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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII


CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A RESPONSABILIDADE PENAL DOS BOMBEIROS MILITARES NOS


CRIMES COMISSIVOS POR OMISSÃO

Monografia apresentada como requisito parcial para


obtenção do grau de bacharel em Direito na
Universidade do Vale do Itajaí

ACADÊMICO: ANDERSOM MARTINS CARDOSO

São José (SC), de outubro de 2004.


UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A RESPONSABILIDADE PENAL DOS BOMBEIROS MILITARES POR


CRIMES COMISSIVOS POR OMISSÃO
Monografia apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob
orientação do Prof. msc. Giovani da Paula.

ACADÊMICO: ANDERSOM MARTINS CARDOSO

São José (SC), outubro de 2004.


UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A RESPONSABILIDADE PENAL DO BOMBEIRO MILITAR NOS


CRIMES COMISSIVOS POR OMISSÃO

ANDERSOM MARTINS CARDOSO

A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em
Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

São José, «dia da defesa»

Banca Examinadora:

_______________________________________________________
Prof. Giovani de Paula - Orientador

_______________________________________________________
Prof.Eduardo Mendonça- Membro

_______________________________________________________
Profa. Érica Lourenço- Membro
Dedico esta pesquisa à minha família,
em especial aos meus filhos Lucas e Leonardo,
e minha esposa, Christiane,
pelos momentos de minha ausência na persecução dos nossos sonhos.
AGRADECIMENTOS

Aos professores, pela atenção e o incentivo diário na busca pelo conhecimento,


em especial ao meu orientador, Prof. Giovani de Paula, não apenas um Mestre, mas um
profissional que serve à mesma honrosa instituição da qual faço parte, a Instituição Militar do
Estado de Santa Catarina.
A todos aqueles que, de uma maneira direta ou indireta, contribuíram para a
realização desta pesquisa, em especial as servidoras da Biblioteca do Tribunal de Justiça de
Santa Catarina.
“Senhor, umas casas existem, no vosso reino onde homens vivem em comum, comendo do
mesmo alimento, dormindo em leitos iguais. De manhã, a um toque de corneta se levantam
para obedecer. De noite, a outro toque de corneta se deitam, obedecendo. Da vontade fizeram
renuncia como da vida. Seu nome é Sacrifício. Por ofício desprezam a morte e o sofrimento
físico. Seus pecados mesmo são generosos, facilmente esplêndidos. A beleza de suas ações é
tão grande que os poetas não se cansam de celebrar.
Quando eles passam juntos, fazendo barulho, os corações mais cansados sentem estremecer
alguma coisa dentro de
si. A gente conhece-os por militares...

Corações mesquinhos lançam-lhes em rosto o pão que comem; como se os cobres do pré
pudessem pagar a Liberdade e a Vida. Publicistas de vista curta acham-nos caros demais,
como se alguma coisa houvesse mais cara que a servidão. Eles, porém, calados, continuam
guardando a Nação do estrangeiro e de si mesma. Pelo preço de sua sujeição eles compram a
liberdade para todos e defendem da invasão estranha e do jugo das paixões. Se a força das
coisas os impede agora de fazer em rigor tudo isto, algum dia o fizeram,
algum dia o farão. E, desde hoje, é como se fizessem. Porque por definição o homem da
guerra é nobre. E quando ele se põe em marcha, à sua esquerda vai a coragem, e à sua direita
a disciplina."

(Trecho da carta escrita por Moniz Barreto, em 1893, publicada no jornal do Exército de
Portugal, nº 306)
SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................................................ 7
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 8
1 A ORGANIZAÇÃO MILITAR..................................................................................... 9
1.1 DIVISÃO DA ORGANIZAÇÃO MILITAR................................................................. 12
1.1.1 Forças Armadas.......................................................................................................... 16
1.1.2 Forças Auxiliares: Policia Militar e Corpo de Bombeiros Militares........................... 16

2 JUSTIÇA PENAL MILITAR......................................................................................... 21


2.1 HISTÓRICO DA JUSTIÇA PENAL MILITAR............................................................ 22
2.2 JUSTIÇA PENAL MILITAR NOS ESTADOS-MEMBROS....................................... 23
2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À JUSTIÇA CASTRENSE........ 24
2.4 O DIREITO PENAL MILITAR E O DIREITO PENAL COMUM.............................. 26

3 CRIMES COMISSIVOS POR OMISSÃO PRATICADOS POR BOMBEIROS


MILITARES....................................................................................................................... 28
3.1 O CRIME MILITAR...................................................................................................... 28
3.2 O CRIME COMISSIVO POR OMISSÃO..................................................................... 31
3.2.1 Os crimes militares próprios e a omissão imprópria (crimes comissivos por
omissão)............................................................................................................................... 33
3.3 OS CORPOS DE BOMBEIROS MILITARES.............................................................. 33
3.3.1 Histórico...................................................................................................................... 33
3.3.2 Serviço público prestado pelos bombeiros militares................................................... 35
3.3.3 Crimes omissivos praticados por Bombeiros Militares.............................................. 37
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 43
RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo contextualizar a responsabilidade penal do bombeiro


militar nos crimes omissivos previstos na legislação penal militar. Parte-se da hipótese de que
o bombeiro militar, como prestador de um serviço público relevante, coloca-se na situação de
garantidor, ou seja, aquele que tem a obrigação de garantir a não realização de um
determinado resultado, analisando-se as disposições no Código Penal Militar acerca da
omissão como causa da existência de crime. Além de discorrer sobre a organização militar nas
esferas estadual e federal, também são abordados alguns aspectos da estrutura da Justiça
Militar. Como resultado, constata-se que o bombeiro militar está vinculado a uma instituição
rígida e regrada por princípios inerentes à própria existência do Estado, e manutenção da
justiça penal militar faz-se necessária, pois os bens jurídicos relevantes a este ramo do Direito
vão além daqueles protegidos pelo Direito Penal comum. Desta forma, os crimes omissivos
praticados por integrantes de corporações de bombeiros militares no exercício de suas
atribuições atingem não somente os interesses particulares, ou de ordem pública, mas também
ferem a própria instituição militar, norteada pela hierarquia e disciplina, pelo que devem ser
legalmente punidos. Porém, na persecução penal, mesmo na seara militar, devem ser
resguardados os princípios constitucionais amplamente assegurados a todos os brasileiros,
sejam civis ou militares.
INTRODUÇÃO

O surgimento e a evolução das corporações dos bombeiros militares estão diretamente

ligados com as grandes tragédias vividas pela humanidade ao longo da história. A

organização das sociedades e a estatização das atividades de socorro público fizeram surgir no

seio da organização militar estas corporações que, baseadas nos pilares institucionais da

hierarquia e da disciplina, foram se desenvolvendo paralelamente ao surgimento de grandes

patrimônios privados e na multiplicação dos bens públicos, disso decorrendo a necessidade de

sua proteção.

Os integrantes das corporações de bombeiros militares estão submetidos ao

ordenamento previsto na legislação penal militar, área esta do Direito que merece um estudo

mais acurado, pois em geral, seus aplicadores se restringem à escassa doutrina existente sobre

o tema. Especificá-la ainda mais dirigindo os estudos a uma parte dos integrantes da

organização militar, qual seja, aos bombeiros militares, permite que apenas parte deste

universo seja compreendida.

A legislação castrense conta com poucas obras dedicadas ao estudo das questões

criminais no âmbito militar, apesar de distribuir-se de forma ampla às áreas federal e estadual.

Portanto, a importância da presente pesquisa é a de ressaltar a responsabilidade penal dos

bombeiros militares, dando destaque à relevância do serviço público por estes prestados, já

que a sociedade percebe estes profissionais, tradicionalmente, como exemplos heróicos de

solidariedade humana.
O crime, na seara castrense, é tido como infração a bens jurídicos diversos dos

previstos na legislação penal comum, muito embora algumas vezes possam ter

correspondência, mas para o direito militar o bem a ser protegido ultrapassa o interesse

individual, atingindo a própria soberania do Estado, que tem em suas forças militares, sejam

as federais ou estaduais, a imposição necessária para firmar-se perante a sociedade das

nações.

Assim, evidencia-se a necessidade de se conhecer a organização militar,

compreendendo seus fundamentos e objetivos e, em especial, a jurisdição castrense, bem

como a previsão do crime por omissão praticado por integrante dos Corpos de Bombeiros

Militares, integrantes da segurança pública e guardiães da defesa civil.

O objetivo da presente pesquisa é trazer a lume um universo pouco explorado

juridicamente, mas que comporta controvérsias legais e constitucionais, quando analisado à

luz dos direitos e garantias fundamentais assegurados aos cidadãos brasileiros.

Pretende-se ressaltar a importância de se conhecer as normas aplicáveis aos

integrantes de uma instituição que convive mui próxima da sociedade, e que presta serviços

de natureza relevante e de grande valor ético e social.

A metodologia empregada nesta pesquisa é a dedutiva, assim compreendida pela

proposição de uma formulação geral, qual seja, a organização militar e sua previsão

constitucional e legal e, a partir desta constatação, pormenorizar o direito aplicável aos

integrantes de uma parte desta grande organização, qual seja, os Corpos de Bombeiros

Militares. Para tanto, usa-se, como técnica de pesquisa, a documentação indireta,

consubstanciada na própria Constituição Federal de 1988 e no Código Penal Militar, e alguns

julgados sobre o assunto, sendo estas fontes primárias. Como fontes secundárias, a presente

pesquisa baseou-se em livros e artigos sobre o tema.


A estrutura da presente pesquisa está divida em três capítulos, sendo que no primeiro

momento propõe-se uma breve explanação sobre a organização militar no contexto nacional e

estadual, a seguir as corporações dos bombeiros militares, seu histórico e suas atribuições.

No segundo capítulo, está abordada a Justiça Militar, seu histórico e previsão

constitucional desta especial área do Direito. Faz-se uma separação entre a jurisdição militar

federal e a estadual, pois é a esta última que compete o processo e julgamento dos bombeiros

militares. Também neste capítulo discorre-se sobre importantes princípios constitucionais

aplicáveis ao Direito militar.

