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A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em
Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________
Prof. Giovani de Paula - Orientador
_______________________________________________________
Prof.Eduardo Mendonça- Membro
_______________________________________________________
Profa. Érica Lourenço- Membro
Dedico esta pesquisa à minha família,
em especial aos meus filhos Lucas e Leonardo,
e minha esposa, Christiane,
pelos momentos de minha ausência na persecução dos nossos sonhos.
AGRADECIMENTOS
Corações mesquinhos lançam-lhes em rosto o pão que comem; como se os cobres do pré
pudessem pagar a Liberdade e a Vida. Publicistas de vista curta acham-nos caros demais,
como se alguma coisa houvesse mais cara que a servidão. Eles, porém, calados, continuam
guardando a Nação do estrangeiro e de si mesma. Pelo preço de sua sujeição eles compram a
liberdade para todos e defendem da invasão estranha e do jugo das paixões. Se a força das
coisas os impede agora de fazer em rigor tudo isto, algum dia o fizeram,
algum dia o farão. E, desde hoje, é como se fizessem. Porque por definição o homem da
guerra é nobre. E quando ele se põe em marcha, à sua esquerda vai a coragem, e à sua direita
a disciplina."
(Trecho da carta escrita por Moniz Barreto, em 1893, publicada no jornal do Exército de
Portugal, nº 306)
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................................................ 7
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 8
1 A ORGANIZAÇÃO MILITAR..................................................................................... 9
1.1 DIVISÃO DA ORGANIZAÇÃO MILITAR................................................................. 12
1.1.1 Forças Armadas.......................................................................................................... 16
1.1.2 Forças Auxiliares: Policia Militar e Corpo de Bombeiros Militares........................... 16
organização das sociedades e a estatização das atividades de socorro público fizeram surgir no
seio da organização militar estas corporações que, baseadas nos pilares institucionais da
sua proteção.
ordenamento previsto na legislação penal militar, área esta do Direito que merece um estudo
mais acurado, pois em geral, seus aplicadores se restringem à escassa doutrina existente sobre
o tema. Especificá-la ainda mais dirigindo os estudos a uma parte dos integrantes da
organização militar, qual seja, aos bombeiros militares, permite que apenas parte deste
A legislação castrense conta com poucas obras dedicadas ao estudo das questões
criminais no âmbito militar, apesar de distribuir-se de forma ampla às áreas federal e estadual.
bombeiros militares, dando destaque à relevância do serviço público por estes prestados, já
solidariedade humana.
O crime, na seara castrense, é tido como infração a bens jurídicos diversos dos
previstos na legislação penal comum, muito embora algumas vezes possam ter
correspondência, mas para o direito militar o bem a ser protegido ultrapassa o interesse
individual, atingindo a própria soberania do Estado, que tem em suas forças militares, sejam
nações.
como a previsão do crime por omissão praticado por integrante dos Corpos de Bombeiros
integrantes de uma instituição que convive mui próxima da sociedade, e que presta serviços
proposição de uma formulação geral, qual seja, a organização militar e sua previsão
integrantes de uma parte desta grande organização, qual seja, os Corpos de Bombeiros
julgados sobre o assunto, sendo estas fontes primárias. Como fontes secundárias, a presente
momento propõe-se uma breve explanação sobre a organização militar no contexto nacional e
estadual, a seguir as corporações dos bombeiros militares, seu histórico e suas atribuições.
constitucional desta especial área do Direito. Faz-se uma separação entre a jurisdição militar
federal e a estadual, pois é a esta última que compete o processo e julgamento dos bombeiros
conceituação e suas modalidades (própria e imprópria), bem como a conduta omissiva dos
Assim, a organização militar está dividida em duas esferas: a federal, cuja função é a
preservação da segurança nacional em todo o território brasileiro, mormente sob ameaça
externa; e estadual, responsável pela preservação da ordem pública em seus três aspectos,
quais sejam, a segurança pública, a salubridade pública e a tranqüilidade 3. Ambas estão
submetidas aos mesmos princípios norteadores da hierarquia e da disciplina, descritas na
Carta Magna, e destinadas à garantia da lei e da ordem, e da defesa do país.
Para o mundo civil, o universo militar sempre se mostrou de forma estranha e oculta,
muito embora o Direito Militar tenha evoluído com o panorama do direito pátrio, é latente o
desconhecimento acerca de algumas particularidades e peculiaridades militares. Isto se dá por
conta, também, das escassas fontes de consulta e até mesmo a sobrevivência de certas idéias
que no passado fizeram da jurisprudência castrense uma espécie de círculo fechado, que só
aos militares interessaria, sendo esta a causa principal do alheamento da maioria dos
doutrinadores aos importantes temas do Direito Militar4.
1
Cf. ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Aplicação dos princípios constitucionais no Direito Militar In CORREA,
Getúlio (Org.). Direito Militar: artigos inéditos. Florianópolis: Associação dos magistrados das justiças
militares estaduais, 2002, p. 115.
2
BRASIL, Constituição Federal, 3.ed., Barueri: Manole, 2004.
3
Cf. ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues, In CORREA, Getúlio (Org.). Direito Militar: artigos inéditos, p. 115.
4
Cf. SILVEIRA, Renato de Mello; Silveira, Otávio Leitão. Apud: CAMPOS JÚNIOR. José Luiz Dias. Direito
penal e Justiça Militares. Curitiba: Juruá, 2001, p. 30.
