sido restabelecido em 1907, o
município também não dispensou maiores atenções quanto à manutenção do
grupo. Os mais atingidos com essa falta de estruturação foram os alunos, que
frequentemente eram deslocados para assistirem aulas nos outros estabeleci-
mentos de ensino, como na escola modelo, nas escolas estaduais mistas ou nas
escolas isoladas.
As reclamações sobre as condições estruturais foram mais evidentes
nos relatórios de Antônio Lobo, inspetor geral da Instrução Pública e diretor
do Liceu Maranhense em 1911, onde destacou que o descaso do estado não se
restringiu à falta de investimento para a construção de prédios, mas também à
falta de atualização da verba disponibilizada para a manutenção dessa institui-
ção, como o pagamento de professores, a compra de materiais de expediente,
os reparos e os serviços gerais. Durante oito anos, os recursos não sofreram
reajuste, o que se configurou como um dos fatores preponderantes para que
muitos professores não quisessem se habilitar ao exercício do cargo. Vale res-
saltar que o Estado não dispôs de grandes somas para as melhorias do ensino
durante toda a primeira década de novecentos, especialmente por não possuir
um produto forte de exportação, pela falência das fábricas e pelas condições
insalubres do estado, aspectos que impediam o repasse de recursos para a ma-
nutenção de escolas. Podemos visualizar esses valores nos gráficos abaixo:

Gráfico 1 – Verbas anuais destinadas aos grupos


escolares do interior (1906 a 1912)

Fonte: Lei de Orçamento do Estado (1906-1912).

5 - MARANHÃO. Códice de 2 de maio de 1907.


História e Educação na Amazônia | 303
Gráfico 2 – Verbas anuais destinadas aos grupos
escolares da capital (1904 a 1912)

Fonte: Lei de Orçamento do Estado (1904-1012).

Dos recursos disponibilizados pelo Tesouro Público do Estado do Ma-


ranhão para a manutenção dos grupos escolares do interior, apenas 8% eram
destinados ao aluguel de prédios, o que pode ter influenciado a instalação des-
sas escolas em lugares desprovidos das condições basilares para o seu funcio-
namento.
No caso da verba para as despesas dos grupos da capital, notamos que
para esse mesmo investimento foram aplicados 13% a mais que nos grupos do
interior. Teoricamente, isso permitia que os primeiros pudessem apresentar
melhores condições de estrutura e de serviços. Essa distribuição de valores
pode ser visualizada nas tabelas abaixo:

Tabela 1 – Expediente para os grupos escolares da capital (1904-1912)

Fonte: Lei nº 348, de 17 de maio de 1904; Lei nº 508, de 27 de março de 1909 e tabela de
despesa nº 5, de 1911 a 1912.

304 | História e Educação na Amazônia


Tabela 2 – Expediente para os grupos escolares do interior – Codó, São
Bento e Rosário (1906-1912)

Fonte: Lei nº 348, de 17 de maio de 1904; Lei nº 508, de 27 de março de 1909 e tabela de
despesa nº 5, de 1911 a 1912.

Os expedientes destinados aos grupos escolares da capital correspon-


diam a aproximadamente 10% a mais que os distribuídos para os grupos de
Codó, Rosário e São Bento. Esses valores eram utilizados para a compra de
materiais de limpeza, didáticos e utensílios higiênicos ou para o pagamento
de serviços diversos. A carência dos recursos determinava que os professores e
funcionários desses estabelecimentos remetessem seus pedidos à diretoria dos
grupos, solicitando a compra de materiais para as escolas, conforme se pode
visualizar no comentário de Godóis:

Remetido o material didático e de expediente em épo-


cas diferentes, conforme se iam dando as nomeações das
professoras das escolas a que tiveram por igualdade todos
os objetos para o seu serviço; tiveram, porém, o que era
de maior importância, menos o de Codó, que não me foi
possível prover, se não das poucas peças que nele exis-
tem, por já estarem em destino para a escola de Pinheiro
os volumes que estavam em depósitos, logo que se efe-
tuasse a esperada transferência para ali da professora do
primeiro ano da escola modelo Benedito Leite, Dona Lu-
zia de Castro Freitas.6

Essa dificuldade gerou, principalmente na população ludovicense, um


sentimento de descrença quanto ao modelo de ensino, pois, entre outras di-
ficuldades encontradas, a impressão desagradável dessas escolas contribuiu
para que eles não dessem, e nem pudessem oferecer, os resultados esperados.
Esse fato se dava especialmente pela

Reunião de diferentes aulas num salão sem divisão al-

6 - MARANHÃO. Secretaria da Escola Normal (1908).


História e Educação na Amazônia | 305
guma e perturbando-se reciprocamente não somente
tornava mais difícil a missão dos mestres, como influía
para que muitos pais, reconhecendo os inconvenientes
que desse fato resultavam, fossem retirando seus filhos
desses estabelecimentos, cuja freqüência nem sempre foi
a desejável.7

No interior do estado, a situação era mais grave, pois a distância dessas


cidades em relação à capital dificultava a comunicação com a direção dos gru-
pos, já que a quantidade de delegados e fiscais da Inspetoria Geral de Instrução
Pública era em número insuficiente. Todas as decisões partiam de São Luís,
onde se localizava a direção dessas escolas.
Em Rosário, o prédio destinado às aulas dos grupos escolares era consi-
derado pequeno e não permitia a montagem das outras cadeiras por conta das
suas dimensões. Nesse mesmo grupo havia as velhas bancadas pertencentes
às antigas escolas isoladas. Diante disso, foi solicitada ao Tesouro Público do
Estado a ampliação do espaço escolar e a compra de cadeiras da marca Chan-
dler,8 em número suficiente para a acomodação de todos os alunos. Entretan-
to, o pedido não foi atendido.
No Grupo Escolar de São Bento havia apenas duas classes, que funcio-
navam em dois salões. Além da falta de estrutura, os surtos de varíola e de
peste bubônica ocasionaram a diminuição na frequência das aulas. Por isso,
muitas famílias tinham medo de serem contaminadas e migravam para outras
localidades onde a doença ainda não tivesse chegado.
A criação dos grupos escolares não extinguiu essa realidade; em muitos
casos, a montagem de carteiras e cadeiras não foi realizada por falta de salas
ou materiais. Pelo Ofício nº 35, encaminhado à diretoria da Escola Normal em

7 - MARANHÃO. Códice de 11 de maio de 1907.


8 - A preferência pelos móveis importados foi motivada pela influência dos discursos peda-
gógicos surgidos no final do século XIX e início do XX, ressaltando a eficiência de alguns ob-
jetos escolares em detrimento de outros. A materialidade escolar esteve aliada ao símbolo de
eficiência, racionalidade e rapidez. A partir desse período são realizadas várias conferências e
exposições internacionais a fim de apresentarem as inovações do mercado pedagógico, como
os materiais para compor os museus pedagógicos, laboratório de química e física e outros ma-
teriais didáticos. Nestas, os mobiliários ganhavam destaques, ressaltavam a durabilidade dos
materiais e a eficiência deles. Sobre exposição pedagógica, ver Diana Vidal (2006). Barbosa de
Godóis, empolgado com os materiais apresentados nessas exposições, esclarece ao governador
do estado que seria mais proveitoso adquirir “mobília de maior duração e que proporcionasse
resultados satisfatórios, do tipo da que a intendência desta capital mandou buscar nos Estados
Unidos da América do Norte, por meio do representante da fábrica desse artefato no estado de
Minas Gerais ou vindos de Paris da Casa Fils d’Emile Geyralle” (MARANHÃO. Secretaria da
Escola Normal, 1908).
306 | História e Educação na Amazônia
1908, pode-se compreender essa carência

[...] nos grupos escolares de São Bento e Rosário. Cum-


pri-me dizer-vos que não há propriamente mobília ex-
cedente nesses estabelecimentos, mas apenas cadeiras e
carteiras não montadas ainda, umas por falta de capaci-
dade nos edifícios em que presentemente se acham insta-
lados os ditos grupos escolares e outros por não ter vindo
dos Estados Unidos, convenientemente a encomenda
feita desse material, pois houve a troca de marcas em al-
guns volumes, ocasionando isso irem mais peças de uma
qualidade rara para um lugar do que para outro.
Cientificado dessa ocorrência o vosso antecessor, ele
mandou que fossem consertadas onde se acham as car-
teiras e cadeiras não montadas, resolveu mandar fazer
outra encomenda com a qual seria sanado o que [...] dis-
tribuindo-se as peças quando chegassem, de forma que,
tanto num como noutro grupo escolar ficassem completa
a mobília existente.

Muitas dessas encomendas não chegavam ao seu destino e acarretavam


a formulação de novos pedidos. Esse inconveniente complicava o andamen-
to das aulas nessas escolas, pois algumas disciplinas dependiam de materiais
didáticos para o ensino objetivo, lições de coisas e prendas femininas. As ca-
deiras e carteiras também eram adquiridas nos Estados Unidos e na França, o
que resultava na espera para que os pedidos chegassem ao seu destino. Desse
modo, muitas aulas iniciavam precariamente, algumas sem os recursos bá-
sicos. Das notas de compra de mobília, arquivadas nesta escola, constam os
seguintes móveis escolares do tipo Chaudler, adquiridos tanto para o Grupo
de Rosário quanto para o de São Bento.

Quadro 1 – Mobília escolar

Fonte: Manuscrito da Escola Normal (1909).

Geralmente esses tipos de materiais dependiam da montagem das pe-

História e Educação na Amazônia | 307


ças, fato que ocasionava a perda de algumas partes, seja pela falta de locais ade-
quados para guardá-los ou pelo fato de pessoas sem experiência as estragarem.
Em ofício datado do dia 22 de agosto de 1904, foram encontrados pedidos de
compra de materiais didáticos para o Segundo Grupo Escolar. Alguns desses
materiais deveriam ser adquiridos na Casa Fils d’Emille Geyralle, de Paris.
Esses recursos serviriam para modernizar o ensino.
Grande parte do insucesso dessas escolas se deveu aos insuficientes re-
cursos disponibilizados para sua manutenção. A representação dos grupos es-
colares como “escolas de verdade” ou “casas-escola”, como bem mencionou J.
J. Seabra (1904), não pôde ser sustentada por muito tempo no imaginário da
sociedade maranhense. Insatisfeitos por essas instituições não apresentarem
os resultados esperados, muitas famílias da capital tiraram seus filhos dos es-
tabelecimentos e procuraram por vagas em outros colégios, com professores
particulares ou em internatos e externatos do estado.
Essa ineficácia poderia ser mais bem visualizada no Segundo Grupo
Escolar, criado em 1904 e que funcionou por apenas seis meses (a abertura
das aulas aconteceu em agosto de 1904 e o encerramento foi em dezembro
do mesmo ano). Após esse período, o grupo se manteve fechado até 1907 e,
durante esse tempo, os alunos passaram a assistir aula no Primeiro Grupo
Escolar. Ao criticar a criação dessas instituições, denominando-os de “pseu-
dogrupos escolares”, Antônio Lobo comentou:

E para provar dessa última assertiva basta lembrar-vos


a criação dos pseudo grupos escolares, cada um deles
amontoados numa sala única, de capacidade seis vezes
inferiores à estritamente requerida e confiado a profes-
sores em número 3, 4 e 5 vezes [...] além do que lhe com-
petia. E tudo isso, porque se não pode ver ou não se quis
ver, o Estado faleciam por inteiro os recursos precisos
para adaptar, na organização das suas escolas primárias,
o sistema dos grupos alias excelente, uma vez que seja
praticado com obediência rigorosa aos preceitos pedagó-
gicos [...] felizmente, porém, vem em breve experiência
revelar-nos o desacerto com que havíamos operado, indi-
cando-vos ao mesmo tempo a trilha exata a seguir, o que
vem a ser essa que ides adotar da manutenção de esco-
las inovestas, de acordo com as nossas necessidades e os
nossos recursos e alheia dos por completo à preocupação
estéril da encenação e do alarde em penúria absoluta de
fundamentos reais que os permitam e justifiquem. A se-
gunda medida que me cumpre indicar-vos e destinada a

308 | História e Educação na Amazônia


fim idêntico ao colimado pela primeira, vem a ser a revi-
são posterior codificação sobre matéria de instrução pri-
mário e profissional verdadeira torre de babel, construí-
da de retalhos esparsos de leis, de decretos, de portaria e
até mesmo de simples resolução verbal, sem documento
escrito que lhe garanta a autenticidade e lhe assegure os
efeitos legais, obrigatórios e em face da qual será impos-
sível agir com segurança e eficácia nas diferentes espécies
que se apresentam.9

A crítica de Antônio Lobo recaía especialmente sobre dois aspectos: a


adoção de modelos estrangeiros, conceituados, por ele, como inovestas, quer
dizer, puro modismo que, dando certo em outras realidades, não tiveram a
mesma experiência em terra maranhense devido, entre outros fatores, à falta
de recursos do estado. Outro fator que merece destaque se refere ao conjunto
de leis e decretos apresentados pelo poder público em prol da reconfiguração
do ensino primário, leis que na sua efetividade foram constituídas por reta-
lhos esparsos e sem concretude. Em virtude desse cenário, as matrículas nos
grupos escolares da capital maranhense passaram a oscilar constantemente. A
baixa frequência dos alunos também era influenciada, principalmente, pelos
seguintes fatores:

1) Fechamento do Segundo Grupo Escolar;


2) Descrédito da sociedade ludovicense nesse modelo de en-
sino;
3) Transferência de professores e alunos para outros institu-
tos;
4) Não cumprimento dos programas de ensino;
5) Falta de estrutura dos prédios;
6) Insuficientes recursos destinados à manutenção dos gru-
pos (capital e interior).

Segundo Lobo (1911),10 a diminuição na frequência ocorria também em

[...] consequência da seleção que foi havendo de ano em


ano nas turmas e classes e do costume, entre nós reinan-

9 - MARANHÃO. Inspetoria Geral da Instrução Pública e Diretoria do Liceu maranhense. Of.


nº 5, São Luís, 14 de janeiro de 1911.
10 - MARANHÃO. Inspetoria Geral da Instrução Pública e Diretoria do Liceu maranhense. Of.
nº 5. São Luís, 14 de janeiro de 1911.
História e Educação na Amazônia | 309
te, de serem em parte retirados os alunos das escolas, logo
que eles adquirem uma certa instrução.

Afirma ainda:

[...] por vezes, para que a classe superior não fique sem
alunos, as professoras respectivas se tem interessado pes-
soalmente com as famílias dos alunos, no sentido de os
manterem no instituto, tem sido, entretanto muito limi-
tada essa frequência.11

Podemos visualizar no gráfico abaixo a variação da matrícula de alunos


nos grupos escolares da capital (1904 e 1909):

Gráfico 3 – Número total de alunos matriculados nos


grupos escolares da capital (1904-1909)

Fonte: Gráfico elaborado pela autora a partir dos relatórios do diretor dos grupos escolares
– Barbosa de Godóis – enviados à Inspetoria da Instrução Pública do Maranhão (1904-
1909).

Conforme pode ser observado no gráfico 3, a queda no número de ma-


triculados foi expressiva e representa a imagem de descrédito que a população
passou a ter dessas escolas com o passar do tempo. Em relação ao Primeiro
Grupo, comparando os anos de 1904 e 1909, o número de alunos matriculados
caiu 35,6%, e, no Segundo Grupo Escolar, essa queda foi de 34,4%.

11 - MARANHÃO. Secretaria da Escola Normal, 1909.


310 | História e Educação na Amazônia
Gráfico 4 – Comparativo entre o número de alunos matriculados
por cadeira (Primeiro Grupo Escolar, 1904-1909)

Fonte: Gráfico elaborado pela autora a partir dos relatórios do diretor dos grupos escolares –
Barbosa de Godóis – enviados à Inspetoria da Instrução Pública do Maranhão (1904-1909).

Analisando o número de matrículas nas cadeiras dos grupos escola-


res maranhenses entre 1904 e 1909, inferimos que no Primeiro Grupo hou-
ve quedas significativas, principalmente na cadeira inicial: apenas 50 alunos
procuraram essa escola em 1909, representando um decréscimo de 29,6% em
relação aos alunos matriculados em 1904. Porém, se levarmos em considera-
ção que, neste último ano, a frequência média variou entre 17 a 25 alunos, os
danos seriam mais expressivos. Já na segunda cadeira, a queda foi de 28,6% e
a frequência média de 1 a 15 alunos durante o ano; e, na terceira, a diferença
correspondeu a 68,5%.

História e Educação na Amazônia | 311


Gráfico 5 – Comparativo entre o número de alunos matriculados
por cadeira (Segundo Grupo Escolar, 1904-1909)

Fonte: Gráfico elaborado pela autora a partir dos relatórios do diretor dos grupos escolares –
Barbosa de Godóis – enviados à Inspetoria da Instrução Pública do Maranhão (1904-1909).

De acordo com o gráfico 5, que traça um comparativo entre os anos


de 1904 e 1909 sobre o número de matriculados no Segundo Grupo Escolar
de São Luís, constatou-se que na primeira cadeira houve uma diminuição de
10,4%; na segunda, de 50%. Na terceira cadeira, em virtude de esta ter sido
agrupada ao Primeiro Grupo Escolar, a redução atingiu um percentual de
100%.
No estado do Maranhão, parte desse fracasso esteve associada aos as-
pectos culturais da comunidade em específico. No entanto, não podemos dei-
xar de considerar que a situação econômica não tenha contribuído para que
esse modelo de escola desse certo, especialmente no que se refere ao primeiro
período de sua institucionalização (1903-1912). Fernandes (2003, p. 45) con-
sidera que, até 1910, o Maranhão caminhava a passos lentos e incertos, “[...]
como quem pisa em terreno desconhecido e evita surpresas desagradáveis”.
A construção de prédios escolares foi um sonho que permaneceu restri-
to aos discursos de políticos e educadores, como Alexandre Collares Moreira
Junior, Benedito Leite, Artur Collares Moreira, Barbosa de Godóis e Antônio
Lobo. Incessantemente, eles lembravam a necessidade de adequação dessas
escolas aos modelos implantados na região Sul do Brasil, onde se conseguiu
312 | História e Educação na Amazônia
manter, no ideário popular, a eficácia desse tipo de instituição primária.
Essa realidade revelou os entraves existentes entre teoria e prática, pois
apresentava as inúmeras deficiências enfrentadas pelos grupos escolares ma-
ranhenses, desde a sua criação até 1912. A ausência de edifícios escolares, a
falta ou insuficiência de materiais escolares e as transferências constantes de
professores e alunos para outros institutos de ensino – que nem sempre abri-
gavam a mesma modalidade e organização de ensino –, levaram o estado a
decretar o fechamento das escolas que um dia foram vistas como “verdadeiras
casas de ensino”. Sendo assim, o governador Luís Domingues (1910-1914)
determinou a extinção desses grupos, por meio da Lei nº 598, de 1º de maio de
1911, e Lei nº 618, de 14 de abril de 1912, conforme disposto a seguir:

Suprime na capital as escolas de frequência inferior à mé-


dia de 25 alunos e o grupo escolar e a escola do sexo mas-
culino de Rosário, criando nesta localidade duas escolas,
1 do sexo masculino e outra do sexo feminino.
Único – cada uma dessas escolas compreenderá duas es-
colas graduadas para cuja regência serão aproveitadas as
quatro professoras dos institutos por este artigo.

O governador do Estado, atendendo a que o poder mu-


nicipal recusou no seu orçamento vigente a verba com
que era mantido um dos dois grupos escolares desta ca-
pital, resolve, autorizado pelo Art. B, da Lei nº. 598, de 1
de maio último, suprimir também o outro grupo escolar,
mantendo as professoras de um e outro, no mesmo en-
sino e com os mesmos vencimentos até a reorganização
das escolas a vigorar no próximo ano.

Com a extinção dos grupos escolares, esse governador resolveu criar


escolas de menor custo, como as escolas isoladas do sexo masculino e femi-
nino e as escolas mistas, além dos externatos públicos. Essas instituições, em
sua maioria, não praticavam o ensino intuitivo, e, por isso, os gastos com a
educação se resumiam ao pagamento de professores e à compra do material
de limpeza e serviços diversos.

Conclusão

Mediante essas reflexões, podemos considerar que o processo de ins-


titucionalização dos grupos escolares no estado do Maranhão não resolveu o
problema histórico da educação, que ainda hoje apresenta seus sinais negati-

História e Educação na Amazônia | 313


vos. O fato de adotar esse modelo de ensino não solucionou o quadro deficitá-
rio de analfabetismo que vinha se arrastando desde a colônia.
Dessa forma, constatamos que a história dos grupos escolares mara-
nhenses é marcada por duas iniciativas, ambas incentivadas pelos governantes
do estado e tendo como característica básica o ideal de escola pública primária,
a qual pudesse contribuir para a concretização dos princípios republicanos.
A primeira fase (1903-1912) foi definida como período conturbado, precário
e com inúmeras dificuldades que refutaram a imagem de escola moderna e
eficaz, tão defendida e difundida pelos políticos e intelectuais maranhenses
e que, apesar de no seu regimento interno definir a graduação do ensino, os
métodos, currículo por seriação, configurou-se mais como uma reunião de
escolas isoladas, onde ao invés de funcionar o ensino graduado, acarretou a
reunião de várias turmas em um único local e com a presença de uma única
professora como foi o caso do grupo escolar de Codó.
Na segunda fase, que se inicia em 1919 e se estende a 1970, os gover-
nantes asseguraram em leis os recursos para a manutenção e planejamento de
ações referentes à estruturação dessas escolas, designando diretoras para cada
um dos grupos. Além disso, os recursos também seriam destinados ao aumen-
to de salário dos professores, à compra de material didático e de mobiliário
de ensino. Foi nessa fase que o estado recebeu investimento para a criação de
outras escolas normais nas demais cidades do Maranhão, como em Pinheiro
e Codó, no ano de 1926. Nesse período, também se constatou que os recursos
foram empregados na construção de edifícios para os grupos da capital, cuja
arquitetura era bem projetada e estrutura definida. Já as construções para os
interiores do estado tinham projetos arquitetônicos mais simples e modestos
– porém, gozando do prestígio de ser escola moderna.
Apesar do reconhecimento da eficácia para um ensino público atrasa-
do, como o que perdurava no Maranhão até o início do século XX (presente
até hoje em muitos aspectos), o governo do estado não deixou de investir na
criação de escolas isoladas, mistas e agrupadas. Nesse sentido, o que se pode
perceber é que os grupos escolares não foram definidos como modelo úni-
co para a instrução primária maranhense, pois este se configurou no cenário
maranhense até 1970, quando os grupos se transformaram em unidades esco-
lares em todo o Brasil. Ao longo desse período, houve a criação e extinção de
grupos, alguns permanecendo ativos por pouco tempo, outros se mantendo
estruturados, como foi o caso do Grupo Escolar Sotero dos Reis.
A partir deste estudo, podemos afirmar que a história dos grupos esco-
lares maranhenses diferenciou-se dos modelos paulistas, apesar de utilizá-lo

314 | História e Educação na Amazônia


como referência. Suas características estiveram condicionadas à administra-
ção do estado, aos aspectos socioculturais e às condições econômicas vivencia-
das no Maranhão durante o período estudado. A história dos grupos escolares
nesse estado pode ser mais bem compreendida quando a analisamos por meio
de três momentos distintos: o primeiro se revelou no período anterior à sua
instalação em nosso estado, onde os discursos empolgados de políticos e inte-
lectuais dessa época enfatizavam as vantagens de criação dessas instituições; o
segundo compreendeu o período de sua existência (1903-1912), época em que
essas escolas, a partir da constatação de suas dificuldades, foram denomina-
das como “pseudogrupos”, caracterizando-se mais como escolas graduadas; e
o terceiro momento correspondeu à segunda fase de sua institucionalização,
quando novamente os governantes apresentam essas escolas como necessárias
à superação do analfabetismo no estado.

Referências

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Luís: Instituto Geia, 2003.

MARANHÃO. Anuário, 1908.

______. Códice, 2 de maio de 1907.

______. Códice, 11 de maio de 1907.

______. Códice, 21 de maio de 1908.

______. Códice. Escola Normal, 7 de maio de 1907.

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______. Códice nº 1101, 1º de julho de 1904.

______. Códice nº 1102, 1º de julho de 1904.

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______. Código sanitário, 1904.

______. Colleção de Leis do Estado do Maranhão (1892-1899). São Luís: Typ. Frias,
[1900].

História e Educação na Amazônia | 315


______. Decreto nº 36, 1º de julho de 1904.

______. Decreto nº 66, 1907.

______. Decreto nº 182, 28 de junho de 1919.

______. Decreto nº 856, 1919.

______. Diário Oficial do Estado do Maranhão, ano 4, 21º da República, nº 28, 3 de


fevereiro de 1909. p. 3.

______. ______, ano 4, 21º da Republica, nº 28, 4ª feira, 5 de fevereiro de 1909. p. 3.

______. Escola Normal. Códice de 2 de maio de 1907.

______. Inspetoria Geral da Instrução Pública. Antônio Lobo, 1º de dezembro de


1911. (Mapa de frequência de alunos).

______. Inspetoria Geral da Instrução Pública. Antônio Lobo. Of. nº 155, 29 de ju-
lho de 1911.

______. Inspetoria Geral da Instrução Pública do Estado do Maranhão. Antônio


Lobo, 1911.

______. Inspetoria Geral da Instrução Pública e Diretoria do Liceu Maranhense.


Of. nº 5. São Luís, 14 de janeiro, 1911.

______. Lei nº 323, 26 de março de 1903.

______. Lei nº 348, de 17 de maio de 1904.

______. Lei nº 363, 31 de março de 1905.

______. Lei nº 464, de 13 de abril de 1907.

______. Lei nº 508, de 27 de março de 1909.

______. Lei nº 523, 12 de abril de 1909.

______. Lei nº 598, 1º de maio de 1911.

______. Lei nº 618, 14 de abril de 1912.

______. Lei nº 666, 28 de abril de 1914.

316 | História e Educação na Amazônia


______. Lei de Orçamento do Estado (1904-1912).

______. Lei de Orçamento do Estado (1906-1012).

______. Ofício nº 35. Escola Normal em 1908.

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dos e da escola modelo “Benedito Leite e curso anexo”. Maranhão: Typografia Frias,
1905.

______. Regulamento Geral da Instrução Pública. Maranhão: Tipografia a Vapor


dos Frias, 1896.

______. Secretaria da Escola Normal. São Luís, 6 fev. 1907. of. 36.

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______. ______. São Luís, 1908, of. nº 35.

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MOTTA, Diomar das Graças. A emergência dos Grupos escolares no Maranhão. In:
VIDAL, Diana Gonçalves (Org.). Grupos escolares: cultura escolar primária e esco-
larização da infância no Brasil (1893-1971). Campinas: Mercados das Letras, 2006.

A PACOTILHA. Jornal da Tarde. Maranhão, 16 de julho de 1904, nº 168, ano XXIV.

VIDAL, Diana Gonçalves. Tecendo história (e recriando memória) da escola prima-


ria e da infância no Brasil: os grupos escolares em foto. In: ______. (Org.). Grupos
escolares: cultura escolar primária e escolarização da infância no Brasil (1893-1971).
Campinas: Mercados das Letras, 2006.

História e Educação na Amazônia | 317


318 | História e Educação na Amazônia
A institucionalização do ensino no
estado do Pará e as reformas educativas
materizalizadas nos Grupos Escolares1
RENATO PINHEIRO DA COSTA
Universidade do Estado do Pará (Uepa)

PAULO SÉRGIO DE ALMEIDA CORRÊA


Universidade Federal do Pará (UFPA)

As bases da institucionalização do ensino no Pará

A história das instituições de ensino no estado do Pará começa no


período colonial, organizada pelas ordens religiosas congregadas no estado,
como carmelitas, franciscanos, jesuítas – momento em que sofreu as mesmas
intervenções do império português que as outras regiões padeceram, como
descreve Vianna (1987, p. 4):

A primeira phase da instrucção publica do Pará, contada


do primitivo aldeiamento pertuguez aos decretos pom-
balins contra os frades, pertenceu exclusivamente á in-
fluencia religiosa.
Fundada Belém em 1616, contava, dez annos depois, dois
conventos, um de caremelitas, e outro de capuchos de
Santo Antonio; nestas casas religiosas exerciam os frades
o magistério.
Os mercenairos (mercedários) em 1640; os jesuítas em
1653; os religiosos de Beira e Minho, em 1706; os reli-
giosos da Piedade em 1749; […] os frades tornaram-se as
únicas fontes de instrucção na capital e no interior.

Após a proclamação da independência do País, o regime educacional


regulamentado pela Lei de 15 de outubro de 1827 também influenciou forte-
mente a organização educacional grão-paraense, pois os projetos de criação de
escolas primárias, liceus, ginásios e academias, abrangendo desde a escolari-
zação inicial, passando pelo ensino profissional e científico até chegar ao nível
superior, foi concretizado, tornando o estado alinhado ao projeto educacional
do Império. Esta legislação como consta em Brasil (1827), decretava em seu

1 - Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas do Pará (Fapespa).


História e Educação na Amazônia | 319
artigo 1º, que nas vilas e lugares mais populosos fossem criadas escolas primá-
rias, com o intuito de torná-las espaços formadores e estabelecimentos que em
tese representassem a presença do Estado naquele lugar onde fora implantada.
A criação de uma estrutura que conseguisse comportar vários ambien-
tes em um único local, como é o caso do Liceu, iniciava o período de inovação
arquitetônica dos prédios escolares grão-paraense, pois, ainda na primeira
metade do século XIX, as estruturas rústicas dos prédios que funcionavam
como escolas não suportavam grande quantidade de alunos, separando-os por
séries, classes ou gêneros, o que demonstrava a precariedade do ensino da
época.
Os descontentamentos e preocupações gerados pelas notórias restri-
ções do sistema de ensino da província paraense no fundo tornavam-se mo-
tivo para o governo trabalhar – tanto que, no mandato de Sebastião do Rego
Barros (1856), o número de delegados de instrução pública2 aumentou, bem
como foram criadas novas cadeiras tanto na capital quanto em outros pontos
da província, como em Almeirim, Souzel, Villarinho do Monte, Monteforte,
Nossa Senhora do Carmo em Mocajuba e Vizeo. O que pode ser notado é que,
ao invés de recuar em meio à crise educacional, a solução foi investir mais,
contratando profissionais e criando novas cadeiras nas cidades que estavam
com dificuldades no ensino, o que demonstra o rumo crescente da educação
estatal.
Como forma de incentivar o progresso do sistema de ensino da provín-
cia para superar a real carência de educadores com formação suficiente para
lecionar as disciplinas (cadeiras) nos institutos de 1º e 2º graus e Liceu da ca-
pital, em 1859 é manifestado o plano de criar a Escola Preparatória, que, pelo
constante no relato oficial (PARÁ, 1859, p. 37), dizia:

ESCOLA PREPARATORIA
Peço-vos a creação d’esta Escola na Capital da Privincia.
Será destinada a instruir os candidatos ao magistério tan-
to nas matérias como no methodo do ensino.
Deverão vir frequental-a, por um espaço de tempo rasoa-
vel, os actuaes professores de instrucção primaria, a fim
de estudarem o methodo do ensino e se habilitarem nas
2 - Esses funcionários ocupavam posição estratégica na província, sendo determinado um por
região, tendo a incumbência de suspender professores, nomear substitutos, inspecionar eles
próprios as escolas e principalmente nomear visitadores para cada localidade onde existisse uma
escola pública, os quais tinham o encargo de inspecionar e fiscalizar, sendo que seu dever era
de pelo menos uma vez por ano percorrer as escolas do seu distrito ou quando fosse ordenado
por seu superior para examinar a assiduidade dos alunos na frequência às aulas, a disciplina das
escolas, do aproveitamento do ensino e o procedimento moral do professor.
320 | História e Educação na Amazônia
respectivas matérias.
Collocado a frente acquisição de bons Professores e uni-
formisar o ensino em toda a Provincia.
Para melhor explicar as suas licções o Professor da Escola
preparatória deve tomar á si uma das Escolas primárias
da capital ensinando ao mesmo tempo aos alunos e aos
candidatos ao professorado.

Para a intendência da província, a criação dos espaços adequados à for-


mação própria para os professores tornou-se uma possível solução para as
carências do sistema de ensino, principiando, destarte, a entrada do Estado na
modernidade através da valorização do ensino, como ocorria em outros países
desenvolvidos.
Por isso foi pensada a estruturação de um programa adequado à forma-
ção, estabelecendo como as salas estariam distribuídas, qual seria seu públi-
co-alvo e quais as disciplinas ministradas no itinerário letivo. Nesse sentido,
estabeleceram-se as bases para o desenvolvimento do sistema de ensino para
a formação de professores, o que melhoraria a educação nos estabelecimentos
de ensino, possibilitando o suposto progresso do Estado. A essa derivação de
pensamento é que começa a ser associado o papel das instituições de ensino no
Pará ao ideal de progresso, preparando os alicerces do futuro desenvolvimen-
tista lançado sobre esse território.
O desenvolvimento econômico do estado gerado pelo ciclo da borra-
cha, iniciado ainda na segunda metade do século XIX, possibilitou-se a melho-
ria na vida urbana, como esclarece Barroso (2006). Nesse sentido, para Soa-
res (2008), diversos segmentos compartilharam o processo de fortalecimento
econômico da província, que teve sua arrecadação de impostos elevada – os
prédios suntuosos erguidos nesse período foram frutos da boa fase econômica
do Estado.
Essas construções retratam a promissora época da Belém moderna da
belle époque, que coincide com o primeiro ciclo da borracha financiadora da
construção de tais monumentos. Ela também sustentava o padrão de vida lu-
xuoso das famílias dos barões da borracha, que começavam a assimilar novos/
outros padrões culturais ligados aos valores europeus, como analisou Sarges
(1990).
O investimento no setor educacional nesse período, sobretudo na ca-
pital (Belém), pode ser entendido também como uma forma de se adequar às
exigências impostas pela sociedade – tanto que as mensagens dos governos da
província exigem a melhoria no sistema de ensino com profissionais qualifi-

História e Educação na Amazônia | 321


cados para ocuparem as cadeiras, ou seja, que fossem adequados ao currículo
das disciplinas do Liceu em 1882, única escola secundária do estado situada
em Belém. Nesse sentido, as instituições de ensino se tornam parte integrante
da conjuntura por serem a porta de acesso dos educandos à sociedade refina-
da, e também estar integrada, atendendo as demandas sociais da época.
Certamente as bases do ensino do período republicano não estão no
século XX e nem na República. Como sistema que tem métodos próprios e di-
ferenciados da Monarquia para o funcionamento dos setores públicos. Elas re-
sultam de uma construção histórica que paulatinamente foi se desenvolvendo
no Brasil, pois, à medida que se difundiam os princípios liberais e positivistas
no meio social, o sistema de ensino foi acompanhando e se adaptando a esse
novo modo de vida cultural.

As instituições de ensino no Pará republicano

A constituição do governo republicano no estado do Pará foi um pro-


cesso paulatino, pois, à medida que os embates entre grupos de opositores e os
defensores da monarquia iam se acirrando, a figura de Lauro Sodré passou a
ser ressaltada, como informa Coelho (2006, p. 28):

Nesse sentido, os debates dessa polêmica não se travaram


como meras questões políticas e doutrinárias, antes reve-
lando o choque entre as forças que protagonizaram o fim
da monarquia e o começo da república no Brasil: de um
lado, com Lauro Sodré, situavam-se dois dos principais
elementos de oposição ao regime monárquico, a repúbli-
ca e o positivismo; de outro, com A Boa Nova, uma das
instituições que sustentava o mesmo regime, a Igreja ca-
tólica. Projetada a polêmica sobre as realidades mentais
do próprio tempo, tem-se, em última análise, a revelação
de um dos componentes da problemática que dominou
o movimento de idéias no Brasil ao final do século XIX.

O posicionamento positivista de Lauro Sodré foi fundamental para a


divulgação dos ideais republicanos no Pará, pois a permanência do Império
na província através do governo, da Câmara dos Deputados, da Igreja Católica
e de muitas outras pessoas que tinham vantagens com o regime monárquico
ainda era forte no final do século XIX.
Após a Proclamação da República, a administração do estado ficou sob
a responsabilidade do governo provisório, que teve à frente Duarte Huet de

322 | História e Educação na Amazônia


Bacellar Pinto Guedes. Somente em 1891 Lauro Sodré foi eleito governador,
e daí em diante começou a desenvolver o projeto administrativo republicano
no estado.
No início da administração republicana, muitas coisas precisavam ser
organizadas e outras revistas, pois a forma de governo monárquico deixa-
va uma herança patrimonial vasta. Eram muitos os espaços que a Repúbli-
ca precisava assumir, colocando de vez o ideário da monarquia no passado.
Dessa forma, mudanças eram necessárias, desde coisas que pareciam simples,
como nomes de ruas e órgãos, até o modelo administrativo,3 conforme Moura
(2008). Mudanças atingiram especificamente o ensino, através do conteúdo
das disciplinas, chegando a influenciar também a arquitetura dos prédios es-
colares, que tiveram seus nomes alterados.
A renovação era uma reivindicação dos partidários da República, pois
o modelo administrativo monárquico era ultrapassado e não se adequava aos
tempos modernos. Isso nos leva à reflexão de que a República não era somente
um movimento por tomada de poder, mas se configurava como outra forma
de governança, com propostas, métodos, ideais e pessoas comprometidas com
seu bom desenvolvimento. Assim, as propostas para as esferas públicas seriam
derivadas de princípios convergentes da forma de governo, como exposto pelo
governador Duarte Huet de Becellar Pinto Guedes (PARÁ, 1891, p. 26) com
relação ao sistema de ensino:

Nas reformas empreendidas após a inauguração da Re-


pública, a que mais evolui é a do ensino público, que me-
receu do meu illustre antecessor os mais sérios cuidados.
Encarregado o Sr. José Veríssimo da direção geral da
instrução pública, todos os actos que para reorganizal-a
foram promulgados, obedeceram a um plano methodico,
consoante as licções da pedagogia moderna.
Pela primeira vez procurou-se, como meio de educação,
interessar o povo na questão do ensino, estabelecendo o
conselho superior e os conselhos escolares electivos.

As reformas implementadas nos setores públicos, embora envolvidas


com o ideal republicano, continham também intenções para o progresso e o
desenvolvimento, comprometidas com o desenvolvimento do estado – tanto
que o governador Lauro Sodré (PARÁ, 1893, p. 17) expõe a razão pela qual
educação deveria aliar-se a esse objetivo:

3 - O modelo administrativo republicano é burocrático, caracterizado, de um modo geral, pela


gestão hierárquica, com divisão de responsabilidades.
História e Educação na Amazônia | 323
O problema estabelecido pela sociabilidade moderna, a
encorporação do proletariado, nos paizes onde a revolu-
ção tem eliminado todos os odiosos privilégios de classes,
há de resolver-se pela educação e pelo ensino.
Sem que tenhamos em mira fazer do proletariado uma
corporação de acadêmicos ou de sábio, é indispensável
ministrar-lhe o ensino geral das sciencias, que ponho ao
alcance das suas inteligências as leis naturais que regem
todas as ordens phenomenos, dará em rezultado não dei-
xal-o estranho ao que faz a honra, o bem estar e a força da
sociedade no meio da qual é chamado a viver.
Para ir ao encontro d’essas reivindicações, cujas manifes-
tações tantas vezes apparecem como explozões violentas
contra a ordem social, o mais acertado caminho é esse
de fazer do capital intellectual e moral da Humanidade
uma propriedade de todos, não um privilégio de alguns.
Armado de um tal ensino terá o operário entre mãos o
instrumento útil e fecundo da sua própria melhoria, do
seu aperfeiçoamento.

Mediante os avanços suscitados com a modernidade, a indústria, o co-


mércio, a construção civil, a urbanização e muitos outros setores necessitavam
de mão de obra qualificada, e o governo republicano, conhecendo bem essas
carências, tenta saná-las através da instrução ofertada nas instituições de ensi-
no. No caso do Pará, Lauro Sodré, em seu discurso, explicita que a finalidade
da formação não é a criação de intelectuais e cientistas, mas a preparação do
proletário para o trabalho, tornando-o dócil ao sistema.
Os anseios de desenvolver o estado levaram o governo a fazer grandes
investimentos, adequando o sistema educacional do Pará ao do resto da na-
ção, uniformizando seu desenvolvimento, tornando-o similar aos de outros
estados. É tanto que, se analisarmos a história educacional de outras regiões
do País, perceberemos muitas semelhanças nas construções, nos currículos,
nas leis, na metodologia do ensino etc.
Embora o estado do Pará tenha um vasto território de difícil acesso,
com cidades distantes uma das outras, como várias vezes ressalta-se nas men-
sagens governamentais, mesmo assim, nos municípios onde havia um grupo
escolar, podia ser percebida a representação do estado através do prédio da
instituição, pois os traços de sua arquitetura4 eram semelhantes aos dos de-

4 - A arquitetura dos prédios dos grupos escolares do início do século XX em geral segue o
padrão eclético, que, no Brasil, refere-se a um movimento arquitetônico predominante desde
meados do século XIX até as primeiras décadas do século XX. Essa tendência arquitetônica
324 | História e Educação na Amazônia
mais prédios escolares do resto do Brasil, como é relatado no discurso de Lau-
ro Sodré, quando da apresentação da reforma da Escola Normal:

Data da 1ª phase do governo republicano a creação da


Escola Normal, que era uma condicção essencial e indis-
pensável para o levantamento do nível do ensino, base
e ponto inicial de toda a reorganização da nossa Pátria,
como a desejamos e queremos, esclarecidos todos os es-
píritos, educados todos os cidadãos para o exercício das
funções que lhes cambem sob o regimen democrático
[…]. Fogo de assegurar-vos que essa instituição está em
excellente pé. Creada pelo Dec. n. 29 de 4 de fevereiro de
1890, reorganizada pelo Dec. n. 409 de 24 de setembro de
1891, com o qual tratei de adoptar as modificações que
para melhor pareciam aconselhadas pela experiência.
[…] com escolas modelos annexas, onde só é possível o
aluno ser mestre (PARÁ, 1893, p. 24).

A respeito da edificação do prédio da Escola Normal, Vasconcelos


(1992, p. 32) diz que a instituição se inseria no itinerário da República, refle-
tindo que:

[…] E, um dos primeiros atos do governo republicano,


em relação à instrução pública, foi baixar o Decreto 29,
em 4 de fevereiro de 1890, pelo qual criava duas escolas
normais: uma para homens e outra para mulheres, que
funcionariam ainda nos mesmos locais do antes Liceu
e Amparo, ao mesmo tempo em que define em portaria
um novo regulamento e plano de estudo. Este procurou
utilizar, com pequenas e defeituosas modificações, o pla-
no que Rui Barbosa definiria para a Escola Normal do
Rio de Janeiro. Propunha-se ainda a instruir no curso
normal os princípios da pedagogia moderna, inspirados
na sistematização positivista de Comte.

reúne vários estilos arquitetônicos do passado para a criação de uma nova linguagem arquite-
tônica, combinando elementos vindos da arquitetura clássica, medieval, renascentista, barroca
e neoclássica. Assim, o ecletismo se desenvolveu ao mesmo tempo e em íntima relação com
a chamada arquitetura historicista, que buscava reviver a arquitetura antiga e gerou os estilos
"neos" (neogótico, neorromânico, neorrenascença, neobarroco, neoclássico etc.). Do ponto de
vista técnico, a arquitetura eclética também se aproveitou dos novos avanços da engenharia do
século XIX, como a que possibilitou construções com estruturas de ferro forjado. Além do uso e
da mistura de estilos estéticos históricos, a arquitetura eclética, de maneira geral, se caracterizou
pela simetria, busca de grandiosidade, rigorosa hierarquização dos espaços internos e riqueza
decorativa.
História e Educação na Amazônia | 325
A preocupação imediata da administração estadual era garantir a fixa-
ção do ensino normal, ou seja, elevar o seu nível sem muitas preocupações
com estrutura física, que tinha garantido para esse intuito o Colégio Nossa Se-
nhora do Amparo e o prédio do Liceu Paraense. Contudo, como consequência
da falta de atenção, quando o Colégio Nossa Senhora do Amparo precisou
passar por reformas, suas alunas tiveram que ser alocadas no Liceu, o que,
segundo Vianna (1987), foi motivo de comoção popular. Como analisa Vas-
concelos (1992, p. 30), tal estrutura revelava que:

Em síntese, a Escola Normal paraense em seus 18 anos


de existência foi marcada por sucessivas reformas; ins-
tabilidade curricular; indefinição de espaço físico para
sediá-Ia; falta de autonomia pedagógica e administrati-
va; discriminação salarial em relação ao Liceu Paraense;
excessiva interferência política; baixo nível qualitativo;
baixo conceito da população; e carência de material bi-
bliográfico.

Parece que a situação educacional do ensino normal com relação à


questão predial só foi resolvida quando o edifício do Grupo Escolar Arthur
Bernardes foi desocupado para nele ser instalada a escola para formação do
magistério. Assim, pode-se perceber o arranjo político que houve para sanar o
problema de espaço para o funcionamento da Escola Normal, pois era preferí-
vel suprimir um grupo escolar que desde 1919 já somava a quantia de dez uni-
dades na capital, em favor do atendimento do ensino secundário normalista.
Devido às circunstâncias de embate político contra os partidários da
monarquia, o investimento em muitas obras, inclusive a criação de novas es-
colas normais durante o governo de Lauro Sodré (1891 a 1897), pode ser en-
tendido como uma das estratégias de campanha política que traz a mensagem
subliminar da demonstração do compromisso dos republicanos com o desen-
volvimento do estado.
Após Lauro Sodré, José Paes de Carvalho, seu sucessor, assume o go-
verno em 1897, dando prosseguimento à doutrina que ajudou a construir no
estado, tendo por intuito o desenvolvimento do ideário republicano aliado a
princípios liberais, prevendo o desenvolvimento do setor educacional descen-
tralizado.
A realidade do estado do Pará no setor educacional no final do século
XIX e início do XX mostrava-se bastante promissora, pois, no discurso pro-
ferido por Paes de Carvalho, esse segmento foi crescendo mediante o desen-

326 | História e Educação na Amazônia


volvimento do projeto nacional da criação dos grupos escolares,5 ou seja, a
superestrutura que compõe o sistema de ensino estava bem fixada, facilitando
a política do setor que resultava de um conjunto de fatores, como: a edificação
ou arrendamento de prédios para servirem como instituição de ensino, méto-
do de ensino, organização curricular, interesses políticos, organização social e
todo um contexto de desenvolvimento do setor. Isso porque a forma como an-
tes era organizado o ensino não dava segurança de sua realização nem para o
estado, nem para o professor e tampouco para o aluno, sendo que a escola era
em regime isolado, funcionando na casa dos professores, sem infraestrutura.
A criação de grupos escolares em todo o estado refletia a concepção dos
primeiros governos republicanos no Pará. Isso porque, desde José Veríssimo,
diretor geral da Instrução Pública no ano de 1891 e durante o governo de Paes
de Carvalho, tendia-se a reorientar a educação estatal e aprimorar métodos e
valorização do professor por meio da criação dos grupos escolares, estratégia
essa vislumbrada como a solução para os problemas educacionais.
Diante da conjuntura de conflitos sociais gerados com a Cabanagem, da
ascensão econômica do estado pela valorização da borracha e do movimento
em defesa do republicanismo, o estado do Pará passou por um período de
instabilidade que influenciou o comportamento da elite local, a qual, segun-
do Coelho (2006), utilizou-se dos espaços escolares das instituições primárias
com a finalidade de espargir o ideal nacionalista e cívico republicano.
Uma vez instituída a República, os espaços escolares foram reorganiza-
dos seguindo as orientações constitucionais de 1891 e dos decretos expedidos
pelo governo federal, criando os grupos escolares com intuito de substituir as
escolas isoladas que funcionavam nas casas dos professores.
Esses grupos, por seu projeto didático, foram tidos como fundamentais
para o incentivo à ampliação e à qualificação do ensino, e até mesmo auxílio
para o trabalho docente, sendo que antes o ensino era desenvolvido em casas
-escola com limitados espaços e carentes de recursos, principalmente no in-
terior do estado. Os novos espaços escolares dos grupos traziam a expectativa
da formação aplicada, pois

Tendo dedicado grande somma de esfoços a tornar en-


tre nós uma realidade o ensino primário […] a matricula
escolar, em grande parte numero de casos, era uma fal-
sificação consciente dos interessados, e a habilitação do

5 - Uma das características diferenciadoras do grupo escolar das demais instituições de ensino
é por seu prédio ter mais de duas salas de aulas, como classifica Rosário (2006), sendo que uma
sala caracterizava a escola isolada e duas salas a escola reunida.
História e Educação na Amazônia | 327
professor um phenomeno quase negativo. Assim, pois,
pensantes muito bem, reduzindo as escolas isoladas do
interior.
Dediquei cumprimento ás vossas determinações, pelos
decretos 27 de novembro, 6 e 26 de dezembro de 1901 e 9
de janeiro de 1902. Em virtude desses decretos e mais dos
que organizaram na capital e no interior novos grupos
escolares […] (PARÁ, 1902, p. 34).

Nesse intuito, tanto na capital quanto no interior do estado os grupos


escolares foram criados e o ideário republicano de progresso e desenvolvi-
mento foi-se alastrando por todo o estado do Pará, como é apontado pelas es-
tatísticas da época, que revelam o crescimento no número de matrículas nes-
ses estabelecimentos com a sistematização no ensino através de um currículo
oficial que garantia a formação intelectual e profissionalizante do educando.
Assim, os grupos escolares foram declarados por Augusto Montenegro a “[...]
principal instituição de ensino primário”6 (PARÁ, 1902, p. 47).
A propagação dos grupos escolares, pelas evidências coletadas, indica
que ela seguiu uma programação, pois, à medida que eram selecionados os
locais onde os grupos deveriam ser implantados – no caso, as vilas mais po-
voadas –, fica explícito que o critério não era a necessidade do ensino, mas de
auxiliar no desenvolvimento do lugar, posto que, em uma cidade populosa,
ter um prédio com arquitetura sublime valorizava o lugar e incentivava novos
investimentos do mesmo porte, atraindo novos negócios. Nesse sentido, o go-
vernador Augusto Montenegro (PARÁ, 1902, p. 26) elenca a relação de onde
se encontravam os 38 grupos escolares.
A positiva ação de criação dos grupos escolares rendeu o desenvolvi-
mento de várias obras em muitas localidades do estado em um período cur-
to de tempo, pois, do ano 1901 a 1907, ao todo, foram 34 grupos escolares
construídos, o que representa muitas obras se levarmos em consideração o
período, a escassez de recursos em matéria-prima, pouca mão de obra qualifi-
cada, dificuldades de acesso às cidades. Enfim, para um regime governamental
como o republicano, que estava em fase inicial, e devido às condições estru-

6 - O sistema de ensino do estado do Pará era realizado em níveis, sendo o ensino primário
ofertado nos grupos escolares, escolas agremiadas, escolas isoladas, escolas municipais e parti-
culares e escolas mantidas pelas colônias de pescadores; o ensino secundário ofertado no Ginásio
Paes de Carvalho, Escola Normal, escolas de comércio e colégios particulares; o ensino profissio-
nal ofertado no Instituto Lauro Sodré, Instituto Gentil Bittencourt, Patronato Agrícola Manoel
Barata, Escola de Aprendizes Artífices, Escola de Aprendizes Marinheiros e Curso de Química
Industrial; o ensino superior ofertado na Faculdade de Direito, Faculdade de Medicina, Facul-
dade de Farmácia, Escola de Odontologia e Escola de Agronomia e Veterinária (PARÁ, 1927).
328 | História e Educação na Amazônia
turais e materiais do início do século XX, ter alcançado a meta de 34 prédios
escolares com os padrões de arquitetura eclética, como sugeria os prédios do
período, significava ter feito grandes investimentos no setor educacional.

História e Educação na Amazônia | 329


Figura 1 – Localização dos grupos escolares no estado do Pará

Mapa dos estados do Pará e do Amapá, indicando as cidades onde até 1907
foram edificados os grupos escolares.

- Municípios onde estão situado os grupos escolares.

- Capital do estado do Pará (Belém), onde, no governo de Paes de Carvalho (1897 a 1901),
foi construído o Primeior Grupo Escolar; no governo de Augusto Montenegro (1901 a 1908)
foram edificados seis grupos; no governo de Eneas Martins (1912 a 1916) um grupo foi desativa-
do; no segundo governo de Lauro Sodré (1917 a 1920) foi construído um grupo; no governo de
Dyonísio Ausier Bentes (1925 a 1928) foram construídos dois grupos. Ao todo foram edificados
na capital 11 grupos escolares.
Fonte: Subsídios teóricos que fundamentaram este estudo.