No terceiro capítulo, busca-se esclarecer algumas particularidades do crime militar, sua

conceituação e suas modalidades (própria e imprópria), bem como a conduta omissiva dos

integrantes das corporações militares, em especial, dos bombeiros militares, demonstrando-se

as conseqüências jurídicas das condutas omissivas dentro do panorama da legislação penal

militar e da aplicação dos princípios constitucionais aplicáveis ao Direito Penal.


1 A ORGANIZAÇÃO MILITAR

O Direito Militar é um ramo jurídico pouco divulgado, conquistando espaço a partir


do advento da Constituição Federal de 1988. A nova ordem constitucional ampliou o conceito
da organização militar, constituída pela Marinha, Exército e Aeronáutica, intituladas Forças
Armadas, sendo seus integrantes denominados militares federais, inserindo também em seu
contexto os integrantes das Polícias Militares e do Corpo de Bombeiros Militares, como
forças auxiliares provenientes dos Estados-membros, e por isso, ditos militares estaduais1.
Conforme dispõe o parágrafo 6º do artigo 144, da Constituição Federal2:
As polícias militares e corpos de bombeiro militares, forças auxiliares e reserva do
Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos
estados, Distrito Federal e dos Territórios.

Assim, a organização militar está dividida em duas esferas: a federal, cuja função é a
preservação da segurança nacional em todo o território brasileiro, mormente sob ameaça
externa; e estadual, responsável pela preservação da ordem pública em seus três aspectos,
quais sejam, a segurança pública, a salubridade pública e a tranqüilidade 3. Ambas estão
submetidas aos mesmos princípios norteadores da hierarquia e da disciplina, descritas na
Carta Magna, e destinadas à garantia da lei e da ordem, e da defesa do país.
Para o mundo civil, o universo militar sempre se mostrou de forma estranha e oculta,
muito embora o Direito Militar tenha evoluído com o panorama do direito pátrio, é latente o
desconhecimento acerca de algumas particularidades e peculiaridades militares. Isto se dá por
conta, também, das escassas fontes de consulta e até mesmo a sobrevivência de certas idéias
que no passado fizeram da jurisprudência castrense uma espécie de círculo fechado, que só
aos militares interessaria, sendo esta a causa principal do alheamento da maioria dos
doutrinadores aos importantes temas do Direito Militar4.

1
Cf. ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Aplicação dos princípios constitucionais no Direito Militar In CORREA,
Getúlio (Org.). Direito Militar: artigos inéditos. Florianópolis: Associação dos magistrados das justiças
militares estaduais, 2002, p. 115.
2
BRASIL, Constituição Federal, 3.ed., Barueri: Manole, 2004.
3
Cf. ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues, In CORREA, Getúlio (Org.). Direito Militar: artigos inéditos, p. 115.
4
Cf. SILVEIRA, Renato de Mello; Silveira, Otávio Leitão. Apud: CAMPOS JÚNIOR. José Luiz Dias. Direito
penal e Justiça Militares. Curitiba: Juruá, 2001, p. 30.
Este ramo especial do direito brasileiro está dividido, em razão de sua natureza
pública, entre o direito administrativo militar, ou disciplinar militar, direito penal militar e o
direito processual penal militar, e precipuamente, vinculado aos ditames da ordem
constitucional vigente.5
Em relação ao militar, individualmente considerado, vê-se que este está
constantemente sujeito ao cumprimento de regras muito rígidas, em decorrência das
particularidades da profissão que exerce. A Constituição Federal não inclui literalmente o
militar como servidor público, e na análise de José Afonso da Silva, as alterações introduzidas
pela Emenda Constitucional 18 de 1998, retiraram dos militares a condição de servidores
militares,
A intenção confessada foi a de tirar dos militares o conceito de servidores públicos que
a Constituição lhes dava, visando com isso fugir ao vínculo que aos servidores civis que esta
lhes impunha. Formalmente, deixaram de ser conceituados como servidores militares.6

O autor assevera que os militares não deixaram de ser servidores públicos, na acepção
do termo, pois no sentido mais amplo, continuam sendo agentes públicos. Apenas o legislador
constituinte quis separá-los dos servidores civis, posto que o regime jurídico dos militares é
muito diferente daqueles7, contando, inclusive, com leis penais diferenciadas, incorporadas no
Decreto-lei 1001, de 21 de outubro de 1969, conhecido como Código Penal Militar. Esta
diferenciação não se origina em privilégio dispensado aos militares, mas sim uma “excepção
(sic) de severidade e não de favor”8, nas palavras de João Vieira de Araújo.
Em diversas passagens da Constituição Federal pode-se notar a diversidade de
tratamento a civis e militares, podendo-se perceber até mesmo um certo conflito entre
disposições e princípios constitucionalmente assegurados a todos os brasileiros, e a rígida
condução da ordem no âmbito castrense, baseada na hierarquia e disciplina. Esta diversidade
de tratamento, que no texto constitucional pode-se perceber pelas ressalvas que excetuam a
categoria militar ao gozo de determinados direitos e garantias fundamentais, pode ser
constatada quando da leitura dos artigos que se referem à vedação imposta quanto à
sindicalização dos militares, a proibição do direito de greve e filiação político-partidária,
enquanto estiverem prestando serviço efetivo, ou seja, no serviço ativo da corporação. Ainda,

5
ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. In: CORREA, Getúlio (Org). Direito Militar:artigos inédito, p. 115-119.
6
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 682.
7
Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 682.
8
CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 182.
pode-se citar, entre outros direitos amplamente dispensados aos civis e obstados aos militares,
a garantia constitucional do habeas corpus, nas questões que envolvam delitos corporativos.
Este se encontra sumulado pelo Supremo Tribunal Federal: “694 - Não cabe habeas corpus
contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função
pública”9.
Estas limitações, tidas como exceções prescritas na Carta Magna, são defendidas por
juristas filiados ao entendimento de Diógenes Gasparini, que enuncia acerca destas exceções
constitucionais:
Tais proibições são necessárias à ordem e à hierarquia da instituição, porque só
assim a defesa da nação e da ordem pública pode acontecer efetivamente. 10

Ainda, o autor José Cretella Júnior ressalta, especificamente sobre a vedação da


associação sindical por parte dos militares:
Não tem sentido que o militar, pertencente a uma
organização fundada, por excelência, em rígida
hierarquia, tivesse direito de filiar-se a sindicatos
que, em nome do filiado, investissem contra entidade que
tem por objetivo a defesa da ordem pública. 11

E arremata o autor Jorge de Miranda, sobre os cerceamentos constitucionais aos


militares e sua justificativa no tratamento diferenciado:
Existe uma tensão insuprimível entre liberdade e
igualdade. (...) E torna-se recorrente nas sociedades
pluralistas e contemporâneas a procura de um
equilíbrio tanto entre igualdade e aquilo a que se
vem chamando direito à diferença como entre bem
comum e interesses de grupo.12

Como dito anteriormente, a nova ordem constitucional fez brotar novos debates sobre
a organização militar. Porém, o que causa mais controvérsias no âmbito administrativo e penal,
é a interpretação do artigo 5º da Carta Magna, que determina a igualdade de todos perante a lei,
e o tratamento diferenciado dado ao militar, que longe de ser considerado como um privilégio,
tem como característica o rigor e a limitação de direitos. O militar não goza de certos direitos
garantidos aos civis que vivem sob as leis do país.

9
NOVAS SÚMULAS DO STF. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 26 mar. 2004.
10
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 4ª. ed. rev. e amp. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 127.
11
CRETELLA JÚNIOR. José. Comentários à constituição de 1988. v. 5. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1992.p.2901.
12
MIRANDA, Jorge.Apud CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 184.
Para José Luiz Dias Campos Júnior, os direitos e prerrogativas cerceadas aos
militares no texto constitucional não foram tolhidos da classe, pois eles sequer existem, já que
foram, em muitos casos, explicitamente excetuados no próprio corpo da lei. Ocorre que
somente a Constituição Federal é que pode permitir restrições a alguns direitos e garantias
fundamentais, o que o fez a Carta Magna de 1988, ao proibir a sindicalização e a greve
militar, a concessão de habeas corpus ao integrante da instituição militar nas transgressões e
crimes propriamente militares, entre outras13.
A justificativa para este tratamento diferenciado e mais rígido repousa no interesse
público que determina a atuação do militar: é a relevância constitucional e incumbência da
manutenção da ordem pública e da segurança nacional confiadas ao militar, que enrijece as
leis destinadas a este, deste seu nascedouro, qual seja, a Constituição Federal, até as normas
de pronta aplicação.
A igualdade entre civis e militares deve ser assegurada dentro dos limites impostos
pela Constituição Federal, que deve ser interpretada como um todo, homogeneamente, e não
em artigos isolados e restritivos. É que diz José Afonso da Silva, em relação a forma de
interpretar o texto constitucional:
[...] esse estudo sistematizado não há de ser tomado em sentido estrito de mera
exposição do conteúdo dessas normas e regras fundamentais. Compreendera
também a investigação de seu valor, sua eficácia, o que envolve critérios estimativos
de interpretação, sempre correlacionando os esquemas normativos escritos, ou
costumeiros, com a dinâmica sócio-cultural que os informa.14

A igualdade prevista constitucionalmente e garantida a todo o cidadão brasileiro,


estende-se ao militar, nos limites determinados pela própria Carta Magna, e deve ser exercida
sem nenhuma limitação de ordem estrutural, resguardando-se o respeito à ordem jurídica e
aos demais direitos fundamentais, como, a propósito, sempre deve ocorrer com o exercício de
todo e qualquer direito, sob pena de não sê-lo. É o que adverte Joilson Fernandes de Gouveia:
Dessarte, exsurge que servidor público militar não pode e não deve ser considerado
uma subespécie de ser humano ou entendido como um cidadão de 2ª. classe. Ele é
um cidadão igual a qualquer outro ser humano; não é, pois, subespécie do gênero
humano. Muito pelo contrário, é um cidadão com um plus, posto que assume o
tributo do sangue com o sacrifício da própria vida, no cumprimento do seu dever
profissional, para assegurar que os demais servidores e cidadãos tenham preservadas
a incolumidade física e patrimonial, a tranqüilidade, a ordem e segurança públicas. 15

