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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E CULTURA

Hellen Maria Alonso Monarcha

REDES SOCIAIS E SOCIEDADES INDÍGENAS:


ENTRE DÍGITOS E JENIPAPO

Belém-PA
2012
Hellen Maria Alonso Monarcha

REDES SOCIAIS E SOCIEDADES INDÍGENAS:


ENTRE DÍGITOS E JENIPAPO

Dissertação apresentada à Banca examinadora da


Universidade da Amazônia - UNAMA, como
pré-requisito para a obtenção do título de Mestre
em Comunicação, Linguagens e Cultura, linha de
pesquisa: Linguagem e Análise Discursiva de
Processos Culturais.
Sob a orientação da Profª Drª Ivânia dos Santos
Neves.

Belém-PA
2012
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Sílvia Helena Vale de Lima –CRB-2/819

302.4
M735r Monarcha, Hellen Maria Alonso.
Redes sociais e sociedades indígenas: entre dígitos e
jenipapo / Hellen Maria Alonso Monarcha. – Belém, 2012.
129f. il.

Dissertação (Mestrado) -- Universidade da Amazônia,


Programa de Pós-Graduação de Mestrado em Comunicação,
Linguagens e Cultura, 2012.
Orientador: Profa. Dra. Ivânia dos Santos Neves.

1. Redes sociais. 2. Sociedades indígenas. 3. Comunicação


virtual. 4. Grafismo indígena. I. Neves, Ivânia dos Santos. II.
Título.
Hellen Maria Alonso Monarcha

REDES SOCIAIS E SOCIEDADES INDÍGENAS:


ENTRE DÍGITOS E JENIPAPO

Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura

BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________________________________________
Presidente/orientador: Profª Drª Ivânia dos Santos Neves (UNAMA)
_____________________________________________________________________
Professora Drª Maria Ataíde Malcher – Examinadora Externa (PPGCOM/UFPA)
_____________________________________________________________________
Professor Dr. Agenor Sarraf Pacheco – Examinador Interno (UFPa e UNAMA)

Resultado _____________________________________________________________

Belém, __________/ _________/ 2012


Dedico este trabalho ao Povo da Floresta
AGRADECIMENTOS

À Deus por me aproximar de espíritos semelhantes, sempre, que me possibilitaram


a oportunidade do desafio, da superação e do crescimento: minha família, meus amigos de
toda a vida, meus amigos do mestrado, meus mestres, minha orientadora, a profa. Ivânia
Neves, e os Aikewára_ povo da floresta.

Pela torcida silenciosa e sofrida, agradeço aos meus pais, João Afonso e Maria do
Carmo. Especialmente, agradeço a minha mãe, Maria do Carmo. Por sempre estar disposta
a ajudar, por ser incansável, por conseguir tudo através de trabalho, com dedicação e amor.
Este foi o exemplo maior que tive. Minha história e minha memória.

Aos meus amigos de toda a vida e lida, próximos ou distantes, Wagner Ramos,
Fabienne Costa, Luiz Carlos e Fernanda Andrade, que estiveram o tempo todo me
incentivando, rezando e colaborando no que era possível. Estavam comigo no Facebook,
no sms, no fixo, no móvel e até no sofá de casa. Muito obrigada por tudo, pelo antes, pelo
durante e pelo depois..., mas, principalmente, pela amizade infinita.

Agradeço a todo o corpo docente deste mestrado pelo comprometimento com o


ensino e pela disponibilidade sempre que solicitado. Especialmente, à profa.Ivânia, pela
confiança precipitada e pelo exemplo. Por estar e ir além das páginas da pesquisa, seja da
antropologia ou da análise do discurso. Por não ter a plena consciência de sua importância
acadêmica ou por tê-la, mas saber a importância da humildade para a completude dos
grandes.

Agradeço especialmente também ao prof. Agenor Sarraf pelo interesse verdadeiro e


inexaurível em seus alunos. Desde o plano de ensino que exalava comprometimento até as
‘bordas’. Por nos possibilitar o trânsito pelos interstícios, conflitos e fronteiras. Por nos dar
escuta... Pelas aulas empolgantes, lotadas até às 23h. Agradeço também pelas rezas, pelos
risos e pelo brilho lançado diretamente em nossos olhos.
Ao prof. Paulo Nunes por nos ensinar o poder mágico das palavras e incentivar a
fazer de nossas dissertações belas narrativas. À profª.Marisa Mokarsel, à profª. Analaura, à
profª. Cenira, ao prof. Erasmo, à profª.Socorro e à profª. Ivone. Muito obrigada por terem
me possibilitado ser uma professora mais preparada e uma pessoa melhor!

Agradeço também, carinhosamente, à profª. Drª. Maria do Rosário V. Gregolin, que


demonstrou, em poucos encontros, que seu conhecimento é proporcional a sua humildade e
respeito com os que estão iniciando a sua trajetória. Muito obrigada pelo exemplo!

Aos meus colegas e amigos do mestrado, a famosa “turma mágica”, muito obrigada
pela convivência e compartilhamentos de experiências. Em especial, agradeço ao amigo
Zema, pelos conselhos e amizade, ao Jaime, por sua “supersinceridade” e apoio, ao Marcos
Valério, pelas valiosas contribuições, ao Orlando Simões, à Liliane, ao Welton, à Fátima, à
Sônia, ao Carlos, ao Valdir, ao Zoca, à Dani, à Benedita, à Walquíria, à Maura, à Vera, à
Tânia, à Jolse e ao Vidal. Obrigada pela memória que construímos. Também agradeço às
queridas Isabel e Isis que dividiram bons momentos conosco.

Aos Aikewára, agradeço imensamente toda confiança e amizade, por terem me


possibilitado uma temática tão especial, tendo me deixado conhecer um pouco de sua
cultura, de suas histórias. Em especial, agradeço ao Tiapé, à Murué, à Ywatinywwa, à
Maria, à Arihêra e à Taraí.

Agradeço a todas as sociedades indígenas que permitiram uma aproximação mais


direta, aos líderes das sociedades Aikewára (PA), Paiter (RO), Baniwa (AM) e Guarani
(MS), que imprimiram verdade em meus argumentos. Muito obrigada!

Agradeço a todos os parentes destas sociedades com as quais convivi nas redes
sociais, e encerro com a mensagem que há poucos dias o Paiter Oyexiener Suruí, o Xener,
de 17 anos, deixou em meu Facebook:

“boa sorte ae na sua apresentação de mestrado, viva la internet !”


RESUMO

A primeira parte deste trabalho é resultado de uma pesquisa participativa realizada durante
a execução do projeto “Crianças Suruí-Aikewára: entre a tradição e as novas tecnologias
na escola”, realizado pelo curso de Comunicação Social e pelo Mestrado de Comunicação,
Linguagens e Cultura, da UNAMA - Universidade da Amazônia, financiado pela parceria
Rede Globo, UNESCO e CNPq, junto a indígenas da sociedade Suruí-Aikewára, da aldeia
em Sororó, localizada entre os municípios de São Domingos do Araguaia e São Geraldo do
Araguaia, no sudeste do estado do Pará, aproximadamente a 800 km da capital Belém. No
segundo momento, a pesquisa na web foi realizada com a sociedade Suruí-Aikewára e
outras sociedades indígenas ativas na internet, principalmente a partir do 1º Simpósio
Índigena sobre Usos da Internet no Brasil, que ocorreu na USP - Universidade de São
Paulo(2010). Seu principal objetivo foi analisar como as sociedades indígenas se
relacionam com a web. Minha metodologia de pesquisa definiu-se a partir da inquietação
que conduziu o meu olhar, a perspectiva teórica proposta por Michel Foucault, em
“Arqueologia do Saber”, que estabelece um movimento de regularidades e dispersões na
constituição histórica dos discursos. Minhas análises se fundamentaram nos usos sociais da
comunicação e também nas discussões teóricas propostas por Martín-Barbero (2003 e
2004), por J.B. Thompson (2008) e por Douglas Kellner (2001). Entre os movimentos de
sentido analisados, um se destacou: simplesmente, com carvão, urucum e jenipapo, o
universo online, a inda que nos pequenos espaços por onde os usuários que assumem uma
identidade indígena transitam, também ganhou estas cores e o grafismo indígena é uma
recorrência entre eles.

PALAVRAS-CHAVE: Redes Sociais, Sociedades Indígenas, grafismo indígena


ABSTRACT

The first part of this work is the result of a participatory research made during the project
"Children Suruí-Aikewára: between tradition and new technologies in school," conducted
by the Social Communication course and the Masters of Communication, Languages and
Culture, UNAMA - Amazon University, funded by the partnership between Globo
Network, CNPq and UNESCO, along with Indian society Suruí-Aikewára, from the village
Sororó, located between the cities of São Domingos do Araguaia and São Geraldo do
Araguaia, in the southeastern state Pará, approximately 800 km from the capital, Belém.
Afterwards, the web research was performed with the society-Aikewára Surui and other
indigenous societies active on the Internet, mostly from the 1st Symposium on indigenous
Uses of Internet in Brazil, which occurred at USP - São Paulo University (2010). Its main
objective was to analyze how indigenous societies relate to the world wide web. My
research methodology was defined by the uneasiness that caught my eye, using the
theoretical perspective proposed by Michel Foucault's "Archaeology of Knowledge,"
which establishes a movement and dispersion of regularities in the historical constitution of
analysis. My analysis were based on the social uses of communication and also in
theoretical discussions proposed by Martin-Barbero (2003 and 2004), by JB Thompson
(2008) and Douglas Kellner (2001). Among the movements of meaning analyzed, one
stood out: simply, with coal, annatto and genipap, the online universe, even though in
small spaces where users assume that an indigenous identity pass, also won these colors, as
the graphics indigenous expression is common amongst them.

KEYWORDS: Social Media, Indigenous Societies, Indian graphic


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
Capítulo 1 - Aikewára: os Suruí do Pará 19
1.1. Quem são e onde vivem os Aikewára do Pará? 19
1.2. Primeiro encontro: o blog, o Twitter e queimada em Sororó 21
1.3. Segundo encontro: redefinindo autorias e desestabilizando sentidos 27
1.3.1. Entrevista: A tecnologia vista pela lente Aikewára 30
1.3.2. No YouTube, no Twitter, no blog e no livro: o grafismo Aikewára 34
Capítulo 2 - Entrando na Rede... 41
2.1. Redes sociais 41
2.1.1. Relações de poder na web 44
2.2. Discurso e mídia 49
2.3. As mídias e as sociedades indígenas 51
2.3.1. Entre recorrências e disperses 52
2.3.2. Novos lugares de pesquisa 53
2.3.3. Os Paiter e a parceria com o Google 56
Capítulo 3 -
Movimentos de sentido em torno da internet e as sociedades indígenas 61
3.1. Ray Baniwa, professor de novas tecnologias 61
3.2. Guaranis: uma das maiores populações indígenas 69
3.3. Telecentro Índios Online Kariri-Xocó 71
3.4. Oyexiener e Txeepo Suruí: cidadãos do mundo digital 74
3.5. Universo online verde, amarelo e preto? 79
Capítulo 4 - Sobre dígitos e jenipapo: uma regularidade? 83
4.1. Entre os jovens Suruí-Paiter de Rondônia 84
4.2. Mexendo e remexendo materialidades, o professor Baniwa (AM) 89
4.3. Festival nacional de cultura indígena 90
4.4. De que lugar enuncia Stefânnia Barros? 93
4.5. Por que curtir a página sabedoria indígena? 99
4.6. Do jenipapo à web: quem define a identidade? 101
Considerações Finais 104
Referências
Anexo 01 _ Entrevista com Tiapé e Murué Suruí
Anexo 02 _ Coleta de dados dos links do Simpósio Indígena
Anexo 03 _ Discursos sobre inclusão social
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 - Localização da terra indígena Sororó 20
Figura 2 - Murué Suruí e Ywatinywwa Suruí, no restaurante Na Telha 21
Figura 3 - Blog Aikewára 22
Figura 4 - Casa feita para o Karuwara 23
Figura 5 - Mihó e Arihêra Suruí no filme Tapi’i’Rapé 25
Figura 6 - Tiapé Suruí aterrorizado com a queimada em Sororó 26
Figura 7 - Livro da escritora Murué Suruí 28
Figura 8 - Tiapé Suruí pintado de onça preta 35
Figura 9 - Crianças Aikewára pintadas de “o rastro do porcão” (tasahu) 36
Figura 10 - Índia Aikewára pintando seu sobrinho 36
Figura 11 - Oficina de grafismo Aikewára na Unama em 2010 37
Figura 12 - Arara desenhada pelas crianças Aikewára 38
Figura 13 - “Porcão” desenhado pelas crianças Aikewára 39
Figuras 14 - Indígenas desenhados pelas crianças Aikewára 39
Figura 15 - Bate-papo do Facebook 46
Figura 16 - Primeira modificação do Bate-papo do Facebook 47
Figura 17 - Manifestações contra o novo bate-papo do Facebook 47
Figura 18 - Encerramento do Simpósio Indígena 55
Figura 19 - Compartilhamento de Chicoepab Suruí no Facebook 57
Figura 20 - Trecho da conversa com Urawire Suruí 59
Figura 21 - Saudação de Gapame Arildo Suruí 59
Figura 22 - Ray Benjamin em evento nacional sobre a internet 64
Figura 23 - Primeira versão do Twitter 65
Figura 24 - Foto do celular de Ray 67
Figura 25 - Reestabelecendo a conexão 67
Figura 26 - Técnico do GESAC 67
Figura 27 - Lançamento do livro bilíngüe 68
Figura 28 - Transporte dos alunos da Páamali 68
Figura 29 - Blog Guarani 70
Figura 30 - Canal de Comunicação Guarani 70
Figura 31 - Reforma do telecentro Kariri-Xocó 73
Figura 32 - Perfil de Xener no Orkut 75
Figura 33 - Essa foi “por querer” 75
Figura 34 - Canon em primeiro plano 76
Figura 35 - A Apple em primeiro plano 76
Figura 36 - Oyexiener Suruí e um computador da Apple 77
Figura 37 - Dados sobre total de usuários de internet no Twitter 79
Figura 38 - Ray Benjamin postando em língua baniwa 81
Figura 39 - Oyexiener Suruí dos Paiter (RO) pintando sua amiga não-índia 86
Figura 40 - Comentários da foto em que pinta amiga 86
Figura 41 - Oyexiener e sua pintura corporal 87
Figura 42 - Comparação entre pintura corporal à tatuagem 88
Figura 43 - Essa é para vc curtir 89
Figura 44 - Festival Nacional da Cultura Indígena 90
Figura 45 - Comentários sobre o Festival 91
Figura 46 - Postagem do fotógrafo Christian 92
Figura 47 - Projeto “Índios na Cidade” 93
Figura 48 - Indígena maranhense Stefânnia Barros 94
Figura 49 - Alguns comentários a respeito da indígena Stefânnia 95
Figura 50 -“esta e outras guajajara tem que ser respeitada” 96
Figura 51 - Menção à revista Playboy 97
Figura 52 - “Não aceitamos Juruá!!” 98
Figura 53 - Sabedoria Indígena 99
Figura 54 - Qual a fonte das mensagens? 100
Figura 55 - E os pensamentos dos ameríndios? 101
Figura 56 - Antropofagia – Hans Staden 102
11

INTRODUÇÃO

No ano de 2010, ingressei no Mestrado de Comunicação, Linguagens e Cultura da


Universidade da Amazônia. A princípio, meu projeto trataria da Rede
Social Twitter e de alguns discursos publicitários em circulação nesta plataforma. O
encontro com minha orientadora, que àquela altura coordenava um projeto com a
sociedade indígena Aikewára, da Terra Indígena Sororó, no sudeste do estado do Pará,
acabou, no entanto, dando novas direções para pesquisa.
Em dezembro de 2009, teve início o projeto de pesquisa e extensão “Crianças
Suruí-Aikewára: entre a tradição e as novas tecnologias na escola”, realizado pelo curso
de Comunicação Social e pelo Mestrado de Comunicação, Linguagens e Cultura, da
UNAMA- Universidade da Amazônia, financiado pela parceria Rede Globo, UNESCO
e CNPq. Como o próprio nome sugeria, o projeto estava voltado para a relação que as
sociedades indígenas estabeleciam com as novas tecnologias. Era a primeira etapa de
um programa desenvolvido com sociedades indígenas da Amazônia Paraense: 03 livros,
04 filmes e um CD de música seriam os produtos finais deste primeiro momento.
Quando as atividades do projeto se iniciaram, a escola indígena estava espalhada
em vários ambientes dentro da aldeia, e o governo estadual deu início à construção de
um novo prédio, onde haveria uma sala de informática, com um ponto de internet. A
expectativa era de que no final de 2010 esta sala já estivesse funcionando. Em junho
deste ano, quando entrou no ar o aikewara.blogspot.com, eu passei sistematicamente a
fazer parte da equipe do projeto. O planejamento inicial, que representaria minha
pesquisa de campo entre eles, era também desenvolver atividades com os Aikewára
mais jovens, a partir das redes sociais, mais especificamente com o Twitter.
Tiapé, Murué e Ywatinywwa, filha do jovem casal, foram os primeiros
Aikewára que conheci, em Belém, em outubro de 2010. O nome da pequena /i-u-á-ti-
niw-á/ foi a primeira palavra que aprendi da língua Aikewára. Murué me explicou que o
nome de sua filha significa nuvem, em português. Tiapé acrescentou uma informação
que me fez repensar minha definição de redes sociais. Na sociedade Aikewára, não
podem existir duas pessoas com o mesmo nome, pois, na cultura tradicional deste povo,
o corpo só possui uma alma. Na rede de significados em que escrevem sua história e sua
cultura, cada Aikewára tem um ‘único’ primeiro nome.
12

As redes sociais da internet são, constitutivamente, redes de relacionamento, suas


complexidades giram em torno da quantidade de relacionamentos que se encontram nas
plataformas desses formatos, o alcance de grupos e pessoas e a constante re-elaboração
de novos relacionamentos, entrecruzados. Mas, naturalmente, as redes de relações
sociais, em muitos outros formatos, independentes da internet, sempre constituíram as
sociedades humanas. A forma de nomeação dos Aikewára logo remete a este
funcionamento.
Se fosse traduzida para o português, a palavra Twitter equivaleria,
semanticamente, ao “pio dos pássaros”. No Twitter, o pio dos pássaros está
representando uma comunicação em pequenos enunciados, de 140 caracteres (140
toques), que atravessam os céus e representa o universo digital. Por isso reconhecemos
esta rede social através de um pássaro azul e um céu cheio de nuvens.
Não foi difícil estabelecer, metaforicamente, uma relação de sentidos entre o
passarinho azul e o significado do nome da pequena Ywatinywwa. Naquele momento,
eu comecei a entender como uma cultura diferente da minha, de um povo que vive na
floresta, também estava atravessado pelas redes sociais. A partir da pequena
Ywatinywwa, descobrimos juntos, os Aikewára e eu, que as sociedades indígenas e as
redes sociais na internet podem ter elementos comuns.
Por outro lado, também deste primeiro momento, não foi difícil perceber como as
diferenças entre as nossas culturas marcariam nossas relações. Ainda hoje, apesar de já
participarem como autores do aikewara.blogspot.com e já serem usuários do Twitter,
não posso afirmar que aconteceu a inclusão digital dos Aikewára, nem mesmo de Murué
e do Tiapé, que são os que mais tem acesso à internet. Sem um ponto de internet na
escola, ou próximo a Sororó, os possíveis usos sociais da web não fazem sentido para
eles.
As previsões de inauguração da escola, no entanto, não se confirmaram, e até o
início de 2012, quando finalizei a pesquisa, a escola ainda não havia sido inaugurada.
No desenrolar das atividades do projeto, já dava para perceber que isto aconteceria.
Diante desta impossibilidade, em 2011, além do trabalho que realizei com os Aikewára,
quando estiveram em Belém, participando de eventos na Unama, a minha pesquisa
passou a acontecer na internet. Mas este contato com eles delineou uma das questões
que atravessa minha dissertação, a identidade indígena e os meios de comunicação.
13

No terceiro encontro com eles, conheci Taraí Suruí. Ela esteve envolvida num
acontecimento muito significativo durante a realização do projeto.
[m]as havia algumas crianças que declaravam dois nomes: um
Aikewára e outro o nome “branco”. Taraí, uma índia de 10 anos, disse
que preferia ser chamada pelo seu nome “branco”, que era Talita. Ela
alegava ser mais fácil de aprender. O nome Talita a deixava mais
incluída na cultura ocidental. Além de tudo, achava mais bonito.
(...)
Alguns meses depois dos primeiros registros, uma das crianças
entrevistadas pela Rede Globo foi Taraí, que no início preferia ser
chamada de Talita. Na hora que a jornalista perguntou seu nome, ela
respondeu: “Taraí, Taraí Suruí”. Depois que acabou de falar, ela foi
até a Lariza Gouvêa, uma das bolsistas do projeto e pediu: “Vê lá,
Lariza, vê se a moça anotou meu nome direito. Vê se tá escrito Taraí
Suruí!”. (NEVES: 2010, 10-11)

Quando a conheci, em novembro de 2011, ela se apresentou como Talita e não


como Taraí. Como conhecia a história, perguntei por que Talita e ela me respondeu que
este era o melhor nome para ser chamada em Belém. Diante de sua resposta, fica
evidente que a menina consegue transitar por diferentes identidades e não há ninguém
autorizado, nesta situação, para determinar os limites da identidade. “Como os sujeitos
são sociais e os sentidos são históricos, os discursos se confrontam, se digladiam,
envolvem-se em batalhas, expressando as lutas em torno de dispositivos identitários.”
(GREGOLIN: 2006, p.17).
Então, a pergunta que baliza toda esta dissertação, não tem uma resposta, apenas
levanta uma questão: de que lugar falam as pessoas interessadas em definir uma
identidade singular? Analisando a noção de micropoderes e a construção das
identidades nos espaços midiáticos, esclarece Gregolin (2006, p.17):
Michel Foucault (1978) enxerga, nesses intensos movimentos, uma
microfísica do poder: pulverizados em todo o campo social, os
micropoderes promovem uma contínua luta pelo estabelecimento de
verdades que, sendo históricas, são relativas, instáveis e estão em
permanente reconfiguração. Eles sintetizam e põem em circulação as
vontades de verdade de parcelas da sociedade, em um certo momento
de sua história. As identidades são, pois, construções discursivas: o
que é “ser normal”, “ser louco”, “ser incompetente”, “ser ignorante”...
senão relatividades estabelecidas pelos jogos desses micropoderes?

Atualmente, no Brasil, vivem 238 povos indígenas, que falam 180 línguas
diferentes. Embora, historicamente, o índio seja tomado como uma generalização, cada
sociedade viveu e vive sua própria história. Se hoje existe uma terra indígena na cidade
de São Paulo e duas na região metropolitana de Porto Alegre (NEVES: 2009), as
14

fotografias de satélite mostram que ainda há grupos indígenas isolados na Amazônia.


Isso significa que existe uma grande diversidade de contato com a sociedade envolvente
e suas práticas culturais e tecnológicas. Uma parte das sociedades indígenas tem acesso
à eletricidade, desde que chegaram os primeiros fios elétricos ao Brasil, mas em
contrapartida, ainda hoje, muitos povos indígenas nunca viram um gerador de
eletricidade movido a diesel.
As pesquisas com sociedades indígenas, no Brasil, normalmente são realizadas
pelos linguistas, que se preocupam com o estudo descritivo de suas línguas, e pelos
antropólogos, que produziram uma série de trabalhos voltada para os aspectos
estruturais destas sociedades, preocupados com organizações sociais, sistemas de
parentesco e ordens religiosas. Hoje há também um número crescente de trabalhos
acadêmicos voltados para a educação indígena, mas pouco se falou, no entanto das
diferentes relações que as sociedades indígenas estabelecem com as mídias.
No Brasil, na tradição de pesquisas com povos indígenas, desde o início da
colonização, os textos escritos sempre foram acompanhados de registros visuais,
primeiro as pinturas e depois a fotografia. No século XX, começaram os registros
audiovisuais destas sociedades. Estes processos, no entanto, em linhas gerais, tinham
por objetivo fazer os registros das culturas indígenas e não analisar como estas
sociedades convivem com os processos de mediação.
Em relação a estas pesquisas, está estabelecida uma ordem do discurso. Para
Michel Foucault (2000: 8-9):
Suponho que em toda sociedade, a produção do discurso é ao mesmo
tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo
número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e
perigo, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e
temível materialidade.