Este ramo especial do direito brasileiro está dividido, em razão de sua natureza
pública, entre o direito administrativo militar, ou disciplinar militar, direito penal militar e o
direito processual penal militar, e precipuamente, vinculado aos ditames da ordem
constitucional vigente.5
Em relação ao militar, individualmente considerado, vê-se que este está
constantemente sujeito ao cumprimento de regras muito rígidas, em decorrência das
particularidades da profissão que exerce. A Constituição Federal não inclui literalmente o
militar como servidor público, e na análise de José Afonso da Silva, as alterações introduzidas
pela Emenda Constitucional 18 de 1998, retiraram dos militares a condição de servidores
militares,
A intenção confessada foi a de tirar dos militares o conceito de servidores públicos que
a Constituição lhes dava, visando com isso fugir ao vínculo que aos servidores civis que esta
lhes impunha. Formalmente, deixaram de ser conceituados como servidores militares.6
O autor assevera que os militares não deixaram de ser servidores públicos, na acepção
do termo, pois no sentido mais amplo, continuam sendo agentes públicos. Apenas o legislador
constituinte quis separá-los dos servidores civis, posto que o regime jurídico dos militares é
muito diferente daqueles7, contando, inclusive, com leis penais diferenciadas, incorporadas no
Decreto-lei 1001, de 21 de outubro de 1969, conhecido como Código Penal Militar. Esta
diferenciação não se origina em privilégio dispensado aos militares, mas sim uma “excepção
(sic) de severidade e não de favor”8, nas palavras de João Vieira de Araújo.
Em diversas passagens da Constituição Federal pode-se notar a diversidade de
tratamento a civis e militares, podendo-se perceber até mesmo um certo conflito entre
disposições e princípios constitucionalmente assegurados a todos os brasileiros, e a rígida
condução da ordem no âmbito castrense, baseada na hierarquia e disciplina. Esta diversidade
de tratamento, que no texto constitucional pode-se perceber pelas ressalvas que excetuam a
categoria militar ao gozo de determinados direitos e garantias fundamentais, pode ser
constatada quando da leitura dos artigos que se referem à vedação imposta quanto à
sindicalização dos militares, a proibição do direito de greve e filiação político-partidária,
enquanto estiverem prestando serviço efetivo, ou seja, no serviço ativo da corporação. Ainda,
5
ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. In: CORREA, Getúlio (Org). Direito Militar:artigos inédito, p. 115-119.
6
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 682.
7
Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 682.
8
CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 182.
pode-se citar, entre outros direitos amplamente dispensados aos civis e obstados aos militares,
a garantia constitucional do habeas corpus, nas questões que envolvam delitos corporativos.
Este se encontra sumulado pelo Supremo Tribunal Federal: “694 - Não cabe habeas corpus
contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função
pública”9.
Estas limitações, tidas como exceções prescritas na Carta Magna, são defendidas por
juristas filiados ao entendimento de Diógenes Gasparini, que enuncia acerca destas exceções
constitucionais:
Tais proibições são necessárias à ordem e à hierarquia da instituição, porque só
assim a defesa da nação e da ordem pública pode acontecer efetivamente. 10
Como dito anteriormente, a nova ordem constitucional fez brotar novos debates sobre
a organização militar. Porém, o que causa mais controvérsias no âmbito administrativo e penal,
é a interpretação do artigo 5º da Carta Magna, que determina a igualdade de todos perante a lei,
e o tratamento diferenciado dado ao militar, que longe de ser considerado como um privilégio,
tem como característica o rigor e a limitação de direitos. O militar não goza de certos direitos
garantidos aos civis que vivem sob as leis do país.
9
NOVAS SÚMULAS DO STF. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 26 mar. 2004.
10
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 4ª. ed. rev. e amp. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 127.
11
CRETELLA JÚNIOR. José. Comentários à constituição de 1988. v. 5. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1992.p.2901.
12
MIRANDA, Jorge.Apud CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 184.
Para José Luiz Dias Campos Júnior, os direitos e prerrogativas cerceadas aos
militares no texto constitucional não foram tolhidos da classe, pois eles sequer existem, já que
foram, em muitos casos, explicitamente excetuados no próprio corpo da lei. Ocorre que
somente a Constituição Federal é que pode permitir restrições a alguns direitos e garantias
fundamentais, o que o fez a Carta Magna de 1988, ao proibir a sindicalização e a greve
militar, a concessão de habeas corpus ao integrante da instituição militar nas transgressões e
crimes propriamente militares, entre outras13.
A justificativa para este tratamento diferenciado e mais rígido repousa no interesse
público que determina a atuação do militar: é a relevância constitucional e incumbência da
manutenção da ordem pública e da segurança nacional confiadas ao militar, que enrijece as
leis destinadas a este, deste seu nascedouro, qual seja, a Constituição Federal, até as normas
de pronta aplicação.
A igualdade entre civis e militares deve ser assegurada dentro dos limites impostos
pela Constituição Federal, que deve ser interpretada como um todo, homogeneamente, e não
em artigos isolados e restritivos. É que diz José Afonso da Silva, em relação a forma de
interpretar o texto constitucional:
[...] esse estudo sistematizado não há de ser tomado em sentido estrito de mera
exposição do conteúdo dessas normas e regras fundamentais. Compreendera
também a investigação de seu valor, sua eficácia, o que envolve critérios estimativos
de interpretação, sempre correlacionando os esquemas normativos escritos, ou
costumeiros, com a dinâmica sócio-cultural que os informa.14
13
Cf. CAMPOS JÚNIOR. Direito penal e Justiça Militares, p. 187.
14
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, p. 35.
15
GOUVEIA, Joilson Fernandes de. Os servidores públicos militares e os vetos constitucionais . Jus Navigandi,
Teresina, a. 2, n. 25, jun. 1998. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1579>. Acesso
em: 03 jul. 2004.
Nos processos administrativos militares, bem como nos de investigação criminal na
seara castrense, alguns desconhecedores da lei têm usurpado as garantias constitucionais,
limitando-as em nome da hierarquia e da disciplina. Salienta-se que estes princípios
fundamentais podem ser observados dentro das corporações militares, sem a necessidade de
violação dos preceitos esculpidos na Constituição Federal, bastando que o administrador, ou o
operador do direito que milita na justiça castrense entenda que a partir da promulgação da
nova ordem constitucional, em 05 de outubro de 1988, o direito administrativo passou por
profundas modificações e estas alcançam também a área militar. As normas militares, por sua
vez, devem respeito à Constituição Federal, que no sistema jurídico encontra-se no ápice da
hierarquia das leis. Não existe direito ou lei que possa estar acima da Constituição Federal, e
ao militar devem ser asseguradas as mesmas garantias previstas na Lei Maior a todo e
qualquer cidadão, conhecidos como cláusulas pétreas e que se referem especialmente à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade de todos os cidadãos que residem no
território brasileiro, pois disto depende o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.