13
Cf. CAMPOS JÚNIOR. Direito penal e Justiça Militares, p. 187.
14
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, p. 35.
15
GOUVEIA, Joilson Fernandes de. Os servidores públicos militares e os vetos constitucionais . Jus Navigandi,
Teresina, a. 2, n. 25, jun. 1998. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1579>. Acesso
em: 03 jul. 2004.
Nos processos administrativos militares, bem como nos de investigação criminal na
seara castrense, alguns desconhecedores da lei têm usurpado as garantias constitucionais,
limitando-as em nome da hierarquia e da disciplina. Salienta-se que estes princípios
fundamentais podem ser observados dentro das corporações militares, sem a necessidade de
violação dos preceitos esculpidos na Constituição Federal, bastando que o administrador, ou o
operador do direito que milita na justiça castrense entenda que a partir da promulgação da
nova ordem constitucional, em 05 de outubro de 1988, o direito administrativo passou por
profundas modificações e estas alcançam também a área militar. As normas militares, por sua
vez, devem respeito à Constituição Federal, que no sistema jurídico encontra-se no ápice da
hierarquia das leis. Não existe direito ou lei que possa estar acima da Constituição Federal, e
ao militar devem ser asseguradas as mesmas garantias previstas na Lei Maior a todo e
qualquer cidadão, conhecidos como cláusulas pétreas e que se referem especialmente à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade de todos os cidadãos que residem no
território brasileiro, pois disto depende o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

1.1 DIVISÃO DA ORGANIZAÇÃO MILITAR

As corporações militares estão divididas conforme o ente político a que estão


submetidas. Assim, à União estão vinculadas às Forças Armadas, constituída pela Marinha,
Exército e Aeronáutica; aos Estados-membros, Distrito Federal e Territórios estão vinculadas
as Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, que são consideradas forças de
reserva e auxiliares das Forças Armadas. É de notar-se que também a forma de ingresso no
serviço militar é distinta nas duas esferas governamentais.

1.1.1 Forças Armadas

A Constituição Federal delineia aos aspectos relativos às Forças Armadas,


constituída pela Marinha, Exército e Aeronáutica, qualificando-a como instituição necessária
à defesa do Estado, conforme Artigo 142:
As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo
Exército e pela Aeronáutica, são instituições
nacionais permanentes e regulares, organizadas com
base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República, e destinam-se à
defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes,
da lei e da ordem.

Por “instituições nacionais”, entende-se que a estas a Constituição Federal conferiu a


importância e relativa autonomia jurídica decorrente de seu caráter institucional16. Esta
relativa autonomia objetiva limitar a instituição militar ao cumprimento de suas funções
institucionalmente previstas, de forma a evitar o que na história se conhece pela desastrosa
interferência no processo político, com perniciosos resultados para a vida política, econômica
e social do país.17
Como instituições nacionais, permanentes e regulares, estão vinculadas à própria
vida e existência do Estado18, não podendo ser dissolvidas, salvo decisão de uma nova
Assembléia Nacional Constituinte, e devem sempre contar com um efetivo suficiente para o
seu funcionamento e cumprimento de sua missão institucional.
Às Forças Armadas compete a defesa das fronteiras e a segurança nacional, e em
razão de sua missão defensiva e como garantidora da soberania nacional em face da sociedade
de nações, sempre foi dedicada a esta instituição um destaque especial nas constituições, o
mesmo ocorrendo na Carta Magna de 198819.
As Forças Armadas estão subordinadas hierarquicamente ao Presidente da República
e, dentro de cada uma de suas instituições, existe o vínculo de subordinação e graduação, um
escalonamento hierárquico que lhe é peculiar. Para a manutenção deste escalonamento é
necessária a manutenção da disciplina, atribuindo aos superiores o poder de impor ordens e
condutas aos subordinados localizados nas esferas inferiores, sendo seus integrantes, portanto,
submetidos ao dever de obediência aos superiores. Nas palavras de Seabra Fagundes:
Onde há hierarquia, com superposição de vontades, há, correlativamente, uma
relação de sujeição objetiva, que se traduz na disciplina, isto é, no rigoroso
acatamento pelos elementos dos graus inferiores da pirâmide hierárquica, às ordens,
normativas ou individuais, emanadas dos órgãos superiores. A disciplina é, assim,
um corolário de toda organização hierárquica.20

16
Cf SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, p. 752.
17
NOVA ENCICLOPÉDIA BARSA, militarismo, vol. 10, 6. ed. São Paulo: Ed. Barsa Planeta, 2002, p. 34-35.
18
Cf. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, p. 752.
19
Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 752-753.
20
FAGUNDES, Seabra. Apud SILVA, José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo, p. 753.
A forma de manter-se o efetivo das Forças Armadas dá-se, de regra, através do
recrutamento, também previsto na Constituição Federal, tido como obrigatório e imponível a
todos os brasileiros, conforme já preceituava a Constituição Federal de 1891, e que através de
campanha promovida pelo então poeta Olavo Bilac, torna-se efetivamente obrigatório o
serviço militar. A única exceção prevista na Constituição Federal diz respeito à escusa de
consciência, que impõe assim a prestação alternativa. José Afonso da Silva diz sobre esta
obrigatoriedade
Pode parecer estranho que a Constituição Federal tenha que determinar a
obrigatoriedade de serviços destinados a defesa da Pátria a todos os brasileiros, dado
que esta defesa já decorreria da própria situação de cada um em função de sua
exclusiva pertinência à comunidade nacional, o que em si, implica a necessidade
ética de cada membro dessa comunidade lutar por sua sobrevivência contra qualquer
inimigo.21

Através do recrutamento, o indivíduo presta serviços militares incorporando-se às


fileiras de tropas, tiros de guerra ou cursos de preparação de oficiais da reserva, e depois de
determinado lapso de tempo, é desincorporado, adquirindo a qualidade de reservista ou oficial
de Reversa22.
Outra forma de ingresso no serviço público militar é o concurso. Este é utilizado
excepcionalmente, sendo regulamentado pela respectiva Arma, qual seja, a Marinha, Exército
ou Aeronáutica.
As Forças Armadas, como integrantes da organização militar do país, são instituições
vinculadas ao Poder Executivo Federal e são incumbidas da defesa do Estado e a garantia dos
poderes constitucionais, face às agressões estrangeiras. Eventualmente, podem interferir na
defesa da lei e da ordem pública, dependendo de convocação de representante dos poderes
constitucionais, posto que a manutenção da ordem interna do país é de competência das forças
auxiliares de segurança pública.

1.1.2 Forças Auxiliares: Policia Militar e Corpo de Bombeiros Militares

As forças auxiliares previstas no artigo 144, § 6º, da Constituição Federal, são


constituídas pelas Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, e seus integrantes estão
subordinados ao Chefe do Executivo estadual, ou seja, devem obediência ao Governador do

21
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, p. 755.
22
Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 755.
Estado e do Distrito Federal, ou Governador do Território. Por disposição do artigo 144, § 5º,
a Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militares são responsáveis nas cidades e nos Estados-
membros da Federação pelo policiamento ostensivo e preventivo, que é exercido com
exclusividade por essas corporações23, a prevenção e combate a incêndios, busca e
salvamentos, entre outras atribuições concernentes à defesa civil. O termo “defesa civil”
compreende o conjunto de ações preventivas, de socorro, assistenciais e recuperativas,
destinadas a evitar ou mitigar os desastres, preservar o moral da população e restabelecer a
normalidade social24
Os Policiais Militares e o Corpo de Bombeiros Militares, assim como ocorre com os
integrantes das Forças Armadas, estão sujeitos ao princípio da hierarquia e da disciplina,
sujeitando-se pelo seu descumprimento as penalidades previstas em lei. Sobre esta submissão
a tais pilares constitucionais, discorre José Luiz Dias Campos Júnior:
A condição de militares dos integrantes das Polícias Militares e Corpos de
Bombeiros Militares, pelo exercício constante da hierarquia e da disciplina, longe de
se constituir numa incoveniência, é fundamental ao desempenho das corporações,
como garantia de respeito aos direitos individuais e coletivos e como instrumento
eficaz de realização do sistema de defesa do país. Seus regulamentos auxiliam na
correção das atitudes aos que apresentam desvios de conduta.25

Sobre a hierarquia, assim conceitua Pontes de Miranda


(...) é conceito relativo a círculo dentro do qual ela se exerce. Não alude à
governação, comando efetivo, a kratos (autocracia, democracia, aristocracia), e sim
a archos ( monarquia, oligarquia, anarquia), que significa ser guia, posição, algo de
topológico em escalonamento.26

No universo castrense, a hierarquia expressa as diversas categorias de comando que


constituem o escalão, e tem neste meio características particulares, de maior firmeza, maior
coesão e o espírito e moral superiores, sendo uma “relação incessante de mando e obediência
entre pessoas verticalmente ordenadas, operando-se de cima para baixo, do mais graduado ao
mais inferior”27. É a subordinação que fundamenta hierarquia, que está calcada na relação de
ordem administrativa e jurídica que existe entre pessoas subordinadas umas as outras em
razão de suas funções na corporação militar. A hierarquia é uma dos pilares constitucionais da
organização militar, e ausente a subordinação e a obediência, a própria instituição militar

23
Cf. RODRIGUES ROSA, Paulo Tadeu. Polícia militar e suas atribuições. Disponível em :
<http://www.militar.com.br/legisl/_vti_bin/shtml.exe/buscartigosdireito.htm.> Acesso em: 03 jul. 2004.
24
Cf FROTA, José Ananias Duarte. Defesa civil. Portal Militar. Disponível em:
<http://www.militar.com.br/artigos/artigos2002/celduartefrota/defesacivil.htm.> Acesso em: 19 ago. 2004..
25
CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 147.
26
MIRANDA, Pontes. Comentários à constituição de 1967. Tomo 3, São Paulo: Saraiva, 1987, p. 385.
27
CAMPOS JÚNIOR. José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 130-131.
torna-se propensa à dissolução. As Forças Armadas e as forças auxiliares não são uma
associação igualitária, mas sim hierarquizada, através dos postos militares e funções dos
respectivos serviços. E a subordinação decorrente da obediência hierárquica é que garante a
coesão dos integrantes da corporação e sua agilidade no exercício das atividades
constitucionalmente atribuídas28. Nas palavras de Esmeraldino Bandeira:
Hierarquia militar é a relação de ordem administrativa e jurídica, que existe entre
pessoas subordinadas umas as outras em razão de seus postos e funções na
corporação militar.29