Minha pesquisa se situa neste novo espaço que é compreender como as


sociedades indígenas se relacionam com a internet. E, embora já existam discussões
sobre a participação de sociedades minoritárias na rede mundial de computadores, estes
trabalhos e o que proponho nesta dissertação ainda são reféns do pouco distanciamento
que temos em relação à história do presente. São os primeiros olhares e as análises são
provisórias, ainda mais se considerada a velocidade com que as transformações
acontecem neste universo online.
15

Na hora de procurar as definições sobre as metodologias de pesquisa, entendi


que as definições tradicionais de etnografia não davam conta do que estava realizando.
Ainda não sei exatamente como classificar o tipo de pesquisa que realizei, e acredito
que este momento atual obriga o discurso científico a rever as categorias já estabilizadas
sobre o trabalho empírico. No início, pensei em netnografia, mas na banca de
qualificação, as discussões me levaram a, pelo menos por agora, deixar de lado esta
imprecisa denominação.
Defino minha metodologia de pesquisa a partir da inquietação que conduziu o
meu olhar para a perspectiva teórica proposta por Michel Foucault, em “Arqueologia do
Saber”, que estabelece um movimento de regularidades e dispersões na constituição
histórica dos discursos.
Tomo, por um lado, portanto, as referências teóricas da análise do discurso e
olho para a história do presente não como uma regularidade, que levaria a supor que
todos os usuários indígenas estão na web da mesma forma e pelas mesmas razões. Por
outro lado, penso que a mídia, e neste caso mais específico, a rede mundial de
computadores, se organiza a partir de relações de poderes, historicamente construídas e
que, no jogo dos acontecimentos, vão construindo novas estratégias de dominação, mas
que sempre deixam margem para movimentos de resistências.
Em minha pesquisa na internet, construí um arquivo com uma série de
enunciados verbais e visuais postados por usuários que assumem uma identidade
indígena. Também considerei alguns sites institucionais, cujas postagens, de alguma
forma, dialogavam com o meu arquivo principal. Procurei ver os diferentes percursos
que produziram esta história do presente, e quais as relações de poder em que estavam
envolvidas.
Daí a idéia de descrever estas dispersões; de pesquisar se entre esses
elementos, que seguramente não se organizam como um edifício
progressivamente dedutivo, nem como um livro sem medida que se
escreveria pouco a pouco através do tempo, nem como a obra de um
sujeito coletivo; não se poderia detectar uma regularidade: uma ordem
em seu aparecimento sucessivo, correlações em sua simultaneidade,
posições assinaláveis em um espaço comum, funcionamento
recíproco, transformações ligadas e hierarquizadas. Tal análise não
tentaria isolar, para descrever sua estrutura interna, pequenas ilhas de
coerência; não se disporia a suspeitar e trazer à luz os conflitos
latentes; mas estudaria forma de repartição. (FOUCAULT: 2005,
p.42)
16

Meu arquivo é bastante irregular, priorizei aquilo que Michel Foucault chama de
dispersões. A partir de uma regularidade, uma assumida identidade indígena, saí pela
internet procurando enunciados que davam conta de diferentes lugares de fala:
lideranças indígenas nacionais, professores de tecnologia, jovens usuários que se
travessam profundamente pelas culturas urbanas.
Para analisar estes enunciados, tomei como importante ferramenta a definição de
memória discursiva.
Toda produção discursiva se efetua em determinadas condições conjunturais
de produção e remete, põe em movimento e faz circular formulações
anteriormente já enunciadas, como um efeito de memória na atualidade de
um acontecimento. (COURTINE: 1981)

Em relação aos processos de comunicação, meu lugar de fala, como já sinaliza


meu corpus de pesquisa, não se deteve a analisar os processos de produção da mídia,
embora não os desconsidere. Neste sentido, trabalhei na perspectiva das mediações e da
recepção.
[a]pesar da divisão existente entre a perspectiva do consumo, filiada a
Néstor García Canclini, e a dos usos sociais, filiada à Martín-Barbero,
os termos recepção e consumo são utilizados freqüentemente como
sinônimos para indicar o conjunto dos processos sociais de
apropriação dos produtos da mídia. Mesmo que sejam perspectivas
distintas, a designação “recepção” na América Latina, segundo
Escosteguy e Jacks (2005, p. 106-107), pode ser aplicada como um
termo amplo para englobar vertentes de estudos que tratam da relação
dos meios de comunicação com as audiências. (RONSINI: 2010, p.02)

Minhas análises se fundamentaram nos usos sociais da comunicação, isto é,


procurei compreender como acontecem os processos de recepção, mas também tentei
mostrar, a partir das discussões teóricas propostas por Martín-Barbero (2003 e 2004) e
por J.B. Thompson (2008) que também é possível as sociedades indígenas se apropriem
dos recursos tecnológicos, para dar novos sentidos às suas práticas tradicionais. Em
diálogo com Douglas Kellner (2001), procurei entender como a cultura da mídia
interfere na produção da identidade destas sociedades que vivem a tensão entre o que os
meios de comunicação trazem e da apropriação que podem fazer deles.
Minhas análises se fundamentaram em pesquisadores de diferentes tradições
acadêmicas, que trabalham com processos de mediação e com a teoria da análise do
discurso que discute o papel da mídia, a partir dos fundamentos de Michel Foucault. O
que significa entender, na medida do possível e a partir dos recortes da pesquisa, as
17

relações de poder que constituem as identidades indígenas nos novos espaços de sentido
produzidos pela internet e as possibilidades de apropriação e resistência diante das
novas tecnologias da informação e da comunicação.
No primeiro capítulo desta dissertação, intitulado Aikewára: os Suruí do Pará,
apresento a primeira parte desta pesquisa. Neste primeiro momento, participei das ações
do projeto “Crianças-Suruí-Aikewára”, que aconteceram em Belém, nos anos de
2010/2011. Alguns dos Aikewára mais atuantes estiveram presentes em eventos com
temática voltada para as sociedades indígenas e envolvendo debates sobre cultura,
comunicação, mídia, internet e letras. Estes eventos foram realizados pela Universidade
da Amazônia-UNAMA.
Também acompanhei as atividades de produção do blog aikewara.blogspot.com,
dos filmes Aikewára, lançados em diversas mídias, redes sociais, como o Youtube,
DVDs e que foram exibidos durante os eventos relacionados aos projeto.
Apresento a segunda parte da minha pesquisa, no capítulo dois, Entrando na
rede.... Este momento ocorreu na internet. Exponho aí os procedimentos metodológicos
da pesquisa na web.No ambiente virtual é possível encontrar discursos atualizados a
respeito das tradições indígenas e também discursos inventados e preconceituosos.
Neste contexto, encontrei materializações das relações de poder que também ocorrem
fora deste ambiente.
Analiso, ainda neste capítulo, alguns mecanismos de controle possíveis de serem
identificados na web, geralmente associada a um ambiente democrático e colaborativo.
Os discursos a respeito da democracia e ausência de controle na internet e nas redes
sociais, a neutralidade dos diversos discursos colocados em circulação na web, entre
outros temas relevantes para este entendimento, atravessam todos os capítulos desta
dissertação.
No capítulo dois, dou ênfase ao contato que tive com outras sociedades
indígenas no ciberespaço, as sociedades mais presentes neste ambiente e que se
mostraram acessíveis a partir de minha abordagem. As sociedades com as quais mais
interagi ao longo de toda minha pesquisa, além dos Suruí-Aikewára (PA), foram a
Baniwa (AM), que se autodenomina Walimanai, a Suruí-Paiter (RO) e a Guarani (MS).
No terceiro capítulo, intitulado Movimentos de sentido em torno da internet e as
sociedades indígenas, analiso duas situações que deixam ver essas movimentações na
web, que envolvem sociedades indígenas. Analiso uma situação que está bastante
18

associada ao discurso governamental, que afirma ter realizado um grande projeto de


inclusão digital das sociedades indígenas, no Brasil. Faço a análise das recorrências e
dispersões encontradas nos discursos em torno e a partir das sociedades indígenas na
internet. Utilizo para este fim a memória discursiva construída no ciberespaço a respeito
destes povos, através dos registros em blogs e redes sociais de forma geral.
Minha análise é feita enquanto relato minhas experiências com as sociedades
indígenas com as quais tive maior proximidade na web. Os mesmos indígenas
apresentados no segundo são retomados neste terceiro capítulo, a partir de novas
abordagens. A ideia é mostrar os diferentes enunciados e de que lugar fala cada uma das
sociedades indígenas.
No quarto e último capítulo, Sobre dígitos e jenipapo, analiso um movimento
que se sobressai na internet em relação às sociedades indígenas, que é o grafismo, a
pintura corporal. Em seus corpos, as diversas etnias marcam as diferenças e
semelhanças entre suas culturas. Através do grafismo, elas representam suas tradições,
identidades, memória e história. Analiso o percurso histórico dos sentidos do grafismo
indígena e mostro como os não-índios criaram historicamente uma expectativa de ver os
índios da América do Sul com pinturas corporais isto é, como os indígenas são
reconhecidos e se reconhecem a partir da pintura corporal.
19

Capítulo 1
Aikewára: os Suruí do Pará

Como já falei na introdução, minha pesquisa foi realizada em dois momentos e a


partir de duas realidades diferentes. No primeiro, participei das ações do projeto
“Crianças-Suruí-Aikewára”, que aconteceram em Belém, nos anos de 2010/2011.
Acompanhei os eventos em que os Aikewára estiveram presentes e as atividades de
produção do blog, dos filmes e dos livros que foram resultados finais deste projeto.
A intenção inicial era de realizar um trabalho com eles na web, mas como o
ponto de internet não foi instalado, minha pesquisa tomou outro rumo. Meu interesse
era analisar como as sociedades indígenas se relacionam com a web, mas como ficou
difícil fazer isso somente entre os Aikewára, concentrei minha atenção, em um segundo
momento, nas páginas das redes sociais, principalmente de blogs e do Facebook, em
que havia a participação de usuários que assumiam uma identidade indígena.
Neste capítulo, apresento a primeira parte da pesquisa: procurei mostrar como o
contato com os Aikewára, em Belém, foi significativo para que eu compreendesse um
pouco melhor a relação que as sociedades indígenas estabelecem com as tecnologias de
informação,considerando, também, que pensar sobre redes sociais e sociedades
indígenas, naturalmente nos leva a reflexões sobre os usos sociais da tecnologia.

1.1. Quem são e onde vivem os Aikewára do Pará?


Os índios Aikewára são também conhecidos como Suruí-Aikewára, ou Suruí do
Pará. Esta denominação, Suruí, foi atribuída à sociedade Aikewára pelos não-índios e
está registrada em suas certidões de nascimento, é encontrada nos registros históricos e
antropológicos e em outros documentos oficiais a respeito deles. “Os índios Aikewára
não aceitam mais a denominação Suruí. Hoje reivindicam serem chamados apenas pela
autodenominação Aikewára, que significa em sua língua: nós, a gente.” (NEVES: 2011)
Há, no estado de Rondônia outra sociedade indígena, com cultura e realidade
bem diferentes da vivida pelos Aikewára, também conhecida como Suruí, nome
igualmente atribuído pelos não-índios à sociedade que se autodenomina Paiter. Na
segunda parte desta pesquisa, analisei as páginas de Facebook de indígenas Paiter, como
será visto nos próximos capítulos.
20

Os índios Aikewára, de língua e tradição Tupi, vivem atualmente sob a liderança


do cacique Mairá Suruí, na Terra Indígena Sororó, localizada entre os municípios de
São Domingos do Araguaia e São Geraldo do Araguaia, no sudeste do estado do Pará,
aproximadamente a 800 km da capital Belém.

Figura 1: Localização da terra indígena Sororó

Foto: capturada por Hellen Monarcha

Somam hoje, segundo dados da enfermaria da aldeia, pouco mais de


315 índios, com mais de 200 crianças. Quando foram contactados
sistematicamente, nos anos de 1960, o grupo sofreu uma grande
depopulação e chegou a apenas 33 índios. Diante deste quadro
caótico, alguns antropólogos anunciaram o fim deste povo, mas os
Aikewára sobreviveram e ainda hoje continuam passando por um
processo de reestruturação social. (NEVES: 2010, p.04)

As relações que estabeleceram com a sociedade envolvente interferiram bastante


em suas práticas sociais. Se os mais velhos não dominavam a língua portuguesa, hoje, a
maioria das crianças não fala com muita freqüência sua língua tradicional. Elas são,
porém, incentivadas pelos mais velhos, principalmente através da música Aikewára, que
é cantada em tupi-guarani.
Esta situação também é recorrente em outras áreas do conhecimento. As ciências
da vida em que se relacionam conhecimentos de química, biologia, botânica, os
conhecimentos de matemática, de astronomia, a história contada pela visão indígena em
suas narrativas orais, a produção artística. Assim como seus rituais religiosos e festivos,
em diversas situações, vêem-se ameaçados de desaparecimento em função da “invasão”
da cultura ocidental, que ao mesmo tempo em que traz benefícios, porque junto com ela
21

vem o acesso à informação, à assistência médica, por exemplo, também impõe práticas
religiosas, educacionais e midiáticas que podem silenciar as tradições indígenas.
As crianças Aikewára, bem cedo, são expostas à escola ocidental, e às novas
tecnologias da informação (televisão, telefonia celular, internet), o que é natural para
quem vive nas fronteiras culturais. O problema é que grande parte destas crianças, antes
da realização do projeto “Crianças Suruí-Aikewára: entre a tradição e as novas
tecnologias na escola”, só tinha acesso às produções culturais do ocidente e havia
apenas poucos livros, algumas revistas e uma pequena coleção de vídeos produzida pelo
projeto Vídeos na Aldeia, que não tinha nada dos Aikewára. Situação bastante
recorrente entre as sociedades indígenas no Brasil.

1.2. Primeiro encontro: o blog, o Twitter e queimada em Sororó


O encontro inicial com os Aikewára aconteceu na primeira vinda deles para as
atividades do projeto, em Belém. Primeiro, chegaram Tiapé, uma das principais
lideranças, Murué, escritora indígena e Ywatinywwa, a filha do jovem casal.

Figura 2: Murué Suruí e Ywatinywwa Suruí, no restaurante Na Telha

Foto: Hellen Monarcha

Como chegaram num domingo, saímos para almoçar em Icoaraci, distrito do


município de Belém, na Amazônia Paraense, lugar famoso pelos restaurantes que ficam
em frente ao rio. Os Aikewára não conheciam esta parte da cidade. Os restaurantes que
22

ficam na orla de Icoaraci são conhecidos por servir, principalmente, pratos com peixes
regionais e mariscos em geral. No caminho, as primeiras conversas que estabelecemos
foram, entre outras coisas, sobre pratos preferidos e este assunto abriu uma rede de
histórias entrelaçadas, sobre comidas típicas e seus preparos. Durante o projeto
“Crianças Suruí-Aikewára”, quatro filmes foram produzidos sobre a cultura Aikewára,
um deles é “A Comida Aikewára”. A conversa, portanto, logo chegou às tecnologias da
informação.
No segundo dia, após o primeiro contato, tivemos nossa experiência inicial com o
computador e a internet. Tiapé e Murué possuíam e-mail, por causa de suas
participações no blog “Aikewára: entre histórias, castanhas e estrelas”, criado em junho
de 2010, junto com um pequeno grupo de Aikewára, numa cidade próxima de Sororó.

Figura 3: Blog Aikewára

Fonte: http://aikewara.blogspot.com

Foi só nesta vinda para Belém, no entanto, que os dois fizeram as primeiras
postagens neste blog. A festa do Karuara aconteceu em agosto daquele ano, mas só
durante a vinda deles, foram postadas algumas fotos e um texto de Murué Suruí. Eles
mesmos queriam escrever sobre este ritual.
O Karuwara é uma festa espiritual que é realizada de quatro em quatro
anos, depois das queimadas das roças. Para nós, povo Aikewára é
muito importante realizar essa festa, porque o Karuwara é o espírito
dos nossos antepassados. Alguns homens da aldeia fazem uma casa
igualzinha as dos antepassados para que durante a festa, os espíritos se
reúnam dentro da casa para assistirem a dança.
(Aikewara.blog.com, em 02/11/2010)
23

Figura 4: Casa feita para o Karuwara

Foto: Gilvandro Xavier

O blog também contava com a contribuição de professores, estudantes de


graduação, pós-graduação e bolsistas do projeto “Crianças Suruí-Aikewára”. A ideia,
quando o blog foi montado era que os próprios Aikewára assumiriam a administração
deste blog, o que já teria acontecido, se houvesse um ponto de internet na aldeia.
Minha participação no projeto tinha como objetivo conectá-los também ao
Twitter. Um dos principais motivos da escolha deste microblog foi seu formato simples
de layout, cadastro e possibilidades de mediação e uso, em poucas etapas. Naquele
momento, final do ano de 2010, o Twitter estava se tornando bastante popular na web e
eu acreditava que representaria um espaço importante para eles.
O conteúdo do blog Aikewára e sua divulgação, foi uma das opções que sugeri
para os tweets, textos de no máximo 140 caracteres, que podem ser postados na rede
social Twitter. A ideia, naturalmente, não fazia sentido para eles, pois tinham sua
cultura, seus costumes e interesses já em circulação na internet, no espaço do blog. Eles
nem conseguiam entender direito o que era o Twitter.
Foi o formato SMS (Short Message Service), já conhecido por Tiapé e Murué,
pelo uso dos telefones celulares, um dos facilitadores das trajetórias iniciais dos
Aikewára nesta mídia. Expliquei que a plataforma funcionava semelhante ao envio de
‘torpedos’ pelo celular, porém pela tela do computador, com a possibilidade de atingir
pessoas no mundo inteiro. Os tweets seriam como uma ponte, um mediador entre os
conteúdos do blog Aikewára e outras sociedades e instituições.
24

Quanto à possibilidade de enviar tweets diretamente do celular para a internet,


apesar de ter despertado o interesse de Tiapé, naquele momento o único a possuir um
aparelho celular, este ainda não era um serviço disponibilizado por todas as operadoras,
incluindo a que ele utilizava. Esta seria uma alternativa para que conseguissem
movimentar o blog, mesmo sem estar diante do computador e do ponto de internet. Mas
logo pude perceber que, além da dificuldade de conexão, a plataforma precisava ganhar
sentidos sociais entre eles.
Além de Tiapé e de Murué, que estão na faixa etária de 20 anos, havia outros
Aikewára mais velhos em Belém, que acabaram participando da experiência com o
Twitter: Arihêra, Maria, Umassú e Aricassu. O que pude perceber foi que os mais
velhos também gostariam de acessar as mesmas tecnologias, apesar das dificuldades que
demonstram com as ferramentas. Como dificilmente saem da aldeia para a cidade, se
comparado aos indígenas mais jovens, ativos nos projetos com a UNAMA, eles
encontravam dificuldades com os objetos tecnológicos.
De todo modo, esta não é uma particularidade da sociedade Aikewára. Em se
tratando de tecnologia, há sempre diferenças nos usos e facilidades ou dificuldades
encontradas por diferentes gerações em todas as sociedades. A tecnologia precisa fazer
sentido para aqueles que entram em contato com ela.
Como afirma Martín-Barbero (2004, p.192)

Pensar as tecnologias desde o popular não tem nada a ver com a


saudade ou o desassossego em relação à complexidade tecnológica
massmidiática. Nem também com a segurança voluntarista acerca do
triunfo do bem. Porque as tecnologias não são meras ferramentas
dóceis e transparentes, e não se deixam usar de qualquer modo, são
em última instância a realização de uma cultura, e dominação das
relações culturais.

Uma indígena entre as mais velhas da aldeia, Arihêra, que estava por perto quando
a Murué Suruí, o Tiapé Suruí e eu acessávamos o Twitter, ficou o tempo todo atenta ao
que estávamos fazendo. Quando acessei o blog Aikewára pelo meu celular e disse que
aparecia uma foto dela postada no blog, ela ficou do meu lado e me perguntando: "vai
aparecer mesmo?"
Arihêra aparece em alguns dos filmes do projeto "Crianças Suruí-Aikewára”.
Tanto ela, quanto os outros indígenas mais velhos comentavam que era muito bom
poder guardar fotos e filmes dos Aikewára e lamentavam não ter imagens de alguns
25

deles que já se foram. Talvez esta relação que já estabeleciam com as câmeras tenham,
de certa forma, familiarizado Arihêra com objetos tecnológicos do Ocidente, e ela
queria se ver também nas telas do telefone celular
Thompson (2008, p. 160) afirma que:

[...] as tradições transmitidas oralmente continuaram a desempenhar


um papel importante na vida cotidiana de muitos indivíduos. E mais,
as tradições mesmas foram transformadas à medida que seu conteúdo
simbólico foi sendo assumido pelos novos meios de comunicação. A
mediatização da tradição dotou-lhe de uma nova vida: a tradição se
libertou das limitações da interação face a face e se revestiu de novas
características. A tradição se desritualizou; perdeu sua ancoragem nos
contextos práticos da vida cotidiana. Mas o desenraizamento das
tradições não as privou dos meios de subsistência. Pelo contrário,
preparou-lhes o caminho para que se expandissem, se renovassem, se
enxertassem em novos contextos e se ancorassem em unidades
espaciais muito além dos limites das interações face a face.

Figura 5: Mihó e Arihêra Suruí no filme Tapi’i’Rapé

Foto: Maurício Neves

Em outubro de 2010, a notícia de uma tragédia ocorrida na terra indígena Sororó


foi o fato que conferiu significado ao Twitter para os Aikewára, antes apenas mais uma
mídia diferente das que já conheciam. A interatividade da rede social pareceu, neste
momento, uma opção mais tangível de obtenção de respostas para os seus apelos em
busca de providências a respeito da queimada, reincidente em sua terra.
26

Antes do projeto, a única vez em que apareceram na televisão estavam


bloqueando a rodovia que passa no meio de suas terras e reivindicavam mais atenção
por parte do poder público. Em 2003, quando isto aconteceu, as relações entre eles e a
população das cidades mais próximas ficou bastante ameaçada. E, embora a rodovia
constantemente seja razão de prejuízos para os Aikewára, naquele momento, eles não
foram ouvidos. Poder postar uma denúncia na internet abria uma nova possibilidade
diante da web.

Figura 6: Tiapé Suruí aterrorizado com a queimada em Sororó

Foto: Orlando Calheiros

Na terra indígena Sororó, sudoeste do Pará, os Aikewára estão muito


tristes e apreensivos, o motivo: o fogo. Desde setembro, o fogo vem
causando incontáveis prejuízos para os índios, tanto com a morte de
animais que são suas caças e base da alimentação Aikewára, como a
queimada de castanheiras que geram sua fonte de renda, pois
comercializam as castanhas e é claro a devastação do Parque
Ambiental, que é praticamente uma ilha verde cercada pelas enormes
fazendas da região, onde só há pasto. (GOUVÊA et SURUÍ, 2010)

Durante suas participações na VII Semana de Comunicação da UNAMA, em


que foram homenageados pelos filmes do projeto, e na qual realizaram oficinas de
grafismos indígenas, os Aikewára aproveitaram os espaços que lhes foram conferidos
nos vários meios de comunicação. Em várias entrevistas, procuraram chamar a atenção
para o incêndio que estava ocorrendo em Sororó.
Ao iniciarem seu cadastro orientado no Twitter, o fogo já havia cessado, mas
deixou um grande rastro de devastação. A consciência a respeito desta forma de
27

comunicação e do conceito de interatividade das redes sociais foram ressignificados,


principalmente para Tiapé e Murué.
O Twitter também passou a representar um mediador para o blog dos Aikewára,
onde já existem registros atemporais a respeito de sua cultura, entre outros fatos
relevantes para a sociedade Aikewára, para a sociedade de um modo geral e para os
integrantes dos projetos desenvolvidos por doutores, mestres, mestrandos e graduandos
da UNAMA. A tragédia de Sororó já está entre os discursos presentes nesta mídia.
O fato é que toda a experiência vivida nos encontros face a face com os
Aikewára, e transcritas para esta dissertação, constituem registros de uma memória
Aikewára. Ao longo do texto, os registros tratam ao mesmo tempo das possibilidades de
preservação da tradição Aikewára, assim como documentam uma trajetória da sua
expansão, ressignificação, reincorporação em outros contextos e práticas sociais, além
de reancoragem em outros ambientes, novos tipos de unidades territoriais
(THOMPSON: 2008).
Em todos esses contextos, é evidente o aparecimento dos conflitos, das tensões e
das contradições, que fazem parte da construção dessa memória. Esta experiência, de
construção de sentidos e memória, também se soma às experiências vividas e
compartilhadas pelas diversas sociedades indígenas na internet, para onde convergem
todos os meios de comunicação, inclusive as compartilhadas pela sociedade Aikewára,
suas lutas, participações em simpósios, suas opiniões e outros aspectos de suas vidas
cotidianas.

1.3. Segundo encontro: redefinindo autorias e desestabilizando sentidos

Em meu segundo encontro com os Aikewára, em abril de 2011, conheci mais uma
Aikewára, a Taraí Suruí, de 13 anos, que se apresentou como Talita. A forma como ela
se identifica oscila. Esta mesma menina, durante a matéria que a Rede Globo fez em
Sororó, na hora de aparecer na televisão, fez questão de ser chamada de Taraí Suruí. Em
Belém, ela voltou a se apresentar como Talita, seu “nome de branco.”
Tiapé, em um momento de descontração, nos disse que na aldeia, após o almoço,
eles caminhavam, faziam alguma atividade, diferente dos kamarás (não-índios) que
sentavam ou deitavam, por isso não havia índios perekuí (gordos) entre os Aikewára.
Ele aproveitou para revelar sua torcida pelo time do Paysandu, no estado do Pará e
28

sobre ser capitão do time de futebol da aldeia. Homens e mulheres Aikewára jogam
futebol, disputando torneios. Ficava muito clara a existência de diferentes papéis sociais
entre os Aikewára, uma pluralidade que é própria da constituição das identidades, mas
distorcida no imaginário social.

Por um longo tempo a questão indígena se manteve presa de um


pensamento populista e romântico, que identificou o índio com o
mesmo, e este, por sua vez, com o primitivo. E convertido em pedra de
toque da identidade, o índio passou a ser o único traço que nos resta
de autenticidade: esse lugar secreto onde subsiste e se conserva a
pureza de nossas raízes culturais. Todo o restante não passa de
contaminação e perda da identidade. O índio foi assim convertido no
que há de irreconciliável com a modernidade e hoje privado de
existência positiva. (MARTÍN-BARBERO: 2003, p.272)

Na universidade, os Aikewára participaram do evento em homenagem à Semana


do Índio. No primeiro dia, Tiapé participou da mesa de debates e falou sobre a
identidade indígena Aikewára e sua qualidade de cidadão e brasileiro. No segundo dia
do evento, houve o lançamento dos três livros do projeto “Crianças Suruí-Aikewára”,
incluindo o livro escrito por Murué Suruí, “História dos Índios Aikewára” (figura 7) e
também o “Crianças Suruí-Aikewára: entre a tradição e as novas tecnologias na Escola”
e o “Sentidos da pele Aikewára: Urucum, Jenipapo e Carvão.” Murué fez parte da
composição da mesa de debates do evento, respondendo perguntas a respeito do livro
que escreveu e de seu povo.