16
Cf SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, p. 752.
17
NOVA ENCICLOPÉDIA BARSA, militarismo, vol. 10, 6. ed. São Paulo: Ed. Barsa Planeta, 2002, p. 34-35.
18
Cf. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, p. 752.
19
Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 752-753.
20
FAGUNDES, Seabra. Apud SILVA, José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo, p. 753.
A forma de manter-se o efetivo das Forças Armadas dá-se, de regra, através do
recrutamento, também previsto na Constituição Federal, tido como obrigatório e imponível a
todos os brasileiros, conforme já preceituava a Constituição Federal de 1891, e que através de
campanha promovida pelo então poeta Olavo Bilac, torna-se efetivamente obrigatório o
serviço militar. A única exceção prevista na Constituição Federal diz respeito à escusa de
consciência, que impõe assim a prestação alternativa. José Afonso da Silva diz sobre esta
obrigatoriedade
Pode parecer estranho que a Constituição Federal tenha que determinar a
obrigatoriedade de serviços destinados a defesa da Pátria a todos os brasileiros, dado
que esta defesa já decorreria da própria situação de cada um em função de sua
exclusiva pertinência à comunidade nacional, o que em si, implica a necessidade
ética de cada membro dessa comunidade lutar por sua sobrevivência contra qualquer
inimigo.21
21
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, p. 755.
22
Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 755.
Estado e do Distrito Federal, ou Governador do Território. Por disposição do artigo 144, § 5º,
a Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militares são responsáveis nas cidades e nos Estados-
membros da Federação pelo policiamento ostensivo e preventivo, que é exercido com
exclusividade por essas corporações23, a prevenção e combate a incêndios, busca e
salvamentos, entre outras atribuições concernentes à defesa civil. O termo “defesa civil”
compreende o conjunto de ações preventivas, de socorro, assistenciais e recuperativas,
destinadas a evitar ou mitigar os desastres, preservar o moral da população e restabelecer a
normalidade social24
Os Policiais Militares e o Corpo de Bombeiros Militares, assim como ocorre com os
integrantes das Forças Armadas, estão sujeitos ao princípio da hierarquia e da disciplina,
sujeitando-se pelo seu descumprimento as penalidades previstas em lei. Sobre esta submissão
a tais pilares constitucionais, discorre José Luiz Dias Campos Júnior:
A condição de militares dos integrantes das Polícias Militares e Corpos de
Bombeiros Militares, pelo exercício constante da hierarquia e da disciplina, longe de
se constituir numa incoveniência, é fundamental ao desempenho das corporações,
como garantia de respeito aos direitos individuais e coletivos e como instrumento
eficaz de realização do sistema de defesa do país. Seus regulamentos auxiliam na
correção das atitudes aos que apresentam desvios de conduta.25
23
Cf. RODRIGUES ROSA, Paulo Tadeu. Polícia militar e suas atribuições. Disponível em :
<http://www.militar.com.br/legisl/_vti_bin/shtml.exe/buscartigosdireito.htm.> Acesso em: 03 jul. 2004.
24
Cf FROTA, José Ananias Duarte. Defesa civil. Portal Militar. Disponível em:
<http://www.militar.com.br/artigos/artigos2002/celduartefrota/defesacivil.htm.> Acesso em: 19 ago. 2004..
25
CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 147.
26
MIRANDA, Pontes. Comentários à constituição de 1967. Tomo 3, São Paulo: Saraiva, 1987, p. 385.
27
CAMPOS JÚNIOR. José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 130-131.
torna-se propensa à dissolução. As Forças Armadas e as forças auxiliares não são uma
associação igualitária, mas sim hierarquizada, através dos postos militares e funções dos
respectivos serviços. E a subordinação decorrente da obediência hierárquica é que garante a
coesão dos integrantes da corporação e sua agilidade no exercício das atividades
constitucionalmente atribuídas28. Nas palavras de Esmeraldino Bandeira:
Hierarquia militar é a relação de ordem administrativa e jurídica, que existe entre
pessoas subordinadas umas as outras em razão de seus postos e funções na
corporação militar.29
28
Cf. CAMPOS JÚNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 129-131.
29
CAMPOS JÚNIOR. José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 13.
30
Artigo 14, § 2º, da Lei 6880/80. Estatuto dos Militares. In CD Romm Direito Militar 1. CESDIM- Centro de
Estudos de Direito Militar.
31
Cf. CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 135-141.
32
GUSMÃO. Chrysolito. Apud CAMPOS JÚNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 141.
vigilância, prevenção e repressão de condutas delituosas” 33, sendo que o intento do legislador
constituinte foi atribuir às forças auxiliares estaduais a preservação ou restabelecimento da
ordem social, em seus três aspectos, quais sejam, a segurança pública, a salubridade pública e
a tranqüilidade. Como atividade de polícia, estas forças auxiliares devem evitar a alteração da
ordem jurídica, agindo negativamente, preventiva e ostensivamente nas ações criminosas e na
conservação da segurança do cidadão.
A organização militar estadual atua na sociedade exercendo uma parcela do poder de
polícia próprio do Estado. Poder de polícia é a “faculdade da Administração Pública para
condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais” 34, e quando
exercido pelos militares, o objetivo a ser alcançado é a manutenção da ordem pública, tanto
no aspecto preventivo quanto repressivo, nos casos de perturbação social interna.