Já a disciplina, no âmbito do Direito Militar, diz respeito à rigorosa observância da


lei e das ordens superiores. Consta no Estatuto dos Militares, consubstanciado na Lei 6880/80:
Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos
normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu
funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do
dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo.30

O princípio da disciplina é consectário do princípio da hierarquia, e aperfeiçoa a


relação hierárquica à medida que tem na obediência aos superiores sua viga mestra. Somente
se é obrigado a obedecer a quem tem o poder hierárquico, e esta sujeição ao superior se traduz
na disciplina, consubstanciada no rigoroso acatamento às ordens emanadas dos superiores, e
constitui, dentro do universo castrense, uma regra de vida, e considerada uma virtude capital,
indispensável à ordem militar31.
E Crysolito de Gusmão encerra definindo-a como
(...)fructo d’uma educação paulatina, gradativa e diuturna, em que a nação armada
transmitte aos seus cidadãos o conjuncto de deveres finalísticamente tendentes a lhe
preparar a victoria, por meio da formação d’um organismo vivo , e não d’uma
organisação passivamente obediente e feita e trabalhada pelo temor e a punição;
(...) é a consequencia d’uma ininterrupta educação especifica, de modo a infundir e
intensificar esse social equilíbrio disciplinador que o cidadão já desde os lares da
sociedade civil.32

Tendo a hierarquia e disciplina como princípios e fundamentos, a polícia militarizada


atuante no âmbito estadual visa garantir a segurança pública, conforme dispõe a Constituição
Federal. Esta segurança, nas palavras de José Afonso da Silva, diz respeito à “atividade de

28
Cf. CAMPOS JÚNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 129-131.
29
CAMPOS JÚNIOR. José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 13.
30
Artigo 14, § 2º, da Lei 6880/80. Estatuto dos Militares. In CD Romm Direito Militar 1. CESDIM- Centro de
Estudos de Direito Militar.
31
Cf. CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 135-141.
32
GUSMÃO. Chrysolito. Apud CAMPOS JÚNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 141.
vigilância, prevenção e repressão de condutas delituosas” 33, sendo que o intento do legislador
constituinte foi atribuir às forças auxiliares estaduais a preservação ou restabelecimento da
ordem social, em seus três aspectos, quais sejam, a segurança pública, a salubridade pública e
a tranqüilidade. Como atividade de polícia, estas forças auxiliares devem evitar a alteração da
ordem jurídica, agindo negativamente, preventiva e ostensivamente nas ações criminosas e na
conservação da segurança do cidadão.
A organização militar estadual atua na sociedade exercendo uma parcela do poder de
polícia próprio do Estado. Poder de polícia é a “faculdade da Administração Pública para
condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais” 34, e quando
exercido pelos militares, o objetivo a ser alcançado é a manutenção da ordem pública, tanto
no aspecto preventivo quanto repressivo, nos casos de perturbação social interna.
Há uma distinção entre o poder de polícia exercido pela instituição militar, e a
atividade do poder de polícia administrativa: este tem como objetivo tão somente conter os
abusos do direito individual, incidindo sobre bens, direitos e atividades; aquele, no combate
preventivo da perturbação social interna do país. Também diferem as forças auxiliares
militares da polícia judiciária, que também estão a serviço da manutenção da ordem, porém
em situações individualizadas, não obstante seja exercida algumas vezes pelos próprios
membros da organização militar35.
As forças auxiliares militares estão incumbidas da defesa da lei e da ordem no plano
interno, e as Forças Armadas contra as agressões estrangeiras ou comoção externa. Mesmo
que subordinadas a entes políticos diversos, tais forças militares poderão atuar nas funções
umas das outras: é o que ocorre quando as forças auxiliares são recrutadas para atividades em
casos de estado de emergência ou estado de sítio, ou até mesmo em caso de guerra externa,
onde exercerão suas atividades na segurança pública interna em conjunto com as atividades
militares federais. O mesmo ocorre em relação às forças militares federais, que mediante
convocação da autoridade constitucional, deverão intervir na manutenção da segurança
pública nos Estados-membros, quando forem ordenadas.36

33
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 758.
34
MEIRELES, Ely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 127.
35
Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 127.
36
Cf. SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo, p. 752 e 761.
2. JUSTIÇA PENAL MILITAR

As organizações militares nas esferas federal e estadual estão submetidas a uma


forma especial de jurisdição, constitucionalmente prevista. A competência para o processo e
julgamento de crimes dos membros das Forças Armadas está a cargo da Justiça Militar,
compreendida pelas Auditorias Militares, juízes militares e Tribunais de Justiça Militares
existentes nas circunscrições judiciárias previstas no Decreto-lei 1003/69, a Lei de
Organização Judiciária37 . O órgão de cúpula é o Superior Tribunal Militar, conforme previsão
na Constituição Federal, em seu Artigo 122:
São órgãos da Justiça Militar:
I- o Superior Tribunal Militar;
II- [...]

Na órbita estadual, a Constituição Federal deixou a cargo do Estado-membro a


criação da Justiça Militar especializada, vinculando-se a criação de um órgão de julgamento
especial para recursos ao número do efetivo militar em atividade. A competência para o
julgamento dos recursos, quando não for criado um Tribunal de Justiça Militar estadual, é do
respectivo Tribunal de Justiça. É o teor do § 3º do Artigo 125:
A lei estadual poderá criar, mediante proposta do
Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual,
constituída, em primeiro grau, pelos Conselhos de
Justiça e, em segundo, pelo próprio Tribunal de
Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos
Estados em que o efetivo da polícia militar seja
superior a vinte mil integrantes.

A especialização da Justiça Militar cinge-se apenas à área criminal, posto que,


administrativamente, os militares submetem-se aos comandos dispensados aos servidores
públicos civis de forma geral, na forma da organização administrativa legalmente prevista.
Para melhor compreensão deste ramo do direito, cabe discorrer sobre as raízes
históricas da justiça penal militar.

37
Cf. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, p. 571.
2.1 HISTÓRICO DA JUSTIÇA PENAL MILITAR

Os antecedentes históricos da justiça penal militar evidenciam que determinados


povos civilizados, como Índia, Atenas, Macedônia e Cartago, já dispunham de uma justiça
especializada para a apuração de determinados delitos tidos como propriamente militares, em
tempos de guerra38. José da Silva Loureiro Neto apresenta este histórico em quatro fases
distintas: Época dos Reis, em que os soberanos exerciam a atividade de julgamento; Segunda
Fase, onde a Justiça Militar era exercida pelos cônsules, e imediatamente abaixo o Tribuno
Militar; Terceira Fase, em que os prefeitos do pretório tinham ampla jurisdição; e por fim, a
Quarta Fase, onde foi instituído o Consilium, que auxiliava o juiz militar39.
No Brasil, a chegada de D. João VI marcou a criação do Conselho Supremo Militar e
de Justiça, e em 1834 os crimes praticados por militares foram divididos em duas categorias,
conforme se em tempo de paz ou tempo de guerra. Embora com vasta legislação, a instituição
militar contava com um corpo sistematizado de normas, que variavam conforme o “alcance
dos projéteis e a tempera das baionetas”. 40
Mesmo surgindo de tempos remotos, a Justiça Militar é alvo de controvérsias e
seguidas propostas para sua extinção. Registros históricos demonstram que novos sistemas
foram propostos, como restringir a jurisdição castrense em tempo de paz e amplia-la em
tempo de guerra, a exemplo do que ocorreu na Justiça Militar da França, em 1928.41
A evolução legislativa pátria, sempre contendo leis esparsas acerca do direito
castrense, culminou com a expedição do Decreto-lei 1001, de 21 de outubro de 1969, o
Código Penal Militar, vigente até os dias atuais, com algumas modificações, e aplicável à
instituição militar federal e estadual.
A Constituição Federal de 1988 prevê a composição e a competência da Justiça
Militar, e ainda a submissão judicial da organização castrense estadual, de forma que esta
específica área do direito não seja alterada, posto que sua autonomia se justifica pela
especialidade do crime, da penalidade e das formas em que o Direito Militar contempla fatos
que não são considerados pela justiça comum, em razão de seus princípios normativos.42

38
CAMPOS JÚNIOR. José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares. p. 48.
39
Cf. LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar. São Paulo; Atlas, 2002, p. 19.
40
Cf. BANDEIRA, Esmeraldino, in LOUREIRO NETO, José da Silva, Direito penal militar, p. 21.
41
Cf. LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar, p. 24.
42
Cf. LOREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar, p. 25.
2.2 JUSTIÇA PENAL MILITAR NOS ESTADOS-MEMBROS

As Constituições de 1824 e 1891 não contemplaram a Justiça Militar estadual, e


somente a partir de 1831, com o surgimento das chamadas Guardas e dos departamentos dos
Bombeiros Militares, regulamentados pelo Decreto 1775, de 1856, sentiu-se a necessidade de
organizar a Justiça Militar no âmbito dos Estados-membros. Isto foi verificado com a
Constituição de 1934, que conferia à União a competência para legislar, entre outros assuntos,
sobre a justiça das forças policiais dos Estados.
A Carta Magna de 1988 estabeleceu claramente os limites jurisdicionais da Justiça
Militar estadual, firmando sua competência em seu Artigo 125, § 4º:
Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e
bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei, cabendo ao tribunal
competente decidir sobre as perdas do posto e da patente dos oficiais e da graduação
das praças.

Consagrada pela Constituição Federal de 1988, a criação das justiças militares no


âmbito estadual está condicionada proposta de lei de iniciativa do Tribunal de Justiça, e o
segundo grau de jurisdição especializada à existência do efetivo de polícia militar superior a
vinte mil integrantes43. Competente para o julgamento dos crimes militares na esfera estadual,
assim dispõe a Constituição Federal em seu Artigo 125, § 3º, sobre a Justiça Militar estadual:
A lei estadual poderá criar, mediante proposta do
Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual,
constituída, em primeiro grau, pelos Conselhos de
Justiça, e em segundo, pelo próprio Tribunal de
Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos
estados em que o efetivo da polícia militar seja
superior a vinte mil integrantes.