Figura 7: Livro da escritora Murué Suruí

Fonte: http://aikewara.blogspot.com/
29

Tiapé deu sua contribuição respondendo a algumas perguntas do auditório e


juntamente com a Taraí fez uma apresentação musical e cantaram em tupi-guarani para
os presentes. No espaço de vendas e autógrafo dos livros foi montada uma exposição
com objetos da cultura Aikewára, além da exibição de vídeos, como o que mostrava a
música e dança Sapurahai.
Na mesma semana do evento, Murué e a profª.Ivânia Neves foram entrevistadas,
ao vivo, no estúdio do programa “Diálogo Aberto” da TV Nazaré, pelo jornalista
Eduardo Sobral. Acompanhei a entrevista da sala de direção e produção do programa e,
pelas perguntas, pude sentir como o público era resistente em aceitar a autoria de
Murué.
O jornalista repetiu algumas vezes a pergunta a respeito de como se deu o
processo de escritura do livro por Murué. Ela explicou que teve que pensar bastante
como traduziria algumas particularidades de sua cultura para que fosse entendida
claramente em língua portuguesa..., Ainda que tivesse sido clara e objetiva, precisou
repetir sua resposta. Em vários momentos, ela retoma o enunciado: “Então, como eu
disse antes,...”
Mesmo na universidade, embora ela tenha falado várias vezes sobre o processo de
escritura dos livros, as pessoas insistiam que a professora Ivânia era quem tinha
organizado a parte escrita. Havia ainda outro argumento que envolvia a autoria de
Murué: ela não poderia ser considerada a autora do livro, porque aquelas narrativas
eram dos Aikewára. Uma indígena, que vive na floresta, assinando um livro poético,
bem escrito, parecia desafiar os discursos estabilizados sobre os povos indígenas, que
insistem em classificá-los como selvagens, como subalternos. O contraditório, e ao
mesmo tempo natural, é que se a professora Ivânia tivesse assumido, como ela é
pesquisadora, a autoria seria menos contestada.
Não pretendo, aqui, fazer um inventário sobre as definições de autoria. Diante
desta situação, como de tantas outras, que aparecerão neste trabalho, fica um grande
questionamento. A identidade indígena é uma generalização e, de forma geral, ela não é
concebida em suas singularidades. Por outro lado, desde os primeiros contatos que
envolveram representações sobre estes povos, estavam os processos de mediação. A
pergunta é: de que lugar fala aquele que pretende definir a identidade indígena?
30

1.3.1. Entrevista: A tecnologia vista pela lente Aikewára

Para mim, eu entendo assim, tem dois


tipos de tecnologia: a tecnologia natural
e a tecnologia eletrônica. A tecnologia da
natureza, a gente pega e transforma em
nosso beneficio.
(Tiapé Suruí)
Depois de tantas leituras sobre os sentidos sociais da tecnologia, eu precisava
compreender melhor como os Aikewára olhavam para esta revolução nos meios de
comunicação, nas últimas décadas. Meu terceiro encontro com os Aikewára ocorreu na
primeira semana de novembro de 2011, na residência da profª. Ivânia Neves. Desta vez
só estavam Tiapé, Murué e a pequena Ywatinywwa, que estava em Belém para
tratamento de saúde.
Realizei uma entrevista com Tiapé, Murué, a profª. Ivânia Neves e o Maurício
Neves, essencialmente a respeito de suas relações com as diversas tecnologias digitais e
eletrônicas, mas também sobre quais as tecnologias com as quais os Aikewára
conviviam desde os tempos mais antigos até hoje.
A última resposta dada por Tiapé aos meus questionamentos sinaliza a riqueza
de toda essa discussão, que ainda está no início, das implicações do desenvolvimento
dos meios de comunicação e desta nova realidade que é o interculturalismo no mundo.
Ao perguntar se “Continua o mesmo interesse dos Aikewára em relação aos vídeos na
kasona? O que vocês estão assistindo? Estão assistindo os filmes de outras
comunidades?”, Tiapé respondeu: “A gente se reúne e acompanha os filmes dos
Guarani, mas vê o Chaves também.”

Hoje, imaginamos o que significa ser sujeitos não só a partir da


cultura em que nascemos mas também de uma enorme variedade de
repertórios simbólicos e modelos de comportamento. Podemos cruzá-
los e combiná-los. Somos estimulados a fazê-lo com a freqüência das
nossas viagens, das viagens de familiares e conhecidos, que nos
relatam outros modos de vida, e pelos meios de comunicação, que
trazem para dentro de casa a diversidade oferecida pelo mundo.
(CANCLINI: 2005, p.201)

Tiapé fala, entre outras coisas, da primeira tecnologia ocidental com a qual os
Aikewára tiveram contato na aldeia.

Tiapé: Como eu tava falando para a Ivânia. Esta primeira tecnologia é


muito antiga. Eu não cheguei a testar, mas eu cheguei a ver: o
31

machado. Era de pedra mesmo, não sei como eles poliam, tinha um
acabamento bem bom, não quebrava. Aquilo lá cortava a árvore,
qualquer coisa, cortava lenha e não quebrava aquela pedra.
De lá para cá, a tecnologia veio avançando. Antigamente, quando o
pessoal era “brabo” ainda e não tinha contato. A primeira coisa, o
primeiro contato, lá na floresta onde a gente vivia, no caminho que os
antigos ficavam passando, no acampamento deles, aquele padre Frei
Gil e outro lá, eles penduravam o facão, o machado, pra poder mostrar
para o nosso povo. Nossos pais, nossos avós, eles viam aquilo lá e
ninguém sabia pra que era aquele facão pendurado. Achavam que era
armadilha. (SURUÍ, 2011)

Na mesma entrevista, Ivânia Neves explica e compara a tecnologia eletrônica à


tecnologia do machado, mencionada por Tiapé.

Ivânia: Só, Tiapé, que eles não viam sentido social nenhum 'praqueles'
objetos tecnológicos. E ainda não eram nem objetos eletrônicos, eram
objetos tecnológicos de ferro ou de pedra. Porque o ferro, ou a pedra,
não era uma tecnologia usada por eles. (NEVES, 2011)

Toda a invenção é sempre um choque de interpretações, implica negociação e


lidar com crises e conflitos. Independente da tecnologia em questão ser um facão, um
machado, uma televisão ou um computador, ela precisará negociar com a tradição do
povo do local. A respeito do conceito de tecnologia, geralmente associada
exclusivamente ao mundo digital ou eletrônico, houve ainda mais um acréscimo.

Ivânia: Mas o que não quer dizer que vocês não tivessem tecnologia.
E isso tem que ficar bem gravado. O terçadinho com a pedra era uma
tecnologia e uma tecnologia eficiente, que servia. (NEVES, 2011)

Outras tecnologias, como a tecnologia de construção das habitações Aikewára, a


mochila de cipó para carregar caças ou outros objetos, foram mencionadas durante a
entrevista. Em seguida, porém, Tiapé relatou uma experiência vivida com não-índios e a
tecnologia GPS na floresta.

Tiapé: Um dia nós fomos pra floresta e tinha um menino com GPS, da
brigada do corpo de bombeiros. Ele parou, começou a teimar comigo
e falou assim: “O caminho de vocês está errado, o caminho não é por
aí!”. Eu perguntei: “Por que tá errado?”. Ele respondeu: “ Porque tá
errado, vocês não estão vendo? A gente tá indo só pra esquerda, então
vamos ver, daqui a pouco o GPS mostra que a gente tem que ir para
direita”. O menino falou: “nós vamos sair lá onde nós entramos”. Só
que isso não aconteceu. Ele disse que o GPS mostra certinho, mas lá
errou. Então tem hora que a tecnologia funciona na mata e outras
32

vezes não. Nós voltamos pelo caminho que eu conhecia. (SURUÍ,


2011)

Por alguma interferência daquela região, o GPS não foi tão eficiente como
geralmente é em ambientes urbanos. O importante, porém, no relato de Tiapé, é
perceber que sem a tecnologia conhecida pelos Aikewára, o rapaz do corpo de
bombeiros estaria perdido na floresta. Na seqüência da entrevista, Tiapé conceitua:

Tiapé: Para mim, eu entendo assim, tem dois tipos de tecnologia: a


tecnologia natural e a tecnologia eletrônica. A tecnologia da natureza,
a gente pega e transforma em nosso beneficio.
Em relação à tecnologia inventada, minha mãe e meu pai nem chegam
perto da televisão, eles nem sabem mexer. Eu tento ensinar pra eles
ligarem, mas não tem jeito, não. Para os mais jovens essa tecnologia é
como brinquedo. (SURUÍ, 2011)

Hoje, os Aikewára também têm sua cultura atravessada pelo universo tecnológico
digital. Não somente através dos usos que fazem da internet (blog, Twitter, e-mail),
ainda limitado em alguns aspectos como a ausência do ponto na aldeia, mas desde sua
participação no processo eleitoral, através dos dígitos que utilizam para votar, através
dos registros instalados pela companhia elétrica na aldeia, seus cartões bancários
fornecidos pelo governo, os aparelhos receptores das parabólicas de suas casas e os
aparelhos celulares.
No início de minhas pesquisas, somente Tiapé possuía um aparelho celular e em
seguida Murué. No início de 2012, período em que finalizo a pesquisa, uma parcela
significativa de jovens Aikewára possui um aparelho e utilizam diversos dos seus
recursos.

Hellen: Eu lembro logo que a gente começou a conversar sobre a


minha pesquisa, só o Tiapé estava com o celular. Agora, parece que
um monte de gente tem celular na aldeia, umas trinta, quarenta
pessoas. Tu sabes me dizer agora quantas pessoas têm celular?
Tiapé: Por aí, até mais.
Hellen: Os mais jovens é que tem mais? Os mais velhos não tem? A
Arihêra usa o celular para se comunicar?
Tiapé: Não. São os mais novos. O meu irmão, que é jogador de
futebol, quando ele vai para a cidade, ele coloca as coisas no celular,
leva pra aldeia e passa para os outros. (SURUÍ, 2011)
33

Nesta parte da entrevista, abre-se uma discussão a respeito do uso estético do


celular, que é uma prática comum em diversas sociedades, considerando a persuasão
que acompanha a velocidade das inovações e a guerra mercadológica atual. Tiapé e
Murué, comparando tecnologias digitais, dão ênfase para as possibilidades de arquivar
músicas em aparelhos celulares, cada vez menores.

Tiapé: É, o pessoal acompanha a tecnologia! Aparece assim uma coisa


boa, eles querem, tem um modelo legal, eles querem comprar. Lá é
assim, quando começou essa história de aparelho de som, um queria
ter um maior do que outro.
Murué: A gente tinha um som e não olhava muito pra essa disputa. A
gente queria era dançar e se divertir
Tiapé: O primeiro som que eu tive foi uma radiola, que funcionava à
pilha. Porque antigamente era disco, depois passou pra fita, CD e
agora é só no celular! É incrível, no aparelhozinho cabe muita coisa.
Antigamente num CD cabia pouca música. Cada vez mais o celular
vai diminuído e vai chegar num tamanho de grão de areia. (SURUÍ,
2011)

A tecnologia sempre se modifica, assim como seus usos. Apesar de o celular ter se
tornado um objeto comum entre os Aikewára, com as limitações de alcance do sinal das
operadoras na aldeia, eles são usados principalmente para ouvir músicas, tirar fotos e
assistir vídeos. Tiapé e Murué utilizam as funções de telefonia dos seus aparelhos
quando vão para a cidade.

Tiapé: O celular na terra Sororó não pega, já pegou um dia. Quando a


gente vai para a cidade, ele é uma forma de se comunicar, porque fica
muito difícil a gente voltar pra aldeia. Às vezes a gente liga para o
telefone público da aldeia só para perguntar se é para trazer mais
alguma coisa da cidade. (SURUÍ, 2011)

Atualmente, os celulares são aparelhos multimídia. Suas funções se ampliaram,


acompanhando o movimento das novas mídias. Um celular funciona como rádio, tv,
câmera fotográfica, computador com memória para armazenar arquivos do Word, Excel,
PowerPoint e etc., internet, e todas as mídias encontradas na internet, como revistas,
jornais, livros (e-books), dependendo do modelo do aparelho.
Os teclados dos celulares se modificaram para se adaptar a uma nova demanda, a
este novo comportamento de se estar continuamente conectado em qualquer ambiente.
Apesar de terem diminuído de tamanho, conforme os avanços tecnológicos, os
34

aparelhos se mantiveram finos, porém se alargaram, com telas maiores e teclado Q-


werty, ou seja, teclados semelhantes ao de um computador ou notebook, tudo em função
da convergência dos meios. Mesmo os aparelhos touchscreen, de manuseio direto na
tela do aparelho, possuem este tipo de teclado Q-werty. Os botões correspondentes aos
“números para telefonar” passaram a ocupar o mesmo espaço que as letras e outros
símbolos, próprios dos teclados de um computador.
Entre os Aikewára, o acesso às redes sociais pelo celular ainda não é uma
realidade. O celular, porém, não só entre os Aikewára, mas na sociedade de um modo
geral, revolucionou as possibilidades de acessar a web. O celular se popularizou na
aldeia antes da chegada do ponto de internet.
Independente dos indígenas, várias classes sociais sem poder aquisitivo para
adquirir um computador, notebook ou, mais recentemente, um tablet, possuem um
aparelho celular. Em função das limitações variáveis de aparelho para aparelho e de
região para região, as funções relativas à internet ainda são subaproveitadas. Assim
como ocorre com os Aikewára, em vários momentos as lan houses são ainda a melhor
opção disponível para a conexão com a internet, porém com todas as limitações de
deslocamento, taxas do serviço e tempo reduzido de navegação na web.

1.3.2. No YouTube, no Twitter, no blog e no livro: o grafismo


Aikewára

Durante a realização do projeto, ainda que não tenham sido situações


administradas por eles, em função do pouco conhecimento, mesmo dos mais novos
sobre o funcionamento da web, aconteceram as primeiras inserções da cultura Aikewára
na rede mundial de computadores. Em algumas ocasiões, quando alguns deles estavam
em Belém, pude acompanhar como se sentiam diante das possibilidades da internet,
quais eram suas preferências e de que maneira preferiam aparecer nestes espaços, isto é,
como gostariam de marcar sua identidade.
Dois dos vídeos lançados através do projeto e postados na rede social YouTube
falam do artesanato e da comida dos Aikewára, respectivamente intitulados: "Tekweté:
a rede Aikewára" e "a Comida Aikewára", e um terceiro vídeo que ainda está sendo
finalizado fala a respeito do "Karuwara". Existem outros vídeos já postados no youtube,
como o "Tapi'í'rapé: o caminho da Anta", que conta a história da formação das
35

constelações na cultura Aikewára e o "Sapurahai", uma simbiose de música e dança


tradicionais, para a qual eles se pintam caprichadamente, o que significa usar sua
melhor roupa para essa ocasião especial.

[...] certos dias, as mãos dos índios Aikewára são “pretadas” pelo
jenipapo misturado com carvão. Pelo corpo deles, a floresta, que se
manifesta através de seus animais e árvores. Os Aikewára se pintam
para dançar o Sapurahai... Os Aikewára se pintam segundo Arihêra
Aikewára: “Porque isso é nossa cultura!” (NEVES et CORRÊA: 2011,
p.05)

Além de significar a roupa dos indígenas, o grafismo Aikewára tem funções


diferentes, dependendo da ocasião. Há pinturas específicas para celebrações religiosas,
pinturas femininas e masculinas e pinturas próprias para caçar. Em muitas de nossas
conversas, Tiapé Suruí fala que, quando está pintado de onça preta, as caças não podem
enxergá-lo (figura 8).

Figura 8: Tiapé Suruí pintado de onça preta

Foto: Alda Costa


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Esta fotografia é uma das preferidas de Tiapé. Ao se cadastrar no Twitter, ele


decidiu colocá-la em seu perfil e a mesma fotografia acabou sendo o pano de fundo de
sua página no microblog.
No blog www.aikewara.blogspot.com, esta imagem aparece em dois momentos
diferentes. No artigo intitulado “Sapurahai e a Rede Globo - Um "Estar Lá" bem
diferente”, de 25 de junho de 2010. A foto também foi eleita por Tiapé, para ilustrar o
artigo intitulado “Tiapé Suruí fala sobre a divisão do estado do Pará”, de 15 de
novembro de 2011. Novamente, ela o representa, mas o grafismo materializa a
identidade de seu povo, de sua cultura. Ainda que esteja falando sobre a sua opinião
política, Tiapé considera importante se apresentar numa fotografia em que aparece uma
particularidade de seus rituais de dança e música Aikewára.
No livro “Sentidos da pele Aikewára: urucum, jenipapo e carvão” (NEVES et
CORRÊA: 2011), esta mesma fotografia de Tiapé ilustra um dos grafismos da onça
(Sawara), a Sawara Pixuna, que é a onça preta. No livro, há mais três variações deste
grafismo que são a Sawara Piporo, a “oncinha”, usada somente pelas mulheres, a
Sawara P’nime, a onça pintada, e a onça vermelha.
Há muitas fotos das crianças da aldeia no blog Aikewára, e tanto para as pessoas
que fotografaram, quando para elas, o grafismo é muito importante e elas exibem com
orgulho suas pinturas corporais. Não só as crianças, mas os mais velhos e o cacique da
aldeia, todos têm preferência pelas fotos com grafismos. O projeto e a visita da Rede
Globo em Sororó foram um marco importante quanto à percepção dos indígenas a
respeito de sua cultura, principalmente para as crianças. Este outro olhar dos Aikewára
para os seus grafismos se estende a toda a cultura Aikewára.

Figura 9: Crianças Aikewára pintadas de “o rastro do porcão” (tasahu)

Fonte: www.aikewara.blogspot.com
37

Figura 10: Índia Aikewára pintando seu sobrinho

Foto: Lariza Gouvêa

De todo modo, o contato com outras sociedades fez com que os Aikewára
também ressignificassem seus grafismos, em função do interesse dos não-índios pelas
belas formas e traços precisos de sua pintura
O grafismo, na contemporaneidade, também representa um importante elemento
das identidades indígenas, principalmente na Amazônia, onde o jenipapo pode ser
encontrado sem muita dificuldade. Por outro lado, como pude observar durante uma
oficina de grafismo Aikewára, na UNAMA, (figura 11) os jovens da cidade, embora não
entendam bem os significados das pinturas, demonstram interesse por elas e muitos
querem se pintar. Para eles, também o grafismo materializa a identidade indígena.

Figura 11: Oficina de grafismo Aikewára na Unama em 2010

Foto: Lariza Gouvêa


38

Ainda que os grafismos signifiquem originalmente a roupa Aikewára e que não


se possa compará-los amplamente a uma tatuagem, provisória ou definitiva, há algumas
reflexões e comparações possíveis de serem feitas entre estes conceitos, a partir da
interação entre índios e não-índios na web. Há um discurso que atravessa o corpo
escrito, uma ideologia que dispõe deste corpo para todos os efeitos (SOUZA, 2008).
Além do que:

“[...] escolher o meio em que se produz a escrita, será, sempre,


escolher a partir do ideológico, e já esquecido de que seu corpo é
veículo da cultura; nessa escolha já constituindo interpretação, e, por
conseguinte, constituindo sentidos. O mesmo se dá com a
impossibilidade de se separar o discurso de sua circulação ou os
saberes das instituições que os sustentam.” (SOUZA, 2008, p.26)

Ao decidir, em diferentes postagens e mídias, pela foto em que está pintado de


Sawara Pixuna, Tiapé exibe a cultura Aikewára, sua qualidade de guerreiro e liderança
Aikewára, sua identidade indígena, ou seja, exibe mais significados além do fato de
estar vestido para caçar. As crianças também têm a consciência de estarem exibindo sua
cultura e marcando sua identidade indígena. Prova disso é que “depois da primeira
oficina do projeto, passou a ser comum as crianças desenharem os Aikewára com os
grafismos.” (NEVES et CORRÊA: 2011, p.47)
No livro escrito por Murué Suruí, “História dos índios Aikewára” (2011), são os
desenhos das crianças que ilustram cada história. É possível perceber os traços infantis
dos desenhos, porém nota-se uma riqueza de detalhes quanto às cores, distribuição
dessas cores e formas, principalmente dos animais, que só a convivência com eles na
floresta poderia possibilitar.

Figura 12: Arara desenhada pelas crianças Aikewára

Fonte: SURUÍ: 2011, p.10


39

Figura 13: “Porcão” desenhado pelas crianças


Aikewára

Fonte: SURUÍ: 2011, p.14

Quase todos os grafismos representam os animais da floresta, que fazem parte


das histórias escritas por Murué. O desenho a seguir mostra dois personagens da história
“Mutum e Wiratinga” pintados com os grafismos.

Figura 14: Indígenas desenhados pelas crianças


Aikewára

Fonte: SURUÍ: 2011, p.33

Antes do contato sistemático com os não-índios, estes grafismos eram usado em


situações específicas, relacionados às narrativas, às guerras, à caça na floresta. Hoje,
eles ganham novos significados nos filmes, no blog, nos livros. Esta ressignificação, ou
ampliação de significado dada ao grafismo Aikewára, não é uma particularidade desta
sociedade, pois outras sociedades também ressignificam seus desenhos nas redes
sociais.
40

No último capítulo, analiso como o grafismo está presente nos espaços da web.
Apesar de todas as diferenças históricas que existem entre os povos indígenas e das
formas como se relacionam com as mídias. O grafismo é uma recorrência, nas primeiras
imagens sobre sociedades indígenas, nas primeiras fotos, nos primeiros registros
audiovisuais, e como não poderia deixar de ser, também na web.
Nos próximos capítulos, tratarei mais especificamente da parte da pesquisa
realizada na web. Em alguns momentos, retorno a esta experiência com os Aikewára,
pois, de certa forma, existem algumas semelhanças com outras sociedades que este
contato com eles ajudou a compreender.
41

Capítulo 2 - Entrando na Rede...


Atualmente, como já foi dito, há em território brasileiro, 238 povos diferentes
que falam mais de 180 línguas. Historicamente, porém, os indígenas sempre foram
tratados como fazendo parte de uma única etnia e de forma marginalizada, como
selvagens, antropófagos, preguiçosos, “sem roupas”, desconsiderando-se as
particularidades de cada povo.
Muitos séculos depois de Colombo, definir o que é um “índio”, ou o
que é uma “comunidade indígena” não é tarefa simples. O caráter
genérico imposto pelo discurso colonial ecoa tão profundamente em
nossa história “oficial”, que não podemos dizer que a relação italiano-
europeu coloca em circulação os mesmos efeitos de sentido da relação
Guarani-índios. Todos sabem que existem muitas nações européias, já
as indígenas, são interpretadas como uma homogeneidade. (NEVES:
2009, p.36).

Todos estes discursos reducionistas, inventados a respeito dos indígenas,


continuam em circulação ainda hoje, neste século, tanto nas mídias tradicionais, quanto
nas chamadas novas mídias, como as redes sociais da internet (Orkut, Twitter,
Facebook,...). Em contrapartida, discursos atualizados a respeito da tradição indígena,
transformados em função do próprio desenvolvimento dos meios de comunicação,
alguns deles produzidos por indígenas de diferentes etnias em diferentes condições de
produção também circulam nestes ambientes, convivendo com os velhos discursos
preconceituosos, como será analisado a seguir. Neste capítulo, apresento os
procedimentos metodológicos da segunda parte de minha pesquisa, que aconteceu na
internet.

2.1. Redes sociais


Muitas vezes nos referimos à internet como se ela fosse atemporal, não datada e
indefinida. Na atualidade, porém, já podemos pensar no percurso histórico da rede
mundial de computadores. Por volta dos anos de 1960, no auge da guerra fria, militares
dos Estados Unidos se empenharam em criar uma rede que integrasse os computadores,
com fins específicos e militares.
A Internet surgiu a partir de um projeto da agência norte-americana Advanced
Research and Projects Agency (ARPA), Agência de Projetos de Pesquisa Avançada do
Departamento de Defesa dos EUA, com o objetivo de conectar os computadores dos
seus departamentos. (CÚELLAR, 2008).
42

Em 1º de setembro de 1969, a primeira rede de computadores, a ARPANET,


entrou em funcionamento. Já em seu nascimento, os centros de pesquisa que
colaboravam com o departamento de defesa dos EUA começaram a usá-la para suas
próprias comunicações, criando “uma rede de mensagens entre entusiastas de ficção
científica” (CASTELLS, 2010, p. 83).
Essa iniciativa dos cientistas implicou um conteúdo misto na rede, que colocou
ao mesmo tempo em circulação pesquisas com fins militares, científicos e até conversas
pessoais. Já dentro deste contexto, aconteceram as primeiras ressignificações nos usos
da rede, que se tornariam uma recorrência constante. Ela se expandiu, se subdividiu, e
passou a incluir cientistas de todas as disciplinas no acesso à rede, por volta de 1983.
A ARPANET passou a ser de conteúdo dedicado a fins científicos e foi criada a
MILNET para as demandas militares. Posteriormente, houve a criação de mais uma rede
de cunho científico, a CSNET, e de uma rede com fins acadêmicos não-científicos, em
parceria com a IBM, a BITNET. Como espinha dorsal de todo esse sistema de
comunicação estava a ARPANET, que mais tarde tornou-se ARPA-INTERNET, até se
tornar simplesmente a INTERNET. (CASTELLS, 2010)
No Brasil, a internet se desenvolveu a partir dos anos de 1990, no meio
acadêmico, através do professor Oscar Sala, da Universidade de São Paulo (USP),
conselheiro da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP). Sua
idéia era conectar os computadores do Brasil com os de outros países, o que deu origem
à BITNET (Because is Time to Network), que em português significa “porque é tempo
de trabalho em rede”. A BITNET conectava a FAPESP ao Fermilab, laboratório de
Física de Altas Energias de Chicago (EUA). “Em 1991, o acesso ao sistema, já chamado
INTERNET, foi liberado para instituições educacionais e de pesquisa e a órgãos do
governo”. (REDAÇÃO TERRA, 2005)
Mesmo após a privatização da internet, por volta de 1995, devido a pressões
comerciais, não existia clareza sobre seu controle ou coordenação. Segundo Castells
(2010), sua principal característica era ser um sistema anarquista, tanto cultural como
tecnologicamente.
Da invenção da roda ao mundo digital, houve muitos momentos em que as
revoluções tecnológicas promoveram profundas transformações sociais. O que vemos,
agora, no entanto, é que este novo paradigma das novas tecnologias da informação, em
especial a partir da internet, sem desconsiderar as relações de poder em que ele está
43

envolvido, de certa forma, dissolve os limites territoriais e temporais. Até aqui, as


transformações produzidas pela tecnologia aconteciam a partir de restrições de usos,
localizações e expansão gradual dos conhecimentos adquiridos para outras sociedades.
Hoje, vivemos, na internet, a realidade da web 2.0, uma nova concepção de uso
da internet, bem diferente de sua origem específica e pouco interativa. Uma definição
ainda recente, compreendida por alguns que conhecem sua origem e peculiaridades, que
a distinguem da web 1.0, e ainda sem sentido para alguns que a reduzem, simplesmente,
a um termo de marketing.
Este novo momento diz respeito a como os conteúdos são recebidos na internet,
com que olhares, ou melhor, diz respeito a uma mudança de comportamento, a como os
conteúdos são também construídos por usuários e por desenvolvedores. Este novo
momento caracteriza uma ênfase à recepção, através das redes sociais, que vem
revolucionando a comunicação deste início de século.
Segundo Braga (2005, p.125), “o computador é, em sua natureza, uma máquina
interativa, pois, dentro de um sistema de computação, manifesta-se um diálogo entre
homem e máquina.” Baseado em seus estudos sobre Benjamin e Bernerss-Lee, Braga
(2005, p.126) acrescenta:
Benjamin previa que o princípio da separação totalizante entre usuário
e máquina, autor e leitor, criador e fruidor, poderia ser superado com o
crescente uso das máquinas e do desenvolvimento tecnológico. As
novas tecnologias da modernidade seriam definitivamente interativas.
Bernerss-Lee, criador da World Wide Web, levaria a intuição de
Benjamin à experiência quase cotidiana de boa parte da população
mundial. Esse cientista concebeu a internet como uma hipermídia, ou
seja, os elementos produzidos por esta rede não deveriam seguir o
modelo do impresso, mas sim agregar elementos interativos.