Há uma distinção entre o poder de polícia exercido pela instituição militar, e a
atividade do poder de polícia administrativa: este tem como objetivo tão somente conter os
abusos do direito individual, incidindo sobre bens, direitos e atividades; aquele, no combate
preventivo da perturbação social interna do país. Também diferem as forças auxiliares
militares da polícia judiciária, que também estão a serviço da manutenção da ordem, porém
em situações individualizadas, não obstante seja exercida algumas vezes pelos próprios
membros da organização militar35.
As forças auxiliares militares estão incumbidas da defesa da lei e da ordem no plano
interno, e as Forças Armadas contra as agressões estrangeiras ou comoção externa. Mesmo
que subordinadas a entes políticos diversos, tais forças militares poderão atuar nas funções
umas das outras: é o que ocorre quando as forças auxiliares são recrutadas para atividades em
casos de estado de emergência ou estado de sítio, ou até mesmo em caso de guerra externa,
onde exercerão suas atividades na segurança pública interna em conjunto com as atividades
militares federais. O mesmo ocorre em relação às forças militares federais, que mediante
convocação da autoridade constitucional, deverão intervir na manutenção da segurança
pública nos Estados-membros, quando forem ordenadas.36
33
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 758.
34
MEIRELES, Ely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 127.
35
Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 127.
36
Cf. SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo, p. 752 e 761.
2. JUSTIÇA PENAL MILITAR
37
Cf. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, p. 571.
2.1 HISTÓRICO DA JUSTIÇA PENAL MILITAR
38
CAMPOS JÚNIOR. José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares. p. 48.
39
Cf. LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar. São Paulo; Atlas, 2002, p. 19.
40
Cf. BANDEIRA, Esmeraldino, in LOUREIRO NETO, José da Silva, Direito penal militar, p. 21.
41
Cf. LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar, p. 24.
42
Cf. LOREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar, p. 25.
2.2 JUSTIÇA PENAL MILITAR NOS ESTADOS-MEMBROS
43
Cf. ASSIS, Jorge César de. Comentários ao código penal militar. 3.ed.. Curitiba: Juruá, 2001, p. 284-285.
aqueles já existentes em 15.03.67 (Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais),
impedindo inclusive a instalação do tribunal de Justiça Militar do Paraná, [...]44
José Luiz Dias Campos Júnior diz, em relação à Justiça Militar estadual, que a
fixação da competência desta difere da federal pois exige não só a prática de crime militar,
como também que seja este praticado por policial ou Bombeiro militar, não se sujeitando o
civil, mesmo que em concurso de agentes:
Como conseqüência dessa “restrição” constitucional,
e de acordo com Jorge Alberto Romeiro e Célio
Lobão, embasados pela jurisprudência, se um civil
praticar crime militar em concurso de agentes com
um policial ou bombeiro militares, deverá ser
processado e julgado na Justiça Comum estadual,
desde que o ilícito por ele praticado tenha
correspondência no Direito Penal comum, caso
contrário, cometerá fato atípico! 45( grifo do autor)
Tal assertiva está sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça
Comum Estadual processar e julgar o civil acusado de prática de crime contra instituições
militares estaduais.” 46 Nos Estados-membros, para determinação da competência da justiça
estadual, deve-se reunir dois critérios: em razão da matéria e em razão da pessoa, isto é, deve
o ilícito ser praticado em infração à norma militar, previsto em legislação militar, e o agente
deve ser militar em serviço.
Não obstante a possibilidade de impunidade ao civil que pratica crime militar,
facilitado pela interpretação do artigo 125, § 4º da Constituição Federal, José Luiz Campos
Júnior defende a aplicação da lei penal castrense pela Justiça Comum, para evitar, como o
próprio diz, um “despautério ju rídico”. 47
No Estado de Santa Catarina não foi editada a lei que faculta a Constituição Federal
para a especialização da Justiça Militar, e os crimes praticados por policiais e bombeiros
militares são processados pelas auditorias militares, em primeiro grau de jurisdição, e ao
Tribunal de Justiça a competência para apreciação dos recursos.
44
ASSIS, Jorge César de. Comentários aos código penal militar, p. 285.
45
CAMPOS JÚNIOR. José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 63.
46
Súmula 53, do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
47
Cf. CAMPOS JÚNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 67.
2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À JUSTIÇA CASTRENSE
48
Cf. ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. In CORREA, Getúlio (Org.)Direito Militar:artigos inéditos, p. 115-119.
49
Cf. ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues, , In CORREA, Getúlio (Org.).Direito Militar:artigos inéditos, p. 119.
Até mesmo a incomunicabilidade do indicado, determinada pelo artigo 17 do Código
de Processo Penal Militar, durante o inquérito, foi revogada pela nova ordem constitucional,
permitindo assim que o advogado possa comunicar-se com seu cliente.
Outro importante direito do militar que responde um inquérito policial militar é o
acompanhamento da colheita de provas, através de seu advogado, que poderá intervir sempre
que uma determinação constitucional for violada. Ao negar-se a responder perguntas
formuladas, o militar não estará incorrendo em confissão, pois a nova ordem constitucional
determina que a ampla defesa é um dos princípios mais importantes. Este aspecto é
interessante, haja vista que, ao negar-se a falar a verdade ou calar-se, a lei militar revogada
pela Constituição Federal tinha a conduta do militar indiciado como transgressão grave50.