Como na esfera federal, também na alçada estadual a jurisdição castrense encontra


oposições quanto à especialização da Justiça Militar no âmbito estadual, sob o argumento de
que esta surgiu do arbítrio do regime militar vigente após 1964. Jorge César de Assis contraria
os opositores, registrando:
Foi exatamente durante o Governo Militar (Emenda Constitucional 1, de 17.10.69)
que a Justiça Militar Estadual sofreu um duro golpe, visto que foi abolida a
possibilidade de serem criados Tribunais especiais nos Estados, mantendo-se apenas

43
Cf. ASSIS, Jorge César de. Comentários ao código penal militar. 3.ed.. Curitiba: Juruá, 2001, p. 284-285.
aqueles já existentes em 15.03.67 (Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais),
impedindo inclusive a instalação do tribunal de Justiça Militar do Paraná, [...]44

José Luiz Dias Campos Júnior diz, em relação à Justiça Militar estadual, que a
fixação da competência desta difere da federal pois exige não só a prática de crime militar,
como também que seja este praticado por policial ou Bombeiro militar, não se sujeitando o
civil, mesmo que em concurso de agentes:
Como conseqüência dessa “restrição” constitucional,
e de acordo com Jorge Alberto Romeiro e Célio
Lobão, embasados pela jurisprudência, se um civil
praticar crime militar em concurso de agentes com
um policial ou bombeiro militares, deverá ser
processado e julgado na Justiça Comum estadual,
desde que o ilícito por ele praticado tenha
correspondência no Direito Penal comum, caso
contrário, cometerá fato atípico! 45( grifo do autor)

Tal assertiva está sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça
Comum Estadual processar e julgar o civil acusado de prática de crime contra instituições
militares estaduais.” 46 Nos Estados-membros, para determinação da competência da justiça
estadual, deve-se reunir dois critérios: em razão da matéria e em razão da pessoa, isto é, deve
o ilícito ser praticado em infração à norma militar, previsto em legislação militar, e o agente
deve ser militar em serviço.
Não obstante a possibilidade de impunidade ao civil que pratica crime militar,
facilitado pela interpretação do artigo 125, § 4º da Constituição Federal, José Luiz Campos
Júnior defende a aplicação da lei penal castrense pela Justiça Comum, para evitar, como o
próprio diz, um “despautério ju rídico”. 47
No Estado de Santa Catarina não foi editada a lei que faculta a Constituição Federal
para a especialização da Justiça Militar, e os crimes praticados por policiais e bombeiros
militares são processados pelas auditorias militares, em primeiro grau de jurisdição, e ao
Tribunal de Justiça a competência para apreciação dos recursos.

44
ASSIS, Jorge César de. Comentários aos código penal militar, p. 285.
45
CAMPOS JÚNIOR. José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 63.
46
Súmula 53, do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
47
Cf. CAMPOS JÚNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 67.
2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À JUSTIÇA CASTRENSE

A Constituição Federal assegura a igualdade de todos perante lei, e ao militar, seja


ele da esfera federal ou estadual, como responsável pela segurança pública, devem ser
dispensadas as mesmas prerrogativas garantidas constitucionalmente aos cidadãos civis. Isto
por que as atividades do militar são de cunho profissional, e para o exercício de suas funções,
devem ser resguardadas as mesmas garantias48. Assim, na esfera administrativa, o militar
desfruta das mesmas garantias que o servidor civil, tais como a ampla defesa e o contraditório,
o devido processo legal, entre outros. O direito administrativo militar recebeu um aspecto de
processualidade, e como conseqüência, adquiriu as mesmas características de um processo
comum.
Já na seara penal, os princípios constitucionais também são aplicáveis, conquanto se
observem as ressalvas contidas na própria Carta Magna. Exemplo disto é a proibição de pena
de morte, salvo em caso de guerra declarada, como se infere na leitura do inciso XLVII, do
Artigo 5º. Para o Código Penal Militar prevê a punição com a pena de morte, em tempo de
guerra. Vê-se, portanto, que a própria Constituição Federal estabelece exceções a princípios
rígidos e que se voltam para os militares.
Os crimes militares, apurados pela Justiça Militar Estadual, quando o agente é
integrante das forças auxiliares (polícia militar e bombeiros militares), são investigados
através de um Inquérito Policial Militar, que é uma peça informativa ao promotor de justiça,
para que este, se assim o entender, possa propor perante a autoridade judiciária competente a
ação penal militar49.
Também nos procedimentos com vistas à formação do Inquérito Policial Militar
incidem os princípios constitucionais, sendo garantido ao indiciado o sigilo das informações
constantes naquele caderno indicário, a presença de advogado e acesso deste aos autos,
embora a ampla defesa não encontre guarida nesta fase procedimental, tal como ocorre no
inquérito policial que apura os crimes de civis, por ser uma peça administrativa meramente
informativa.

48
Cf. ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. In CORREA, Getúlio (Org.)Direito Militar:artigos inéditos, p. 115-119.
49
Cf. ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues, , In CORREA, Getúlio (Org.).Direito Militar:artigos inéditos, p. 119.
Até mesmo a incomunicabilidade do indicado, determinada pelo artigo 17 do Código
de Processo Penal Militar, durante o inquérito, foi revogada pela nova ordem constitucional,
permitindo assim que o advogado possa comunicar-se com seu cliente.
Outro importante direito do militar que responde um inquérito policial militar é o
acompanhamento da colheita de provas, através de seu advogado, que poderá intervir sempre
que uma determinação constitucional for violada. Ao negar-se a responder perguntas
formuladas, o militar não estará incorrendo em confissão, pois a nova ordem constitucional
determina que a ampla defesa é um dos princípios mais importantes. Este aspecto é
interessante, haja vista que, ao negar-se a falar a verdade ou calar-se, a lei militar revogada
pela Constituição Federal tinha a conduta do militar indiciado como transgressão grave50.
Já na fase processual, regido pelo Código de Processo Penal Militar, este teve muitos
de seus artigos revogados tacitamente pela Constituição Federal. Atualmente, a jurisdição
penal militar, como ocorre com a jurisdição penal comum, visa garantir um julgamento justo e
dentro dos ditames da lei. Esta garantia é assegurada também pelos promotores de justiça e
procuradores federais, que tem a titularidade da ação penal militar pública, e são agentes
públicos admitidos através de concurso público e com função exclusiva dentro do Ministério
Público. Nesta fase, a ampla defesa do militar indicado é assegurada de forma irrestrita,
através de um advogado. Não comprovada a autoria e materialidade dos fatos incriminadores,
deverá ser aplicado o princípio constitucional da inocência. Segundo Paulo Tadeu Rodrigues
Rosa:
Na dúvida, ou seja, na ausência de provas seguras que demonstrem a autoria e
materialidade dos fatos descritos na ação penal militar, o princípio da inocência é
aplicado de forma efetiva. O cerceamento da liberdade não admite juízos de valor,
mas apenas a existência de provas concretas. Na dúvida, como ensina Eliezer Rosa,
é melhor absolver um culpado do que condenar o inocente.51

Ante o exposto, aufere-se que a Constituição Federal de 1988 veio incluir também na
esfera militar, princípios garantidores de direitos individuais, anteriormente aplicáveis apenas
a civis, haja vista que a categoria militar, por suas leis específicas e regulamentos, envolta
com a proteção irrestrita dos interesses estatais e institucionais, privou o militar de tais
princípios. E estes direitos subjetivos estenderam-se também à área penal militar, igualando
civis e militares perante a lei.

50
Cf. ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues, In CORREA, Getúlio (Org.). Direito Militar:artigos inéditos, p. 120.
51
Cf. ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues, In CORREA, Getúlio (Org.). Direito Militar:artigos inéditos, p. 121.
2.4 O DIREITO PENAL MILITAR E O DIREITO PENAL COMUM

O Direito Penal Militar, mesmo servindo como complemento do direito comum, é


especial porque se apresenta com autonomia de princípios e diretrizes próprias. Na lição de
Jorge Alberto Romeiro:
Como esclarece Pietro Vico, a lei penal militar seria excepcional se tomasse para seu
fundamento jurídico exclusivamente a qualidade militar da pessoa do culpado, ou se
a lesão de deveres perfeitamente idênticos e comum aos militares e a todos os outros
cidadãos cominasse uma sanção diversa, ou também se estendesse sua eficácia além
do quanto pudesse exigir a exata observância dos deveres militares. A lei penal
militar, ao contrário, mira diretamente a incriminação de ofensas a especiais deveres,
e tem em consideração a qualidade da pessoa enquanto ela se torna culpada da
violação de tais deveres; nem se afasta do direito comum senão somente quando as
disposições deste são incompatíveis com a índole dos crimes militares. Assim, a lei
penal militar, embora formando o direito próprio e particular dos militares, é sempre,
por outro lado, uma lei especial em confronto com a lei penal geral´.52

O Direito Penal comum tutela preponderantemente a liberdade, enquanto para o


Direito Militar, garantias amplamente asseguradas aos civis não são aplicáveis, em razão da
natureza de sua existência. Na lição de Álvaro Mayrink da Costa:
Cabe observar que o Direito Penal Militar, na escolha de limitações da liberdade
individual, é o mais rigoroso, porquanto restringe-se sempre ao círculo de liberdade,
em razão da ascendente relevância dos bens jurídicos, envolvidos em conteúdo
especial e categórico, que diferencia os bens e interesses jurídico-militares cuja
proteção eficaz se realiza através de um ordenamento próprio.53

Alguns doutrinadores chegam a dizer que a lei castrense é


[...] uma lei de saúde pública, que repousa sobre a necessidade social, enquanto o
Judiciário Militar, a quem cabe a aplicação da lei castrense, não é um fim em si, mas
um meio para manter a eficiência do exército como organização de combate54.

São então dois bens tutelados pela lei castrense: de forma imediata, as instituições
militares, que são sempre necessariamente atingidas; e de forma mediata, e que nem sempre
está presente, o patrimônio ou a integridade física de terceiros.
Importa ressaltar que o Direito Penal comum difere do Direito Penal militar
basicamente pelo bem jurídico atingido com a conduta constante da lei repressiva. As fontes
do Direito Penal militar são diversas das do Direito Penal comum, pois enquanto este se
preocupa com a readaptação do criminoso à sociedade, na área militar a sanção tem o

52
ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar, São Paulo: Saraiva, 1994, p. 05.
53
CAMPOS JÚNIOR. José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 183.
54
LUCENA, Zenildo Gonzaga de. Centro de estudos de Direito Militar. Disponível em:
<http://cesdim.locaweb.com.Br/temp.1aspx?PaginaID=20.> Acesso em: 19 ago. 2004.
propósito claro de inibir quaisquer condutas posteriores, intimidando o agente infrator e os
companheiros a praticar qualquer ação que evidencie a indisciplina e que conste na lei penal
militar como crime55.