Em função desta interatividade das novas tecnologias, trato da recepção como


um fenômeno que se intensifica nas redes sociais da internet, mas que não é recente.
Segundo Kittler (2005, p.79) “ uma vez que o conteúdo de um “meio” é sempre outro
meio, como no caso da escrita (mesmo para Aristóteles) é a linguagem oral. Os
manuscritos podem ser classificados com base no fato de processarem as linguagens
cotidianas em pictogramas ou em sinais silábicos ou fonêmicos.” Há sempre um ponto
de partida, onde um conteúdo é produzido, e uma infinidade de possibilidades de
reprodução deste conteúdo. O próprio conteúdo “original” é uma expressão de outros
conteúdos apreendidos e interpretados pelo produtor.
44

Os estudiosos da cultura popular e dos estudos culturais, de um modo geral,


defendem que a partir das classes populares, muitas vezes formadas por pessoas que
eram desprovidas de “tudo”, também se produzia cultura. A produção de conhecimentos
nunca foi unilateral e nem uma exclusividade das classes dominantes. Esta forma de
olhar para os processos de comunicação já se referia à recepção, através dos estudos das
resistências e negociações.

Quando se pensa nos choques culturais pelos quais passaram em


algumas gerações as classes populares, fica-se atônito pelas
faculdades de resistência e de adaptação da qual elas deram prova. O
mais impressionante não é tanto o que cada geração tem podido, em
larga medida, preservar das tradições dos mais velhos, mas sobretudo
que ela tenha sido capaz de criar coisas novas (HOGGART:1970, p.
386)

Assim como ocorreu com a primeira geração da internet, as redes sociais foram
criadas com uma proposta inicial que difere dos diversos usos hoje praticados por
milhões de usuários no mundo todo, conforme seus interesses particulares. Esse
comportamento pode ser relacionado ao que Jauss (1979, p.60) diz sobre a experiência
estética:
[...] a experiência estética não se distingue apenas do lado de sua
produtividade, como criação através da liberdade, mas também do
lado da sua receptividade, como “aceitação em liberdade”. À medida
que o julgamento estético pode representar tanto o modelo de um
julgamento desinteressado, não imposto por uma necessidade, quanto
o modelo de um consenso aberto, não determinado a priori por
conceitos e regras, a conduta estética ganha, indiretamente,
significação para a práxis da ação.

Em análises preliminares sobre a recepção e as redes sociais, é possível se


pensar a internet como uma espécie de partilha do poder entre todos. Em tese, todos
interagem com todos, além de cada um decidir o que quer e o que não quer ver, o que se
vai guardar e o que se vai descartar. Não se pode, no entanto, acreditar que a web 2.0
estabeleceu uma condição de absoluta igualdade entre seus usuários.

2.1.1. Relações de poder na web


A primeira consideração a ser feita quanto às relações de poder na web diz
respeito à acessibilidade, pois a interação é bem mais possível quando os usuários têm
acesso à banda larga e a equipamentos atualizados. Para exemplificar, podemos pensar
que em 2011, na cidade de Belém do Pará, paga-se por uma banda larga com velocidade
de 1 Mega, R$ 120,00 (cento e vinte reais), em Macapá, no Amapá, ainda não chegaram
45

os cabos de fibra ótica e a conectividade, via satélite, custa mais de R$ 400,00


(quatrocentos reais) ao cidadão comum, já em São Paulo, por menos de R$ 50,00
(cinquenta reais) é possível obter uma banda larga de boa qualidade. Naturalmente que
estas realidades interferem na democratização do acesso.
Outro aspecto que desmistifica a partilha compartilhada do poder na rede, diz
respeito aos níveis de letramento destes usuários. Com isso não quero dizer que o
letramento seja condição para a existência da recepção, a qual atravessa toda produção,
como já ficou estabelecido. Chamo a atenção, porém, para as diferentes condições de
posicionamentos críticos que circulam nas redes sociais da internet. E é este aspecto que
se deve desmistificar, da cidadania democrática e universal proposta pela web 2.0. Para
Foucault (2000), há de se considerar o lugar de onde o sujeito enuncia seu discurso e em
relação à internet não é diferente, pois seus usuários não falam do mesmo lugar, nem
tampouco todos “escutam” com as mesmas condições de produção.
Ainda sobre a rede como um espaço democrático e livre, embora as diversas
possibilidades tão acessíveis dos usos da rede não deixem percebê-las claramente, há de
se considerar algumas estratégias de que as próprias redes sociais se valem para
controlar a circulação de informações. Um olhar mais crítico, sem muita dificuldade,
consegue acompanhar este movimento.
Castells (2010) afirma que, nas duas décadas passadas, aprendiam-se as novas
tecnologias das telecomunicações usando-a. Agora, neste terceiro estágio, o
aprendizado é de outra ordem, ele acontece fazendo. Atualmente, “o ciclo de
realimentação entre a introdução de uma nova tecnologia, seus usos e seu
desenvolvimento em novos domínios torna-se muito mais rápido no novo paradigma
tecnológico.” (CASTELLS, 2010, p. 69)
Diante da condição ativa, que permite ao usuário, até certo ponto, interferir na
estrutura: mudar a cor, as fontes, colocar e retirar filmes, imagens, as estratégias de
controle ficam menos evidentes. De certa forma, as possibilidades do fazendo, se
comparadas com o direcionamento da programação televisiva, por exemplo, criam a
ilusão de que não há nenhum tipo de interdição social na rede.

Um exemplo recente de como se dá a administração desta “liberdade” do


usar/fazer e o fazer/usar das tecnologias, aconteceu na rede social Facebook.
Atualmente, uma das mais acessadas da web, com quase 700 milhões de usuários no
46

mundo, sendo 19 milhões no Brasil (REVISTA ÉPOCA, 2011). Recentemente, num


curto espaço de tempo, menos de uma semana, o Facebook modificou a janela de bate-
papo dos seus usuários pelo menos duas vezes. Vamos analisar a repercussão da
primeira modificação e como ela deixou ver as sutis estratégias de controle.
Antes destas modificações, era possível enxergar todos os contatos online em
ordem alfabética:

Figura 15: Bate-papo do Facebook

Fonte: http://www.numclique.net/tag/Facebook

A primeira modificação deixava visível para o usuário do bate-papo do


Facebook apenas os contatos com os quais ele mais interagia, não permitia a
visualização dos outros usuários online de sua rede de amigos. Além disso, a janela
passou a ser fixa e sem barra de rolagem, que dificultava a visualização até mesmo de
seus principais contatos quando estivessem muitos online.
47

Figura 16: Primeira modificação do Bate-papo do Facebook.

Fonte: http://www.Facebookfacil.com.br/Facebook-bate-papo-lateral-filter-bubble.html

O assunto gerou, na internet, uma grande quantidade de reclamações em forma


de artigos em blogs, campanhas, comentários em outras redes sociais (figura 17),
inclusive com questionamentos a respeito do fenômeno filter bubble:

Figura 17: Manifestações contra o novo bate-papo do Facebook

Fonte: www.google.com.br
48

Gedhin (2011) explica que, independente do objeto em questão ser uma simples
janela de bate-papo, o fenômeno do filter bubble se dá deste modo, através de um
conjunto de pequenas intervenções algorítmicas que cria uma grande bolha de filtro.
Além disso, o usuário final provavelmente só irá percebê-lo se, de alguma forma, ele
interferir em sua navegação.

Existem estudos interessantes sobre esse fenômeno, chamado “Filter


Bubble” (algo como “Bolha de Filtro”, no inglês). Esse termo se
refere à personalização compulsória do que consumimos na
Internet, coisa que praticamente todo site grande, do Facebook ao
Google, faz. A longo prazo, a bolha de filtro nos torna menos
questionadores e menos suscetíveis a opiniões contrárias às nossas,
o que, em última instância, limita nosso crescimento enquanto seres
humanos e, numa visão mais ampla, enquanto sociedade. (GHEDIN,
2011).

Por outro lado, ainda que na internet existam, e certamente ficarão cada vez mais
sofisticadas, as estratégias de controle, não podemos desconsiderar que os internautas,
os telespectadores, os leitores, enfim, os receptores dos processos midiáticos, sempre
foram, ainda que em diferentes níveis de autonomia, receptores ativos. Práticas
discursivas que reforçam a ideia de que as sociedades se uniformizam pelo uso da
tecnologia, remetem ao equívoco de que os conflitos e diferenças deixam de existir
neste espaço, onde aparentemente todos falam com todos, como alerta Martín-Barbero,
(2004, p.178):

De uma parte continua – agora de modo sofisticado e laico – a velha


tradição idealista que opõe a tecnologia à cultura como se opõe a
matéria ao espírito, e segue acreditando em uma identidade cultural.
De outra parte funciona aí um contraditório conceito de “efeito” que
permite, ao mesmo tempo, fragmentar o social em parcelas isoláveis
de sentido e depois recompor tudo, metafisicamente, sem brechas nem
conflitos.

O autor parte destas reflexões para fomentar um importante debate a respeito das
tecnologias da informação, especialmente na América latina. Para ele, precisamos nos
preocupar como as tecnologias da comunicação constituem-se a partir de diversidades
culturais e não ficar limitados a analisar os seus “efeitos”.
49

A ênfase dada por Martín-Barbero (2004), quanto a se fazer um deslocamento


das tecnologias em si para os seus usos, formas de aquisição e acesso, vem ao encontro
dos objetivos desta dissertação. Aqui, estamos fazendo uma reflexão sobre as redes
sociais e os povos indígenas, portanto falamos sobre uma multiplicidade de sujeitos que
fazem diferentes usos da internet. Então, cabem indagações sobre este processo da
seguinte ordem: de que maneira, com que propósitos, com que vantagens e dificuldades
eles significam a rede em suas diferentes culturas e histórias?

2.2. Discurso e mídia

A análise do discurso (AD) é um campo de estudo que oferece


ferramentas conceituais para a análise desses acontecimentos
discursivos, na medida em que toma como objeto de estudos a
produção de efeitos de sentido, realizada por sujeitos sociais, que
usam a materialidade da linguagem e estão inseridos na história. Por
isso, os campos da AD e dos estudos da mídia podem estabelecer um
diálogo extremamente rico, a fim de entender o papel dos discursos na
produção das identidades sociais. (GREGOLIN: 2007, p.13)

Na contemporaneidade, a sociedade da informação criou diferentes suportes


materiais para estabelecer os cada vez mais velozes processos de comunicação. Hoje,
em meio a sociedades complexas, os discursos que circulam nos espaços abertos pelas
novas tecnologias convivem com as novas e tradicionais formas de produzir sentidos.
Este início de século exibe, em sua paisagem dinâmica, as diferentes possibilidades de
mediações, como em nenhum outro momento da história. Em meio a este mosaico
contemporâneo de informação, atualizam-se memórias, recriam-se e se repetem antigos
discursos.
Esta nova realidade, no entanto, não significa necessariamente que as
sociedades ocidentais deixaram para trás suas histórias. As novas
tecnologias da informação e da comunicação reeditam também os
velhos discursos. As representações sociais, ainda que se constituam
com o dígito, sempre serão uma tradução da sociedade que as
produziu. Para exemplificar, sem muita dificuldade, podemos ver, nas
“democráticas” redes sociais, postagens atravessadas por discursos
preconceituosos, que discriminam o nordestino, o negro, o índio, o
homossexual. (NEVES, 2011)

Estamos assistindo a uma verdadeira revolução que as redes sociais provocaram


no mundo árabe, muito em função do desejo dos mais jovens por novas práticas sociais
e da circulação de discursos ocidentais relacionados à liberdade de expressão. Quais
serão os efeitos de toda esta movimentação que envolve a história destas nações e
50

coloca em questão discursos estabilizados? Novas materialidades e velhos ou novos


discursos? Como pensar o dígito e todas as possibilidades de produção de sentido neste
início de século?
A alfabetização e sua difusão, através da imprensa e da criação do papel, foram
marcos na história do conhecimento e de seu acúmulo. Segundo Castells (2010), a nova
ordem alfabética também trouxe consigo uma hierarquia social entre a escrita
alfabetizada e a expressão audiovisual. No sec.XX, o cinema, o rádio e a televisão
superaram a influência da comunicação escrita, assunto que ainda domina a crítica
social da comunicação de massa, porém, no sec.XXI, esta crítica se volta para a
convergência desses meios, incluindo a modalidade escrita, através das tecnologias
digitais.
Devido a essas peculiaridades dos novos meios de comunicação, persiste a
tendência de se opor cultura à tecnologia, como afirma Martín-Barbero (2004). Para
Castells (2010, p.414):

A comunicação, decididamente, molda a cultura porque, como afirma


Postman “nós não vemos...a realidade...como ‘ela’ é, mas como são
nossas linguagens. E nossas linguagens são nossos meios de
comunicação. Nossos meios de comunicação são nossas metáforas.
Nossas metáforas criam o conteúdo de nossa cultura”

Martín-Barbero (2004) e Castells (2010) ‘dialogam’ quanto às mudanças que o


novo sistema tecnológico traz para a cultura, porém a investigação principal a respeito
do tema é em que condições, com quais características e com que efeitos reais essa
mudança ocorre?
A atenção dos críticos da comunicação de massa voltou-se por muito tempo para a
televisão. Quando ela se difundiu, três décadas após a Segunda Guerra Mundial, os
outros meios precisaram se ressignificar. Segundo Castells (2010), o rádio perdeu a
centralidade, passou a tratar de assuntos mais voltados ao cotidiano das pessoas, ganhou
em flexibilidade. Filmes adaptaram-se à audiência televisiva, assim como as revistas e
jornais se especializaram e segmentaram.
Os livros também sofreram influências, cresceu a quantidade de best-sellers
utilizando temáticas e personagens da tevê. Nos últimos anos, esta relação ganhou maior
intensidade ainda, através da internet. Além da divulgação, cresceu a possibilidade de
51

aquisição destes livros e de outros produtos similares, como pôsteres, revistas e


acessórios presentes em novelas, filmes e séries televisivas, de forma mais acessível.
Segundo Castells (2010), é possível perceber nas sociedades urbanas um padrão
comportamental mundial predominante em que a tevê é a atividade com o segundo
maior consumo após o trabalho. Além disso, as pessoas não se limitam a serem
exclusivamente espectadoras da mídia, pois realizam outras tarefas paralelamente ao ato
de assistir tevê, como suas atividades domésticas, refeições e etc.
O que ocorre na tevê passa a ser o tecido de fundo para conversas, interações
sociais. “Na sociedade contemporânea, a mídia realiza a imensa tarefa de fazer circular
as representações e, nesse sentido, coopera para as interconexões entre os fios desse
entrelaçamento.” (GREGOLIN: 2007, p.06) Além disso, como veremos mais adiante,
essas práticas sociais continuam ocorrendo, com maior intensidade, por causa da
multiplicidade de meios, e os assuntos dessas interações passam a circular também na
internet.
A sofisticação técnica produz uma verdadeira saturação identitária
através da circulação incessante de imagens que têm o objetivo de
generalizar os modelos. A profusão dessas imagens age como um
dispositivo de etiquetagem e de disciplinamento do corpo social.
Os discursos veiculados pela mídia, baseados em técnicas como a
confissão (reportagens, entrevistas, depoimentos, cartas, relatórios,
descrições pedagógicas, pesquisas de mercado) operam um jogo no
qual se constituem identidades a partir da regulamentação de saberes
sobre o uso que as pessoas devem fazer de seu corpo, de sua alma, de
sua vida. (GREGOLIN: 2007, p.05-06 )

2.3. As mídias e as sociedades indígenas

Na maioria das aldeias indígenas, encontramos televisores, porém muitas delas


ainda não têm ponto de internet, como foi evidenciado no Simpósio Indígena realizado
na USP. Os televisores exibem a programação conhecida como aberta, transmitida para
todo território nacional, mas também exibem vídeos indígenas, como disse Tiapé Suruí,
dos Aikewára, em nosso terceiro encontro: “A gente se reúne e acompanha os filmes
dos Guarani, mas vê o Chaves também.”
Entre os indígenas, a tevê também gera conteúdo para conversas, interações
sociais, como disse Castells (2010). Ela também gera conflitos de gerações, em função
da programação que enfatiza um determinado modelo de sociedade, com seus padrões
culturais, de beleza e de comportamento. “Colocando em circulação enunciados que
52

regulamentam as formas de ser e agir, os meios de comunicação realizam um


agenciamento coletivo de enunciação, entrecruzando determinações coletivas sociais,
econômicas, tecnológicas etc.” (GREGOLIN: 2007, p.08).
É importante, porém, destacar que existem diferentes realidades históricas a que
estão expostas as sociedades indígenas. É possível que os grupos isolados que ainda
hoje vivem na floresta amazônica nunca tenham entrado em contato nem com o rádio.
Existem, no entanto, alguns povos indígenas que já conseguiram, na medida do
possível, se apropriar das diversas mídias, principalmente das tecnológicas, e alguns já
deram início aos processos de ressignificação dos seus usos.
Seria redutor entender que há apenas passividade diante do
agenciamento coletivo da subjetividade; pelo contrário, há pontos de
fuga, de resistência, de singularização. A subjetividade é fabricada e
modelada no registro social, mas os indivíduos vivem essa
subjetividade tensivamente, re-apropriando-se dos componentes
fabricados e produzindo a singularização, criando outras maneiras de
ser. Se só houvesse a submissão, não haveria necessidade de
reiteração. Acontece que não há agenciamento completo das
subjetividades pelo poder: há um permanente entrelaçamento móvel
entre as forças de territorialização e as de desterritorialização, ambas
agindo e provocando contradições. (GREGOLIN: 2007, p. 10 )

No caso dos Aikewára, e de outras sociedades indígenas que não possuem ponto
de internet na aldeia, a tevê passa a ser o único meio de acesso imediato às produções
audiovisuais. São poucos os indígenas que se deslocam até lan houses ou fazem viagens
para outras cidades para participarem de eventos ou navegarem na internet. Estes
deslocamentos são geralmente realizados pelas lideranças de cada sociedade.

2.3.1. Entre recorrências e dispersões

Este trabalho trata de sociedades indígenas, a produção de suas identidades


discursivas na internet e a interdiscursividade com outras realidades e outros meios de
comunicação. Falar de identidade já é por si só um assunto complexo, pois a identidade
articula-se com a história, a memória e a linguagem. A web amplia estas dimensões,
reunindo em um mesmo espaço diferentes temporalidades, com suas produções de
saberes e controles de poderes (GREGOLIN, 2007).
Analisando-se as publicações das diversas etnias indígenas em blogs e redes
sociais, é possível desenhar uma cartografia das identidades indígenas na web.
53

As modalidades de enunciação mostram a dispersão do sujeito, isto é,


os diversos estatutos, lugares, posições que ele pode ocupar. Se
alguém enunciou algo, só pôde fazê-lo mediante condições estritas
que aparecem no regime regulador dos enunciados de uma época. A
prática discursiva regula a função do sujeito: num discurso jornalístico
pede-se, por exemplo, “objetividade”, “informação”. As práticas
discursivas, o que uma época pôde dizer, quais objetos acolheu, quais
indivíduos puderam ocupar a posição sujeito nos enunciados que
constituem tais práticas – estas idéias, centrais na análise de discursos
proposta por Foucault, mostram que nem tudo pode ser dito, nem de
qualquer instância e nem por qualquer um. (GREGOLIN: 2007, p.8)

Na web, por exemplo, é comum a criação de identidades falsas (fakes), o que faz
parte do universo virtual. Na contemporaneidade, as identidades são consideradas
fluidas e podem ser construídas discursivamente e depois descartadas. Como, então,
classificar as “verdadeiras” identidades indígenas na web? São todas identidades
discursivas, formuladas devido a uma identificação? O que é subjetivo e o que é
objetivo dentro deste campo de pesquisa?

2.3.2. Novos lugares de pesquisa

A princípio, minhas buscas eram específicas sobre conteúdos relacionados às


sociedades indígenas na internet, postados pelos próprios indígenas. Logo, no entanto,
percebi que havia informações disponibilizadas por instituições respeitadas dentro deste
domínio, como o Instituto Socioambiental (ISA), ligadas a antropólogos e linguistas das
mais renomadas universidades brasileiras. No link “Povos Indígenas no Brasil”, este
instituto disponibiliza informações sobre as diversas sociedades indígenas residentes no
Brasil 1, incluindo as formas de entrar em contato diretamente com elas.
Segundo o Instituto Socioambiental (2011):

Em pleno século XXI a grande maioria dos brasileiros ignora a imensa


diversidade de povos indígenas que vivem no país. Estima-se que, na
época da chegada dos europeus, fossem mais de 1.000 povos,
somando entre 2 e 4 milhões de pessoas. Atualmente encontramos no
território brasileiro 238 povos, falantes de mais de 180 línguas
diferentes.

1
A divisão territorial em países (Brasil, Venezuela, Bolívia etc.) não coincide, necessariamente, com a ocupação
indígena do espaço; em muitos casos, os povos que hoje vivem em uma região de fronteiras internacionais já
ocupavam essa área antes da criação das divisões entre os países; é por isso que faz mais sentido dizer povos
indígenas no Brasil do que do Brasil. (Instituto Socioambiental: 2011)
54

Os povos indígenas somam, segundo o Censo IBGE 2010, 817.963


pessoas. Destas, 315.180 vivem em cidades e 502.783 em áreas rurais,
o que corresponde aproximadamente a 0,42% da população total do
país.
A maior parte dessa população distribui-se por milhares de aldeias,
situadas no interior de 669 Terras Indígenas, de norte a sul do
território nacional.

Outro momento importante de minhas pesquisas da internet também esteve


relacionado a um site institucional que me permitiu uma aproximação mais direta com
lideranças indígenas pelas redes sociais da web. Pela primeira vez, em novembro de
2010, na Universidade Estadual de São Paulo - USP foi realizado o 1º Simpósio
Indígena sobre usos da Internet no Brasil. O evento reuniu lideranças de 16 etnias para
discutir os exemplos de usos bem-sucedidos, mas também as limitações encontradas por
cada povo, as convergências e divergências dessas informações. Ao site do evento,
adicionou-se uma relação de links com endereços dos blogs indígenas, naquele
momento conhecidos pelos organizadores e pelos participantes do evento.
Como meu objetivo era focar indígenas realmente ativos na web, dei início a
uma pesquisa minuciosa nestes 34 links e os procurei pelas redes sociais. Os Aikewára,
apesar de não terem participado do evento, são o primeiro link disponibilizado no site
da USP, provavelmente devido a sua atividade contínua na época. Dois desses links não
são de indígenas e correspondem ao Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da
Usp (NHII) e ao Laboratório da Imagem e Som em Antropologia da USP (LISA).
A realização deste evento demonstra que, atualmente, existe uma necessidade
dos povos indígenas em relação às novas tecnologias da informação e da comunicação.
A presença de indígenas nas escolas e universidades e a chegada da internet a lugares
distantes dos grandes centros têm gerado uma série de debates sobre o futuro destes
povos no mundo digital.
55

Figura 18: Encerramento do Simpósio Indígena

Fonte: http://www.usp.br/nhii/simposio/

De acordo com o site do evento:


Durante três dias, em plenárias que mesclaram apresentações de
experiências de uso da internet com discussões entre os participantes,
representantes de 16 povos indígenas discutiram os diferentes usos
que têm feito da internet em suas comunidades. Nos debates,
identificaram vários problemas comuns, a começar pelo número
reduzido de comunidades indígenas que têm acesso a rede mundial de
computadores. Equipamentos defasados, conexões lentas e
intermitentes, falta de assistência técnica e dificuldade de acesso a
programas de computadores foram algumas das dificuldades
mapeadas pelo grupo. (SIMPÓSIO INDÍGENA, 2010)

As principais dificuldades relatadas pelas lideranças indígenas, neste congresso,


fazem parte de um contexto maior na América Latina. Assim como acontece entre eles,
milhares de latino-americanos também vivem, de certa forma, à margem de uma
cibercidadania, ainda que já estejam envolvidos pelo mundo digital.
Analisando as condições de produção das sociedades indígenas no Brasil, a
partir dos links disponibilizados pelo site do Simpósio Indígena da USP,
concernentemente ao acesso à internet, temos realidades bastante diferentes. Há
sociedades com ponto de internet nas casas da aldeia, com acesso 24h, há sociedades
com ponto de internet na escola, que às vezes é distante da aldeia, e há também
sociedades em que o ponto de internet ainda é aguardado para ser disponibilizado na
escola e que dependem de deslocamentos esporádicos até lanhouses em cidades
vizinhas.
56

Estas diferentes realidades podem ser facilmente percebidas nas redes sociais,
como o Facebook, onde alguns indígenas postam informações diariamente, enquanto
outros passam meses sem publicar qualquer informação. Nas conversas que estabeleci
com vários indígenas, através da internet, perguntei para eles sobre os usos que faziam
da web e a partir de suas respostas, foi possível perceber como estão expostos a
diferentes realidades em relação ao acesso à rede. No próximo capítulo, aprofundo mais
as análises sobre esta questão.

2.3.3. Os Paiter e a parceria com o Google

Os Paiter são os indígenas da Amazônia mais conectados à rede mundial de


computadores. Em boa parte da região, a banda larga ainda não chegou e as dificuldades
em relação à floresta dificultam bastante o acesso. Até o início de 2012, os Paiter eram
os únicos indígenas com ponto de internet na aldeia, via satélite. A entrada desta
sociedade no mundo digital teve início a partir de uma iniciativa de um de seus líderes
mais atuantes, o chefe Almir Narayamoga Suruí, que conseguiu uma parceria com o
Google.
BRASÍLIA – Rebecca Moore, gerente do Google Earth Solidário, e
Vasco Van Roosmalen, da Equipe de Conservação da Amazônia
(ACT Brasil), recentemente visitaram Rondônia, onde o Google
trabalha com a Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí no
mapeamento e gestão de recursos florestais.
O projeto começou quando o cacique Almir Suruí utilizou o Google
Earth em um cyber café e posteriormente visitou a sede da empresa na
Califórnia como participante do Programa de Visitantes Líderes
Internacionais do Governo dos Estados Unidos.
Como resultado da visita à Califórnia, as equipes do Google Earth
Solidário iniciaram um treinamento à população de Suruí de como
fazer pesquisas na internet, postar vídeos no YouTube e usar as
ferramentas do Google Earth.(Agência dos Estados Unidos para o
Desenvolvimento Internacional: 2011)

O resultado desta parceria, em termos de visibilidade na web, considerando


tempo e espaço, é que, além de estarem presentes em mais de uma mídia social, como
blogs pessoais e de associações das quais fazem parte (Ponto de Cultura Maloca Digital
GASODÁ SURUI, Paiter Surui, Chicoepab Suruí, Paiter de Mato Grosso -
Rondolândia, Celso, INSTITUTO YABNER, Urariwe Surui ), Orkut, Twitter e
Facebook, eles são uma das etnias indígenas com as atualizações mais constantes no
Facebook.
57

Os indígenas da sociedade Paiter são os mais presentes, tanto em tempo de


conexão, quanto em número de pessoas conectadas, de diversas faixas etárias e com
diferentes discursos. Além das lideranças que estiveram no simpósio da USP, o chefe
Almir Narayamoga Suruí e Chicoepab Suruí, encontrei muitos outros Paiter na
plataforma, inclusive em outras redes sociais, como o Twitter e o Orkut.
Ainda que a parceria com o Google tenha gerado ganhos políticos para os
indígenas da sociedade Paiter, é possível perceber que as discussões políticas em
relação aos povos indígenas são promovidas pela sua principal liderança, o chefe Almir
Suruí. Mas encontram-se também postados na plataforma do Facebook assuntos
diversos e mais cotidianos, como preferências musicais, possibilidades de viagens,
situações escolares e até enunciados de humor.