330 | História e Educação na Amazônia


Pela dinâmica de implantação dessas instituições educativas, percebe-
se a forma como era visada a disseminação nas cidades mais populosas – o
que se tornava estratégico, pois, considerando que o estado do Pará tem sua
ocupação ainda no período colonial, as cidades mais povoadas são aquelas em
que foram instaladas as primeiras freguesias, as fazendas dos portugueses, as
capitanias, onde o povo foi se aglomerando em torno de uma determinada
estrutura econômica e organizacional urbana.
Embora em 1907 algumas localidades mais ao sul do estado já fossem
bastante povoadas, as cidades escolhidas para sediar os grupos escolares po-
dem ser considerados pontos estratégicos por terem o acesso mais fácil pelo
rio, pois, no início do século XX, o estado ainda não era interligado por es-
tradas e avenidas: o único meio de tráfego era o marítimo. Por isso, somente
algumas regiões foram privilegiadas com a implantação desse projeto, mas
isso não quer dizer que em outros lugares o processo de escolarização não es-
tivesse ocorrendo, pois o sistema de escolas isoladas ainda era uma realidade
recorrente mediante as dificuldades de universalização padronizada do siste-
ma educacional da época.
Durante a administração de Augusto Montenegro, o sistema de ensi-
no conseguiu ser desenvolvido acompanhando o projeto nacional dos grupos
escolares. Uma vez que seu antecessor começou a implantar o modelo educa-
cional, Montenegro prosseguiu com a expansão do projeto, mas, sabendo que
ainda havia muito a progredir e como seu mandato não foi suficiente para fi-
nalizar a empreitada, ele sugere que seu sucessor continue o trabalho, indican-
do a região entre o Tocantins e os limites do estado com o Mato Grosso. Isso
significa que o ideário republicano era reforçado pelo ensino sistematizado.
Embora seja pujante o apelo pelo avanço na edificação dos grupos esco-
lares por todo estado, o governador João Antônio Luiz Coelho (PARÁ 1909,
p. 22) prefere antes intervir na sistematização do ensino, enfatizando que era
preciso

[…] rever os códigos de ensino primário, olhando com


attenção a forma do provimento das escolas, affirmando
as garantias, regalias e vantagens dos professores, assim
com bem definindo seus deveres e responsabilidades.

Se fizermos um comparativo, no governo de Augusto Montenegro


a construção de grupos escolares se acelera, chegando a ser construídas 26
unidades; contudo, na administração de João Coelho há um estacionamento
dessas obras, não tendo nenhuma construção. Esse episódio coincide com o

História e Educação na Amazônia | 331


fenômeno da fragilização da economia do estado ocorrido em consequência
principalmente da crise da borracha, que começava a dar sinais de seu ocaso.
A esse respeito, Vasconcelos (1992, p. 37) enfatiza que

[...] [n]o interior da Escola, vivencia-se a proposta de


1911, em meio a crises econômicas que o Estado, em par-
ticular, e a União, de modo geral, atravessam até a confla-
gração da Primeira Guerra Mundial em 1914 […].

Embora por motivo de crise econômica, a reestruturação educacio-


nal ocorrida em 1910 trouxe a vantagem da fixação do trabalho docente em
um programa curricular unificado, como expõe o governador João Coelho
(PARÁ, 1910, p. 48):

Era uma necessidade inadiável substituir no ensino pri-


mário o método mnemônico pelo intuitivo […].
Com vereis do regulamento e dos programas posterior-
mente a elle decretados foi refeito sob outras bases o en-
sino de Portuguez, Historia, Geographia, e Arithmetica,
sendo instituídas matérias novas como Geologia, Bota-
nica, Physica, Licções de Cousas e de Educação Moral e
Cívica.

A reforma educacional de 1910 representa consideráveis conquistas


para o conjunto de docentes do estado e melhorias no desenvolvimento do en-
sino, mas também demonstrou como o estado estava integrado com o Plano
Nacional, pois, à medida que eram estabelecidas as regras para a contratação
de novos professores através de concurso e também a assimilação do método
intuitivo como balizador do ensino em detrimento ao método mnemônico,7
igualmente eram expostas as intenções da construção de um plano unificado
para todo o País.
Durante o governo de Eneas Martins, o setor educacional do estado do
Pará passou por graves crises, sendo que muitas escolas tiveram de ser fecha-
das ou sua estrutura adaptada para atender uma demanda maior de educan-

7 - É importante salientar que o método de ensino republicano ainda é o herdado do perío-


do imperial caracterizado pelo enciclopedismo. Nesse sentido, com as reformas educacionais a
tendência era suprimir este modelo caracterizado como mnemônico, que é a ciência e arte de
memorizar, o qual consistia em um conjunto de técnicas que auxiliam no processo de memo-
rização do educando. Pelo método intuitivo, que, segundo Medina (2000), propõe um ensino
desvinculado da memorização e repetição de conteúdos, desprezando os interesses e desejos
do educando, valoriza-se o ensino pelas coisas e pelos fatos, tornando-se o precursor da Escola
Nova.
332 | História e Educação na Amazônia
dos, como foi o caso da escola primária da cidade de Acará, que assumiu a
educação mista de menino e meninas.
Após Eneas Martins, Lauro Sodré foi reeleito governador em 1917, au-
todenominando-se “operário prestadio” da obra da República e da democra-
cia. Nesse intento, procurou reforçar os traços burocráticos das instituições
públicas, entendidas como espaço alienador para tornar os homens dóceis ao
Estado. Com isso, reafirma o papel da educação comprometida com o desen-
volvimento, caracterizada pela qualificação da mão de obra.

E porque a nossa primordial tarefa há de ser e tem de ser


o levantamento moral da nossa terra, a instrucção ficará
entre os assunptos que mais de perto hão de construir ob-
jecto de nossas constantes preocupações. Palavras e actos
meus ahi estão para provar que sempre olhei com cari-
nho para as coisas do ensino, tendo como o primeiro dos
devers, entre os que pertencem ao Estado, esse de semear
em profusão por toda parte as luzes da sciencia, dando a
todos os homens essa clartes de toul, que façam delles os
instrumentos intelligentes do progresso de um paiz livre
[…] (PARÁ, 1917, p. 28, grifos do autor).

Para a administração de Lauro Sodré, o ensino tinha o papel mais for-


mal, vinculado ao grau de desenvolvimento do Estado. No entanto, sua ação
no setor educacional teve abrangência maior do que em outros governos,
criando instituições como Faculdade de Odontologia, Escola de Agronomia,
Escola de Farmácia, Escola Prática de Comércio, Faculdade de Direito, além
de conseguir manter 28 grupos escolares existentes e construir um novo grupo
na capital em tempos de crise financeira.8
Sucedendo Lauro Sodré, Antonio Emiliano de Sousa Castro assumiu o
governo em meio à grande crise financeira desencadeada pela desvalorização
da borracha (PARÁ, 1921, p. 4):

Fonte quase exclusiva das rendas do erário publico, a


industria extrativa da borracha encheu-nos de riquezas,
quando valendo ouro, como nos empobreceu e arruinou,
quando nada valendo.

Isso leva sua administração a amputar partes dos serviços públicos para

8 - No governo de José Malcher já eram sete grupos escolares, mas em 1916 Eneas Martins de-
sativa o sétimo grupo, diminuindo a quantia para seis grupos.
História e Educação na Amazônia | 333
equilibrar as despesas, diminuindo o déficit público.9 Nesse sentido, cortes
ocorreram na educação, atingindo os grupos escolares, pois

Os cortes, todavia, quase que se limitaram a parte pura-


mente administrativa, supprimindo funcções especiaes
de diretor de grupo […].
Dos 29 grupos escolares que contava o Estado […] extin-
guiram-se 7, nas localidades onde a estatística accusava
uma diminuição sensível da freqüência, o que portanto
não justifica a despesa administrativa da manutenção
desses grupos (PARÁ, 1921, p. 75).

Coimbra (1981, p. 133) descreve a crise financeira do período corres-


pondente à década de 1920 e enfatiza que:

Estava o Estado, pois, ante uma situação financeira alar-


mante e praticamente sem solução possível […]. O Es-
tado vivia uma verdadeira situação de falência, impossi-
bilitando de saldar suas dívidas, e nenhum artifício, por
mais inteligente que fosse, poderia saldá-lo desta triste
realidade.

Mediante o agravamento da crise financeira, era de se esperar que cor-


tes no orçamento do Estado fossem feitos. Nesse sentido, pessoas foram de-
mitidas, cargos suprimidos e instituições sofreram extinção – neste caso, sete
grupos escolares.10 Isso pode ser um sinal de que a infraestrutura desses esta-
belecimentos exigia grande soma de recursos, e a supressão de alguns desses
espaços formativos talvez fosse entendida como remédio para o abrandamen-
to da crise.
Uma coisa interessante desse fator é que o critério para a extinção do
grupo escolar recaía sobre a estatística das matrículas, o que denota um méto-
do de seleção e escolha “científica” baseada em dados reais.
Mesmo em períodos de crise, a estrutura física dos grupos escolares re-
presentarem um peso para o orçamento do estado. Seu ambiente continuou
como referência educacional na difusão dos princípios ideológicos da Repú-
9 - Quando as despesas do governo são maiores que sua receita.
10 - Os grupos escolares que permaneceram funcionando foram os de Belém (Barão do Rio
Branco, Floriano Peixoto, José Veríssimo, Wenceslau Braz; Banjamin Constant, Ruy Barbosa,
Paulo Maranhão) e os do interior do estado: Bezerra de Albuquerque (Cidade de Pinheiro),
Monsenhor Mancio (Mosqueiro), Santa Izabel, Castanhal, Alenquer, Abaeté, Bragança, Curucá,
Soure, Vigia, Cametá, Maraparni, Maracanã, Mocajuba, Santarém, São Caetano, Óbidos e de
Igarapé-Açu.
334 | História e Educação na Amazônia
blica, tanto que no governo de Dyonísio Ausier Bentes novos métodos foram
incorporados ao planejamento para tornar o ensino mais voltado à moralida-
de cívica:

Quanto aos meninos, mandamos instituir o escotismo


nos grupos e o respectivo uniforme obrigatório. O uni-
forme, tem no seu uso, todas as vantagens materiaes e
moraes. Mais barato e forte, a egualdade de trajar dá a
creança, que amanhã será o cidadão da Republica, o sen-
timento democrático, eliminando dos infantes a vaidade,
o luxo, a distincção material entre rico e o pobre (PARÁ,
1926, p. 16).

As medidas administrativas de Dyonísio Bentes, de implantar o esco-


tismo e adotar uma vestimenta única para os alunos, reforçam o ideal da
11

educação voltada para a formação disciplinadora, padronizada.


Até o final do mandato desse governo, alguns grupos escolares foram
desativados. Contudo, outros foram reativados ou criados em municípios
onde antes não havia nenhum. Ainda na administração de Dyonísio Bentes,
outro fato envolvendo os grupos escolares é referente aos apelos de autori-
dades, que reivindicavam que os nomes dos grupos escolares enaltecessem a
memória de personalidades da República.
O sistema educacional paraense gradativamente foi assimilando os
movimentos dos paradigmas da modernidade e começou a criar estruturas,
incorporando novos métodos de ensino. Assim, Eurico de Freitas Valle, ao
assumir o governo do estado em 1929, estabeleceu algumas medidas que iam
além da ação de criar ou reformar os prédios escolares. Sua política de mudan-
ças atingiu essencialmente a estrutura geral do ensino, pois em todo o País,
nesse período, o movimento da Escola Nova estava se disseminando, trazendo
a proposta de uma educação técnica, o que era essencial para o momento que
a nação vivia.
A reordenação do sistema de ensino seguia uma tendência natural à
medida que a escola faz parte da organização social. Nesse sentido, a prática
profissional do docente, assim como o currículo e os grupos escolares como
espaços do conhecimento, são induzidos a se adequar à nova orientação edu-
cacional:

11 - O escotismo, popularmente conhecido como “escoteiro”, é uma organização cujo propósito


é ensinar aos jovens a desenvolver a sua cidadania e o caráter para que sejam úteis e responsá-
veis à sua comunidade. Sua educação passa por atividades físicas, sociais, intelectuais, efetivas
e espirituais.
História e Educação na Amazônia | 335
A sciencia educativa mudou completamente. A chama-
da escola tradicional, como tal conhecida e denominada,
porque impunha aos alunos as idéas immutaveis, verda-
deiros axiomas não susceptíveis de contestações ou de
pesquisas, não resistiu ao choque das idéas modernas.
Esse systema não só esmagava ao nascerem as caracte-
rísticas individuaes dos alunos, como não lhes auscultava
as tendencias e propensões, não exercitando suas affi-
nidades electivas. O mestre-escola tinha em seu favor a
auctoridade despótica. A escola nova, porém, transforma
pela sympathia o aluno num collaborador de sua própria
formação, faz delle um agente activo rumando-lhe ape-
nas as iniciativas nascnetes, dissecando-lhe a alma e o
cérebro pelos mais aperfeiçoados methodos scientificos,
para descobrir eneergias occultas ou adomercias por cau-
sas que ella estuda e observa. E o mestre, vendo a discipli-
na surgir espontaneamente no rythmo da communhão
escolar, perscruta e guia, representando a sua principal
funcção – fazer, fazer sempre trabalhar a creança – traba-
lho também (PARÁ, 1926, p. 82).

Os auspícios da nova República deflagram a renovação pedagógica do


ensino no estado do Pará, pois, no momento em que são percebidas as defi-
ciências materiais dos estabelecimentos de ensino, logo também são notadas
mudanças no paradigma do sistema educacional. Desse modo, acompanhan-
do as inovações determinadas pelo regime do Estado Novo de 1937, os prédios
públicos das escolas e a forma de conduzir o ensino e seu interior são modi-
ficados visando à formação para o profissionalismo, característica do pensa-
mento desenvolvimentista impregnado pela nação.
Sendo afetados pelas mudanças no sistema educacional iniciadas pela
reforma do setor ocorrido na década de 1930, que iam muito além da escolha
do método de ensino ou código de postura dos estabelecimentos de ensino,
os profissionais da educação e estudantes se opuseram ao projeto, pois o go-
verno do estado se posicionava de maneira autoritária em relação às questões
internas da educação, como modificações curriculares, relativização do curso
de formação de professores, cobrança de anuidades do ensino e demissão de
profissionais da educação por sua posição ideológica e política, como ressalta
Vasconcelos (1992, p. 39):

Do ponto de vista curricular os professores, nessa épo-


ca, encontram-se divididos, havendo a facção que visava
unicamente a expansão quantitativa do sistema educa-

336 | História e Educação na Amazônia


cional e uma outra que priorizava a adesão aos princípios
da Escola Nova […]. Mas alheio a esses dois movimentos
de dirigentes intelectuais, o Major BARATA promove
sensíveis modificações curriculares, através de Decretos,
tendo como escopo a preocupação de simplificar e facili-
tar a formação de professores para a escola primária.

A queda de braços entre governo, profissionais da educação e alunos


expõe a verdade a respeito de demissões e desativação de unidades de ensino,
como muitos grupos escolares, que ora é mascarada pela falta de matrículas,
mas o contexto da época aponta para os conflitos políticos gerados em torno
das reformas educacionais.
Com a configuração do Estado Novo no governo republicano no Pará,
são estabelecidas as regras para a fixação de um período de desenvolvimento.
A prosperidade econômica do estado iniciada nos anos 1930, através da ex-
portação de produtos das indústrias extrativista, agrícola, pastoril, animal e
manufatureira, tornou-se um fato de grande importância para a história do
Pará, pois em um curto tempo ocorreu o crescimento financeiro e investimen-
tos em infraestrutura como há muito tempo não se via.
Entendendo a importância de se ter uma administração forte, que con-
seguisse assegurar o cumprimento das metas nacionais, conciliando cresci-
mento financeiro e desenvolvimento com investimentos em políticas de Esta-
do, o governo federal, na pessoa de Getúlio Vargas, nomeou como Interventor
do Pará Magalhães Barata, como garantia de que a realização do projeto esta-
dista fosse cumprida, como elucida Rosário (2006, p. 31):

Com o intuito de dominar a situação político-econômi-


co-institucional, Getúlio Vargas nomeou Magalhães Ba-
rata, nos anos de 1940, para ocupar, pela segunda vez, a
interventoria paraense […].

Segundo Rosário (2006, p. 31), as intervenções políticas durante o se-


gundo governo de Magalhães Barata eram tão fortes que chegavam a alcançar
a forma de repressão, pois

Barata assume com poderes discricionários e com im-


prensa amordaçada, o que tornou difícil a luta pelo pro-
cesso em prol de participação nas tomadas de decisões
políticas, particularmente dos movimentos sociais orga-
nizados de esquerda.

História e Educação na Amazônia | 337


Nesse sentido, o braço forte do governo chega a todos os setores públi-
cos, inclusive o educacional, manifestando-se de forma autoritária nos estabe-
lecimentos de ensino.
Contudo, era grande o clamor popular por democracia. Com isso, a
mobilização das forças sociais e grupos políticos ganha expansão, exigindo
a instituição de um regime democrático de governo. Tentando contornar a
situação, o governo do estado selecionou setores estratégicos para atuar como
forma de acalmar os ânimos e desviar a atenção popular; por isso, o ensino
público recebeu maior atenção da administração do estado, como ressalta Ro-
sário (2006, p. 63):

Considerando que demandas educacionais se apresen-


tavam, ora sob a bandeira de reivindicações dos movi-
mentos sociais organizados como o PCB, a exemplo das
campanhas de alfabetização, melhores condições de tra-
balho e remuneração, ora sob a cobrança política da As-
sembléia Legislativa e Câmara Municipal de Belém. Esse
processo gerava debates e conflitos de idéias sobre as for-
mas de organizar as demandas de ensino.
O governo analisava as demandas, tendo em vista a situa-
ção em que se encontrava a educação no Estado do Pará e
cuidava para não perder de vista os rumos traçados para
manutenção do poder político e de principal articulador,
elaborador de propostas relativas aos direitos sociais.
Esse aspecto permite que se analise um importante as-
pecto de composição do Estado: o de que é representan-
te de uma parcela social, a dominante, e que, por isso,
a possibilidade de isenção em qualquer nível é pratica-
mente impossível. Ainda que se vivesse, e se viva em um
país republicano, no qual o governo era e é orientado por
princípios para assegurar o bem comum e aplicar as leis
igualmente a todos, inclusive aos governos, o que se per-
cebe na prática política, pelas análises da documentação,
é uma enorme distorção entre o propalado e a ação, por-
que as relações sociais eram, e são, revestidas de poder,
destacando-se o político.

Nesse intuito, a educação é tornada palco de tensão e meio de mobiliza-


ção social, sendo que o estado de desprezo em que se encontravam os espaços
escolares abriu caminho para a discussão da preocupação dos movimentos
com a questão educacional, e a partir desse tema também suscitou a discussão
da democratização como forma de sanar o problema vivido não só nesse setor.

338 | História e Educação na Amazônia


Mesmo durante as crises políticas deflagradas pela sociedade civil orga-
nizada e partidos políticos, o sistema de ensino do Pará manteve-se operante,
tendo o governo que continuar com o projeto desenvolvimentista dos níveis
de ensino. Nesse contexto, a estrutura existente dos grupos escolares já não era
suficiente para atender a demanda. Além de introduzir novo programa curri-
cular, elevar o grau técnico dos docentes e aparelhar melhor de equipamentos
e materiais as unidades de ensino primárias, as unidades de ensino já existen-
tes foram ampliadas e novos estabelecimentos construídos, como ressalta o
governador Jarbas Passarinho (PARÁ, 1965, p. 50).
Os novos prédios escolares construídos a partir da década de 1960, fi-
nanciados pelo Convênio de Título Aliança para o Progresso, firmado com o
governo federal, além de serem estruturados para atender a maior demanda
de alunos, teve também sua arquitetura inovada, com menor custo de cons-
trução do que se exigia para edificar um prédio nos moldes dos grupos escola-
res do início do século XX.
Os novos prédios escolares, apresentando dinâmica aprimorada na di-
visão da estrutura em pavilhões dispostos em fileiras, tendo as salas de aulas
com uma única porta de acesso em geral direcionada para o pavilhão da ad-
ministração, dá o sentido de controle dos que entravam e saiam do prédio. Por
serem divididas em partes isoladas, as novas estruturas favoreciam o controle
e dificultava aglomerações dos alunos em um único espaço.

Figura 2 – Foto da construção do Grupo Escolar Padre Sales,


na cidade de Camapena

Fonte: Pará (1968).

A ação do governo do estado em buscar soluções para o problema dos


espaços escolares na verdade é uma forma de escapar da discussão política
História e Educação na Amazônia | 339
mais profunda em torno da questão educacional e ao mesmo tempo ganhar
prestígio popular. Com o golpe de Estado dos militares de 1964, as mobiliza-
ções sociais a favor da melhoria do ensino e do debate democrático são desar-
ticuladas por conta da repressão, e mais uma vez os estabelecimentos escola-
res do Pará são consolidados como espaços veiculadores da organização do
Estado, os quais nesse período ficam maculados pela característica opressora
do sistema. Somente com a resistência dos partidos políticos, entidades civis e
o movimento pelas Diretas Já, o ideal de democracia volta a ser conjecturado
como possibilidade de mudança, como analisa Guedes (2004, p. 6):

A sociedade brasileira, durante toda a década 1980, este-


ve mobilizada em torno de movimentos sociais organiza-
dos na luta em prol do restabelecimento da democracia
no país. Os segmentos sociais sem voz e sem poder de
decisão clamavam pela ampliação dos seus direitos polí-
ticos e sociais. Nas diferentes áreas, as lideranças políti-
cas, os trabalhadores organizados em entidades de classe,
os movimentos populares e os partidos políticos saíram
às ruas, invadiram praças, assembléias de sindicatos, uni-
versidades, órgãos públicos, empunhando suas bandeiras
de luta e reivindicando maior participação e controle so-
bre as decisões e ações do Estado.
Na educação, essas bandeiras de luta cobriam um am-
plo espectro de reivindicações em torno do qual, […] foi
possível formar um consenso nacional. Dentre as reivin-
dicações dos educadores figuravam: a exigência de cons-
tituição de um sistema nacional de educação orgânico, a
garantia da educação pública e gratuita como direito sub-
jetivo e dever do Estado, a erradicação do analfabetismo e
universalização da escola pública, a elevação da qualida-
de da educação e melhoria dos equipamentos escolares, a
valorização e qualificação dos profissionais da educação,
a democratização da gestão dos órgãos públicos de admi-
nistração do sistema educacional, a descentralização ad-
ministrativa e pedagógica das unidades escolares, a ges-
tão participativa nas escolas através de colegiados eleitos
pela comunidade com poderes deliberativo e fiscalizador,
a eleição direta para dirigentes escolares, a garantia de
exclusividades de verbas públicas para a escola pública.
Essas reivindicações citadas não esgotam os anseios da
comunidade educacional, mas sintetizam os interesses
políticos do campo crítico no momento.

340 | História e Educação na Amazônia


A expectativa pela supressão do regime ditador por uma forma de go-
verno que permitisse a presença da população em seu desenvolvimento torna-
va-se evidente à medida que a sociedade exigia mais transparência, maior par-
ticipação popular nas decisões, condições para escolher os governantes, onde
a República tivesse seus brios ideológicos de democracia realmente presentes.
Com o fim da ditadura militar, embora todos esses direitos tenham sido
conquistados, outro problema foi detectado: o modelo ideológico que con-
duzia a política econômica mundial já estava implantado no País, tendo re-
percussão direta na economia brasileira e influência na forma de governar no
Pará, refletindo diretamente nas instituições públicas do Estado – entre elas a
educação, que teve a sua política totalmente permeada pelos princípios neo-
liberais, levando o setor a transformar os estabelecimentos de ensino em dili-
gências desse projeto, conforme analisa Corrêa (2000, p. 65), afirmando que:

A análise das informações relatadas no Plano Estadual


de Educação tornou evidente que o Estado do Pará vem
tentando reestruturar seu sistema de ensino de modo a
imprimir-lhe maior eficiência e produtividade dadas as
exigências das políticas neoliberais adotadas no Brasil
por grande parte das administrações públicas estaduais e
municipais. Essa medida constitui uma opção estratégica
para coibir e eliminar os excessos cometidos pela práti-
ca de políticas clientelísticas e centralizadoras que até o
momento figuram no espaço educacional paraense, pro-
vocando o congestionamento do sistema e comprome-
tendo a exeqüibilidade das ações previstas nas propostas
governamentais.
Desse modo, podemos dizer que o conjunto das ações
previstas converge para aquelas exigências feitas pelo go-
verno federal, que induz as unidades federadas a assumir
com a máxima prioridade a oferta do ensino na moda-
lidade de 2º grau. No caso específico do Pará, o alcance
dessas metas encontra-se condicionado à realização de
estratégias oriundas do modelo de administração pública
gerencial, no qual o atendimento do ensino fundamental
constitui uma condição indispensável ao sucesso desse
empreendimento.

Desse modo, o projeto educacional do estado do Pará, resguardadas as


devidas peculiaridades, constitui uma reprodução do modelo educacional es-
tipulado para todo o País, implantado sem criar resistências, pois o governo
da época era o grande defensor dos princípios neoliberais. Desse modo, as

História e Educação na Amazônia | 341


instituições de ensino, embora tenham se tornado espaços democráticos, com
a gestão descentralizada, que valoriza a participação da comunidade em seu
processo administrativo, também se tornou o lócus onde o sistema está pre-
sente disseminando sua ideologia. Contudo, cabe aos movimentos e às pes-
soas que constituem esses ambientes serem protagonistas de uma educação
comprometida com os valores éticos e com a produção do conhecimento, e,
embora os princípios norteadores da educação no Brasil, no Pará e nos mu-
nicípios estejam contaminados por ideologias de intenções pífias, ainda há
meios de resistir, e os estabelecimentos de ensino podem ser também ambien-
tes para esse confronto.
Os grupos escolares, durante as interventorias, golpes de Estado e de-
mocratização da sociedade brasileira, não ficaram ocultos, pois, como estabe-
lecimentos de ensino, foram espaços de tensões, consolidações, conformações,
repressões e resistências.
À medida que os governos implementavam novas políticas para a edu-
cação, as estruturas desses espaços educativos eram modificadas, pois, por se
tratar de prédios antigos e, assim, caracterizados como históricos, não coube
mais deixá-los para o serviço educacional: muitos desses edifícios tiveram sua
destinação direcionada a outros órgãos públicos.
Os prédios desses estabelecimentos educativos, ou os que conseguiram
sobreviver ao tempo, ainda continuam servindo ao Estado, seja atendendo aos
diferentes órgãos públicos, seja como parte integrante do sistema educacional.
Isso significa que seus monumentos nos remetem à lembrança de um período
áureo, de abundância financeira, crescimento econômico, elevação cultural,
prestígio político; fazem relembrar épocas de um Estado próspero e constituí-
do com uma sociedade austera e democrática, que fez da expansão escolar via
grupos escolares um projeto estratégico de propagação dos ideais republica-
nos e desenvolvimentista.
Embora o tempo dos grupos escolares tenha acabado, como sugere a
opinião de pessoas que viveram e passaram por esses estabelecimentos e que
acham que o ensino daquele período era melhor do que o atual, é possível ana-
lisar que essas instituições de ensino não acabaram: elas foram aprimoradas
com o aperfeiçoamento do sistema de ensino, pois os grupos escolares não
eram somente prédios, mas toda uma estrutura educacional do ensino primá-
rio. Desse modo, havia uma estrutura predial e uma estrutura jurídica; quan-
do a estrutura predial acabou, a jurídica continuou sendo reformulada com a
regulamentação das Leis de Diretrizes e Bases da Educação nº 4.024/196112 e

12 - Brasil (1961).
342 | História e Educação na Amazônia
nº 5.692/1971,13 que promoveram o ensino segundo os parâmetros da época.
Destarte, é presumível que o que seria concreto material, como os pré-
dios, utensílios e objetos, podem ter sido extirpados, mas o que seria o concre-
to imaterial, incorporado na forma jurídica na política educacional do ensino
primário dos grupos escolares, apenas tenha seguido outros rumos para se
adaptar aos novos tempos de modo a não promover rupturas na estrutura
do ensino, mas dar continuidade ao programa de desenvolvimento do ensino
primário.

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346 | História e Educação na Amazônia


Grupos Escolares no estado do Pará
no Regime Republicano
(1899-1905)1
MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO GOMES
DE SOUZA AVELINO DE FRANÇA
Universidade do Estado do Pará (Uepa)

Introdução

Este trabalho é um recorte de uma pesquisa mais ampla sobre a his-


tória dos grupos escolares no estado do Pará no período republicano, finan-
ciada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq). As questões aqui tratadas analisam o processo de implantação dos
grupos escolares nesse estado, nos anos de 1889 a 1905, tendo como referência
os relatórios dos diretores da Instrução Pública, as mensagens governamen-
tais, a legislação do ensino e a produção literária sobre os grupos escolares no
País. As fontes documentais foram localizadas na Biblioteca Pública Arthur
Viana – Setor de Obras Raras, da Fundação Cultural do Pará Tancredo Ne-
ves (Centur), localizada na Avenida Gentil Bittencourt, número 650, Bairro
Nazaré, Belém/Pará. Essa instituição de pesquisa possuiu em seus acervos um
manancial de fontes históricas sobre a sociedade e a educação na região ama-
zônica.
Nas últimas décadas do Brasil Império, intelectuais, políticos e gran-
des proprietários de terras debateram amplamente os problemas gerados pelo
crescimento da economia, pela transição do trabalho escravo para o livre, pela
formação de uma identidade nacional, pela modernização da sociedade e pelo
progresso da nação. No bojo desses debates, foi gestado um amplo projeto
de civilização, e nele a educação figurava como um elemento propulsor do
progresso, capaz de fazer o país avançar, alcançando o mesmo patamar de
civilização das nações europeias e norte-americanas.
Proclamada a República em 1889,

[...] a exigência da alfabetização para a participação po-


lítica (eleições diretas) tornava a difusão da instrução
1 - Esse texto é uma versão ampliada do trabalho intitulado “A Implantação dos Grupos Es-
colares no Estado do Pará”, apresentado no VII Congresso Brasileiro de História da Educação:
Circuitos e Fronteiras da História da Educação no Brasil.
História e Educação na Amazônia | 347
primária indispensável para a consolidação do regime
republicano (SOUZA, 1998, p. 27).

À escola primária, caberia difundir os valores republicanos, contribuin-


do para a construção e consolidação do novo regime político.
A crença no poder redentor da educação e a confiança na instrução
como um elemento conformador dos indivíduos tornou-a imprescindível
para a formação do cidadão republicano. A educação popular, articulada à
ciência e à cultura letrada, “[...] se apresentava como interpretação concilia-
dora capaz de explicar os motivos do atraso da sociedade brasileira e apontar
a solução para o mesmo” (SOUZA, 1998, p. 27). Essa crença pode explicar o
sentido da política de organização e difusão da instrução popular, nas primei-
ras décadas da República brasileira, pelas autoridades políticas.
No estado do Pará, tão logo foi implantada a República, o governador
Justo Leite Chermont, em 7 de maio de 1890, promulgou o Regulamento Ge-
ral da Instrução Pública. Esse regulamento, segundo o governador, tinha por
objetivo reorganizar a Instrução Pública, especialmente o ensino primário,
que até então era regido por legislação contraditória e mutilada pelas reformas
parciais e incompletas, realizadas sem planos e sem ordem. O ensino passou
a ser leigo, e o primário, obrigatório e gratuito. Este compreendia dois cursos:
o elementar e o integral. O primeiro ministrado em escolas elementares tinha
a duração de três anos; o segundo, com duração de seis anos, era ofertado em
escolas populares. Este último subdividia-se em três cursos: elementar, médio
e superior. Ambos tinham duração de dois anos de estudos. O ensino primá-
rio tinha por fim a formação moral e cívica da mocidade paraense.
José Veríssimo, diretor da Instrução Pública do Estado do Pará, nos
anos de 1890 a 1891, analisando o Regulamento Geral da Instrução Pública,
expedido pelo governador Justo Chermont, enfatiza que o dispositivo legal
tinha o firme propósito de organizar o sistema público de ensino paraense.
O diretor, contrapondo-se à concepção vigente de escola primária, como um
aglomerado de classes de alunos de adiantamentos diversos, dispostos em uma
única sala sob a regência de um professor, propõe ao governador uma escola
primária, constituída de classes distintas, cada uma delas confiadas a um pro-
fessor. Imbuído desse propósito, defende a construção de prédios apropriados
para o funcionamento das escolas primárias, construídos com base em nor-
mas e regras estabelecidas por pedagogistas, mestres e arquitetos. Para ele,

Ninguém mais contesta hoje, diz o competentíssimo Sr.


Buisson, que para ter uma boa escola é indispensável que

348 | História e Educação na Amazônia


o edifício escolar reúna determinadas condições de sa-
lubridade, de bem-estar, de comodidade e de decência.
Sabem todos que a base das reformas que nos Estados
Unidos levaram a instrução primária ao invejável grau
de prosperidade em que se acha, foi a da casa da escola
(PARÁ, 1891, p. 94).

A defesa desse intelectual sobre a necessidade de construção de prédios


apropriados para o funcionamento do ensino primário só foi concretizada
em 1901, com a inauguração do primeiro grupo escolar da capital – Grupo
Escolar José Veríssimo. O nome do grupo representava uma homenagem ao
ex-diretor da Instrução Pública que lutou pela sua implantação no início do
regime republicano.
Convém frisar que a universalização do ensino primário já era um fe-
nômeno consolidado em vários países europeus e nos Estados Unidos no final
do século XIX. Nesse contexto, novas finalidades e organização do ensino fo-
ram definidas para a escola primária nesses países. O conjunto de escolas sem
uniformidade cedeu lugar a um sistema ordenado de ensino de caráter estatal,
obrigatório e universal.

O século XIX foi o cenário de experimentação e constru-


ção da escola graduada, dotada de uma estrutura coeren-
te e durável mais adequada à universalização do ensino
primário (SOUZA, 1998, p. 32).

As questões discutidas neste trabalho têm como foco a defesa de José


Veríssimo para a construção de prédios próprios para o funcionamento das
escolas primárias no estado do Pará no regime republicano e a implantação
dos grupos escolares nessa região do País.

José Veríssimo Dias de Mattos e a construção de prédios próprios


para as escolas públicas primárias

José Veríssimo Dias de Mattos foi diretor da Instrução Pública do Es-


tado do Pará (1890 e 1891). Na defesa da construção de prédios apropriados
para o funcionamento das escolas primárias, enfatiza no relatório da Instru-
ção Pública apresentado ao governador Justo Chermont, em 1891, que “[...]
uma das mais palpitantes necessidades da nossa escola é a casa” (PARÁ, 1891,
p. 94). Ele observa que ninguém poderia mais ignorar que a escola moderna,
a escola popular, na qual depositam os povos as suas esperanças, deveria ser

História e Educação na Amazônia | 349


construída com base em determinadas regras estabelecidas por pedagogistas,
mestres e arquitetos. A construção de casa para escolas era objeto de um ramo
novo da arquitetura civil, isto é, a arquitetura escolar.
Para reforçar seus argumentos, apoia-se em Buisson quando diz que,
para se ter uma boa escola, é necessário e indispensável que o edifício cons-
truído para esse fim atenda a determinadas condições de salubridade, de bem
-estar, de comodidade e decência. José Veríssimo afirma que a prosperidade
a que chegou a instrução primária nos Estados Unidos foi decorrente dos in-
vestimentos governamentais na construção de espaços adequados para o fun-
cionamento das escolas.
Mais adiante, pergunta José Veríssimo: “Tudo isso se sabe, mas o que
se tem feito?” (PARÁ, 1891, p. 94). Para responder a questão, traz para exame
trechos dos relatórios dos diretores da Instrução Pública: Corrêa de Freitas
(1881) e Nina Ribeiro (1899). Evidencia que seus antecessores propuseram ao
governo provincial a construção de edifícios escolares para as escolas primá-
rias, mas suas proposições foram ignoradas pela Assembleia Provincial. Infor-
ma José Veríssimo que Corrêa de Freitas solicitou à Assembleia Provincial a
alocação de 20 contos de reis para a construção de uma casa para a escola na
capital. Já Nina Ribeiro, segundo esse intelectual, declarava que

[...] as melhores reformas que empreender, o mais hábil


professorado que criar, tudo será desperdicioso, incom-
pleto e improfícuo se não for acompanhado da resolução
desde já, se dar princípio as construções dos edifícios es-
colares (PARÁ, 1891, p. 94-95).

Observa José Veríssimo que os poderes públicos foram indiferentes às


reivindicações dos diretores da Instrução Pública, ressaltando que não foram
as condições financeiras e a preocupação com a economia que os tornavam
surdos diante dos reclamos, pois gastavam muito com coisas inúteis e funestas
à província. Afirma José Veríssimo: que

[...] é um erro em terra nova e rica como esta, estas mes-


quinhas economias que atrofiando-nos longe de enri-
quecer-nos, empobrecem-nos realmente. [...] A econo-
mia bem entendida está a aconselhar apressemo-nos em
construir casas de escolas (PARÁ, 1891, p. 95).

Para ele, o governo republicano deveria entrar “[...] sistemática e reso-


lutamente na via da construção de casas para escolas” (PARÁ, 1891, p. 95).

350 | História e Educação na Amazônia


Alertava que a casa escolar não poderia ficar à mercê do compadrio político
e da problemática repartição de obras públicas, que, apesar de contar com
um número significativo de engenheiros, carecia de arquitetos para pensar os
edifícios escolares.
Para José Veríssimo, a construção de prédios para as escolas não pode-
ria mais ser adiada, considerando que o Estado dispunha de recursos finan-
ceiros para construí-los. A riqueza a que se refere o autor era proveniente da
produção e comercialização da borracha para os mercados europeus e nor-
te-americanos entre os anos de 1870 e 1910. Nesse período, Belém se tornou
o principal porto de escoamento da produção da goma elástica, assumindo a
posição de centro comercial, financeiro e político da região. Parte da riqueza
produzida pela borracha foi empregada no calçamento das ruas, na constru-
ção de praças, avenidas, prédios públicos, mercados e suntuosas mansões, na
criação de uma linha de bonde elétrico e na instalação de bancos e companhias
de seguro. A força de trabalho que sustentava a economia da borracha era
constituída em sua maioria de índios, caboclos e nordestinos. Esses trabalha-
dores, submetidos a um trabalho rigoroso e mal-pago, geravam a riqueza dos
coronéis da borracha.
O projeto de modernização gestado nos primeiros anos do regime re-
publicano pelo intendente Antônio Lemos tinha por base os ideais de civili-
zação e progresso, implicando mudanças radicais dos hábitos e costumes da
população local. Era necessário sanear a cidade

[...] dos ares fétidos das habitações populares, o inten-


dente vislumbrava aproximar Belém de suas congêneres
às margens do Tamisa e Sena (FIGUEIREDO, 2012, p. 9).

José Veríssimo, discorrendo sobre a construção de prédios para as es-


colas, observa que ela deveria ser feita por meio de concorrência pública, pri-
meiro para os planos e orçamentos e depois para a construção. Caberia ao
conselho superior avaliar e aprovar os projetos apresentados. Segundo ele, o
conselho seria competente para essa função, considerando a capacidade peda-
gógica de seus membros. Participavam dele médicos e engenheiros habilitados
para analisar questões relativas à higiene e à construção. Uma das sugestões de
Veríssimo para as edificações escolares era a de manter as janelas abertas das
casas-escola, tanto no inverno quanto no verão amazônico.
Para José Veríssimo, o que o governo gastava com aluguéis de casa para
as escolas na capital e no interior daria para construir os edifícios escolares:

História e Educação na Amazônia | 351


Somente com os alugueis das casas para as escolas desta
capital gasta o Estado mais de 25 contos de réis por ano,
ou seja, mais de 6% de juro de um capital de 400 contos
de réis, que lhe seria facílimo achar aquela taxa se a um
empréstimo precisasse recorrer.
Ora, esta cidade, como já deixei dito, não precisa mais
de 10 escolas, podendo conter cada uma 300 alunos; que
cada um desses edifício venha custar de 40 a 50 contos
ainda haverá economia, pois há muitos anos vem se gas-
tando aqueles vinte e tantos contos, com mas casas alu-
gadas. Assim se pagariam apenas e durante alguns anos
mais como juros de um capital aproveitado.
São 41 as escolas de 2ª entrância (das cidades do interior)
com as quais gasta-se para aluguel de casas mais de dez
contos de réis. Nessas cidades como Obidos, Alemquer,
Monte Alegre, Soure e todas as mais, uma única casa de
escola seria suficiente (PARÁ, 1891, p. 96).

Coelho (2008), analisando os relatórios do diretor da Instrução Pública,


Alexandre Vaz Tavares (1893 e 1894), apresentados ao governador Lauro So-
dré, destaca que neles repetiram-se os pedidos de urgência para a construção
de prédios apropriados para o ensino primário, pois a ausência deles contri-
buía para que as reformas da Instrução Pública empreendidas nesse estado
não surtissem os efeitos desejados. Informa Coelho que o diretor considerava
prejudicial o funcionamento da escola na casa do professor. Essa prática, além
de representar sérios prejuízos aos professores e alunos, dificultava a fiscaliza-
ção do trabalho do professor e impedia o exercício eficiente da disciplina. Nas
visitas que realizou em algumas escolas da capital e do interior,

[...] ficou sensibilizado com a situação de crianças que se


acotovelavam, se comprimiam e se amontoavam em ban-
cos insuficientes e em salas com pouco espaço e pouco ar
(COELHO, 2008, p. 73).

As considerações do diretor tinham o firme propósito de convencer o


governador e o Congresso Legislativo da importância da construção de pré-
dios para as escolas.
Nas duas primeiras décadas do regime republicano, os grupos escola-
res foram regulamentados e instalados nos estados de São Paulo (1894), Rio
de Janeiro (1897), Maranhão e Paraná (1903), Minas Gerais (1906), Bahia,
Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Santa Catarina (1908), Mato Grosso
(1910), Sergipe (1911), Paraíba (1916) e Piauí (1922), tendo sido extintos em
352 | História e Educação na Amazônia
1971, com a promulgação da Lei nº 5.692/1971. Seus bancos acolheram duas
gerações de brasileiros

[...] e foram responsáveis pela inserção de uma significa-


tiva parcela da população nacional no universo dos sabe-
res formalizados (VIDAL, 2006, p. 7).

Os grupos escolares, constituindo-se como escolas graduadas, agluti-


navam-se em

[...] um mesmo edifício, as antigas escolas isoladas, orga-


nizando a docência em torno de séries escolares que pas-
savam a corresponder ao ano civil e eram concluídas pela
aprovação ou retenção em exame final (VIDAL, 2006, p.
8).

O ensino seriado substituía as classes de alunos de diferentes níveis de


aprendizagem, sob a regência de um único professor. A figura do diretor in-
troduzida nos grupos oferecia organicidade e homogeneidade à escolarização
e produzia uma nova hierarquia social pública.

Grupos escolares no estado do Pará nos anos de 1899 a 1905

No estado do Pará, os grupos escolares apareceram pela primeira vez


na legislação de ensino em 1899. O Regulamento Geral do Ensino Primário –
Decreto nº 625, de 2 de janeiro de 1899, expedido pelo governador José Paes
de Carvalho – estabeleceu que o ensino primário público seria ministrado em
escolas isoladas, escolas modelos e grupos escolares. As escolas isoladas fo-
ram classificadas em elementares e complementares. As primeiras delas, com
duração de três anos de estudos, poderiam ser criadas nas cidades, vilas e po-
voações, com mais de 20 alunos em idade escolar. Já as segundas poderiam ser
instaladas nos distritos da capital, nas cidades e vilas do interior com mais de
50 alunos. As escolas complementares compreendiam dois cursos: um médio
e outro superior, cada um deles com dois anos de duração.
De acordo com o regulamento, as matérias das escolas elementares
compreendiam leitura e escrita, noções de coisas, cálculo de aritmética sobre
números inteiros e frações, sistema métrico, noções de gramática, geografia
e desenho. Já o curso médio das escolas complementares abrangia leitura e
escrita, aritmética até proporções, geometria prática, geografia geral primária,
gramática nacional, desenho à mão livre, instrução moral e cívica, enquanto

História e Educação na Amazônia | 353


o curso superior incluía leitura e escrita ditada, exercícios de análise lógica e
gramatical, conclusão do estudo da aritmética prática, geografia do Brasil, es-
pecialmente do Pará, noções de história do Brasil, com ênfase no Pará, leitura
e explicação das Constituições Estadual e Federal, noções gerais de cosmogra-
fia, exercícios primários de cartografia, desenho a mão livre, desenho linear e
geometria. Além desses conteúdos, ensinava-se ainda a educação física, a qual
compreendia noções de higiene, prática de exercícios, jogos e brincadeiras ao
ar livre.
De acordo com o Regulamento Geral da Instrução Pública de 1899, os
alunos aprovados nos exames dessas escolas recebiam um diploma de estudos
primários que lhes garantia as seguintes vantagens: a) matrícula no Liceu Pa-
raense e na Escola Normal; b) preferência para reger interinamente as escolas
elementares e os lugares de adjuntos; c) preferência para os cargos públicos
que independiam de concurso.
Ainda segundo o regulamento, anexas à Escola Normal seriam insta-
ladas duas escolas modelos, sendo uma para cada sexo, destinadas ao ensino
primário e aos exercícios práticos dos alunos e alunas normalistas. Os ensi-
nos elementar e complementar ofertados nessas escolas não poderiam atender
mais que 50 alunos. O governo foi autorizado a reunir, em um único prédio,
escolas de ambos os sexos nos distritos da capital e nas sedes dos municípios.
Para tanto, deveria considerar a existência de pelo menos quatro escolas no
raio estabelecido para a obrigatoriedade.
A legislação estabeleceu que os grupos escolares seriam criados prefe-
rencialmente nos distritos escolares da capital e na sede dos municípios, onde
o poder público municipal fornecesse prédios apropriados para o seu funcio-
namento ou terreno amplo para a sua edificação, devendo atender no máximo
300 alunos de ambos os sexos. A direção do grupo escolar era exercida por um
diretor diplomado pela Escola Normal, indicado pelo diretor geral e nomea-
do pelo governador do estado. Na falta desse profissional, pessoa idônea de
reconhecida experiência no ensino poderia também assumir essa função. Ao
diretor competia a direção e a fiscalização do ensino.
Em cada grupo escolar havia um professor do curso superior, um do
curso médio e dois do curso elementar. Esses professores poderiam ser auxi-
liados por adjuntos, caso fosse verificado, sob sua responsabilidade, um nú-
mero de alunos maior do que 40. Contava ainda o grupo escolar com um por-
teiro e um servente para a seção masculina e feminina. Convém destacar que
a instrução pública primária era obrigatória para os meninos de 7 a 14 anos e
para as meninas de 6 a 12 anos. A obrigatoriedade só atingia as populações que

354 | História e Educação na Amazônia


residiam a um quilômetro de distância das escolas.
Augusto Olympio, ex-diretor geral da Instrução Pública e, à época, Se-
cretário do Estado, em texto publicado na revista A Escola, intitulado Um capí-
tulo do Pará em 1900, analisando a reforma do ensino primário de 2 de janeiro
de 1899, observa “[...] que é a mais completa e mais metódica reforma que
entre nós tem tido o ensino primário’’. Para ele, a reforma manteve o governa-
dor do estado como chefe supremo da direção do ensino primário, sendo essa
exercida diretamente pelo diretor da Instrução Pública e pelo Conselho Su-
perior de Ensino. Destaca que foram conservados os conselhos escolares nos
municípios do interior, responsáveis pela fiscalização e inspeção das escolas
e que o território do estado foi dividido em 12 circunscrições, confiadas cada
uma delas a 12 inspetores de ensino, que deveriam obrigatoriamente residir
em suas sedes, cabendo a eles dirigir, inspecionar e fiscalizar o ensino nessas
localidades. “Tivemos, assim, pela primeira vez neste estado, organizados os
grupos escolares’’ (1900, p. 129).
Mais adiante, o ex-diretor salienta que não poderia deixar em silêncio
um dos pontos mais importantes da reforma de 2 de janeiro, isto é, “[...] aquele
que permitiu as mulheres concorrerem à regência de escolas do sexo masculi-
no” (OLYMPIO, 1900, p. 132). Informa que, atendendo às novas determina-
ções da reforma, foi confiada às mulheres, na capital, a regência de 21 escolas
elementares do sexo masculino, “[...] sendo seis no primeiro distrito, duas no
segundo, cinco no terceiro e oito no quarto” (OLYMPIO, 1900, p. 133).
O primeiro grupo escolar do estado foi criado no interior, na cidade de
Alenquer, em 10 de julho de 1899. O Grupo Escolar de Alenquer originou-se
da reunião das escolas públicas isoladas, elementares e complementares exis-
tentes naquela localidade. As aulas foram organizadas em duas seções distin-
tas: a feminina funcionava das 7h30min às 11h30min e a masculina das 13h às
17h. Os corpos administrativo e pedagógico foram nomeados de acordo com
o estabelecido no Regulamento Geral da Instrução Pública de 1899. Esse gru-
po escolar, em 10 de fevereiro de 1900, foi denominado de Fulgêncio Simões.
Em 7 de setembro de 1901, foi instituído, na capital do estado, o Grupo
Escolar José Veríssimo. Foi instalado em um prédio próprio construído de
acordo com as exigências da higiene e da pedagogia. Localizado em frente à
Praça Batista Campos, inaugurava um novo modelo arquitetônico, destinado
ao ensino primário. As escolas isoladas elementares e complementares, mas-
culinas e femininas, existentes no segundo e terceiro distrito da capital, foram
nele incorporadas, assim como seus alunos e professores.

História e Educação na Amazônia | 355


O grupo escolar José Veríssimo será organizado com as
seguintes escolas complementares: 1ª e 2ª do sexo mascu-
lino e 3ª do sexo feminino, todas do 3º distrito e com as
escolas elementares seguintes: 5º do sexo masculino do
1º distrito, 3ª do sexo feminino do 2º distrito, 5ª e 7ª do
sexo feminino do 3º distrito, cujos professores serão dis-
tribuídos pelos diferentes cursos do grupo escolar como
melhor e exigir o ensino (PARÁ, 1901, p. 4).

Para o diretor geral da Instrução Pública, Virgilio Cardoso e Oliveira


(1900), o belo edifício do Grupo Escolar José Veríssimo, construído pelo go-
vernador José Paes de Carvalho, poderia sem receio figurar entre as melhores
construções escolares do regime republicano. Para muitos, a construção pode-
ria pecar pela suntuosidade e pelo luxo.

Antes, porém, assim que, por espírito de mal entendida


economia, aleijar um edifício destinado a receber, em
idade crítica da existência, jovens cuja educação deve ser
olhada com cuidados nunca demasiados (PARÁ, 1900,
p. 665-666).

Para o diretor, a experiência colhida dessa primeira construção

[...] nos ensinará o caminho que conduzirá à realização


de obras idênticas com economias que não venham pre-
judicar o edifício pelo desejo de beneficiar o Tesouro
(PARÁ, 1900, p. 666).

O Grupo Escolar José Veríssimo era constituído de dois pavimentos.


No primeiro pavimento havia quatro salas de estudos, quatro salas de vestiári-
os para atender os alunos de ambos os sexos e dois gabinetes destinados ao
trabalho dos professores. No segundo pavimento manteve-se o mesmo núme-
ro de salas de estudos e salas de vestiários. Nesse andar ficava a sala do dire-
tor do grupo, que fiscalizava e controlava todas as atividades desenvolvidas
no estabelecimento. Na entrada do estabelecimento, os alunos passavam por
uma portaria que funcionava como uma espécie de fiscalização. Terminada
a fiscalização, eram dirigidos para as salas de estudos. Os docentes faziam o
mesmo percurso que os alunos para chegarem às salas de estudos e gabinetes
de trabalho. Estes últimos ficavam localizados no final do corredor. Em cada
pavimento do grupo havia uma parede que separava a ala feminina da ala
masculina. O controle interno dos alunos, alunas, professores e professoras

356 | História e Educação na Amazônia


marcava o dia das atividades no grupo escolar. Tal controle ocorria na por-
taria, nas salas de estudos, nos gabinetes de estudos, nas salas de vestiários,
nos recreios e pátios. Não havia espaços coletivos como biblioteca e museu
pedagógico. O diretor e o porteiro eram os únicos que podiam circular por es-
ses espaços. Na parte interna do grupo escolar havia dois pátios e jardins para
o atendimento dos alunos e alunas. Portas grandes e altas permitiam que a
iluminação e a circulação do ar penetrassem nas suas dependências, tornando
o seu interior em espaço saudável e agradável para o processo ensino e apren-
dizagem. O Grupo Escolar José Veríssimo marcou o início de edificações de
prédios próprios para as escolas públicas primárias no Pará.

A suntuosidade do prédio composto em dois pavimentos


e com arquitetura imponente e clássica, prevaleceu como
marca de visibilidade impressa na cidade (MELO, 2008,
p. 190).

A figura 1 permite apreender o funcionamento de seu espaço físico, e a


figura 2, a suntuosidade do prédio.

História e Educação na Amazônia | 357


Figura 1 – Planta do Grupo Escolar José Veríssimo

Fonte: Pará (1900).

Figura 2 – Grupo Escolar José Veríssimo

Fonte: Pará (1900).

358 | História e Educação na Amazônia


A intenção do governador de deixar instalados na capital pelo menos
dois grupos escolares em prédios próprios não foi concretizada. A constru-
ção do Grupo Escolar Justo Chermont, cuja primeira pedra foi assentada no
mesmo dia do Grupo Escolar José Veríssimo, não foi concluída em virtude
de condições desfavoráveis do terreno adquirido para esse fim. Ressaltava o
diretor que para

[...] o bem do ensino primário público na capital deve


continuar as edificações escolares, único meio de alevan-
tarmos a nossa instrução primária (PARÁ, 1900, p. 667).