55
PEREIRA, Maurto César Rodrigues. Exposição de motivos anexo à proposta de inaplicabilidade da Lei
9099/95 aos crimes militares. Disponível em: <http:// cesdim.locaweb.com.Br/temp.1aspx?PaginaID=20>
Acesso em: 19 ago. 2004.
3 CRIMES COMISSIVOS POR OMISSÃO PRATICADOS POR BOMBEIROS
MILITARES

3.1 O CRIME MILITAR

Para que exista o crime, é necessário que haja por parte do indivíduo uma conduta
positiva ou negativa, uma ação ou uma omissão, e ainda que esta conduta esteja prevista na lei
penal, sendo que o fato deve estar contido integralmente na descrição legal que o prevê sob
pena de ser atípico. Para que uma conduta se constitua num crime, é necessário que toda sua
descrição encerre os elementos descritivos contidos na lei, e assim seja penalmente
relevante.56 Para melhor consideração acerca da conceituação do crime, a teoria finalista,
como corrente doutrinária, defende que o resultado é a manifestação da vontade do agente em
praticar o ato ilícito, sendo que o conteúdo da vontade está na ação57. A doutrina penal
brasileira conceitua o crime formalmente, sendo este uma conduta humana que infringisse a
lei penal. O conceito dogmático de crime, como conduta típica e antijurídica, sendo que a
tipicidade é a previsão legal da conduta na lei penal; e a antijuridicidade é a relação de
contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico. Alguns autores ainda acrescentam a
culpabilidade como elemento constitutivo, sendo que outros autores defendem ser este um
pressuposto da pena58.
No direito penal militar, o crime também está previsto da mesma forma que no
direito comum, qual seja, a previsão legal de uma conduta penalmente repreensiva. Embora a
doutrina se desdobre em vários conceitos sobre o crime militar, a lei penal castrense
determina que toda a conduta prevista em seu texto seja considerada como crime militar. Para
compreender a origem do crime militar é importante discorrer sobre o bem jurídico protegido
por este ramo do direito.
O bem juridicamente relevante ao direito penal militar nem sempre corresponde ao
protegido pela jurisdição penal comum. Quando esta correspondência entre os dois ramos do
direito ocorre, qual seja, a previsão de conduta delitiva consta tanto no Código Penal quanto

56
Cf. JESUS, Damásio Evangelista de. Código penal anotado, p 32.
57
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 1º v. Parte Geral. 4ª ed. São Paulo: Atlas 1989, p.
104-105
58
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2002., p. 265.
do Código Penal Militar, prevalece a aplicação da legislação castrense, posto que os bens
juridicamente relevantes a este ramo do direito são de interesse social, ao passo que, para a
jurisdição penal comum, o que deve ser tutelado é a liberdade e os interesses individuais, não
raro com prejuízos para a sociedade. É que assevera Astrosa Herrera:
A lei penal militar não protege bens jurídicos que correspondam a particulares, e se,
por concurso chega-se a lesionar um interesse privado, este interesse se desvaloriza
em relação ao interesse estatal ou institucional que protege a lei penal militar. 59

Ainda que os bens lesionados forem de interesse privado, este é colocado em


segundo plano, já que o direito penal militar se ocupa da manutenção de uma organização a
serviço da ordem e segurança pública, itens de suma relevância social e de interesse supremo
do país.
Em razão dos bens jurídicos protegidos pela direito penal militar, que são de
interesse do Estado e das instituições militares, algumas condutas previstas na lei repressiva
castrense podem não ser consideradas ilícitas quando transpostas ao Direito Penal comum.
Para exemplificar, tem-se a embriaguez, que em determinadas situações dentro das
corporações militares é considerada crime, e não o é para o Direito Penal comum60.
Assim, para a compreensão das condutas tidas como crime militar, é necessário
adentrar ao espírito da lei que determina os fatos penalmente repreensíveis, e diferenciá-los
conforme sua especialidade. Diz Roberto Menna Barreto de Assumpção:
Na configuração de ilícitos distintos, decorrentes de condutas idênticas, a diferença
entre crime militar e comum reside no resultado, vale dizer, no bem juridicamente
tutelado.61

E complementa-se com Luis Carlos Perez:


A criação dos delitos militares é fundamentada no interesse que têm o Estado e os
grupos representados nele, para proteger a organização das forças armadas, como
instituições dirigidas à defesa pública, que é um dos fins vitais da nacionalidade.62

A doutrina não tem um critério uniforme, e na concepção de Chrysólito de Gusmão,


a conceituação de crime militar pode ser resumida em três posições: a primeira refere-se ao
entendimento de que o crime militar é “todo aquele que cabe à jurisdição dos tribunais

59
HERRERA, Astrosa. In CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 186.
60
LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar, p. 23.
61
ASSUMPÇÃO, Roberto Menna Barreto. In CAMPOS JUNIOR, Direito penal e Justiça Militares, p. 71.
62
PEREZ, Luiz Carlos. In CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 72.
militares”. 63 A segunda posição requer seja considerado crime militar todo aquele previsto na
legislação militar, e a terceira posição conceitua o crime militar como aquele que só pode ser
cometido por militar, ou seja, um crime funcional.64
Renato Astrosa Herrera sustenta que os crimes militares podem ser exclusivamente
militares e objetivamente militares, usando o parâmetro do bem jurídico lesionado pela
conduta ilícita65.
Pelo Código Penal Militar, o conceito de crime militar está consubstanciado no
próprio texto legal, isto é, não há uma determinação objetiva, mas sim a adoção da
enumeração taxativa das diversas situações que definem o delito militar (ratione legis). A
melhor fonte para conceituar o crime militar, então, é a própria lei, que não o determina
objetivamente, adotando o Código Penal Militar o critério da tipificação, consoante ocorre
com o Direito Penal comum, em face do princípio da legalidade, ou da reserva legal, previsto
inclusive na própria Constituição Federal de 1988. Assim dispõe o artigo 1º do Código Penal
Militar: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Desta forma, em sentido amplo, o crime militar é aquele previsto na lei66. A doutrina
tem desdobrado outras considerações sobre o crime militar, classificando-o de duas formas: o
crime propriamente militar e o crime militar impróprio. O próprio texto constitucional traz
uma diferenciação, conforme se colhe da leitura do inciso LXI do artigo 5º:
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito
ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar,
definidos em lei;

Os crimes propriamente militares, para Ramagem Badaró


(...) dizem respeito a vida militar, vista globalmente na qualidade funcional do
sujeito do delito, na materialidade especial da infração e na natureza peculiar do
objeto da ofensa penal, como disciplina, a administração, o serviço ou a economia
militar67 .

63
LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar, p. 32.
64
Cf. LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar, p. 32.
65
Cf. LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar, p. 32.
66
Cf. CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias, Direito penal e Justiça Militares, p. 88-90.
67
In CAMPOS JÚNIOR. José Luiz Dias, Direito penal e Justiça Militares, p. 87.
Já os crimes militares impróprios são aqueles previstos no Código Penal Militar,
cometidos por civis, ou militares que não estejam realizando suas atividades funcionais. É o
ensinamento de Célio Lobão:
Em conformidade com o direito material brasileiro, crime impropriamente militar é
a infração penal prevista no Código Penal Militar que, não sendo ‘específica e
funcional da profissão de soldado’, les iona bens ou interesses militares relacionados
com a destinação constitucional e legal das instituições castrenses.68
.

Embora alguns autores entendam que esta bipartição não surta efeitos diretos, e seja
até mesmo desnecessária esta dualidade, importa considerar que o crime militar é toda a
conduta prevista em lei como tal, e que tanto os crimes militares próprios, quanto os
impróprios, são praticados contra o mesmo bem juridicamente relevante ao direito penal
castrense, qual seja, a instituição militar e o Estado.

3.2 O CRIME COMISSIVO POR OMISSÃO

A ação e a omissão são duas formas distintas para descrever condutas


humanas, e utilizadas para descrever a norma jurídica que dá origem ao tipo penal. Ocorre que
na ação, a normas são enunciadas preceptivamente, de uma forma positiva, no sentido de
determinar o ato juridicamente condenável. Já na omissão, não se pode afirmar que dela
produziu-se o resultado, sendo sua estrutura meramente normativa, e a causalidade é
formulada a partir do resultado e a conduta a que o agente estava juridicamente obrigado69.
Os crimes tidos como omissivos podem ser próprios ou impróprios. Os
omissivos próprios são “aqueles em que o autor pode ser qualquer pessoa que se encontre na
situação típica” 70.
Como omissivo impróprio, ou comissivo por omissão, assim conceitua Damásio
Evangelista de Jesus:
[...] são os delitos em que a punibilidade advém da circunstância de o sujeito, que a
isto se encontrava obrigado, não ter evitado a produção do resultado, embora
pudesse faze-lo.71

68
CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 82-83.
69
Cf. JESUS, Damásio E. de. Código penal anotado. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 34-35.
70
ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 4. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 539.
71
JESUS, Damásio E. de. Código penal anotado, p. 35.
O autor assevera que pode ser sujeito ativo de crimes desta natureza o agente que se
tornou garantidor da não-ocorrência do resultado, citando ainda outras duas situações que
caracterizam o crime, quais sejam, quando a obrigatoriedade da ação advém de um
mandamento legal específico e quando um ato precedente determina esta obrigação.72
As condutas típicas de omissão imprópria, praticada por aqueles que se encontram na
posição de garantidor, isto é, aqueles que por disposição legal ou contratual estejam na
obrigação de garantir a conservação, reparação ou recuperação do bem jurídico tutelado pelo
Direito Penal podem ser assim determinadas, conforme Eugenio Raul Zaffaroni:
Chamam-se omissões impróprias ou tipos de omissão imprópria aqueles em que o
autor só pode ser quem se encontra dentro de um determinado círculo (“delicta
própria”) (...) que faz com que a situação típica seja equivalente à de um tipo ativo.
Os tipos de omissão imprópria têm um tipo ativo equivalente, e a posição em que se
deve achar o autor denomina-se “posição de garantidor” . 73