Figura19: Compartilhamento de Chicoepab Suruí no Facebook

Fonte: https://www.Facebook.com/profile.php?id=100001988945608
58

Segundo Gregolin (2007, p.09):

A linguagem deixa de ser pura forma e adquire historicidade. Por isso


é perigoso entrar na ordem do discurso, porque nunca se diz nada por
dizer, porque o simples fato de dizer já insere o dito no fluxo da
história e dos poderes. Imerso nessas mensagens (e a mídia é delas
uma fonte inesgotável) que repetem certas idéias, o leitor é instado a
concordar com aquilo que é dito e a acatar o aparente consenso
instaurado pelo riso. Essa é uma das funções do humor, pois o riso
entorpece. Para haver a possibilidade da discordância é preciso
levantar esse véu das evidências, conseguir localizar de onde vem
aquilo que nos faz rir. A possibilidade da subversão só pode vir,
portanto, da interpretação polêmica que, diante da ilusória
transparência da linguagem pergunta pelos seus pressupostos.

Na imagem compartilhada por Chicoepab, através de uma metáfora, utilizando o


nascimento de pintinhos no momento em que estão saindo do ovo, o desenho enfatiza
um comportamento atual bastante recorrente nas redes sociais, que é o tempo de
permanência dos internautas na web. Um dos pintinhos permanece no ovo enquanto sua
mãe questiona o porquê de ele não querer sair. A resposta dele é “só um curtir, já estou
saindo!”.
Chicoepab marcou pelo menos cinco pessoas com o sobrenome Suruí para
receberem a imagem humorística, o que representa uma amostra do acesso facilitado
dos Paiter à internet. O compartilhamento foi realizado às 21h14, um horário que
representa disponibilidade de conexão e sugere um ambiente doméstico de acesso. A
brincadeira com o tempo de conexão dos usuários, que vem aumentando a cada nova
pesquisa divulgada nas próprias redes sociais, demonstra que essa já é uma realidade da
sociedade Paiter, mas não de outras sociedades indígenas.
Segundo Gregolin (2007, p.04):
Sendo o enunciado paradoxalmente constituído pela singularidade e
pela repetição, sua análise deve, necessariamente, levar em conta a
dispersão e a regularidade. Descrever um conjunto de enunciados no
que ele tem de singular, paradoxalmente, é descrever a dispersão
desses objetos, detectando uma regularidade, uma ordem em seu
aparecimento sucessivo, correlações, posições, funcionamentos,
transformações...

Entrei em contato com alguns Paiter através do bate-papo do Facebook e do


Orkut, como o chefe Almir, seu irmão Chicoepab e alguns indígenas mais jovens, como
o Oyexiener Suruí e o Txeepo Suruí. Porém fui abordada por outros deles que
perceberam meu interesse em sua cultura e ligação com seus parentes. Foi o caso do
Urawire Suruí, em julho de 2011, e do Gapame Arildo Suruí, em março de 2012.
59

Figura 20: Trecho da conversa com Urawire Suruí

Fonte: https://www.Facebook.com/messages/

Figura 21: Saudação de Gapame Arildo Suruí

Fonte: https://www.Facebook.com/messages/

Atribuo estas abordagens, de certo modo, espontâneas, partindo de indígenas,


novamente, ao fato dos Paiter estarem em maior número e por mais tempo conectados,
aos seus acessos facilitados a computadores e ponto de internet na aldeia.
Outra análise possível a respeito das práticas discursivas dos Paiter diz respeito
aos indígenas mais jovens, Oyexiener e Txeepo Suruí. Além de dominarem a linguagem
própria dos relacionamentos virtuais, como abreviações, termos em inglês e os
emoticons, o que será melhor abordado nos próximos capítulos, eles postam em seus
60

perfis do Facebook, Twitter e Orkut o que qualquer jovem de sua idade postaria, muitas
vezes sem qualquer caracterização que lembre a cultura indígena.

***
As sociedades indígenas não acessam as redes sociais da web da mesma forma.
Vários aspectos históricos e políticos, de que continuarei a tratar no próximo capítulo,
regulam os usos que os indígenas fazem da internet, mas não se deve imaginar que não
existem relações de poder que administram os gestos de leitura na web. A linguagem
não é neutra.
Neste capítulo, procurei mostrar algumas estratégias de controle na web e as
diferentes formas de acesso das sociedades indígenas. No próximo, analisarei mais
especificamente como estas relações de poder atravessam os blogs assinados por
indígenas.
61

CAPÍTULO 3
Movimentos de sentido em torno da internet e as sociedades indígenas

As possibilidades de interação na internet, através do correio eletrônico, dos sites


de busca, da colaboração através dos chats, redes sociais e sistemas de mensagens
instantâneas, dos compartilhamentos de arquivos de um computador, das transmissões
de mídias e do tráfego de voz, formas de usos da rede mundial de computadores em si,
apesar de seu pouco tempo de existência, como procurei mostrar no capítulo anterior, já
passou por processos de ressignificação.
A participação de sociedades indígenas e de outros grupos étnicos, que se
constituíram historicamente às margens do acesso às tecnologias de informação do
Ocidente, seria impensável nos usos iniciais da web. Neste capítulo, faço a análise de
duas situações que deixam ver a movimentação de sentidos que acontece na internet,
envolvendo sociedades indígenas. Procurei mostrar a exterioridade da linguagem, que
neste caso, refere-se aos aspectos históricos que envolvem as postagens. Não existe
neutralidade na web e, assim como acontece em todas as mídias, os enunciadores falam
de diferentes lugares, com interesses diferentes.

3.1. Ray Baniwa, professor de novas tecnologias

Discussões sobre tecnologia e usos dos meios digitais são assuntos recorrentes
nos sites e perfis indígenas nas redes sociais, como no blog Nodanakaroda, da sociedade
Baniwa (AM).
Os Baniwa também receberam esta denominação dos não-índios, eles se
autodenominam Walimanai e vivem na fronteira do Brasil com a Colômbia e a
Venezuela, em aldeias localizadas às margens do Rio Içana, em São Gabriel da
Cachoeira, no estado do Amazonas. A maior parte da popolação deste município é
constitída por indígenas e há acontecimentos da história recente deste município que são
bastante significativos nas relações de poder entre o Estado brasileiro e a sociedade
local. São Gabriel foi a primeira cidade brasileira a oficializar além da língua
portuguesa, três línguas indígenas: Tukano, Baniwa e Nheengatu. “Completando os motivos
pelos quais São Gabriel da Cachoeira (AM) é mesmo especial, 90% do município é indígena,
incluindo o prefeito e seu vice, eleitos em 2008.” (TERRA: 2012)
62

O prefeito de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, Juscelino


Gonçalves, assinou hoje (10) o decreto que regulamenta o
reconhecimento do Tukano, Baniwa e Nheengatu como línguas
oficiais do município, ao lado do português. O decreto foi votado na
Câmara Municipal na semana passada, mas a lei (nº 145), que
estabelece as três línguas indígenas como idiomas co-oficiais, foi
aprovada em 2002.
É a primeira vez no Brasil que idiomas indígenas são considerados co-
oficiais – a Constituição Federal estabelece que o português é o
idioma oficial do país. São Gabriel da Cachoeira fica na região do
Alto Rio Negro, a 847 quilômetros, em linha reta, de Manaus – e a 1,6
mil quilômetros por via fluvial. É o município brasileiro com maior
população indígena: 73,31% dos 29,9 mil habitantes, segundo dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (ROTA
BRASIL OESTE: 2006)

Acredito que estas conquistas políticas se traduzem nas práticas culturais destas
sociedades indígenas e a participação na internet de um professor Baniwa também está
relacionada a este movimento. O estado do Amazonas foi o primeiro da região a criar o
Terceiro Grau indígena e não se pode desconsiderar, portanto, que há um investimento
estadual na formação dos professores indígenas.
Quando cheguei a Ray Benjamin, ainda não sabia da história recente de São
Gabriel da Cachoeira. Fui atrás desta informação a parti de conversas com minha
orientadora. Encontrar este professor Baniwa atuante na web, provavelmente, já é
consequência dos investimentos feito nesta região. A posição do professor, inclusive,
deixa ver os benefícios da chegada destas tecnologias, mas também ele se preocupa em
demonstrar que existem problemas em relação ao acesso.
Ray Benjamin Baniwa é professor de novas tecnologias na escola Pamáali, em
sua aldeia. Ele possui vários blogs, perfil no Flirck, perfil no Facebook e no Twitter.
Apesar disso, a aldeia não possui ponto de internet. Quando não está viajando, ele fica
bastante tempo sem acessar seus perfis, como me explicou pelo MSN. A seguir, um
trecho de parte de uma entrevista que realizei com ele.

R@y diz:
12:32:05
desde 2004 comecei a usar o computador, e daí comecei a usar a
internet
12:32:33
apartir de 2005 foi indicado para assumir o `Telecentro da escola
Hellen diz:
12:32:40
e vc dá aulas sobre como usar né?
R@y diz:
63

12:32:50
isso
12:33:21
participei de alguns cursinhos de informatica e internet
Hellen diz:
12:34:01
mas o que você acha? No caso dos Baniwa, você acha que é um uso
mais para lutas, preservação, ou tem um pouco de diversão
também...o que acha?
12:34:57
Pode falar só sua opinião tb, não precisa falar por todos...
R@y diz:
12:35:06
no Içana (regiao onde os Baniwa vivem), ainda há poucos usuarios de
internet
12:35:24
mas, os que ja sao, usam para um pouco do que vc disse
Hellen diz:
12:35:33
igual com os Aikewára... e eles tem que sair da aldeia pra se conectar
R@y diz:
12:35:38
mas, talvez, pouco para diversao
Hellen diz:
12:36:35
humm, queria ouvir de você. Então é isso mesmo, mais para mostrar a
cultura, denúncias, preservação...isso né?
R@y diz:
12:36:51
isso

O professor Ray usa as redes sociais, entre outras coisas, para divulgar as
atualizações de seus blogs, inclusive, quando dizem respeito ao design da página. Em
seus blogs, ele utiliza estratégias discursivas bastante atrativas para os usuários da web,
de forma geral, tanto na maneira de envolver o leitor com suas narrativas, quanto na
preocupação com o design. Ele esteve no Simpósio da USP e participa de muitos
eventos sobre tecnologia, independente de estarem relacionados a sociedades indígenas.
A experiência de Ray Benjamin com o mundo digital, apesar das limitações de
acesso em sua aldeia, evidencia, como coloca Martín-Barbero (2004), a tensão entre o
presente e o passado, entre tecnologia e cultura, que agora se torna ostensiva, em função
das novas tecnologias de comunicação.
64

O questionamento das novas tecnologias de comunicação nos obriga,


assim, a analisar os diferentes registros desde os quais elas estão
remodelando as identidades culturais. Ao nos impedir qualquer intento
de fuga ao passado, as tecnologias põem evidenciam a força que ainda
conserva a idealização indigenista e sua postulação de uma identidade
anterior e exterior ao conflito que introduz o capitalismo em nossos
países, isto é, a postulação de uma autenticidade cultural cujo sentido
se acharia por trás, abaixo, em todo caso fora do processo e das
dinâmicas da história. (MARTÍN-BARBERO: 2004, p. 184)

Figura 22: Ray Benjamin em evento nacional sobre a internet.

Fonte: http://rbaniwa.wordpress.com/?s=I+F%C3%B3rum+da+Internet+no+Brasil

Ray resume sua trajetória em seu perfil do blog:

Comecei a blogar desde 2007, usando o blogger, depois migrei para o


WP em 2008 numa das oficinas que participei sobre produção de
conteúdo. Hoje, sou professor da Escola Pamáali em Novas
Tecnologias, coordeno o setor de comunicação da escola, responsável
pela produção de conteúdos para o blog da escola
( www.pamaali.wordpress.com) e deste. E ainda participo da
mobilização nacional dos Povos Indígenas na Web, iniciado no
Simpósio realizado na USP em São Paulo, em dezembro de 2010.
(BANIWA: 2010)

Foi através do blog do Ray Benjamin, no artigo Começar sempre numa folha de
papel (2011), que soube quando e como o Twitter foi planejado para a web. De um
modo geral, os livros a respeito do microblog mencionam somente a data de lançamento
65

da plataforma, em 2006. Ray explica, neste artigo, alguns conceitos que aprendeu em
uma oficina realizada em São Gabriel da Cachoeira- AM, sobre as Redes Sociais, e
destaca a importância de se iniciar qualquer projeto para a web a partir de um rascunho,
numa folha de papel. Ele destaca que esta foi uma das principais orientações dadas pelo
instrutor da oficina, João Ramirez (BANIWA: 2011).

Figura 23: Primeira versão do Twitter

Fonte: http://rbaniwa.wordpress.com/?s=come%C3%A7ar+na+folha+de+papel

Ao criticar o conceito de efeito, nas análises sobre os processos de comunicação,


Martín-Barbero (2004) remete, mais de uma vez, ao fetiche das oposições, principalmente entre
tecnologia e cultura, como se toda a atividade estivesse de um lado e o outro lado fosse mera
passividade. Os posts de Ray constituem um exemplo que permite a análise dos processos de
comunicação em suas especificidades e também em suas complexidades históricas. A partir daí,
é possível, então, fazer um deslocamento do olhar para os usos e práticas da tecnologia, como
propõe Martín-Barbero.
Sobre a dinâmica dos processos de criação e manutenção de seus blogs, Ray Benjamin
diz que:
66

Na maioria das coisas boas que tem na rede, foram feitas sem querer.
Algumas como Facebook para coisas ruim (quando foi criado, de
acordo como é contado a história no filme) e outros, como Orkut, que
foi criado por Orkut, sem querer…E logo se tornou uma das redes
mais populares da rede..a mais acessada do Brasil. Quando conto isso,
é porque quero dizer que ao longo das experiências os blogs criados
na oficina irão direcionando seus caminhos para vários assuntos.. E
que vai acontecer naturalmente, dependendo dos interesses e
objetivos. Sempre melhorando..(BANIWA:2011)

Nos blogs administrados por Ray, principalmente no Nodanakaroda, é possível


perceber sua predileção pelo assunto tecnologia relacionada aos novos meios de
comunicação. Ainda no artigo que trata da oficina sobre as Redes Sociais, Ray
Benjamin repete a descrição que fez aos seus colegas de oficina sobre como criou o
blog para a escola Pamáali.

durante a oficina, o João me pediu para contar a experiência do blog


da escola. Disse ao pessoal, que criei o blog da escola numa das
oficinas de formação que participei, realizadas pelo GESAC. Não
imaginava como o blog mais tarde iria se tornar um espaço de contato
da escola com o mundo. Que foi bem simples no começo, aos poucos
foi melhorando..e continua melhorando. Por isso, também recomendo
que continuemos criando, testando e usando as ferramentas
disponíveis..E não esquecer da folha de papel…(BANIWA:2011)

O programa Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão (GESAC)


foi criado para fornecer conexão de internet a telecentros, principalmente para
comunidades do interior, em locais de difícil acesso e sem telefonia fixa. Vários dos
blogs indígenas pesquisados referem-se a este programa do governo.
No blog Nodanakaroda, há várias imagens do Rio Içana e outras paisagens que
fazem parte do caminho percorrido por Ray Benjamin ao sair ou retornar à aldeia no
alto Rio Negro. Algumas dessas imagens são tiradas pelo celular (figura 24) e postadas
neste blog, mas também no Facebook e em alguns dos outros perfis utilizados por Ray
Benjamin. As imagens configuram o universo dos Baniwa, através do olhar de Ray, e
também constituem a memória desta trajetória que é constantemente realizada por ele.
67

Figura 24 : Foto do celular de Ray

Fonte: http://rbaniwa.wordpress.com/?s=Imagens+do+dia%3A+S%C3%A3o+Gabriel+da+Cachoeira

Na escola Pamáali, que fica fora da ladeia, há um ponto de internet. No


momento em que aconteceu um problema com a conexão, o professor postou a
informação no blog Nodanakaroda e, em seguida, quando o problema estava sendo
resolvido, Ray fotografou e postou as imagens do funcionário do programa GESAC
trabalhando. Neste caso, o registro também funcionou como uma denúncia, ainda que
isto não tenha sido explicitado além das fotografias e do título da postagem.
Figura 25: Reestabelencendo a conexão Figura 26: Técnico do GESAC

http://rbaniwa.wordpress.com/?s=pam%C3%A1ali+volta+a+se+conectar

http://rbaniwa.wordpress.com/?s=pam%C3%A1ali+volta+a+se+conectar
68

No blog específico da escola Pamáali, não houve registro sobre a ausência da


internet por alguns dias e o posterior restabelecimento da conexão. Lá, são encontradas,
principalmente, imagens e informações sobre oficinas, atividades de campo dos alunos,
apresentação de trabalhos, turmas concluintes e formação de novas turmas, lançamentos
de publicações na língua dos Baniwa e portuguesa (figura 27), as mais diversas imagens
da escola, internas, externas e aéreas, isto é, há uma seleção de conteúdo para os
diversos blogs.

Figura 27: Lançamento do livro bilíngue Figura 28: Transporte dos alunos da
Pamáali

Fonte: http://pamaali.wordpress.com/
Fonte: http://pamaali.wordpress.com/

Analisando o blog Nodanakaroda, paralelamente ao blog da escola Pamáali,

pode-se perceber as diferenças, e também as semelhanças, dos discursos que são


colocados em circulação pelo administrador, Ray Benjamin. No blog da escola, por
exemplo, o problema de conexão foi silenciado, e ele ocorreu na escola Pamáali. O blog
da escola tem um apelo institucional, ainda que isso tenha se dado empiricamente, como
sugerem as fotografias e textos postados. De todo modo, não existe passividade, o
silêncio é uma escolha, assim como o que é dito, onde se diz e quando se diz.
O mesmo celular ou câmera digital que pode fotografar belas paisagens como a do
rio Içana, pode denunciar, protestar, vigiar. “A questão do poder fica empobrecida
quando é colocada unicamente em termos de legislação, de Constituição, ou somente
em termos de Estado ou de aparelho de Estado.” (FOUCAULT: 1979, p.221). A
tecnologia, que pode ser interpretada de forma bastante negativa, quando em contato
com sociedade tradicionais, nas atitudes do professor, ganha novos sentidos. E em vez
de silenciar a cultura Baniwa, abre novos espaços para a circulação desta cultura.
69

Este exemplo de São Gabriel da Cachoeira (AM) cria um novo paradigma ao


inserir no contexto da “história oficial” uma língua de uma cultura considerada
minoritária e dominada. As possibilidades da internet criam as condições para este
discurso circular amplamente e, deste modo, não estar restrito à memória local desta
sociedade.

3.2. Guaranis: uma das maiores populações indígenas

Segundo Neves (2009) atualmente existem três etnias que compõem o que
entendemos por sociedades indígenas Guarani. Pela localização de suas terras indígenas,
considerando que há uma aldeia indígena na cidade de São Paulo e outra na área
metropolitana de Porto Alegre, eles poderiam ser os indígenas mais atuantes na internet.
Porém as questões históricas que envolvem a maior parte das sociedades Guarani, de
certa forma, se traduzem no pouco acesso destes indígenas.
De acordo com o blog Tekoa Virtual (2011):

Atualmente, uma das maiores população indígena no Brasil é a


Guarani, com cerca de 34.000 pessoas espalhadas por seis estados
(SP, RJ, ES, MS, PR, SC e RS), além da presença na Argentina,
Bolívia, Paraguai e Uruguai, sob diferentes denominações. No Brasil,
eles estão divididos em três grandes grupos denominados Nhandeva,
Kaiowa e Mbya.

As sociedades Guarani possuem um contingente populacional significativo,


mais de trinta mil indígenas, o que não quer dizer que tenham maior articulação na
internet. Para conhecer mais a respeito dos Guaranis na web, visitei o blog da aldeia
Guarani Krukutu, da aldeia Guarani Sapukai, o blog Teku Arandu e a Tekoa Virtual
Guarani que, segundo enunciados do próprio blog, ainda está em fase de testes.
Além deste blog em construção, um de seus links disponibilizados na página do
simpósio da USP saiu do ar durante o desenvolvimento da pesquisa, o Guarani Krukutu.
O blog Guarani Sapukai apresenta descrições de links, sem a dinâmica dos comentários
de usuários. Na seção “quem somos” aparece em primeiro lugar o indígena Algemiro da
Silva Karai Mirim, porém todo o restante da equipe é formado por não-índios,
totalizando seis pessoas. O blog Teku Arandu apresenta poucos comentários, porém
grandes estatísticas de visualizações de conteúdo por postagem, variando para mais ou
para menos, conforme os assuntos de interesse dos visitantes e usuários cadastrados.
70

Um dos espaços mais significativos dos Guarani na internet, é o site Tekoa


Virtual. A seguir, um trecho da apresentação da página:

Figura 29: Blog Guarani

http://www.tekoavirtualguarani.net/

Embora anunciem que o vídeo está carregando, não consegui, em nenhum


momento concluir esta ação. No link Projeto, encontrado na plataforma do Tekoa
Virtual, aparece um enunciado bem politizado, justificando a necessidade da presença
indígena na internet.

Figura 30: Canal de comunicação Guarani

http://www.tekoavirtualguarani.net/index.php?option=com_content&view=article&id=55&Itemid=65
71

A produção audiovisual dos índios Guarani foi bastante incrementada pelo


projeto Vídeo nas Aldeias, financiado pelo Ministério da Cultura. Há inclusive editais
do Minc com o objetivo de financiar estas produções. Em relação à internet, porém,
embora até haja propaganda governamental sobre o acesso dos povos indígenas, entre
os Guarani, pelo menos até o momento da conclusão de minha pesquisa, não pude
observar que este acesso tenha se tornado uma realidade.

3.3. Telecentro Índios Online Kariri-Xocó

Não tenho a pretensão de fazer uma cartografia geral da presença indígena nas
redes sociais. Como já disse, meu recorte foi se delineando a partir, principalmente, das
dispersões históricas das postagens de usuários que assumiam a identidade indígena. A
produção disponível postada pelos Kariri-Xocó me chamou bastante atenção por uma
peculiaridade, o detalhamento das postagens sobre sua “inclusão digital”. Como aparece
nos enunciados a seguir, existe todo um procedimento de demonstração que vai da
pintura da casa onde funcionaria o telecentro, até a reflexões ecológicas sobre os usos
da internet.
Neste primeiro enunciado, o padrão linguístico materializa um lugar de fala, no
mínimo, ambíguo.

A internet é uma ferramenta muito importante para todos, desde que


seja usada para o bem da humanidade, essa tecnologia contemporânea
ja era bastante conhecida pelo mundo civilizado, os indigenas apenas
sonhava com o aparelho desconhecido. Os indigenas que viajavam
para fazer representações de Cantos e Danças do Toré na cidade de
Salvador Bahia fizeram um curso de formação em informática,
idealizando um projeto de Web, no intúito de comunicarem-se via
rede, fazer reportagens, ser fotografos, contar suas próprias histórias e
registrar sua cultura .Em 2004 através da Thydewá uma ong que
trabalha com os indigenas do Nordeste, entre estes os Kariri-Xoco do
municipio de Porto Real do Colégio, Alagoas, fizeram um projeto para
colocar Internet nas aldeias, onde esta comunidade teve o primeiro
contato com a máquina. (Kariri-Xoco: 2010)

Os especialistas em educação indígena afirmam que uma das principais


dificuldades com que se deparam está associada à redação e que a não utilização dos
sinais de pontuação são um grande problema. Neste enunciado, contrastando com os
72

estranhos “erros” de ortografia, que qualquer programa de edição de texto corrigiria,


aparece uma pontuação bem organizada.
Neste enunciado há uma justificativa para a inclusão digital, com argumento
bastante razoável. Independente de ser um blog de uma sociedade indígena, postagens
como estas não são muito comuns. Ao que parece, este tipo de postagem tem um
interlocutor preferencial, que não são os usuários da web de forma indiscriminada. Sem
querer construir verdades a partir deste tipo de enunciado, é possível formular uma
indagação, parafraseando Foucault (2000): A quem interessa este tipo de informação?
Há uma quantidade exagerada de detalhes a respeito das atividades do
telecentro. O blog, porém, tem um total de cinco postagens que iniciam em julho e vão
somente até outubro de 2010. Após esta data, não existe qualquer menção a respeito dos
resultados alcançados sobre o que foi planejado.
A conquista do telecentro índios online, pelos Kariri-Xocó, de Alagoas, é
narrada passo-a-passo. Segundo texto publicado no blog (2009), eles começaram sem
uma sede, alugaram uma casa e depois construíram uma pequena “ciberoca”.
A iniciativa é conferida à ONG Thydewá, que propõe e realiza projetos com
indígenas do Nordeste. O blog fala da parceria entre a ONG, o Ministério da Cultura
(MINC) e o Ministério das Comunicações (MC), através do GESAC.
O blog apresenta um detalhamento amplo das ações realizadas em parceria com
os organismos governamentais e um alto nível de conscientização e organização dos
Kariri-xocó, sugerindo que a participação desta sociedade foi fundamental à
continuidade do projeto. Os indígenas se reuniram e formaram um mutirão. Além de
conseguir o apoio da ONG e dos programas de inclusão digital do governo, eles
reuniram voluntários e várias outras instituições.
No trecho a seguir, há uma descrição do que era necessário adquirir para
estruturar o telecentro e proteger os computadores. Entre as necessidades listadas está a
pintura do espaço, que possui diversas imagens no blog.
Mas o Telecentro não estava Estruturado para comportar os
equipamentos, sem forro no teto, sem Ar-conducionado, sem pintura,
grande precaridade, fizemos um mutirão, parcerias com Associação
Comunitária Indigena Bonsucesso Kariri-Xoco, GESAC, Thydewa,
MC, MINC, SECULT-AL ,voluntariado, conseguimos Reformar o
Telecentro com Estruturação adequada para os aparelhos de nossa
Inclusão Digital, adquirimos os computadores que estavamos
precisando para atender a demanda da comunidade, expandindo a
Rede Indios Online . (KARIRI-XOCO: 2010)
73

Eles também postaram fotos da reforma do telecentro, onde funcionaria a base


do projeto.