O governador José Paes de Carvalho (1901) informa na mensagem diri-


gida ao Congresso do Estado que os grupos escolares de Alenquer, Bragança,
Curuçá, Santarém, Soure e Cametá, instalados no interior do estado, funcio-
navam regularmente como um número significativo de alunos e alunas.
No período de 1899 a 1905, foram criados no estado 26 grupos escola-
res, a maioria deles no interior, como pode ser visto no quadro abaixo:

Tabela 1 – Grupos escolares criados no estado do


Pará entre os anos de 1899 a 1905

Fonte: Pará (1907).

História e Educação na Amazônia | 359


Os grupos escolares de número 1 a 8 foram criados pelo governador Dr.
José de Paes de Carvalho. Já os de número 9 a 25 foram instituídos pelo gover-
nador Augusto Montenegro. Entre os anos de 1901 a 1905, esse governador
criou no Pará 18 grupos escolares, tendo ele investido na expansão desses
estabelecimentos de ensino na região. Observa-se na tabela 1 que o interior do
estado contava com o maior número de grupos escolares. A maioria dos gru-
pos escolares funcionava em prédios alugados e adaptados pelo poder público
para o funcionamento de suas atividades educativas.

Considerações finais

O primeiro grupo escolar do estado do Pará foi criado no interior, mais


precisamente na cidade de Alenquer, em 1899. Entre os anos de 1899 e 1905,
foram criados nessa região do País 26 grupos escolares, sendo 6 na capital, 4
na região metropolitana e 16 no interior do estado. O número expressivo de
grupos escolares representava um avanço para a educação primária no Pará.
Na capital estavam localizados os 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º grupos escolares.
Na região metropolitana, os de Santa Isabel, Castanhal, Mosqueiro e Pinheiro.
No baixo Amazonas, os de Alenquer, Óbidos, Santarém, Faro. No Marajó, os
de Soure e Muaná. Na região nordeste do Pará, os de Abaeté Bragança, Vi-
gia, Igarape-Miri, Curuça, Cametá, Marapanim, Maracanã, Mocajuba Baião.
Muitos deles não dispunham de prédios próprios para o seu funcionamento.
A intenção governamental de extinguir gradativamente as escolas isoladas não
foi concretizada. Essas escolas predominavam no território paraense. A dissi-
minação de grupos escolares entre os anos de 1899 e 1905 deveu-se em parte
à situação financeira favorável do estado decorrente da elevação dos preços da
borracha nos mercados internacionais.

Referências

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Tese (Doutorado)-- Programa de História da Educação e Historiografia, Faculdade de
Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

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MELO, Clarice Nascimento. Participação de mulheres na história da escola mista


no Pará - 1870/1901. Tese (Doutorado em Educação)-- Universidade Federal do Rio
360 | História e Educação na Amazônia
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Natal, 2008.

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______. Mensagem dirigida em 7 de setembro de 1907, ao Congresso Legislativo


do Pará, pelo Governador Augusto Montenegro. Imprensa Oficial: Belém do Pará,
1907.

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valho pelo Sr. Augusto Olympio de Araújo e Souza. Secretário do Estado. Belém do
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VIDAL, Diana Gonçalves. Grupos escolares: cultura escolar primária e escolarização


da infância no Brasil (1893-1971). Campinas: Mercado de Letras, 2006.

História e Educação na Amazônia | 361


362 | História e Educação na Amazônia
História dos Grupos Escolares do Amapá
na primeira metade do século XX
JOÃO DE DEUS SANTOS DE SAMPAIO
Universidade do Estado do Amapá (UEAP)

VITOR SOUSA CUNHA NERY


Universidade do Estado do Amapá (UEAP)

Introdução

Os Grupos Escolares foram um modelo de organização escolar voltado


para a implantação da educação popular, adotado no final do século XIX em
diversos países da Europa e nos Estados Unidos. Essa experiência inovadora
de organização escolar começou a ser implantada logo após a Proclamação da
República no Brasil em 1889 (início do século XX), como política educacional
do novo regime no contexto de difusão e valorização dos ideais republicanos,
sendo criados primeiramente em São Paulo em 1983 e posteriormente nas
demais regiões do Brasil.
O presente artigo é fruto de resultados parciais da pesquisa de Inicia-
ção Científica, financiado pelo Programa de Bolsas Iniciação Cientifica (PRO-
BICT) da Universidade do Estado do Amapá (UEAP), intitulada História
dos Grupos Escolares do Amapá no século XX, tendo como objetivo analisar
o processo de implantação e consolidação dos Grupos Escolares no Amapá
e as contribuições para o desenvolvimento da educação formal do Amapá no
século XX.
Esta pesquisa justifica-se por sua relevância social e histórica e pela ca-
rência de estudos em relação à história da educação na Amazônia Amapaen-
se acerca da implantação e consolidação dos Grupos Escolares no Amapá no
século XX, contribuindo dessa maneira com a (re)construção da história da
educação na Amazônia. Também devido o Amapá nas primeiras décadas do
século XX, fazer parte do estado do Pará, necessita de estudos mais aprofun-
dados sobre a história da educação, em especial sobre a história dos Grupos
Escolares.
Metodologicamente, este estudo se baseia em uma pesquisa documen-
tal, de acordo com Rodrigues e França (2010) a partir de documentos con-
temporâneos ou retrospectivos, os quais ainda não receberam um tratamento

História e Educação na Amazônia | 363


analítico, ou que podem passar por novas análises dependendo do objetivo
da pesquisa. Este artigo teve como fontes de informações jornais e legislação
educacional da época, Biblioteca Pública e Museu do Amapá, Regulamento da
Instrução Primária e Relatório dos Diretores de Instrução Pública, arquivos
de imagens, relatórios do Governo do Estado do Pará e do Território Federal
do Amapá. Essas fontes foram analisadas à luz da história cultural. Em relação
a essa abordagem, Chartier (2002, p. 16) alega ter por “[...] principal objeto
identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada
realidade é construída, pensada, dada a ler”.
O artigo está estruturado em três tópicos. No primeiro, será abordado
um breve histórico da educação na transição do Império para a República,
onde será exposto que durante o Império o Brasil não privilegiava alternativas
benéficas para a difusão e modernização da educação no País, ao disponibi-
lizar, através das escolas isoladas, um ensino sem uniformidade e carente de
determinadas condições estruturais, didáticas, higiênicas e de comodidade.
O segundo tópico é destinado a tratar do surgimento dos Grupos Es-
colares no Brasil, destacando a trajetória histórica de um novo modelo de or-
ganização escolar defendido pelo regime republicano. No terceiro e último
tópico serão apresentados alguns resultados parciais da pesquisa de Iniciação
Científica financiada pela Universidade do Estado do Amapá, sobre a história
dos Grupos Escolares no Amapá no século XX, onde foram feitos levantamen-
tos e análises acerca dos Grupos Escolares que existiram no Amapá.

Breve histórico da educação na transição do Império para a República

Ao periodizar a história das instituições no Brasil, Saviani (2007) ressal-


ta que os anos de 1827 a 1890, compreendidos por ele como o terceiro perío-
do, consiste nas primeiras tentativas, que, por sua vez, eram desorganizadas,
descontínuas e intermitentes, de sistematizar e transferir a responsabilidade
da educação ao poder público representado pelo governo imperial e pelos go-
vernos das províncias.
Durante o Império, o Brasil não disponibilizava alternativas eficazes
para a difusão e modernização da educação no País. Dessa forma, a maior
parte da população estava alijada da instrução primária, de escolas públicas e
políticas educacionais, enquanto os filhos da elite que detinha o poder aquisi-
tivo-econômico eram encaminhados para estudarem na Côrte, na Europa ou
com professores particulares estrangeiros.
As poucas escolas de primeiras letras criadas no regime imperial, deno-

364 | História e Educação na Amazônia


minadas de “Escolas Isoladas” e/ou “Casas Grandes”, localizadas em núcleos
urbanos, distritos, vilas e áreas rurais, sofriam de várias deficiências, como
professores mal-preparados, população escolar reduzida, falta de assistência
em infraestrutura e didática, além da precária remuneração aos mestres, o que
contribuía para a desvalorização da profissão docente, tornando-a menos pro-
curada.
De acordo com Rossi (2008), essas escolas não eram isoladas simples-
mente por serem classes autônomas, mas devido às suas peculiaridades de
funcionamento unitário, provido de um ensino sem uniformidade, com um
aglomerado de alunos heterogêneos de diversos graus de conhecimento dis-
postos em uma única sala grande sem determinadas condições de comodidade
e higiene, representando, assim, o momento da educação no Império.
Conforme Souza (1998), um dos desafios principais das escolas isoladas
era o de superar a carência de professores, que até então era muito grande ‒
portanto, era difícil encontrar docentes que aceitassem enfrentar os diversos
problemas e dificuldades de ensino e de sobrevivência nas áreas rurais e nas
regiões de povoamento próximas das províncias. Devido condições de tra-
balho, remuneração e locais de funcionamento das escolas eram totalmente
inóspitas, não havia casa para a residência dos professores; logo, a rejeição
para atuar nessas escolas por parte deles era muito grande.
Com o fim do Império, as Escolas Isoladas não deixaram de existir. No
entanto, aos poucos foram extintas e passaram a ser consideradas um mo-
delo de educação atrasado, ultrapassado e incapaz de atender aos ideais de
democracia, ordem, amor à pátria e progresso disseminado pelos defensores
da República, ou seja, do novo regime que seria proclamado em 1889. Diante
disso, surgem os Grupos Escolares como uma nova organização do ensino
primário no País, que deveria oferecer um ensino público, laico e universal a
todo o Brasil.

Grupos Escolares no Brasil

Com a Proclamação da República no dia 15 de novembro de 1889, a


exigência da alfabetização da população para a participação política tornava a
instrução primária indispensável para a consolidação do regime republicano,
sendo assim, caberia à escola primária difundir os valores republicanos. Dian-
te disso, reorganizar a instrução primária era um dos objetivos principais da
República, nesse sentido surgem os Grupos Escolares (SOUZA, 1998).
No Brasil os Grupos Escolares foram criados primeiramente em São

História e Educação na Amazônia | 365


Paulo, em 1893, tendo como um de seus objetivos reunir as Escolas Isoladas
de uma determinada região. Os Grupos Escolares representavam um novo
modelo de organização escolar, o qual já era adotado no final do século XIX
em diversos países da Europa e nos Estados Unidos para a implantação da
educação popular.
Para Saviani (2004), os Grupos Escolares foram fundamentais para a
seleção e formação das elites, enquanto o ensino para a maioria da população
passara a vigorar somente com a reforma paulista de 1920. Junto com a nova
experiência dos Grupos Escolares, surgiu a figura do diretor escolar, assim
como a maior preocupação com os recursos de aprendizagem e com a siste-
matização dos conteúdos através da seriação com a promoção do uso do livro
didático. Por possuírem turmas seriadas, os Grupos Escolares também eram
denominados de escolas graduadas. De acordo com Souza (2004, p. 114), essas
escolas

Fundamentavam-se essencialmente na classificação dos


alunos pelo nível de conhecimento em agrupamentos su-
postamente homogêneos, implicando a constituição das
classes. Pressupunha, também, a adoção do ensino simul-
tâneo, a racionalização curricular, controle e distribuição
ordenada dos conteúdos e do tempo (graduação dos pro-
gramas e estabelecimento de horários), a introdução de
um sistema de avaliação, a divisão do trabalho docente e
um edifício escolar compreendendo várias salas de aula e
vários professores. O modelo colocava em correspondên-
cia a distribuição do espaço com os elementos da racio-
nalização pedagógica – em cada sala de aula uma classe
referente a uma série; para cada classe, um professor.

Não demorou muito para a ideia de instalação dos Grupos Escolares


passarem a se difundir por todo Brasil, sendo aderido na política de inúmeros
presidentes e/ou governantes de estados. Depois de ser implantado em São
Paulo, esse modelo de organização escolar também foi utilizado no Rio de
Janeiro em 1897, no Pará em 1899, no Maranhão e no Paraná em 1903, em
Minas Gerais em 1906, no Amapá em 1907, no Rio Grande do Norte, Bahia,
Espírito Santo e Santa Catarina em 1908, no Mato Grosso em 1910, em Sergi-
pe no ano de 1911, na Paraíba em 1916, no Piauí em 1920.
De acordo com Reis (2003), os Grupos Escolares, diferentemente das
Escolas Isoladas, foram instalados em majestosas construções dedicadas, prio-
ritariamente, a atender à educação das elites urbanas. Construídos no início
do período republicano, provocavam admiração das pessoas que os observa-
366 | História e Educação na Amazônia
vam externamente e conheciam internamente a dinâmica e o funcionamento
dos Grupos Escolares.
Nesse sentido, Schueler e Magaldi (2009, p. 43) enaltecem que os pa-
drões dos grupos escolares, disseminados no Brasil,

[...] assumiam grande relevo, aspectos como a construção


de prédios considerados apropriados para a finalidade
educativa, o trabalho escolar apoiado no princípio da se-
riação e no destaque conferido aos métodos pedagógicos,
entre os quais se situava, especialmente, o método intui-
tivo; a divisão e hierarquização da atuação dos profissio-
nais envolvidos no cotidiano da escola; a racionalização
dos tempos escolares; o controle mais efetivo das ativida-
des escolares, entre outros.

Os Grupos Escolares representavam o esforço e a resposta da República


em torno da difusão da escola pública no Brasil. Além disso, expressava uma
ruptura entre o modelo educacional vigente no regime imperial, que precisava
ser substituído por um sistema que tivesse como lema os “ideais de moderni-
dade”, “ordem e progresso” e que se concretizasse com a instalação do novo
regime político, denominado de República. A educação na República deveria
ser considerada um dos caminhos fundamentais na luta contra o analfabe-
tismo e para a promoção do amor à pátria, da organização, do controle, da
disciplina, da civilização e do progresso do povo brasileiro.
Em 1971, com a promulgação da Lei nº 5.692, os Grupos Escolares pas-
saram a ser extintos. De acordo com Vidal (2006, p. 6), essas instituições aco-
lheram duas gerações de brasileiros “[...] e foram responsáveis pela inserção
de uma significativa parcela da população nacional no universo dos saberes
formalizados”.

Grupos Escolares no Amapá

No início do século XX, período antecedente da criação do Território


Federal do Amapá, os administradores locais atuavam minimamente no cam-
po educacional e nos demais setores da vida social moderna dos amapaenses,
sendo que nesse periodo o Amapá ainda fazia parte do estado do Pará e estava
na custódia do governador e dos coronéis paraenses.
Nesse sentido, segundo Lobato (2009, p. 126), sobre esse pano de fundo
havia o “[...] imobilismo administrativo daqueles que ocupavam os cargos pú-
blicos na região, prepostos do governador paraense e coronéis”. Esse cenário

História e Educação na Amazônia | 367


evidenciava o descaso do governo do estado do Pará e dos administradores
locais que detinham plenos poderes sobre os cargos públicos, principalmente
para com a educação dos amapaenses. Dessa forma, não havia uma preocu-
pação em desenvolver o Amapá e melhorar a vida social, política, econômica
e cultural dos amapaenses que padeciam, necessitando de tais condições de
vida.
Segundo Lobato (2009), a Igreja Católica era quem de fato se destacava
por suas tentativas no que concerne à assistência aos doentes, educação e às
crianças. Tais informações reafirmam-se com a chegada, em 1913, do missio-
nário da Sagrada Família, Padre Júlio Maria Lombaerde, em Macapá, quando,
desse modo, foi criada por ele uma escola para meninos (Escola Reunida, que
funcionava na sua residência ao lado da Paróquia de São José). Além disso,
criou a Escola Feminina Congregação das Filhas do Coração Imaculado de
Maria. Sendo assim, Padre Júlio foi um dos pioneiros a institucionalizar o en-
sino no Amapá, devido à falta de escolas que, segundo ele, era “[...] um ponto
importante para instruir e atingir a juventude” (LOMBAERD, 1991, p. 287).

Figura 1 - Paróquia de São José de Macapá


ao lado a residência do Padre Júlio

Fonte: Acervo da Biblioteca Pública do Amapá (1850).

368 | História e Educação na Amazônia


Figura 2 - Padre Júlio Maria Lombaerd

Fonte: Costa (2014).

Em 1907, foi instalado, em uma casa alugada e humilde (suja e mal-a-


rejada) na cidade de Macapá, o primeiro Grupo Escolar do Amapá, pelo De-
creto nº 1.521 de 8 de agosto de 1907, denominado Grupo Escolar de Macapá.
De acordo com o Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Pará
(1913, p. 3219), os pioneiros na educação formal do Amapá foram a professo-
ra Cora de Carvalho Penna Rola, que exercia o cargo de diretora desse Grupo
Escolar, e os professores: Martinho de Bulhões Paes e Jovino d’ Albuquerque
Dinoá: estes foram os primeiros docentes da referida instituição. Esse grupo se
tornaria mais tarde o embrião do futuro Grupo Escolar Barão do Rio Branco,
que foi o primeiro Grupo Escolar construído no Território Federal do Amapá.

História e Educação na Amazônia | 369


Figura 3 - Grupo Escolar de Macapá

Fonte: Acervo do Museu Histórico do Amapá (1944a).

Figura 4 - Relatório da Instrução Pública

Fonte: Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Pará (1913).

370 | História e Educação na Amazônia


Após essas tentativas de melhorar a educação dos amapaenses, pouca
coisa mudou no cenário educacional até o Amapá se tornar Território Federal
em 13 de setembro de 1943 (Decreto-Lei nº 5.812), onde quase a totalidade
dos amapaenses ainda era analfabeta. E, no dia 27 de dezembro de 1943, foi
nomeado por Getúlio Vargas para governar o Território Federal do Amapá, o
capitão do exército brasileiro Janary Gentil Nunes.

Figura 5 - Governador Janary Gentil Nunes

Fonte: Barbosa (1997).

Com a chegada do primeiro governador, Janary Nunes, no início de


1944, iniciou-se a criação das primeiras escolas do Território Federal do Ama-
pá, e a partir dessa época foram alugadas várias casas e outras cedidas para o
funcionamento provisório de escolas (isoladas e mistas). Além disso, iniciou-
se a construção de Grupos Escolares.
Devido à proclamação do regime republicano no Brasil em 1889, o mo-
delo de educação que previa a organização do ensino em diferentes níveis de
aprendizagem, que melhor se aplicava e estava sendo difundido em todo o
Brasil para a manutenção e propagação dos valores do novo regime, idealiza-
História e Educação na Amazônia | 371
do por seus defensores e tidos como símbolos educacionais inovadores, eram
os Grupos Escolares, também denominados de escolas graduadas, os quais
foram implantados com o intuito de difundir no Brasil a instrução primária
indispensável para a consolidação da República. Para o funcionamento das
atividades dos Grupos Escolares eram construídos edifícios muito bem arqui-
tetados e em pontos estratégicos para garantir destaque e visibilidade frente ao
processo de urbanização e modernização das cidades.
Nessa perspectiva, o então governador do Território Federal do Ama-
pá, Janary Nunes, iniciou nos seus primeiros meses de governo na cidade de
Macapá a construção do oficial Grupo Escolar Barão do Rio Branco em 1944,
com instalações modernas, sendo inaugurado no dia 13 de maio de 1946 em
um ponto de destaque no centro urbano da cidade de Macapá.

Figura 6 - Grupo Escolar Barão do Rio Branco em construção

Fonte: Acervo do Museu Histórico do Amapá (1944b).

372 | História e Educação na Amazônia


Figura 7 - Inauguração do Grupo Escolar de Macapá Barão do Rio Branco

Fonte: Secretaria de Estado de Educação do Amapá (1946).

De acordo com Lobato (2009), após o Amapá se tornar Território Fe-


deral, apesar das dificuldades referente a carência de Grupos Escolares, de
professores para ministrarem aulas no Amapá e de materiais didático-peda-
gógicos para instruir a população e inculcar os ideais republicanos e educa-
tivos que o governador pretendia difundir, como disciplina escolar: higiene,
controle, patriotismo, ordem e progresso, tais princípios eram considerados
indispensáveis para a manutenção do governo no Amapá e para a submis-
são dos amapaenses. Por tudo isso, o próprio governador Janary Nunes não
mediu esforços para angariar recursos, e em 1946 assinou um acordo com o
Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep) para a concessão de um au-
xílio destinado à ampliação e melhoria do sistema escolar primário no Amapá.
Entre alguns outros Grupos Escolares posteriormente criados no Ama-
pá após a concessão de recursos financeiros, realizada pelo governador Janary
Nunes ao Inep, estão: Grupo Escolar Alexandre Vaz Tavares (1950, em Ma-
capá); Grupo Escolar General Azevedo Costa (1955, em Macapá); Grupo Es-
colar Porto de Macapá (1957, em Santana); Grupo Escolar Coaracy Nunes
(1958, em Macapá); Grupo Escolar Professor José Barroso Tostes (1961, em
Santana); Grupo Escolar Modelo Guanabara (1964, em Macapá); Grupo Es-
colar Amazonas (1966, em Santana); Grupo Escolar Ceará (1966, em Ferreira
Gomes); Grupo Escolar de Calçoene (em Calçoene); Grupo Escolar do Espíri-
to Santo do Amapá (em Mazagão); e outros.

História e Educação na Amazônia | 373


Abaixo apresentamos alguns Grupos Escolares criados no Território
Fedral do Amapá:

Figura 8 - Inauguração do Grupo Escolar Alexandre Vaz Tavares

Fonte: Acervo do Museu Histórico do Amapá (1950).

Figura 9 - Grupo Escolar General Azevedo Costa

Fonte: Acervo do Museu Histórico do Amapá (1955).

374 | História e Educação na Amazônia


Figura 10 - Grupo Escolar Modelo Guanabara

Fonte: Acervo do Museu Histórico do Amapá (1964).

Figura 11 - Grupo Escolar de Calçoene

Fonte: Acervo do Museu Histórico do Amapá [19--].

Nessa perspectiva, a construção e instalação de Grupos Escolares inten-


sificaram-se a partir do momento que o Amapá se tornou território federal,
não só em Macapá (capital), como também nos demais municípios do Amapá.
Os Grupos Escolares representavam um símbolo de organização escolar e ino-
vação que elevava a tentativa de desenvolvimento social, político, econômico
e cultural dos amapaense, o que contribuiu para que essas instituições se tor-
nassem referência em educação para as demais instituições criadas no Amapá,
norteadas pelos princípios de ordem, higiene, amor à pátria e principalmente
a de ambição pela prosperidade individual e coletiva que o governador Janary
Nunes tanto queria que fossem difundidos por essas instituições de ensino
(LOBATO, 2009).

História e Educação na Amazônia | 375


A educação aparece como um dos caminhos capazes de promover a
eliminação do analfabetismo e a implantação do progresso do povo brasileiro.
Mesmo não conseguindo na prática efetivar essas perspectivas, estes conti-
nuavam sendo os ideais educativos que se difundiam pelo País nessa época
até os dias atuais. No Amapá, esse processo começou tardiamente em relação
aos demais estados do Brasil: o primeiro Grupo Escolar no Amapá foi criado
pelo Decreto-Lei nº 1.521, de 8 de agosto de 1907 (época em que o Amapá
pertencia ao Pará), e anos depois, quando o Amapá estava na condição de
território federal esse grupo é substituído pelo Grupo Escolar Barão do Rio
Branco, inaugurado em 1946.
Diante disso, é notório que a difusão dos Grupos Escolares deu-se de
forma lenta no Amapá, após a criação do primeiro grupo escolar na capital
macapaense. Apenas em 1946, com a inauguração do primeiro Grupo Escolar
do Território Federal do Amapá, o então governador Janary Nunes conse-
gue, através da sua concessão, recursos financeiros ao Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos, financiamento para a construção de novas instituições
de ensino ‒ e, em decorrência disso, surgiram os demais Grupos Escolares no
Amapá, haja vista a necessidade de escolas para instruir a população ama-
paense naquela época.

Considerações finais

Tendo como base algumas análises sobre a implantação e consolidação


dos grupos escolares no Brasil, pode-se ressaltar que este foi de grande im-
portância no que se refere à difusão e inserção de uma política de educação
que visava à disseminação do ensino para toda população. No Amapá, como
se pôde perceber, o grupo escolar levou demasiado tempo para se efetivar,
ou seja, apenas 39 anos após a criação do primeiro grupo escolar criado no
Amapá é que se intensifica a construção de novos Grupos Escolares, quando
este alcança a condição de território federal ‒ fato este, indispensável, para o
surgimento dessas instituições no Amapá.
Por outro lado, a pesquisa permitiu compreender que os Grupos Escola-
res se constituíram e foram referência em educação para as demais instituições
de ensino existentes no Amapá. Além disso, este estudo revelou que os Gru-
pos Escolares no Amapá eram tidos como um grande instrumento capaz de
estabelecer os ideais republicanos e educativos de disciplina, higiene, controle,
patriotismo, ordem, progresso e outros de interesse do governo territorial e da
nação brasileira. Tais princípios foram indispensáveis para a manutenção do

376 | História e Educação na Amazônia


governo no Amapá e para a submissão dos amapaenses.
Procurou-se neste artigo analisar a implantação e a consolidação dos
Grupos Escolares do Amapá no século XX e a sua contribuição para o desen-
volvimento da educação formal no Amapá. Para tanto, apresentou-se uma
breve discussão dos motivos que levaram a esta pesquisa, bem como da te-
mática desta. Além disso, apresentou-se um referencial teórico metodológico
para subsidiar este trabalho e alguns resultados parciais da pesquisa de ini-
ciação científica da Universidade do Estado do Amapá, História dos Grupos
Escolares do Amapá no século XX, que está em processo de execução.
Para finalizar este artigo, salienta-se que ainda há muito que pesquisar
sobre a história dos Grupos Escolares do Amapá, como: quais os conteúdos
que eram ensinados nestes templos de saber? Quem eram os seus professo-
res? Qual era a formação exigida para o exercício da docência? Quais eram os
materiais didáticos utilizados? Qual o perfil dos alunos que estudavam nesses
Grupos Escolares? Qual era a forma de ingresso para que os alunos pudes-
sem estudar nestes templos de saber? Essas instituições conseguiam atender
as demandas de alunos? Quem eram os excluídos de estudar nessas institui-
ções? Quais eram os índices de evasão e reprovação nesses Grupos Escolares
amapaenses? Quais eram os meios de transporte utilizados por professores e
alunos para terem acesso aos Grupos Escolares? Qual a contribuição dessas
instituições para o desenvolvimento e modernização do Amapá? Essas são as
questões, entre outros aspectos.

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História e Educação na Amazônia | 377


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História e Educação na Amazônia | 379


380 | História e Educação na Amazônia
PARTE V

Formação de
Professores e Política
Educacional
na Amazônia
História e Educação na Amazônia | 381
382 | História e Educação na Amazônia
O dilema da relação entre teoria e
prática na formação dos profissionais da
educação no Brasil: da Escola Normal ao
Instituto de Educação
LUCIANA CRISTINA SALVATTI COUTINHO
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Universidade do Vale do Sapucaí (Univás)

Neste texto busca-se compreender, historicamente, a formação dos


professores no Brasil da instituição das escolas normais, no século XIX, aos
institutos de educação criados na década de 1930, enfatizando a questão da
relação entre teoria e prática tal qual se expressa no trabalho pedagógico de-
senvolvido nos referidos cursos. A partir da análise de fontes bibliográficas
acerca das duas instituições em referência, evidenciou-se que há uma relação
dialética entre campo de atuação profissional e cursos de formação, bem como
na objetivação do lugar e do papel atribuído à formação teórica, de um lado, e
à formação prática, de outro.
A concepção tradicional, que predomina nas escolas normais, pautan-
do a formação do professor no pressuposto da fiel reprodução do trabalho
pedagógico desenvolvido no campo de atuação profissional, não permite aos
docentes autonomia para organizarem e, consequentemente, direcionarem o
processo educativo quando inseridos na escola, já que não possuem o domínio
dos fundamentos que sustentam seu próprio trabalho. Contraditoriamente, é
na concepção tradicional centrada nos conteúdos científicos que se ignora a
cientificidade do trabalho pedagógico.
A concepção escolanovista, dominante na década de 1930, por sua vez,
mesmo avançando no sentido de buscar fornecer, no processo de formação,
elementos teóricos que permitissem ao professor, no seu trabalho efetivo de-
senvolvido nas escolas, certo domínio consciente do processo educativo, mos-
trou-se limitador ao estabelecer como objetivo principal da educação escolar
a facilitação e promoção das experiências individuais dos educandos, o que
promoverá tão somente a adaptação do sujeito ao meio no qual está inserido.
Ambas as propostas, portanto, não deram uma resposta ao dilema en-
tre teoria e prática nos cursos de formação de professores que possibilitassem
aos futuros professores a apropriação de instrumentos necessários para que a
educação assumisse um caráter de emancipação humana.
História e Educação na Amazônia | 383
Introdução

A necessidade de estabelecer uma relação entre conhecimentos teóricos


e práticos no processo de formação atravessa a história dos cursos de formação
de professores no Brasil e vem provocando, ao longo do tempo, mudanças não
só no formato como no conteúdo da preparação profissional dos professoran-
dos. No entanto, as mudanças levadas a efeito nos currículos dos respectivos
cursos parecem não encontraram um caminho que supere a dicotomia entre
formação teórica, de um lado, e formação prática, de outro, visto que a ques-
tão continua suscitando debates e mudanças tanto legais quanto curriculares.
Pensa-se que um caminho que deve ser percorrido a fim de compreender os
fundamentos desse dilema materializado na organização curricular dos cur-
sos consiste no desvelamento do trabalho didático-pedagógico nos lugares/
tempos destinados à formação de professores em uma perspectiva histórica.
Espera-se, assim, compreender os alcances e limites delimitados por cada con-
cepção pedagógica que informa o trabalho didático desenvolvido em cursos
de formação de professores fornecendo elementos que apontem para possíveis
caminhos no sentido da superação do dilema entre teoria e prática que, conse-
quentemente, implicará uma mudança qualitativa na atuação dos professores.
Mas como desenvolver tal análise? De onde começar? Que fontes uti-
lizar? Por que, para compreender a questão do dilema entre teoria e prática
nos dias atuais, optou-se por voltar à escola normal e adentrar os institutos de
educação da década de 1930?
Recorremos a Marx. No capítulo XXIV de sua célebre obra O Capital,
o autor analisa as condições de surgimento do modo de produção capitalista,
esclarecendo que não é possível explicar a gênese do capitalismo a partir da
análise de sua estrutura, pois esta dará a falsa impressão de que o seu desen-
volvimento é cíclico. Faz-se necessário, portanto, voltar ao modo de produção
que o precedeu, no qual surgiram as condições para a instauração de outro
modo de produção.
É esse o pressuposto que se adota neste texto. As primeiras tentativas
de regular a formação de professores no Brasil se deu por meio da criação
das escolas normais que, até por volta da década de 1890, conviveu com uma
formação “em serviço” objetivada na proposta de professores adjuntos. Na
década de 1930, as escolas normais de São Paulo e do Rio de Janeiro foram
transformadas em institutos de educação nos quais se organizaram, pela pri-
meira vez, além de cursos para professores, cursos específicos para diretores,

384 | História e Educação na Amazônia


orientadores de ensino e inspetores, em forma de aperfeiçoamento, para atua-
rem em funções técnico-administrativas do ensino, constituindo-se, pois, na
resposta do movimento renovador para os problemas enfrentados na organi-
zação da formação de professores nas escolas normais de então. Em 1939, é
criado o curso de pedagogia, sendo que os institutos de educação são extintos
ou voltam a ter a tarefa de formar o quadro docente para o ensino primário.
Parece lógico, portanto, partir das referidas escolas normais, do cami-
nho seguido pelos institutos de educação, formas organizacionais que antece-
deram a criação do curso de pedagogia e das licenciaturas. Desse modo, pen-
sa-se que será possível identificar e analisar a gênese do trabalho pedagógico
desenvolvido nos cursos de formação de professores no Brasil tendo como
norte a articulação entre teoria e prática, com o intuito de acompanhar as
mudanças e permanências que marcam a história da formação de professores.
Preliminarmente, cabe ressaltar que o processo de formação dos profis-
sionais da educação ocorre por meio de um processo educativo. A educação,
segundo Saviani (1984), é um fenômeno humano, sendo necessário que, para
compreender a natureza da educação, compreenda-se a natureza dos seres hu-
manos. Para Marx (1968), o homem se define como tal pelo fato de continua-
mente produzir seus meios de existência através do trabalho. Mas o trabalho
humano possui uma característica peculiar: antes de agir diretamente sobre
a natureza, o homem elabora, mentalmente, um plano de ação adequado às
finalidades estabelecidas. É esse o sentido da célebre passagem na qual Marx
distingue o trabalho dos animais do trabalho humano:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tece-


lão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir
sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da
melhor abelha é que ele figura na mente sua construção
antes de transformá-la em realidade. No fim do proces-
so de trabalho aparece um resultado que já existia antes
idealmente na imaginação do trabalhador (MARX, 1968,
p. 202).

O homem se define, pois, pelo trabalho que, como se vê na citação aci-


ma, comporta dois aspectos distintos, porém interdependentes e indissociá-
veis: o primeiro refere-se à elaboração mental da ação, e o segundo, à ação
propriamente dita. A educação, entendida como um trabalho não material,
portanto,

[...] é um fenômeno próprio dos seres humanos (signifi-

História e Educação na Amazônia | 385


cando) que ela é, ao mesmo tempo, uma exigência de e
para o processo de trabalho, bem como é, ela própria, um
processo de trabalho (SAVIANI, 1984, p. 1).

A forma concreta que assume o trabalho, em cada momento histórico, é


determinada pelo modo de produção que fundamenta toda a vida social.
Na sociedade moderna, organizada sob o modo de produção capi-
talista, o objetivo último do processo produtivo é acumular capital. Isso se
dá por meio da submissão do trabalho ao capital com o intuito de produzir
mais-valia. Nesse processo, o trabalhador vende sua força de trabalho por um
determinado valor a fim de, num determinado período, executar tarefas de
produção de mercadorias. Durante o processo de trabalho, são produzidas
mais mercadorias do que as necessárias para pagar pelos serviços executados.
É desse excedente, apropriado pelo capitalista, que é gerada a acumulação de
capital. A subordinação do trabalho ao capital se dá por meio da desapropria-
ção dos meios de produção dos trabalhadores e da retirada das mãos destes
das decisões referentes às finalidades do seu próprio processo de trabalho.
Esse fenômeno se intensifica com a industrialização em função de a própria
ciência passar a ser, também ela, força produtiva. No modo de produção capi-
talista, assim, os aspectos que constituem o trabalho, tal como identificado por
Marx, são separados por meio da apropriação privada tanto dos resultados do
trabalho coletivo quanto dos conhecimentos produzidos nesse processo, ex-
pressando-se, no processo de trabalho pedagógico, na célebre dicotomia entre
teoria e prática.

A organização da educação escolar e a formação de professores no


Brasil

A educação é um processo historicamente constituído, o que significa


afirmar que ela adquire características diferenciadas, em cada momento histó-
rico, em função das condições reais de existência humana, da qual é expressão
e para a qual se organiza.
Assim, nas comunidades primitivas, como afirma Saviani (1997), o pro-
cesso de formação das novas gerações ocorre concomitantemente ao processo
mesmo de vida. Nas sociedades antiga e medieval destaca-se, pela primeira
vez, uma minoria da população que não precisa prover sua existência, já que
explorava o trabalho daqueles que não possuíam a propriedade privada da
terra, dispondo, portanto, de tempo livre que precisava ser preenchido. Surge,
assim, uma formação específica para essa classe dominante, diferente da edu-
386 | História e Educação na Amazônia
cação recebida pela maioria da população, a qual continuava a se dar, de forma
assistemática, no próprio processo de produção da vida material.
Na modernidade, objetivando criar e manter as condições para acu-
mulação de capital, a classe dominante, por deter a propriedade privada dos
meios de produção, necessita alavancar o processo produtivo, produzindo
cada vez mais, com menores custos e tempo possíveis. Isso é feito por meio do
desenvolvimento dos meios de produção e das forças produtivas objetivando
a produção de mais-valia. Nesse processo, as formações sociais adquirem ca-
racterísticas hegemonicamente culturais, produzidas pelos próprios homens
– o que, por sua vez, exige uma formação sistematizada das novas gerações.
Para levar a cabo uma educação sistematizada, cria-se a escola, que passa, gra-
dativamente, a ocupar um lugar central, pois o homem, para viver e se tornar
cidadão em uma sociedade na qual predominam a cidade e a indústria, com
valores e regras formais e sistemáticas, necessita de uma educação também
formal e sistemática.

É, assim, no âmbito da sociedade moderna que a edu-


cação se converte, de forma generalizada, numa questão
de interesse público a ser, portanto, implementada pe-
los órgãos públicos, isto é, pelo Estado o qual é instado
a provê-la através da abertura e manutenção de escolas
(SAVIANI, 1997, p. 3).

Com esse entendimento, a primeira ação legislativa do Estado brasileiro


no que se refere à educação, através da lei de 15 de outubro de 1827, deter-
minou-se que se criassem as Escolas de Primeiras Letras “em todas as cida-
des, vilas e lugares mais populosos” do Império. Com a organização de uma
instituição específica, começa-se a pensar nos profissionais que nela atuariam
a fim de formar o “novo” homem adequado à vida regida pelo modo de pro-
dução capitalista. Desse modo, a escola se constitui no campo de atuação dos
educadores e a ser alvo de regulação por meio da organização intencional e
sistemática tanto administrativa quanto pedagógica das escolas e da formação
dos professores. E, para isso, instituições específicas começam a ser criadas,
tendo como função a preparação profissional do quadro do magistério. Forço-
so lembrar que os projetos de formação objetivados pela estrutura educacio-
nal, nos diferentes níveis e modalidades, incluindo, portanto, a formação de
professores, vão se ampliando e se modificando em função das mudanças que
vão ocorrendo na sociedade.

História e Educação na Amazônia | 387


As escolas normais e os professores adjuntos

Antes mesmo de ter início a formação específica de professores, já exis-


tia a preocupação de selecioná-los, como se verifica no Alvará de 6 de novem-
bro de 1772 (TANURI, 2000). O ensino mútuo é instituído no Brasil, no início
do século XIX, orientando que os professores que não tivessem domínio dele
deveriam aprendê-lo em curto prazo, por meios próprios, nas escolas da capi-
tal. A legislação pertinente à instrução pública passa, com a reforma constitu-
cional de 1834, a ser de responsabilidade das províncias, sendo que as escolas
normais instituídas faziam parte dos sistemas provinciais.
Em 1835, em Niterói (RJ), foi criada a primeira escola normal, com a
função de formar professores, enquadrando-se no nível primário, sendo seu
currículo reduzido aos conteúdos a serem ensinados, exigindo para ingresso
somente saber ler e escrever. No currículo dos referidos cursos, a formação
didático-pedagógica propriamente dita se reduzia a propiciar conhecimentos
práticos de como aplicar o método mútuo, método esse já utilizado na ins-
trução pública, objetivando o treinamento para reprodução dele quando os
professores fossem atuar no ensino primário.
A preparação dos professores nos moldes como se deu nas escolas nor-
mais até então se mostrou inadequada para a transmissão dos conhecimen-
tos naquele momento e passa a ser substituída pela formação de “professores
adjuntos”, que consistia em formar professores na prática junto com os pro-
fessores em exercício. Esse modelo de formação persistiu mesmo depois de
reinstaladas as escolas normais.
Por meio do Decreto nº 7.247 de 19 de abril de 1879 (Reforma Leôncio
de Carvalho), o Poder Central apresenta a primeira proposta para formação
de professores, tendo sido criada no ano seguinte, na Corte, a primeira escola
normal pública objetivando ser o modelo a ser seguido na organização das
escolas normais no País. Até o final do Império, existia pelo menos uma escola
normal pública em cada província.
São Paulo, no início da República, passa a ter uma influência importan-
te na configuração da política educacional nacional em função do crescimen-
to econômico que lhe deu proeminência no cenário brasileiro. No campo da
educação, a Reforma Leôncio de Carvalho passa a ser referência para a orga-
nização da educação escolar para outros estados brasileiros. A educação pelos
sentidos, materializada no método de ensino intuitivo, também conhecido
como lições de coisas, era a orientação didático-pedagógica que informava o

388 | História e Educação na Amazônia


processo de ensino e aprendizagem.
Nessa concepção, segundo análises desenvolvidas por Valdemarin
(2004), o mundo estava marcado pelas construções efetivadas pelos homens,
tendo a prevalência, portanto, das relações sociais em detrimento das relações
“naturais”. Esse mundo propriamente humano exige que o homem compreen-
da os fenômenos da natureza objetivando controlá-los. A fim de conhecer o
mundo da natureza, os homens são providos de dois mecanismos, quais se-
jam: os sentidos, acionados por meio da observação, e o intelecto, compreen-
dendo o trabalho cognitivo. Esses instrumentos, contudo, possibilitam uma
compreensão limitada da natureza, dada a complexidade desta. Objetivando
superar esse limite, o homem necessitou elaborar um método eficiente que
lhe permitisse conhecer a natureza, identificando as causas e as regras dos fe-
nômenos naturais, o que lhe possibilitaria dominá-los. Por essa razão, o con-
teúdo, no método de ensino intuitivo, é o objeto e a finalidade do processo
educativo.
A partir dessa diretriz, do professor, além do domínio dos conteúdos
a serem ensinados, exigia-se que o método de ensino fosse aprendido e fiel-
mente reproduzido a fim de garantir um bom desenvolvimento do processo
de ensino e aprendizagem, cujo objetivo consistia, como já salientado, no do-
mínio de conhecimentos sobre o mundo. O foco do trabalho do professor era
a transmissão do conteúdo, cabendo ao aluno a tarefa de assimilá-lo, o que lhe
exigia disciplina.
Objetivando “[...] fornecer educação intelectual, moral e prática para
os candidatos ao magistério público” (MONARCHA, 1999, p. 176), a Escola
Normal de São Paulo, gradativamente, é tomada como referência para a or-
ganização do trabalho pedagógico desenvolvido nos cursos de formação de
professores. Dessa forma, ao adotar o método de ensino intuitivo como base
para sua estruturação, a Escola Normal de São Paulo dissemina essa orien-
tação a outros lugares do País. Coerente com os pressupostos nos quais se
embasa, a estrutura curricular do curso, majoritariamente, era constituída de
um conjunto de conhecimentos científicos genéricos, num plano de estudos
enciclopédico, focando aqueles conteúdos que seriam objeto de ensino dos
professorandos. Para a formação pedagógica, previa-se somente uma cadeira
de organização e direção de escolas e a prática de ensino na escola modelo ane-
xa à escola normal. Os conhecimentos específicos contemplados no curso re-
feriam-se àqueles que seriam transmitidos no ensino primário às crianças em
processo de formação. A escola-modelo foi a grande inovação trazida por essa
concepção, nesse momento. Seu papel era o de ser um espaço de demonstra-

História e Educação na Amazônia | 389


ção, pelos professores mais experientes, dos métodos de ensino. Aos futuros
mestres, representava um momento de observação e, por meio de participa-
ção e regência, de imitação das técnicas demonstradas. Essa foi a forma eleita,
naquele momento, a fim de garantir o domínio correto, por parte dos futuros
professores, do método que garantiria a adequada transmissão dos conheci-
mentos científicos necessários aos homens.
Nesse momento, não era atribuído ao ato de ensinar um estatuto cien-
tífico, não se cogitando, assim, inserir no currículo dos cursos de formação de
professores atividades de cunho teórico-científico, provavelmente pelo fato de
a docência ser considerada uma atividade essencialmente prática. Essa ideia
explica por que a formação profissional propriamente dita – a docência – era
exclusivamente prática, utilizando-se, para tanto, de dois instrumentos peda-
gógicos: a observação, que permitiria ao licenciando assimilar as formas por
meio das quais os professores punham em movimento o processo de ensino,
sendo que, posteriormente, por meio da regência, teriam a oportunidade de
“imitar” os passos aprendidos. Essa proposta de formação de professores e o
trabalho pedagógico desenvolvido pouco ou nada se alteraram até meados da
década de 1920.
Em função da Primeira Guerra Mundial, houve, no Brasil, um proces-
so de crescimento na produção de bens manufaturados e, consequentemente,
um aumento populacional nas áreas urbanas que se organizavam em torno
das indústrias. Essa demanda produtiva se explica pelo fato de que, nos paí-
ses em guerra, ocorreu uma considerável destruição dos meios de produção
e das forças produtivas, criando a necessidade de os países que importavam
os produtos manufaturados produzi-los – no Brasil essa necessidade foi mais
urgente em função da crise que assombrava a produção cafeeira –, além de
liberar mercado consumidor para que outros o explorassem. Havia, também,
uma efervescência de movimentos sociais tanto interna quanto externamente
em função do embate entre dois modelos de organização da sociedade, o capi-
talismo e o socialismo e, nos países regidos pelo modo de produção capitalista,
pelo acirramento da contradição entre capital e trabalho. Nesse contexto, a
educação volta a ocupar um lugar de maior destaque e ser alvo de debates e
embates (XAVIER et al, 1994; CALDEIRA et al, 1997).
Opondo-se à concepção até então seguida, começam a se delinear os
princípios e fundamentos da Escola Nova, buscando imprimir um redirecio-
namento na organização escolar e na formação dos profissionais da educa-
ção, baseando-se nas ideias dos denominados escolanovistas. Segundo Tanuri
(2000, p. 70), essa

390 | História e Educação na Amazônia


[...] nova orientação do ensino requeria conhecimentos
sobre o desenvolvimento e a natureza da criança, os mé-
todos e técnicas de ensino a ela adaptados e os amplos
fins do processo educativo,

o que coloca em evidência a questão da formação dos professores. Em função


das críticas originadas dessas ideias, ainda embrionárias, iniciou-se um pro-
cesso de modificação na configuração dos cursos de formação de professores
que só viria a se concretizar, de forma efetiva, na década de 1930, com a cons-
tituição dos institutos de educação.
Duas foram as propostas que apareceram, nesse momento, buscando
imprimir mudanças na organização curricular da Escola Normal: uma delas
consistiu em criar ou ampliar os estudos complementares anteriores ao ensino
normal, e outra alternativa foi dividir o curso normal em dois ciclos, sendo
que um seria destinado ao ensino geral/propedêutico, abarcando os conteú-
dos a serem ensinados pelos professores, e outro especial/profissional, no qual
foram incluídas novas disciplinas, tais como pedagogia, psicologia, história da
educação, sociologia. Além desses dois blocos que abarcavam disciplinas de
cunho teórico, havia outro, em menor quantidade, que compreendia a prática
de ensino organizada, ainda nos moldes anteriormente definidos. Configu-
ram-se, assim, as condições para que se efetivasse, na década de 1930, o pro-
jeto dos institutos de educação, cuja centralidade seria a de formar os quadros
de profissionais necessários para a educação nacional, tanto docentes como
técnico-administrativos e pesquisadores, e também o de promover o desen-
volvimento da base científica sobre a qual se ancoraria tanto a formação pro-
fissional quanto a organização da estrutura educacional brasileira.
Mesmo com essas mudanças no Curso Normal, buscando torná-lo um
curso mais profissional no sentido de preparar pedagogicamente os profes-
sores, a quantidade de conteúdo e tempo se destinava muito mais ao ensino
propedêutico que ao pedagógico propriamente dito. Além disso, a formação
prática continuava, ainda, pautada na concepção, denominada pelos escola-
novistas, tradicional. Isso era objeto de muita crítica, na década de 1920, por
parte dos partidários da Escola Nova.

Os institutos de educação: de 1932 a 1939

Algumas medidas visando à reestruturação da educação foram toma-


das por Francisco Campos, então responsável pelo recém-criado Ministério
da Educação e Saúde, por meio de Decretos, tais como a criação do Conselho

História e Educação na Amazônia | 391


Nacional de Educação (Decreto nº 19.850), organização do ensino superior no
Brasil em regime universitário (Decreto nº 19.851), entre outras (SAVIANI,
2007). No entanto, tais medidas não atenderam satisfatoriamente as expecta-
tivas de alguns educadores que entendiam ser a educação elemento-chave na
reorganização da sociedade brasileira buscando sua “modernização”. Dessa
insatisfação e da necessidade de imprimir um direcionamento na organiza-
ção da educação nacional é elaborado e difundido, em 1932, o Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova, escrito por Fernando de Azevedo e assinado
por vários educadores, entre eles Anísio Teixeira. Nesse documento, o grupo
propunha a organização de um sistema nacional de educação estruturado com
base nos preceitos das novas ideias.
Anísio Teixeira, um dos mentores da Pedagogia da Escola Nova, come-
çou sua vida pública como diretor da Instrução Pública, na Bahia, em 1924,
sendo que em 1931 ocupou o cargo de diretor-geral da Instrução Pública do
Distrito Federal (SAVIANI, 2007). Nesse posto, em 1932, mesmo ano do ma-
nifesto, ele realiza uma reforma através do Decreto nº 3.810 de 19 de março
no Distrito Federal, sendo considerado um marco importante na reformula-
ção das orientações dadas à escola normal até então seguidas. Segundo Anísio
Teixeira, o preparo profissional do professor deveria ocorrer de acordo com a
especificidade de sua função, ou seja, o magistério.
Fernando de Azevedo, em 21 de abril de 1933, elabora o Decreto nº
5.884 (Código de Educação), quando ocupa o cargo de diretor-geral da Ins-
trução Pública do Estado de São Paulo. Nele, o Curso Normal de São Pau-
lo, que passa a ser chamado de Instituto de Educação Caetano de Campos,
passou a ser composto de duas séries e exigir, para ingresso, a conclusão do
curso secundário fundamental organizado de acordo com a legislação federal.
O instituto oferecia um amplo leque de formação para o quadro de profissio-
nais da educação: cursos de formação de professores, de formação pedagógica
para professores secundários e de especialização para diretores e inspetores
(TANURI, 2000). Além disso, tinha como função desenvolver e socializar es-
tudos e pesquisas educacionais com o intuito de fornecer elementos teóricos
que fundamentassem a organização da educação escolar em âmbito nacional.
Os estudos e pesquisas desenvolvidas apoiavam-se no método científico por
entender que seria o modelo mais adequado para o fazer científico, bem como
para o método de ensino e aprendizagem.
Nos institutos, segundo ainda informações trazidas por Lourenço Fi-
lho, a formação do professor primário era feita em dois anos. Cada ano era
dividido em três trimestres, sendo que as matérias de ensino (cálculo, leitura e

392 | História e Educação na Amazônia


linguagem, literatura infantil, ciências naturais e estudos sociais) começavam
a ser ministradas no segundo trimestre do primeiro ano e se estendiam até o
primeiro trimestre do segundo ano. Elas eram consideradas intermediárias
entre os conhecimentos teóricos acerca do trabalho educativo – biologia edu-
cacional, psicologia educacional, sociologia educacional, história da educação
–, oferecidos no primeiro ano, e a prática de ensino que ocorria durante todo
o segundo ano. A relação entre as matérias consideradas de fundamentos, que
compunham o primeiro bloco do curso, com a prática se daria por meio das
matérias de ensino. Consideradas as condições gerais, tanto do ponto de vista
biológico, psicológico, social e histórico, sobre as quais se dá o processo de
aprendizagem dos indivíduos, debruça-se sobre as matérias de ensino. Esse
debruçar-se, contudo, refere-se ao estudo da própria genética de cada matéria
e da relação de uma com as outras. Somente a partir daí é possível estruturar
os procedimentos didáticos, considerados “simples meios de ação” (TANURI,
2000, p. 26) e nas condições objetivas que melhor propiciariam o processo
educativo, enfatizando, assim, as experiências individuais de aprendizagem,
as quais possibilitariam, no decorrer do processo, a construção dos conheci-
mentos, na medida da necessidade evidenciada pelas experiências vivenciadas
pelos alunos. Somente ao final desse processo é que os professorandos se de-
teriam nas questões relativas à filosofia da educação. Esclarece Lourenço Filho
(2001, p. 26) que

As Seções de Matérias e de Prática têm que se compor-


tar como um centro de pesquisa e de indagação, sempre
renovadas, para que seu ensino não deixe de ser, de um
lado, a fonte de inspiração que deve representar no con-
junto do sistema; de outro, a peça de controle e equilí-
brio, na formação de um corpo de doutrina, crescente-
mente fecunda.

Para elucidar melhor a relação entre teoria e prática na qual se ancora-


vam as propostas renovadoras para a formação dos professores, recorre-se a
Diana Gonçalves Vidal (2001), que descreve, em seu livro intitulado O exercí-
cio disciplinado do olhar: livros, leituras e práticas de formação docente no Ins-
tituto de Educação do Distrito Federal (1932-1937), os questionários utilizados
na prática de ensino dessa instituição. A autora esclarece que

[...] [a]s questões eram majoritariamente discursivas.


Geralmente, as perguntas versavam sobre as condições
gerais do trabalho em classe mais do que sobre o con-

História e Educação na Amazônia | 393


teúdo apresentado na aula. Ou seja, inquiria-se sobre a
atenção dos alunos, a disciplina, o interesse real pelo tra-
balho, os recursos materiais utilizados, a motivação e a
assimilação. Insistentemente, perguntava-se se a situação
onde se originou a atividade em curso parecia despertar
o interesse real do aluno (VIDAL, 2001, p. 135, grifos da
autora).