Ainda, em relação aos crimes tipificados como omissivos impróprios, diz o autor:
Por dever do agente evitar o resultado não se pode entender que será garantidor de
evitar o resultado qualquer pessoa, mas sim aquela que tiver um especial dever de
proteção ao bem jurídico tutelado. Assim, somente poderá ser autor de um crime
omissivo aquele que estiver na posição de garantidor efetivo da proteção do bem
jurídico (salva-vidas em caso de afogamento).74

Transpondo tais preceitos ao ramo do direito penal castrense, encontramos no Artigo


29 do Decreto-Lei 1001, de 20 de outubro de 1969 o seguinte:
O resultado de que depende a existência do crime somente é imputável a quem lhe
deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria
ocorrido.
§1º A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação
quando, por si só, produziu o resultado. Os fatos anteriores imputam-se, entretanto, a
quem os praticou.
§ 2º A omissão é relevante como causa quando o omitente devia e podia agir para
evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem tenha por lei obrigação de
cuidado, proteção ou vigilância; a quem, de outra forma, assumiu a responsabilidade
de impedir o resultado; e a quem, com seu comportamento anterior, criou o risco de
sua superveniência. 75 (grifei)

Seja no Decreto-Lei 2848, de 07 de dezembro de 1940, conhecido como Código


Penal, aplicável a todos os cidadãos, bem como no Decreto Lei 1001, de 20 de outubro de
72
JESUS, Damásio E. de. Código penal anotado, p. 35.
73
ZAFFARONI; PIERANGELI. Manual de direito penal brasileiro, p. 539.
74
NAHUM. Marco Antonio R. Inexigibilidade de conduta diversa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.
101.
75
Decreto-Lei 1001, de 20 de outubro de 1969. Direito Militar 1. Rio de Janeiro, 1999. v. 1.CD-Rom Centro de
Estudos de Direito Militar (CESDIM).
1969, conhecido como Código Penal Militar, a conduta omissiva do agente, do qual se espera
atuação imediata, enseja a correspondente punição, e no caso de militares, a omissão na
prestação dos serviços esperados destes tem uma carga de responsabilidade maior, pois atinge
a própria instituição.

3.2.1 Os crimes militares próprios e a omissão imprópria (crimes comissivos por omissão)

Pelo estudo traçado acerca das atribuições institucionais das corporações militares,
seja no âmbito federal ou estadual, infere-se que estão relacionadas à proteção e a garantia da
segurança pública. Sobre o integrante da corporação militar recaem responsabilidades que
envolvem atuação constante, e a conduta omissiva deste no desempenho de suas atribuições
legais enseja punição rigorosa. Assim o é porque os interesses protegidos pela lei penal
castrense envolvem-se com a segurança da vida dos cidadãos, e com a credibilidade da
instituição militar, dos interesses superiores e comunitários, permitindo-se assim um
tratamento desigual pela própria Constituição Federal, em nome do interesse de relevância
constitucional76.

3.3 OS CORPOS DE BOMBEIROS MILITARES

3.3.1 Histórico

Os Corpos de Bombeiros Militares, vinculados à organização militar nos Estados-


membros, são órgãos do sistema de segurança pública, competindo-lhes a execução das
atividades da defesa civil, e outras atribuições específicas que a lei vier a lhes atribuir, tendo
na hierarquia e disciplina os seus princípios basilares.
Na maioria dos Estados-membros, os Corpos de Bombeiros Militares são unidades
especializadas que pertencem ao quadro funcional das Polícias Militares, e seus integrantes
iniciam a carreira nos quadros policiais, e após recebem treinamento especializado para
realizar as atividades específicas estabelecidas em lei. Já em alguns estados, como Rio de

76
Cf. CAMPOS JÚNIOR, José Luiz Dias. Direito penal e Justiça Militares, p. 181-184.
Janeiro, Alagoas e Brasília, o Corpo de Bombeiros Militares é uma instituição independente e
separada da polícia militar, com quadros próprios e escolas de formação de praças e oficiais77 .
No âmbito da Constituição do estado de Santa Catarina78, estes encargos estão assim
dispostos no Artigo 108:
O Corpo de Bombeiros Militar, órgão permanente, força auxiliar, reserva do
Exército, organizado com base na hierarquia e disciplina, subordinado ao
Governador do Estado, cabe, nos limites de sua competência, além de outras
atribuições estabelecidas em Lei:
I – realizar os serviços de prevenção de sinistros ou catástrofes, de combate a
incêndio e de busca e salvamento de pessoas e bens e o atendimento pré-hospitalar;
II – estabelecer normas relativas à segurança das pessoas e de seus bens contra
incêndio, catástrofe ou produtos perigosos;
III – analisar, previamente, os projetos de segurança contra incêndio em edificações,
contra sinistros em áreas de risco e de armazenagem, manipulação e transporte de
produtos perigosos, acompanhar e fiscalizar sua execução, e impor sanções
administrativas estabelecidas em Lei;
IV - realizar perícias de incêndio e de áreas sinistradas no limite de sua competência;
V – colaborar com os órgãos da defesa civil;
VI – exercer a polícia judiciária militar, nos termos de lei federal;
VII – estabelecer a prevenção balneária por salva-vidas; e
VIII – prevenir acidentes e incêndios na orla marítima e fluvial.

Também a Constituição catarinense especifica que o comando do Corpo de


Bombeiros Militares está a cargo de oficial da ativa no último posto da corporação, conforme
a ordem hierárquica pré-instituída, e as atividades administrativas, enunciadas no Artigo108,
de apoio e manutenção, serão executadas por um quadro de servidores civis.
Os integrantes das corporações de bombeiros militares a princípio não exercem
funções de policiamento ostensivo e preventivo, tais como os policiais militares, cabendo-lhes
a atividade final de propiciar a segurança pública na prevenção e combate a incêndios, busca e
salvamento, e de defesa civil, conforme estatui o Artigo 144, § 5º da Constituição Federal:
A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é
exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
[...]
§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem
pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei,
incumbe a execução de atividades de defesa civil;

77
ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Polícia militar e suas atribuições. Portal Militar. Disponível em :
<http://www.militar.com.br/legisl/_vti_bin/shtml.exe/buscartigosdireito.htm.> Acesso em: 19 ago. 2004.
78
BRASIL, Constituição do estado de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. Sistema de Pesquisa em Folio. v.
2: acervo da jurisprudência catarinense de 1990 a 1999.
[...]

Tais funções revelam que os Corpos de Bombeiros Militares atuam em prol da


tranqüilidade e salubridade pública, ambas integrantes do conceito de ordem pública79.
Como instituição militar que compõe as forças auxiliares, os Corpos de Bombeiros
Militares também poderão ser requisitados como forças de reserva do Exército. Isto significa
que em caso de estado de emergência ou estado de sítio, ou em decorrência de guerra, os
integrantes das instituições militares estaduais poderão ser requisitados pelo Exército para
exercerem diversas funções na área de segurança pública.

3.3.2 Serviço público prestado pelos bombeiros militares

Alguns serviços públicos são próprios do Estado, e somente este deverá prestá-los,
dada sua íntima relação com as atribuições do poder público. Entre estes serviços, encontram-
se a segurança e a polícia, que são serviços públicos prestados com uso de supremacia sobre
os administrados, e portanto, indelegáveis a particulares80.
Como serviço público prestado pelo Estado aos cidadãos, está incluso no capítulo
destinado à segurança pública, no texto da Constituição Federal, como uma de suas formas de
atuação, as atividades concernentes aos Bombeiros Militares. Para melhor compreensão deste
serviço público de relevante valor social, é necessário discorrer sobre a história da defesa civil
no país.
No curso da história, a defesa civil, reconhecida de forma organizada em nosso país a
partir do início da segunda Guerra Mundial, e baseada no modelo elaborado pelos países
europeus, realizava o atendimento das vítimas de bombardeios, explosões, incêndios e outras
catástrofes. Em 26 de agosto de 1942, o governo brasileiro, através do Decreto-Lei nº 4624,
criou o serviço de Defesa Passiva Antiaérea, supervisionado pelo Ministério da Aeronáutica,
com a finalidade de estabelecer a segurança que garantisse a proteção e a vida da população,
bem como a defesa do patrimônio81.
A defesa civil funciona nos níveis federal, estadual e municipal, através de
Conselhos e Departamentos, e como preceitua o Decreto Federal no 895, de 16 de agosto de

79
LAZARINI, Álvaro. In CAHALI, Yussef Said (Coord). Estudos de Direito Administrativo.1.ed. 2. tir. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1996. p.58
80
Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 321.
81
FROTA, José Ananias Duarte. Defesa civil. Portal Militar. Disponível em:
<http://www.militar.com.br/artigos/artigos2002/celduartefrota/defesacivil.htm.> Acesso em: 19 ago. 2004.
1993, a definição de Defesa Civil é: “ o conjunto de ações preventivas, de socorro,
assistenciais e de reconstrução, destinadas a evitar ou minimizar os desastres, preservar o
moral da população e restabelecer a normalidade social”.
A Constituição Federal refere-se à defesa civil e a inclusão do Corpo de Bombeiros
Militares como um dos agentes responsáveis pela sua manutenção em seu Artigo 144, §5º:
A segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos á exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, (...)§ 5° (...) aos corpos de
bombeiros militares, além das atribuições definidas
em lei, incumbe a execução de atividades de Defesa
Civil.