Já na fase processual, regido pelo Código de Processo Penal Militar, este teve muitos
de seus artigos revogados tacitamente pela Constituição Federal. Atualmente, a jurisdição
penal militar, como ocorre com a jurisdição penal comum, visa garantir um julgamento justo e
dentro dos ditames da lei. Esta garantia é assegurada também pelos promotores de justiça e
procuradores federais, que tem a titularidade da ação penal militar pública, e são agentes
públicos admitidos através de concurso público e com função exclusiva dentro do Ministério
Público. Nesta fase, a ampla defesa do militar indicado é assegurada de forma irrestrita,
através de um advogado. Não comprovada a autoria e materialidade dos fatos incriminadores,
deverá ser aplicado o princípio constitucional da inocência. Segundo Paulo Tadeu Rodrigues
Rosa:
Na dúvida, ou seja, na ausência de provas seguras que demonstrem a autoria e
materialidade dos fatos descritos na ação penal militar, o princípio da inocência é
aplicado de forma efetiva. O cerceamento da liberdade não admite juízos de valor,
mas apenas a existência de provas concretas. Na dúvida, como ensina Eliezer Rosa,
é melhor absolver um culpado do que condenar o inocente.51
Ante o exposto, aufere-se que a Constituição Federal de 1988 veio incluir também na
esfera militar, princípios garantidores de direitos individuais, anteriormente aplicáveis apenas
a civis, haja vista que a categoria militar, por suas leis específicas e regulamentos, envolta
com a proteção irrestrita dos interesses estatais e institucionais, privou o militar de tais
princípios. E estes direitos subjetivos estenderam-se também à área penal militar, igualando
civis e militares perante a lei.
50
Cf. ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues, In CORREA, Getúlio (Org.). Direito Militar:artigos inéditos, p. 120.
51
Cf. ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues, In CORREA, Getúlio (Org.). Direito Militar:artigos inéditos, p. 121.
2.4 O DIREITO PENAL MILITAR E O DIREITO PENAL COMUM
São então dois bens tutelados pela lei castrense: de forma imediata, as instituições
militares, que são sempre necessariamente atingidas; e de forma mediata, e que nem sempre
está presente, o patrimônio ou a integridade física de terceiros.
Importa ressaltar que o Direito Penal comum difere do Direito Penal militar
basicamente pelo bem jurídico atingido com a conduta constante da lei repressiva. As fontes
do Direito Penal militar são diversas das do Direito Penal comum, pois enquanto este se
preocupa com a readaptação do criminoso à sociedade, na área militar a sanção tem o
52
ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar, São Paulo: Saraiva, 1994, p. 05.
53
CAMPOS JÚNIOR. José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 183.
54
LUCENA, Zenildo Gonzaga de. Centro de estudos de Direito Militar. Disponível em:
<http://cesdim.locaweb.com.Br/temp.1aspx?PaginaID=20.> Acesso em: 19 ago. 2004.
propósito claro de inibir quaisquer condutas posteriores, intimidando o agente infrator e os
companheiros a praticar qualquer ação que evidencie a indisciplina e que conste na lei penal
militar como crime55.
55
PEREIRA, Maurto César Rodrigues. Exposição de motivos anexo à proposta de inaplicabilidade da Lei
9099/95 aos crimes militares. Disponível em: <http:// cesdim.locaweb.com.Br/temp.1aspx?PaginaID=20>
Acesso em: 19 ago. 2004.
3 CRIMES COMISSIVOS POR OMISSÃO PRATICADOS POR BOMBEIROS
MILITARES
Para que exista o crime, é necessário que haja por parte do indivíduo uma conduta
positiva ou negativa, uma ação ou uma omissão, e ainda que esta conduta esteja prevista na lei
penal, sendo que o fato deve estar contido integralmente na descrição legal que o prevê sob
pena de ser atípico. Para que uma conduta se constitua num crime, é necessário que toda sua
descrição encerre os elementos descritivos contidos na lei, e assim seja penalmente
relevante.56 Para melhor consideração acerca da conceituação do crime, a teoria finalista,
como corrente doutrinária, defende que o resultado é a manifestação da vontade do agente em
praticar o ato ilícito, sendo que o conteúdo da vontade está na ação57. A doutrina penal
brasileira conceitua o crime formalmente, sendo este uma conduta humana que infringisse a
lei penal. O conceito dogmático de crime, como conduta típica e antijurídica, sendo que a
tipicidade é a previsão legal da conduta na lei penal; e a antijuridicidade é a relação de
contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico. Alguns autores ainda acrescentam a
culpabilidade como elemento constitutivo, sendo que outros autores defendem ser este um
pressuposto da pena58.
No direito penal militar, o crime também está previsto da mesma forma que no
direito comum, qual seja, a previsão legal de uma conduta penalmente repreensiva. Embora a
doutrina se desdobre em vários conceitos sobre o crime militar, a lei penal castrense
determina que toda a conduta prevista em seu texto seja considerada como crime militar. Para
compreender a origem do crime militar é importante discorrer sobre o bem jurídico protegido
por este ramo do direito.
O bem juridicamente relevante ao direito penal militar nem sempre corresponde ao
protegido pela jurisdição penal comum. Quando esta correspondência entre os dois ramos do
direito ocorre, qual seja, a previsão de conduta delitiva consta tanto no Código Penal quanto
56
Cf. JESUS, Damásio Evangelista de. Código penal anotado, p 32.
57
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 1º v. Parte Geral. 4ª ed. São Paulo: Atlas 1989, p.
104-105
58
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2002., p. 265.
do Código Penal Militar, prevalece a aplicação da legislação castrense, posto que os bens
juridicamente relevantes a este ramo do direito são de interesse social, ao passo que, para a
jurisdição penal comum, o que deve ser tutelado é a liberdade e os interesses individuais, não
raro com prejuízos para a sociedade. É que assevera Astrosa Herrera:
A lei penal militar não protege bens jurídicos que correspondam a particulares, e se,
por concurso chega-se a lesionar um interesse privado, este interesse se desvaloriza
em relação ao interesse estatal ou institucional que protege a lei penal militar. 59
59
HERRERA, Astrosa. In CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 186.
60
LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar, p. 23.
61
ASSUMPÇÃO, Roberto Menna Barreto. In CAMPOS JUNIOR, Direito penal e Justiça Militares, p. 71.