Vale ressaltar que os pressupostos da Escola Nova se fundamentavam


em vários pensadores, dentre os quais John Dewey. Anísio Teixeira, ao tra-
duzir o livro de Dewey intitulado Vida e educação, escreveu a primeira parte
deste, na qual esboçou os principais pressupostos nos quais se embasa a Es-
cola Nova, esclarecendo que a categoria principal da concepção pedagógica
de Dewey é a de experiência compreendida como a ação recíproca e contínua
entre os sujeitos entre si e os objetos, na própria vivência de cada indivíduo.
É, portanto, nesse processo de reconstrução contínua das experiências indi-
viduais, através das relações recíprocas entre sujeitos e objetos em situações
determinadas, que todo e qualquer ser humano constrói os conhecimentos
necessários que lhe permitem a continuidade da sua existência. Nessa con-
cepção, portanto, o objetivo do processo pedagógico é promover e facilitar as
experiências do educando, pois, desse modo, ele produzirá os conhecimentos
que lhe permitirão realizar novas experiências.
Assim, verifica-se que, coerentemente com esse pressuposto, os conhe-
cimentos adquiridos pelos professorandos, no primeiro ano, versavam sobre
biologia, sociologia, psicologia, história, servindo de orientação para que, na
prática de ensino, a observação recaísse sobre as condições nas quais melhor
ocorreriam as experiências das crianças, além de fornecer os subsídios para que
se organizasse o processo de aprendizagem adequado aos interesses dos alu-
nos. Destaca-se, ainda, que os conhecimentos a serem transmitidos na educa-
ção primária, no processo de formação de professores, aparecem como meios
para a concretização das experiências que se caracterizam, de fato, como o
próprio processo educativo. Nesse sentido, no momento da prática de ensino,
dois instrumentos pedagógicos eram acionados: a) a observação, que permi-
tiria, diferentemente do objetivado nas escolas normais, identificar em quais
situações melhor se dava a motivação das crianças ao desenvolvimento de sua
própria aprendizagem e também coletar dados que propiciariam o avanço
científico da pedagogia no Brasil (SAVIANI, 2008); b) a experimentação que
consistiria no momento de comprovação das hipóteses levantadas em função
da observação permitindo a (re)construção, por parte dos professorandos, dos

394 | História e Educação na Amazônia


conhecimentos necessários para levar a efeito, de forma adequada, o processo
de aprendizagem das crianças pelas quais, na escola, eram os responsáveis.
Com base nessa formação e somente após ela é que os professores esta-
riam aptos a se inscrever nos cursos de especialização e aperfeiçoamento dos
institutos de educação. São os cursos de aperfeiçoamento considerados, aqui,
o gérmem de criação do curso de pedagogia. Esses cursos têm dupla finalida-
de:

[...] levar a um maior apuro professores já especializados,


no ensino de determinada disciplina, bem como prover
à formação de especialistas em princípios e técnicas mo-
dernas de educação (diretores, orientadores de ensino e
inspetores) (LOURENÇO FILHO, 2001, p. 27).

Em 1934, o Instituto de Educação Caetano de Campos foi incorporado


à Universidade de São Paulo e, em 1935, o do Rio de Janeiro passou a fazer
parte da Universidade do Brasil. Ambos, dessa forma, passaram a fazer parte
da estrutura do ensino superior, buscando articular ensino e pesquisa. No en-
tanto, essas instituições, com os objetivos e na forma como foram organizadas,
tiveram vida curta. Em 1939, dada a tendência à especialização e regulação do
trabalho nas sociedades organizadas sob o modo capitalista de produção, a
formação do profissional da educação, que condensavam as funções de ensino
e pesquisa, acrescentando-se, com o curso de aperfeiçoamento, o de especia-
listas em educação moderna, passou, a partir de 1939, a contar com três espa-
ços distintos de preparação, mas de certa forma articulados: os institutos de
educação, desvinculados do ensino superior, e as escolas normais, que se des-
tinavam à formação do magistério primário; o Instituto Nacional de Pesquisas
Educacionais (Inep), criado em 1938, objetivando a promoção e socialização
de pesquisas educacionais; e a criação da seção de pedagogia com um único
curso, o de pedagogia, objetivando a formação dos especialistas da educação.
Como já assinalado, o Brasil necessitou, nesse momento, tanto em fun-
ção da crise mundial quanto da interna, estimular o desenvolvimento pro-
dutivo nacional de bens industrializados. Com esse fim, como afirma Santos
(2009, p. 9),

Sob a batuta de Getúlio Vargas, no período 1930 a 1945,


do populismo autoritário e com apoio de setores mili-
tares e da classe média, o governo adotou uma série de
medidas econômicas e políticas no sentido de realizar
inovações institucionais que assinalassem uma nova fase

História e Educação na Amazônia | 395


nas relações entre o Estado e a sociedade. Anunciou-se
a necessidade significativa da intervenção do Estado na
vida econômica com o propósito de estimular a indus-
trialização e a economia nacional.

Assim, tem-se, também na educação, uma ação intencional e sistemáti-


ca do Estado a fim de regular e direcionar o processo educativo e de desenvol-
vimento da pesquisa pedagógica. Essa atuação se fez por meio da organização
administrativa e didático-pedagógica de todo aparato educacional em suas vá-
rias modalidades e níveis de ensino sob a influência das ideias dos tecnocratas
que tiveram grande influência a partir da configuração do governo getulista,
sobretudo após 1937.
É nesse contexto histórico, com suas contradições inerentes, que serão
determinados os rumos seguidos pelo curso de pedagogia e pelas licenciaturas
e o trabalho pedagógico desenvolvido no interior desses espaços/tempos de
formação, de modo geral e, especificamente, as formas por meio das quais
buscar-se-ia, a partir daí, equacionar a questão da relação entre teoria e prá-
tica.

Encaminhamentos finais

Algumas considerações podem ser feitas após o percurso seguido no


texto. Como já assinalado, a configuração dos cursos de formação de profes-
sores começa a ocorrer a partir da institucionalização da educação pública no
Brasil. Constitui-se, portanto, a partir daí, o campo de atuação profissional do
professor, surgindo a necessidade de criar e regular esse processo de formação.
Assim, em quaisquer dos polos – campo de trabalho ou processo de formação
– onde ocorrerem mudanças significativas pressões surgem a fim de que um
espaço se adapte às novas configurações estabelecidas pelo outro.
No primeiro período considerado, no qual prevaleceu a formação de
professores nas escolas normais, identificou-se que a organização das escolas
se pautou em uma determinada concepção pedagógica, traduzida nas lições
de coisas. Nesta, identifica-se uma coexistência entre uma pedagogia exis-
tencialista-racionalista, na qual o homem é definido em função de sua natu-
reza pensante. Admite-se a existência humana, a experiência pelos sentidos,
apenas como ponto de partida para a elaboração do pensamento. Este é que
proporciona o poder de dominação do homem sobre a natureza. Os conteú-
dos e métodos de ensino são marcados por esses pressupostos, bem como a
formação dos professores, como se tentou demonstrar no corpo do texto. A

396 | História e Educação na Amazônia


formação prática buscava instrumentalizar tecnicamente o futuro professor
a reproduzir os procedimentos de ensino materializados a partir do método
intuitivo. Não havia, ainda, no Brasil, uma tradição de pesquisas em educação,
não havendo, portanto, nenhum corpo de conhecimentos acerca do trabalho
pedagógico, nem professores/pesquisadores em condições de transmiti-los, o
que poderia explicar a forma encontrada para qualificar, de forma rápida, os
futuros professores a fim de ministrarem o ensino pautado nas lições de coisas.
Já no período compreendido entre os anos de 1932 e 1939, com a criação
dos institutos de educação, houve uma inversão: as novas ideias começaram
a ser disseminadas a partir da organização de uma instituição específica para
formação dos quadros de profissionais para o sistema educacional brasileiro,
buscando, dessa forma, a partir da formação de uma nova geração de mestres,
imprimir mudanças significativas nos processos de aprendizagem pautados
em conhecimentos científicos. Sendo o ensino considerado uma atividade es-
sencialmente prática, esta era prevista, mas com outra função: a de possibilitar
a observação das condições reais nas quais se dá o processo de aprendizagem
e a experimentação de hipóteses de trabalho. Além disso, o campo de atuação
profissional dos professores, a escola, era tido como um “laboratório”, cujos
resultados do trabalho desenvolvido deveriam ser coletados a fim de propiciar
o contínuo desenvolvimento da pesquisa educacional, constituindo-se este
também como finalidade do instituto de educação.
Configura-se uma pedagogia conhecida como Escola Nova, com orien-
tações marcadamente empiristas, pautada no método experimental, no qual a
prática é entendida como campo de observação e experimentação. Na concep-
ção escolanovista, a sociedade é construída a partir de um processo contínuo
de reconstrução das experiências individuais. O que diferencia o homem de
outros objetos da realidade é o fato de ele construir conhecimento por meio de
suas experiências, conhecimentos esses que o habilita a ter novas experiências
de vida.
Do ponto de vista de uma formação profissional a qual busque instru-
mentalizar os professores a fim de que eles sejam capazes de, conscientemente,
imprimir uma direção no processo pedagógico buscando a transformação das
condições históricas vividas pela sociedade, considera-se que ambas as pro-
postas vivenciadas nos dois momentos históricos analisados mostraram-se
ineficazes.
A primeira concepção, que predominou nas escolas normais, pautando
a formação do professor no pressuposto da fiel reprodução do trabalho peda-
gógico desenvolvido no campo de atuação profissional, não permitiu aos do-

História e Educação na Amazônia | 397


centes autonomia para organizar e, consequentemente, direcionar o processo
educativo quando inseridos no seu campo de atuação profissional, a escola,
já que não possuíam o domínio dos fundamentos que sustentam seu próprio
trabalho. Contraditoriamente, é na concepção tradicional centrada nos con-
teúdos científicos que se ignora a cientificidade do trabalho pedagógico.
A segunda concepção, dominante na década de 1930, mesmo avançan-
do no sentido de buscar fornecer, no processo de formação, elementos teó-
ricos que permitam ao professor, no seu trabalho efetivo desenvolvido nas
escolas, certo domínio consciente do processo educativo, mostra-se limitado-
ra ao estabelecer como objetivo principal da educação escolar a facilitação e
promoção das experiências individuais dos educandos, o que promoverá tão
somente a adaptação do sujeito ao meio no qual está inserido.
Pensa-se que, ao reconstruir a trajetória de formação dos profissionais
da educação, identificando seus elementos constitutivos, confrontando-os
com os determinantes históricos, apontando seus limites e alcances, pode-se
reunir conhecimento suficiente que permita a elaboração de propostas de for-
mação as quais instrumentalizem, de fato, os professores para que eles pos-
sam, efetivamente, organizar e direcionar o processo educativo objetivando
a formação de sujeitos críticos que dominem os conhecimentos necessários
para compreenderem o mundo e buscarem caminhos para superação da orga-
nização societária atual, tão desigual e desumana.

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História e Educação na Amazônia | 399


400 | História e Educação na Amazônia
A implantação e expansão da Escola
Normal no sul do Mato Grosso
(1930-1970)
MARGARITA VICTÓRIA RODRÍGUEZ
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

SILVIA HELENA ANDRADE DE BRITO


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

CAROLINE HARDOIM SIMÕES


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

LUCIANA BELÍSSIMO DE CARVALHO BARBOSA


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

A implantação e expansão da escola normal no sul de Mato Grosso,


processo esse imbricado no conjunto de transformações pelas quais passava a
sociedade capitalista no Brasil e, em particular, no sul de Mato Grosso, entre
os anos de 1930 a 1970, é o objeto deste estudo. Seu objetivo geral é analisar
a implantação e expansão da escola normal no sul do estado de Mato Grosso,
no período de 1930 a 1970, considerando os determinantes desse processo,
isto é, as mudanças sociais e educacionais ocorridas no Brasil e no sul de Mato
Grosso nesse período histórico.
Para tal, utilizam-se fontes documentais (leis, regulamentos, mensa-
gens presidenciais e relatórios), além da produção historiográfica já existente
sobre o objeto. O referencial teórico que orienta a análise fundamenta-se nas
seguintes categorias: modernização, ideologia liberal, trabalho didático e ins-
tituições escolares, sendo que essas categorias serão explicitadas à medida que
vão aparecendo no interior do trabalho.
Nessa direção, o texto está dividido em três partes. Uma primeira, na
qual se apresenta, em linhas gerais, o sul de Mato Grosso no período em ques-
tão, tendo em vista que é o entendimento do processo histórico-social do que
ocorria nessa região do Brasil que permitirá compreender o papel desempe-
nhado pela educação e respectivas instituições escolares no citado espaço so-
cial.
Já na segunda parte da exposição, o foco recairá sobre o desenvolvimen-
to da escola normal no sul de Mato Grosso. Para tal, e a título de exemplo des-

História e Educação na Amazônia | 401


sa trajetória histórica, serão destacadas as informações já coletadas acerca das
escolas normais situadas nos municípios de Aquidauana e Campo Grande.
Fechando o trabalho, apresentam-se algumas considerações sobre o
processo de implantação e expansão das escolas normais no sul de Mato Gros-
so, entre 1930 e 1970.

O sul de Mato Grosso entre os anos 1930 e 1970

Considerando-se a situação de Mato Grosso entre os anos 70 do século


XIX e os primórdios do século XX, isto é, no período que antecedeu a Re-
volução de 1930 – ponto de partida, como marco histórico, para as análises
realizadas neste trabalho –, pode-se perceber que o estado vivia uma situação
peculiar, considerando que passou por um processo de diversificação de sua
atividade econômica nesse período.1 Por um lado, a pecuária extensiva, que
paulatinamente se afirmara como a principal atividade econômica na região,
com o esgotamento da atividade de mineração, em princípios do século XIX
(ALVES, 1984), continuava tendo uma presença marcante no estado. Em tor-
no dessa atividade, como fruto dos capitais que estiveram disponíveis na re-
gião nesse início do século XX, surgiram algumas charqueadas e saladeiros,
que alcançaram destaque no cenário regional nesse período, vindo a perder
espaço principalmente a partir dos anos 1930.
Por outro lado, com a diversificação econômica do estado a partir da
década de 70 do século XIX, quando foi facilitado o acesso às terras de Mato
Grosso, com o fim da guerra que envolvera Brasil, Uruguai e Argentina contra
a vizinha república paraguaia, desenvolveram-se quatro outros enclaves im-
portantes, dois no norte de Mato Grosso e os outros dois situados na região
sul. Ao norte, na região de Santo Antônio do Rio Abaixo,2 nas proximidades de
Cuiabá, instalou-se um setor açucareiro expressivo em termos regionais, ape-
sar de sua produção destinar-se principalmente ao consumo local. O segundo
desses enclaves, na região norte de Mato Grosso, foi a exploração da borracha,
que teve sua fase áurea até os anos 10 do século XX, quando começou a sofrer

1 - Essa diversificação foi particularmente forte até os anos 1920, quando os reflexos da nova
divisão internacional do trabalho fez-se sentir com mais intensidade em Mato Grosso, por força
das mudanças provocadas em âmbito mundial, com a transição para a fase monopólica da so-
ciedade capitalista. Será nesse momento, com o ocaso desse processo de dinamização econômi-
ca, que a região começou a se firmar como zona de pecuária extensiva e de exportação de gado
em pé (ALVES, 1984).
2 - Denominação, entre 1835 até 1938, do município de Santo Antônio do Leverger (IBGE,
2015).
402 | História e Educação na Amazônia
a competição do produto oferecido pelas colônias inglesas do Oriente.
O terceiro desses enclaves foi a extração da erva-mate, realizada por
meio da Companhia Mate Laranjeira, detentora dos direitos de arrendamento
e usufruto de grande parte dos ervais nativos do extremo sul do estado. O
quarto foi representado pelas casas comerciais, cuja intensa atividade, através
da bacia Platina e tendo como polo dinâmico a cidade de Corumbá, foi res-
ponsável, até meados dos anos 1930, pelo abastecimento da capital do estado,
Cuiabá, e demais cidades do norte (Cáceres, Santo Antônio do Leverger etc.) e
sudeste de Mato Grosso, como Campo Grande, Coxim, Aquidauana, Miran-
da, entre outras. Na verdade, as casas comerciais, ao centralizarem o comércio
de importação e exportação no estado, acabavam atuando como polo dinami-
zador do conjunto das atividades econômicas, que utilizavam esses serviços
em seu processo de escoamento, dentro e fora de Mato Grosso.
Assim, na segunda metade da década de 1920, Mato Grosso era, por
um lado, um território ainda marcado pela presença de grandes latifúndios
(pecuária e erva-mate), ocupado por uma população rarefeita, principalmente
em se tratando de sua zona rural. Por outro, também possuía importante fra-
ção de sua classe dominante ligada às usinas de açúcar e ao beneficiamento da
carne bovina e, contraditoriamente, criara as condições para o aparecimento
de um homem cosmopolita, como os proprietários de estabelecimentos co-
merciais em Corumbá, afeitos, graças à sua atividade profissional, aos conta-
tos estreitos e permanentes com os principais centros econômicos e sociais do
Brasil, da região platina e do continente europeu.
Com esses contornos, os anos 1930 iniciaram-se com o estado sentindo
os reflexos da crise econômica que abalava o País, ainda sob o impacto dos
acontecimentos que envolveram o conjunto do mundo capitalista, principal-
mente a partir de 1928/1929. Uma das principais consequências desses abalos
foi sentido com a queda nos preços das mercadorias relacionadas à pecuária,
principal produto da pauta produtiva de Mato Grosso. Além dessa, também
foram atingidas a comercialização da erva-mate e a borracha, os outros dois
produtos importantes na economia local. Também em função disso, essa crise
no plano econômico, a partir do final dos anos 1920 e que se estendeu sobre-
tudo até o início dos anos 1940, atingiu também outras importantes fontes de
renda do estado – a produção de borracha, a erva-mate e o açúcar –, que tive-
ram sua produção diminuída e, consequentemente, conduziram a uma queda
simultânea nas receitas públicas.
Essa crise, contudo, também contribuiu para dar continuidade ou
iniciar algumas modificações na base produtiva de Mato Grosso, sobretudo

História e Educação na Amazônia | 403


na região sul de Mato Grosso, introduzindo mudanças no criatório bovino
(CORRÊA FILHO, 1984). Além disso, apesar de todas as limitações existen-
tes na Estrada de Ferro Noroeste, a via férrea trouxe melhorias no sistema
de transporte do gado, permitindo que parte da carne exportada pelo estado,
particularmente da região pantaneira e dos Campos da Vacaria,3 ainda que
transportado in vivo, não tivesse que percorrer a pé a distância existente entre
os centros produtores, por um lado, e as regiões de engorda e empresas de be-
neficiamento, por outro, instaladas no estado de São Paulo (CORRÊA FILHO,
1946). Da mesma forma, a ferrovia foi importante na afirmação de um novo
polo de desenvolvimento na região sul do estado, representado pela cidade
de Campo Grande, que passou a funcionar como entreposto distribuidor das
mercadorias adquiridas nas regiões industrializadas do país, em direção ao
interior de Mato Grosso, inclusive para Cuiabá.
A esse quadro devem ser acrescidas outras preocupações dos governos
estaduais na década de 1930, na verdade sempre presentes no discurso do Es-
tado quando se falava das características peculiares a Mato Grosso, como da
sua pequena densidade populacional, aliada à sua distante localização em re-
lação aos centros dinâmicos da economia nacional. Para que se revertesse essa
situação, seria necessária a presença do Estado (governos central e estadual),
tanto no sentido do alargamento das fronteiras econômicas do estado como
para induzir outras transformações na base produtiva do estado, inclusive no
sul de Mato Grosso.
Exemplo disso foi a própria criação do território federal de Ponta Porã,
em 1943, pelo Decreto-Lei nº 5.812, de 13 de setembro (BRITO, 2001). Des-
sa nova unidade federativa faziam parte sete municípios do extremo sul de
Mato Grosso – Ponta Porã, Dourados, Bela Vista, Porto Murtinho, Maracaju,
Miranda e Nioaque – situados numa região que confrontava, a oeste, com a
República do Paraguai. A capital do território era a cidade de Ponta Porã. Nas
justificativas apresentadas para a criação desse território, o presidente Var-
gas, além de lembrar a questão da ocupação das fronteiras, chamava a atenção
para os três objetivos que deveriam orientar o imperialismo do Estado nessas
regiões: sanear, educar e povoar (VARGAS, 1938-1945).
A criação do território federal também foi significativa para o incre-
mento do setor agrícola4 no extremo sul de Mato Grosso, centralizado no mu-
3 - Região situada no entorno da planície pantaneira, cuja principal cidade é Campo Grande.
4 - Até meados dos anos 1960, a atividade agrícola era pouco expressiva no estado, ocupando
uma posição secundária, principalmente quando comparada à pecuária. Nesse sentido, também
em virtude da falta de um mercado mais amplo que justificasse o empreendimento, carecia
ainda de tecnologia e de capital. Em Mato Grosso, até esse período, além dos projetos de colo-
404 | História e Educação na Amazônia
nicípio de Dourados. Esse processo iniciou-se com os Programas Federais de
Colonização, que levaram à criação da Colônia Agrícola Nacional de Doura-
dos, pelo Decreto-Lei nº 5.941, de 28 de outubro de 1943. O objetivo do gover-
no federal com esse projeto era abastecer de cereais os mercados do centro-sul
do País. Essas lavouras, formadas por migrantes nordestinos – maioria nesse
projeto até meados dos anos 1960 –, eram de pequena produção, não gerando
um excedente significativo. Assim, nessas áreas de colônia, caracterizadas por
minifúndios formados de culturas permanentes, os produtos mais cultivados
eram os típicos da pequena propriedade: amendoim, algodão, arroz, café, fei-
jão e milho. Apesar da pequena monta dessa iniciativa, ao final desse período,
em meados dos anos 1940, a região de Dourados começou a despontar dentro
das estatísticas oficiais sobre Mato Grosso.
Nesse sentido, pode-se dizer que, a partir da segunda metade dos anos
1940 e principalmente na década de 1950, as diretrizes do projeto acalentado e
decantado desde os albores do movimento revolucionário de 1930, a chamada
Marcha para o Oeste, começou a mostrar de forma mais sensível os seus frutos
na região mato-grossense. Se as bases materiais, políticas e ideológicas para
as iniciativas levadas a termo nesse segundo período encontram suas raízes
nos anos 1930/1940, foi no momento que se iniciou, com o final da Segunda
Grande Guerra, que frutificaram algumas das sementes antes cultivadas (BRI-
TO, 2001).
Nesse sentido, em relação à base econômica do estado, diferentemen-
te do início dos anos 1930, quando entre as três maiores riquezas da região
duas eram representativas do setor extrativista – a erva-mate5 e a borracha –,
a segundametade dos anos 1940 encontrou Mato Grosso encaminhando-se
para o início de um processo de diversificação de suas atividades produtivas,
com a implantação de um setor industrial e, principalmente, com o progres-
nização, ela estava presente no interior das grandes propriedades pastoris, onde era utilizada na
abertura de áreas novas, visando ao barateamento de custos na formação de pastagens. O cultivo
era o tradicional, utilizando-se basicamente os solos de matas por serem mais férteis, uma carac-
terística da transitoriedade dessa agricultura (GONZÁLEZ, 1996).
5 - É necessário deixar claro que, apesar da tendência de queda relativa da participação da erva
-mate na economia mato-grossense, queda esta que já vinha se dando desde meados da década
de 1930, a produção local era importante para o desenvolvimento do extremo sul do estado,
sobretudo para os municípios de Ponta Porã e Amambaí. Além disso, apesar dessa tendência
de menor participação relativa, houve momentos de recuperação nas vendas do produto, como
aquele acontecido a partir dos anos 1940 e, sobretudo, nos anos 1950, em parte graças a uma
série de incentivos oferecidos pelo governo estadual, combinados à conjuntura favorável de au-
mento de vendas para a Argentina. Assim, nos anos de 1951, 1954 e 1957 a produção ervateira
de Mato Grosso representava respectivamente 17,18%, 10,56% e 11,03% da produção total dessa
mercadoria no Brasil (CAMPOS, 1960; QUEIROZ, 2004).
História e Educação na Amazônia | 405
sivo fortalecimento da atividade agrícola. Das principais atividades elencadas
no período anterior, apenas a pecuária continuou a ter o mesmo destaque,
ocupando o posto de principal atividade produtiva em Mato Grosso, num
momento em que o estado possuía o terceiro maior rebanho bovino do País,
principalmente voltado para a pecuária de corte.6
Outro aspecto importante, que merece uma menção à parte nesse mo-
mento da vida mato-grossense, são os projetos de colonização. Floresceram
em Mato Grosso, entre 1943 e 1963, 19 diferentes projetos públicos (CAM-
POS, 1960; SIQUEIRA; COSTA; CARVALHO, 1990), afora a Colônia Agrí-
cola Nacional de Dourados, já citada anteriormente. Dessas colônias, duas es-
tavam situadas no sul do estado (Colônia Bodoquena, em Miranda, e Colônia
Marechal Dutra, em Ponta Porã, atual município de Aral Moreira) e 17 na
região norte.
A maior parte desses empreendimentos fez-se a partir de terras devo-
lutas, com população migrante, preocupada com a busca de novas oportuni-
dades de vida numa área pouco explorada e com a possibilidade de virem a
ser proprietários. Esse modelo foi incentivado pelo estado até os anos 1960, e
cumpriu seu papel como linha de frente do capital, no processo de desbrava-
mento das áreas mais distantes do País.7
Em relação à região da fronteira oeste do estado, no sul de Mato Grosso,
a principal menção diz respeito ao processo de industrialização em curso na
cidade de Corumbá nesse período, quando ela chegou a assumir o papel de
centro de abastecimento da região, principalmente em relação a materiais de
construção (cal e cimento), massas, bebidas etc. Dessa forma, aproveitando es-
sas combinações particulares de capital local e de fora do município, surgiram
empresas como a fábrica de cimento do grupo Itaú, com capitais originários
de Minas Gerais; o Moinho Mato-Grossense, a Fiação Mato-Grossense e a
empresa Sobramil, esta última na exploração de ferro e manganês (BRITO,
2001).
À medida que avançou o processo de substituição de importações, con-
tudo, levando as empresas do polo dinâmico do País (São Paulo) à procura de

6 - Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Mato Grosso tinha
um rebanho bovino estimado em 7.956.200 cabeças em 1955, ou 12,51% do total existente no
País, que chegava a 63.607.580 animais (IBGE, 1956).
7 - É interessante notar que a maioria dessas antigas áreas de colonização transformara-se em
grandes propriedades que se ligaram, nas décadas seguintes, ao processo de formação da agroin-
dústria em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Isso significa dizer que se organizaram dentro
dos mais avançados padrões tecnológicos e de relações de produção dentro do campo agrícola,
em termos capitalistas.
406 | História e Educação na Amazônia
novos mercados, inclusive aqueles atendidos pelas empresas corumbaenses –
as suas similares no município mato-grossense passaram a enfrentar a concor-
rência da produção chegada à cidade, pelo trem ou a partir do final dos anos
1970 – principalmente nas duas décadas seguintes, pela via rodoviária. Nesse
sentido, o parque industrial corumbaense foi desarticulado, gradualmente, a
partir de então.
Além disso, o processo de urbanização em curso naquele momento em
todo o País e em particular no estado de Mato Grosso deu ensejo ao desmem-
bramento de áreas territoriais e criação de novos municípios. Dessa forma
surgiu, em 1953, o município de Ladário, antigo distrito de Corumbá, sede do
Distrito Naval, abrigando o comando central da região Centro-Oeste. É im-
portante assinalar ainda que o fortalecimento do município de Campo Gran-
de, que se afirmou não só como polo regional, mas como principal centro
urbano do estado. Assim ultrapassou, em população, o município da capital,
Cuiabá: enquanto Cuiabá cresceu 5,7% no decênio 1940-1950, Campo Grande
teve um ganho populacional de 20,9% (IBGE, 1953; 1956).
Corumbá, em função dos processos sociais anteriormente descritos,
acabou por ter um crescimento relativo maior que a própria Campo Grande,
embora permaneça no terceiro posto entre as cidades mais populosas do es-
tado. Denotando a importância que a atividade agrícola alcançou no período,
despontava o município de Dourados, com um crescimento de 54% em sua
população; no período, essa foi a maior variação relativa entre as cidades con-
sideradas. Ponta Porã, município do extremo sul do estado, foi a única uni-
dade municipal a apresentar decréscimo populacional, para o que certamente
contribuiu o desmembramento de parcelas de seu território para a formação
do município de Amambai, além da perda de importância relativa da erva
-mate, fator fundamental no processo de fixação populacional nessa região
de Mato Grosso. Três Lagoas, por sua vez, aproximou-se da variação média
verificada para o total da população do estado, registrando um crescimento
de 25,5%.

A escola normal no sul de Mato Grosso entre 1930 e 1960

Como relatado anteriormente, o momento histórico que vai de 1930 a


1937 foi de crise no plano econômico, crise essa que agravou a situação sem-
pre precária das finanças públicas do executivo estadual. Nesse sentido, ado-
tando políticas ortodoxas nos setores fiscais e monetários, poucos foram os
investimentos realizados pelo Estado no período, particularmente nos seto-

História e Educação na Amazônia | 407


res sociais, inclusive em educação. Assim, tanto em termos financeiros como
administrativos, as estruturas existentes permaneceram, no mais das vezes,
conservadas em seus traços mais gerais, apesar dos vários interventores e go-
vernadores que estiveram à frente do executivo estadual nesses sete anos (BRI-
TO, 2001).
Dessa forma, somente no período ditatorial, entre 1937 e 1944, foram
implementadas reformas no plano administrativo, voltadas principalmente
para a reorganização e centralização dos organismos estatais. Apesar do alcan-
ce aparentemente limitado dessas reformas, principalmente as que atingiram
o setor educacional, foi nesses anos que se lançaram as bases para as medidas
que seriam implementadas pelo Estado após 1945, sobretudo aquelas voltadas
para a racionalização do processo de controle e gestão do sistema escolar –
importantes para a concretização, em Mato Grosso, das diretrizes do governo
Vargas, visando principalmente à consolidação de uma educação nacional.
Pelos próprios limites impostos a esse processo, nos primeiros 15 anos que se
seguiram ao movimento revolucionário de 1930, a (re)organização do ensino
escolar em Mato Grosso não chegou a motivar, por exemplo, a definição de
um novo corpus legal, permanecendo em vigor até 1952, em Mato Grosso, a
legislação implementada a partir de 1927.
O ensino normal também não se expandiu entre 1930 e 1945, uma vez
que deixou de funcionar como curso independente em 1942. Durante o perío-
do, no sul de Mato Grosso, uma única escola normal pública foi criada, na ci-
dade de Campo Grande. São interessantes, nesse sentido, as observações sobre
o perfil dos alunos da escola normal, reafirmado várias vezes pelos ocupantes
de cargos públicos naqueles anos:

[Os] [...] alumnos nella matriculados [são] [...] em sua


quasi totalidade do sexo feminino. É notavel em nosso
Estado esse abandono da carreira do magisterio, por par-
te dos rapazes. Ou seja porque considerem mais brilhan-
tes as carreiras abertas pelo ensino superior, ou porque
reputem menos compensadores os resultados materiaes
que o nobre sacerdocio do magisterio offerece, o fac-
to é que em 1930 só um alumno do sexo masculino se
matriculou na 1º anno da nossa Escola Normal (MATO
GROSSO, 1930, p. 45-46).

Assim, com uma procura menor desse tipo de curso pela população
masculina, pode-se entender o porquê da permanência de um mesmo número
de cursos durante todos esses anos. A posterior anexação da escola normal

408 | História e Educação na Amazônia


ao ensino secundário, a partir de 1938/39, como curso de especialização de
professores, veio agravar ainda mais esse quadro, tornando mais difícil a for-
mação desses profissionais. Segundo registros dos relatórios de 1940 e 1942
do interventor Júlio Strübing Müller, em 1939, apenas três alunos se haviam
matriculado nesse curso em Cuiabá, enquanto quatro alunos se matricularam
em 1941 (MATO GROSSO, 1940; 1942).8
Sobre essa questão, é interessante notar ainda que, embora a própria in-
terventoria constatasse a falta de professores em Mato Grosso, principalmente
nas zonas rurais (MATO GROSSO, 1942), ela fez a seguinte consideração ao
justificar as transformações sofridas pelo curso normal, quando deixou de ser
uma modalidade de ensino independente, em 1942, e passou a exigir um curso
complementar de dois anos, a título de especialização:

Considerando que o grande número de normalistas di-


plomadas, [é] suficiente para as necessidades do nosso
ensino primário [isto] permite a exigência de um curso
mais longo e mais profundo para os futuros candidatos
ao magistério (MARCÍLIO, 1963, p. 197, grifos nossos).

Dessa forma, durante as décadas de 1930 e 1940, o ensino normal, no


estado de Mato Grosso, contava ainda com um número reduzido de estabe-
lecimentos, distribuídos em quatro municípios: Cuiabá, Campo Grande, Co-
rumbá e Aquidauana. Se a demanda e o investimento existentes em relação ao
ensino primário já eram limitados pelas características econômicas e sociais
do estado, tanto mais o eram nessa outra modalidade de ensino, para a qual
concorria parcela bastante reduzida de alunos egressos da escola primária.
Em que pesem as vicissitudes dessa quadra histórica, contudo, as pri-
meiras instituições públicas de formação de professores de caráter permanen-
te surgiram entre 1930 e 1940 na região sul do estado, como dito acima. O
motivo desse longo período entre a instalação da escola normal no norte de
Mato Grosso, que acontecera em definitivo ainda no início do século XX na ci-

8 - Pode-se inferir, pelos dados disponíveis, que os alunos remanescentes da antiga Escola Nor-
mal, no município de Cuiabá, em 1939, em número de 226, estavam cursando a Seção Normal
daquela escola, que era a “[...] remanescente da antiga Escola Normal”. Dada a pequena matrí-
cula registrada no curso de especialização de professores nos anos seguintes, infere-se que, após
a encampação de 1938/39, os novos alunos e futuros candidatos ao magistério primário, tanto
em Cuiabá como em Campo Grande, acabaram por terminar seus estudos na escola secundária,
não optando posteriormente pela escola especializada de professores, que se seguiria ao secun-
dário.
História e Educação na Amazônia | 409
dade de Cuiabá,9 e as instituições do sul do estado pode ser explicado quando
se observa, conforme exposto na primeira parte deste trabalho, que o processo
de expansão e desenvolvimento mais acentuados do sul de Mato Grosso deu-
se efetivamente a partir da segunda década do século XX.
Foi somente a partir das políticas nacionalistas e desenvolvimentis-
tas de modernização de Getúlio Vargas, no início da República Nova, que a
educação ganhou espaço no cenário nacional. Como a educação também era
peça-chave da estratégia de desenvolvimento liberal forjado pelo governo cen-
tral, viu-se assim a necessidade da criação de uma escola normal também em
Campo Grande.10 Outro motivo importante para a abertura da escola normal
na referida cidade estava na rivalidade política entre as regiões norte e sul do
estado. Frente à crescente disseminação do ensino primário em todo o País,
ter uma escola normal em Campo Grande significava não precisar ter apenas
professoras cuiabanas nas escolas públicas atuando no sul do estado (ARAÚ-
JO, 1997).
De acordo com Rodríguez e Oliveira (2006, p. 5),

[...] [a] origem da escola normal pode-se situar a partir da


instalação do primeiro Grupo Escolar em Campo Grande
em 13 de junho de 1922, após ter sido autorizado pela
Resolução nº 866, de 3 de novembro de 1921.

No seguimento dessa iniciativa, em 21 de abril de 1930 foi instalado


na cidade, junto ao Grupo Escolar, a Escola Normal de Campo Grande, por
ordem do Dr. Aníbal Toledo, presidente do estado. Ainda de acordo com as
pesquisas das autoras supracitadas, nesse contexto de implantação da Escola
Normal de Campo Grande, as condições de funcionamento dessa instituição
eram precárias:

9 - É importante destacar que a primeira instituição escolar estatal para formação de professores
que teve durabilidade em seu funcionamento foi a Escola Normal de Cuiabá, em 1910, aten-
dendo em particular a capital, sede administrativa e política do estado, e a região norte de Mato
Grosso. Essa iniciativa, parte das políticas do governo de Pedro Celestino Corrêa da Costa, tinha
como intuito criar as condições para o fortalecimento do ensino primário na região, entendido
como “[...] base fundamental de todo o verdadeiro progresso social, que é tanto que o primeiro
passo a dar para esse fim é a formação de bons professores” (MATO GROSSO, 1910 apud POU-
BEL E SILVA, 2006, p. 20).
10 - É importante frisar ainda que outra escola normal foi instalada em Campo Grande no mes-
mo ano de 1930, e que também teve papel importante na história da educação no sul do estado:
a Escola Normal Dom Bosco. Essa escola privada era mantida pelas freiras da Congregação
Salesiana (ARAÚJO, 1997).
410 | História e Educação na Amazônia
Em péssimo estado de conservação se encontra o edifí-
cio da Escola Normal onde funccionam também a esco-
la modelo e o curso annexo. A impressão que se tem ao
penetrar-se nelle é desoladora. Urge uma limpeza geral,
assim como a reparação das vidraças das janelas que se
acham todas quebradas. Edifício acanhado, sem lotação
suficiente para nelle funcionar um grupo escolar, pois
somente seis salas de aula, sente-se, a direção do estabe-
lecimento em sérios embaraços para nele fazer funccio-
nar as duas outras escolas annexas. No próximo anno,
com a promoção dos alunnos do 1º anno para o 2º anno
normal, não terá a Directoria, uma sala para collocar es-
ses alunnos. [...] A lotação actual do edifício é para 240
alunnos e só na escola modelo a matrícula é de 541, com
uma freqüência de 434 se juntarmos ainda 24, da Escola
Normal e 17 do Curso Complementar [...] um total de
582 alunnos, freqüentando um edifício com lotação para
240 ou 480, com funcinamento em dois turnos (MATO
GROSSO, 1931 apud RODRÍGUEZ; OLIVEIRA, 2006, p.
5).

A mesma situação é relatada por Ayd Camargo César, ingressa de uma


das primeiras turmas da Escola Normal Anexa de Campo Grande. Em sua
fala, ela desvela a situação precária em que se encontrava a instituição:

Fui assim para a Escola Normal com muita base. Ali tive,
como professor de Português, Vitor de Paula Correa,
homem de grande preparo, mas sem nenhuma energia,
com quem aprendi a redigir. O diretor da Escola Normal
Joaquim Murtinho11 era o professor Múcio Teixeira. Se a
Escola Normal de Cuiabá era modelo, a nossa deixava a
desejar. Tanto o aprendizado, quanto o material didáti-
co eram extremamente deficientes. Haviam professores
esforçados e outros que estavam ali só porque tinham in-
fluência política. Tive um professor de didática que cos-
tumava dizer: Sou farmacêutico formado, de didática não
entendo nada (ROSA, 1990, p. 40).

Nesse mesmo livro há também depoimentos de ex-funcionários da Es-


cola Normal Anexa que reclamavam da instabilidade profissional, pois não
eram feitos concursos, e a cada mudança de governo mudavam as nomeações

11 - Essa denominação foi atribuída à citada instituição escolar em 1947, quando as escolas
normais foram reabertas em todo o estado de Mato Grosso (ROSA, 1990).
História e Educação na Amazônia | 411
de professores e diretores da instituição (BRITO, 2001; ROSA, 1990).
A Escola Normal Anexa foi fechada em 1940, com o encerramento to-
tal de suas atividades. Essa interrupção foi motivada pelo interventor Júlio
Müller, que instituiu uma nova política de formação de professores em Mato
Grosso, na qual propunha que ela fosse realizada por um curso de especiali-
zação de duração de um ano, vinculado aos liceus, conforme exposto ante-
riormente. É importante frisar que, nesse momento histórico, como destaca
Romanelli (1986, p. 163):

Não tinham, porém, essas escolas organização fundada


em diretrizes estabelecidas pelo Governo Federal. Tal
como o ensino primário, o ensino normal era assunto da
alçada dos Estados, ficando restritas as reformas até en-
tão efetuadas aos limites geográficos dos Estados que as
promovessem.

Somente na transição do Estado Novo para o governo Dutra, em 1946,


o Decreto-Lei nº 8.530, de 2 de janeiro “[...] fixou as normas para a implan-
tação desses ramos do ensino em todo o território nacional” (ROMANELLI,
1986, p. 163). Por força dessa legislação, o governo de Mato Grosso propõe e
foi aprovada a Lei nº 834, de 31 de janeiro de 1947, que restabeleceu o ensino
normal em todo o estado (ROSA, 1990). Em seguida, o Decreto nº 590, de
31 de janeiro de 1948, reabre a Escola Normal Joaquim Murtinho de Campo
Grande, nome que a instituição recebeu naquela oportunidade. Outrossim,
seus cursos sofreram reformulações e assim permaneceram até 1973.
Processo histórico semelhante explica a criação da Escola Normal Jango
de Castro, na cidade de Aquidauana, no então sul de Mato Grosso, em 1949.
Em mensagem apresentada à Assembleia Legislativa por ocasião do início da
Legislatura de 1950 pelo governador do estado de Mato Grosso, Dr. Arnaldo
Estevão de Figueiredo, era enfatizada a necessidade da criação de uma institui-
ção de formação escolarizada de professores normalistas que viesse a contri-
buir para a eficiência do ensino primário na cidade de Aquidauana. Essa cons-
tatação é reforçada pela existência do Grupo Escolar Antonio Corrêa, fundado
a 10 de março de 1924, cuja denominação fora dada pelo Decreto n° 669, de 5
de junho de 1924 (MATO GROSSO, 1950).
Na mesma mensagem, o então governador realiza uma breve retros-
pectiva em relação às condições gerais do ensino normal em todo o estado,
enfatizando que, no ano de 1946, em função das iniciativas tomadas durante
o Estado Novo, pela gestão de Júlio Müller, Mato Grosso não dispunha de
escolas normais. Realizadas tais afirmações, Arnaldo Estevão de Figueiredo
412 | História e Educação na Amazônia
destaca que, entre as metas do governo em relação a melhorias a serem efetiva-
das a partir de 1946, no que diz respeito às condições do professorado, esteve
essa de recriar as escolas normais, contribuindo dessa forma para o desenvol-
vimento do ensino primário.
Lembra ainda que dentro desse projeto político houve a reinstalação,
em 1947, das escolas normais Pedro Celestino e Joaquim Murtinho, em Cuia-
bá e Campo Grande, respectivamente, as quais se encontravam desativadas.
Ainda como parte do desenvolvimento e ampliação do ensino normal, em
1949, o governo recebeu autorização expedida pela Assembleia Legislativa
para assinar convênio com o Ginásio Candido Mariano, em Aquidauna, em
cujo prédio funcionaria, em anexo, o primeiro estabelecimento de ensino nor-
mal desse município.
Destarte, no mesmo ano de 1949 instalou-se, mediante a Lei nº 342, de
12 de dezembro, a Escola Normal de Aquidauana, a qual se designou “Jango
de Castro”,12 uma vez que Aquidauana constituía-se, no referido período, uma
das principais cidades do estado no eixo pecuário, devido à sua posição geo-
gráfica e sua posição estratégica na Bacia do Paraguai, ligando-se a um proces-
so mais amplo, o processo de ocupação e povoação do Pantanal.
O mesmo processo de expansão atingiria ainda o município de Corum-
bá, onde foi autorizada, em 1948, a instalação de uma escola normal junto
ao Ginásio Imaculada Conceição, estabelecimento particular sob a respon-
sabilidade da congregação salesiana. A essas iniciativas seguiram-se ainda a
instalação de escolas congêneres em outras cidades do sul do estado, o que foi
destacado pelo governador Fernando Corrêa da Costa, em 1953:

De 1.948 a esta data, vêm funcionando no Estado as Esco-


las Normais Pedro Celestino, em Cuiabá, Joaquim Mur-
tinho, em Campo Grande, Dom Aquino Corrêa, em Três
Lagoas, e Jango de Castro, em Aquidauana, bem como
outras de iniciativa particular, em Cuiabá, Campo Gran-
de e Corumbá, devidamente fiscalizadas (MATO GROS-
SO, 1953 apud RODRÍGUEZ; OLIVEIRA, 2009, p. 121).

Já no ano de 1958 foi criada a Escola Normal Nossa Senhora da Concei-


ção, sob a direção de religiosas franciscanas, na cidade de Dourados (MANCI-

12 - A Escola Normal de Aquidauana recebeu a denominação de Jango de Castro em homena-


gem ao Coronel João de Almeida Castro (1860-1930), popularmente conhecido como Jango de
Castro. Um dos fundadores da Villa de Aquidauana em 15 de agosto de 1892, Jango de Castro foi
comerciante, primeiro juiz de paz, primeiro agente dos correios, o primeiro delegado de polícia,
enfim, era um dos intelectuais do grupo de fundadores de Aquidauana (NEVES, 2007).
História e Educação na Amazônia | 413
NI; SILVA, 2008). Na mesma década (1950), apareceu ainda a Escola Normal
Regional, em Ponta Porã.
No início dos anos 1970, todas as escolas normais anteriormente referi-
das sofreram nova interrupção de suas atividades. A causa do fechamento da
escola normal, dessa vez, foi novamente motivada pela mudança da legislação
nacional, mais especificamente pela Lei nº 5.692, de 1971, que reformou o en-
sino e instituiu o 1º e 2º graus, substituindo as escolas normais por cursos de
habilitação específica em magistério.

À guisa de considerações finais

Nesse sentido, considera-se que o Brasil, a partir dos anos 1930, sofreu
modificações que redundaram numa nova configuração social. Foi nesse con-
texto, marcado por um amplo debate, que se desencadearam as reformas edu-
cativas. Dessas reformas resultou a necessidade de ampliação da rede escolar
em todo o País; a modificação da infraestrutura e a organização administrati-
va; a introdução de um novo ideário educacional, com uma orientação peda-
gógica também diversa, em função das concepções do escolanovismo. Nesse
contexto, a escola normal ganhou vitalidade e centralidade, porque era a ins-
tituição encarregada de prover os professores que viabilizariam o processo de
expansão, bem como divulgar e propagar os novos métodos pedagógicos.
Essas transformações também se evidenciavam no sul do estado de
Mato Grosso, determinadas pelo desenvolvimento produtivo e pelo aumen-
to populacional ocorrido na região, o que motivou a implantação de várias
instituições escolares primárias naquela área, levando à necessidade de incre-
mentar-se a formação de professores. Nesse sentido, entre 1930 e 1970 houve
a criação de sete novas instituições, além daquela já existente desde 1904 em
Corumbá. Dentre as novas escolas normais, cinco eram públicas e estavam
situadas nos municípios de Campo Grande, Aquidauana, Ponta Porã, Três
Lagoas e Dourados; as outras duas, confessionais, eram situadas em Campo
Grande e Dourados.
Apesar disso, a documentação legal evidencia que, afora o contexto
“modernizante” e “progressista”, a expansão do ensino normal na região sul
de Mato Grosso teve dificuldades de ordem política e pedagógica, sobretudo
no tocante às escolas públicas. Estas últimas inicialmente tiveram um fun-
cionamento precário, dadas as condições materiais deficitárias e o reduzido
número de professores – muitos, inclusive, provinham de Cuiabá e de São
Paulo. A intervenção política também repercutiu na organização pedagógica

414 | História e Educação na Amazônia


e na estabilidade dos docentes. Essa situação, aliada à política de formação de
professores no contexto nacional, suscitou várias interrupções e condicionou
a expansão da escola normal no sul de Mato Grosso.

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História e Educação na Amazônia | 417


418 | História e Educação na Amazônia
A Escola Normal da Província do
Amazonas (1880-1890)
ASSISLENE BARROS DA MOTA
Secretaria de Estado de Educação do Amazonas (Seduc/AM)
Secretaria Municipal de Educação de Manaus (Semed)
Escola Superior Batista do Amazonas (Esbam)

Introdução

O que suscitou minha curiosidade em aprofundar as investigações so-


bre esse templo do saber dos normalistas amazonenses foi a escassez de lite-
ratura específica, informações, deficiência de organização e sistematização de
documentos referentes à escola normal na cidade de Manaus. Procurei, diante
desse contexto, recuperar uma parte da história dessa instituição de ensino,
registrando os primeiros movimentos em prol de sua origem na província
(1852), sua criação (1880), implantação (1882) até se transformar em Instituto
Normal Superior (1890), com o objetivo de contribuir para preservação da
história escolar do povo amazonense, diante de uma instituição que teve sua
identidade atrelada à consagração do espírito do professor normalista, ou seja,
do mestre que faz mestres.
A minha pesquisa teve o caráter ex-post-facto (fato passado) – descriti-
va, analítica e exploratória, indo além de uma mera descrição de fatos, anali-
sando criação, instalação e extinção dessa instituição. Recorri a estudos como
os de Julia (2001) e entendi que existe uma maneira de pensar e viver própria
de cada instituição, encontrada no cotidiano da escola e pela legislação, e que
isso auxilia a compreender uma cultura escolar.
O corpus documental da pesquisa abrangeu dois tipos de fontes: 1 - do-
cumentos escritos, relativos à temática em questão; e 2 - materiais iconográfi-
cos. Esses documentos e materiais iconográficos foram encontrados em dife-
rentes lugares históricos, buscando compreender o significado sócio-histórico
da referida escola para decifrar sua identidade histórica. Para tanto, busquei
fundamentação na leitura de autores como: Haidar (1972), Nagle (1976) e
Tanuri (1979), na medida em que forneceram as dimensões dos problemas
educacionais do ensino normal no Brasil no período examinado, articulando
fontes de diferentes tipos, como a memória e o arquivo, de acordo com as
orientações de Magalhães (1999), Le Goff (1996) e Viñao Frago (1998).
Quanto aos procedimentos de análise adotados na pesquisa, procurei

História e Educação na Amazônia | 419


orientação nos estudos de Ginzburg (1989), Mesquita (1999) e Reis (1998),
sem os quais dificilmente teria conseguido reconstruir parte do passado da
primeira escola normal da província do Amazonas.
Um dos objetivos específicos desta pesquisa foi analisar as práticas que
tiveram lugar na Escola Normal da Província para compreender seus proces-
sos históricos de transformação e sua forma escolar, que, no entendimento
de Vincent, Lahire e Thin (2001), se refere à maneira de socializar saberes e
fazeres. Esse proceder foi corroborado por outro pesquisador, Viñao Frago
(1998), que repensou e criticou o lugar das pesquisas no campo da história
social, salientando que não se deve apenas conhecer e considerar a legislação,
mas também os condicionantes internos da escola, ou seja, o cotidiano escolar.
Nessa perspectiva, dirigi minha atenção para o estabelecimento das re-
lações que constituíram a escola normal e indaguei: como foi pensado e tra-
balhado o ensino normal na cidade de Manaus no final do século XIX? O
reconhecimento da instituição foi feito por quem? Quais eram as finalidades
do ensino ministrado na escola normal? Quando e por que a escola normal da
província foi transformada em instituto normal superior?
No tocante à estrutura que envolveu a pesquisa, verifiquei ser mais ade-
quado agrupar as informações, sistematizando-as em tópicos e subtópicos,
segundo a natureza dos seus elementos constitutivos. Redigi em três partes
interligadas e complementares nos quais faço uma reconstituição sócio-histó-
rico-cultural da organização da Instrução Pública desde a elevação do Amazo-
nas à categoria de província (1850), quando foram evidenciadas as discussões
parlamentares e o anseio popular em torno da criação de uma instituição vol-
tada para a formação de professores até a realização desse fato, em 1880.
No segundo momento, retratei o surgimento da Escola Normal da Pro-
víncia do Amazonas, fazendo uma breve contextualização do ensino normal
brasileiro no período imperial para relatar os fatos que culminaram com a
criação, instalação e transformação da escola normal em instituto normal su-
perior. Realizei uma análise técnica formal do prédio que foi a primeira sede
da Escola Normal da Província, salientando a precariedade com que era trata-
da a Instrução Pública, mesmo sendo próspera a província do Amazonas nas
décadas de 1880-1890.
Por último, ocupei-me com o ensino desenvolvido no interior da escola
normal, retratando a estrutura escolar, os diferentes currículos, o corpo do-
cente e os discentes, identificando os caminhos traçados pelos indivíduos que
fizeram parte da história da Escola Normal da Província do Amazonas.

420 | História e Educação na Amazônia


Contexto sócio-histórico da organização do ensino na província do
Amazonas no período imperial

O ensino, nesse período, estava restrito apenas ao saber ler, escrever e


contar. Todavia, pela reforma de 1834 foi implementado o ato adicional que
transferia para as Assembleias Legislativas das Províncias

[...] o encargo de regular a instrução primária e secun-


dária, ficando dependente da administração nacional o
ensino superior em todo o país e a organização escolar do
Município Neutro (AZEVEDO, 1997, p. 566).