Figura31: Reforma do telecentro kariri-xocó

Fonte: http://telakx.blogspot.com.br/2010_10_01_archive.html

Além das imagens da reforma, com muitas fotos, da descrição de todos os


recursos que eram necessários, da menção às pessoas e instituições responsáveis pela
reforma, o blog apresenta um detalhamento bastante preciso das ações seguintes,
voltadas para a gestão do telecentro. Está exposta na internet a ata da reunião realizada
pelos indígenas com o nome e o horário em que cada um deve ingressar no telecentro.
Também estão expostas no blog as atividades que cada um deverá desenvolver durante
a utilização do espaço.
Os Jovens do Telecentro Indios Online reuniram-se hoje dia 8 de
outubro de 2010, na Aldeia Indigena Kariri-Xoco, para discutirem
sobre o Horário das pessoas que frequentam o Ponto de Cultura. Pelas
decisões da reunião, toda pessoa que frequenta o Telecentro deve
fazer algum trabalho para a comunidade, na questão de preservação da
cultura, educação, saude, meio ambiente, Comunicação e tudo que for
necessario para o desenvolvimento de nosso povo. Fazer matérias,
reportagens, fotografia, conscientização, registro da memória social. A
Inclusão Digital é um Direito de Todos, mas o Telecentro Indios
Online Kariri-Xoco, tem um Estatuto da Rede, internamente devemos
fazer o nosso Regimento Interno. (KARIRI-XOCÓ: 2010)
74

Também aqui cabe outra indagação: O que justifica toda esta preocupação?
No texto a respeito da reunião do dia oito de outubro, aparece, como uma das
atividades que devem ser executadas pelos freqüentadores do telecentro Kariri-Xocó, o
registro da memória social. Em sua página pessoal, Nhenety Kariri-Xocó se apresenta
como alguém que gosta, entre outras coisas, de memória digital. “Professor indígena
que gosta do meio ambiente e principalmente história do Povo Indigena Kariri-Xocó.
Gosto de turismo, desenho animado, artes, gosto da Memoria Digital, artes marciais,
carnaval, magia, mitlogia, lendas, esoterismo, etc.” (KARIRI-XOCÓ: 2011)
O assunto Memória é tratado na academia como sendo de grande complexidade,
com divergências entre os autores estudiosos do tema, diferentemente de como está
colocado pelos indígenas de Kariri-Xocó. É possível perceber muito mais dispersões
que recorrências neste blog, que fazem questionar qual imagem da inclusão digital
indígena ele sugere? E ainda, por que, depois de tanta conscientização e gestão, as
postagens no blog cessaram? No total, só foram realizados cinco posts e nenhum deles
registra a memória das atividades que haviam sido propostas e que já deveriam ter
ocorrido. Pelas postagens, não é possível saber o que houve com o telecentro em 2011 e
2012.

3.4. Oyexiener e Txeepo Suruí: cidadãos do mundo digital

Os jovens Paiter Oyexiener e Txepo Suruí, de 17 e 15 anos respectivamente,


possuem Orkut, Twitter e Facebook. Eles também participam indiretamente dos outros
blogs de sua sociedade, fazendo comentários, entrevistando ou sendo entrevistados por
seus parentes, ou mesmo aparecendo em fotografias de eventos e oficinas.
Na figura 32, Oyexiener aparece em seu perfil do Orkut usando boné e tomando
tererê, erva de boldo e menta com água bem gelada. Neste espaço, ele usa o apelido
Xener para se identificar, uma abreviação de seu primeiro nome, atitude comum entre
os adolescentes usuários da web.
75

Figura 32: Perfil de Xener no Orkut

Fonte: http://www.Orkut.com.br/Main#Profile?uid=12106490459962231941

Perguntei se havia produzido esta foto, por estar usando um boné na cor verde,
estar tomando uma bebida com embalagem igualmente verde e ter ao fundo um
gramado. Ele disse que nem havia percebido e me enviou um link de outra fotografia,
dizendo que, neste caso (figura 33), era “por querer” a produção.

Figura 33: Essa foi “por querer”

Fonte:
https://www.Facebook.com/photo.php?fbid=212298888806974&set=a.144129322290598.16539.1000008059222
68&type=3&theater

De todo modo, Oyexiener aparece na figura 32 com uma aparência que


globalmente remete ao jovem adolescente que vive nos centros urbanos. Segundo
Kellner (2001, p.77) “os estudos culturais examinam os efeitos dos textos da cultura da
76

mídia, os modos como o público se apropria dela e a usa, além dos modos como
imagens, figuras e discursos da mídia funcionam dentro da cultura em geral.”

Numa cultura da imagem dos meios de comunicação de massa, são as


representações que ajudam a constituir a visão de mundo do
indivíduo, o senso de identidade e sexo, consumando estilos e modos
de vida, bem como pensamentos e ações sociopolíticas. A ideologia é,
pois, tanto um processo de representação, figuração, imagem e
retórica quanto um processo de discursos e idéias. (KELLNER: 2001,
p. 82)

Ainda que por entretenimento, Oyexiener se posicionou na lateral da fotografia e


centralizou o nome Google, remetendo ao poder desta empresa multinacional. Onde está
o termo Google é para onde seus olhos estão voltados. Sua posição na foto também
orienta o “nosso olhar”, pois o sujeito do enunciado não olha para a lente da câmera, a
qual representa o sujeito espectador ou o sujeito da enunciação (“nós”), mas para onde
está o nome Google. Além disso, esta empresa significa o interesse e trânsito de
Oyexiener pela internet. A imagem, porém, também remete à parceria dos Paiter com o
Google. O embaçamento da fotografia não foi proposital, como me explicou Oyexiener,
pois ao fundo está o principal elemento a ser focado.
Em várias imagens do Twitter, do Facebook e do Orkut, tanto de Oyexiener
quanto de Txeepo, eles aparecem com celulares, computadores e câmeras fotográficas
em primeiro plano ou de alguma maneira em destaque em suas fotografias. Nas imagens
a seguir, há uma ênfase também para o logotipo da empresa detentora da tecnologia
com as quais estão interagindo, como Canon, Apple e o próprio Google, da figura 33.

Figura 35:A Apple em primeiro plano


Figura 34: Canon em primeiro plano

https://www.Facebook.com/photo.php?fbid=320059201364275&set=a.14
https://www.Facebook.com/profile.php?id=100000485186629 4129322290598.16539.100000805922268&type=3&theater
77

Figura 36: Oyexiener Suruí e um computador da Apple.

https://www.Facebook.com/photo.php?fbid=257019497668246&set=a.206838496019680.47634.1000008059
22268&type=3&theater

Na figura 36, em que Oyexiener aparece diante de um computador da marca


Apple, há uma legenda em que diz “valeeu ae pelo PC, Steve Jobs!”. Além da sigla PC,
do inglês, e da menção a um dos fundadores da empresa Apple, Steve Jobs, das gírias e
abreviações, o jovem indígena está próximo a um computador, impressora, CD, mapa,
livros e cadernos, num ambiente característico de escritório ou sala de estudo. Ele é um
típico estudante, o que não significa que tenha deixado de ser indígena.
A respeito da textualidade eletrônica, Roger Chartier, pesquisador francês,
interessado nas análises que focalizam as perspectivas históricas dos meios de comunicação,
chama a atenção para duas inovações, considerando a utilização do inglês. “A
necessidade de uma língua comum apta a formalizar as operações do entendimento e os
raciocínios lógicos e que fosse traduzível em cada língua particular.” (CHARTIER:
2002, p. 16). O autor também explica que estas análises tratavam especificamente da imprensa
e sua difusão no mundo, mas, de forma análoga, essa percepção pode ser trazida para a
comunicação eletrônica, onde temos um novo idioma formal que pode ser entendido por todos,
como através dos emoticons, símbolos criados a partir do teclado do computador para expressão
das emoções online: alegria_ :), tristeza_ :(, raiva_ :@, etc.
É possível perceber que o inglês, na comunicação eletrônica, também possui
aspectos artificiais, com peculiaridades de vocabulário e sintaxe, mais do que aspectos
de uma língua universal, como o latim, pois ‘este inglês’ simplifica a gramática, inventa
78

palavras e abreviaturas, ainda que reforce, de todo modo, a hegemonia americana.


(CHARTIER, 2002).
Outro aspecto importante neste novo contexto é a ordem dos discursos,
descontínua e subjetiva, e o fato das mídias impressas, como jornais, revistas e livros,
com suas características próprias, terem se convertido em uma única mídia, na qual os
textos de qualquer gênero circulam, materializados de uma única forma. (CHARTIER,
2002).
Nos exemplos aqui apresentados, as imagens das próprias tecnologias sendo
manipuladas pelos jovens Oyexiener e Txeepo, câmeras fotográficas digitais, celulares,
computadores, de forma metalingüística, representam essa materialização que
convergem para um único espaço.

Por um lado, a textualidade eletrônica permite desenvolver as


argumentações e demonstrações segundo uma lógica que já não é
necessariamente linear nem dedutiva, tal como dá a entender a
inscrição de um texto sobre uma página, mas que pode ser aberta,
clara e racional graças às multiplicações dos vínculos hipertextuais.
Por outro, e como conseqüência, o leitor pode comprovar a validade
de qualquer demonstração consultando pessoalmente os textos (mas
também as imagens, as palavras gravadas ou composições musicais)
que são objeto da análise se, evidentemente, estiverem acessíveis
numa forma digitalizada. (CHARTIER, 2002, p. 24)

Contraditoriamente, a subjetividade destes novos tempos convive com a


objetividade das padronizações, representadas aqui pela língua inglesa, universal-
artificial, e por um único suporte que é o computador, em última instância.
Os jovens indígenas Txeepo e Oyexiener são atravessados por estas características
e transitam com facilidade pela cultura da sociedade englobante e pela cultura Paiter,
pois tudo é constitutivo de suas identidades.
De um modo geral, as gerações mais jovens, de qualquer sociedade, não sentem o
mesmo impacto das gerações anteriores quanto a estes novos modos de ser e agir. Elas
já nasceram inseridas neste contexto. Entretanto, para as sociedades indígenas este é um
conflito acentuado. Para as gerações mais velhas, a utilização das ferramentas
linguísticas e tecnológicas representa um modo de resistência. A apropriação desses
conhecimentos se imbrica a um processo de luta e preservação da cultura. O desafio
enfrentado pelos indígenas mais velhos é o de envolver os mais jovens na luta pela
preservação de sua história e memória. Este é um movimento que ainda está no início.
79

3.5. Universo online verde, amarelo e preto?


Tomando como exemplo as redes sociais na internet, pode-se perceber como as
línguas representam as relações de poder que também se mostram fora da web, com
apropriações e resistências por parte das línguas minoritárias, em níveis diferentes de
hierarquia.
Segundo Ricardo de Paula (2010), o Twitter e o Facebook se consolidam cada vez
mais como as redes sociais prediletas dos usuários online. Como pode ser observado no
gráfico abaixo, o Brasil é o país com maior handicap 2 quando se trata do total de
usuários de internet que utilizam o Twitter.

Figura 37: Dados sobre total de usuários de internet no Twitter

Fonte: www.midiassociais.net

A expressividade desses números demonstra como o Brasil acaba por driblar


algumas barreiras comunicativas que caracterizam relações de poder estabelecidas no
cyberespaço, onde a língua inglesa é a grande majoritária.

2
Handicap_vantagem do mais fraco; desvantagem imposta a um competidor forte.
80

Tomando as considerações de Kellner (2001) sobre as relações de poder que se


estabelecem nas mídias, os quadros que registram as línguas mais usadas na internet
traduzem a construção histórica da rede mundial de computadores.

A ideologia pressupõe que “eu” sou a norma, que todos são como eu,
que qualquer coisa diferente ou outra não é normal. Para a ideologia,
porém, o “eu”, a posição da qual a ideologia fala, é (geralmente) a do
branco masculino, ocidental, de classe média ou superior; são
posições que vêem raças, classes, grupos e sexos diferentes dos seus
como secundários, derivativos, inferiores e subservientes. A ideologia,
portanto, diferencia e separa grupos em dominantes /dominados e
superiores/inferiores, produzindo hierarquias e classificações que
servem aos interesses das forças e das elites do poder. (KELLNER:
2001, p.83)

Há até pouco tempo, não existiam no Twitter comandos em português, eles apenas
podiam ser visualizados nos idiomas inglês, espanhol, italiano, francês, alemão e
japonês. Segundo Comm (2009), o Twitter surgiu em 2006, mas somente em 2011
ganhou sua versão em português.
A rede social Orkut, uma das primeiras a conseguir abrangência mundial,
inicialmente, também não tinha uma versão em português, porém o volume de usuários
brasileiros, o qual superava o de muitos países que possuíam facilitações no uso da
ferramenta, “obrigou” a plataforma a se reelaborar.
O Facebook, que neste início de 2012 é a rede social que apresenta o maior
crescimento em termos de participação no Brasil, também elaborou sua versão em
português somente depois de algum tempo.

A rede social Facebook está se aproximando dos 700 milhões de


usuários no mundo, e um dos grandes responsáveis por essa
popularização é o Brasil, a terra do Orkut. Segundo dados da
Socialbakers, empresa de estatísticas especializada nos índices do
Facebook, o Brasil foi responsável pela inscrição de 1,9 milhão de
usuários em maio, um crescimento de 11,37% em relação ao mês
anterior. (REVISTA ÉPOCA, 2011)

Ainda que os comandos utilizados nas plataformas das redes sociais tenham uma
tendência ao idioma inglês e que o português seja um dos últimos idiomas a integrarem
a lista de opções das ferramentas, existem outros idiomas que, apesar de não comporem
nenhuma das listas oficiais até o momento disponibilizadas, aparecem nos posts de seus
falantes, como no post a seguir, de Ray Benjamin, escrito em língua baniwa.
81

Figura 38: Ray Benjamin postando em língua baniwa

Fonte: https://www.Facebook.com/benjamimray?ref=ts

O exemplo de post no Facebook em uma língua indígena, baniwa, não é isolado. Há


outras sociedades indígenas que utilizam as redes sociais de forma semelhante, além dos posts
em língua portuguesa. Há também blogs com conteúdos em língua indígena, além dos vídeos e
outros recursos digitais interativos. Este movimento na internet, apesar de algumas vezes
despertar a curiosidade dos usuários não-índios, tem um alcance ainda restrito diante das
ideologias dominantes, arraigadas no imaginário social, com seus discursos muitas vezes
forjados, que impõem identidades restritivas e elegem uma matriz cultural, com sua língua,
como um discurso hegemônico e sem brechas.
Chartier (2002), mostra que em relação à identidade linguísticas no Ocidente, há
uma recorrente e duradoura nostalgia sobre a perda da unidade linguística. E ao mesmo
tempo há uma utopia inquietante de restauração a esse respeito. O autor utiliza fábulas
de Borges para refletir sobre as línguas na época da textualidade eletrônica.

Comentando no “Epílogo” os diversos contos reunidos em “O livro de


areia”, Borges indica que a fábula do homem cansado é “a peça mais
honesta e melancólica da série” _melancólica talvez porque tudo que
nas utopias clássicas parece prometer um futuro melhor, sem guerras,
sem pobreza nem riqueza, sem governos nem políticos (“Os políticos
tiveram que procurar profissões honestas; alguns foram bons
comerciantes, ou bons curandeiros”) conduz à perda daquilo que
define os seres humanos em sua humanidade: a memória, o nome, a
diferença. (CHARTIER, 2002, p. 15)

Referindo-se ao idioma inglês, Chartier (2002) fala da utopia que é a imposição de


uma língua única e seu modelo cultural intrínseco, que pode conduzir à destruição das
diversidades. Nestas redes sociais, primeiro no Orkut e agora no Twitter e no Facebook,
todas as vezes em que a participação dos brasileiros obrigou a plataforma a oferecer a
língua portuguesa como opção, os usuários dos Estados Unidos, onde elas nasceram,
reagiram negativamente à presença dos brasileiros e muitos deles saíram delas.
82

O que se observa, hoje, a respeito das relações de poder estabelecidas na web é a


supremacia do inglês, mas, ainda é cedo para estabelecer uma verdade sobre as línguas
na internet. A história ainda é muito recente, e embora seja possível assinalar uma série
de razões históricas para esta supremacia, aplicativos como o Google Tradutor estão
cada vez mais sofisticados e até mesmo a utilização massiva do alfabeto romano, com a
chegada dos chineses e dos países de tradição árabe, vai se ressignificar. Pode ser que
em breve, a própria rede encontre estratégias para romper com esta ordem linguística.

***
Neste capítulo, procurei mostrar as dispersões históricas em que se constituem as
postagens de usuários brasileiros que assumem uma identidade indígena na internet. Os
casos analisados falam de situações singulares em relação às sociedades indígenas, mas
que são recorrentes em relação a todos os grupos minoritários, isto é, aqueles que
historicamente tiveram pouco acesso às novas tecnologias de informação e comunicação
do Ocidente.
No próximo capítulo, meu olhar se voltará não mais para as dispersões, mas para
uma regularidade nas postagens de indígenas brasileiros na rede mundial de
computadores, que é a utilização do grafismo como marca identitária.
83

Capítulo 04
Sobre dígitos e jenipapo: uma regularidade?

Nos capítulos anteriores, procurei mostrar a realidade atual das sociedades


indígenas brasileiras em relação ao acesso à internet. Há que se considerar que a grande
maioria destes povos ainda não está conectada e a maior parte dos indígenas, que hoje
são usuários da internet, vive nos centros urbanos e muitos deles frequentam as
universidades, principalmente nas regiões sul e sudeste do país. Esta situação, de certa
forma, traduz a realidade do Brasil, em termos de acesso, pois é justamente nestas
regiões que há a maior concentração de conexões do país.
Os usuários que assumem uma identidade indígena materializam, no
ciberespaço, postagens referentes aos mais diferentes interesses: divulgação de suas
práticas culturais, denúncias, construções de telecentros, bate-papo com outros
indígenas e com os usuários de forma geral, entre outros. Neste universo, em que
assumem múltiplas identidades, há uma singularidade quando pretendem marcar sua
identidade indígena: o grafismo corporal. Em minha pesquisa, pude observar que tanto
os jovens indígenas, como as lideranças e os professores, em diversas situações, trazem
para a web, estas pinturas tradicionais. São enunciados que se repetem, a partir de
regularidades, mas que se dispersam, porque ganham novos sentidos, neste contexto
histórico (FOUCAULT: 2005).
Tradicionalmente, os usos sociais dos grafismos estavam associados a práticas
rituais ligadas à religião, às festas, às atividades da floreta. Hoje, no entanto, o grafismo
indígena ganhou novos espaços. É comum, nas cidades, em eventos que contem com a
participação de indígenas, acontecerem sessões em que os indígenas pintem com seus
grafismos os não-índios e, nestes momentos, estas pinturas tradicionais ganham novos
sentidos. Se, a princípio, eram usadas nas aldeias em rituais tradicionais, nas cidades, o
grafismo representa uma das principais marcas da identidade indígena, pois são os
indígenas que estão autorizados em pintá-los em seu próprio corpo, ou no corpo dos
não-índios.
Na internet, esta escritura no corpo é exibida com orgulho por todas as etnias, e
pelas diversas faixas etárias de cada sociedade e, assim como acontece nas cidades,
neste espaço, o grafismo também se ressignifica. Neste universo digital, em que as
identidades são absolutamente fragmentadas, o grafismo, assim como alguns adereços,
84

como cocares, pulseiras, compõem a visualidade dos indígenas. Se por um lado os


indígenas usam o grafismo e os adereços como marca de identidade, por outro, seus
interlocutores também esperam que eles se apresentem assim. Durante minha pesquisa,
estes elementos eram fundamentais para que eu os identificasse como indígenas.
Neste último capítulo, mostro como diferentes sociedades indígenas constroem
enunciados para a internet em que elegem o grafismo como uma marca identitária. E
embora haja muitas outras situações envolvendo povos indígenas e grafismo corporal,
selecionei algumas situações que nos permitem obter um panorama geral.
Primeiro, analiso como um jovem indígena expõe o grafismo em sua página do
Facebook e a repercussão entre seus amigos. Na sequência, a fotografia postada por
uma indígena Guajajara, que por seu apelo erótico, gerou uma série de polêmicas nos
comentários. Selecionei uma convocatória para um evento de fotografia, que a
princípio tinha como objetivo mobilizar os indígenas, mas que acabou envolvendo
usuários não-índios, nas postagens deste evento, os grafismos são significativos na
produção visual.
Também me chamou bastante atenção uma página do Facebook intitulada
Sabedoria Indígena, com enunciados e imagens de indígenas da América do Norte, onde
não há grafismos como marca identitária, mas sim roupas de couro, que caracteriza os
índios desta parte do continente. No final, mostro como esta relação do grafismo
indígena e do não-índio esteve presente desde os primeiros contatos com os europeus

4.1. Entre os jovens Suruí-Paiter de Rondônia

Na sociedade Paiter, como já dito em capítulos anteriores, a eletricidade e o


acesso aos meios de comunicação, de forma geral, já chegaram a todas as casas. O
contato com a mídia, portanto, já faz parte da realidade deste povo. Segundo Kellner
(2001, p.9)
Há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e
espetáculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o
tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamentos
sociais, e fornecendo o material com que as pessoas forjam sua
identidade. O rádio, a televisão, o cinema e os outros produtos da
indústria cultural fornecem os modelos daquilo que significa ser
homem ou mulher, bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou
imponente. A cultura da mídia também fornece o material com que
85

muitas pessoas constroem o seu senso de classe, de etnia e raça, de


nacionalidade, de sexualidade, de “nós” e “eles”.

Estas sociedades indígenas, como os Paiter de Rondônia, já constroem suas


práticas sociais a partir destas ordens discursivas estabelecidas pela mídia. Se por um
lado a mídia traz consigo práticas que podem silenciar as culturas tradicionais, por
outro, além de fazer chegar uma série de informações sobre os direitos destas
sociedades, ela pode também criar espaços para que estas culturas se ressignifiquem a
partir dos novos recursos tecnológicos. Para Kellner (2001, p.9):
a cultura da mídia é também high-tech, que explora a tecnologia mais
avançada. É um setor vibrante da economia, um dos mais lucrativos, e
está atingindo dimensões globais. Por isso, é um modo de tecnocultura
que mescla cultura e tecnologia em novas formas e configurações,
produzindo novos tipos de sociedade em que mídia e tecnologia se
tornam princípios organizadores.

Os efeitos da chegada dos meios de comunicação a estas sociedades indígenas


depende muito dos usos sociais que os indígenas vão fazer deles. Como já falei em
capítulos anteriores, os Paiter de Rondônia, no momento, são os indígenas da Amazônia
que mais acessam a internet. Para esta sociedade indígena, inclusive, já é uma
preocupação a quantidade de horas que os jovens ficam no computador, uma realidade
bem recorrente nas grandes cidades.
Estes jovens não estão na rede com o único objetivo de marcar uma identidade
indígena. Transitam por muitos espaços e, em muitas situações, assumem uma
identidade urbana, bem comum entre meninos de classe média. Quando, no entanto, eles
se colocam como sujeitos indígenas, os enunciados que os Paiter postam na internet,
como fotos, textos, aparecem com muitos grafismos.
Na imagem a seguir, capturada do Facebook, o jovem Oyexiener Suruí, dos
Paiter, aparece pintando sua amiga não-índia e este “fazer” tradicional, ressignificado,
chama atenção e é motivo de conversa entre ele e outros amigos.
86

Figura 39: Oyexiener Suruí dos Paiter (RO) pintando sua amiga
não-índia

Fonte:
https://www.Facebook.com/media/set/?set=a.206838496019680.47634.10000080
5922268&type=3

Houve, por parte dos amigos de Oyexiener Suruí, uma série de comentários
relacionados a esta foto. Logo abaixo dela, há o pedido de outras amigas para serem
igualmente pintadas. E observem que os usos sociais que pretendem fazer das pinturas
corporais, em nada lembram os rituais tradicionais em que os povos indígenas usavam o
grafismo.
Figura 40: Comentários da foto em que pinta amiga

https://www.Facebook.com/photo.php?fbid=315016241868571&set=a.206838496019680.47634.100
000805922268&type=3&theater
87

Outro aspecto a ser observado na figura 40 é a forma como a linguagem está sendo
utilizada pelos jovens que comentam a fotografia, com as particularidades da web e não
de uma cultura específica. Há alguns emoticons, como ;D, significando um sorriso largo
e uma piscadela, e também *--*, atualmente muito utilizado com algumas variações,
significando um olhar surpreso. Há termos em inglês, como fake, abreviaturas unindo
mais de uma palavra (pdc: pode crer) e letras repetidas simbolizando sons de risadas e
gritos de euforia.
Ubiratan Suruí posta um enunciado, que dentro deste contexto, fica bastante
ambíguo. Por que razão ele haveria estragado o braço da moça? Pelo grafismo, que
marca uma identidade indígena ou pela pouca habilidade do amigo? Do que exatamente
ele estaria zoando? O fato é que depois desta postagem, encerra-se a conversa.
Na sequência, outra foto e seus comentários suscitam outro aspecto do grafismo.

Figura 41: Oyexiener e sua pintura corporal

https://www.Facebook.com/media/set/?set=a.206838496019680.47634.100000805
922268&type=3

Nas figuras 41 e 42, um dos amigos de Oyexiener Suruí pergunta a respeito do


grafismo, comparando-o a uma tatuagem. Apesar da legenda “cultura...” sob a foto,
igualmente capturada do Facebook do jovem, sua forma de exibi-la remete a uma
demonstração típica dos amantes da tatuagem, com o braço em primeiro plano. Além
disso, o jovem aparece de boné invertido, como complemento de seu visual, o que
remete a uma atitude e estilo jovem de qualquer sociedade ocidental.
88

Figura 42: Comparação entre pintura corporal à tatuagem

https://www.Facebook.com/photo.php?fbid=206838509353012&set=a.206838496019680.47634.
100000805922268&type=3&theater

Analisando as fotos deste e de outros jovens da cultura Paiter, é bem perceptível


a influência que recebem, pelo contato constante e mais próximo a outras sociedades
não-indígenas, inclusive através das novas tecnologias. Como aparece na foto, eles
materializam, em seus próprios corpos, esta tensa relação que existe entre a tecnologia e
a tradição de seus antepassados.
89

4.2. Mexendo e remexendo materialidades, o professor Baniwa (AM)


No post a seguir, publicado no Facebook do professor de novas tecnologias, Ray
Bejamim, de quem já falei no capítulo anterior, ele fez uma montagem com fotografias
de seus parentes dentro de um símbolo do grafismo baniwa.

Figura 43: Essa é para vc curtir

Fonte: https://www.Facebook.com/benjamimray

Abaixo da imagem ele escreveu: “Essa é para vc curtir” (figura 43). O professor
selecionou algumas fotografias em que as pessoas utilizam roupas da cultura ocidental e
outras em que estão pintadas. São quatro fotografias com pinturas corporais e quatro
com roupas ocidentais. Conscientemente, ou não, ele dispôs essas imagens,
alternadamente, dentro do símbolo baniwa, representando bem a sua realidade entre
dígitos e jenipapo.
O que podemos observar na web, nos livros de autoria indígena, na produção
audiovisual e em todas as possibilidades do nosso tempo é que, dentro das
90

particularidades históricas das sociedades indígenas, elas também começam a organizar


suas práticas culturais a partir das possibilidades das mídias digitais.