62
PEREZ, Luiz Carlos. In CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 72.
militares”. 63 A segunda posição requer seja considerado crime militar todo aquele previsto na
legislação militar, e a terceira posição conceitua o crime militar como aquele que só pode ser
cometido por militar, ou seja, um crime funcional.64
Renato Astrosa Herrera sustenta que os crimes militares podem ser exclusivamente
militares e objetivamente militares, usando o parâmetro do bem jurídico lesionado pela
conduta ilícita65.
Pelo Código Penal Militar, o conceito de crime militar está consubstanciado no
próprio texto legal, isto é, não há uma determinação objetiva, mas sim a adoção da
enumeração taxativa das diversas situações que definem o delito militar (ratione legis). A
melhor fonte para conceituar o crime militar, então, é a própria lei, que não o determina
objetivamente, adotando o Código Penal Militar o critério da tipificação, consoante ocorre
com o Direito Penal comum, em face do princípio da legalidade, ou da reserva legal, previsto
inclusive na própria Constituição Federal de 1988. Assim dispõe o artigo 1º do Código Penal
Militar: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Desta forma, em sentido amplo, o crime militar é aquele previsto na lei66. A doutrina
tem desdobrado outras considerações sobre o crime militar, classificando-o de duas formas: o
crime propriamente militar e o crime militar impróprio. O próprio texto constitucional traz
uma diferenciação, conforme se colhe da leitura do inciso LXI do artigo 5º:
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito
ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar,
definidos em lei;
63
LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar, p. 32.
64
Cf. LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar, p. 32.
65
Cf. LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar, p. 32.
66
Cf. CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias, Direito penal e Justiça Militares, p. 88-90.
67
In CAMPOS JÚNIOR. José Luiz Dias, Direito penal e Justiça Militares, p. 87.
Já os crimes militares impróprios são aqueles previstos no Código Penal Militar,
cometidos por civis, ou militares que não estejam realizando suas atividades funcionais. É o
ensinamento de Célio Lobão:
Em conformidade com o direito material brasileiro, crime impropriamente militar é
a infração penal prevista no Código Penal Militar que, não sendo ‘específica e
funcional da profissão de soldado’, les iona bens ou interesses militares relacionados
com a destinação constitucional e legal das instituições castrenses.68
.
Embora alguns autores entendam que esta bipartição não surta efeitos diretos, e seja
até mesmo desnecessária esta dualidade, importa considerar que o crime militar é toda a
conduta prevista em lei como tal, e que tanto os crimes militares próprios, quanto os
impróprios, são praticados contra o mesmo bem juridicamente relevante ao direito penal
castrense, qual seja, a instituição militar e o Estado.
68
CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 82-83.
69
Cf. JESUS, Damásio E. de. Código penal anotado. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 34-35.
70
ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 4. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 539.
71
JESUS, Damásio E. de. Código penal anotado, p. 35.
O autor assevera que pode ser sujeito ativo de crimes desta natureza o agente que se
tornou garantidor da não-ocorrência do resultado, citando ainda outras duas situações que
caracterizam o crime, quais sejam, quando a obrigatoriedade da ação advém de um
mandamento legal específico e quando um ato precedente determina esta obrigação.72
As condutas típicas de omissão imprópria, praticada por aqueles que se encontram na
posição de garantidor, isto é, aqueles que por disposição legal ou contratual estejam na
obrigação de garantir a conservação, reparação ou recuperação do bem jurídico tutelado pelo
Direito Penal podem ser assim determinadas, conforme Eugenio Raul Zaffaroni:
Chamam-se omissões impróprias ou tipos de omissão imprópria aqueles em que o
autor só pode ser quem se encontra dentro de um determinado círculo (“delicta
própria”) (...) que faz com que a situação típica seja equivalente à de um tipo ativo.
Os tipos de omissão imprópria têm um tipo ativo equivalente, e a posição em que se
deve achar o autor denomina-se “posição de garantidor” . 73
Ainda, em relação aos crimes tipificados como omissivos impróprios, diz o autor:
Por dever do agente evitar o resultado não se pode entender que será garantidor de
evitar o resultado qualquer pessoa, mas sim aquela que tiver um especial dever de
proteção ao bem jurídico tutelado. Assim, somente poderá ser autor de um crime
omissivo aquele que estiver na posição de garantidor efetivo da proteção do bem
jurídico (salva-vidas em caso de afogamento).74
3.2.1 Os crimes militares próprios e a omissão imprópria (crimes comissivos por omissão)
Pelo estudo traçado acerca das atribuições institucionais das corporações militares,
seja no âmbito federal ou estadual, infere-se que estão relacionadas à proteção e a garantia da
segurança pública. Sobre o integrante da corporação militar recaem responsabilidades que
envolvem atuação constante, e a conduta omissiva deste no desempenho de suas atribuições
legais enseja punição rigorosa. Assim o é porque os interesses protegidos pela lei penal
castrense envolvem-se com a segurança da vida dos cidadãos, e com a credibilidade da
instituição militar, dos interesses superiores e comunitários, permitindo-se assim um
tratamento desigual pela própria Constituição Federal, em nome do interesse de relevância
constitucional76.
3.3.1 Histórico
76
Cf. CAMPOS JÚNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 181-184.
Janeiro, Alagoas e Brasília, o Corpo de Bombeiros Militares é uma instituição independente e
separada da polícia militar, com quadros próprios e escolas de formação de praças e oficiais77 .