Dessa forma, descentralizavam-se os ensinos primário, secundário e o


de formação de professores e instituía-se uma dualidade de competências que
possibilitava em cada província a criação de dois sistemas de ensino paralelos:
o geral e o provincial. Incumbiu-se o governo central de gerenciar o ensino
superior e indiretamente os estudos secundários, estabelecendo critérios para
o ingresso nos cursos superiores. Porém, quanto ao ensino primário e normal,
observou-se abstenção total daquele poder.
Logo após o Ato Adicional de 1834, surgiram as primeiras escolas nor-
mais brasileiras: a primeira foi a Escola Normal de Niterói, em 1835, na capital
da província do Rio de Janeiro; na Bahia, em 1836 ‒ instalada apenas em 1841;
Minas Gerais, em 1836, instalada em 1840; no Pará, em 1839; no Ceará, em
1845; São Paulo, em 1846. De acordo com Bittencourt (1962), a Escola Normal
da Paraíba foi criada em 1854; no Rio Grande do Sul, em 1870; no Mato Gros-
so, em 1876; e a de Góias, em 1881. A Escola Normal da Província do Ama-
zonas foi criada em 1880 no governo do Dr. Satyro de Oliveira Dias ‒ porém,
só foi instalada em 6 de março de 1882, na gestão do Dr. Alarico José Furtado.
A mudança ocasionada pelo Ato Adicional de 1834 limitava-se à estru-
tura do ensino primário e da escola normal, uma vez que o ensino superior
estava, na época, sob a responsabilidade do governo central, e o ensino secun-
dário não era obrigatório para ingresso nos cursos superiores. Assim,

[...] as escolas normais, bem como os demais estabeleci-


mentos de nível primário, arrastaram-se durante todo o
período imperial, sujeitos à penúria financeira dos cofres
provinciais e ao sabor das tentativas de organização rea-
lizadas pelas administrações que se sucederiam numa
instabilidade prejudicial a qualquer iniciativa lúcida ou
bem-intencionada (TANURI, 1979, p. 15).

História e Educação na Amazônia | 421


No novo regime, ocorreram inúmeras transformações no âmbito do en-
sino primário e normal, proporcionadas por vários movimentos, entre estes o
reformista e o remodelador, que deram à escola normal uma nova disposição:

[...] o que se observa agora é uma ampliação da duração


do curso, bem como um encaminhamento para o equilí-
brio entre as matérias de formação geral e as de habilita-
ção profissional. Aparece melhor definido o seu conteú-
do de preparo técnico-pedagógico, principalmente pela
introdução de matérias como a Anatomia e Fisiologia
Humana, Pedagogia, História da Educação, Sociolo-
gia e, em especial, Psicologia. Alcançaram importância,
portanto, as chamadas ‘ciências fontes – da – educação’.
Com essas alterações aparecem outras sob a forma de di-
ferenças entre etapas para a progressiva formação e con-
tínuo aperfeiçoamento profissional do professor primá-
rio (NAGLE, 1976, p. 271).

A República redesenhou todo o sistema de ensino público na tentati-


va de consolidar a escola ideal, fazendo o confrontamento entre a pedagogia
tradicional e a moderna. Isso repercutiu no ensino das escolas normais, que
foram assumindo proporções significativas, inclusive no estado do Amazonas.

O surgimento da Escola Normal na Província do Amazonas

O imperador D. Pedro II, em 1851, nomeou para a presidência da pro-


víncia do Amazonas o Dr. João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha (REIS,
1998). De imediato, esse mandatário observou o estado de penúria pelo qual
passava a ex-Capitania de São José da Barra do Rio Negro. Em razão disso, um
dos primeiro atos de Tenreiro Aranha foi tentar organizar a Instrução Pública
no Amazonas,

[...] por intermédio do Regulamento nº. 1, de 8 de março


de 1852, criando os cargos de diretor, vice-diretor e dele-
gado, este com função de fiscal itinerante, todos nomea-
dos em comissão pelo presidente da Província (AMAZO-
NAS, 1906, p. 107-112).

O intuito do presidente provincial em promover a melhoria no ensino


não se concretizou, ficando explícito o aspecto da instrução quando em seu
relatório datado de 8 de março de 1852, que afirmava:

422 | História e Educação na Amazônia


[...] Digno de deplorar-se é sem dúvida o estado de atraso
da instrução pública de todas, ou quase todas as Provín-
cias do Império; e, se assim é, e quanto mais não o será
nesta, a última e tão remota, que tem sido capitania flo-
rescente, ainda a pouco era uma comarca, quase abando-
nada da Província do Pará. [...] Vou prover pessoa com
habilitação precisa para reger sob minhas direções, e de
um diretor circunspecto que há de haver nessa capital,
uma escola de ensino primário normal, onde se habilitem
os professores para os outros lugares, em ordem a que em
todas seja a instrução primária, como entendo que deve
ser, acompanhada da educação... (AMAZONAS, 1906, p.
48-49).

O presidente Tenreiro Aranha nomeou para a função de primeiro dire-


tor-geral da Instrução Pública da Província do Amazonas o cônego Joaquim
Gonçalves de Azevedo. A partir desse momento, o ensino público amazonen-
se passou a receber mais atenção, pois esse titular acreditava na educação e
considerava que o ensino local era precário por causa da extensão territorial
da província.
O Dr. Antônio Gonçalves Dias, em 1861, foi nomeado como primeiro
inspetor do ensino do interior, apresentando relatórios ao então presiden-
te da província, Dr. Manoel Clementino Carneiro da Cunha, justificando a
precariedade do ensino público, pela pobreza, diferenças culturais e valores
relacionados à educação, fatos apontados também pelo cônego Joaquim Aze-
vedo. Diante disso, havia necessidade de reforma da Instrução Pública para se
adequar às supostas necessidades da população. Entretanto, somente na pre-
sidência do tenente-coronel João Wilkens de Mattos foi elaborado um novo
regimento para a Instrução Pública amazonense.
Esse fato foi concretizado em 1869, quando o referido presidente pro-
mulgou o Regimento nº 8, determinando novas reformas. No entanto, foi no
governo do coronel José de Miranda da Silva Reis, que solicitou ao então di-
retor da Instrução Pública, Dr. Gustavo Adolfo Ramos Ferreira, que elaboras-
se uma nova reforma para o ensino público. As melhorias pretendidas pelo
diretor Ramos Ferreira não foram ao todo contempladas pela legislação, mas

[...] foi o primeiro passo para a criação da Escola Nor-


mal da Província do Amazonas, pois a Lei nº. 221, de
22/05/1871 criou cadeiras para o Liceu Provincial, entre
essas, a de Pedagogia (MOTA, 2012, p. 72, grifos do au-
tor).
História e Educação na Amazônia | 423
Por contenção de despesas, a cadeira de pedagogia foi ministrada nas
dependências do Liceu, não se constituindo em um curso normal propria-
mente dito.
Somente na presidência do Dr. Domingos Jacy Monteiro (1877) foi cria-
do o curso normal, permanecendo anexado ao Liceu Provincial. Desse curso
não foram encontradas informações substanciais acerca de sua organização e
funcionamento; apenas que o ensino seria ministrado em três anos. O Curso
Normal há muito era reclamado pela sociedade amazonense; porém, mesmo
diante de sua implantação, não faltaram críticas e sugestões, como as do então
deputado Conrado Constâncio Nicoláo, em 1880, que apresentou em Sessão
Ordinária da Assembleia Legislativa um projeto de “Reforma da Instrução Pú-
blica”, mencionando a necessidade de um Curso Normal independente. Na
sessão da Assembleia Legislativa do dia 15 de maio de 1880, embora estivesse
na terceira leitura e discussão do referido projeto, este não foi efetivado.

Criação e instalação da Escola Normal da Província do Amazonas

Criar uma escola normal fazia parte das discussões dos parlamentares
e reformadores, a julgar pelos discursos. Essa, entretanto, não surgia pela falta
de um prédio próprio e de pessoal especializado. Somente em 1880, na presi-
dência do Dr. Satyro de Oliveira Dias, foi apresentado à Assembleia Legislati-
va um projeto de lei autorizando reformas no ensino público e reorganização
do Liceu Provincial. Esse

[...] projeto, aprovado sem alteração, criou também a Es-


cola Normal da Província do Amazonas, convertido em
Lei, nº. 506, de 4 de novembro de 1880 (MOTA, 2012,
p. 76).

O Dr. Satyro Dias não implantou a Escola Normal da Província em vir-


tude do término de seu mandato, mas coube ao seu sucessor, Dr. Alarico José
Furtado, fazê-lo. Assim, ao assumir a chefia do executivo provincial em 1881,
este mandatário, usando da atribuição que lhe conferia a Lei nº 506, de 4 de
novembro de 1880, promulgou o Regulamento nº 42 daquele ano, reforman-
do a Instrução Pública e

[...] estabelecendo a Escola Normal da Província do


Amazonas em regime de externato, com sede em Ma-
naus, para indivíduos de ambos os sexos que desejassem
se dedicar ao magistério primário (MOTA, 2012, p. 77).

424 | História e Educação na Amazônia


A Escola Normal da Província foi instalada somente em 6 de março de
1882, em um prédio (figura 1) situado na antiga Praça da República, atual Pe-
dro II, esquina com as ruas Governador Victorio (antiga Rua do Pelourinho) e
Frei José dos Inocentes (antiga Rua da Independência), no centro de Manaus,
cujo proprietário era o comendador Francisco de Souza Mesquita.

Figura 1 - 1ª Sede da Escola Normal da Província do Amazonas

Fonte: Álbum de fotografias do estado do Amazonas (1905-1908).

Esse mandatário foi substituído em 1882 pelo vice-presidente Dr. Ro-


mualdo de Souza Paes de Andrade, que, por ocasião da sua transmissão de
governo ao Dr. José Lustosa da Cunha Paranaguá, fez a seguinte declaração:

[...] Elevaram-se ao triplo a despesa a fazer-se com a ins-


trução pública; pois com a sua execução atingiram os gas-
tos a duzentos e sessenta mil contos de réis, isto é, mais
da terça parte da renda ordinária da Província (UCHÔA,
1966, p. 111).

Diante dessa situação, o Dr. José Paranaguá, impulsionado pelo Ofício


de 26 de novembro de 1882 do Ministério dos Negócios do Império, fez, oito
dias após sua nomeação, o seguinte discurso na Assembleia Legislativa Pro-
vincial:

[...] É de minha opinião, porém, que as circunstâncias


financeiras da Província, embora muito próspera, ainda
não permitem um aumento de despesas com pessoal nu-
meroso e seria talvez mais conveniente fundir em um só
estabelecimento a Escola Normal e o Liceu, com um pla-
no de estudo adequado às exigências do Decreto geral de
19 de abril de 1883, a fim de que possa gozar a Província

História e Educação na Amazônia | 425


das vantagens que lhe são garantidas, conforme a reco-
mendação da circular do Ministério do Império, de 26 de
novembro do ano passado, fazendo-se ainda a junção de
cadeiras que pelo atual regulamento acham-se separadas.
Em primeiro lugar, porém, está a instrução primária; de-
senvolvê-la é o cumprimento de uma promessa constitu-
cional (UCHÔA, 1966, p. 120).

Na tentativa de equilibrar as finanças da província, foi conveniente ao


Dr. José Paranaguá anexar o Liceu Provincial à Escola Normal, mantendo,
contudo, cada estabelecimento de ensino sua própria denominação.

[...] Com essa unificação, em 15 de junho de 1882, a esco-


la de ensino secundário foi transferida para o prédio em
que o colégio normalista estava instalado, no então largo
do quartel ‒ atual praça D. Pedro II, esquina com a rua
Governador Vitório (DUARTE, 2009, p. 165).

A sede definitiva do Liceu estava em construção num terreno na Rua


Municipal ‒ atual Avenida Sete de Setembro, próxima à Praça da Constituição
no Centro de Manaus. Visando a conter despesas, em 1886 foi transferido
para o prédio, que abrigava o Liceu Provincial e a Escola Normal, o Asilo Or-
fanológico Elisa Souto, ficando juntas as três instituições de ensino.
As obras do Liceu Provincial foram concluídas no governo do presi-
dente da província, Dr. Ernesto Adolpho de Vasconcellos Chaves. O Liceu
foi transferido para sua sede própria em 1887, permanecendo no prédio da
Praça D. Pedro II a Escola Normal e o Asilo Orfanológico Elisa Souto. Pos-
teriormente, o asilo também foi transferido para o Palacete de São Leonardo,
antes ocupado pelo Museu Botânico do Amazonas, ficando ambos no mesmo
prédio localizado na Rua Ramos Ferreira. Esse asilo é o precursor do Instituto
Benjamin Constant.
A Escola Normal permaneceu anexada ao Liceu até 1934, quando foi
transferida pelo capitão Nelson de Melo para o prédio do Palacete Garcia ou
Palacete Provincial, antigo quartel da Polícia Militar do Amazonas, localizado
à Praça da Constituição, atual Heliodoro Balbi ou Praça da Polícia. A Esco-
la Normal permaneceu nesse prédio, quando foi oficializada em Instituto de
Educação do Amazonas (IEA), pelo Decreto-Lei nº 404, de 4 de março de
1940, por ação administrativa do interventor federal Dr. Álvaro Botelho Maia.

426 | História e Educação na Amazônia


Do prédio da primeira sede da Escola Normal da Província

A capital amazonense, em meados do século XIX, exibia arquitetura


simples em suas edificações. As construções não apresentavam característi-
cas monumentais de grandes palácios, com destaque apenas para os edifícios
da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, da Prefeitura Municipal de
Manaus, da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios e do antigo Tesouro Pro-
vincial. Porém, no final do século XIX, a arquitetura manauense passou por
radicais transformações, norteada por novos estilos arquitetônicos, que trou-
xeram melhoramentos:

[...] se aterraram igarapés, abriram-se praças, construí-


ram-se pontes, casarões, calçaram ruas com pedras im-
portadas, instalaram-se serviços públicos como bondes,
água e esgotos, mercados, matadouros e instalações por-
tuárias, sendo esse período denominado de La Belle Épo-
que1 (MOTA, 2012, p. 82).

Esses fatos contribuíram para que as autoridades locais se empenhas-


sem em criar a Escola Normal da Província em 1880, na presidência do Dr.
Satyro de Oliveira Dias, sendo instalada dois anos depois (1882), na presidên-
cia do Dr. Alarico José Furtado

[...] em prédio alugado por 100$000 cem mil réis, impró-


prio para abrigá-la, uma vez que as dependências não
eram adequadas a uma instituição escolar (MOTA, 2012,
p. 85).

O Dr. Alarico José Furtado ordenou reparos no referido prédio, como


pintura, caiação e a construção de uma latrina no quintal para instalação da
escola normal. A localização do prédio que foi a primeira sede da escola nor-
mal (Figura 1) é singular por situar-se no antigo centro de Manaus, Praça D.
Pedro II, área de relevante valor histórico-cultural.
Nessa época, geralmente as instituições de ensino eram instaladas em
lugares de destaque, ao lado de outras instituições públicas de onde emanava
o poder governamental. Em Manaus, não foi diferente; a primeira sede da

1 - “[…] período marcado por uma efervescência intelectual, cultural e busca acelerada da cha-
mada modernidade, refletindo em todos os setores da atividade humana. Movimento irradia-se
a partir da França, refletindo-se em quase todos os países do ocidente” (DIAS, 1999, p. 33).
História e Educação na Amazônia | 427
Escola Normal foi instalada próximo à antiga Camara Municipal de Manaus
e o Palácio Rio Branco, antiga sede da Assembleia Legislativa Provincial do
Amazonas.
Poucos foram os registros encontrados sobre o prédio que sediou a pri-
meira escola normal, que abrigara também o Asilo Orfanológico Elisa Souto,
o Liceu Provincial e a Secretaria de Polícia da Província, e que fora transfor-
mado, no final do século XIX, em um dos mais luxuosos hotéis em Manaus – o
Hotel Cassina. Não foram localizados registros sobre o engenheiro que o pro-
jetou. Porém, encontram-se entre os documentos encontrados a planta baixa
da fachada (Figuras 2, 3 e 4). Sob a orientação eficiente da arquiteta-urbanista
Regina da Costa Pinto foi realizada uma análise técnica formal da estrutura
dessa construção.

Figura 2 - Fachada pela Rua Frei José dos Inocentes

Fonte: Implurb (2005).

A fachada principal estava voltada para a Praça D. Pedro II, antigo Lar-
go do Quartel do Pelourinho. O prédio integra um importante conjunto ur-
banístico composto:

[...] por um jardim histórico, enriquecido por espessa


massa arbórea, chafariz e o magnifíco coreto art nouveau
junto a outros prédios não menos importantes como o
Paço da Liberdade (antiga sede da Prefeitura Municipal

428 | História e Educação na Amazônia


de Manaus), o Palácio Rio Branco (antiga Assembleia
Legislativa da Província), reconhecidos monumentos re-
presentativos da La Belle Époque (MOTA, 2012, p. 87).

Ainda em clima de euforia dos preços altos da borracha, Manaus foi


surpreendida pela concorrência desse produto no mercado mundial, extraído
dos seringais da Ásia (1910). Diante disso, tem início na região uma lenta ago-
nia da economia, transformando a intensa vida social e euforia econômica em
angústia, depressão e miséria. O declínio de produção da borracha na Ama-
zônia marcou o fim da fase áurea em um cenário econômico e social bastante
longo e doloroso. Esse prédio se situa em área delimitada como sítio histórico
próximo ao conjunto do Porto de Manaus.

Figura 3 - Fachada pela Rua Bernardo Ramos

Fonte: Implurb (2005).

Figura 4 - Fachada pela Rua Governador Victorio

Fonte: Implurb (2005).

Atualmente, o imóvel permanece em condições precárias, existindo


apenas as paredes de fechamento, mantendo-se erguidas com seus detalhes
marcantes preservados, embora o prédio esteja em ruínas.
A predominância de verticalidade desse prédio, na proporção das por-

História e Educação na Amazônia | 429


tas e janelas, dá-se em função do Código de Postura de 1893, decretado e pro-
mulgado pela Intendência Municipal de Manaus, no final do século XIX, de
acordo com a Lei nº 23, de 6 de maio de 1893, que determinava o ritmo da
fachada:

[...] A simetria está presente entre os vãos das portas do


pavimento térreo e janelas do andar superior, protegidos
por guarda-corpo de ferro em balcão embutido nas cai-
xarias emolduradas em todos os vãos, à exceção da janela
central deste pavimento, cuja sacada abaulada projeta-se
em balanço, tanto na fachada voltada para a rua Bernar-
do Ramos quanto para a rua Frei José dos Inocentes e,
ainda, pilastras em cantaria nas esquinas da edificação.
A ocupação do lote caracterizava-se pela predominância
de construção no alinhamento dele (lote), alta taxa de
ocupação, pé-direito elevado, elevação da cumeeira e pa-
redes espessas, isto se explica em razão da imposição dos
Códigos de Edificações, que se tornaram obrigatórios nas
principais cidades brasileiras e eram muito semelhantes
entre si; o que os diferenciava eram as peculiaridades da
região (MOTA, 2012, p. 91-92).

O prédio ‒ por estar inserido em área acautelada, protegida pela muni-


cipalidade, e por se tratar de uma construção centenária ‒ é listado como Uni-
dade de Preservação Histórica do 1º grau, de acordo com o Decreto Municipal
nº 7.176, de 10 de fevereiro de 2004.
A preservação e conservação do patrimônio histórico estão previstas na
Constituição do Brasil (1988), que busca resguardar a todos “o pleno exercício
dos direitos culturais”, definindo as diversas formas de promoção e preserva-
ção do patrimônio cultural brasileiro. Embora a Justiça tenha se manifestado a
favor de sua reconstrução, determinando inclusive a desapropriação com o in-
tuito de transformá-lo em Centro Cultural de Artes (Decreto nº 22.046/2001)
(AMAZONAS, 2001), o projeto de restauração do edifício está sob a jurisdição
da Secretaria de Estado de Cultura (SEC), que aguarda liberação de recursos
para sua execução.

Tranformação da escola normal em instituto normal superior

O Amazonas permaneceu no antigo regime imperial por quase uma


semana, quando chegaram as notícias da mudança do novo regime por uma
caravana de republicanos vindos de Belém do Pará. Somente em 21 de novem-

430 | História e Educação na Amazônia


bro é que se instalou a Junta Governativa do Amazonas, tendo como primeiro
governador o tenente Augusto Ximeno de Villeroy.
A Escola Normal funcionava conjuntamente com o Liceu Provincial,
sendo dirigida pelo farmacêutico Francisco Antonio Monteiro e tinha no seu
quadro de professores Augusto Lins de Vasconcelos, Manoel de Miranda
Leão, Carlos Pereira de Pinho, Domingos Theofilo de Carvalho Leal, Lauro
Bittencourt, Carlos da Silva Pereira, José Matheus de Aguiar Cardoso, o maes-
tro Adelelmo Francisco do Nascimento e a professora Maria Lina de Amorim
Aguiar.
O governador Augusto Ximeno de Villeroy decretou em janeiro (1890)
a extinção do Liceu Provincial e da Escola Normal, criando em seu lugar o Ins-
tituto Normal Superior, por intermédio do artigo 1º do Decreto nº 16, de 17
de janeiro de 1890, cujo fim principal era preparar professores para as escolas
públicas.
O curso foi dividido em quatro anos, tendo cada ano quatro cadeiras,
sendo uma direcionada para música ou desenho. Essa divisão constava de três
sessões: a primeira, de línguas, na qual foi retirado o conhecimento de grego
e latim; a segunda, de matemática, ciências e física; e a terceira, de ciências
naturais e sociais.
O método de ensino sofreu alterações, pois o ensino da antiga Escola
Normal era baseado na educação da memória. O Instituto Normal Superior,
foi baseado nos estudos do Dr. Herbert Spencer, que possibilitavam ao aluno
buscar o próprio crescimento intelectual, não mais se contentando em decorar
conhecimentos, mas tornar o saber coletivo por meio do ensino das ciências.
Os primeiros professores do Instituto Normal Superior, nomeados pelo
governador do Amazonas, Augusto Ximeno de Villeroy, em 1890, foram:

Pedro Ayres Marinho, 3ª cadeira do 1º e 2º anno; Fran-


cisco Theophilo de Carvalho Leal, 3ª cadeira do 3º anno;
José Matheus de Aguiar Cardozo, 4ª ca-deira do 2º anno;
Dr. Julio Mario de Sena Freire, 2ª cadeira do 4º anno;
Dr. José Augusto Rodrigues de Andrade, 4ª cadeira do
1º anno.

Interinos
Dr. João M. de Aguiar e Mello; primeiras cadeiras do 1º e
2º anno; Carlos Pereira de Pinho, 1ª cadeira do 3º anno;
Padre Dr. Israel Freire da Silva, 3ª cadeira do 4º anno.

Professores Interinos
Música – Adelelmo F. do Nascimento.
História e Educação na Amazônia | 431
Desenho – Dr. Lauro Baptista Bittencourt (JORNAL
AMAZONAS, 1890, s.p.).

O quadro do Instituto Normal Superior era composto pelos lentes, pes-


soal administrativo e auxiliares, constituído de dois preparadores, um inspe-
tor, um porteiro, três bedéis e serventes para a conservação do prédio. O ci-
dadão que se interessasse em ocupar um desses cargos deveria estar em pleno
gozo dos seus direitos civis e políticos, não tendo sofrido sentença por crime
infamante, sendo ainda submetido a concurso e ser aprovado como exigia o
Regulamento nº 6, Decreto nº 55 de 20 de agosto de 1890, que alterou o Re-
gulamento de nº 3, Decreto nº 32 de 19 de fevereiro de 1890. Para o funcio-
namento do Instituto Normal Superior, foram decretados somente dois regu-
lamentos, sendo que o último (nº 6) modificou o primeiro (nº 3) no que diz
respeito às matrículas, às aulas e ao número de lentes.
O Instituto Normal Superior existiu por três anos (1890-1893), sendo
extinto em 1893, no governo do Dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro. Achavam-se
matriculados no instituto nas diversas disciplinas 60 alunos: 32 alunas e 28
alunos, que frequentavam regularmente as aulas.

O ensino normal na província do Amazonas

A criação de uma escola de formação de professores sempre foi objeto


de discussões no parlamento amazonense. Contudo, em 1880, no governo do
presidente da província, Dr. Satyro Dias, esse fato foi concretizado. O projeto
aprovado sem alterações e convertido em lei sob o nº 506, em 4 de novembro
de 1880, reorganizou o ensino secundário e criou a Escola Normal da Provín-
cia do Amazonas.
O Dr. Satyro Dias não realizou tal ação porque foi substituído pelo Dr.
Alarico José Furtado, em cuja gestão foi feita nova reforma do ensino, sendo
sancionado o Regulamento Geral da Instrução Pública nº 42, de 14 de dezem-
bro de 1881. Em janeiro do ano seguinte foi nomeado por ato do poder exe-
cutivo local para dirigir a Escola Normal o Dr. Epiphanio José Pedrosa. Nesse
período, o ensino normal foi dividido em teórico e prático, com duração de
três anos:

[...] funcionava em regime de externato, atendendo a


ambos os sexos. Compreendia, inicialmente, as seguin-
tes matérias: língua nacional, pedagogia e metodologia,
legislação do ensino, matemáticas elementares, desenho
linear, língua francesa, história e geografia universal, es-
432 | História e Educação na Amazônia
pecialmente do Brasil, instrução moral e religiosa, ele-
mentos de ciências físicas e naturais, noções de economia
e higiene, prendas domésticas (para as alunas), música
teórica e prática, bem como gisnástica (MOTA, 2012, p.
108).

A Escola Normal foi criada para formar professores. Todavia, por causa
das dificuldades financeiras pelas quais passava a província, foram contrata-
dos professores da instrução secundária, de acordo com a necessidade, sendo
alguns deles pertencentes ao quadro docente do Liceu. Foram nomeados para
as regências interinas das seguintes cadeiras os respectivos professores:

Henrique Barbosa de Amorim, para gramática nacional


e pedagogia; o Dr. Pedro Ayres Marinho, para matemá-
ticas elementares, que, posteriormente, foi substituído
pelo professor João Carlos Antony; Dr. Jonathas de Frei-
tas Pedrosa, para francês; D. Maria Pedrosa, para prendas
domésticas; Dr. João Hosannah de Oliveira, geografia e
história; padre Raymundo Amâncio de Miranda, ins-
trução moral e religiosa; e o Dr. Joaquim Leovigildo de
Souza Coelho, para ciências físicas e naturais. Três dias
após as respectivas nomeações, a portaria que nomeou o
padre Raymundo Amâncio de Miranda para a cadeira de
instrução moral e regiliosa, foi declarada sem efeito. Em
seu lugar, foi designado o professor de latim do Liceu, pa-
dre João Rodrigues de Assumpção (SERRA, 1933, p. 13).

Em 1882, várias cadeiras da Escola Normal foram postas em concurso,


e para o preenchimento das cadeiras de geografia e história universal increve-
ram-se:

[...] Dr. Domingos Theóphilo de Carvalho Leal, mara-


nhense, graduado em filosofia e belas-artes em Zurich
(Suíça), José Augusto Rodrigues de Andrade e Antônio
Roberto Alves. Para a cadeira de prendas domésticas ins-
creveram-se as senhoras: Maria Lina de Amorim Antony,
Emília Pedrosa de Oliveira e Virgilina Couto, que foram
aprovadas, mas apenas a primeira concorrente foi no-
meada para o cargo (SERRA, 1933, p. 14).

Era contínuo da secretaria do governo provincial o Sr. Raymundo Pan-


toja de Oliveira, que foi designado para exercer a função de porteiro da Escola
Normal, permanecendo no cargo até 1882, sendo substituído pelo Sr. Carlos
História e Educação na Amazônia | 433
Ferreira dos Santos – o qual, de acordo com Serra (1933), assumiu a função;
porém, em 1886, foi substituído pelo Sr. Vicente Ferreira Piteira. Para o cargo
de correio foi nomeado o Sr. Pedro Mendes Gonçalves.
No governo do Dr. José Paranaguá, o curso normal passou por altera-
ções em decorrência de uma nova reforma da Instrução Pública, disciplinada
pela Lei nº 579, de 24 de maio de 1882, que sancionou o Regulamento nº 47,
de 28 de março de 1883:

[...] a ampliação do currículo do curso normal, que se


encontrava estruturado de maneira que os alunos obti-
vessem um conhecimento geral, buscando uma cultura
ampla e desviando-se do seu objetivo principal – formar
professores. Substituiu a cadeira de pedagogia e meto-
dologia pela cadeira de pedagogia teórica; extinguiu a
cadeira de instrução moral e religiosa que sempre havia
composto o currículo; e, por fim, desmembrou outras
cadeiras, que passaram a ser assim, denominadas: ele-
mentos do Brasil; cosmografia; noções gerais de zoologia;
botânica e agricultura; escrituração mercantil; fisiologia
e higiene; direito natural e público; caligrafia; geometria
elementar; álgebra e prática manual de ofícios para alu-
nos e trabalhos com agulha para alunas (MOTA, 2012,
p. 109-110).

Para preenchimento das vagas restantes, o Dr. José Paranaguá comple-


tou as nomeações com os seguintes professores efetivos:

[...] Antônio Roberto Alves, para a cadeira de latim, o


farmacêutico Francisco Antônio Monteiro – que seria
designado posteriormente, como primeiro diretor do
Instituto Normal Superior –, para a cadeira de ciências
físicas e naturais. Além desses foram contratados, os pro-
fessores Lourenço Pessoa para a cadeira de pedagogia e
Virgílio Tavares para ser professor de ginástica (MOTA,
2012, p. 110).

Coube a esse presidente designar, em 1883, o professor de francês, Dr.


Jonathas de Freitas Pedrosa, para a função de diretor da Escola Normal. O en-
sino normal permaneceu com essa estrutura até 1886, quando o então presi-
dente, Dr. Ernesto Adolpho de Vasconcellos Chaves, promoveu modificações
na instrução da província, estabelecendo mudanças no currículo da escola.
Ao assumir a presidência da província em 1888, o padre Raymundo

434 | História e Educação na Amazônia


Amâncio de Miranda substituiu o Regulamento de nº 56, relativo à Instrução
Pública, pelo Regulamento de nº 62 de 9 de julho de 1888, por entender que o
anterior não correspondia às necessidades educacionais da província.
O Regulamento nº 62 alterou o curso da Escola Normal de três para
quatro anos. Retornou ao currículo a cadeira de religião, que havia sido ex-
tinta pelo Regulamento nº 47, de 1883. O Regulamento nº 62 vigorou apenas
por um ano, não sendo posta em prática a maioria de suas resoluções. No ano
seguinte, na gestão do presidente da província, Dr. Joaquim de Oliveira Ma-
chado, foi promulgada a Lei nº 813, autorizando a reorganização dos serviços
educacionais e o retorno do Regulamento Geral da Instrucção Pública nº 47,
de 28 de março, vigente em 1883. Houve manifestações contrárias no retorno
do referido regulamento, sendo formada uma comissão de vários professores,
dentre esses:

[...] João Machado de Aguiar e Mello, Jonathas de Freitas


Pedrosa, José Mateus de Aguiar, Carlos Pereira de Pinto,
Alexandre dos Reis Rayol, Francisco Antônio Monteiro,
e as senhoras Luzia de Castro Costa Miranda Leão e Ma-
ria Teles da Rocha Monteiro (UCHÔA, 1966, p. 184).

Essa comissão foi organizada sob a presidência do diretor geral da Ins-


trução Pública, com a incumbência de apresentar as bases para um novo regu-
lamento para a instrução.

Da administração, do corpo docente e discente da Escola Normal da Província

No início de seu funcionamento, a Escola Normal contava com o se-


guinte quadro de funcionários: um diretor, um secretário, um amanuense, um
porteiro, um correio e sete professores, tendo como primeiro diretor o Dr.
Epiphanio José Pedrosa (1882).
O porteiro-contínuo da Escola Normal tinha a atribuíção de abrir as
portas da escola e fechá-las somente quando estivessem concluídos os traba-
lhos, com exceção das chaves das mesas dos professores e do secretário.
O provimento das cadeiras da Escola Normal, em 1882, ocorreu por
meio de concurso público. O edital era publicado na imprensa, marcando o
prazo de 60 dias para a inscrição dos candidatos, que deveriam observar os
seguintes critérios:

[...] maioridade legal, capacidade física, moral e profis-


sional. O conteúdo das provas versava sobre a matéria da

História e Educação na Amazônia | 435


cadeira, métodos e práticas de ensino, com apresentações
de teses, posteriores ao exame oral. O candidato que, no
prazo determinado, não entregasse sua tese era excluído
do concurso. A nomeação era realizada pelo presidente
da Província, com exceção da cadeira de instrução moral
e religiosa, designada pelo próprio presidente. O concur-
so era realizado perante a congregação dos lentes da esco-
la, sendo o ato presidido pelo diretor-geral da instrução
pública. Era permitido às senhoras concorrerem ao pro-
vimento das cadeiras da Escola Normal, sendo concedida
igualdade de condições (MOTA, 2012, p. 116).

Dentre as incumbências dos professores da Escola Normal estava o


dever de comunicar ao diretor qualquer impedimento que dificultasse a rea-
lização de suas atividades docentes e, no caso de alguma impossibilidade,
comunicar o fato. O professor deveria comparecer à aula na hora marcada,
respeitando o tempo, sendo anotada uma falta ao docente que comparecesse
à aula 15 minutos depois da hora estabelecida ou que se retirasse antes do tér-
mino dela, devendo assinar o livro de presença nos dias letivos:

Os lentes da Escola Normal tinham uma caderneta com


anotações relativas ao comparecimento, faltas, procedi-
mentos e aproveitamento dos alunos, que era entregue
ao diretor da Escola para conferência semanal. As faltas
cometidas pelos lentes só poderiam ser abonadas me-
diante duas situações: em virtude do serviço obrigatório
de incumbência do presidente da Província e por dispo-
sição da lei. Nos casos de incompatibilidade de função, a
demissão do professor era decretada também pelo pre-
sidente da Província. Todavia, o professor formado pela
Escola Normal tinha vitaliciedade, desde que assumisse
o exercício da cadeira. No caso de remoção do professor,
ficavam estabelecidas as seguintes penalidades: admoes-
tação, repreensão, multa de dez a cem mil-réis, suspen-
são até treze dias com perdas de todos os vencimentos,
remoção a bem do serviço público e demissão (MOTA,
2012, p. 116-117).

O regimento interno da Escola Normal foi elaborado e aprovado pelo


Conselho Fiscal da Instrução Pública em 1883; nele, foram declarados vita-
lícios os professores: Francisco Antônio Monteiro e Adelelmo Francisco do
Nascimento. Porém, não foi possível localizar a relação nominal dos docentes
da Escola Normal nos anos subsequentes a 1883. Todavia, foi encontrada a
436 | História e Educação na Amazônia
relação nominal do corpo docente dos anos de 1884 e 1889, que estavam assim
constituídas:

Corpo docente da Escola Normal de 1884: Antônio Ro-


berto Alves* (latim); Henrique B. d`Amorim* (gramática
filosófica, retórica e poética); Dr. Jonathas de Freitas Pe-
drosa* (francês); Dr. Almino Álvares Affonso (francês);
Antônio Augusto Alves* (inglês); Pedro Ayres Marinho*
(matemáticas elementares); Dr. Antônio Dias dos Santos
(matemáticas elementares); José Augusto R. de Andrade
(geografia e história); Domingos Theóphilo de Carvalho
Leal* (filosofia); Francisco Antônio Monteiro* (ciências
físicas e naturais); Dona Maria Lina Bacuty* (prendas do-
mésticas); Dona Anna Brandão Ayres* (adjunta); Ade-
lelmo Francisco do Nascimento* (música vocal e instru-
mental) e Agripino José da Costa (ginástica) (Relatório
do Presidente da Província do Amazonas Theodoreto
Carlos de Farias Souto à Assembleia Legislativa Provin-
cial em 25 de março de 1884).
(*) Professores aprovados em concurso.

Corpo docente da Escola Normal de 1889: Adelelmo


Francisco do Nascimento (música); Dr. Augusto Lins
M. de Vasconcelos (português); Carlos Pereira de Pi-
nho (aritmética e geometria); Dr. José Mateus de Aguiar
Cardoso (pedagogia); Dr. Lauro Batista Bittencourt (de-
senho); Manoel de Miranda Leão (francês); Francisco
Antônio Monteiro (ciências físicas e naturais); Dr. Theó-
philo de Carvalho Leal (geografia e história); Carlos da
Silva Pereira (caligrafia); Maria Lina de Amorim Antony
(prendas domésticas) (UCHÔA, 1966, p. 188).

Quanto ao corpo discente, o critério de seleção para o ingresso de alu-


nos era extremamente rígido, já que se estabeleciam determinados requisitos,
tais como:

[...] ter conhecimento de todas as matérias da instrução


primária; ter os indivíduos do sexo masculino a idade de
17 anos, e os do sexo feminino idade de 15 anos; possuir
boa conduta moral e não ser portador(a) de doença infec-
to-contagiosa (MOTA, 2012, p. 118).

Quanto à matrícula, era gratuita, sendo anunciada por meio de editais


publicados pela imprensa da época e realizadas no período de 15 de janeiro a
História e Educação na Amazônia | 437
3 de fevereiro; as férias iniciavam no final do mês de outubro, estendendo-se
por três meses. Com relação às aulas,

[...] iniciavam a cinco de fevereiro e eram encerradas


a trinta e um de outubro. A frequência dos alunos era
acompanhada com rigor, pois se eles, em qualquer das
aulas, tivessem dez faltas não justificadas, ou faltassem
por mais de vinte vezes nos exercícios práticos nas esco-
las anexas, perderia o ano letivo. Além dessas exigências,
os alunos ainda estavam sujeitos às seguintes penalida-
des: advertência, repreensão, marcação de uma a dez fal-
tas inabonáveis, perda do ano letivo, privação do diploma
por dois anos e exclusão da escola (MOTA, 2012, p. 118).

Essas informações eram anunciadas por meio de editais fixados na por-


ta da Escola Normal e publicadas nos jornais de maior circulação da época:

[...] a frequência às aulas era comum e simultânea para


ambos os sexos, porém os assentos dispostos nas salas es-
tavam divididos em duas seções, uma para alunos e outra
para alunas, e a mesa do professor ficava à frente.
As aulas poderiam ser assistidas por aqueles que não fos-
sem alunos da Escola Normal, desde que tivessem licença
do diretor assinada numa papeleta. No entanto, indepen-
dente dessa licença, os professores admitiam em suas au-
las o ingresso daqueles que lhe parecessem convenientes.
Todavia, era negado acesso ao indivíduo que apresentas-
se comportamento indigno, quer dentro do recinto esco-
lar quer fora dele. Os pais ou responsáveis, que condu-
ziam suas filhas à Escola, assistiam às aulas, independente
de licença, mas deveriam comportar-se adequadamente
(MOTA, 2012, p. 120-1).

Os alunos que se sobressaíam eram premiados com menção honrosa,


com objetos de arte destinados à instrução ou com livros, especialmente de
literatura nacional:

[...] Os exames constavam de prova escrita e oral, rea-


lizados por turmas compostas por mais de dez alunos,
não podendo ser examinada mais de uma turma por dia.
Era considerado reprovado o aluno que, por ocasião dos
exames, fosse encontrado com livros ou apontamentos.
O aluno que faltasse aos exames poderia se submeter a
outros, contudo deveria justificar sua falta diante da con-
438 | História e Educação na Amazônia
gregação da escola. Em caso de reprovação na prova es-
crita, não seria submetido a prova oral. As alunas eram
submetidas a provas de prendas domésticas, nas quais
eram avaliadas pelos trabalhos realizados durante o ano
(MOTA, 2012, p. 118-9).

Os resultados dos exames eram lavrados em termos e a cópia remeti-


da ao presidente da província e ao diretor-geral da Instrução Pública; depois,
eram publicados na imprensa. Após a instalação do curso da Escola Normal,
“[...] foi concedido um subsídio aos alunos pobres que quisessem cursá-lo,
julgados vocacionados para o magistério primário” (MOTA, 2012, p. 120).
Esse subsídio era concedido aos alunos de ambos os sexos que comprovassem
não possuir recursos para prosseguir o curso da Escola Normal, pois este era
direcionado, basicamente, a uma clientela de elite. Era exigido do aluno-mes-
tre um comportamento diferenciado; aquele que procedesse de forma incon-
veniente no recinto da escola ou nas suas proximidades recebia as seguintes
penalidades:

[...] admoestação, repreensão, privação do diploma ou


exclusão. As duas primeiras penas poderiam ser impostas
pelo diretor e/ou professor, ao passo que as duas últimas
somente pelo diretor, mediante decisão da congregação.
A privação do diploma era aplicada num espaço não su-
perior a dois anos (MOTA, 2012, p. 121).

Tais penalidades deveriam ser impostas na ordem estabelecida, salvo


quando a moralidade e o crédito da instituição ou dignidade e prestígio do
diretor e/ou professor exigissem a aplicação de uma penalidade mais severa,
que era decidida pela congregação. A formatura era presidida pelo presidente
da província, e, no caso de sua ausência, era de responsabilidade do diretor
da Instrução Pública, contando com a presença do professorado da capital,
pais, tutores ou representantes dos alunos e altos funcionários. O diploma do
aluno-mestre era entregue em ato solene, firmadas as assinaturas do diretor
da Escola Normal e dos examinadores a rubrica do diretor-geral. No diploma
dos alunos-mestres constava o grau de aprovação obtido em todas as matérias
do curso.

Considerações finais

O descaso para com a Instrução Pública foi uma constante, por qua-

História e Educação na Amazônia | 439


se todo o período imperial, na província do Amazonas, embora essa região
brasileira tenha experimentado um estado de prosperidade associado ao ciclo
econômico da borracha. Estes também não apresentaram interesse algum pela
formação do povo amazonense nem participaram na definição de projetos ar-
quitetônicos para construção de prédios escolares, desenvolvendo apenas uma
cultura voltada para a exploração do trabalho, principalmente do seringueiro
e para a extração das riquezas da região.
A Escola Normal da Província do Amazonas iniciou seu percurso ainda
na primeira metade do século XIX, na condição de uma cadeira de pedagogia
atrelada ao Liceu, para depois se tornar no Curso Normal e, posteriormente,
na Escola Normal da Província ‒ a qual foi, inicialmente, criada para atender
o sexo masculino. Mas, com o decorrer do tempo, tornou-se mista e, próxi-
mo ao final do período imperial, o ensino da Escola Normal foi predominado
pelo sexo feminino, pois o prestígio social dado por essa instituição de ensino
possibilitou o ingresso da mulher no mercado de trabalho. Muito embora esse
curso tenha sido direcionado especificamente para a classe favorecida econo-
micamente, como forma de distinguir pela instrução (cultura) de um deter-
minado grupo social, houve um subsídio financeiro (espécie de quota) para
alunos comprovadamente pobres.
A formação propiciada pela Escola Normal também ficou compro-
metida, pois deixou de atender a finalidade precípua para a qual fora criada,
quase se tornando um curso preparatório, valorizando mais a cultura geral
que a preparação do professor primário. Isso acontecia porque predominava
a ideologia da classe dominante, tanto no contexto da própria Escola Nor-
mal quanto nas escolas particulares, cuja preocupação primordial era formar
aqueles que seriam os dirigentes políticos para a província, fornecendo-lhe
uma formação mais ampla.
O currículo da Escola Normal da Província do Amazonas, quando al-
terado pelas reformas do ensino, persistia em oferecer uma diversidade de
línguas estrangeiras: alemão, francês, inglês e latim; porém, em nenhum mo-
mento de sua história houve a preocupação com a língua materna local (in-
dígena). A população da província do Amazonas nessa época era formada,
basicamente, por índios e mestiços, e, mesmo diante da aplicação de novas
metodologias, como o método intuitivo, priorizou-se a reprodução de uma
cultura diferente da regional.
Diante do que me propus a realizar na introdução deste estudo e do
desafio metodológico enfrentado, captar as particularidades da Escola Normal
da Província do Amazonas e sua influência na sociedade local, bem como o

440 | História e Educação na Amazônia


clima que envolvia a formação do professor, não foi algo fácil. Encontrei difi-
culdades ao “garimpar” as informações e dados relativos à história do Amazo-
nas devido a ela se apresentar bastante fragmentada e encontrar-se depositada
em diferentes arquivos históricos, muitos deles de difícil acesso.

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História e Educação na Amazônia | 441
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444 | História e Educação na Amazônia


A instrução primária no
Amazonas Imperial1
GUIOMAR LIMA DE CARVALHO
Universidade do Estado do Amazonas (UEA)

O presente texto foi elaborado a partir dos resultados das investigações


que corroboram com o processo de investigação que estamos a desenvolver
em estudos de doutoramento. Possui como marco temporal inicial a criação
da Província do Amazonas, estendendo-se até os anos finais do Império. En-
tre as várias alternativas possíveis para fundamentar as narrativas estruturais
do texto, optamos por dar continuidade às reflexões e análises que estamos
realizando no uso das fontes primárias, como as mensagens e os relatórios
dos presidentes da província e dos diretores gerais da Instrução Pública do
Amazonas.
Os relatórios e mensagens governamentais provinciais nos dão a ver
a criação da Província do Amazonas em 5 de setembro de 1850 e instalada
somente em 1852, com a nomeação do Sr. João Batista de Figueiredo Tenreiro
Aranha para a presidência, feita pelo Imperador, e registra em documento
que a conquista da autonomia administrativa dessa imensa província foi com-
provadamente positiva em termos educacionais. A partir da sua instalação,
assistiu-se numericamente a um crescimento gradativo da instrução primária,
como mostraremos no quadro adiante.
A criação da primeira Escola de Instrução Primária no espaço territo-
rial, que em 1850 pertenceria à Província do Amazonas, tem registro na Vila
de Barcelos, que na ocasião tinha o estatuto de capital da Capitânia de São José
do Rio Negro. Em 1750, no século XVIII, após a saída dos jesuítas das lides
educacionais, a Instrução, por determinação da Metrópole portuguesa, vivia
a vigência do regime das aulas régias, no período histórico denominado pela
historiografia brasileira de “Período Pombalino”, período em que Portugal,
no reinado de D. José I, nomeia para primeiro-ministro o Marquês de Pombal
(1750-1777). A Instrução Primária, na forma de aulas régias, compreendia o
Ensino Primário e Secundário, cujas despesas financeiras eram mantidas e pa-
gas pelo subsídio literário.
Com a adesão em 1823 da Província do Grão Pará à Independência
do Brasil, instala-se na Vila da Barra do Rio Negro uma segunda escola, em
1 - O estudo aqui apresentado compõe parte da tese de doutoramento na área de investigação
em História da Educação do Instituto de Educação da Universidade do Minho em Portugal.
História e Educação na Amazônia | 445
consequência da transferência solene da capital da Capitania de São José do
Rio Negro para o Lugar da Barra do Rio Negro, que em 1856 passa a ter a de-
nominação definitiva de cidade de Manaus.
Após a Independência do Brasil em 1822, D. Pedro I, imperador do
Brasil, sanciona a Lei de 15 de outubro de 1827, determinando a criação de
Escolas de Primeiras Letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos
do Império. Dentre outros aspectos, a Lei traz no seu escopo a substituição do
“velho” mestre régio de então pelo professor primário, que faz uso de plano de
ensino previamente realizado, composto de método do ensino mútuo, na in-
tenção de assegurar-lhe mais eficiência e eficácia no combate ao analfabetismo
que assolava todo o território da jovem nação.
Pela Lei de 1827, as Câmaras Provinciais, com seu poder de outorga,
determinavam o número de escolas por localidades, extinguindo as que não
apresentassem frequência suficiente e removendo os professores para as esco-
las criadas em outras localidades. Entendemos como importante pontuar que,
antes de 1827, na Comarca do Alto Rio Negro, já existiam três escolas: uma em
Barcelos, outra no Lugar da Barra do Rio Negro e outra em Moura.
Dialogando com os dados de Júlio Benevides Uchôa, no caminhar do
século XIX, em toda a Capitânia do Grão-Pará, a Instrução Primária, à luz das
medidas descentralizadoras do Decreto de 1834, funcionavam com 14 Esco-
las Públicas Primárias destinadas somente ao gênero masculino, localizadas
nas seguintes vilas: Vila de Vigia, Cametá, Tapajós (Santarém), Macapá (atual
capital do estado do Amapá), Monte Alegre, Pauxis (Óbidos), Bragança, Tu-
riaçu, Manaus, Barcelos, Moura e na Freguesia de Nossa Senhora do Carmo
(Parintins), Freguesia de Santana de Saraçá (Silves) e Nossa Senhora do Rosá-
rio de Serpa.2
Nos registros de Júlio Benevides Uchôa,3 as mensagens, falas e os relatos
dos presidentes e diretores da Instrução Pública da Província do Grão-Pará à
época, identificamos alguns dos motivos descritos por eles do porquê de tão
poucas escolas na maior Província do Império. Segundo eles, as razões davam-
se pela especificidade da região, composta por uma imensa e densa floresta ha-

2 - UCHÔA, Julio Benevides. Flagrantes educacionais do Amazonas, 1969, p. 21.


3 - Flagrantes educacionais do Amazonas de ontem, compõe o pequeno acervo da historiografia
educacional do estado do Amazonas. Ela apresenta grandes lacunas em virtude de o autor não
expor nas suas narrativas as fontes por ele consultadas e interrogadas, indicadoras das verdades
dos registros por ele descritos e analisados. Contudo, é uma obra de imensurável valor, pois, de
forma sistemática e sequenciada, o autor nos mostra o caminho, mesmo com avanços e recuos,
percorrido da história da instrução/educação na Província do Amazonas e, posteriormente, em
1889, estado do Amazonas.
446 | História e Educação na Amazônia
bitada por índios hostis, pelos inúmeros rios e lagos que dificultavam o acesso
aos povoados e vilas, o que, para eles, os impedia de instalar e prover Escolas
de Primeiras Letras e, ainda a ausência do poder público no lugar.
Nas mensagens da presidência da Província à assembleia provincial,
nas décadas finais da primeira metade do século XIX, no período em que a
Comarca do Amazonas ainda se encontrava sob a administração jurídica da
Província do Grão-Pará, registram-se dados sobre a prática pedagógica de
alguns dos professores do Liceu de Belém e do funcionamento de algumas
escolas administradas por clérigos, que foram inspecionadas por autoridades
escolares designadas pelo presidente da Província. Relatam, de forma elogiosa,
o desempenho profissional de professores no que diz respeito ao método, à
regularidade, ao asseio e à habilidade pedagógica, sendo dignos, portanto, de
ocupar as cadeiras de regime vitalício ou a de professor interino na Província.
Seus desempenhos e empenho à educação eram merecedor de admiração, re-
ferência e respeito das autoridades como também da sociedade. É necessário
sublinhar a comparação feita aos religiosos no desempenho da função do ma-
gistério. Os professores laicos “não são assim, tão dedicados” como os missio-
nários quando desempenham atividades ligadas ao magistério.
Nos estudos investigativos de Irma Rizzini,4 colhem-se registros de que,
na maioria das Províncias do vasto Império brasileiro, as autoridades consti-
tuídas nas cidades, comarcas e vilas lutaram para divulgar e sedimentar a Ins-
trução Primária entre a população de baixo estatuto social. Na grande provín-
cia do Grão-Pará,5 a interiorização da Escola Pública de Instrução Elementar,
gratuita e laica, tornou-se meta dos governos, sobretudo nas últimas décadas
do Império, o que será parcialmente alcançado após o desmembramento do
Grão-Pará em duas províncias: a do Pará e a do Amazonas.
Com a criação, em 1850, e posteriormente, com a instalação da Provín-
cia do Amazonas em 1852, o presidente, designado pelo imperador do Brasil,
organizou a Instrução Pública Primária do Amazonas através do Regulamen-
to de 8 de março de 1852. Em mensagem de 1º de janeiro de 1852, dirigida à
Assembleia Legislativa, o então Presidente João Baptista de Figueiredo Ten-

4 - RIZZINI, Irma. Educação Popular na Amazônia Imperial: crianças índias em internatos para
formação de artífice, 2006.
5 - Nas primeiras décadas do Império brasileiro, o espaço geográfico que compreende hoje qua-
se toda a região Norte do Brasil, pertencia à Província do Grão-Pará com sede em Belém. Em
5 de setembro de1850, por carta Imperial, D Pedro II cria a Província do Amazonas, desmem-
brando-a da Província do Pará. Em 1º de janeiro de 1852, João Baptista de Figueiredo Tenreiro
Aranha, nomeado pelo então imperador, instala e dá início à administração da nova Província
do Império, a do Amazonas, Cidade da Barra que foi denominada de Manaus.
História e Educação na Amazônia | 447
reiro Aranha relata o “estado de atraso em que se achavam essas escholas, de
enunciar a minha opinião sobre a reforma radical de que necessita o ensino
elementar em toda a Província”. Para além, a mensagem inscreve o alto índice
existente de analfabetos, o que impedia o governo de “aproveitar elementos”
das várias localidades do interior do Amazonas, não só para o exercício do ma-
gistério, uma vez que afirma não ser “[...] raro um cidadão letrado, acumular
várias funções porque a maioria da população não sabe ler e nem escrever”.6
Relata ainda que a Instrução Primária na Província encontrava-se redu-
zida a oito escolas. E mais, comunica à Assembleia Legislativa a necessidade
de alfabetizar ‒ ler, escrever e contar ‒ para capacitar minimamente o “in-
dividuo idôneo” para cargos de funcionários de que a Província necessitava.
Em relatório, informa que nos anos anteriores à criação da Província existiam
apenas oito escolas primárias, distribuídas em algumas vilas e povoados. As
aulas eram ministradas pelos professores citados no quadro abaixo com o res-
pectivo número de alunos.