4.3. Festival nacional de cultura indígena


“Traga a sua Galera e Vamos Fotografar?” é o primeiro enunciado da imagem
compartilhada no Facebook, que divulga o Festival Nacional da Cultura Indígena 2012.
Um apelo que sugere fotos mais informais e coloca os indígenas em posição de
protagonistas de sua história. A memória imagética das sociedades indígenas, que veio
sendo acumulada ao longo da história, tem características acadêmicas, de fotografias de
pesquisadores, de antropólogos, sem a participação direta dos indígenas.
As redes sociais vêm contribuindo para que os indígenas sejam os sujeitos de sua
própria história e memória. Ainda que as influências midiáticas e de poder atravessem
todas as produções. Estas condições perpassam toda a sociedade contemporânea.

Figura 44: Festival Nacional da Cultura Indígena

https://www.Facebook.com/photo.php?fbid=429808727033146&set=a.234904626523558.7
6888.100000120670122&type=1&theater
91

A figura 44 foi compartilhada pela fotógrafa Cristiane Silva, na página do líder


indígena Marcos Terena, idealizador dos Jogos dos Povos Indígenas. Ela marcou a
fotografia com os nomes das pessoas para receberem a informação sobre o festival em
seus perfis do Facebook.
A divulgação do Festival de Cultura Indígena gerou repercussões positivas na
web, mas também comentários, no mínimo, tendenciosos. A publicidade foi comentada
por fotógrafos, por índios e por não-índios.
A figura 45, diz respeito à coluna de comentários desse compartilhamento.
Christian Thomaz De Aquino, que também é fotógrafo, refere-se ao evento como tendo
um tema interessante, em seguida, porém, explica seu comentário de forma ambígua:
“Afinal, trata-se dos verdadeiros posseiros das terras de todo o território Brasileiro !
Nossas raízes.”
O termo posseiro geralmente é utilizado com sentido pejorativo. Cristiane Silva
reforça o quão interessante é o evento, logo após o comentário de Christian.

Figura 45: Comentários sobre o Festival

Fonte:
https://www.Facebook.com/photo.php?fbid=429808727033146&set=a.234904626523558.76888.100000120670122&type=
1&theater
92

Apesar do comentário do fotógrafo, todos os comentários seguintes foram


positivos, elogiando a iniciativa do evento e a temática. Minutos depois, a publicidade
do evento é compartilhada por Christian em sua página. Diferente de Cristiane,
Christian Thomaz não possui nenhum indígena adicionado como amigo no Facebook.

Figura 46: Postagem do fotógrafo Christian

Fonte: https://www.Facebook.com/ctaquino1

A figura 47, igualmente compartilhada no Facebook, trata de um evento sobre


comunicação nas novas mídias, intitulado Experiências de Indígenas nas mídias!
Comunicação Popular das novas mídias e que pode funcionar com você! Ao fundo,
nota-se um grafismo corporal, para caracterizar visualmente e imediatamente o evento
como indígena. Do lado direito do cartaz de divulgação, na coluna de comentários,
pode-se perceber que o compartilhamento da imagem é feito por uma indígena, a qual
está de cocar e tem seu rosto pintado.
93

Figura 47: Projeto “Índios na Cidade”

Fonte:
https://www.Facebook.com/photo.php?fbid=299174216823193&set=a.275265079214107.66486.100001918523377&type=

Neste evento, o palestrante principal é um indígena, Anápuáka Muniz


Tupinambá Hã-hã-hãe, da etnia Tupinambá. Há até pouco tempo, os indígenas eram
somente ouvintes nos eventos tecnológicos, ainda que alguns sejam professores em suas
sociedades. Nos links pesquisados para esta dissertação, a maioria deles menciona o
Simpósio da USP (2010) como um marco para a mobilização ou sensibilização dos
indígenas na web. “O domínio da técnica se converte assim em um terreno de luta, da
luta por se fazer ouvir”. (MARTÍN-BARBERO: 2004, p.189)

4.4. De que lugar enuncia Stefânnia Barros?

A fotografia da indígena maranhense Stefânnia Barros (figura 48), de Barra do


Corda, foi compartilhada mais de sessenta vezes, foi “curtida” mais de cento e trinta
vezes e recebeu mais de setenta comentários somente em um dos compartilhamentos
que gerou. Sua beleza chamou a atenção no Facebook, mas também outros elementos
presentes nestas postagens mereceram atenção.
94

Figura 48: Indígena maranhense Stefânnia Barros

Fonte:
https://www.Facebook.com/photo.php?fbid=380475685326638&set=a.163225937051615.30967.100000926285273&type=1&theater

Em um deles, de Augusto Aristoteles (figura 49), há uma menção ao trecho da


música de Renato Russo, o qual está colocado na descrição da foto, no
compartilhamento de Alice Pires, que se apresenta como amiga de Stefânnia. “Que a
mais bela tribo das mais belas índias não seja atacada por ser inocente...”
A indígena exibe, na foto, o grafismo de sua sociedade, no contexto da floresta,
com seu corpo seminu, o que também representa natureza, porém, em uma posição que
remete a de uma modelo de revistas de moda. Seu olhar não é direcionado para a lente
95

da câmera e a fotografia foi tirada de baixo para cima, deixando-a em posição de


destaque.
Nesta fotografia, há a retomada de uma memória estabelecida sobre a eroticidade
da mulher indígena, que se confunde com a própria natureza. Seu olhar tem uma
intenção: aparentemente não está posando para a câmera, mas seu corpo diz outra coisa.
Na coluna dos comentários, é possível perceber o impacto causado pela beleza
da indígena e de todo o contexto da fotografia nas pessoas e também alguns discursos
românticos e irônicos a respeito da identidade indígena.

Figura 49: Alguns comentários a respeito da indígena Stefânnia

Fonte:
https://www.Facebook.com/photo.php?fbid=380475685326638&set=a.163225937051615.30967.100000926285
273&type=1&theater

Augusto menciona que “atacaria a bela índia, não tão inocente...”, o que sugere o
seu encantamento pela indígena e sua percepção de que a fotografia foi produzida para
este fim, de chamar a atenção para sua beleza. A partir deste comentário, há uma
sequência de enunciados enaltecendo as características “delicadas e puras” de Stefânnia,
como dizer que “ela é uma flor de pessoa...” Porém, nos comentários seguintes, as
96

características de beleza e pureza de alma são atribuídas a todo e qualquer indígena,


remetendo à ideia romântica e estática do que significa ser índio, que, como já fora dito,
é combatida pelos próprios indígenas, nos enunciados: “O povo indígena é todo lindo
Keliane não só o físico mas principalmente a alma...” e “Concordo, se o branco tivesse a
pureza do indígena o mundo seria bem melhor...”
Analisando o conjunto dos comentários gerados sobre a foto de Stefânnia,
predominam os elogios masculinos a respeito de sua beleza. Na figura 50, o último
comentário, de João Hélio, destoa dos outros ao dizer que “esta e outras guajajara tem
que ser respeitada”.

Figura 50: “esta e outras guajajara tem que ser respeitada”

Fonte:
https://www.Facebook.com/photo.php?fbid=380475685326638&set=a.163225937051615.30967.1000009262
85273&type=1&theater

O comentário de João Hélio, entre outros, mostra a dificuldade que a sociedade


tem em reconhecer nos indígenas características que não lhes foram atribuídas ao longo
da história, como a sensualidade. A nudez do indígena sempre foi associada à pureza.
97

Há alguns momentos em que os comentários giram em torno, ao mesmo tempo,


do erotismo da foto, da pureza indígena, das lutas pela preservação das terras indígenas
e da natureza. Na figura 51, há, inclusive, uma menção à revista Playboy.

Figura 51: Menção à revista Playboy

Fonte:
https://www.Facebook.com/photo.php?fbid=380475685326638&set=a.163225937051615.30967.100000926285273&type
=1&theater

Logo, os comentários desvelam o estranhamento causado pela diversidade de


vozes presentes na fotografia e nas próprias postagens. O indígena Bernardes Francisco,
que não gostou do interesse dos não-índios pela indígena Stefânnia, posta mensagens
utilizando termos de baixo calão e pedindo distância ao Juruá, um dos termos que
significa homem branco (figura 52).
98

Figura 52: “Não aceitamos Juruá!!”

Fonte:
https://www.Facebook.com/photo.php?fbid=380475685326638&set=a.163225937051615.30967.100000926285273&type=1&theat
er

A beleza exibida por Stefânnia é mais uma das possibilidades de ressignificação


dos grafismos indígenas no ciberespaço. Os discursos, porém, estão sempre
atravessados por relações de poder e não há passividade ou ausência de conflitos no
espaço da web, como também não há fora dela. Assim como alguns dos não-índios têm
dificuldade em reelaborar esta exposição reinventada por Stefânnia, que coloca o
grafismo em meio a um contexto erótico, também alguns dos indígenas não aprovam o
contato com outras culturas, das sociedades não-índias, e estas possibilidades de
ressignificações.
99

4.5. Por que curtir a página sabedoria indígena?


Ainda que eu não vá me deter especificamente em representações da internet que
são representativas de sociedades indígenas que não estejam no Brasil, como esta
página está em português, mesmo se tratando de imagens de índios da América do
Norte, resolvi prestar atenção em seu funcionamento.
O grafismo presente na página Sabedoria Indígena aparece somente quando o
administrador do espaço, o qual se identifica apenas como o próprio nome da página,
compartilha imagens de outros perfis do Facebook.
Há uma identidade que a define, através das fotografias que compartilha, todas na
cor sépia, sempre com pessoas indígenas ao lado das mensagens, as quais utilizam
colares, cocares e vestuário próprio do índio da América do Norte. Este vestuário,
utilizado por indígenas desta região, é usado em função do clima do local e outros
aspectos culturais destas sociedades. De todo modo, os índios das mensagens estão com
roupas indígenas, o que, fazendo um deslocamento de sentido, representaria o grafismo
dos índios no Brasil.
Em relação à nudez dos índios, ela é entendida, na América Latina e
na Península Ibérica como uma verdade absoluta sobre os índios. Mas
no Canadá e nos Estados Unidos a história é bem diferente. Lá os
índios não andavam nus, assim também como não andavam nus os
que moravam mais ao Sul da América do Sul e na região andina. As
condições climáticas não permitiam. Na América do Norte, uma das
principais características dos índios são as roupas de couro cru e a
maior parte das lojas especializadas em artesanato indígena exibem
muitas peças de couro. Para nós, aqui no Brasil, a roupa de couro não
costuma ser relacionada às culturas indígenas.(NEVES: 2009, 46)

Na figura 53, temos uma das imagens postadas na Sabedoria Indígena.


Figura 53: Sabedoria Indígena

Fonte: https://www.Facebook.com/SabedoriaIndigena
100

Esta e outras imagens postadas na página receberam uma série de comentários


elogiando seu conteúdo. Quando Vitor Rufino, porém, solicitou a fonte das mensagens,
isso gerou um conflito, o qual pode ser percebido em outras postagens da página,
inclusive com exclusão de pessoas pelo administrador.

Figura 54: Qual a fonte das mensagens?

Fonte: https://www.Facebook.com/SabedoriaIndigena

Algumas das postagens também solicitam que frases de indígenas da América do


Sul sejam incluídas na página. Em uma delas, Ademario Ribeiro cita os nomes dos
indígenas que gostaria de ver nos compartilhamentos de mensagens. (figura 55)
101

Figura 55: E os pensamentos dos ameríndios?

Fonte: https://www.Facebook.com/SabedoriaIndigena

Apesar do significado que uma página como a Sabedoria Indígena poderia ter
para as sociedades indígenas no Facebook, esta página não deixa clara a identidade
indígena de seu administrador. Ela também não conta com a participação, nos
compartilhamentos e nos botões curtir, de nenhum dos indígenas das diversas etnias
ligados a mim nesta rede social. Os pensamentos estão em língua portuguesa e os índios
nas fotos são da América do norte. Não há mensagens em línguas indígenas. A página é
mais uma representação do indígena na web, mas que tipo de representação do indígena
ela pretende ser? E para quem?

4.6. Do jenipapo à web: quem define a identidade?

Todas estas postagens retomam uma memória discursiva sobre sociedades


indígenas que remonta aos primeiros contatos entre indígenas e europeus. As pinturas
sempre chamaram muita atenção dos não-índios. Em todas as mídias visuais, há sempre
uma expectativa do interlocutor ocidental em relação ao grafismo. Não são apenas os
indígenas que veem nestas representações sua marca identitária.
Os primeiros desenhos produzidos por um europeu que realmente esteve entre os
índios são de autoria de Hans Staden. O desenho a seguir mostra que já aí, no início do
século XVI, os grafismos ganham destaque nos olhos do não-índio e aparecem como
constitutivo da identidade indígena.
102

Figura 56: Antropofagia – Hans Staden

Fonte:
http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/da_cultu
ra_a_perversao_7.html

Esta ressignificação dos grafismos indígenas, em outra instância, mais ampla,


também pode ser percebida dentro de um novo movimento que vem ocorrendo com a
cultura, transformada em recurso, o que Yúdice (2004) chama de “conveniência da
cultura.”

Há vários sentidos em que a ideia de conveniência da cultura como


reserva disponível pode ser compreendida aqui, mas quero deixar
claro desde o início que não é meu propósito desestimar essa
estratégia como uma corrupção da cultura, ou como uma redução
cínica dos modelos-símbolos ou estilos de vida à “mera” política.
Desqualificações dessa natureza são muitas vezes fundamentadas num
desejo nostálgico ou reacionário pela restauração de um pedestal para
a cultura, presumivelmente desacreditada pelos filistinos que
absolutamente não acreditam nela. (YÚDICE: 2004, p.46)

O autor dá exemplos de como essa estratégia atravessa diversas instâncias da


vida contemporânea.
[...] o uso da alta cultura (por exemplo, museus e outras manifestações
de alta cultura) para os objetivos do desenvolvimento urbano; a
promoção de culturas nativas e patrimônios nacionais a serem
consumidos no turismo; lugares históricos que são transformados em
parques temáticos do tipo Disney; a criação de indústrias de cultura
transnacional como complemento para a integração supranacional
tanto na União Européia quanto no Mercosul; a redefinição de
propriedade intelectual como formas de cultura com a finalidade de
103

incitar o acúmulo de capital na informática, nas comunicações, nos


produtos farmacêuticos, no entretenimento, e assim por diante.
(YÚDICE: 2004, p. 47)

Em várias ocasiões, durante apresentações de trabalhos em eventos científicos,


quando mostrei imagens de indígenas na web, elas causaram muito estranhamento.
Aqui, vou citar apenas uma destas situações que aconteceu durante uma atividade da
disciplina Imaginário Amazônico, no mestrado de Comunicação, Linguagens e Cultura,
da Universidade da Amazônia.
Depois que apresentei uma parte do trabalho, que àquela altura ainda estava
começando, o indígena Almires Martins, que atualmente faz curso de doutoramento em
Antropologia na Universidade do Pará, estava presente para fazer a arguição. Ele
questionou se estes garotos, que moram nas grandes cidades seriam, de fato, indígenas.
Depois afirmou que não sabia exatamente o que era um índio e que ele não se
considerava um índio. Hoje entendo a posição do meu arguidor, mas, depois de algum
tempo pesquisando, cheguei às minhas próprias conclusões.
Minha posição, aqui, não é estabelecer ou determinar quem tem direito ou não a
se autoafirmar como indígena no ciberespaço. Também não concordo que antropólogos,
linguistas, nem os próprios indígenas tenham este direito. Neste capítulo, analisei uma
regularidade que atravessa as postagens feitas pelas diferentes sociedades indígenas, na
internet, mas não silencio suas diferenças.
Como já disse em capítulos anteriores, não entendo os povos indígenas como
uma generalização e se aqui estou falando de regularidades, é porque considero
importante também demarcar que existiam sociedades que viviam no Brasil antes dos
portugueses e que, em meio à velocidade dos meios tecnológicos contemporâneos, elas
continuam reinventando suas tradições.
Penso que a principal questão seja: de que lugar fala aquele que questiona e
deseja definir a identidade indígena? E tanto faz se é na produção literária, em
audiovisual ou no ciberespaço.
104

Considerações finais

Ao decidir trabalhar com a rede social Twitter, que em 2010, quatro anos após seu
lançamento, ainda era desconhecida por muitos, sabia de algumas das dificuldades que
enfrentaria e das limitações de referências bibliográficas a respeito do assunto. As redes
sociais, de um modo geral, ainda são classificadas como ‘novas mídias’, por serem um
campo relativamente recente, mesmo com a velocidade atribuída ao que ocorre na
internet, a qual considera o período de dois anos como tempo suficiente para tornar
ferramentas e seus usos obsoletos.
Ao me encontrar com minha orientadora, a pesquisa foi acrescida de um novo e
igualmente complexo desafio, analisar o Twitter e a participação indígena no microblog,
algo que parecia improvável, mesmo para ela, que já estava acostumada com projetos
envolvendo sociedades indígenas, além da sociedade Suruí-Aikewára, e que também já
havia aprovado o projeto “Crianças-Suruí-Aikewára”, que já era relacionado a diversas
mídias tecnológicas.
O tema se tornou interessante até por que precisaria ser desenhado durante o
próprio desenvolvimento do processo de pesquisa. A soma de áreas de conhecimentos
não tão obviamente afins e até mesmo conflituosas, ao mesmo tempo pareceram
imediatamente representar o desafio proposto pelo próprio programa de pós-graduação
do mestrado da UNAMA, interdisciplinar, atravessado pelas Comunicações, pelas
Linguagens e pelas Culturas.
A cada passo de minha pesquisa, descobria o quanto estava imersa no romantismo
estático e sem dinâmica histórica que é atribuído à cultura indígena, que logo se tornou
plural para mim: culturas indígenas, na proporção em que avancei e “entrei nas redes”.
Observei que institutos respeitados, como o ISA, também atualizaram informações em
seus sites, a partir das trocas sociais na web. O blog aikewara.blogspot.com passou a ser
citado pelo ISA, em 2010, em função da visibilidade ampliada dos Aikewára,
possibilitada também por algumas ações na internet através da pesquisa participativa
necessária a esta dissertação.
Tudo o que já havia sido realizado pôde ser mediado pelas redes sociais, porém,
eu estava no lugar certo, no momento certo, pois foi também em 2010 que foi realizado
o 1º Simpósio sobre Usos da Internet no Brasil, na USP. Este evento, como foi possível
observar ao longo do texto, foi uma de minhas principais fontes de acesso aos indígenas
105

já ativos na internet, foi o que me possibilitou encontrá-los com maior facilidade,


através de seus nomes e sites listados no site do evento da USP.
Assim como mencionado pelos próprios indígenas, percebi que, a partir deste ano,
a participação destas sociedades na internet se intensificou, foi seu auge de postagens
dos mais diversos assuntos de interesse de cada etnia, alguns recorrentes, outros
bastantes dispersos.
Enquanto minha dissertação se desenrolava, os acontecimentos ocorriam em
paralelo na internet. Os indígenas mais atuantes me permitiam, através de seus registros
de memória, vivenciar suas trajetórias dentro e fora da internet, pela internet. Cada
capítulo procurou acompanhar, descrever e analisar os eventos em sua origem. Neste
contexto, percebi outra dificuldade que teria que enfrentar: precisaria de um
distanciamento que meus sujeitos e objetos de pesquisa juntos me “negavam”. Tudo era
imediato, poderia mudar e mudava a cada momento. A dissertação poderia dar conta
disso até certo ponto, fazendo um recorte de tempo e espaço.
O principal objetivo a ser alcançado por minhas pesquisas era analisar como as
sociedades indígenas se relacionam com a internet. De todo modo, meu objetivo girava
em torno dessa “história do presente”. Selecionei, então, os fatos que me pareceram
mais relevantes, que trouxessem à tona relações de poder, que representassem
micropoderes, que utilizassem as mediações das redes sociais, que exemplificassem as
diversas possibilidades da recepção na web, que mostrassem formas de apropriação de
ferramentas e formas de resistência, que tivessem relação com as tradições indígenas,
mas que, acima de tudo, relativizassem todos estes conceitos, procurando analisar o
lugar de que se fala, considerando o indivíduo.
Priorizei as dispersões, pois vivemos hoje estas dispersões, em quaisquer práticas
sociais, muitas vezes de forma ostensiva. Na internet e no estudo das sociedades
indígenas, a dispersão me pareceu o modo de desmistificar tantos dos discursos
reducionistas e uniformizadores atribuídos a estas sociedades ao longo dos séculos.
Estas dispersões, porém, no caso dos indígenas, deveriam ser buscadas no discurso a
respeito do que significa ser um índio, nos discursos a respeito da inclusão digital
indígena, nos discursos a respeito do lugar de que se fala.
Em suma, posso dizer então que ser índio é muito mais do que estar na floresta,
também é muito mais do que estar nos centros urbanos. Ser índio é muito mais que um
equívoco histórico de nomenclatura, é muito mais do que romper com a palavra índio.
106

Ser índio é muito mais do que fazer parte de uma sociedade peculiar, pois ser índio
envolve uma série de sociedades e suas peculiaridades. Ser índio também é muito mais
do que autorizar quem pode ser índio, pois ser índio é muito mais que reinventar uma
identidade. Ser índio não é estar na internet e nem é estar fora dela, não é ser jovem e
não é ser velho. Ser índio não é falar uma língua oficial estabelecida na constituição
brasileira e também não é falar uma língua não-oficial. Ser índio não é se reconhecer
índio ou não se reconhecer. Ser índio pode ser tudo isso, parte disso ou nada disso.
Porém, as sociedades indígenas, entre discursos que protagonizaram e discursos
forjados na internet, entre outros discursos, decidiram, sem necessariamente utilizar de
mediações e redes sociais entre elas, ainda que convivendo em meio a tudo, às tensões,
aos conflitos e às contradições, pintarem seus corpos, escreverem sua história e de suas
culturas, também sem letras, sem dígitos.
As sociedades indígenas, num movimento disperso, quase reuniram as mais de
238 etnias em uma recorrência. Na web. Não agendada pela mídia e nem pelos
organismos governamentais, ou até mesmo pelos projetos envolvendo suas
participações e a de não-índios. Simplesmente, com carvão, urucum e jenipapo, o
universo online foi pintado... E, hoje, as movimentações já são outras.
Enquanto esta dissertação é finalizada, o que é recorrência gera novas dispersões,
novos conflitos e a discussão sobre o que é ser índio se reinicia. Este texto deixa mais
questionamentos que respostas, pois os movimentos de sentido não se esgotam e não se
esgotarão. As negociações sempre precisarão ocorrer em todos os aspectos aqui
apresentados, e em outros que podem ser aprofundados em uma nova pesquisa, mas o
lugar de que cada sociedade e de que cada indígena fala, já não é e não será mais o
mesmo.
107

Referências

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: [s.n.], 2009
Anexo 01: Entrevista a Tiapé e Murué Suruí
Esta entrevista aconteceu em Belém, no dia 06 de novembro de 2011.
Participaram dela: Hellen Monarcha, Ivânia Neves, Maurício Neves, Tiapé e Murué
Suruí. Ela foi gravada por Hellen Monarcha e na semana seguinte foi transcrita pelos
bolsistas Joel Pantoja, Maria Adriana da Silva Azevedo, Pedro Paulo dos Santos Leal e
Valquíria Lima da Silva, no laboratório do Projeto Narrativas Orais Tupi na Amazônia
Paraense, financiado pela CAPES/FIDESA/CNPQ.