No âmbito da Constituição do estado de Santa Catarina78, estes encargos estão assim
dispostos no Artigo 108:
O Corpo de Bombeiros Militar, órgão permanente, força auxiliar, reserva do
Exército, organizado com base na hierarquia e disciplina, subordinado ao
Governador do Estado, cabe, nos limites de sua competência, além de outras
atribuições estabelecidas em Lei:
I – realizar os serviços de prevenção de sinistros ou catástrofes, de combate a
incêndio e de busca e salvamento de pessoas e bens e o atendimento pré-hospitalar;
II – estabelecer normas relativas à segurança das pessoas e de seus bens contra
incêndio, catástrofe ou produtos perigosos;
III – analisar, previamente, os projetos de segurança contra incêndio em edificações,
contra sinistros em áreas de risco e de armazenagem, manipulação e transporte de
produtos perigosos, acompanhar e fiscalizar sua execução, e impor sanções
administrativas estabelecidas em Lei;
IV - realizar perícias de incêndio e de áreas sinistradas no limite de sua competência;
V – colaborar com os órgãos da defesa civil;
VI – exercer a polícia judiciária militar, nos termos de lei federal;
VII – estabelecer a prevenção balneária por salva-vidas; e
VIII – prevenir acidentes e incêndios na orla marítima e fluvial.
77
ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Polícia militar e suas atribuições. Portal Militar. Disponível em :
<http://www.militar.com.br/legisl/_vti_bin/shtml.exe/buscartigosdireito.htm.> Acesso em: 19 ago. 2004.
78
BRASIL, Constituição do estado de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. Sistema de Pesquisa em Folio. v.
2: acervo da jurisprudência catarinense de 1990 a 1999.
[...]
Alguns serviços públicos são próprios do Estado, e somente este deverá prestá-los,
dada sua íntima relação com as atribuições do poder público. Entre estes serviços, encontram-
se a segurança e a polícia, que são serviços públicos prestados com uso de supremacia sobre
os administrados, e portanto, indelegáveis a particulares80.
Como serviço público prestado pelo Estado aos cidadãos, está incluso no capítulo
destinado à segurança pública, no texto da Constituição Federal, como uma de suas formas de
atuação, as atividades concernentes aos Bombeiros Militares. Para melhor compreensão deste
serviço público de relevante valor social, é necessário discorrer sobre a história da defesa civil
no país.
No curso da história, a defesa civil, reconhecida de forma organizada em nosso país a
partir do início da segunda Guerra Mundial, e baseada no modelo elaborado pelos países
europeus, realizava o atendimento das vítimas de bombardeios, explosões, incêndios e outras
catástrofes. Em 26 de agosto de 1942, o governo brasileiro, através do Decreto-Lei nº 4624,
criou o serviço de Defesa Passiva Antiaérea, supervisionado pelo Ministério da Aeronáutica,
com a finalidade de estabelecer a segurança que garantisse a proteção e a vida da população,
bem como a defesa do patrimônio81.
A defesa civil funciona nos níveis federal, estadual e municipal, através de
Conselhos e Departamentos, e como preceitua o Decreto Federal no 895, de 16 de agosto de
79
LAZARINI, Álvaro. In CAHALI, Yussef Said (Coord). Estudos de Direito Administrativo.1.ed. 2. tir. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1996. p.58
80
Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 321.
81
FROTA, José Ananias Duarte. Defesa civil. Portal Militar. Disponível em:
<http://www.militar.com.br/artigos/artigos2002/celduartefrota/defesacivil.htm.> Acesso em: 19 ago. 2004.
1993, a definição de Defesa Civil é: “ o conjunto de ações preventivas, de socorro,
assistenciais e de reconstrução, destinadas a evitar ou minimizar os desastres, preservar o
moral da população e restabelecer a normalidade social”.
A Constituição Federal refere-se à defesa civil e a inclusão do Corpo de Bombeiros
Militares como um dos agentes responsáveis pela sua manutenção em seu Artigo 144, §5º:
A segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos á exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, (...)§ 5° (...) aos corpos de
bombeiros militares, além das atribuições definidas
em lei, incumbe a execução de atividades de Defesa
Civil.
82
FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal, v. 3, 20 ed. Saraiva: São Paulo, 1998, p.475.
segurança da comunidade, nas suas atribuições de prevenção e extinção de
incêndios, busca e salvamento e de Defesa Civil.83
83
LAZZARINI, Álvaro. In CAHALI, Yussef Said (Coord.) Estudos de Direito Administrativo, p. 67.
84
FROTA, José Ananias Duarte. Defesa civil. Portal militar. Disponível em:
<http://www.militar.com.br/artigos/artigos2002/celduartefrota/defesacivil.htm.> Acesso em: 19 ago. 2004.
85
Cf. MEIRELLES, Hely Lopes, Direito administrativo brasileiro, p. 47.
(ratione personae), e a apuração da omissão deste, tipificada no Código Penal Militar (ratione
materiae).
As atividades desenvolvidas pelas corporações dos Bombeiros Militares envolvem a
busca e salvamento, a prevenção e combate a incêndio, entre outras, regidas por leis e
regulamentos específicos. Espera-se do militar que atua neste órgão a pronta atuação, e sua
omissão acarreta não apenas a vitimização do destinatário do serviço público relevante a ser
prestado pelo agente militar, mas infringe também a dignidade da corporação a qual pertence,
pois, a conduta prevista como crime militar tem seus fundamentos baseados na necessidade da
manutenção de uma instituição que defende os interesses do Estado e os grupos nele
representados, envolvendo, portanto, questões de ordem nacional. A jurisprudência do
Tribunal de Justiça do estado de Santa Catarina manifesta-se sobre o tema no seguinte
acórdão:
Nos crimes cometidos por militares, a conduta
realizada pode denotar a inadequação do agente com
os valores éticos necessários ao exercício daquela
função pública. Estes servidores são elementos de
suma importância para assegurar a ordem e a paz
social, pois, sua missão é preservar a segurança
jurídica, através da prevenção e repressão dos
desvios ilícitos da conduta. Por isso, cobra-se destes
servidores um comportamento adequado à função e
o respeito pela norma jurídica, ainda mais porque
são responsáveis pela exigência da conduta correta
dos demais cidadãos.86
Ainda, no estatuto dos Policiais Militares, as obrigações são ditadas pela dedicação
integral ao Estado, cumprindo o papel de fiel servidor da Pátria e pela manutenção da ordem
86
Perda de graduação- Acórdão número 97.012216-0, da Capital. Rel. Desembargador Álvaro Wandelli. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Jurisprudência Catarinense. Florianópolis, 1999. Sistema de Pesquisa
em Folio. v. 2: acervo da jurisprudência catarinense de 1990 a 1999.