Quadro 1 - Instrução Pública Primária nos anos de 1859 e 1851

Fonte: Loureiro (2007, p. 23) Amazonas (1852, p. 36-7).

Pelos dados registrados no Relatório Provincial de 1852, há registro de


que, das oito Escolas Primárias da Província no quadro acima, apenas três
funcionavam: a de Maués, a de Ega e a feminina da Barra. As demais não
funcionavam pelo fato de terem sido abandonadas pelos seus professores.7 De

6 - Mensagem do Presidente da Província à Assembleia Provincial em 1852, p. 37.


7 - Relatório apresentado pelo presidente da Província do Pará, feito sobre o estado em que se

448 | História e Educação na Amazônia


posse dessa realidade, o presidente do Amazonas publica, contudo, sem ter
sido aprovado pela Assembleia Provincial, o Regulamento de nº 1 de 1852,
que organiza toda a Instrução Pública da Província. Nele registra-se que o En-
sino Primário possuía no seu currículo as seguintes matérias: educação física,
moral, leitura, caligrafia, doutrina cristã, numeração, principais regras de arit-
mética, gramática da língua nacional, noções de geometria, história natural,
sagrada e do Brasil, para o sexo masculino. O currículo era o mesmo para as
meninas, com o acréscimo das prendas domésticas. Para todo o curso seriam
adotadas seis classes, e o método a ser seguido seria o simultâneo.
Com o passar dos anos, nas últimas décadas da Monarquia, registra-se
o crescimento de escolas primárias do gênero masculino e feminino. O assun-
to é notório nas cidades da região, vilas e povoados do interior e, principal-
mente, nas capitais das duas províncias, Manaus e Belém. Apesar de a região
situar-se numa extensa área geográfica que compõe cerca da metade do terri-
tório brasileiro e possuir, à época, uma baixíssima densidade populacional, o
esforço de disseminar a instrução pública primária é fato registrado nas várias
mensagens dos presidentes das províncias no período.
Aprofundando e analisando os fatores impeditivos intensamente referi-
dos nas fontes por nós interrogadas que corroboram para a não popularização
do projeto educativo na região, estão elencadas: a diversidade étnica; as carac-
terísticas da floresta amazônica; a hostilidade indígena; a falta de professores
qualificados para exercício do magistério; as atividades sociais e culturais; as
econômicas e a alimentação dos familiares dos educandos que os “obrigavam”
a usar sua força de trabalho como valência necessária para a agricultura de
subsistência de suas famílias. O uso da mão de obra infantil provocava uma
longa ausência das atividades educacionais ministradas pelas Escolas de Pri-
meiras Letras.
Em relatório apresentado ao presidente da Província do Amazonas em
1866, o diretor geral da Instrução Pública relata de forma muito peculiar que o
problema da Instrução Pública no interior da Província do Amazonas se deve
a falta do “vapor” e do “padre”. No seu dizer,

É necessário esperar que o - vapor - e o - Padre - façam


uma conquista em grande revolução.
O vapor - encurtará as distancias, desenvolverá o traba-
lho e occasionará a reforma da vida nômade e errante, á
que se entrega o geral dos habitantes.

encontrava a Província do Amazonas, depois da instalação desta, e de ter tomado posse o pri-
meiro presidente Sr. João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha (AMAZONAS, 1852c).
História e Educação na Amazônia | 449
O Padre - combaterá pela catechese os defeitos Moraes
da população e a palavra sagrada do Evangelho – produ-
zirá seus efeitos.
Não temos - vapor - nem - Padre -: impõe limites a ne-
cessidade a que se faça mais do que possuir-se algumas
poucas escolas por esse logarejos, não tendo o professor
nem capacidade profissional, nem tão pouco quem o ins-
pecione.
Nestas contigencias e no seu estreito circulo, não há pre-
cisão de discutir-se theoria e methodos de ensino.8

A “fala” do diretor geral da Instrução Pública nos revela que, com a au-
sência do “padre” e do “vapor”, não era possível fazer uma “revolução cultural
nos hábitos culturais e sociais” da população amazônica para que, dessa ma-
neira, a escola, como um estatuto social, frutificasse os ensinamentos do ler,
escrever e contar, aprendizados úteis e peça fulcral à nova ordem administrati-
va independente da província que quer ser moderna, alfabetizada e civilizada.
O discurso “revolucionário” do diretor geral vai ao encontro do en-
tendimento, naquele tempo histórico, de que a Amazônia brasileira era com-
preendida como “natureza, espaço desumanizado e vazio de cultura” e que a
sua população deveria perder seus traços socioculturais indígena, selvagem e
caboclo, impróprio e vulgar para a jovem Província, assim como para toda a
nação brasileira. Na subscrição do relato, a educação seria peça fulcral para se
atingir a modernidade civilizatória.
Na Província do Amazonas, a transformação de seus habitantes de “sel-
vagem bruto em cidadão polido” implicava ir além do tão somente conheci-
mento relativo ao ler, escrever e contar, era ir mais. Era ir além, ir à busca dos
direitos e deveres como população livre, defendido pelos agentes educacionais
e políticos situados na sede da Província e de outras do Império. As autori-
dades educacionais da Província, como diretores e inspetores da Instrução,
cujos relatos estão referidos nas fontes por nós interrogadas, nos dão a ver a
alargada importância de imputar o aprendizado da língua portuguesa e fixar a
população do interior nas vilas e povoados, pois “[...] os familiares vivem em
sítios isolados e, para bem dizer, entregues á seus próprios recursos”.9 Como
nos mostra uma dessas falas:

8 - Anexo I do Relatório apresentando na Mensagem do presidente da Província do Amazonas


em 4 de agosto de 1865, p. 319.
9 - Fala do Diretor Geral da Instrução do Amazonas, Anexo 3 do Relatório da Província, 1872,
p. 6.
450 | História e Educação na Amazônia
A instrução primária, principalmente, merecetodos
os nossos cuidados: ella é o baptismo da inteligência,
desenvolvel-a, facilital-a, é o primeiro passo para o en-
grandecimento de um povo, que só pode ser feliz, tendo
conhecimento de seus direitos, de seus deveres, de sua
liberdade e do modo porque deve dela usar para viver em
sociedade.10

Para transformá-lo em cidadão “minimante polido”, fazia-se necessário


para o poder administrativo local, como também para o Imperial, desabituá-lo
ao uso da língua geral, o nheengatu,11 falada pela população indígena aldeada,
tapuias e caboclos e brancos nos espaços circunscritos de suas moradas e das
ruas. Na lógica do ideário de civilidade e de branqueamento da população,
essa deveria ser uma das primeiras e principais tarefas das escolas dos po-
voados e vilas. A preocupação em dotar a população do interior da Província
na fala do português é ressaltada com grande ênfase por Gonçalves Dias, em
1861, a posteriori sua visitação dirigida às Escolas Primárias sediadas no rio
Negro, no rio Amazonas e no rio Madeira, todas situadas no Amazonas.12 A
língua portuguesa como língua falada nas remotas regiões do Amazonas e no
Pará só será alcançada com a chegada do grande contingente de imigrantes
nordestinos, o que acarretará a diminuição e posterior extinção do nheengatu
como língua majoritariamente falada na Amazônia brasileira.
Para além dos motivos descritos e analisados como contributo para a
não efetivação da Instrução no Amazonas, as referências de Júlio Benevides
Uchôa nos mostram que, afora os entraves descritos, havia a existência de va-
cância de várias cadeiras do Ensino Primário por toda a grande Província. No
10 - Falla do Presidente da Província do Amazonas. 1873, p. 10.
11 - Nheengatu ou Língua Geral foi a principal língua de comunicação interétnica falada na
Amazônia, “presente nas aldeias, povoados, vilas e cidades de toda a região por mais de dois
séculos e meio” (XVII a XIX). “Índios, mestiços, negros e portugueses a usavam para trocar bens
e experiência e desenvolvem a maioria de suas práticas sociais”. Na metade do século XVIII,
através da ação administrativa do Marquês de Pombal, o primeiro-ministro de D. José I, rei de
Portugal, estabeleceu, através do Diretório Pombalino, o uso obrigatório da língua portuguesa
em toda a Amazônia. Apesar da determinação política-administrativa, o Nheengatu continuou
sendo crescentemente falado e ultrapassando o século XVIII e chegando ao século XIX como
língua majoritária falada por quase toda a população da região. “Com a adesão do Grão-Pará à
Independência do Brasil, cessou sua expansão, cedendo sua hegemonia em meados do século
XIX para a língua portuguesa” (FREIRE, 2003, p. 16).
12 - Antônio Gonçalves Dias foi encarregado pelo Diretor da Instrução Pública do Amazonas
para compor uma comissão de visitação e avaliação das escolas existentes no rio Negro, rio
Amazonas e rio Madeira. O relatório apresentado por Gonçalves Dias alimenta as informações
do diretor e compõe a fala do presidente da Província do Amazonas em 1861.
História e Educação na Amazônia | 451
dizer do autor, a ausência, dentre outros fatores, era consequência do atraso
do pagamento dos honorários dos professores, e que isso “[...] é um mal an-
tigo, um mal bem brasileiro”.13 E mais, registra que havia falta de professores
capacitados para suprir a demanda das cadeiras existentes na capital e no in-
terior da grande província.
No Regulamento de 1852, ao referir-se sobre o currículo para as escolas
frequentadas pelos meninos e também para as frequentadas pelas meninas,
recomenda que devem ser providas de professores para as cadeiras de Ins-
trução Primária, orientando que ninguém poderia ensinar as Primeiras Le-
tras, em escolas públicas ou particulares, sem permissão do chefe do governo.
Acrescenta ainda que era necessário habilitá-los no seu ofício de ensinar e que
só depois disso fossem submetidos ao exame de suas competências profissio-
nais e pedagógicas na capital, Manaus. Os exames deveriam ser realizados na
Escola Normal pelo sistema pedagógico, organizado e editado na França em
1832 pelo Barão Joseph-Marie de Gérando, conhecido no Brasil como Barrão
Degérando.14 Recomendava que as escolas deveriam fazer uso do ensino si-
multâneo. Contudo, o Regulamento que continha todas essas recomendações
não entrou em vigor, ficando, portanto, suas orientações sem cumprimento,
tornando-se letra morta.
Para Irma Rizzini15 a despeito dos entraves e queixumes intensamen-
te relatados nas mensagens e em alguns relatórios dos vários presidentes da
Província do Amazonas, no decorrer de sua existência, a população da capital,
das vilas e dos pequenos povoados do interior da região não necessariamente
rejeitou o esforço do poder público para tornar a Instrução Primária um bem
comum para todas as crianças e jovens que dela fizesse uso.
Contrapondo-se a afirmação da autora, em 1878, identifica-se na fala
do presidente da Província, Barão de Maracajú, informação sobre a situação
de algumas escolas de Primeiras Letras criadas em lugares remotos, “boldos

13 - UCHÔA, Julio Benevides. 1966, p. 23.


14 - A preocupação das autoridades provinciais do Rio de Janeiro, em qualificar o professor com
o que havia de mais atual e moderno para a preparação de mestres para o ensino mútuo deter-
minou, em 1839, a tradução, impressão e uso daquele que seria o primeiro compêndio pedagó-
gico da Escola Normal, a obra do Barão Joseph-Marie de Gérando, intitulada Curso Normal para
Professores de Primeiras Letras ou Direções relativas a Educação Physica, Moral e Intelectual nas
Escolas Primárias, editada na França em 1832. A obra difundia e recomendava o uso do método
lancasteriano de ensino mútuo. No Amazonas, em 1854, é recomendado que os professores das
Escolas de Primeiras Letras façam uso das indicações pedagógicas sugeridas pelo sistema de
ensino do Barão (VILELA, 2011, p. 110).
15 - RIZZINI, Irma. 2004.
452 | História e Educação na Amazônia
de todos os recursos, quase despovoados, ou habitados unicamente por índios
semiselvagens, que não compreendiam o benefício que o poder público queria
lhes fazer. Por conseguinte, as escolas criadas nesses lugares remotos da pro-
víncia”,16 nunca foram ocupadas por alunos e seus professores só miravam os
ordenados, pois não havia alunos para ministrar aulas e os poucos que figura-
vam nos mapas eram fictícios.
No relatório do primeiro vice-presidente da Província, em 1868, é
apresentado um quadro sobre os avanços e aumento de escolas e do núme-
ro de alunos da Instrução Elementar nas duas primeiras décadas em que o
Amazonas foi elevado a categoria de Província, desligando-se da Província
do Pará. No quadro que segue, de 1868, registram-se os números referentes à
Instrução. No entanto, alargamos seus dados e incluímos também de décadas
seguintes, até 1876.

16 - Falla do Presidente da Província do Amazonas, 1878, p. 7.


História e Educação na Amazônia | 453
Quadro 2 - Número de alunos nas Escolas de Instrução
Primária no Amazonas (1852-1876)17

18

19

Fontes: Amazonas (1869, p. 19), (1871), (1872a, Anexo 3, p. 13), (1874, p. 21), (1878b, p.17),
(1882, p. 24).

17 - Os dados no quadro referentes a 1852 a 1868, foram coletados do Relatório de 4 de abril


de 1869, incluindo-se os alunos(as) do ensino particular. O Relatório de 1862, registra que em
1861, existiam 25 escolas, contudo 10 encontravam-se vagas, sendo 8 para meninos e 2 para
meninas. A frequência foi de 456 alunos(as) O Relatório provincial de 1º de outubro de 1864,
informa que o total de alunos do ensino primário incluía 64 alunos(as) das três cadeiras de
primeiras letras sediadas na capital da Província. O Relatório de 25 de agosto de 1878, arrola o
total de matrícula e a existência de uma escola mista frequentada por alunos do sexo masculino
e feminino (1878c, p. 17).
18 - Não identificamos os números das matrículas dos alunos referente a 1870.
19 - No registro dos dados foram encontrados somente registros referentes as escolas existentes
na capital da Província. Manáos, 1873, Anexo n. 1, p. 49.
454 | História e Educação na Amazônia
Como se observa, o número de alunos tanto do sexo masculino quan-
to do sexo feminino teve aumento significativo nesses 24 anos da Província
do Amazonas. Identificamos levemente o aumento do número de alunas nas
escolas, que, em alguns anos, ultrapassou ao número de alunos. Devemos, en-
tretanto, considerar, pelos relatos de vários diretores da Instrução Pública do
Amazonas, os dados estatísticos, que “não são muito confiáveis”, em função
de erros cometidos pelas Comarcas e pelos professores, referentes aos núme-
ros dos alunos que têm frequência nas aulas de Instrução Primária.
Salientamos que parte dos dados inseridos no quadro 2 já haviam sidos
referendados no estudo doutoral de Irma Rizzini. Juntamos a eles os dados
arrolados nos relatórios dos vários diretores da Instrução Pública nos anos
indicados no quadro. A partir disso, foram por nós reorganizados e sistema-
tizados para melhor compreensão e interpretação. Ressaltamos que os dados
que alimentaram os relatórios baseavam-se nos mapas encaminhados pelos
professores e professoras das cadeiras do Ensino Elementar por toda a Provín-
cia, onde alguns incluíam apenas os alunos que estavam a frequentar as aulas,
enquanto que em outros mapas incluíam todos os alunos matriculados. Daí
a explicação e reclamações de alguns diretores da Instrução Pública quando
dizem que os dados não são assim tão confiáveis.
Apesar de o quadro 2 evidenciar expressivo aumento do número de alu-
nos e alunas nas escolas primárias em toda a Província, as falas dos presidentes
da Província ainda estavam repletas de queixumes relativos à falta de interesse
por parte da população mais carenciada, nos fundamentos do ler, escrever e
contar, subscrevendo que, sendo o ensino gratuito, fornecido pela Província
sem restrições de livros, papel e tudo o mais que é necessário, não é visto como
mais valia para suas vidas, e pontua dizendo:

[...] há indiffereça da população pela instrução e educa-


ção da infância pela (talvés) demora prolongada dos me-
ninos na escola, pois sahem no fim de 8 ou mais anos
com pouco ou nenhum resultado”. Com isso, “pode-se
dizer, sem erra muito, que três quartos da sua população
não sabem ler nem escrever. Excepto nas cidades e villas
mais consideráveis, ella acha-se disseminada pelos lagos,
igarapés e pelas margens dos rios, em lugares mais ou
menos distantes das freguesias, ordinariamente desertas,
e onde as vezes não se encontra uma pessoa que saiba ler
e escrever, como tive ocasião de observar no Rio Negro,
Solimões e Canumã. As famílias vivem em sítios isola-
dos, e para bem diser, entregues á seus próprios recursos
(AMAZONAS, 1872a, p. 4).
História e Educação na Amazônia | 455
A fala vai ao encontro a outro dado muito frequentemente alargado nos
relatórios, no entendimento da importância que é dada à instrução, tornan-
do-a uma valência sine qua non para engrandecimento de um povo, de uma
sociedade, do usufruto dos direitos e, assim, construir uma nação civilizada.
Por outras palavras, os queixumes do poder governamental do insucesso da
Instrução Primária tinham várias causas. Para eles, a indiferença da população
pela Instrução Pública era oriunda da falta de pessoal habilitado (professores
com formação para o magistério); da ausência de uma Escola Normal que
habilitasse com competência pedagógica os professores, e mais tarde, profes-
soras para o magistério primário; a falta de inspeção às escolas e aos professo-
res; habilidade política ou intrigas (politicagem) locais; e falta de organização
didática e pedagógica que favorecesse o sucesso da aprendizagem.
Por volta de 1870 e 1880, décadas finais do Império, as preocupações
relativas à educação da população têm espaço no âmbito governamental e en-
volvem a camada social letrada de Manaus sob a influência das ideias liberais
e também conservadoras. Percebemos os dados nos aportes de Irma Rizzini,
quando ressalta que:

A educação tornava-se uma prioridade para os liberais


e conservadores. Atentos às grandes questões do Sécu-
lo das Luzes, governantes e governados estavam com os
pés na terra local [...]. Pais de alunos e moradores das pe-
quenas localidades do interior das províncias forçaram a
abertura de nichos de participação nas questões da ins-
trução oficial, através das cartas aos jornais e às direto-
rias de instrução pública. Para o ‘bem’ ou para o ‘mal’, a
educação do povo alcançou uma posição de destaque na
região, no âmbito da população, do Estado e da Igreja.20

Em um dos Relatórios da Província, identificamos que o presidente, em


resposta aos debates travados pelos grupos políticos liberais e conservadores,
converge para a expansão da oferta da Instrução Pública Primária e se amplia
com a criação, a partir de 1872, de duas escolas noturnas em Manaus. A pri-
meira foi criada em junho de 1872, e a segunda criada em outubro do mesmo
ano

[...] em benefício principalmente d’aquelle que entregues


a trabalhos durante o dia não podem frequentar outros

20 - RIZZINI, Irma. 2005, p.15-16.


456 | História e Educação na Amazônia
estabelecimentos de instrução.21

A justificativa, registrada no relatório, diz ainda que as duas primeiras


escolas noturnas de Manaus funcionaram em prédios que, durante o dia, eram
ocupados pelo Ensino Público Primário para crianças e jovens. Pelo relatório
provincial de 1874, temos registrado o número de alunos que faziam uso do
ensino das duas escolas noturnas. As escolas, as quais eram referendadas nos
relatórios, foram reorganizadas e transformadas em Grupo Escolar em 1897.
Elas estão figuradas no quadro a seguir:

Quadro 3 - Número de alunos nas escolas noturnas de Manaus em 1874

Fonte: Amazonas (1874, p. 2).

Outras freguesias, lugares, vilas e povoados no interior da Província fo-


ram criando igualmente e paulatinamente suas escolas noturnas no decorrer
dos anos que se seguiram. Ressaltamos, contudo, que as fontes por nós in-
quiridas não subscrevem dados de matrículas referentes a alunas nas escolas
noturnas. Dentro e nos limites da nossa reserva de conhecimento e nas con-
sultas aos aportes historiográficos da história da educação, no que diz respeito
à educação de meninas, nos indica que naquele tempo histórico e em todas
as Províncias do Império, a Instrução Elementar no horário noturno para o
gênero feminino, ainda não se dava a ver.
Os dados subscritos no Quadro 3 nos dão conta de que as duas escolas
noturnas da capital tiveram, nos anos subsequentes à sua criação, matrícu-
la e frequência expressiva. Para José Ribamar Bessa Freire (2003) e Patrícia
Melo Sampaio (2001), o alargamento da demanda de alunos matriculados era
decorrência do aumento populacional da Província, que começava a receber
imigrantes nordestinos fugidos da seca e da fome e “alimentados” pela propa-
ganda veiculada pelo Império, retirando-se do Nordeste brasileiro “alimenta-
dos” pelo imaginário da “riqueza fácil” e da “ilusão do fausto”, resultado da
economia da borracha amazônica.
Nos anos finais do Império no Amazonas, pela Lei nº 506, de 4 de no-

21 - Falla do Presidente da Província do Amazonas, 1873, p. 10.


História e Educação na Amazônia | 457
vembro de 1880,22 foi criada a Escola Normal em Manaus. Isso foi resultado
de intensa luta da sociedade em geral, dos diretores da Instrução Pública, de
políticos, dos religiosos, dos pais, dos alunos que percebiam a necessidade de
dotar a cidade de uma escola para formar os professores para as lides do Ensi-
no Primário de toda a Província. Formação essa já tão reclamada por todos os
envolvidos com a Instrução elementar, para que assim os resultados educacio-
nais da Província fossem cada vez melhores.
A Escola Normal do Amazonas, criada pelo Regulamento de 1880, na
Lei nº 506, só inicia suas atividades acadêmicas e pedagógicas a partir de 1882,
nas mesmas dependências do Liceu do Ensino Secundário. O modelo peda-
gógico-curricular adotado pela Escola Normal moldava-se no instituído pela
Escola Normal de Pernambuco, criada em 1878. A modelagem se dava pelo
fato de que o protótipo de Escola Normal de Pernambuco era o que havia de
mais moderno de todas as Escolas Normais da nação, e também pelo fato de
que as duas províncias tinham vários aspectos em comum.
Para concluirmos as nossas análises referentes à Instrução Pública Pri-
mária na Província do Amazonas, apresentamos um quadro que torna eviden-
te o crescimento do ensino elementar em todo o Amazonas, um ano antes da
República. O quando inclui o número de alunos das escolas mistas frequenta-
das por meninos e meninas com idade entre nove ou dez anos, sem, contudo,
diferenciar o número relativo por ambos os sexos, pois os relatórios não fazem
essa distinção.

Quadro 4 - Alunos e Alunas matriculadas nas Escolas Públicas na Província


do Amazonas no ano de 1888

Fonte: Amazonas (1888).

Alargando os dados apresentados no quadro 4 sobre os sujeitos apren-


dizes das escolas primárias da Província, estavam, entre eles, além das crian-

22 - A Lei Provincial nº 506, de 4 de novembro de 1880, autoriza, pelo Regulamento nº 42, a


reforma da Instrução Pública da Província do Amazonas, criando a Escola Normal, 1882, p. 18.
458 | História e Educação na Amazônia
ças e jovens das camadas médias, dos filhos dos pequenos comerciantes, das
lideranças locais, os filhos dos funcionários públicos e os filhos de militares de
baixa patentes, os da população empobrecida. Contudo, não são extensivas ao
estrato social indígena, como não eram também as crianças e jovens filhos de
escravos, mesmo aqueles nascidos após a Lei do Ventre Livre em 1871.23
E para além, em quase todo o território nacional no final do Império,
as crianças de “infância abandonada”, em especial os “ingênuos” e filhos dos
chefes de alguns grupos indígenas, “os principais”, não faziam parte do estrato
da sociedade que usufruíam o direito à Instrução Pública “ofertada” pelas Pro-
víncias e nem pelo Estado Nacional brasileiro. No Amazonas, algumas crian-
ças índias originárias das tribos localizadas nos rios Negro, Madeira, Purus,
Juruá, Solimões e Japurá eram encaminhados a Manaus para o aprendizado
de um ofício. Os meninos eram dirigidos à Escola de Aprendizes e as meninas
encaminhadas para o Asilo, na intenção de “aportuguesá-las”, afastando-as do
instinto da ociosidade e ignorância. As Escolas de Aprendizes e os Asilos no
Amazonas, para além de receber crianças de origem indígenas, recebiam me-
ninos “desvalidos da sorte”. Eram os que, em idade entre 6 e 12 anos, fossem
encontrados em estado de pobreza, que, além da falta de roupa adequada para
frequentar escolas comuns, vivessem na e da mendicância. Esses meninos e
meninas eram conduzidos pela autoridade policial às Escolas de Aprendizes e
aos Asilos, onde recebiam, os meninos, instrução primária e aprendiam, den-
tre outros, os ofícios de tipografia, alfaiataria, carpintaria, marcenaria, funila-
ria, sapataria. E as meninas, recebiam instrução primária e os ofícios ligados às
prendas domésticas como culinária, bordados, costuras, etc.
Apesar do baixo resultado geral da escola elementar, as insatisfações
contidas nos relatos e nas mensagens de algumas das fontes, a Escola Primária,
nesse período, foi uma instituição que ajudou a desbravar os sertões desérti-
cos da região, instalando-se nos locais, onde houvesse uma dezena ou mais
de crianças e jovens para estudar. Como nos diz Irma Rizzini (2005), nascia
enraizada na pequena localidade, pois, geralmente a proposta de sua criação
era oriunda do próprio local, solicitada por professores ou pelos próprios
moradores da localidade, principalmente nos anos finais do período impe-
23 - Lei do Ventre Livre é a Lei nº 2.040, de 28 de março de 1871, assinada pela Princesa Isabel.
Era uma lei abolucionista que considerava livre todos os filhos de escravas nascidos a partir
da data da lei. Como seus pais continuariam escravos, pois a abolição total da escravidão só
ocorreu em 1888 com a Lei Áurea, a lei estabelecia duas possibilidades para as crianças que
nasciam livres: poderiam ficar aos cuidados dos senhores até os 21 anos de idade ou ser entre-
gues ao governo. O primeiro caso foi o mais comum e beneficiaria os senhores que poderiam
usar a mão de obra destes “livres” até os 21 anos de idade. Disponível em: <www.suapesquisa.
com/historiadobrasil>. Acesso em: 2 nov. 2013.
História e Educação na Amazônia | 459
rial. Muito embora fosse uma instituição ligada aos poderes das províncias,
nos confins da região, no meio da selva, e ainda na obrigação de atender às
normas e às exigências regulamentares da Instrução Pública estabelecida para
todo o Amazonas, estava, contudo, imbricada na política local. Entretanto,
não ignorou as demandas e necessidades dos pais de mobilizarem-se para ou-
tro lugar, imputadas pelas atividades laborais de sobrevivência da família e ou
dos responsáveis pelos alunos, dos próprios partícipes também desses afazeres
agrícolas e alimentares de ocorrência em determinado lugar e período do ano.
Tecendo nexos com as fontes, identificamos que em 1872, com a en-
trada em vigor de um novo regulamento em 16 de março, foram construídas
as primeiras Escolas Primárias, dotadas específica e arquitetonicamente para
serem escolas. Estavam assim constituídas: duas escolas para o sexo masculino
situadas no bairro dos Remédios e São Vicente e outra no bairro do Espírito
Santo para o sexo feminino. O mobiliário das escolas foi adquirido nos Esta-
dos Unidos, pois entendiam que lá se fabricava o que havia de mais moderno
para o Ensino Primário. São essas escolas que pelo Decreto de nº 191, de 9 de
setembro de 1897,24 no governo de Fileto Pires, organizam-se pedagogicamen-
te e arquitetonicamente nos Grupos Escolares, criados pelo Regulamento que
instituiu nova organização à Instrução Pública no estado do Amazonas.

Referências

AMAZONAS. Decreto nº 191, de 9 de setembro de 1897. Outorgado pelo Governa-


dor do Estado do Amazonas no Regulamento Geral da Instrução Pública do Estado
para as Escolas Públicas do Ensino Primário. Manaós: Impresso na Typ. do Amazonas.

______. Exposição de Alarico José Furtado quando da passagem da administração


da Província do Amazonas para Romualdo Souza de Andrade, 1880.

______. Fala do Diretor Geral da Instrução Pública Primária da Província do


Amazonas. Relatório do Presidente da Província (Anexo 1). Manaós: Typ de Gregó-
rio José de Moraes, 1872b.

______. Falla do Presidente da Provincia do Amazonas á Assebleia Legislativa Pro-


vincial. Manáos: Typ. do Amazonas de José Carneiro dos Santos, 1882.

______. Falla do Presidente da Província do Amazonas a Asembleia Legislativa


Provencial do Amazonas. Manaós: Typ. do Comércio do Amazonas. Anexo 1, 1873.

24 - Decreto outorgado pelo Governador do Estado do Amazonas no Regulamento Geral da


Instrução Pública do Estado para as Escolas Públicas do Ensino Primário a que se refere o De-
creto nº 191, de 9 de setembro de 1897. Manaós: Impresso na Typ. Do Amazonas.
460 | História e Educação na Amazônia
______. Falla do Presidente da Provincia do Amazonas Alárico José Furtado. Ma-
náos: Typ. do Amazonas de José Carneiro dos Santos, 1880.

______. Falla do Presidente da Província do Amazonas Barão de Maracajú. Ma-


náos: Typ. do Amazonas, 1878b.

______. Falla do Presidente da Província do Amazonas Domingos Monteiro Peixo-


to. Manaós: Typ. do Comércio do Amazonas, 1874.

______. Lei Provincial nº 506, de 4 de novembro de 1880. Autoriza, pelo Regula-


mento nº 42, a reforma da Instrução Pública da Província do Amazonas, criando a
Escola Normal, 1882.

______. Mensagem apresentada á Assembléa Legislativa Provincial no dia 25 de


março de 1874. Manáos: Typ. do Comércio do Amazonas, 1874.

______. Mensagem apresentada á Assembléa Legislativa Provincial no dia 14 de


abril de 1869. Manáos: Typ. do Amazonas, 1869.

______. Mensagem apresentada pelo Dr. Agesilao Pereira da Silva, no dia 14 de


fevereiro de 1878. Manáos: Typ. do Jornal do Amazonas, 1878a.

______. Mensagem do Diretor Geral da Instrução Pública, de 31 de janeiro de


1866. Refere-se ao Anexo I da Mensagem do Presidente da Província do Amazonas,
de 4 de agosto de 1865.

______. Mensagem do Presidente da Província do Amazonas á Assembléa Legisla-


tiva Provincial, de 3 de maio de 1861. Typ. Francisco da Silva Ramos, 1862.

______. Mensagem do Presidente da Provincia do Amazonas Barão de Maracajú


no dia 29 de março de 1879. Manáos: Typ. do Amazonas, 1879.

______. Mensagens do Vice Presidente de Província do Amazonas. Pará: Typ. de


Santos & Filhos, 1852a.

______. Relatório á Assembléa Legislativa Provincial do Amazonas do Presidente


José de Miranda da Silva Reis, em 25 de março de 1871. Manáos: Typ. do Amazonas
de Antonio da Cunha Mendes, 1871.

______. Relatório á Assembléa Legislativa Provincial do Amazonas do Presidente


José de Miranda da Silva Reis, em 25 de março de 1872. Manáos: Typ. de Gregorio
José de Moraes, Anexo 3, 1872a.

História e Educação na Amazônia | 461


______. Relatório apresentado pelo Presidente da Província do Pará, sobre o esta-
do em que se encontrava a Província do Amazonas. Apresentado após a tomada de
posse do 1º Presidente da Província do Amazonas, o Sr. João Baptista Tenreiro Aranha.
Manaós: Typ. de Santos & Filhos, 1852c.

______. Relatório do Presidente da Província do Amazonas (Anexo 3). Manáos:


Typ. do Comércio do Amazonas, 1888.

______. Relatório inserido na Mensagem á Assembleia Legislativa Provincial no


dia 25 de março de 1874. Manáos: Typ. do Comércio do Amazonas, 1874.

______. Relatório inserido na Mensagem apresentada á Assembleia Legislativa


Provincial no dia 14 de abril de 1869. Manáos: Typ. do Amazonas, 1869.

______. Relatório inserido na Mensagem apresentada pelo Dr. Agesilão Pereira da


Silva, no dia 14 de fevereiro de 1878. Manáos: Typ. do Jornal do Amazonas, 1878c.

______. Relatório inserido na Mensagem do Diretor Geral da Instrução Pública


em 31 de janeiro de 1866, referente ao Anexo I da Mensagem do presidente da Pro-
víncia do Amazonas de 1865. Manáos: Typ. do Amazonas, 1965.

______. Relatório inserido na Mensagem do presidente da Provincia do Amazonas,


Barão de Maracajú, no dia 29 de março de 1879. Manáos: Typ. do Amazonas, 1879.

______. Regulamento Geral da Instrução Pública do Estado para Escolas Públicas


do Ensino Primário a que se refere o Decreto nº 191, de 9 de setembro de 1897.
Manáos: Impresso na Typ. do Amazonas. 1897.

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História e Educação na Amazônia | 463


464 | História e Educação na Amazônia
Princípios de modernização da
instrução pública no Maranhão
Imperial: análise de conteúdo dos
relatórios de presidentes da Província
(1866-1884)
ALEXANDRE RIBEIRO E SILVA
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)

Introdução

A história da instrução pública maranhense no século XIX tem sido ob-


jeto de variados estudos, os quais têm contribuído para a produção de impor-
tantes conhecimentos sobre esse recorte temporal e regional. Nesse conjunto,
as análises documentais têm sido o carro-chefe do crescente interesse de pes-
quisadores maranhenses pelas raízes históricas do fenômeno educacional em
seu estado. No entanto, a temática da história das políticas educacionais, sob
o ponto de vista da discussão sobre instrução pública, ainda não foi abordada
especificamente no contexto do Maranhão imperial.
Dentro desse tema amplo, os esforços deste estudo direcionaram-se
para a seguinte problemática: como o poder público do Maranhão imperial,
através do seu discurso oficial, produziu e socializou o ramo da instrução pú-
blica a partir da segunda metade do século XIX? Isso significa dizer que o
objetivo desta pesquisa é entender o processo de produção e socialização da
instrução pública na província do Maranhão entre 1866 e 1884, através, espe-
cificamente, das ideias pedagógicas que permeavam os discursos dos políticos
maranhenses da época. Para isso, tivemos os seguintes objetivos específicos:
identificar as ideias pedagógicas presentes no discurso oficial da elite política
maranhense da época; buscar o significado da presença de tais ideias e sua
contribuição para a produção e socialização do campo pedagógico do Mara-
nhão provincial.
Na revisão da literatura, o estudo buscou leituras direcionadas para a
história da educação brasileira, com foco no período da segunda metade do
século XIX, como Bastos (2003), Chamon (2013), Hilsdorf (2011) e Kuhlmann
Júnior (2000). A parte principal do trabalho é composta por análise documen-
tal dos relatórios dos presidentes da província do Maranhão, nos anos de 1866

História e Educação na Amazônia | 465


a 1884; tais documentos encontram-se digitalizados no site <www.crl.edu>.
Como os documentos em questão são compostos por discursos po-
líticos, houve a preocupação de buscar algum embasamento sobre esse tipo
de construção textual. Para tanto, tomou-se como referência os conceitos de
habitus e campo do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1983a, 1983b, 1989).
Além da parte conceitual que serve como base para a análise dos documentos,
adotamos como metodologia a análise de conteúdo com uma abordagem qua-
litativa (BARDIN, 1995; MORAES, 1999).

Princípios de modernização da Instrução Pública no Maranhão


imperial através dos relatórios de presidentes da província (1866-
1884)

Os relatórios de presidentes da província são constituídos por falas ou


mensagens apresentadas em reuniões da Assembleia Legislativa, as quais ser-
viam como prestação de contas do poder executivo aos deputados por ocasião
da mudança de governante ou como discursos proferidos na abertura dos tra-
balhos da assembleia, apontando para ações a serem realizadas pelo governo
em exercício. O político, então, informava aos legisladores e, dessa forma, à
população em geral, sobre todas as ações que ocorreram em seu período de
governo, ou que pretendia realizar. Os relatórios abordavam todas as áreas
do serviço público, como: segurança individual e pública, culto, catequese de
índios, hospitais, exportações, entre outras.
Para Giglio (2001 apud CASTRO, 2011), esses relatórios constituem
uma cartografia da província, baseada na assessoria dos agentes jurídicos e
políticos responsáveis pelos diversos ramos da administração provincial. Por
exemplo, para o ramo da educação existia o inspetor da Instrução Pública,
que enviava um relatório das condições desse ramo para o presidente da pro-
víncia, relatório esse que ajudaria a compor a fala geral do mandatário, sendo
algumas vezes anexado ao final. É preciso salientar que, embora o inspetor
cuidasse do estado geral da Instrução Pública, expondo sempre sua visão e
as soluções que acreditava serem adequadas, caberia ao governante a decisão
política final sobre o que seria feito.
Sobre a construção textual das falas e relatórios dos presidentes da pro-
víncia, Resende e Faria Filho (2001, p. 83), estudando os documentos do sécu-
lo XIX referentes a Minas Gerais, afirmam que:

As palavras e frases usadas nos relatórios eram, aparente-


mente, muito bem escolhidas. Eles são documentos ofi-

466 | História e Educação na Amazônia


ciais e eram escritos buscando influenciar quem os lesse
(ou ouvisse). Seja buscando persuadir, seja procurando
exortar, os textos sempre buscam convencer o povo, ou
seus representantes na Assembléia Provincial, da impor-
tância da instrução pública.

Observamos, portanto, que os relatórios de presidentes da província


fornecem o quadro geral da administração pública durante o século XIX. Nes-
se estudo, foram investigadas especificamente as páginas nas quais a elite po-
lítica da época se dedicou a expor seus feitos políticos e concepções sobre o
ramo da instrução pública.
Essa categoria de análise tem como objetivo reunir, descrever e inter-
pretar, no âmbito das concepções educacionais dos políticos da época, os te-
mas relacionados a certa modernização do ensino que começaram a surgir
no Império brasileiro a partir das décadas de 1860-1870 até os anos finais do
regime imperial. Isso significa que são temas que não haviam sido discutidos
no período anterior a esse, que foi de forte atuação conservadora, por serem
mais ligados a interesses do grupo liberal. Devemos ressaltar, porém, que esses
temas também faziam parte de programas civilizadores, apenas diferindo do
período anterior em alguns aspectos.
Segundo a análise de conteúdo procedida sobre a massa documental
composta pelos relatórios de presidentes da província, os temas foram dividi-
dos da seguinte forma: liberdade de ensino, coeducação dos sexos, conferên-
cias pedagógicas e jardins de infância. Ressaltemos que, apesar de separadas,
essas temáticas devem ser vistas em conjunto, compreendidas como o início
dos debates que levaram a certa modernização da instrução pública brasileira
e, como será apontado, maranhense.
Chamamos atenção para as observações de Chamon (2003) sobre tal
contexto. Segundo essa autora, inovações educacionais começaram a penetrar
a sociedade brasileira a partir do último quartel do século XIX. Tal ideário,
do qual fazia parte a coeducação dos sexos, os jardins de infância e a presença
mais marcante da mulher no magistério, vinha principalmente dos Estados
Unidos, em detrimento da França, até então modelo mais inspirador para os
educadores brasileiros, bem como de outros países, como Alemanha, Suíça e
Bélgica.

Liberdade de ensino

Lafayette Rodrigues Pereira, apresentando suas opiniões sobre o mo-

História e Educação na Amazônia | 467


delo de ensino francês, referiu-se a ele de forma negativa para introduzir uma
concepção que ainda não havia aparecido no debate político maranhense, a
liberdade de ensino:

Mas afinal veio-nos da França o contagio de tudo regular


e prevenir por via da lei: descobriu-se na liberdade de en-
sinar serio perigo para a educação e bons costumes; des-
de logo prescreverão-se cautelas e restricções; ninguem
mais poude exercer a profissão de professor particular
sem diploma de capacidade e attestados de bom procedi-
mento! (MARANHÃO, 1866, p. 20).

Comparando os dois sistemas, o de restrição e o de liberdade, o presi-


dente argumenta e conclui:

Vede bem: d’um lado a restricção do direito de ensinar


sem trazer a menor vantagem produz o pernicioso effeito
de diminuir a propagação da instrucção primaria. Muitas
pessoas, dos pontos mais remotos onde são mais raras
as escolas publicas, tendo vocação para o ensino, desis-
tem do intuito em presença dos dispendios e difficuldade
que terião de arrostrar para alcançar o diploma de capa-
cidade. D’outro lado a liberdade de ensino sem envolver
o menor perigo, facilita o derramamento da instrucção,
abrindo espaço a todas as vocações (MARANHÃO, 1866,
p. 20).

A defesa da liberdade de ensino continuou com o presidente Augusto


Olimpio Gomes de Castro, em 1871:

Fique aos paes a inteira responsabilidade na escolha dos


mestres; o seu proprio interesse é um guia muito mais
seguro e esclarecido em tão delicado assumpto, que a vi-
gilancia do poder, por mais activa que procure ser. Abra
escola quem quizer; a affluencia de alumnos será na razão
da aptidão e moralidade do mestre; o poder publico não
tera responsabilidade alguma nos males de uma escolha
infeliz, e acção benefica da liberdade tornará impossivel a
especulação e a fraude (MARANHÃO, 1871, p. 18).

O governo coloca, portanto, toda a responsabilidade sobre os pais, exi-


mindo-se da culpa no caso de uma escolha ruim. É interessante ressaltar que
Gomes de Castro foi uma das mais importantes lideranças conservadoras na

468 | História e Educação na Amazônia


província do Maranhão. Sendo assim, o que o levou a defender o princípio da
liberdade de ensino, que se distancia do projeto de uma instrução uniformiza-
da e centralizada na autoridade do Império? Se antes era defendida a ideia de
que a entrada no magistério deveria ser fiscalizada pelo governo, por que na-
quele momento passou-se a defender que qualquer pessoa poderia abrir uma
escola, mesmo sem autorização do governo?
Olímpio de Castro também tinha, aparentemente, a intenção de dimi-
nuir a intervenção do Estado na formação da infância:

Confundem-se em taes estabelecimentos a educação e a


instrucção, sendo aquella confiada a uma actoridade es-
tranha a familia, que o amor não esclarece nem mitiga,
o que não pode deixar de exercer funesta influencia no
espirito e caracter dos mancebos, que lhe são subordina-
dos. A educação incumbe á familia; o poder público, por
mais solicito que seja, não pode substituil-a conveniente-
mente em tão ardua e importante missão. Limite-se pois
a ministrar á mocidade mestres moralisados e habeis, e
deixe aos paes a responsabilidade e a gloria de educar
seus filhos (MARANHÃO, 1871, p. 17).

O político demonstra a distinção entre “educar”, ato mais ligado ao


comportamento, boas maneiras e convívio em sociedade, e “instruir”, relativo
à aquisição de conhecimentos científicos. Gomes de Castro também parecia
ser mais favorável à iniciativa privada na educação, como sua observação so-
bre essa questão no contexto imperial aponta:

Em quase todas as provincias do Imperio se teem cons-


truido casas para escolas por meio de donativos de parti-
culares. É esta a melhor prova de quanto é sympathica a
idéa de derramar a instrucção nas classes menos favore-
cidas (MARANHÃO, 1871, p. 24).

Em seguida, o presidente referiu-se à construção de um prédio para a


escola da Sociedade Onze de Agosto, que seria custeada por donativos de par-
ticulares, nos seguintes termos:

Será uma despesa productiva, e amplamente compensa-


da. Sem instrucção não se amenisam os costumes, e por
liberrimas que sejam as leis, não tem o povo direitos nem
sabe cumprir seus deveres (MARANHÃO, 1871, p. 24).

História e Educação na Amazônia | 469


Se a iniciativa particular era vista como uma despesa produtiva que
tão certamente traria compensação para a sociedade, a Instrução Pública, na
maioria dos relatórios analisados, não gozava da mesma imagem e credibili-
dade, posto que os investimentos públicos no ramo não fossem tão bem vistos
e chegava-se a sugerir a supressão de escolas para corte de gastos. Vejamos
o exemplo do presidente Silvino Elvidio Carneiro da Cunha, em 1873, para
quem as contribuições particulares eram mais que bem-vindas:

Entretanto, contava levar esta cruzada á todas as partes da


provincia, e sem dispendio dos dinheiros publicos. Todo
este movimento, assás honroso á provincia do Maranhão,
é devido á donativos particulares. Cabe-me apenas n’elle
a satisfação de me ter collocado á sua vanguarda, promo-
vendo com o maior esforço e mais acrisolada dedicação
o seu desenvolvimento. Possam os meus sucessores levar
ao cabo obra tão meritória, e por certo se tornarão bene-
meritos da patria (MARANHÃO, 1874, p. 10).

Toda essa atenção voltada para a liberdade de ensino e a iniciativa pri-


vada no campo da instrução pública pode ser explicada pelo fato de que, no
decorrer das décadas de 1860 e 1870, um segundo liberalismo entrou em cena,
o qual defendia o valor do trabalho livre e a consequente abolição da escrava-
tura. Hilsdorf (2011, p. 49) enumera o programa da seguinte maneira:

Para esses liberais a abolição era parte de um programa


mais amplo, que incluía o regime da pequena proprieda-
de, o crescimento da indústria, o voto universal, o ensino
primário estatal e gratuito e a liberdade de ensino para a
iniciativa privada.

Dessa forma, é possível entender que as lideranças maranhenses, mes-


mo de filiação conservadora, a exemplo de Gomes de Castro, acompanhavam
os movimentos de mentalidade que aconteciam ao longo do século.

Coeducação dos sexos

Destaque-se, também na década de 1870, o aparecimento das ideias de


coeducação dos sexos e das conferências pedagógicas. A primeira foi intro-
duzida por Francisco Maria Correia de Sá e Benevides, em 1877, por meio de
uma ordem dada ao Inspetor da Instrução Pública:

470 | História e Educação na Amazônia


Alem destas medidas tomadas no sentido de melhorar o
ensino, segundo as disposições vigentes, ainda ordenei ao
inspector da instrucção publica que permitisse que as es-
colas do sexo feminino sejam frequentadas por meninos
de seis a nove annos, idéa aceita hoje em todos os paizes
como de grande proveito para o ensino dos meninos de
tal idade (MARANHÃO, 1877, p. 38).

Novamente aparece a referência a outros países como tática de conven-


cimento. Dois anos depois, o presidente Luiz de Oliveira Lins de Vasconcellos
procedeu da mesma forma:

Sobre economica, seria tal medida acompanhada das


outras vantagens, inherentes ao systema de co-educação
dos sexos, coroado de tão brilhante exito nos Estados-U-
nidos, na Suissa, e em outros paizes, e a cujo favor tem
se pronunciado espiritos dos mais distinctos do imperio
(MARANHÃO, 1879, p. 18).

No ano seguinte, o mesmo presidente continuava defendendo a coedu-


cação dos sexos:

Insisto na idéa de permittir-se a coeducação dos sexos,


systema de vantagens experimentadas e que permitiria
realizar nesta provincia melhoramento no ensino com
economia na despeza (MARANHÃO, 1880, p. 24).

A coeducação dos sexos é um exemplo de ideia pedagógica surgida no


contexto das transformações políticas, culturais e sociais vivenciadas pelo Im-
pério brasileiro a partir da década de 70 do século XIX. Segundo França et al.
(s.d.), a origem da escola pública brasileira carrega em si a marca dos discursos
conservadores orientados pela moral cristã, os quais geraram uma visão limi-
tada quanto ao sistema de coeducação dos sexos.

Nesse sentido, as novas características atribuídas ao sexo


feminino a partir de 1870 foram consideradas um avanço
para o momento histórico em relação ao ideal de mulher
representado pela sociedade no período anterior. No en-
tanto, esses discursos foram marcados pela ambiguidade,
pois se pregou uma inferioridade biológica do sexo femi-
nino em relação ao sexo masculino, argumentos que se
consolidaram nesse período (FRANÇA et al, s.d., p. 4-5).

História e Educação na Amazônia | 471


No âmbito deste trabalho, não cabe aprofundamento em tais questões,
que já foram objeto de vários outros estudos específicos. O que aqui preten-
demos fazer é compreender a inserção desses novos conceitos, para a época,
como tentativa de modernização do ensino, de acordo com novos modelos
pedagógicos em ascensão naquele período.
Como podemos perceber nas palavras dos presidentes da província, a
coeducação dos sexos, especificamente na instrução primária, possibilitaria
melhor aproveitamento na aprendizagem da criança, ao mesmo tempo em
que diminuiria as despesas do Estado para com o ramo da instrução pública,
já que com o novo sistema seria necessário um número menor de escolas.
Como aponta Hahner (2011), vários argumentos serviram para defender a
coeducação dos sexos no final de 1870, entre eles o argumento econômico
demonstrado acima. Nas palavras da autora, em relação ao cenário nacional,

[...] [c]om a expansão da educação [...] o custo para


manter o ensino separado para meninos e meninas e a
escassez de professores homens estimularam a aceitação
de classes mistas que não fossem das elites (HAHNER,
2011, p. 469).

No que se refere ao cenário maranhense, embora não se possa falar exa-


tamente em expansão da educação, os relatórios de presidentes da província
demonstram que a economia de despesas com a Instrução Pública se configu-
rou como um forte “princípio pedagógico”, o que ajuda a entender a defesa do
sistema de coeducação.
Em relação à feminização do magistério, questão diretamente ligada à
coeducação dos sexos, Hahner (2011) afirma que esse processo aconteceu sob
a ênfase da maternidade, ou seja, via-se na mulher uma educadora natural,
cujo poder de orientar o desenvolvimento moral dos filhos e de formar bons
cidadãos para a nação ajudaria a compor o projeto de modernização do País.
Enfocando a província do Maranhão, percebe-se essa mesma ideologia repro-
duzida na fala do presidente Cincinnato Pinto da Silva, já em 1881, demons-
trada a seguir, na qual o político expressa, com belas palavras, a missão da mu-
lher no cuidado da família e da sociedade, sob sua moralidade e religiosidade:

Pois bem, para empregar-se no mister de á ministrar a


infancia, quem, senhores, mais apropriada do que a mu-
lher? E, se assim é, se contemplal-a na magestade de sua
missão sublime, é tambem contemplar a familia e a so-
ciedade, debaixo de todo o ponto de vista moral e reli-

472 | História e Educação na Amazônia


gioso, como não preparal-a, não educal-a de modo que
ella possa ser, afinal, a consciencia, a moral e a religião do
filho na familia, e do cidadão no Estado? (MARANHÃO,
1881, p. 11).

Como podemos visualizar, as causas iniciais para as primeiras defesas


da coeducação dos sexos foram de cunho econômico, visando a uma econo-
mia de despesas, princípio que via de regra era seguido pela elite política em
se tratando de investimentos no ramo da instrução pública. Quanto à defesa
da primazia feminina no exercício do magistério, houve uma reprodução da
ideologia que começava a ser espalhada em nível nacional, bem como inter-
nacional.

Conferências pedagógicas

A questão das conferências pedagógicas foi levantada pelo presidente


Francisco Maria Correia de Sá e Benevides, no relatório de 1877. Ao expor
sobre os malefícios causados pela atuação de maus professores, também cha-
mados de corruptores públicos, o presidente discursou sobre a necessidade de
formação dos professores, utilizando-se de uma experiência por ele realizada
na província do Pará:

Idéa associada a da escola normal é a das conferências


pedagogicas. Concorrerão ellas para que, desenvolven-
do-se os professores, possam obter o gosto litterario, pro-
curando conquistar o espirito da sciencia, abandonando
um pouco a letra, a que se aferram, como o costume de
aprender de côr o que estudam, methodo que transmi-
tem a seus discipulos que afinal se habituam a não res-
ponder senão pela forma porque o mestre lhe faz pergun-
tas. Taes conferencias admittidas hoje com proveito nos
paizes adiantados, teem sido introduzidas nas reformas
porque tem passado a instrucção em varias provincias.
Consegui ensaial-as com proveito na importante provin-
cia do Pará. Pelo lado pratico são intuitivas as suas van-
tagens. O estudo e comparação dos methodos, exames
sobre compendios a serem adoptados, são tantas outras
questões praticas dignas das conferências entre os profes-
sores (MARANHÃO, 1877, p. 39).

Segundo Bastos (2003, p. 2), alguns autores consideram a prática das


conferências pedagógicas tão antiga quanto a própria instituição escolar, sen-
História e Educação na Amazônia | 473
do que a Prússia teria sido o primeiro país a implantá-la. Na França, a primeira
referência é de 1829, com generalização a partir de 1835. No caso brasileiro, as
conferências pedagógicas foram criadas pela Reforma Couto Ferraz, de 1854;
porém, só foram normatizadas pelo Regulamento de 3 de agosto de 1872, ane-
xo à supracitada reforma, o qual estabelecia que:

[...] todos os professores públicos das escolas primá-


rias do Município da Corte, serão convocados com oito
dias de antecedência pela Inspetoria Geral da Instrução
Pública, para se reunirem nas férias de Páscoa e nas do
mês de dezembro, a fim de conferenciarem sobre todos
os pontos que interessarem: regime interno das escolas;
métodos de ensino; sistema de recompensas e punições
para os alunos, expondo as observações que hajam co-
lhido de sua prática e das leituras das obras que tenham
consultado.