Hellen: Vocês estavam conversando sobre Ivânia: Não era para eles pegarem, Tiapé? Eu

tecnologia (Ivânia e Tiapé). Qual foi a primeira acho que era para pegarem.

tecnologia ocidental com a qual vocês tiveram Tiapé: Pois é, acho que era para pegar.
contato lá na aldeia?
Maurício: Presente!
Tiapé: Como eu tava falando para a Ivânia. Esta
Ivânia: Presente, era presente.
primeira tecnologia é muito antiga. Eu não
cheguei a testar, mas eu cheguei a ver: o Tiapé: Teve um até que queria pegar. Só que o
machado. Era de pedra mesmo, não sei como chefe deles, quando ele via, ele não deixava os
eles poliam, tinha um acabamento bem bom, outros pegarem, porque podia ter alguma coisa
não quebrava. Aquilo lá cortava a árvore, de mal. Ele achava que tinha doença, alguma
qualquer coisa, cortava lenha e não quebrava coisa pra eles morrerem. Então eles não
aquela pedra. pegavam. Só que continuaram colocando,
De lá para cá, a tecnologia veio avançando. tiravam, botavam café, açúcar. Toda vez aquilo
Antigamente, quando o pessoal era “brabo” pendurado, eles derramavam, jogavam fora,
ainda e não tinha contato. A primeira coisa, o pegavam aquele terçado, até que viram que não
primeiro contato, lá na floresta onde a gente era doença.
vivia, no caminho que os antigos ficavam Ivânia: Tiapé, eles não viam sentido social
passando, no acampamento deles, aquele padre nenhum naqueles objetos tecnológicos. E ainda
Frei Gil e outro lá, eles penduravam o facão, o não eram nem objetos eletrônicos, eram objetos
machado, pra poder mostrar para o nosso povo. tecnológicos de ferro, mas o ferro não era uma
Nossos pais, nossos avós, eles viam aquilo lá e tecnologia usada por eles.
ninguém sabia pra que era aquele facão
Hellen: É interessante, porque tem sempre isso.
pendurado. Achavam que era armadilha.
A tecnologia estava ali presente no meio, mas
Hellen: Mas era colocado pra intimidar? para aquelas pessoas não tinha um sentido claro
Tiapé: Eu acho que sim, né? de uso. De um modo geral, é isso que acontece,
não importa a tecnologia.
Hellen: Mas não dava certo?
Ivânia: O que não quer dizer que vocês não
Tiapé: Não.
tivessem tecnologia. E isso tem que ficar bem
gravado. O terçadinho com a pedra era uma elétrica aqui?
tecnologia e uma tecnologia eficiente, que
Tiapé e Murué: Em 2007.
servia.
Ivânia: Quando chegou o telefone público lá na
Maurício: Tem tecnologia na construção da
aldeia, pouco tempo depois roubaram os fios da
casa, na forma de fazer a mochila. Tu chegaste a
instalação. Por que vocês não impediram?
ver a mochila deles?
Tiapé: Não, porque nós pensávamos que era
Tiapé: Eles faziam tipo um cipózinho.
gente da manutenção.
Hellen: Quem faz a mochila? Todos fazem, os
Ivânia: Com quem é que vocês mantém contato
mais velhos fazem?
por telefone?
Tiapé: Eu aprendi também a fazer. Quando a
Murué: Com outras cidades.
gente vai para a mata, os mais velhos, sempre
Ivânia: Na época dos primeiros contatos com os
quando tão com a gente, eles cobram que a
não índio, todos os Aikewára tinham o mesmo
gente tem que aprender. Um dia eles vão morrer
nível de contato, que era o não contato, tanto
e a gente vai ficar só.
crianças quanto jovens, quanto velhos olhavam
Ivânia: Uma das grandes dificuldades da
aqueles primeiros objeto pelo frei e tinham
floresta é saber entrar e saber sair. Também isso
aquele estranhamento. Hoje diante do telefone
requer tecnologia, não é? Nenhuma sociedade
público, a geração de vocês, pensa de uma
consegue sobreviver sem tecnologia. Nós aqui
forma, porque vocês já têm um contato maior
usamos o carro ou o ônibus como meio de
com as culturas urbanas, já os mais velhos tem
locomoção. Será que a nossa tecnologia serve
dificuldade. Mas eu me lembro da Arihêra, que
para floresta?
quando a Hellen mostrou o celular, ela duvidou
Tiapé: Um dia nós fomos pra floresta e tinha pudesse aparecer dentro daquele aparelhinho.
um menino com GPS, da brigada do corpo de Então, mesmo entre os mais velhos há
bombeiros. Ele parou, começou a teimar comigo diferenças.
e falou assim: “O caminho de vocês está errado, A tecnologia não chega de forma para todas as
o caminho não é por aí!”. Eu perguntei: “Por sociedades e as pessoas de uma mesma
que tá errado?”. Ele respondeu: “ Porque tá sociedade também não recebem de forma
errado, vocês não estão vendo? A gente tá indo homogênea.
só pra esquerda, então vamos ver, daqui a O Tiapé está falando de uma utilização que ele
pouco o GPS mostra que a gente tem que ir para faz do celular. Para ti o que importa é ligar,
direita”. O menino falou: “nós vamos sair lá quando vai para a cidade. Na aldeia, as crianças
onde nós entramos”. Só que isso não aconteceu. usam só para ouvir músicas. Aí você já tem uma
Ele disse que o GPS mostra certinho, mas lá relação diferenciada, já não é a mesma coisa,
errou. Então tem hora que a tecnologia funciona provavelmente a Ywatiniwa, ela sim vai nascer
na mata e outras vezes não. Nós voltamos pelo no computador.
caminho que eu conhecia.
Voltando lá para o machadinho de pedra, entre
Ivânia:Vocês sabem quando chegou a energia os antepassados de vocês. Também não era todo
mundo que sabia usar, não é? Assim, tem que um modelo legal, eles querem comprar. Lá é
pensar que aqui em Belém, nem todo mundo assim, quando começou essa história de
sabe usar o computador. Então a tecnologia é aparelho de som, um queria ter um maior do que
assim: ela é heterogênea, a sociedade usa a outro.
tecnologia de forma diferenciada.
Murué: A gente tinha um som e não olhava
Tiapé: Para mim, eu entendo assim, tem dois muito pra essa disputa. A gente queria era
tipos de tecnologia: a tecnologia natural e a dançar e se divertir
tecnologia eletrônica. A tecnologia da natureza,
Tiapé: O primeiro som que eu tive foi uma
a gente pega e transforma em nosso beneficio.
radiola, que funcionava à pilha. Porque
Em relação à tecnologia inventada, minha mãe e
antigamente era disco, depois passou pra fita,
meu pai nem chegam perto da televisão, eles
CD e agora é só no celular! É incrível, no
nem sabem mexer. Eu tenho de ensinar pra eles
aparelhozinho cabe muita coisa. Antigamente
ligarem, mas não tem jeito, não. Para os mais
num CD cabia pouca música. Cada vez mais o
jovens essa tecnologia é como brinquedo.
celular vai diminuído e vai chegar num tamanho
Hellen: O celular também foi assim como a de grão de areia.
televisão?
Ivânia: É interessante, Tiapé, este movimento
Tiapé: O celular na terra Sororó não pega, já da tecnologia de reproduzir as coisas menores,
pegou um dia. Quando a gente vai para a cidade, pode até mesmo evitar, essa grande quantidade
ele é uma forma de se comunicar, porque fica de lixo eletrônico. Onde vão parar essas coisas
muito difícil a gente voltar pra aldeia. Às vezes antigas? Isso é um problema! Pensar num país
a gente liga para o telefone público da aldeia só como o Japão, um país que tem mais recurso, a
para perguntar se é para trazer mais alguma quantidade de computador que vai para o lixo é
coisa da cidade. grande, eles não tem onde colocar esse lixo
tecnológico.
Ivânia: Em 2008, quando realizava meu
trabalho de campo do doutorado, em Porto Hellen: Aí que vem aquela fala de ainda agora
Alegre, encontrei com um Cacique Mbyá- em relação à disputa. As pessoas disputam para
Guarani e perguntei por que ele tinha aquele ver quem tem o aparelho melhor, ainda que nem
celular. Ele me respondeu: “Eu acho bonito, tá saibam usar todos os recursos. É o estimulo do
pensando que a gente só pode ter coisa ruim da consumo. Não é nem para se contentar, é
sociedade de vocês? A gente também tem que porque eu tenho que comprar, não porque está
ter o que é bom! Tá pensando que só vocês velho, é porque já tem alguma coisa no novo,
podem ter essa tecnologia bonita?”. que já não no antigo.
Vocês, Aikewára, tem muito contato com as
Ivânia: Agora falando em novidade, quando
coisas ruim, então por que não ter contato com
vocês viram aquele registro da companhia de
aquilo que é bom? Eu me lembro de ter visto lá
energia elétrica? As pessoas entenderam logo
na aldeia alguns celulares bonitos.
que é ele que mede o valor em dinheiro que
Tiapé: É, o pessoal acompanha a tecnologia! vem na conta?
Aparece assim uma coisa boa, eles querem, tem
Tiapé: quando chegou a energia lá, veio um Hellen: Os mais jovens é que tem mais? Os
representante da companhia e eles explicaram o mais velhos não tem? A Arihêra usa o celular
consumo e a nova tecnologia. Antes a gente para se comunicar?
usava de qualquer jeito sem se preocupar, agora
Tiapé: Não. São os mais novos. O meu irmão,
não, é diferente lá.
que é jogador de futebol, quando ele vai para a
Ivânia: Mas eles conseguem entender que eles cidade, ele coloca as coisas no celular, leva pra
vão pagar aquilo que tá marcando ali naquele aldeia e passa para os outros.
papel?
Ivânia: Mas ele leva coisas dos Aikewára na
Tiapé: É a gente paga o que vem ali. Mas internet?
quando chega a conta de energia alta, a gente vê
Tiapé: Encontra! Mas tem celular que pega
gente reclamando.
coisa da internet e tem celular que não pega não.
Ivânia: Aqui em Belém há pessoas que sempre
Ivânia: E como para vocês se verem na
arrumam um jeito de burlar a conta de energia
internet?
alta.
Tiapé: É bom a gente se ver e ter como arquivar
O mundo digital já atravessa a cultura de vocês.
o que se passa na aldeia no dia a dia.
Além dos registros da companhia elétrica,
quando nós produzimos os DVDs, as fotos, o Hellen: Continua o mesmo interesse dos
blog tudo isso aí é digital. Esta tecnologia, Aikewára em relação aos vídeos na casona? O
assim como os terçados do passado pode ser que vocês estão assistindo? Estão assistindo de
usada para favorecer a vida, mas também pode outras comunidades?
ser usada para matar as pessoas. A mesma coisa
Tiapé: A gente se reúne e acompanha os filmes
acontece com o digital. O ambiente digital
dos Guarani, mas vê o Chaves também.
depende muito do que as pessoas vão fazer com
ele.

Tiapé: É tem gente que usa a tecnologia para o


bem e tem gente que usa para o mal.

Ivânia: É tem gente que fica difamando as


pessoas, às vezes colocam, postam calúnias na
internet e quando entra no mundo digital, é
difícil tirar.

Hellen: Eu lembro logo que a gente começou a


conversar sobre a minha pesquisa, só o Tiapé
estava com o celular. Agora, parece que um
monte de gente tem celular na aldeia, umas
trinta, quarenta pessoas. Tu sabes me dizer
agora quantas pessoas tem celular?

Tiapé: Por aí, até mais.


Anexo 02: Coleta de dados dos links do Simpósio Indígena

Minha pesquisa na internet iniciou de forma exploratória, em 2010, utilizando palavras-chaves no Google e no Twitter, quando os tweets
(textos de 140 caracteres) eram meu corpus de pesquisa. Neste primeiro momento, fiz download de artigos, explorei sites, blogs e perfis no
Twitter que assumiam alguma identidade indígena.
Passei a observar alguns tweets dos perfis encontrados, de maneira aleatória, somando uma média de 8h de pesquisa semanais, geralmente
no turno da tarde. De todo modo, a timeline (linha do tempo) da plataforma possibilitava o acesso aos conteúdos postados em qualquer horário,
caso não tivessem sido removidos.
Selecionei, em seguida, os conteúdos mais relevantes de pessoas e instituições ligadas às sociedades indígenas. Foi quando passei a
acompanhar os perfis do Instituto Socioambiental e seus programas Povos Indígenas no Brasil e Povos Indígenas no Brasil Mirim.
Minha dissertação ainda se delineava em paralelo a isso, tanto quanto às referências teóricas, como quanto ao trabalho de campo. Foi
quando ocorreu o 1º Simpósio Indígena de Usos da Internet no Brasil, realizado pela Universidade de São Paulo (USP), em novembro de 2010.
Após o evento, pude assistir aos vídeos disponibilizados pelo site, ter acesso aos nomes completos dos participantes indígenas e a uma listagem
de 34 links com os blogs e sites de etnias naquele momento atuantes na web, inclusive etnias que não estiveram presentes no evento. Além dos
blogs e sites, neste momento, meu trabalho também se direcionava para a rede social Facebook.
Em meio à velocidade das transformações do nosso tempo, o Facebook cresceu bastante em importância em relação a outras plataformas,
nos últimos três anos. Seus mais de 700 milhões de usuários a fizeram, inclusive, ganhar as telas do cinema com o longa-metragem intitulado “A
Rede Social”, dirigido por David Fincher. Sua estrutura, que reúne características aprimoradas da rede social Orkut, com algumas ferramentas do
Twitter, conquistou rapidamente a sociedade global, aparecendo, nas pesquisas, posicionada entre as redes sociais preferidas do público de
diversos países, em especial do brasileiro.
As sociedades indígenas, de diversas etnias, em pouco tempo já faziam parte dos usuários desta plataforma. Neste momento, minha
dissertação migrou para o Facebook, onde representantes dos povos participantes do simpósio da USP se encontravam e onde pude visualizar
com maior intensidade as possibilidades da recepção ativa na web e as relações de poder estabelecidas nos discursos colocados em circulação
neste meio.
A presença destes indígenas no Facebook conferia um novo sentido para a minha pesquisa. Além do contato com os Aikewára, a partir
deste momento, passei a investigar as possibilidades de recepção ativa na internet com sujeitos que assumiam uma identidade indígena.
No período entre 30 de junho de 2011 e 10 de julho de 2011, realizei um mapeamento destes 34 links do simpósio, considerando de onde
eram as postagens, de que estados, se suas características eram de sites ou blogs, possibilitando comentários e outras participações em rede, o
total de posts publicados até o período da pesquisa, o início da atuação destes blogs e sites, os autores dos discursos no espaço ou alguma
ocorrência a ser destacada.
O mapeamento me permitiu uma melhor seleção dos próprios indígenas com os quais eu poderia interagir nas redes sociais. Os mais
atuantes escreviam nestes espaços, respondiam a perguntas, compartilhavam informações. Pude conhecer algumas realidades diferentes destas
sociedades, pelas próprias apresentações gráficas dos conteúdos. Após selecionar histórias e artigos relevantes para a dissertação, retornei ao
Facebook e mais esporadicamente ao Orkut e ao Twitter, para acompanhar ocorrências, os discursos colocados em circulação.
Meu acesso ao Facebook se tornou constante, mais de 20h semanais em média, de acordo com minha disponibilidade de tempo. A partir de
posts nesta rede social, eu “era levada” a outras redes sociais, a sites, a blogs, a bate-papos no próprio Facebook e fora dele, no MSN. Neste
momento, eu estava transitando por toda a rede e o Facebook passou a representar uma mediação mais completa pela maior participação indígena
na plataforma.
COLETA DE DADOS ENTRE OS DIAS 30/06/2011 E 10/07/2011
Links Onde? Total de Início Quem posta? / Ocorrência
posts
1. Blog Aikewára PA 71 4/05/2010 • Tiapé Suruí
• Gil Xavier
• Maurício Neves
• Mairá Suruí
• Ivânia Neves
• Lariza Gouvêa
• Alda Cristina
• Murué Suruí
*Colaboração do Blog Breados Online
2. Blog Ajindo – Ação MS 32 29/06/2009 As matérias não são assinadas. Há um espaço para comentários, pouco utilizado.
de Jovens A participação indígena é quase nula nos espaços assinados.
Indígenas de Coordenadora Geral: Prof. Maria De Lourdes Beldi de Alcantara
Dourados Coordenador Local: Itacir Pastore.
No setor de contatos, os jovens não assinam com sobrenomes indígenas.
3. Blog Aldeia MA 16 2009 A maioria das postagens são assinadas genericamente: Aldeia Zutiua. Alguns
Azutiua (Zutiua) artigos são assinados por indígenas especificamente. Ex.: Zezico Rodrigues
Guajajara
Professor e Líder Indígena Da Aldeia Presídio.
4. Site Aldeia Guarani SP _ (apenas 2000 Olívio Jekupé - Presidente
Krukutu descrições Nelson Karai Mirim - Vice Presidente
do site e Luiz Carlos Karai Rodrigues - Secretário
links, sem Marcelino da Silva - Segundo Secretário
dinâmica) José Karai Pires de Lima - Tesoureiro
Fabio Popygua - Segundo Tesoureiro
Obs: Na seção “escritores”, o presidente Olívio Jekupé escreve em 1ª pessoa,
mas o outro escritor indígena Luiz Carlos Karai não: Moro na Aldeia Krukutu
em São Paulo/SP, atual presidente da associação da aldeia, sou casado e tenho 4
filhos. Sou escritor e sou apaixonado pela natureza, pois além dela nos dar tudo,
me dá também a inspiração para escrever.
E : Escritor das coisas do dia a dia da comunidade indígena, é paranaense e mora
em São Paulo. Faz palestras para crianças e adultos, é monitor do Projeto CECI e
do Projeto de turismo da aldeia.Trabalha também como professor da língua
guarani Mbya e consultor de informática da aldeia. Gosta muito de viajar,
conhecer novos lugares e fazer novas amizades.
5. Site Aldeia Guarani RJ idem 2008 O pedagogo Domingos Nobre (principal)
Sapukai Na home há uma citação a respeito do indígena mais velho da aldeia.
Na seção “quem somos” aparece em primeiro lugar o indígena Algemiro da
Silva Karai Mirim
Todo o restante da equipe é formada por não-índios. Total da equipe: 6 pessoas.
6. Blog Aldeia Wederã MT 36 27/10/2007 Presidente: Paulo Cipassé Xavante
Tesoureiro: Leando Parinai´á
Secretária: Severiá Maria Idioriê Xavante
Consultor: Sonia M.C. Oliveira
As postagens são assinadas de forma codificada. Ex.: Cl@rix
Os textos são bem informais, diálogos sobre o cotidiano, etc.
7. Blog Apiwtxa AC 234 01/06/2007 Gal Rocha (Rede Povos da Floresta)
(em 2011 Comunidade Apiwtxa Ashaninka (genericamente)
somente Marcelo Piedrafita Iglesias,antropólogo (Direto do Amazonia.org.br)
3) Enlacenacional (site de notícias do Peru)
Leila Soraya Menezes (RCA Brasil)
((Carta de Moisés da Silva Pinhanta (Presidente da Apiwtxa - Associação
Ashaninka do Rio Amônia))_ Assinado genericamente: Apiwtxa
((Manifesto de Luiz Valdenir de Souza Nukini
Coordenador da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá
(OPIRJ);Fernando Henrique Kaxinawá
Presidente da Associação Kaxinawá do Rio Breu (AKARIB);Benki Piyãko
Ashaninka Vice-Presidente da Associação Ashaninka do Rio Amônia
(APIWTXA))_Assina genericamente: Apiwtxa
Altino Machado, jornalista
Líbia Almeida, Assessora Técnica da Apiwtxa Associação Ashaninka do Rio
Amônia
José Carlos dos Reis Meirelles chefia a Frente de Proteção Etno-Ambiental da
Funai na fronteira do Brasil com o Peru. Direto do Blog do Altino
Obs.: Prevalecem as assinaturas genéricas da Comunidade, porém pode-se
perceber as muitas ‘parcerias’, participações e links com instituições e pessoas.
A presença de Marina Silva em fotografias é constante, inclusive no São Paulo
Fashion Week _SPFW com uma roupa do povo Ashaninka
8. Site Associação MT _ (apenas (Entidade Depoimento do ancião Top´tiro, de idade desconhecida à Owa´u Ruri´õ
Warã descrições 1997) Legendas de Owa´u Ruri´õ.
do site e Texto de Hiparidi Dzutsi´wa Top´tiro
links, sem Legendas de Owa´u Ruri´õ.
dinâmica) Texto de Owa´ú Ruri´õ
Legendas de Tseretó Tsahobö.
Texto de Owa´ú Ruri´õ
Legendas de Tiago Tseretsu.
Depoimento do ancião Top´tiro, de idade desconhecida à Owa´u Ruri´õ
Acervo Warã
Legendas de Tseretó Tsahobö.
Os depoimentos sobre os rituais são de Hiparidi D. Top´tiro , Tiago Tseretsu e
Paixão Wahum´hi coletados pela etnóloga Sonia Dorta para a exposição "Viver a
Vida Xavante".
Desenho: Lucas Ruri´õ
9. Blog Baniwa Online AM 82 03/06/2008 Daniel (Dan Baniwa) primo de Ray Benjamin Baniwa
10. Blog do AM 41 17/04/2007 Ray Benjamin (professor da EIBC-Pamáali)
RaiBenjamim
11. Blog Sites SP 6 09/2007 Glaucia Pachoal (antropóloga)
Indigenas *Blog
com a
divulgaçã
o de links.
12. Blog BA 15 05/2010 Potyra Tê Tupinambá (ela tem outros dois blogs)
Cibercidadania *Copiado *Remete bastante ao site Índios Online
Indígena s de
outros
sites.
13. Site COIAB *9 _ 29/11/2007 Diversos: pessoas, instituições...
Estados. Não encontrei indígenas “falando” em minha amostra.
Sede em
Manaus;
Uma
represen
tação
em
Brasília.
14. Blog Coletivo MT 81 21/01/2010 Takumã kuikuro representando sua aldeia e as atividades de documentário
Kuikuro de Cinema produzidas pelo seu povo
15. Blog Escola MT 2 16/05/2010 Cl@rix, Clarix, Smyx, Cwx, Escola da aldeia wederã "Etenhiritipá "
indígena da Aldeia *As fotos dos perfis são de pessoas muito jovens, exceto a Smyx, uma jovem
Wederã senhora, aparentemente.
A Smyx é mãe de uma das Claras (Clarix, Cl@rix). Todas tem traços indígenas.
Cwx usa uma caricatura de “moleque” (de boné, etc)
16. Blog Escola AM 3 2004 Há um espaço no blog onde está escrito: “quem faz os posts” Raimundo
Paámali *A Benjamim- Comunicação Pamáali
respeito *Interage com internautas não-índios.Responde perguntas, dialoga.
das 3 **O blog organiza e enfatiza os comentários dos visitantes.
seções do
site. O
resto são
comentári
os de
visitantes.
17. Grupo Literatura A escritora Eliane Potiguara coordena esse grupo restrito à associados no Yahoo
_______ ________ _________ grupos.Não pude acessar!
Indígena Nos links é possível conhecer o seu site oficial.

18. Blog GTA – grupo Amazôn _ (apenas *Início do O Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), fundado em 1992, reúne 602 entidades
de trabalho ia Legal descrições grupo filiadas e está estruturado em nove estados da Amazônia Legal e dividido em
amazônico Sede: do site e 1992 dezoito coletivos regionais. Fazem parte da Rede GTA organizações não-
DF links, sem governamentais (ONGs) e movimentos sociais que representam diversos
dinâmica) segmentos.
“Em 1992, quando uma conferência mundial no Rio de Janeiro reconheceu que o
futuro do planeta dependeria do meio ambiente, movimentos sociais ecoaram em
todos os continentes que esse futuro ambiental também estava ligado com uma
outra justiça social e cultural. No Brasil, centenas de entidades populares e
técnicas da Amazônia uniram-se em uma rede denominada Grupo de Trabalho
Amazônico (GTA) criada para promover a participação das comunidades da
floresta nas políticas de desenvolvimento sustentável. A Rede GTA é formada
por 18 coletivos regionais em nove estados brasileiros que ocupam mais da
metade do tamanho do país, envolvendo mais de 600 entidades representantivas
de agricultores, seringueiros, indígenas, quilombolas, quebradeiras de côco
babaçu, pescadores, ribeirinhos e entidades ambientalistas, de assessoria técnica,
de comunicação comunitária e de direitos humanos.”
Sobre projetos e campanhas, concluídas e em andamento.
Possui citações indígenas.
Nas representações nacionais do GTA, só o indígena Almir Suruí aparece como
titular ou suplente.
Rubens Gomes é o Presidente do GTA
19. Blog Hutukara AM e _ (apenas *É possível Davi Kopenawa Yanomami
RR descrições ver os Presidente da Hutukara
do site e views dos davikopenawa@hutukara.org
links, sem vídeos, Mauricio Tome Rocha
dinâmica) linkados Vice-Presidente
aos mauricio.yekuana@hotmail.com
youtube, mauricioyekuana@hutukara.org
iniciando Dário Vitorio Xiriana
em Outubro Coordenador Setor de Saúde
Anexo 03: Discursos sobre inclusão social

A web 2.0 representa o ambiente em que os mais diferentes sujeitos podem ser
lidos, ouvidos, vistos e assistidos. Ela institucionaliza um novo tipo de conduta, não
mais limitado apenas às relações de poder que estabeleceram a administração dos gestos
de leitura no ocidente.

Por outro lado, considero importante mostrar esta realidade, para não reforçar
um discurso do governo Federal que afirma ter realizado a inclusão digital dos povos
indígenas no Brasil. No Simpósio realizado na UFBA, em outubro de 2011, na
conferência de Abertura: Redes Sociais na Internet, o professor Massimo di Felice,
fundador do Centro de Pesquisa ATOPOS (ECA/USP), coordenador das pesquisas
‘Redes Digitais e Sustentabilidade’ e a pesquisa comparativa internacional
‘Netativismo: ações colaborativas em redes digitais’ afirmou que as sociedades
indígenas brasileiras já passaram por um intenso processo de inclusão social, financiado
pelos pontos de cultura do MINC.

Em minha pesquisa, não encontrei uma participação indígena que confirme esta
afirmação.
08/06/2009 | Na Mídia, Notícias, Pernambuco, Região Nordeste
Mais Cultura promove inclusão digital de comunidades indígenas
Jornal iTeia (PE) - 08/06/2009 21:36h
MinC implantará 150 Pontos de Cultura em comunidades indígenas até 2010. Rodas de conversa iniciam
dia 3 de junho.

Na próxima quarta-feira (3), o Programa Mais Cultura, do Ministério da Cultura, inicia uma série de
rodas de conversa para promover a inclusão digital de comunidades indígenas de todo o Brasil. As
rodas fugirão do modelo tradicional de capacitação e buscam envolver as comunidades indígenas
com as novas tecnologias da informação (TICs) e com a produção de conteúdos audiovisuais a partir
de seus próprios referenciais. A ação será desenvolvida em parceria com a Fundação Nacional do
Índio (FUNAI) e com a Associação Cultura e Meio Ambiente (ACMA) – Rede Povos da Floresta,
responsável pela implantação do projeto e pela formação dos indígenas.

De 3 a 5 de junho, a roda de conversa acontece no Ponto de Cultura Indígena de Rio Branco, no Acre.
De 10 a 12 de junho, a roda será realizada no Centro Yorenka Ãtame, localizado no município de
Marechal Thaumaturgo, também no território acreano. De 20 a 22 de junho, o encontro será na sede
da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), no município de São Gabriel da
Cachoeira, Estado do Amazonas.

As rodas integram o processo de implantação dos primeiros 30 Pontos de Cultura em comunidades


indígenas de cinco estados: Acre, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia e Roraima. A meta do Programa
Mais Cultura é implantar até 2010, em todo o país, 150 Pontos de Cultura Indígenas, por meio de um
acordo de cooperação firmado com a FUNAI e de convênios com entidades indígenas e indigenistas.
O investimento inicial é de R$ 6,4 milhões. Outros 60 Pontos de Cultura Indígenas serão implantados
até o fim de 2009, e os 60 restantes até 2010.

Cada Ponto de Cultura receberá um kit multimídia. O objetivo é que as comunidades indígenas
utilizem as novas tecnologias como ferramentas para a preservação e fortalecimento de sua
identidade cultural. De acordo com o secretário da Identidade e Diversidade Cultural do Ministério
da Cultura, Américo Córdula, “o uso de equipamentos multimídia nas comunidades indígenas, ao
contrário do que se imagina, têm reforçado a tradição oral e a busca dos mais jovens pelos
fundamentos de suas culturas tradicionais, que passam a ser objeto de uma enorme produção de
conteúdos audiovisuais e motivo para a intensificação das trocas com outras comunidades indígenas
e com os não-índios, que fomentaremos ainda mais através da articulação com a Rede Povos da
Floresta, a rede de Pontos de Cultura e a rede criada a partir do Prêmio Culturas Indígenas, dentre
outras.”

Composição do Kit Multimídia: Computador desktop com acesso à internet banda larga, leitor e
gravador de DVD, monitor 17 polegadas, teclado, mouse, par de caixas de som e placa de vídeo para
edição; servidor, placa de rede, cabos, conectores, no break, web cam, fone de ouvido com microfone,
placa de captura de vídeo, material para montagem de rede e estabilizador; filmadora digital, câmera
fotográfica digital, microfone supercardioide, bateria para filmadora, fone de ouvido e fita minidv;
kits de painel fotovoltaico, bateria, controlador de carga, módulo solar e inversor de voltagem de
12vcc para 110 V.

Fonte: http://clipmail2.interjornal.com.br/clipmail.kmf?clip=kqj1gp65q3&grupo=354515

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