87
PACHECO, Sydnei Alves. O policial militar em ação. Florianópolis: Adjuris, 1987, p. 22.
pública, com “sacrifício da própria vida”, conforme as palavras de Sydnei Alves Pacheco 88. A
sociedade deposita confiança nestes profissionais e o Estado os tem como defensores daquela.
Ora, se ao bombeiro militar é confiada tal função na sociedade, a severidade da punição aos
crimes por este cometido é esperada, pois que para o Direito Penal Militar e a justiça castrense
os interesses do Estado estão acima dos interesses individuais, militares ou civis, e nos dizeres
de José Luiz Dias Campos Júnior, se sobrepõem a própria vida, e citando Álvaro Mayrink da
Costa:
O Direito Penal comum tutela como fundamental o direito à vida, mas o Direito
castrense pune, severamente, por crime de covardia, o militar que, em determinadas
circunstâncias, deixa de enfrentar a eventualidade do sacrifício supremo.89
A omissão, como forma delitiva, é um tema que tem gerado muitas discussões e
controvérsias. Não pode ser tida como uma “contra -ação”, no sentido de inércia, posto que
sua compreensão seria impossível em face das previsões legais90. Para Álvaro Mayrink da
Costa
(...) Todavia, quando se entende que a omissão é efeito de uma conduta humana, e
por tal natural, sua essência naturalística é evidente, pela irrelutável lei da
conseqüência. O homicídio pe um conceito normativo, mas é primeiramente um
conceito naturalístico. Não se pode contestar a natureza física da omissão, como
evento resultante de uma conduta física e natural. É uma realidade objetiva, e como
evento, é um conceito natural e normativo.91
88
Cf. PACHECO. Sydnei Alves., p. 36.
89
CAMPOS JÚNIOR. José Luiz Dias, Direito penal e Justiça Militares, p. 185.
90
COSTA, Álvaro Mayrink da. Crime militar. Rio de Janeiro: Rio, 1979. p. 77-80.
91
COSTA, Álvaro Mayrink da, Crime militar , p. 79.
de alguma forma, a responsabilidade de impedir o resultado danoso, e também aquele agente
que com seu comportamento anterior criou o risco para a ocorrência do fato.
A Lei n. 6.218, de 1983, que dispõe sobre o Estatuto dos Policiais Militares do
Estado de Santa Catarina, indica o conjunto de valores racionais e morais que devem ser
observados pelos policiais militares. É o teor do artigo 29 da referida lei:
O sentimento de dever, o pundonor policial militar e
o decoro de classe impõem a cada um dos
integrantes da Polícia Militar, conduta moral e
profissional irrepreensível, com a observância dos
seguintes preceitos de ética Policial Militar:
I — Amor à verdade e à responsabilidade como fundamento da dignidade pessoal;
II — Exercer, com autoridade, eficiência e probidade as funções que lhe couberem
em decorrência do cargo;
III — Respeitar a dignidade da pessoa humana.
Ao deixar de agir quando obrigado por lei e no exercício de sua função, o militar
infringe não apenas a norma comum, exigível de qualquer cidadão, mas também o próprio
decoro de classe exigido de um servidor militar que tem obrigação de zelar pela integridade
física e moral dos demais membros da sociedade.
Destaca-se ainda que o bombeiro militar é um servidor público, e como tal, nos
crimes praticados por omissão, cause danos a terceiros, transferirá à Administração incorrerá
a Administração da teoria do risco administrativo, não obstante possa intentar ação regressiva
contra o agente militar causador. Cabe então a pena principal e as conseqüências legais dos
atos praticados pelo Bombeiro militar.
O bombeiro militar, assim como a polícia militar, possui ampla competência na
preservação da ordem pública. A sociedade espera deste profissional maior dedicação do que
exigiria de outros servidores. Tanto é que esta competência engloba obrigações específicas
dos demais órgãos policiais, quando impossibilitados de atuar, quer por falência operacional
(a exemplo das greves e outras causas), a organização militar estadual é a verdadeira força
pública da sociedade. Nas palavras de Álvaro Lazarini:
(...) as Polícias Militares constituem os órgãos de preservação da ordem pública
para todo o universo da atividade policial em tema de ordem pública e,
especificamente, da segurança pública92
92
LAZARINI, Álvaro, In CAHALI, Yussef Said (Coord.) Estudos de Direito Administrativo, p. 61.
responderão perante a jurisdição penal militar, pois que a conduta omissiva acarreta danos não
somente aos destinatários do serviço público, como também ao prestígio da corporação
militar, como instituição que preza pela conservação da hierarquia e disciplina.
É importante ressaltar que ao militar processado perante a justiça castrense não lhe
são excluídas as garantias constitucionais amplamente asseguradas a todos os cidadãos.
Devido às particularidades de sua profissão, o bombeiro militar está sujeito a diversos
regramentos rigorosos, mas também devem ser assegurados os seus direitos e garantias
fundamentais, como indicação de respeito à lei e a ordem jurídica do Estado Democrático de
Direito, e a persecução penal, mesmo na seara militar, deverá pautar-se por estes princípios.
Assim, lhe é assegurado também as excludentes de ilicitude, previstas tanto na legislação
penal comum quanto na lei penal especial. Os artigos 38 e 39 do Código Penal Militar
estabelecem acerca das excludentes de ilicitude:
Não é culpado quem comete o crime:
a) sob coação irresistível ou que lhe suprima a faculdade de agir segundo a própria
vontade;
b) em estrita obediência a ordem direta de superior hierárquico, em matéria de
serviços.
[...]
Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem
está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e
atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio,
ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoavelmente
exigível conduta diversa.
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