Portanto, as conferências pedagógicas realizadas no século XIX se con-


figuravam como estratégias de educação e “vulgarização” do conhecimento,
nas quais se discutiam os principais temas relativos à instrução naquela épo-
ca. Tais conferências se encontravam na esteira da necessidade de formação
dos professores primários, e neste caso tratava-se de formação continuada, a
ser adquirida pelo mestre após sua passagem pela Escola Normal, atualizando
seus conhecimentos junto a seus companheiros de profissão, em uma instru-
ção mútua. As conferências se relacionavam também às questões de consti-
tuição de sistemas de instrução pública, ampliação do mercado editorial no
campo educativo e estímulo às bibliotecas pedagógicas.
Observando esses aspectos, Bastos (2003, p. 1) considera as conferên-
cias pedagógicas como “[...] uma modernização intelectual que buscava cor-
responder às mudanças socioeconômicas”. Em outro momento, afirma tam-
bém que as ideias que circularam nas conferências pedagógicas

[...] faziam parte de um movimento internacional, no


qual a elite intelectual brasileira procurava integrar-se e
vivenciá-las na sua realidade social (BASTOS, 2003, p. 5).

A autora expõe sobre nove conferências pedagógicas realizadas no Mu-


nicípio da Corte, entre 1873 e 1886. Afirma ainda a existência de referências
legais ao estabelecimento de conferências pedagógicas nas demais províncias
do Império brasileiro, e cita o Maranhão, juntamente com Piauí e Ceará, apon-
tando a realização de conferências na escola popular, em 1874, e conferências
474 | História e Educação na Amazônia
pedagógicas em 1881 (BASTOS, 2003). Durante este estudo, não foram en-
contradas referências bibliográficas sobre conferências pedagógicas no Mara-
nhão imperial, o que indica que o preenchimento dessa lacuna historiográfica
poderá ser feito somente através de pesquisa em documentação primária, para
se descobrirem em que resultaram os anseios expostos pelo presidente Fran-
cisco Maria Correia de Sá e Benevides em seu relatório de 1877. Ao menos se
sabe que a concepção esteve presente, indicando que os políticos do Mara-
nhão estavam cientes das atualizações do campo pedagógico.

Jardins de infância

Não obstante as dificuldades financeiras provinciais, as ideias moderni-


zadoras não cessariam de chegar ao Maranhão, pelo menos no que se refere
ao plano discursivo. Corroboram tal afirmação as palavras do presidente José
Bento de Araújo, que em 1887, já nos derradeiros anos do regime imperial,
sugeriu a construção de museus escolares e o estabelecimentos de jardins de
infância, restritos às cidades, para educação da infância.

Estabelecer tambem jardins de infancia ao menos nas ci-


dades, instituição esta que mais tem concorrido para o
extraordinario progresso do ensino primario ao norte da
Europa, e já tem sido com vantagem adoptado em muitas
localidades do Brasil (MARANHÃO, 1887, p. 4).

A discussão sobre os jardins de infância está relacionada aos primór-


dios da história da educação infantil, sendo esta entendida como uma etapa
anterior à escola primária. Segundo Kuhlmann Júnior (2000), o surgimento
de instituições destinadas à educação de crianças na faixa etária de zero a seis
anos de idade data da primeira metade do século XIX, localizadas em países
do continente europeu como parte de uma série de iniciativas reguladoras da
vida social dentro dos aspectos da crescente industrialização e urbanização.
A expansão das relações internacionais fez com que tais instituições fossem
incorporadas à educação brasileira a partir da década de 1870.
Para se definir o marco inicial dessas discussões, especificamente no
que diz respeito à província do Maranhão, deve-se recuar ao ano de 1864,
quando o presidente Miguel J. Ayres do Nascimento anexou ao seu relatório
um texto de título “Salas de asylo. – Escolas de educação primária.”, escrito
por Antonio Borges Leal Castello-Branco, diretamente de Paris, no dia 22 de
dezembro de 1863. Como aponta Kuhlmann Júnior (2000), as salas de asilo

História e Educação na Amazônia | 475


surgiram na França, passando a se chamar depois de “escolas maternais”, e
eram destinadas a receber crianças a partir de dois ou três anos.
No artigo anexado ao relatório, o autor caracterizou as salas de asilo
como a “base ou primeiro degráo da educação”, que deveria ser caracterizada
pela inculcação de “habitos de ordem, de disciplina, de asseio, de respeito, de
obediência; hábitos profundos, e duraveis, quando datão do berço”. Sobre a
metodologia, conseguia-se “[...] dar aos jogos e brincos infantis uma admirável
direcção, toda em proveito do corpo, do espírito, e do coração dos meninos”.1
Além das salas de asilo francesas, foram criadas em outros países insti-
tuições análogas, como o caso dos já citados jardins de infância. Como afirma
Kuhlmann Júnior (2000, p. 472),

As crianças mais velhas não precisariam ficar o tempo


inteiro no ambiente familiar. Não apenas os pobres, mas
também os de classe média e alta e mesmo as pertencen-
tes às famílias da Corte, no Rio de Janeiro, encontrariam
no ‘jardim de infância’ um lugar propício ao seu desen-
volvimento e ao cultivo de bons hábitos.

As discussões acima apresentadas podem ser consideradas como as


primeiras tentativas de modernizar a educação das crianças na província do
Maranhão, partindo do modelo francês das salas de asilo e posteriormente
introduzindo a concepção do jardim de infância.
Na última década do século XIX, os discursos procuraram reforçar
também a ideia do cidadão como parte integrante da sociedade, para o qual
a instrução teria o poder de fazê-lo contribuir para o progresso da sociedade,
encaminhando-o para a liberdade e a felicidade, conforme se vê na fala do
presidente Cincinnato Pinto da Silva, em 1881:

Não tendo o cidadão, que representa uma responsabili-


dade, que é um átomo da grande alma da nação, cons-
ciencia do seu valor, de seus direitos e deveres, como po-
derá consagrar proveitosamento ás exigencias do tempo
e do seu paiz, a sua actividade, o seu trabalho reflectido
e patriotico, os fructos de sua intelligencia e seus nobres
sentimentos?
[...]
Levar, portanto, ás camadas da sociedade, que se conser-
vam nas trevas da ignorancia, a luz e educação de que

1 - Trechos transcritos do artigo “Salas de asylo – Escolas de educação primária”, escrito por
Antonio Borges Leal Castello-Branco no dia 22 de dezembro de 1863.
476 | História e Educação na Amazônia
ellas necessitam para converterem-se em forças vivas e
beneficas do progresso, é o meio certo e seguro de enca-
minhal-as para a liberdade, para a verdade e felicidade na
vida real (MARANHÃO, 1881, p. 19).

Um balanço do ideário sobre a Instrução Pública na província do Ma-


ranhão nos últimos anos do regime imperial foi feito pelo presidente Ovidio
João Paulo de Andrade, em 1884:

A intervenção do Estado combinada com a gratuidade do


ensino, a obrigação de aprender a liberdade de ensinar,
são entre nós questões vencidas, principios geralmente
acceitos, que já não encontram contradictores serios. O
que ainda nos falta infelismente é sahir do mundo das
theorias e entrar francamente no das realidades praticas,
dando ao ensino publico uma organisação tão forte e effi-
caz quanto o permittirem as circumstancias peculiares de
cada provincia (MARANHÃO, 1884, p. 19).

Como podemos perceber, os políticos tinham a noção de que não bas-


tava estar em sintonia com as principais concepções pedagógicas da época,
embasadas no exemplo de outros países ou outras províncias. Sabiam perfei-
tamente que era necessário concretizar essas ideias, de acordo com a realidade
local.

Conclusão

O segundo momento das ideias educacionais presentes nos discursos


políticos se inicia a partir da década de 1860, momento em que as discussões
no Império adquiriam cunho mais influenciado pelos princípios do grupo li-
beral. A província do Maranhão também acompanhou essa mudança de visão,
e os presidentes passaram a expor os seguintes temas: liberdade de ensino,
coeducação dos sexos, conferências pedagógicas e jardins de infância. Con-
sideramos esses assuntos como os “princípios de modernização da instrução
pública”, denominação da categoria em que foram agrupados.
A questão da liberdade de ensino é um contraponto à ideia a qual fora
defendida anteriormente, que era justamente a restrição. Isso demonstra a
mudança de ideário, tanto nacional como regionalmente. A coeducação dos
sexos também representa um avanço, ainda que sua discussão tenha sido in-
troduzida inicialmente por fatores econômicos, como demonstraram os rela-
tórios. No mesmo sentido, caminham os temas das conferências pedagógicas
História e Educação na Amazônia | 477
e dos jardins de infância que representam, respectivamente, novas visões so-
bre a formação de professores e sobre a educação infantil. Demonstramos,
portanto, que o Maranhão esteve, a partir de 1860, em sintonia com o movi-
mento nacional de ideias pedagógicas para melhoria e modernização da ins-
trução pública.
Percebemos que havia certa inspiração em modelos externos, como
França, Estados Unidos e Rio de Janeiro; porém, não se deve falar em cópia,
mas sim em adaptação de acordo com a realidade local, o que era uma prática
bastante comum na época. A visualização dessa época permitiu observar tam-
bém que a influência da divisão partidária entre conservadores e liberais não
era tão grande, visto que se encontrou uma grande liderança conservadora
defendendo um princípio liberal, que era a liberdade de ensino. No entanto, é
preciso perceber que o conceito de habitus ajuda a compreender a adaptação
feita pelos políticos brasileiros, e consequentemente maranhenses, das ideias
educacionais geradas nos movimentos europeus do século XVIII. Além dis-
so, constatou-se que a referência explícita nos discursos pode ser considerada
uma estratégia discursiva que, por sua prática recorrente, fazia parte do habi-
tus linguístico dos presidentes para tornar seu discurso mais persuasivo.
Sob a ótica de alguns conceitos de Bourdieu (1983a, 1983b, 1989), os
relatórios foram abordados, desde o início das análises, como instrumentos
de poder repletos de autoridade ou linguagem autorizada, devido à posição
dominante que seus produtores ocupavam no campo político, o que fazia com
que seus discursos, bem como as ideias educacionais plasmadas em seu inte-
rior, adquirissem grande valor no mercado linguístico. Com isso, queremos
comprovar a relevância do fato dessas ideias pedagógicas terem sido expostas
e sugeridas pelos políticos, pois dessa maneira elas se revestiam da autorida-
de e, portanto, grande respaldo entre os receptores da mensagem. Ainda que
não fossem totalmente implementadas na prática, certamente influenciaram
na produção e socialização do campo pedagógico no Maranhão imperial, seja
conservando, seja modernizando.

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História e Educação na Amazônia | 479
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ranh%C3%A3o>. Acesso em: 5 abr. 2013.

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por occasião da installação de sua sessão ordinaria, no dia 1º de junho de 1869,
pelo primeiro vice-presidente da provincia, o exm. sr. dr. José da Silva Maya. S.
Luiz do Maranhão. Maranhão: Typ. de José Mathias, 1869. Disponível em: <http://
www.crl.edu/brazil/provincial/maranh%C3%A3o>. Acesso em: 24 mar. 2013.

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de Oliveira Lins de Vasconcellos, á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião
de sua installação no dia 13 de fevereiro do corrente anno. Maranhão, Typ. do Paiz,
1880. Disponível em: <http://www.crl.edu/brazil/provincial/maranh%C3%A3o>.
Acesso em: 3 abr. 2013.

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a administração da provincia no dia 4 de outubro de 1873 ao exm. sr. Dr. Augusto
Olympio Gomes de Castro. Maranhão: Typ. do Paiz, 1874. Disponível em: <http://
www.crl.edu/brazil/provincial/maranh%C3%A3o>. Acesso em: 25 mar. 2013.

______. Relatorio com que o exm. sr. vice-presidente da provincia, dr. Carlos Fer-
nando Ribeiro, installou no dia 9 de maio de 1878 a Assembléa Legislativa Pro-
vincial. Maranhão: Typ. do Paiz, 1878. Disponível em: <http://www.crl.edu/brazil/
provincial/maranh%C3%A3o>. Acesso em: 2 abr. 2013.

______. Relatorio com que o presidente da provincia, o exm. sr. senador Frederico
480 | História e Educação na Amazônia
d’Almeida e Albuquerque, abriu a Assembléa Legislativa Provincial no dia 20 de
junho de 1876. Maranhão: Typ. do Frias, 1876. Disponível em: <http://www.crl.edu/
brazil/provincial/maranh%C3%A3o>. Acesso em: 29 mar. 2013.

______. Relatorio lido pelo excellentissimo senhor presidente, dr. Augusto Olim-
pio Gomes de Castro, por occasião da installação da Assembléa Legislativa des-
ta provincia no dia 3 de maio de 1871. San’ Luiz do Maranhão. Maranhão: Typ.
B. de Mattos, 1871. Disponível em: <http://www.crl.edu/brazil/provincial/maran-
h%C3%A3o>. Acesso em: 24 mar. 2013.

______. Relatorio que o exm. snr. dr. Luiz de Oliveira Lins de Vasconcellos leo per-
ante a Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 22
de setembro de 1879; acompanhado do que lhe apresentou o exm. snr. coronel José
Caetano Vaz Junior á 24 de julho, ao passar-lhe a administracção [sic] da provincia,
na qualidade de 3º vice-presidente. Maranhão: Typ. Imperial de Ignacio José Ferrei-
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Pereira, apresentou á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua aber-
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dez. 2001.

História e Educação na Amazônia | 481


482 | História e Educação na Amazônia
Memória das Escolas de Linha
em Rondônia: o imaginário,
o poético, a história e o real
ROSANGELA APARECIDA HILÁRIO
Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

NÍDIA NACIB PONTUSCHKA


Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP)

WENDELL FIORI DE FARIA


Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

Escola e o lugar da memória nas Linhas rondonienses

“O futuro mais brilhante é baseado


num passado intensamente vivido”.
(CLARICE LISPECTOR)

As Escolas da Floresta na Amazônia brasileira adquirem os contornos,


a historicidade e o perfil de acordo com o contexto em que está instalada. As-
sim, ela pode ser Escola de Linha em Rondônia, Escola Barco no Amazonas,
Escola Aldeia no Pará, Escola Ribeirinha no Acre, entre outras denominações
e espaços que ocupa. Nessas escolas estão as crianças e, não raro, os adultos
que acreditam na força do conhecimento para emancipar o sujeito amazônico.
São Escolas da Diversidade, nas quais os herdeiros de pais não bem-sucedidos
nos vários ciclos de exploração da floresta se abrigam para sobreviver, trocar
saberes e construir uma nova cultura que não é mais aquela de seus pais e avôs,
tampouco a que encontraram em sua chegada. É outra, misto dessas duas e
com acréscimo da mestiçagem e da diversidade que modifica percepções sobre
o que está posto. Em função das políticas públicas que orientam ações para
a escola de educação básica, essas escolas tendem a desaparecer por força de
normativas que a qualificam de ineficiente e onerosa financeiramente.
Rondônia é um ente federado cortado de uma ponta a outra pela diver-
sidade e que tem como maior característica a formação demográfica: reúne
em um mesmo espaço pessoas de diversos lugares do Brasil e de fora do País,
com os mais variados perfis, com diversas representações sobre o mundo, em
um espaço geográfico que cresceu desordenadamente sem um projeto para se
História e Educação na Amazônia | 483
constituir Estado. Sem planejamento para integrar os trabalhadores em uma
nova proposta de organização do espaço geográfico e da divisão do trabalho,
como conceber um sistema educacional para acolher aos filhos dos trabalha-
dores?
Importante ressaltar que essa reflexão tem como recorte temporal os
anos finais do século XX, quando ocorrerem importantes mudanças sociais,
culturais e históricas induzidas pelos processos de redemocratização da socie-
dade brasileira: os movimentos sociais, as associações de operários, as associa-
ções de estudantes, entre outras entidades representativas que estabeleceram
uma agenda política cuja intencionalidade era a recuperação do estado de di-
reito garantido pela democracia. Para tanto, uma nova Carta Constitucional
foi promulgada em 1988, a qual, além de fazer à assunção do antigo território
em Estado, promoveu a criança brasileira a condição de sujeito de direito as-
sumindo no discurso a responsabilidade por zelar e financiar sua educação,
cuidar de sua saúde e garantir as responsabilidades do Estado e da família para
a formação cidadã do sujeito. Em tese, a Constituição Federal assegurava, por
exemplo, o acesso universal de todos os brasileiros ao ensino fundamental (no
mínimo) na escola pública, e paulatinamente esse direito iria se ampliando até
atingir aos anos finais da educação básica (ensino médio) em todo território
brasileiro. Mas, como garantir o atendimento para todas as crianças em um
Estado jovem, sem professores formados para a docência, sem estrutura ma-
terial e com inúmeras barreiras geográficas em sua constituição? Como asse-
gurar aos trabalhadores que haveria as três instituições básicas que constavam
da proposta para migração para Rondônia: um espaço para tratar da saúde em
face das múltiplas doenças tropicais que assustavam aos migrantes, uma igreja
e uma escola para os filhos de trabalhadores e os próprios alçados a condição
de cidadãos em busca da consolidação de sua identidade?
Foi assim que surgiram nos municípios de Rondônia as Escolas de Li-
nha. Linhas são estradas de terra nas quais se organizam comunidades rema-
nescentes dos períodos econômicos de efervescência no extrativismo na e da
Floresta e eram abandonadas à mercê da própria sorte ao final de cada ciclo
econômico, quando perdiam sua funcionalidade.
As Escolas de Linha dos municípios rondonienses cumpriram papel
fundamental para institucionalização de práticas sistematizadas para apren-
der a vir a ser no mundo entre os filhos e filhas dos trabalhadores, em que
se pese sua precariedade: normalmente era constituída de uma sala de aula
multisseriada com lousa, móveis que eram feitos ou doados pela comunidade,
uma cozinha, um banheiro e uma professora que assumia as funções de pro-

484 | História e Educação na Amazônia


fessora, coordenadora pedagógica, cozinheira, faxineira, diretora e nas horas
em que não estavam lecionando, conselheira e juíza de paz na comunidade.
Em grande medida, foram formadas na região Sul e Sudeste do Brasil e com
representações resultantes de suas referências culturais e formativas, que pro-
vocavam um choque entre a intenção e a ação docente.
Um grande número de professoras adoeceu ou desistiu da profissão,
provocando a criação da figura do professor emergencial que trabalhava por
contrato para uma temporada letiva, e, na medida em que ia melhorando sua
pontuação, ia se deslocando para espaços urbanos. Os primeiros professores
das Linhas foram contratados por indicação política, e as cartas de apresenta-
ção dos políticos se constituem em importantes fontes sobre as normas para
acesso à carreira na época. Na origem, a Escola de Linha estava ligada a apenas
uma comunidade escolar específica. Atualmente existem as Escolas Polos, que
reúnem em um mesmo espaço crianças de diversas Linhas e de fora delas: das
periferias da região urbana das cidades.
Partindo do pressuposto de que uma instituição supõe permanência e
transcendência, ou seja, continuidade temporal e superação das limitações que
impedem avanços, as Escolas de Linha não poderiam ser classificadas como
instituições de ensino. Entretanto, na recuperação da história dessas escolas
e diante do papel que assumiram diante das comunidades, pode-se afirmar
serem as Escolas de Linha fundamentais para a institucionalização dos espa-
ços escolares nos municípios rondonienses. A recuperação da memória e da
história oral pelas comunidades só evidencia essa perspectiva.
Memória, no entendimento dessa proposta de reflexão a partir dos
acervos escolares e da recuperação da história oral, não é o relatar e decorar
automático de fatos e dados destituídos de sua materialidade e referências an-
tropológicas, mas a análise da história narrada por meio dos documentos e
fotografias articulados e redimensionados nas narrativas dos relatos dos pro-
fessores.
Os dados foram coletados em forma de palavras e imagens. Incluem
citações, transcrições de memorial e das entrevistas, notas de campo e foto-
grafias, entre outros instrumentos. A palavra escrita assumiu fundamental
importância tanto para registro como para a interpretação dos resultados. A
descrição foi importante para que os detalhes não escapassem a uma narrativa
que permita melhor alcance do objetivo proposto. Importante destacar que,
neste estudo em processo, as imagens são de primordial importância, tendo
em vista que todo trabalho de campo está sendo desenvolvido em escolas que
tendem a desaparecer em função das novas formas de organização escolar

História e Educação na Amazônia | 485


proposta pelos gestores do sistema.
Existem dois tipos de fontes em um trabalho de recolhimento de infor-
mação sobre o ensino: as fontes que foram produzidas na escola e as fontes
produzidas para a escola. As fontes produzidas na escola são aquelas geradas
por todos os personagens que dela fizeram parte e ainda fazem parte, como
diretores de escola, professores, alunos, pais, inspetores escolares: os bilhetes
das mães justificando ausências, as advertências registradas no livro de ocor-
rências, os cadernos volantes escritos cada dia por um aluno, os convites para
festas e reuniões, os diários de classe, o regimento único das escolas, o rela-
tório de visita do inspetor escolar. Todos esses documentos produzidos na e
para escola constituem um importante guardião da memória do processo de
institucionalização da escola em Rondônia.
Essas escolas, seus móveis, seus acervos de documentos, a disposição e
organização da sala de aula, as fotografias posadas e o planejamento das roti-
nas escolares pelas professoras são lugares de memória, de lembranças, guar-
diões de documentos que relatam e ratificam parte da história da educação em
Rondônia. Se o olhar e o ouvir conseguem penetrar através da subjetividade
efêmera do tempo, é possível fazer a reconstituição da história contada por
meio de fotografias que mostram a disposição das carteiras, dos acentos mar-
cados que comprovam: mesmo entre os filhos dos trabalhadores sem trabalho
das Linhas, havia uma hierarquia marcada pela força do capital e do lugar
ocupado pelos sujeitos na organização social do espaço geográfico: na primei-
ra fileira ficavam as crianças brancas e com o material organizado, na segunda
fileira as crianças mestiças, na terceira fila as crianças negras (quando havia) e
na última fileira as crianças indígenas.
As marcas preservadas ao longo do tempo por essas instituições guar-
dam similaridade com os espaços de exploração dos trabalhadores do primei-
ro momento da revolução industrial: a disposição e alinhamento das carteiras
(no sistema boca/nuca), o agrupamento dos alunos por desenvolvimento dos
saberes e de acordo com os avanços no processo educativo: os mais produtivos
recebendo recompensas e os menos produtivos recebendo punições, o horário
estabelecido e os programas preestabelecidos, a rígida hierarquia organizada
em torno da cultura sulista brasileira e que causavam estranheza às crianças
filhas de migrantes, a organização do tempo e do espaço, a tentativa de murar
o entorno. O tempo ajuda a contar as escolhas e seleções para manutenção das
informações que o poder político queria manter ou não.
A Escola de Linha, que antecedeu a tradicional escola pública em tese,
laica e universal, teceu em torno de suas rotinas uma série de pressupostos que

486 | História e Educação na Amazônia


vieram a se transformar em política pública de acolhimento as crianças no es-
paço escolar: transporte escolar, merenda escolar diferenciada para as escolas
do campo, institucionalização de regras e consolidação das hierarquias.
O reconhecimento da importância das Escolas de Linha para as comu-
nidades do entorno e dos avanços alcançados muitas vezes por um professor
solitário, de fora do Estado, com representações diferenciadas sobre a função
da escola para os filhos dos trabalhadores, não diminui as dificuldades relacio-
nadas à ausência do Estado para oportunizar desenvolvimento social.
Nas Linhas dos municípios rondonienses, o final do século XX foi um
tempo de significativas mudanças socioculturais que reverberaram e impac-
taram os espaços educativos de maneira geral e as Escolas de Linha de forma
diferenciada. As escolas, por sua configuração, colocaram em xeque as velhas
organizações da cultura escolar republicana com seleção dos mais produtivos
e capazes pela entrada em bloco das crianças das camadas populares à esco-
la: são instituições que só existem porque existem crianças pobres, morando
afastadas dos centros urbanos e das periferias das cidades. Nessa perspectiva,
a escola não era mais um suporte de relacionamentos impessoais, com alunos
libertos de pertinências sociais particulares e locais, e sim o espaço que vai des-
construir o mito da cultura única, da língua única, da neutralidade de sabores
e de sotaques.
O inventário desses espaços constituiu um dos momentos mais interes-
santes desta pesquisa em processo e vem se consolidando como um importan-
te objeto da história e da etnografia escolar em função da solidez evocada e do
interesse que provocam. Podemos conjecturar que esse fato ocorre não pela
memória histórica, mas pela memória da formação dos que puderam viver,
conviver e se formar por meio das práticas vivenciadas.

Representações das professoras formadas no Sul e Sudeste sobre o


fazer docente na Amazônia Ocidental

As professoras e professores dos anos iniciais constantemente são re-


presentados dentro da pirâmide de profissionais do magistério como os mais
mal formados, inferiores na elaboração dos saberes e autorias sobre currículos
e atividades, desqualificados em sua identidade docente e com necessidade de
um permanente controle sobre o seu fazer docente.
Nas rotinas estabelecidas pelos professores trabalhadores nas Linhas
das cidades rondonienses, o estigma do fracasso e da falta de competência no
fazer docente parece consolidado: professores e professoras se representam

História e Educação na Amazônia | 487


como profissionais menores, inferiores.
A perspectiva sobre a inferioridade dos professores dos anos iniciais
naquele espaço parece fadada a justificar um maior controle sobre o seu fazer
docente e sobre sua autonomia, impactando diretamente as atividades, a me-
todologia e os processos de aprender nessa fase da educação. As escolhas são
ditadas pelas regras da política educacional e do financiamento da educação,
mensurado e monitorado por meio das avaliações institucionais. O currículo
oficial se impõe vislumbrando homogeneizar saberes e impor a ditadura do
padrão.
A educação não é tarefa abstrata e mitológica que se materializa a partir
dos quereres da sociedade e menos ainda pela força da caneta do secretário.
A educação formal e sistematizada se faz, em primeira instância, por famílias
que têm suas historicidades, suas crenças, sua memória e suas referências, e,
em um segundo momento, por professores nas escolas. A conexão entre essas
duas instituições constitui o legado do ser humano na primeira fase de sua
vida.
A formação de professores fez parte do projeto de expansão das redes
de ensino públicas para atendimento às normas prescritas pelas agências in-
ternacionais de financiamento da educação: acesso e permanência de uma
massa de sujeitos a quem havia sido negado o direito de estar na escola até
então. As regras estabelecidas pela política educacional deixaram de conside-
rar dois pontos importantes: 1) Os formuladores de política educacional eram,
em grande medida, da região Centro-Sul para baixo, e não consideravam as
diferenças, regionalidades e peculiaridades de viver, produzir e sobreviver na
e da floresta. 2) Os professores formados que foram ministrar aulas nas Linhas
geralmente eram do Paraná, do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais, de São
Paulo e tinham suas próprias representações sobre escola, cultura escolar e
institucionalização da escola pública com regras para acesso universal.
No caso específico das Escolas de Linha, a estigmatização e a precariza-
ção parecem consolidados na representação dos professores sobre os alunos:
as Linhas são o espaço do migrante pobre, daquele que não se destacou do
ponto de vista de acúmulo de capital, dos sem-terra, dos trabalhadores sem
qualificação que não têm oportunidades de sobrevivência nem mesmo nas pe-
riferias das cidades rondonienses. As Linhas são espaços de excluídos.

O termo estigma, portanto, será usado em referência a


um atributo profundamente depreciativo, mas o que é
preciso na realidade é uma linguagem de relações e não
atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode con-

488 | História e Educação na Amazônia


firmar a normalidade de outrem, portanto, ele não é em
si mesmo, nem honroso e nem desonroso (GOFFMAN,
2008, p. 13).

No caso das crianças moradoras das Linhas e alunas de suas escolas, a


terminologia Linhas estigmatiza, não agrega valor e parece delimitar as chanc-
es de ter voz e vez fora daquele espaço da floresta. Ser morador das Linhas
limita os sonhos.
Acredita-se pertinente ratificar a percepção que as limitações de tempo
e espaço nos obrigam a um recorte do que deve ser compartilhado e o que
deve ficar para momentos futuros: faz-se necessário exercitar o poder de sín-
tese no compartilhar desta reflexão.
Minayo (1995) defende que a linguagem é o lócus privilegiado das rep-
resentações sociais, as quais se traduzem por meio de palavras, ações e senti-
mentos que se institucionalizam. Portanto, devem ser analisadas a partir da
compreensão das estruturas que se organizam em torno de uma dada comu-
nidade, não sendo necessariamente conscientes. São reflexos da ideologia das
classes dominantes a partir da organização da sociedade, possuindo elementos
do passado e projetando o futuro em termos de reprodução da dominação.
Portanto, as interações que se fizeram no processo de entendimento do
fazer pedagógico dos professores das Linhas, a análise de suas produções ped-
agógicas e registro de sua avaliação sobre o fazer docente contribuíram para o
entendimento de como essas escolas foram se constituindo em referência para
as crianças das classes populares residentes no interior da floresta: precária,
quente e com um professor que quase sempre não desejava estar lá. Porém, era
tudo o que conseguiram para atendimento das suas necessidades de conhecer
a palavra na escola para interpretar ao mundo.
Importante ressaltar que as representações sobre a função da escola e a
atuação docente se organizaram em torno de uma representação sobre uma
escola ideal, com alunos perfeitos, e com famílias que se preocupam e se sac-
rificam por eles, em que as pessoas não têm preguiça de trabalhar, não faz tan-
to calor e a pobreza não é envergonhada. Na primeira amostragem, realizada
com dez professoras atuantes e moradoras das Linhas há pelo menos uma
década, o discurso foi basicamente o mesmo: os problemas da educação nas
Linhas estão relacionados a uma cultura de Macunaíma que parece dominar
aos moradores.1

1 - Discurso de uma professora de Cacoal em uma reunião em 25 de julho de 2014. Nesse caso, a
professora se referia a hábitos próprios da cultura rondoniense: em função das longas distâncias
entre os espaços, os moradores preferem ter uma motocicleta a reformar e ampliar suas casas,
História e Educação na Amazônia | 489
O sistema de representações estabelecido pelo grupo de professores
parece ter criado uma situação contraditória: ao mesmo tempo em que elas
minimizam sua identidade de professoras, sendo chamadas de “tias”, mistur-
am autoridade docente com autoridade familiar, formatando um quadro em
que outras pessoas (os alunos e suas famílias) são responsáveis pela situação
de vulnerabilidade em que se encontram. O medo do desconhecido motiva
as pessoas a criar representações sociais sobre os fenômenos (MOSCOVICI,
1982). Objetos sociais estranhos provocam medo, porque eles ameaçam o sen-
tido de ordem das pessoas e sua sensação de controle sobre o mundo. Uma
vez representado sob uma feição mais familiar, o objeto social se torna menos
ameaçador e o processo nos ajuda a entender por que as Linhas foram inicia-
das ancoradas a representações do estigma, da miséria e da acomodação sobre
o determinismo imposto pelo capital. Para ratificar a percepção, transcreve-
mos parte do discurso da professora de uma das escolas pesquisadas para a
pergunta: “Por que a senhora acredita que seus alunos vêm para a escola?”:

Eu me formei para dar aulas para crianças normais. Po-


bres, mais com tudo direitinho: caderno, fardinha, mãe
ajudando na tarefa, pai cuidando da disciplina, casa e
comida. Trouxe meus materiais, meu flanelógrafo, fiz
curso de especialização montessoriana para ajudar aos
mais fracos. Comprei avental cor-de-rosa e minha mãe
mandou bordar meu nome. Aí, foi um choque quando
cheguei aqui: um barracão, um quadro-negro peque-
no, crianças que para serem pobres precisavam ter tido
um pouco mais de sorte... Então, eu acho que elas vêm
para a escola para não perder a Bolsa Família, para po-
der brincar, para fugir da lida no sol quente, para escapar
da realidade da vida delas. Têm vontade de estar aqui,
mas a escola não vai mudar o lugar onde moram, a falta
de ambição da família. Daqui a cinco anos a senhora vai
voltar aqui e eles começarão uma nova família e tudo vai
estar como sempre foi (R. PROFESSORA DE GUAJARÁ
MIRIM).2

os moradores dormem após o almoço por pelo menos uma hora em que o sol está mais forte,
entre outros.
2 - A fala da Professora consta da tese de doutorado da autora e compôs essa reflexão por rati-
ficar uma percepção de que, talvez, fosse necessário uma sensibilização sobre os contextos da
região Norte antes de contratar professoras para organizar as rotinas pedagógicas. A Professora
R. é do Paraná e as referências que carrega, embora tenha sua origem na zona rural, misturam-
se à sua melancolia e lembranças sobre sua terra natal e uma escola que, talvez, exista só em seu
imaginário.
490 | História e Educação na Amazônia
O discurso da professora mistura referências de dois mundos em que
ela transita: uma localizada em uma escola de seu imaginário, na qual as cri-
anças têm fardinhas e cadernos, no qual ela pode usar o flanelógrafo; e o mun-
do das crianças da Linha, sem fardinha e necessitando ter mais sorte.
Com variações sobre o mesmo tema, esta parece ser a representação das
professoras das Linhas sobre seu núcleo pedagógico e a função da escola na
vida das crianças. Na verdade, o que muda nas cidades de Cacoal e Vilhena
é que há uma grande quantidade de pessoas do interior do Paraná e do Rio
Grande do Sul e seus descendentes morando nas Linhas. Mais ao Norte, a
grande maioria dos moradores das Linhas são nordestinos, haitianos, bolivi-
anos e indígenas.
A prática pedagógica das professoras das Linhas está imbricada com as
representações organizadas sobre si mesmas e a importância que adquiriram
perante a comunidade, os alunos e as famílias. Ao definirem-se como profes-
soras, se descrevem a partir de um compromisso de entendimento de qual seja
sua função diante desse contexto explicitado. Buscam respostas para o fato de
viverem, produzirem e sobreviverem no meio da floresta como se estivessem
em um dos mais desenvolvidos núcleos urbanos. Ou como ser para sempre
migrante sem nunca ter saído do mesmo espaço geográfico.

Etnografia das cenas escolares: a voz dos alunos no sistema de


representações sociais das Linhas

“Eu quero aprender a escrever as


histórias de minha avó antes que ela
morra” (MATHEUS, 8 anos).

No clássico A Interpretação das Culturas, Geertz (1989) explicita que


toda análise e interpretação sobre as culturas são referenciadas pelos dogmas,
preconceitos e organização cultural dos que a interpretam. Não seria possível
uma análise despossuída dos recortes de quem faz análise, imparcial, total-
mente objetiva. O autor faz suas ponderações na defesa da etnografia como
método de apreensão da realidade. A descrição densa, para o autor, é condição
sine qua non para a produção de significados, pressupondo a observação par-
ticipante e continuada como instrumento de coleta de dados que vão retroal-
imentar a descrição.
A etnografia da prática escolar já foi proposta em livro com esse mesmo
nome por Marli André em 2005. A proposta torna-se cada vez mais atual e
necessária, tendo em vista que a cultura escolar, quando é objeto de análise
História e Educação na Amazônia | 491
das pesquisas educacionais, tem como base a teoria da cultura organizacional.
Como se fosse aplicar na escola a teoria geral das instituições advindas das
ciências sociais aplicadas.
Forquin (1993) assinala quatro visões importantes a serem consideradas
para além da visão antropológica: perfectiva tradicional articulada à ideia de
erudição, patrimonialista ou identitária ligadas à ideia de nação, região ou
profissão, universalista – unitária, ligada à ideia de condição humana e filosó-
fica na oposição de cultura e natureza. As concepções não são excludentes e
podem coexistir no texto. Mas é essencial, que todos e cada um, possam estar
evidenciados no interior da cultura escolar por meio da linguagem própria
utilizada nos processos educativos.
O desafio da pesquisa nas Linhas perpassa o entendimento de que é
preciso um mergulho na sua constituição cultural dos hábitos das comuni-
dades para interpretar de maneira fidedigna os costumes, aspirações e mesmo
projetos dos moradores. A construção e a consolidação da cultura escolar das
Linhas passa pelo entendimento e enfrentamento da ditadura do padrão que
por vezes passa despercebida no cotidiano de professores. Torna-se necessário,
também, vencer a homogeneização de currículos escolares que reduzem a
aprendizagem a processos meramente cognitivos os quais se processam do
mesmo jeito para todas as pessoas, independente de suas referências. Assim,
buscamos focar nosso olhar sobre a construção de novas identidades docentes
e a superação das representações sociais como marco regulatório das ações
pedagógicas (ARROYO, 2011; BAUER; GASKEL, 2002; MINAYO, 1995).
Hobsbawm (1995) nos alerta para o fato de a grande maioria dos pro-
fessores atuarem como historiadores, tendo em vista que não vivenciaram to-
das as experiências constituintes de nossa história para compreensão de nos-
sas trajetórias de ensino.
Por fim, torna-se importante alertar para o fato de que a facilidade com
que se organizam novas propostas pedagógicas, com novos documentos ori-
entadores de suas práticas, talvez só seja semelhante à dificuldade com que são
criadas e a precariedade com que são mantidas as escolas.
Bosi (1987) afirma que, quando um grupo trabalha em conjunto para
o resgate de sua memória histórica e interpretação dos fatos, referenda o ma-
terial com uma explicação distinta das situações delimitadoras de sua consti-
tuição.
Importante compartilhar a seguinte percepção inicial cuja assunção se
dá pelos encontros iniciais: se os professores continuarem impedidos de or-
ganizar e consolidar sua identidade a partir de seus saberes e organização de

492 | História e Educação na Amazônia


suas rotinas com embasamento teórico que lhes favoreça de fato e não ape-
nas no texto legal, talvez nosso sistema educacional não se consolide de fato.
A memória só se constitui quando as vivências do cotidiano oportunizam a
articulação de pessoas com intercâmbios de saberes e troca sobre suas lem-
branças e visões de futuro. A história é ciência que se deve aprender para des-
velar o passado, compreender o presente e planejar ao futuro.

Um olhar sobre o processo de aprender e ensinar: etnografia das


cenas escolares

“A carne mais barata do mercado é a


carne negra”.
(ELZA SOARES)

A Professora Luna (o nome não é o real e está sendo utilizado no sentido


de aproximação e materialidade) é uma moça bonita, negra, de trinta e cinco
anos. Suas lembranças mais intensas da escola dizem respeito ao acolhimento
oportunizado pelos colegas de turma nos anos 80, do século XX, em um dia
em que a madrasta a mandou para escola despenteada, com os cabelos arma-
dos e na qual a professora pacientemente arrumou como foi possível para que
ela não ficasse desconfortável. Naquele dia distante do ano de 1989, segundo a
professora, ela descobriu o que gostaria de fazer pelo resto de sua vida: cuidar,
zelar, educar crianças como ela, que não podiam contar com mais ninguém.
Sua ação docente se confunde, em função dessa memória em particular,
com uma grande rede de assistência social: aos alunos com mais dificuldades
em função de sua condição social são oferecidos todo tipo de compensação,
que, ao longo do tempo, pode se transformar em um motivo para abandonar
a escola em função da não compreensão da função da escola; ser um facilit-
ador nem sempre é oportunizar chances reais de sucesso escolar. Os alunos
recebem desenhos misturados com letras em uma tentativa de modernizar o
método fonético de alfabetização, a professora leva de casa roupas, lápis, me-
ias, livros e demais materiais que julga importantes para melhorar o cotidiano
dos alunos.
O racismo no Norte do Brasil, bem como em todo o território nacional,
é velado, escondido por baixo de brincadeiras cruéis de não ser escolhido para
danças e jogos, de não ser nunca a noiva da quadrilha da festa junina, de não
se encontrar nos livros e referências da escola, de ser aceito apenas por conta
de uma mitológica sensualidade e permissividade que não se justifica.
O memorial da Professora Luna tinha como intencionalidade traçar o
História e Educação na Amazônia | 493
seu perfil profissional, sua trajetória de formação e como suas memórias sobre
e na escola impactam sua ação docente. Porém, a caracterização e imersão de
suas memórias provocaram sensações tão fortes e misturadas com o próprio
desenvolvimento profissional dos pesquisadores que não se pode deixar de
refletir o quanto os afetos influenciam o fazer docente: a professora alfabetiza-
dora com 24 alunos frequentes acolhe com especial carinho aqueles discrimi-
nados em função de sua condição social e cor da pele.
Os sentimentos se misturam e se transmutam em desejo que possam
superar o determinismo e vencer o estigma do pobre, preto e marginal diante
da comunidade escolar. O discurso da professora mistura concepções ped-
agógicas, religiosas e políticas, recheado de revolta e tristeza. Nessa mistura
antropológica estão suas crenças protestantes, suas esperanças de professora e
seu desalento de cidadã.
Suas palavras apresentam materialidade em suas interações pedagógi-
cas: ela gosta de contar histórias, de desenhar para os alunos com mais dificul-
dades, de distribuir estrelinhas douradas pelas tarefas cumpridas com êxito.
Assume funções para as quais não se formou: encontrar pais pelos bares do
bairro aos finais de semana, fazer aconselhamento religioso, ensinar mães a
fazerem doces e tricô.
A trajetória de Luna está diretamente ligada à dura experiência do rac-
ismo e do estigma do cabelo bom e cabelo ruim: em sua própria casa nunca en-
controu eco para ter respostas às suas perguntas sobre a mãe negra, sobre suas
condições, sobre a história que a madrasta não viveu com seu pai. Sua ação
de alfabetizadora está diretamente ligada às dificuldades de ser professora em
um ambiente inóspito de pobreza. Sua leitura de mundo mistura opressão a
ser superada, desencanto pelos espaços nos quais transita a esperança em um
futuro que não chega.
Como acreditar em liberdade em espaços escolares que negam aos su-
jeitos o direito de contar sua história, assumir sua identidade étnica e sua an-
cestralidade. A conquista da liberdade e da autonomia no exercício da docên-
cia e consolidação da identidade deveria sempre ser dialógica, com superação
dos preconceitos e da opressão.
Nesse espaço de contradições e intenções, a investigação se propôs a
analisar como os acervos escolares reorganizam a história da educação nos
municípios de Rondônia a partir da visão daqueles que, em tese, deveriam
se beneficiar da política educacional. Na coleta de dados junto ao arquivo de
duas escolas, foi possível verificar a existência de bilhetes justificando ausência
em função de trabalho que as crianças de menos de catorze anos desenvolvem

494 | História e Educação na Amazônia


para contribuir no orçamento doméstico: uma das mães, em uma caligrafia
clara, explicava à Professora que a aluna havia faltado porque o bebê que ela
cuidava estava muito gripado.
Outro aspecto importante: Escola de Linha pode se organizar para in-
cluir todos os seus sujeitos alunos emersos das classes populares em processos
de aprender, tendo como referência o conceito de cultura e o entendimento
que se dá à cultura letrada na comunidade: sua gastronomia, suas histórias,
suas fábulas, seus orgulhos e seu conhecimento.
As escolas são, em grande medida, multisseriadas, atendendo a uma
média de 35 crianças, de ambos os sexos e que têm entre 6 e 15 anos, filhos
de pequenos agricultores, indígenas de várias etnias sem escola na aldeia (na
busca de aprender português), filhos de garimpeiros, de operários das Usinas
do rio Madeira, bolivianos que atravessam a fronteira todos os dias para estu-
dar no lado brasileiro, enfim, crianças em busca de uma identidade e recon-
hecimento social, os quais intuem que a escola possa lhes oportunizar outras
condições de vida. Os objetivos que orientam a produção desse conhecimento
estão diretamente relacionados à sistemática de atendimento desses sujeitos
na escola e como sua produção se torna relato de sua trajetória escolar.
Ao longo das reuniões de sensibilização com os professores e na
imersão na comunidade escolar, percebeu-se que o debate em torno do tema
é confundido frequentemente como mais uma ação de política de assistência
social com intenção de amenizar consciências e buscar, por meio da legislação
imposta pelas políticas públicas, generosidade e acolhimento que se trans-
mutem em possibilidades de convivência na escola para os mais pobres, para
os discriminados em função de suas orientações sexuais, religiosas ou de suas
características étnicas.
Sendo abrangente, nos oferecia um leque de possibilidades no que
tange à sua concretude por meio do estudo de como se manifestam nos textos
prescritivos das políticas públicas transmutados em ação pedagógica, de suas
interpretações e questionamentos nos relatórios produzidos pela academia e
no que tange aos recursos para o financiamento das ações pedagógicas para
dar materialidade às intenções.
O compartilhar de dados efetivados agora sinalizam para o fato de que
a organização da Escola de Linha objeto desta investigação é o aluno real, com
a função da escola nesta perspectiva, a de lhe oportunizar voz e vez para in-
seri-lo em toda a amplitude de sua condição humana, do seu lugar e de sua
cidadania.
Por fim, o fato de que as professoras encontram meios para utilizar a

História e Educação na Amazônia | 495


política educacional a favor dos seus alunos: há uma tendência muito forte nas
escolas rondonienses de, ao final do ano letivo, a professora só deixar na escola
um mínimo de documentos para justificar a burocracia oficial. A grande mas-
sa da produção dos alunos, fotografias e receitas de todos os tipos são guar-
dadas na casa das professoras. O que obrigou os pesquisadores a literalmente
mergulhar nos processos de organizar a cultura das comunidades.

Considerações sobre um debate apenas iniciado

No processo de leitura e interpretação dos documentos escolares, foi


se delineando, até o momento, um quadro que reforça a importância da Me-
mória nos estudos sobre a institucionalização da escola e profissionalização
docente em nosso Estado.
Ao ser iniciado, este estudo dava indicativos de que as professoras não se
ocupavam de profissionalizar sua ação e se guiavam por recursos pedagógicos,
didáticos e normas da política educacional somente. No entanto, no desenro-
lar e aprofundar da temática, foi se desenrolando um quadro que permitiu en-
tender que entre a cor branca e a cor preta existe uma grande nuance de tons
acinzentados: a finalidade da ciência não é se submeter às nossas preferências
e posturas ideológicas. É resultado da articulação de pontos de vista diversi-
ficados, compartilhamento de ideias e resultados em um processo altamente
racional, porém envolve subjetividades oriundas das representações, cultura e
lembranças. Caminhos que influenciam o pensar.
A Escola da Comunidade acolheu a diversidade mestiça constituída por
várias gerações de migrantes pobres. A escola tem se esforçado para que seus
ambientes sejam espaços nos quais as crianças possam exercer seu direito de
viver e aprender. Os professores trabalham sua identidade na perspectiva de
permitir que o estranhamento da diferença seja substituído pela solidariedade
de viver, conviver e produzir o resgate da cidadania plena. A convivência car-
rega toda a tensão e distensão de viver em um espaço mestiço com variadas
representações e memórias sobre a função da escola.
Importante concluir esta proposta de reflexão demarcando a principal
reclamação das professoras das Linhas: a formação continuada. O processo de
remuneração das professoras prevê que recebam por 25 horas de trabalho: 20
horas em sala de aula e cinco horas de formação continuada, podendo ser rea-
lizado no espaço que quiserem. As professoras queixam-se da necessidade de
sistematização e troca com as colegas de outras Linhas e das escolas vizinhas.
Em detrimento do esforço das professoras, percebe-se que, sem o im-

496 | História e Educação na Amazônia


prescindível apoio dos gestores do sistema para organização da formação con-
tinuada, de fato, os êxitos dos processos educativos acontecerão em grande
medida pela dedicação e tentativa de acerto e erro das professoras. Para sin-
tetizar a precariedade desses espaços, a tecnologia e o apoio didático restrin-
gem-se, quando muito, à utilização do mimeógrafo a álcool para rodar ativi-
dades de reforço escolar.
Os documentos escolares e o relato dos professores podem colaborar
para a recuperação da memória da escola pública nos municípios de Rondônia,
tendo como ponto de partida um modelo de ensino que não foi desenvolvido
para os contextos amazônicos. Entretanto, em que se pesem as dificuldades, as
professoras têm avançado nos processos de formar os filhos dos trabalhadores.
Por fim, a análise preliminar permite constatar serem as referências
trazidas da prática pedagógica dos professores constituintes de categorias sig-
nificativas na ampliação dos espaços de visibilidade e institucionalização da
escola com acesso para todas as crianças, de onde foi possível ensaiar uma
conclusão de ser o entendimento do espaço escolar como lugar diferenciado,
bem como a redefinição e valorização da história profissional dos professores
uma categoria importante nos estudos educacionais.

Referências

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pinas: Papirus Editora, 2005.

ARROYO, Miguel Gonzalez.  Currículo, território em disputa. Petrópolis: Vozes,


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BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e
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498 | História e Educação na Amazônia


A política higienista no Pará da
belle époque e a proteção
à infância pobre em 1912

LAURA MARIA SILVA ARAÚJO ALVES
Universidade Federal do Pará (UFPA)

Introdução

A saúde infantil no Pará, como campo de intervenção, cuidados e estu-


dos sobre a criança, não teve nada estruturado ou sistematizado até o século
XIX; somente no início do século XX é criado o Instituto de Proteção e As-
sistência à Infância no Pará. Este trabalho insere-se, portanto, no contexto do
Pará republicano do início do século XX, momento em que os cuidados com
a infância na região amazônica se consolidava.
O cenário da criança pobre no Norte do Brasil no raiar do período re-
publicano era desolador. A mortalidade de crianças por doenças, desnutrição
e falta de higiene no estado do Pará era extremamente elevada, incompatível
com a necessidade de constituição de uma raça forte e produtiva e de uma
infância futuro do País. Muitas crianças moravam em cortiços e vilas ao redor
da cidade de Belém e viviam sem o menor preceito de higiene e com certos
hábitos culturais da região que prejudicavam o seu desenvolvimento físico e
cognitivo (SARGES, 2002).
Diante desse quadro desolador, em 1910, o jovem médico Ophir Loyo-
la, diretor da Santa Casa de Misericórdia do Pará, manifestou uma grande
preocupação com a situação dessas crianças, tendo iniciado uma intensa atua-
ção a favor da higiene infantil e de uma “verdadeira” puericultura (MARTINS,
2006).
Desde o início de sua carreira como médico pediatra, Ophir Loyola
consolidou cada vez mais sua política na assistência médico-social à infância
pobre e fez valer os seus princípios em relação ao desenvolvimento saudável
da criança. Dotado de espírito renovador e progressista, Ophir Loyola desta-
cou-se na política higienista na Amazônia, inclusive fazendo parte da equipe
de médicos sanitaristas do Pará. Além disso, destacou-se ainda nos estudos
sobre doenças da infância e na orientação às mães sobre os cuidados infantis.
Insatisfeito com a situação de abandono das crianças pobres em Belém do
Pará, em 1912, o abnegado médico cria o Instituto de Proteção e Assistência à

História e Educação na Amazônia | 499


Infância. Procuramos então destacar neste trabalho a contribuição do médico
Ophir Loyola no atendimento à criança pobre no Instituto de Proteção e As-
sistência à Infância do Pará.
O presente trabalho tem como principal intenção investigar a políti-
ca higienista no Pará da belle époque e a proteção à infância pobre em 1912.
Portanto, a pesquisa tem como objetivo: (1) identificar a contribuição des-
se instituto no atendimento médico e educativo da criança pobre do Pará;
(2) desvelar que saberes educacionais e médicos defendidos pelo higienismo
foram aplicados à infância no instituto. Para construção da pesquisa, meto-
dologicamente utilizamos documentos como estatutos, jornais e revistas do
arquivo da Biblioteca Artur Vianna.

Os discursos dos médicos higienistas

Nesse cenário, sobressaía-se o papel dos médicos higienistas no aten-


dimento às crianças pobres. Dispostos a enfrentar o “problema da infância”
por meio de medidas higienizadoras, tais médicos defendiam não apenas a
assistência materno-infantil, mas também proposições a respeito da educação
das mães, com vistas à formação física e moral dos filhos. A atuação desses mé-
dicos higienistas foi o que instituiu o novo modelo filantrópico de assistência,
que iria combinar intervenção pública, filantropia e ciência médica. Fundam-
se nesta época as bases da puericultura no Brasil, definida como a ciência que
trata da higiene física e social da criança. Nascido na Inglaterra e na França no
século XVIII, a base da puericultura era na orientação à higiene da maternida-
de e da infância (FERREIRA; GONDRA, 2007).
Embalado pelo movimento higenista,1 que teve grande repercussão no
final do século XIX e início do século XX, dando ênfase à proteção e aos cuida-
dos com a infância, no Brasil, Moncorvo Filho2 cria em 1889 no Rio de Janeiro

1 - O higienismo foi uma medida que influenciou muitas práticas e políticas públicas fortemente
implantadas no Brasil. Pode-se dizer que o higienismo, como uma forma de pensar, é um desdo-
bramento da medicina social. A urbanização sem planejamento decorrente da industrialização
emergente que acontecia no Brasil no final do século XIX e início do século XX traz como
consequência problemas de toda ordem, entre os quais se destacam os de natureza médica: as
condições sanitárias ameaçadoras e os surtos epidêmicos. Morria-se de uma ampla variedade
de doenças, como varíola, febre amarela, malária, tifo, tuberculose, lepra, disseminadas mais
facilmente pela concentração urbana.
2 - Arthur Moncorvo Filho cria modelos ideológicos e institucionais de assistência à infância,
idealizados e promovidos no começo do século XX. Esse médico brasileiro expressamente asso-
ciava criança e assistência infantil à nação, defendendo o controle, por parte do governo federal,
de todas as instituições destinadas a proteger a infância. Ele acreditava que o poder público
500 | História e Educação na Amazônia
o primeiro Instituto de Proteção e Assistência à Infância no Brasil (Ipai).
O Ipai é uma instituição privada, de caráter filantrópico, que, nascen-
do sob a bandeira da República e sobretudo dos valores positivistas, encontra
respaldo para sua criação em ideias médico-higienistas. É o início do conflito
entre caridade e filantropia. Enquanto a primeira era campo exclusivo das Ir-
mãs de Caridade,3 a segunda tem compromisso com a ciência. Inicia-se uma
campanha contra os asilos de caridade e o sistema de roda, levada a cabo por
médicos e juristas. A questão da racionalização da saúde do menor é levanta-
da devido às altas taxas de mortalidade infantil, tanto na sociedade em geral
quanto nos asilos.
Sabe-se que no período do Brasil colônia não havia cuidados especiais à
criança. No século XVIII, com a urbanização das cidades brasileiras, requer-se
a intervenção médica nas questões de higiene e saúde e gradativamente mu-
dam os cuidados com a criança (GONDRA, 2003). No século XIX, com as
proposta higienistas e os médicos preocupados com a alarmante mortalidade
infantil e com os cuidados que se deveria ter com a criança, negligenciada até
então, criam-se instituições de proteção às crianças pobres e desvalidas. No
século XX se inicia a institucionalização dos saberes educacionais, médicos e
psicológicos aplicados à infância, e é quando podemos verificar mais registros
sobre que cuidados eram reservados à criança no Pará (RIZZINI, 2009).
Durante o século XVIII e parte do século XIX, predominava a prática

deveria assumir o papel reservado aos pais das crianças pobres, a fim de protegê-las da miséria
e da delinquência prevalecentes nas cidades brasileiras. Para Moncorvo Filho, as crianças pos-
suíam um valor intrínseco, pois representavam a matéria-prima a partir da qual a futura força
de trabalho poderia ser moldada. Por meio das instituições que organizou, esperava instaurar
um modelo institucional de assistência à infância, a partir do qual o governo poderia criar um
sistema nacional centralizado de proteção aos menores carentes. Em 1891, Moncorvo Filho cria
no Rio de Janeiro o Instituto de Proteção e Assistência à Infância. Ficou conhecido como o
grande defensor das causas da infância e crítico das instituições asilares, condenadas de acordo
com os preceitos científicos e sociais da higiene como foco de doenças e causadoras das altas
taxas de mortalidade infantil.
3 - Segundo Nascimento (2008, p. 54), “[...] a palavra caridade deve ser entendida na acepção do
amor universal ou moral – o ágape do grego −, o amor que promove o bem do próximo. Des-
locada das franjas dos preceitos cristãos para posição central de uma nova postura da doutrina
católica desde fins do século XI, as obras pias ganharam relevo na atitude de alguns padres secu-
lares e em experiências eremíticas, levando a Igreja a adotar a caridade como uma condição para
a salvação. O dispositivo da caridade, gestado e colocado em funcionamento através do discurso
e da prática da Igreja Católica, se consolidou como uma prática de poder, de dominação e de
controle. Se, por um lado, estimulava o acolhimento e a criação dos expostos por parte dos féis,
por outro, virava moeda de troca, à medida que abria para o católico mais uma possibilidade de
dar visibilidade a sua fé, ampliando seu campo de exercício da misericórdia e da piedade, e com
a prática de melhor ação adiantava seus passos em direção à salvação eterna”.
História e Educação na Amazônia | 501
preferencialmente caritativa no zelar pelas crianças pobres que se materiali-
zava no ato de recolher crianças órfãs e expostas. O melhor exemplo desse
modelo foi a “roda dos expostos”, que foi implantada em várias províncias do
Brasil. Entretanto, esse modelo foi considerado inadequado e principalmente
incompatível com a nova mentalidade do século XIX. Coube aos higienistas a
crítica ao sistema de assistência caritativa baseado nos conhecimentos adqui-
ridos pela ciência médica e psicológica. O alvo das críticas era que a “roda dos
expostos”, de um lado, incentivava o abandono de crianças de uniões ilícitas
e assim livravam-se os pais da responsabilidade de criá-los, ferindo o preceito
da higiene moral, pois as “roda” serviam para acobertar os filhos bastardos,
“nascidos do pecado”; de outro, o amontoado de crianças nos asilos feria to-
dos os preceitos da higiene médica, o que era constatado com índice elevado
de crianças que morriam nessas instituições por falta de asseio, de alimentação
e de arejamento das casas (VENÂNCIO, 1999).
No século XIX, em decorrência da urbanização, os médicos passaram
a ter preocupação com os cuidados e a higiene dos locais e das pessoas, tais
como: a localização de cemitérios, controle dos espaços físicos, controle das
epidemias, sobretudo os cuidados com as crianças e as mulheres. A grande
preocupação era neutralizar os perigos que ameaçavam a saúde da sociedade.
As medidas higienistas abrangiam os cuidados com a saúde da criança nos
primeiros anos de vida, cuidados com a gravidez e o parto, além de cuidados
com a amamentação realizada pelas amas de leite (RIZZINI, 2008).

O Pará da belle époque e a proteção à infância pobre

Com a exploração da borracha na Amazônia no início do século XX,


a sociedade da capital paraense não estava dissociada do contexto nacional
e vivia grandes transformações nos campos político, econômico e cultural.
Essa economia provocou um intenso processo migratório, fazendo com que
a população de Belém crescesse consideravelmente. Eram pessoas vindas de
muitas partes do Brasil e do exterior, que traziam consigo suas crianças e pro-
curavam, mediante as dificuldades enfrentadas, um lugar para acolhê-las. Tal
acontecimento obrigava o poder público a tomar diferentes medidas para ga-
rantir a ordenação da cidade de Belém e atender a uma elite formada pelos
barões da borracha, que impunha um novo modelo de vida baseado em ideias
trazidas das cidades da Europa. Ao tempo em que a população crescia em um
ritmo frenético, normas eram estabelecidas para que nada interferisse no pro-
jeto de modernização da Amazônia (BORDALO, 2002).

502 | História e Educação na Amazônia


No contrafluxo dessa política, contavam-se alarmantes taxas de morta-
lidade infantil e as crianças eram as maiores vítimas das doenças que apare-
ciam: varíola, febre amarela, lepra e tuberculose (PRIORE, 1999). A concep-
ção médico-higienista, que embasava o projeto civilizador do final do século
XIX, estabelecia muitas diretrizes para a formação de uma nova sociedade, e a
capital da província do Grão-Pará a ela não esteve alheia, muito pelo contrário
(VIANNA, 1909).
A criança era o foco principal para o estabelecimento dessa nova socie-
dade, e as políticas públicas começam a ser pensadas para ela. As práticas uti-
lizadas no interior das casas de asilos para crianças tinham um objetivo: trans-
formar a criança pobre, desvalida e órfã em um cidadão útil para a sociedade,
principalmente em termos econômicos. Desse modo, os trabalhos buscam
compreender o lugar da criança e da infância na história do povo do Norte do
País e sua especificidade na história da Amazônia paraense. Essa preocupação
dos pesquisadores em fazer uma história social da infância na Amazônia deve-
se ao novo status que esta adquiriu no âmago da sociedade brasileira. Alvo do
discurso médico, pedagógico, jurídico e psicológico, a criança e suas represen-
tações sociais – desvalida, delinquente, abandonada, órfão, pobre – passaram
a lograr um lugar de destaque junto à pauta de discussões acadêmicas nas
áreas de psicologia, educação, sociologia e antropologia das principais univer-
sidades brasileiras. Nesse rastro, ecoam vozes de pesquisadores em defesa de
se desvelar a história social da infância na Amazônia.
No Pará, em 1912, o jovem médico pediatra Ophir Pinto de Loyola –
que, de um lado, sensibilizado com a situação de abandono das crianças órfãs,
pobres e desvalidas, e, de outro, com o quadro de desnutrição e falta de higiene
vivida pelas crianças que atendia na Santa Casa de Misericórdia do Pará –
funda um estabelecimento de caridade: o Instituto de Proteção e Assistência
à Infância do Pará. Similar ao instituto criado no Rio de Janeiro pelo médico
Moncorvo Filho, o instituto do Pará tinha o objetivo de auxiliar as crianças
desvalidas e dar orientação às mães nos princípios da puericultura, tão neces-
sários à grandeza de uma raça e tão garantidoras do futuro de uma nação forte
e civilizada. Pela abnegação e sensibilidade com a criança carente do estado do
Pará e por ser considerado pioneiro na proteção materno-infantil, coube-lhe
o título de “Pai da Pediatria no Pará” (MARTINS, 2006).
Constata-se que, desde o início de sua carreira como médico, Ophir
Loyola manifestou uma grande preocupação social da criança carente. No seu
entender, as crianças viviam sem o menor preceito de higiene e com hábitos
culturais que prejudicavam o seu desenvolvimento físico e psicológico. Para

História e Educação na Amazônia | 503


ele, essa situação deveria ser solucionada com a criação do Instituto de Prote-
ção e Assistência à Infância do Pará. Defendia uma rede de assistência que se
caracterizou pela preocupação com o binômio mãe-filho.
Um homem de ciência, à frente de seu tempo, imprimindo uma marca
própria na sua atuação como médico pediatra, Ophir de Pinto Loyola foi um
defensor da assistência médico-social à criança pobre. Iniciou uma intensa
atuação a favor da higiene infantil e de uma “verdadeira” puericultura. Ali
consolidou cada vez mais sua política na assistência médico-social à infância e
fez valer os seus princípios em relação ao desenvolvimento saudável da crian-
ça. Nas atuações como diretor da Santa Casa de Misericórdia do Pará e como
professor da cadeira de pediatria clínica da Faculdade de Medicina e Cirurgia
do Pará, irradiava suas ideias, suas denúncias, seus projetos, sua influência no
campo da proteção e assistência à infância pobre. Dotado de espírito renova-
dor e progressista, destacou-se nos estudos das doenças das crianças, sobretu-
do as doenças tropicais que atingiam as crianças da região amazônica.

Figura 1 – Corpo clínico do Instituto de Proteção e


Assistência à Infância do Pará

Sentados: o Dr. Ophir Loyola, diretor, à direita, e o Dr. Penna de Carvalho, chefe de
clínica, à esquerda. De pé: o Dr. Evaristo Silva, chefe de clínica, à direita, e o cirurgião
dentista, Dr. Raymundo Cabral, chefe do gabinete dentário, à esquerda.
Fonte: Personalidades Históricas do Pará (Diário do Pará, 2010).

504 | História e Educação na Amazônia


Ele fazia crítica à situação da infância existente na cidade, sobretudo
quando foi diretor geral de saúde pública e se envolveu com a campanha de
erradicação da febre amarela, comandada por Oswaldo Cruz, ao tempo do
governador João Coelho. No seu entender, essas crianças viviam sem o me-
nor preceito de higiene, desnutridas e com hábitos culturais que prejudicavam
o seu desenvolvimento físico, mental e social. Assim, Ophir Pinto de Loyola
seguiu os passos de Moncorvo Filho. Um homem de ciência, à frente de seu
tempo, imprimindo uma marca própria na sua atuação como médico pediatra
no Pará.

O Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Pará

O Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Pará era uma ins-


tituição filantrópica que foi reconhecida como de utilidade pública em 1912.
Essa foi indubitavelmente a grande obra de Ophir de Pinto Loyola. Ali conso-
lidou cada vez mais sua política na assistência médico-social à infância e fez
valer os seus princípios em relação ao desenvolvimento saudável da criança.
Na atuação como diretor do Instituto de Proteção e Assistência à Infância
do Pará e da Santa Casa de Misericórdia do Pará, irradiava suas ideias, suas
denúncias, seus projetos, sua influência no campo da proteção à infância na
Amazônia paraense.
Na manhã ensolarada de 6 de outubro de 1912, na capital do Pará, por
iniciativa do jovem médico Ophir Pinto de Loyola, do Dr. Nogueira de Faria,
professores Raymundo Proença e Matheus do Carmo, é fundada uma mo-
desta instituição para auxiliar as crianças pobres, prodigalizando-lhes não só
atendimento médico, como também a orientação social e pedagógica às mães
nos princípios de puericultura, tão necessários à grandeza de uma capital que
estava passando por transformações em decorrência da economia da borra-
cha.

História e Educação na Amazônia | 505


Figura 2 – Primeira sede do Instituto de Proteção e Assistência à Infância
do Pará, com o Dr. Ophir Loyola, fundador, rodeado de crianças e seus
familiares em um dia de consulta

Fonte: Revista Pará Médico (1922).

O estatuto do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Pará,


que concretiza a criação do instituto, foi aprovado em sessão de Assembleia
Geral de 24 de novembro de 1912. O estatuto está materializado em 13 pági-
nas, distribuído em 12 capítulos e 52 artigos. Cada capítulo trata dos seguintes
aspectos:

Capítulo I: Do Instituto, seus Fins e Organização


Capítulo II: Dos Sócios
Capítulo III: Direito dos Sócios
Capítulo IV: Eliminação dos Sócios
Capítulo V: Da Assembléia Geral
Capítulo VI: Do Conselho Administrativo
Capítulo VII: 1ª Secção de Propaganda
Capítulo VIII: 2ª Secção - de Medicina e Hygiene
Capítulo IX: 3ª Secção - de Educação
Capítulo X: 4ª Secção - de Instrução
Capítulo XI: 5ª Secção - das Damas da Assistência
Capítulo XII: Das Comissões Auxiliares de Propaganda

506 | História e Educação na Amazônia


Figura 3 – Segunda sede do Instituto de Proteção e Assistência à Infância
do Pará com crianças e mães atendidas

Fonte: Revista Pará Médico (1939a).

No primeiro capítulo, o estatuto dispõe dos fins e organização do ins-


tituto, distribuídos em três artigos que definem que o Instituto de Proteção e
Assistência à Infância do Pará é filiado ao Instituto de Proteção e Assistência à
Infância do Rio de Janeiro, o primeiro do Brasil, criado por Moncorvo Filho.
É também definido no estatuto que o instituto é uma instituição filantrópica,
destinado a amparar e proteger a infância necessitada.

Art. 1º − O ‘Instituto de Protecção e Assistencia á In-


fancia’, do Pará, fundada em 6 de Outubro de 1912,
nesta cidade de Belem do Pará, por iniciativa dos Srs.
Dr.Ophir Pinto de Loyola, Raymundo Nogueira de Faria
e Raymundo de Campos Proença, e filiado ao ‘Instituto
de Protecção e Assistência á infância’, do Rio de Janeiro,
em 10 de Novembro de 1912, é uma instituição de in-
tuitos philantropicos, destinada a amparar e proteger a
infância necessitada.

Quanto aos objetivos e fins da criação do Instituto de Proteção e As-


sistência à Infância (Ipai) do Pará, constata-se no artigo 2º do estatuto que,

História e Educação na Amazônia | 507


além da preocupação de amparar e proteger as crianças pobres, especialmente
quanto à alimentação, ao vestuário, à habitação, à educação, à instrução, havia
também a preocupação em proteger as crianças que recebessem maus-tratos,
àquelas entregues à vagabundagem e à mendicância e aos filhos abandonados
de pais de má conduta, mendigos ou condenados. Os objetivos da criação do
Ipai do Pará eram:

- Auxiliar, pelos meios de que possa dispô, a inspecção


medica nas escolas;
- Inspeccionar o trabalho da mulher na industria, com o
fim de favorecer indiretamente a infância;
- Pedir a regulamentação e exercer vigilância sobre o tra-
balho das creanças, de modo a evitar-lhes fadigas execes-
sivas e todas as conseqüências que dellas possam resultar;
- Crear, quando possível, azylos de maternidade, creches
e jardins da infância, preenchendo os seus respectivos
fins;
- Zelar pela vaccinação e revaccinação das creanças que
forem apresentadas ao Instituto, solicitando para esse fim
o concurso das directorias dos serviços sanitários esta-
dual e municipal;
- Difundir noções, princípios e instrucções tendentes á
prophylaxia da tuberculose e de outros morbus communs
á infância;
- Zelar pela vaccinação e revaccinação das creanças que
forem apresentadas ao Instituto;
- Fundar azylos de educandos, com fim de proporcionar
aos mesmos a necessária instrucção litteraria, artística e
profissional, especialmente a agricultura pratica, insti-
tuindo uma caixa de pecúlios com parte do trabalho pro-
duzido pelos educandos, e da qual será entregue a cada
um a parte que lhe competir, quando concluir o appren-
dizado, além de outras vantagens que puder obter.

No estatuto do Ipai do Pará, é possível verificar as atividades educati-


vas que deveriam ser desenvolvidas pela diretoria no atendimento às crianças
desvalidas e órfãs. Dentre as diversas ações educacionais estava a realização de
palestras educativas sobre moral e cívica destinadas às crianças. Porém, a prin-
cipal ação educativa do instituto estava em promover a interdição das crianças
cujos pais não atendessem a uma proteção e assistência, que poderiam perder
o pátrio poder. Enfim, o instituto condenava a prática de costumes prejudi-
ciais à saúde das crianças. Sobre isso, constatou-se no estatuto:

508 | História e Educação na Amazônia


a) a realisação de palestras sobre assumptos moraes e cí-
vicos, destinados à educação da infância;
b) promover junto aos pobres públicos a interdicção das
creanças cujos Paes houverem decahido do pátrio poder,
ou se entregarem a pratica de costumes condemnaveis.

Figura 4 – Terceira sede do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do


Pará durante consulta

Fonte: Revista Pará Médico (1939b).

Um aspecto importante descrito no Estatuto do Ipai do Pará era o papel


das damas de assistência no atendimento das crianças desvalidas. Às senhoras
damas de assistência eram atribuídas várias tarefas, que vão desde organizar
bazares, quermeses, espetáculos, no sentido de angariar donativos para me-
lhoria das ações da comissão, até o atendimento às crianças cadastradas no
instituto. Além disso, as damas assumiam também a tarefa de prestar socor-
ro às crianças, auxiliar as mães, zelar pelo tratamento médico das crianças
oferecendo bom atendimento, cuidado e conforto às crianças internadas no
instituto. A atuação das damas de assistência se estendia ainda em cuidar da
confecção de vestes das crianças e de promover diversões que educassem as
crianças. No que se refere às ações das damas de assistência, o estatuto aponta:

História e Educação na Amazônia | 509


a) organisar de accordo com o conselho, bazares, kerme-
ses, espectaculos, etc., em benefícios dos cofres sociaes
para o que será auxiliada pela 1ª secção;
b) distribuir os socorros aos protegidos do Instituto;
c) verificar de visa como são tratados os socorridos do
Instituto, afim de auxiliar os profissionaes do mesmo nos
conselhos ás mães pobres, zelando pela sua observância;
d) velar pelo bom tratamento das creanças internadas no
Instituto ou nelle medicadas, cuidando do seu conforto
e indagando se são obedecidas as prescripções medicas;
e) cuidar da confecção de vestes para creanças pobres,
angariando donativos para melhor desempenho de sua
comissão;
f) promover diversões que eduquem as creanças, sempre
que lhe seja possível.

Considerações finais

Ao investigar a política higienista no Pará da belle époque e a proteção à


infância pobre em 1912, foi possível destacar os seguintes aspectos:

(1) A fundação do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do


Pará, em 1912, na cidade de Belém. Portanto, este trabalho se
insere em uma abordagem macro de análise das políticas educa-
cionais e sociais destinadas à educação e ao cuidado da infância,
objetivando a disseminação de informações sobre o atendimen-
to às crianças nas primeiras décadas do século XX na cidade de
Belém.
(2) A preocupação com a maternidade e a infância no Brasil, em
especial no Pará, não é um fenômeno recente. Sabe-se que, des-
de finais do século XIX, o discurso médico já abordava temas
como a alimentação das crianças e a mortalidade infantil, che-
gando a discutir os hábitos culturais presentes na criação e na
educação dos filhos.
(3) A criação do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do
Pará tinha como proposta atender às mães “ignorantes”, descui-
dadas com a alimentação e a higiene das crianças. As críticas
giravam ainda no trabalho das irmãs de caridade em torno da
falta de cientificidade presente no trabalho caritativo, castigos
corporais, má alimentação etc.

510 | História e Educação na Amazônia


(4) Para os médicos higienistas, um dos muitos erros cruciais nos
cuidados da criança era a falta de preparo das mães brasileiras
na criação dos filhos. Segundo eles, a saúde do menor é levanta-
da devido às altas taxas de mortalidade infantil, tanto na socie-
dade em geral quanto nos asilos de caridade.
(5) Os anseios nacionalistas e pressupostos cientificistas que per-
meavam o saber médico em finais do século XIX e início do
século XX geraram entre os médicos higienistas a crença de que
eles deveriam interferir diretamente em questões de natureza
privada da família – como era o caso da criação e educação dos
filhos –, o que se justificava em nome de um bem maior, que
era a preservação da saúde e da vida dos futuros brasileirinhos.
(6) O Ipai do Pará foi uma instituição privada, de caráter filantró-
pico, que, nascendo sob a bandeira da República e dos valores
positivistas, encontra respaldo para sua criação em ideias mé-
dico-higienistas. É o início do conflito entre caridade e filan-
tropia. Enquanto a primeira era campo exclusivo das irmãs de
caridade, a segunda tem compromisso com a ciência. Inicia-se
então uma campanha contra os asilos de caridade e o sistema de
“roda”, levada a cabo por médicos e juristas.
(7) No caso da história social das crianças desvalidas no Pará, como
a criação do Ipai resulta de uma política social e educacional,
pauta no progresso e nas ideias de civilização e modernidade.
Para essa nova sociedade, que tenta superar a ideia de que a
Amazônia é terra de índio e que estava à margem da história,
como dizia Euclides da Cunha, era preciso transformar as crian-
ças em cidadãos úteis para o desenvolvimento da nação.
(8) Ophir de Pinto Loyola foi um defensor da assistência médico-
social-educacional às crianças pobres, desvalidas, órfãs, maltra-
tadas, abusadas, “defeituosas” e enjeitadas. Um homem de ciên-
cia, à frente de seu tempo, imprimindo uma marca própria na
sua atuação como médico pediatra. Iniciou uma intensa atuação
a favor da higiene infantil e de uma “verdadeira” puericultura
(medicina moderna) no atendimento da criança desvalida no
Pará. Ophyr Loyola é tido então como o grande missionário da
causa da infância desvalida.
(9) O Ipai do Pará desejava assistir tanto à pessoa da criança como
a seus familiares na comunidade. Constata-se a configuração de

História e Educação na Amazônia | 511


uma intervenção de natureza abrangente, que tem seu ponto de
partida na assistência à criança desvalida, mas se amplia pela
articulação com a comunidade, de forma que o Ipai do Pará é
apresentado como responsável por promover outros serviços
clínicos de assistência à infância na Amazônia paraense.

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RIZZINI, Irene. O século perdido: raízes históricas das políticas para a infância no
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______. A arte de governar crianças: a história das políticas sociais da legislação e da
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VIANNA, Artur. A Santa Casa de Misericórdia Paraense – Notícia Histórica (1650-


1902). Belém, 1909.

História e Educação na Amazônia | 513


514 | História e Educação na Amazônia
Sobre os
Autores

História e Educação na Amazônia | 515


516 | História e Educação na Amazônia
ADRIA SIMONE DUARTE DE SOUZA - possui Graduação em Pedago-
gia e Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Ama-
zonas (Ufam). Atualmente é docente da Universidade do Estado
do Amazonas (UEA). Possui experiência na área de Educação, com
ênfase em formação de professores, atuando principalmente nos se-
guintes temas: educação escolar indígena, didática e comunidades
indígenas residentes em área urbana.

ALESSANDRA SCHUELER - doutora em Educação (2002) e Mestre em His-


tória (1997) pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Profes-
sora de História da Educação no Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal Fluminense, instituição na qual
atua nos cursos de Pedagogia e Licenciaturas. Integra o Grupo de
Pesquisa História Social da Educação/FEUFF. Atualmente dedica-
se à pesquisa sobre a história da educação no estado do Rio de Ja-
neiro, privilegiando as questões referentes à constituição da cultura
escolar; às práticas, sujeitos e processos de escolarização; à educação
de negros e libertos no período da abolição e do pós-abolição; à ex-
pansão e interiorização da escola primária; e à história da profissão
docente.

ALEXANDRE RIBEIRO E SILVA - possui graduação em Pedagogia pela


Universidade Federal do Maranhão (UFMA) / Campus II Impera-
triz (2013). Fez parte do grupo de pesquisas Cultura Escolar, Prá-
ticas Curriculares e História da Disseminação dos Saberes Escola-
res (CEPCHASES), entre 2010 e 2011, pesquisando como bolsista
de iniciação científica (PIBIC-FAPEMA) a história da educação de
Imperatriz ao longo do século XIX. Atualmente é mestrando em
educação pela Universidade de São Paulo (USP), na linha temáti-
ca História da Educação e Historiografia, fazendo parte do Núcleo
Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História da Educação
(NIEPHE).

ANDRÉ LUIZ DA MOTTA SILVA - possui graduação em Ciências Sociais


pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). É Mestre
em Educação pela UFMS e doutorando em educação pela Universi-
dade Federal de Mato Grosso do Sul. Atualmente é professor de So-
ciologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de

História e Educação na Amazônia | 517


Mato Grosso do Sul (IFMS)/Campus Corumbá-MS. Tem experiên-
cia nas áreas de sociologia e educação, com ênfase em teoria socio-
lógica e história da educação, atuando principalmente nos seguintes
temas: teoria social, sociologia da educação, história da educação,
filosofia da educação, educação e capitalismo, intelectuais, pensa-
mento social, escola pública, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo,
educação e ciências sociais.

ANTONIO CARLOS FERREIRA PINHEIRO - Licenciado em História pela


Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Licenciado e Bacha-
rel em Geografia pela Universidade Católica de Pernambuco (Uni-
cap), mestrado em Geografia pela Universidade Federal de Per-
nambuco (UFPE) e doutorado em educação na área de História da
Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Atualmente é professor Associado IV e vinculado ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB). Membro fundador do Grupo de Estudos e Pesquisas His-
tória da Educação na Paraíba, em 1992 (Diretório do CNPq), vincu-
lado ao HISTEDBR e do Grupo de Pesquisa História da Educação
no Nordeste Oitocentista (GHENO), desde 2004. Fez parte da Di-
retoria da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), no
período de 2009 a 2013. Tem experiência na área de educação, com
ênfase em história da educação, atuando principalmente nos seguin-
tes temas: educação na Paraíba, história da educação nos períodos
imperial e republicano, ensino de história, instituições educacionais,
especialmente, os grupos escolares.

ANTONIO DE PÁDUA CARVALHO LOPES - Possui graduação em Li-


cenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí
(1990), graduação em Bachalerado em Ciências Sociais pela Univer-
sidade Federal do Piauí (1989), mestrado em Sociologia pela Uni-
versidade Federal do Ceará (1996) e doutorado em Educação pela
Universidade Federal do Ceará (2001). Atualmente é professor as-
sociado da Universidade Federal do Piauí. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em História e Sociologia da Educação,
atuando principalmente nos seguintes temas: história da educação,
formação de professores, profissão docente, história de instituição
educativa e gênero.

518 | História e Educação na Amazônia


ARMINDO QUILLICI NETO - graduado em Filosofia pela Pontifícia Uni-
versidade Católica de Campinas (PUC/Campinas), Mestre em Filo-
sofia pela PUC/Campinas e Doutor em Educação pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp). Docente da Universidade Fe-
deral de Uberlândia (UFU) atuando no Campus Pontal da cidade de
Ituiutaba/MG. Atua na pós-graduação em educação, no mestrado e
no doutorado, na Faculdade de Educação (Faced/UFU), atuando
na linha de pesquisa de História e Historiografia da Educação. Parti-
cipa do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História e Historiografia
da Educação (NEPHE) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Edu-
cação (NEPE).

ARTEMIS TORRES - possui graduação em Filosofia pela Universidade San-


ta Úrsula, mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Ca-
tólica do Rio de Janeiro (PUC/RJ) e doutorado em Ciencias de La
Educación pela Universidad Autonoma de Barcelona. Professora
emérita da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), onde
atuou desde 1973, em cursos de graduação e de pós-graduação. Na
condição de professora pesquisadora do Programa de Pós-Gradua-
ção em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, fundou
o Grupo de Pesquisa em Movimentos Sociais e Educação (GPMSE).
Ao longo de sua vida profissional, acumulou experiência na área de
educação, com ênfase em educação em periferias urbanas, educação
e movimentos sociais, democracia, educação popular e política edu-
cacional.

ASSISLENE BARROS DA MOTA - possui graduação em Educação Física


pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), mestrado em
educação pela Universidade de Sorocaba (Uniso/SP) e doutora em
educação pela Universidade de Sorocaba. Professora efetiva da Se-
cretaria de Estado da Educação e Qualidade do Ensino do Estado
do Amazonas (Seduc/AM), da Secretaria Municipal de Educação
de Manaus (Semed) e docente da Escola Superior Batista do Ama-
zonas (Esbam) nos cursos de pedagogia e ciências biológicas. Tem
experiência em Educação, atuando nas seguintes áreas: história da
educação, formação do educador, educação ambiental, handebol
escolar e práticas escolares. Bolsista do Programa FAPEAM - RH-
Doutorado - Fluxo Contínuo.

História e Educação na Amazônia | 519


CAROLINE HARDOIM SIMÕES - pedagoga do Instituto Federal de Mato
Grosso do Sul, no Campus Aquidauana e professora bolsista do cur-
so de pedagogia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS). Mestra em Educação pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul. Graduada pela UFMS e colaboradora e do grupo de
pesquisa interinstitucional (UFMT/UFMG) “Educação secundária
no sul de Mato Grosso (Século XX)”.

DIANA ROCHA DA SILVA - doutoranda do Programa de Educação Escolar


da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita - Araraquara/
SP (Unesp). Mestre em Educação pela Universidade Federal do
Maranhão (UFMA). Graduada em Biblioteconomia pela UFMA e
integrante do Núcleo de Pesquisa e Documentação em História da
Educação e das Práticas Leitoras do Maranhão (NEDHEL). Partici-
pa do Projeto de Pesquisa: Por uma teoria e uma história da escola
primária no Brasil: investigação comparada sobre a escola graduada,
desenvolvendo um estudo sobre o processo de institucionalização
dos grupos escolares maranhense na primeira república.

ELIZABETH FIGUEIREDO DE SÁ - é pedagoga, mestre em Educação pela


Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e doutora em Edu-
cação pela Universidade de São Paulo (USP). Participou de estágio
de doutoramento na Universidade do Porto (UP). Em 2009 concluiu
o pós-doutorado na Faculdade de Educação da USP. Atualmente é
coordenadora do grupo de Pesquisa História da Educação e Memó-
ria (GEM - IE/UFMT), e pesquisadora na área da História da Educa-
ção do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em História da
Educação da FEUSP (Niephe). Atua como professora adjunta no
Instituto de Educação e no Programa de Pós-graduação da UFMT.

GILBERTO CÉSAR LOPES RODRIGUES - licenciado em filosofia e mestre


em filosofia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho (Unesp/Marília). Atualmente é professor concursado, nível
Assistente II, lotado no programa de Educação da Universidade
Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e doutorando em educação da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com projeto de
pesquisa sobre a relação entre educação escolar indígena e os pro-
cessos de reafirmação identitária em curso no oeste do Pará.

520 | História e Educação na Amazônia


GUIOMAR LIMA DE CARVALHO - graduação em pedagogia pela Univer-
sidade Federal do Amazonas (Ufam), graduada em história pela
Universidade Federal do Amazonas, mestrado em Sociedade e Cul-
tura na Amazônia pela Ufam e doutoranda em ciências da educação
na Universidade do Minho. Professora da Universidade do Estado
do Amazonas (UEA). Docência nas áreas: história da educação ge-
ral, brasileira e amazônica; políticas públicas e educação; estrutura e
funcionamento do ensino básico; legislação educacional brasileira;
currículo e educação básica; gestão escola pesquisa e prática peda-
gógica.

IRMA RIZZINI - mestre em psicologia social e doutora em história social


pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É professora
da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janei-
ro e do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFRJ).
Orientada trabalhos e desenvolve pesquisas na área da história da
educação, com ênfase nos seguintes temas: infância, adolescência,
políticas públicas, instituições educacionais e assistenciais e escola-
rização indígena. Possui diversos livros e artigos publicados sobre
história da educação e história da assistência e das políticas públicas
para a infância.

JOÃO DE DEUS SANTOS DE SAMPAIO - graduando em pedagogia pela


Universidade do Estado do Amapá (UEAP). É pesquisador do Gru-
po de Estudos, Pesquisas e Práticas em Educação na Amazônia
Amapaense (GEPEA) e bolsista do Programa Institucional de Bolsas
de Iniciação Científica e Tecnológica (PROBICT/UEAP), desen-
volvendo estudos e coletas de dados acerca do projeto de iniciação
científica intitulado “História dos Grupos Escolares do Amapá na
primeira metade do século XX”. Tem experiência na área da educa-
ção, conhecimentos na área da deficiência visual e braille, e pesquisa,
principalmente, os seguintes temas: história da educação no Brasil e
no Amapá, formação continuada, educação inclusiva, avaliação edu-
cacional e cultura escolar.

JOSÉ CLAUDINEI LOMBARDI - possui graduação em Ciências Sociais pela


Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mestrado em
Agronomia pela Universidade de São Paulo (USP), doutorado em

História e Educação na Amazônia | 521


Educação pela Universidade Estadual de Campinas, e livre-docência
em história da educação na Faculdade de Educação da Unicamp.
Foi Secretário de Educação de Limeira (SP), de janeiro de 2013 a
janeiro de 2015. É professor livre-docente da Universidade Esta-
dual de Campinas. É bolsista de Produtividade em Pesquisa - Ní-
vel 2 - do CNPq. Tem experiência na área de educação, com ênfase
em marxismo e educação, pedagogia histórico-crítica; e história da
educação, atuando principalmente nos seguintes temas: pesquisa em
educação; história da educação brasileira; história, trabalho e edu-
cação; e historiografia da educação. É autor e organizador de várias
publicações no campo de pesquisa referida, como: história e histó-
ria da educação; o debate teórico-metodológico atual; globalização,
pós-modernidade e educação: história, filosofia e temas transversais;
capitalismo, trabalho e educação; a escola pública no Brasil: histó-
ria e historiografia; ética e educação - reflexões filosóficas e histó-
ricas; marxismo e educação - debates contemporâneos; o público e
o privado na história da educação brasileira; educação e ensino na
obra de Marx e Engels; embates marxistas: apontamentos sobre a
pós-modernidade e a crise terminal do capitalismo. É coordenador
executivo do Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e
Educação no Brasil” (HISTEDBR).

LAURA MARIA SILVA ARAÚJO ALVES - bacharel em Psicologia pela


Universidade da Amazônia (Unama) e especialista em educação
e problemas regionais na Amazônia pela Universidade Federal do
Pará (UFPA). Mestre em letras na área da linguística pela UFPA e
doutorado em psicologia da educação pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC/SP). Realizou doutorado sanduíche na
Universidade de Évora. É professora Associado I da Universidade
Federal do Pará. Tem experiência na área de psicologia, com ênfase
em psicologia do desenvolvimento humano e psicolinguística. Rea-
liza estudos sobre linguagem e tradição oral. Orienta trabalhos na
área história social da infância na Amazônia, produtos culturais e
a infância e discursos das crianças. Atualmente é professora de psi-
cologia da educação e pesquisadora da UFPA e professora visitante
da PUC/SP no Programa de Pós-Graduação em Educação e Currí-
culo. Tem publicado artigos em revistas nacionais e internacionais.
É vice-coordenadora do grupo de pesquisa Constituição do Sujeito,
Cultura e Educação (Ecos).
522 | História e Educação na Amazônia
LUCIA REGINA DE AZEVEDO NICIDA - doutoranda em Saúde da Crian-
ça e da Mulher pela Fundação Oswaldo Cruz / Instituto Nacional de
Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira,
mestre em Saúde, Sociedade e Endemias na Amazônia pela Funda-
ção Oswaldo Cruz / Instituto Leônidas e Maria Deane e especialista
em História da Saúde na Amazônia também realizado pela Funda-
ção Oswaldo Cruz / Instituto Leônidas e Maria Deane. Bacharel e
licenciada em história pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e trabalhou como professora da rede de ensino particular de
1988 a 1998 e da rede municipal de 1995 a 1999 no município do Rio
de Janeiro (RJ). Foi bolsista de iniciação científica da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).

LUCIANA BELÍSSIMO DE CARVALHO BARBOSA - possui graduação em


Pedagogia (Licenciatura) pela Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul (UFMS) e mestrado em Educação pela Universidade Fede-
ral de Mato Grosso do Sul - Linha de Pesquisa História, Políticas e
Educação. Integrou o grupo de pesquisa interinstitucional (UFMT/
UFMG), “Educação secundária no sul de Mato Grosso (Século XX)”.
Atualmente faz parte do grupo de pesquisa “A Democracia no Dis-
curso Educacional Brasileiro durante o Nacional Desenvolvimentis-
mo e Repercussões Históricas”, pela UFMS/CPAQ. Tem experiên-
cia na área de educação, com ênfase em ciências humanas, atuando
principalmente nos seguintes temas: relações sociais, democracia,
liberalismo, neoliberalismo, ideário republicano e instituições esco-
lares. Exerceu atividades de docência nos diversos níveis da educa-
ção infantil e anos iniciais do ensino fundamental, no município de
Anastácio/MS.

LUCIANA CRISTINA SALVATTI COUTINHO - possui graduação em Pe-


dagogia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É
doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Faculda-
de de Educação da Unicamp. Atualmente é pesquisadora do Grupo
de Estudos “História, Sociedade e Educação no Brasil” (HISTEDBR)
– GT/Unicamp, pós-doutora no Mestrado em Educação da Uni-
versidade do Vale do Sapucaí (Univás) com bolsa Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), professora
da pós-graduação do Centro Universitário Salesiano (Unisal), só-

História e Educação na Amazônia | 523


cia-colaboradora do Centro de Estudos Educação e Sociedade (Ce-
des) e secretária executiva do HISTEDBR. Atuou como diretora
pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Limeira (SP) e
Professora doutora I (substituta) da Faculdade de Educação da Uni-
camp. Tem experiência na área de educação, principalmente, nos
seguintes temas: história da educação, pedagogia histórico-crítica,
formação de professores, política educacional, currículo, avaliação,
relação teoria e prática, prática pedagógica, concepções pedagógicas
e gestão escolar.

LUÍS FERNANDO LOPES - possui graduação em teologia pela Pontifícia


Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), graduação em tecno-
logia em marketing pela Faculdade de Tecnologia Internacional, li-
cenciado em filosofia pela Faculdade Pe. João Bagozzi, mestre em
educação, com bolsa CNPq, pela Universidade Tuiuti do Paraná
(UTP), na linha de pesquisa políticas públicas e gestão da educação
e doutorando em educação pela Universidade Tuiuti do Paraná. É
especialista em tutoria EaD pela Facinter e em formação de docentes
e orientadores acadêmicos em EaD, também pela Facinter. Tem ex-
periência na área de educação, com ênfase em educação a distância.
É coordenador e professor do curso de licenciatura em filosofia do
Centro Universitário Uninter.

MARCO AURÉLIO GOMES DE OLIVEIRA - graduado em Pedagogia pela


Universidade Federal de Uberlândia (UFU), especialista em educa-
ção especial com ênfase na deficiência mental pela Universidade Fe-
deral do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e mestre em educação
pelo Programa de Pós Graduação em Educação na Universidade Fe-
deral de Uberlândia. Professor assistente, classe A, da Universidade
Federal do Tocantins (UFT), Campus Tocantinópolis, no curso de
pedagogia. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em História da
Educação e Marxismo (GEPHEM). Tem experiência nas seguintes
áreas de pesquisa: sociologia da educação, filosofia da educação, his-
tória da educação, marxismo e educação.

MARCOS ANDRÉ FERREIRA ESTÁCIO - possui graduação em Pedagogia


pela Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (Fafidam), da
Universidade Estadual do Ceará (Uece), mestrado em Educação
pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e é doutorando

524 | História e Educação na Amazônia


em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)
e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazo-
nas (Fapeam) no Programa de Apoio à Formação de Recursos Hu-
manos Pós-Graduados do Estado do Amazonas – RH-Doutorado.
Atualmente é professor assistente da Universidade do Estado do
Amazonas (UEA). Tem experiência na área de Educação, com ênfa-
se em História Geral da Educação, em História da Educação Brasi-
leira e Amazônica e em Estrutura e Funcionamento da Educação Bá-
sica, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, ensino
superior, indígenas, movimentos sociais, Amazonas, ação afirmativa
e democracia.

MARGARITA VICTÓRIA RODRIGUEZ - possui graduação em licencia-


tura en Ciencias de la Educación pela Universidad Nacional de Lu-
ján, doutorado em filosofia e história da educação pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e pós-doutorado em história
da educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Atualmente é professora da Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul (UFMS). Tem experiência na área de educação, com ênfa-
se em história da educação e política educacional, atuando princi-
palmente nos seguintes temas: política educacional, formação de
professores, filosofia da educação, história da educação e educação
superior.

MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO GOMES DE SOUZA AVELINO DE


FRANÇA - possui graduação em pedagogia pela Universidade Fe-
deral do Pará (UFPA), mestrado em filosofia, história e educação
pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), doutora-
do em história, filosofia e educação pela Universidade Estadual de
Campinas, e pós-doutorado em história da educação pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Professora
do curso de pedagogia da Universidade da Amazônia (1987-2011),
do curso de pedagogia e do Programa de Pós-Graduação da Univer-
sidade do Estado do Pará (Uepa). Tem experiência na área da edu-
cação, com ênfase em história da educação, pesquisa principalmen-
te temas ligados a história das instituições educativas, intelectuais
e suas idéias educacionais e impressos pedagógicos. Integrante do
Grupo de Pesquisa História da Educação na Amazônia (GHEDA) e

História e Educação na Amazônia | 525


do Núcleo de Educação Popular Paulo Freire (NEP) da Universida-
de do Estado do Pará.

MARIA DOLORES CAMPOS REBOLLAR - possui mestrado em Educação


pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), formada em
magistério pela Universidade Complutense de Madrid e graduada
em pedagogia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Desenvolveu trabalhos de educação popular e mobilização social em
periferias urbanas e comunidades rurais. Dedica-se também a ges-
tão e fortalecimento institucional de organizações da sociedade civil,
sendo que toda sua trajetória acadêmica e profissional está vinculada
principalmente a movimentos sociais e organizações não Governa-
mentais no Brasil e na Espanha.

MARIA JOSÉ LOBATO RODRIGUES - Mestre em Educação pela Universi-


dade Federal do Maranhão (UFMA). Possui graduação em História
pela UFMA e Especialização em Supervisão Escolar pela Universi-
dade Cândido Mendes (Ucam). Trabalha como professora do ensi-
no médio e fundamental da disciplina história na Secretaria da Edu-
cação do Município de São Luís (Semed) e Secretaria de Educação
do Estado do Maranhão (Seduc). É membro do Grupo Educação
Mulheres e Relação de Gênero (GEMGe) do Programa de Pós-Gra-
duação em Educação da UFMA. Atuou como professora de Progra-
mas de Formação de professores da Universidade Estadual do Mara-
nhão (Uema) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É
autora da obra “Educação feminina no recolhimento do Maranhão:
o redefinir de uma instituição”. Realiza estudos na área de história,
com ênfase em história do Maranhão, história da educação, história
das mulheres e relações de gênero.

MARIA LUCIRENE SOUSA CALLOU - mestranda em Ciências da Educa-


ção pela Universidade Federal do Pará (UFPA), possui graduação
em pedagogia pela UFPA, especialização em psicopedagogia insti-
tucional e clínica, pela Faculdade Montenegro (FAM) e em educa-
ção especial inclusiva pelo Cento Universitário Leonardo da Vin-
ci (Uniasselvi). É integrante do Grupo de Pesquisa Educação,
Cultura e Organização Social (Ecos). Desenvolve pesquisa nas se-
guintes temáticas: história das instituições, infância e educação na

526 | História e Educação na Amazônia


Amazônia; história da educação e educação inclusiva.

MARINEIDE DE OLIVEIRA SILVA - pedagoga pela Universidade Fede-


ral de Mato Grosso (UFMT), especialista em educação infantil pela
mesma instituição de ensino. Mestre em educação na área de educa-
ção, cultura e sociedade na linha de pesquisa história da educação,
integrante do grupo de pesquisa história da educação e memória
(GEM) da UFMT e doutoranda na Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (Unesp).

NÍDIA NACIB PONTUSCHKA - possui licenciatura e bacharelado em Geo-


grafia pela Universidade de São Paulo (USP), Mestrado em Geogra-
fia Humana e Doutorado em Educação pela USP. Integra os Progra-
mas de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade
de São Paulo (FEUSP) e de Geografia Humana do Departamento
de Geografia da   Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Huma-
nas da USP (FFLCH-USP). Atua principalmente nas áreas temáticas
de Geografia, Formação do Professor, Estudo do Meio, História da
Disciplina Geografia e Educação Ambiental. Coordenou o Projeto
de Estudo do Meio e Formação de Professores da Secretarias Muni-
cipais de Educação de Guarulhos (SP) (2006- 2008) e de Suzano (SP)
(2010-2011). Foi coordenadora adjunta do Projeto Gestão Participa-
tiva e Sustentável de Resíduos Sólidos, em convênio com a USP e a
Universidade de Vitória. Presidente da Comissão de Graduação da
FEUSP e membro do Conselho de Graduação da Universidade de
São Paulo (COG) (2005-2007). É parecerista da Fundação de Ampa-
ro à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), membro do conselho
editorial de várias revistas de Geografia que incluem textos sobre
Ensino e Aprendizagem da Geografia: Geousp, Mercator, Revista
Geografia e Ensino e Olhar de Professor.

PAULO SÉRGIO DE ALMEIDA CORRÊA - licenciado pleno em Pedagogia


e especialista em Educação e Problemas Regionais pela Universidade
Federal do Pará (UFPA); bacharel em Direito pela Universidade da
Amazônia (Unama), com especialidade em Ciência Penal (Políti-
cas de Segurança Pública), Criminologia, Medicina Legal, Direitos
e Garantias Constitucionais, Direito Eleitoral; mestre em Educação
(Supervisão e Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de

História e Educação na Amazônia | 527


São Paulo (PUC/SP) e doutor em Educação (Currículo) no mesmo
espaço institucional. Atualmente ocupa a Classe de Professor As-
sociado Nível 3 na cadeira de História da Educação da Faculdade
de Educação do Instituto de Ciências da Educação da Universidade
Federal do Pará, onde também atua na qualidade de Professor Per-
manente na Linha de Pesquisa Educação: Currículo, Epistemologia
e História, vinculada ao Mestrado e Doutorado Acadêmico em Edu-
cação do Programa de Pós-Graduação em Educação, espaço institu-
cional em que cultiva a docência, a pesquisa e a orientação de dis-
sertações e teses. Tem experiência na área de educação, com ênfase
em Currículos Específicos para Níveis e Tipos de Educação, atuando
principalmente nos seguintes temas: estado e políticas públicas edu-
cacionais, história da educação, historiografia educacional, educa-
ção superior, políticas curriculares, currículo e formação de profes-
sores, formação de pesquisadores em educação, política curricular
de pós-graduação, políticas de avaliação institucional na educação
superior, epistemologia e educação. Exerce o magistério nas disci-
plinas Direito Processual Penal e Direito Eleitoral ministradas aos
acadêmicos do curso de bacharelado em Direito da Faculdade de
Direito do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA. No campo da
Ciência do Direito incursiona pelas seguintes temáticas: Criminolo-
gia e Políticas de Combate ao Crime e à Criminalidade, Ensino do
Direito Penal, Estado e Políticas de Segurança Pública, Educação em
Segurança Pública, História das Instituições Penais e as Políticas de
Ressocialização, Instituições Jurídicas e o Processo Penal. É líder de
grupo no Diretório do Grupo do Conselho Nacional de Desenvol-
vimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordena o Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Currículo (NEPEC), é líder coordenador do
Núcleo de Pesquisas e Estudos sobre Crime e Criminalidade (NU-
PECC). Pesquisador no Grupo de Estudos e Pesquisa em História,
Sociedade e Educação no Brasil - HISTEDBR/Secção-PA (UFPA).
Coordenador da Linha de Pesquisa Estado, Política Criminal e Se-
gurança Pública, vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisas Direi-
to Penal e Democracia do Instituto de Ciências Jurídica da UFPA.
Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Direito (CONPEDI). Associado ao Instituto Brasileiro de Direito
Processual Penal (IBRASPP). Músico e poeta. Acadêmico Perpétuo
na categoria de Sócio Fundador da Academia Igarapemiriense de

528 | História e Educação na Amazônia


Letras (AIL), cujo patrono é o poeta Bento Bruno de Menezes Costa.

RENATO PINHEIRO DA COSTA - possui graduação em Pedagogia pela


Universidade do Estado do Pará (Uepa), especialista em história
e filosofia da educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA),
mestre em educação pela Universidade Federal do Pará, na linha
de pesquisa currículo e formação de professores e doutorando em
educação na linha de pesquisa educação: currículo, epistemologia e
história. Pesquisador do Núcleo de Estudos Pesquisas em Educação
e Currículo (Nepec), com ênfase no estudo da história da educa-
ção, história das instituições escolares, educação de jovens e adultos,
tecnologia da educação, currículo e formação de professores.

ROSANGELA APARECIDA HILÁRIO - Doutora em Educação pela Fa-


culdade de Educação da Universidade São Paulo (FEUSP), mestre
em educação (Políticas Públicas) pela Universidade Nove de Julho
(Uninove), especialista em Literaratura Brasileira pela Universi-
dade Anhembi Morumbi/São Paulo e licenciada em Letras e gradua-
da em Comunicação Social/Jornalismo, pela Universidade de Mogi
das Cruzes . Atualmente é professora do Departamento de Ciências
da Educação da Universidade Federal de Rondônia (Unir). Faz
parte do Grupo de Pesquisa HISTEDBR / Departamento de Educa-
ção da Universidade Federal de Rondônia e do Grupo de Pesquisa
de Politicas Públicas e Gestão Territorial da Universidade Federal de
Rondônia. Atua principalmente nas áreas temáticas de alfabetização
e letramento, formação do professor e políticas públicas de inclusão,
educação e diversidade. Diretora Acadêmica da Faculdade Zumbi
de Palmares, em São Paulo, no ano de 2008, quando foi a idealiza-
dora da matriz do Curso de Pedagogia. Atualmente é supervisora
em Porto Velho do Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa.
Coordenadora Geral da Equipe Organizadora do Referencial Cur-
ricular do Município de Porto Velho. Coordenadora em Rondônia
da Pesquisa “Memória das Escolas de Linha em Rondônia: O imagi-
nário,o poético, a história e o real” em parcerias com professores da
Faculdade de Educação da Universidade São Paulo/FEUSP.

SILVIA HELENA ANDRADE DE BRITO - Graduada em Ciências Sociais


pela Universidade de São Paulo (USP), mestrado em educação pela

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Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e doutora-
do em educação pela Universidade Estadual de Campinas (Uni-
camp). Atualmente é professora associada III da Universidade Fe-
deral de Mato Grosso do Sul. Tem experiência na área de educação,
com ênfase em história da educação, atuando principalmente nos
seguintes temas: história da escola na modernidade, história e polí-
ticas educacionais.

VITOR SOUSA CUNHA NERY - Mestre em Educação, na modalidade san-


duíche, pela Universidade do Eatdo do Pará (Uepa) e Pontifício
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/Rio), especialista
em gestão estratégica do conhecimento pela Uepa e graduado em
em pedagogia pela Universidade do Estado do Pará e em tecnolo-
gia em gestão pública pela Universidade da Amazônia (Unama).
Atualmente atua como professor efetivo da Universidade do Esta-
do do Amapá (UEAP) e coordenador geral do Plano Nacional de
Formação de Profesores da Educação Básica (Parfor), da UEAP.
Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação na Ama-
zônia Amapaense (Gepea/UEAP), Grupo de História da Educação
na Amazônia (Gheda/Uepa) e Núcleo de Estudos em Educação
Cientifica, Ambiental e Práticas Sociais (Necaps/Uepa).

WENDELL FIORI DE FARIA - Doutor em Educação pela Universidade Fe-


deral Fluminense (UFF), na área de confluência de estudos do coti-
diano da educação popular, mestre em educação pela Universidade
Tuiuti do Paraná, especialista em pedagogia escolar e em educação à
distância pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e graduado
em pedagogia (supervisão escolar e docência das séries iniciais do
ensino fundamental) pelo Centro Universitário Cândido Rondon
(Unirondon). Tem experiência na área de educação, pesqui-
sando principalmente os seguintes temas: formação de professores,
alfabetização e prática pedagógica. Atua profissionalmente como
professor adjunto I na Universidade Federal de Rondônia (Unir),
no departamento de Ciências da Educação no Campus José Ribeiro
Filho em Porto Velho. Coordenador da área de Alfabetização para
o Referencial Curricular de Porto Velho. Atuou como professor na
Universidade Federal do Acre (Ufac)/Campus Cruzeiro do Sul
(Centro de Educação e Letras), na Universidade Estadual de Londri-
na (UEL) e na Universidade Estadual de Maringá (UEM).
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