Assim, de acordo com a Constituição Federal, as instituições policiais militares


atuam na prevenção e preservação da ordem pública, que nas palavras de Tourinho Filho,
significa a “ a paz, a tranqüilidade no meio social” 82, e os Corpos de Bombeiros Militares
atuam nos combates a incêndio, emergências médicas, busca e salvamento e nas fases de
normalidade e anormalidade da Defesa Civil.
As chamadas forças auxiliares atuam para preservar a normalidade da ordem pública,
evitando assim a intervenção das Forças Armadas, quando sua utilização não seja
recomendada, posto que suas atribuições são de defesa nacional, e não para manter a ordem
pública dentro dos limites territoriais. Estas forças auxiliares, compreendidas pelas Polícias
Militares estaduais e os Corpos de Bombeiros militares têm participação fundamental como
auxiliares na defesa do território nacional, sendo que estas últimas, executam atividades de
socorro e assistência em caso de danos provocados por uma eventual guerra, inclusive após o
conflito, participando da fase de recuperação.
Esta atribuição precípua de defesa civil desperta questionamentos acerca da
militarização dos Corpos de Bombeiros. Na análise de desembargador Álvaro Lazzarini,
membro do Tribunal de Justiça de São Paulo, as corporações não deveriam fazer parte do
sistema de segurança pública, pois, nas palavras do autor:
(...) Devemos entender, porém, que esse reconhecimento constitucional não está
correto no capítulo que cuida “Da Segurança Pública” (Constituição da República,
Título V, Capítulo III, artigo 144), pois os Corpos de Bombeiros Militares, em
verdade, não executam missões de segurança pública (...), embora cuidem da

82
FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal, v. 3, 20 ed. Saraiva: São Paulo, 1998, p.475.
segurança da comunidade, nas suas atribuições de prevenção e extinção de
incêndios, busca e salvamento e de Defesa Civil.83

A segurança pública, segundo o Desembargador Álvaro Lazzarini, é uma atividade


que diz respeito às infrações penais, com típicas ações policiais preventivas. As corporações
de bombeiros militares, com efeito, em princípio, não exercem atividades de relação a tais
ilícitos, nem tampouco repressivas, na apuração desses mesmos ilícitos. É o Corpo de
Bombeiros, na lição de José Ananias Frota, “um órgão de referência, no qual a população
recorre, nos momentos de aflição, buscando a prestação do socorro imediato, bem como, o
necessário apoio para o retorno à normalidade”.
Assim, alguns doutrinadores entendem que o Corpo de Bombeiros não são
instituições com a finalidade precípua de prestar Segurança Pública, tal qual a Polícia Militar,
mas sim realiza atividades próprias de Defesa Civil, carecendo assim a legislação atual de
uma reforma que posicione tais corporações neste tipo de prestação de serviços públicos.84
Não obstante tais considerações em face do esclarecimento acerca da instituição dos
Corpos de Bombeiros Militares, a concepção fornecida pelo texto constitucional, inserindo-os
às forças auxiliares nos Estados-membros, não há que se desvincular a instituição do
regramento militar, sujeita, portanto, a todos os princípios e normas que norteiam este
especial ramo do direito, estando seus agente submetidos à hierarquia e à disciplina militares.

3.3.3 Crimes omissivos praticados por Bombeiros Militares

O bombeiro militar é um servidor público, e em caso de cometimento de crime no


exercício de suas funções, que esteja previsto na lei penal castrense, responderá a processo
crime e suportará os efeitos legais da condenação85. A lei penal militar e a lei processual penal
militar contêm determinações próprias, e que contém dispositivo relacionado ao direito
administrativo, embora voltado especialmente à matéria militar. O crime cometido por um
bombeiro militar é tido como um crime funcional, e que encontra previsão em lei própria.
Como delito funcional, para a apuração de crime omissivo praticado por Bombeiro militar
deve ser considerada a condição do agente como militar no exercício de suas atribuições

83
LAZZARINI, Álvaro. In CAHALI, Yussef Said (Coord.) Estudos de Direito Administrativo, p. 67.
84
FROTA, José Ananias Duarte. Defesa civil. Portal militar. Disponível em:
<http://www.militar.com.br/artigos/artigos2002/celduartefrota/defesacivil.htm.> Acesso em: 19 ago. 2004.
85
Cf. MEIRELLES, Hely Lopes, Direito administrativo brasileiro, p. 47.
(ratione personae), e a apuração da omissão deste, tipificada no Código Penal Militar (ratione
materiae).
As atividades desenvolvidas pelas corporações dos Bombeiros Militares envolvem a
busca e salvamento, a prevenção e combate a incêndio, entre outras, regidas por leis e
regulamentos específicos. Espera-se do militar que atua neste órgão a pronta atuação, e sua
omissão acarreta não apenas a vitimização do destinatário do serviço público relevante a ser
prestado pelo agente militar, mas infringe também a dignidade da corporação a qual pertence,
pois, a conduta prevista como crime militar tem seus fundamentos baseados na necessidade da
manutenção de uma instituição que defende os interesses do Estado e os grupos nele
representados, envolvendo, portanto, questões de ordem nacional. A jurisprudência do
Tribunal de Justiça do estado de Santa Catarina manifesta-se sobre o tema no seguinte
acórdão:
Nos crimes cometidos por militares, a conduta
realizada pode denotar a inadequação do agente com
os valores éticos necessários ao exercício daquela
função pública. Estes servidores são elementos de
suma importância para assegurar a ordem e a paz
social, pois, sua missão é preservar a segurança
jurídica, através da prevenção e repressão dos
desvios ilícitos da conduta. Por isso, cobra-se destes
servidores um comportamento adequado à função e
o respeito pela norma jurídica, ainda mais porque
são responsáveis pela exigência da conduta correta
dos demais cidadãos.86

Sobre o tema, discorre Sidney Alves Pacheco:


"Representa o policial militar a garantia da ordem
pública, atuando, na concepção clássica, na esfera da
sociedade civil, tirando disso um motivo de orgulho
e de auto-exaltação pública. Tem o papel
preponderante de ser reconhecido como um
verdadeiro guardião da paz social87

Ainda, no estatuto dos Policiais Militares, as obrigações são ditadas pela dedicação
integral ao Estado, cumprindo o papel de fiel servidor da Pátria e pela manutenção da ordem

86
Perda de graduação- Acórdão número 97.012216-0, da Capital. Rel. Desembargador Álvaro Wandelli. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Jurisprudência Catarinense. Florianópolis, 1999. Sistema de Pesquisa
em Folio. v. 2: acervo da jurisprudência catarinense de 1990 a 1999.
87
PACHECO, Sydnei Alves. O policial militar em ação. Florianópolis: Adjuris, 1987, p. 22.
pública, com “sacrifício da própria vida”, conforme as palavras de Sydnei Alves Pacheco 88. A
sociedade deposita confiança nestes profissionais e o Estado os tem como defensores daquela.
Ora, se ao bombeiro militar é confiada tal função na sociedade, a severidade da punição aos
crimes por este cometido é esperada, pois que para o Direito Penal Militar e a justiça castrense
os interesses do Estado estão acima dos interesses individuais, militares ou civis, e nos dizeres
de José Luiz Dias Campos Júnior, se sobrepõem a própria vida, e citando Álvaro Mayrink da
Costa:
O Direito Penal comum tutela como fundamental o direito à vida, mas o Direito
castrense pune, severamente, por crime de covardia, o militar que, em determinadas
circunstâncias, deixa de enfrentar a eventualidade do sacrifício supremo.89

A omissão, como forma delitiva, é um tema que tem gerado muitas discussões e
controvérsias. Não pode ser tida como uma “contra -ação”, no sentido de inércia, posto que
sua compreensão seria impossível em face das previsões legais90. Para Álvaro Mayrink da
Costa
(...) Todavia, quando se entende que a omissão é efeito de uma conduta humana, e
por tal natural, sua essência naturalística é evidente, pela irrelutável lei da
conseqüência. O homicídio pe um conceito normativo, mas é primeiramente um
conceito naturalístico. Não se pode contestar a natureza física da omissão, como
evento resultante de uma conduta física e natural. É uma realidade objetiva, e como
evento, é um conceito natural e normativo.91

Assim, a omissão imprópria, ou crime comissivo por omissão tem resguardo na


legislação castrense, aplicável ao militar que, deixando de executar suas funções, sua inércia
incida em crime previsto na lei penal militar. Como servidor público e vinculado a um sistema
calcado na disciplina e na hierarquia, visando os interesses estatais e institucionais, o
bombeiro militar tem sua conduta pautada na obediência à corporação militar de que faz parte
e no atendimento à sociedade. No direito castrense a sanção tem fundamentalmente o
propósito de que o infrator expie seu crime, de modo a que tanto ele como seus companheiros
se sintam intimidados para a prática da indisciplina, e isto se estende ás condutas omissivas
previstas em lei como crime militar.
Na seara castrense, a omissão tem relevância quando o agente que se omite devia ou
podia evitar o resultado. Esta obrigação é definida por lei, mas não exclui aquele que assumiu,

88
Cf. PACHECO. Sydnei Alves., p. 36.
89
CAMPOS JÚNIOR. José Luiz Dias, Direito penal e Justiça Militares, p. 185.
90
COSTA, Álvaro Mayrink da. Crime militar. Rio de Janeiro: Rio, 1979. p. 77-80.
91
COSTA, Álvaro Mayrink da, Crime militar , p. 79.
de alguma forma, a responsabilidade de impedir o resultado danoso, e também aquele agente
que com seu comportamento anterior criou o risco para a ocorrência do fato.
A Lei n. 6.218, de 1983, que dispõe sobre o Estatuto dos Policiais Militares do
Estado de Santa Catarina, indica o conjunto de valores racionais e morais que devem ser
observados pelos policiais militares. É o teor do artigo 29 da referida lei:
O sentimento de dever, o pundonor policial militar e
o decoro de classe impõem a cada um dos
integrantes da Polícia Militar, conduta moral e
profissional irrepreensível, com a observância dos
seguintes preceitos de ética Policial Militar:
I — Amor à verdade e à responsabilidade como fundamento da dignidade pessoal;
II — Exercer, com autoridade, eficiência e probidade as funções que lhe couberem
em decorrência do cargo;
III — Respeitar a dignidade da pessoa humana.

Ao deixar de agir quando obrigado por lei e no exercício de sua função, o militar
infringe não apenas a norma comum, exigível de qualquer cidadão, mas também o próprio
decoro de classe exigido de um servidor militar que tem obrigação de zelar pela integridade
física e moral dos demais membros da sociedade.
Destaca-se ainda que o bombeiro militar é um servidor público, e como tal, nos
crimes praticados por omissão, cause danos a terceiros, transferirá à Administração incorrerá
a Administração da teoria do risco administrativo, não obstante possa intentar ação regressiva
contra o agente militar causador. Cabe então a pena principal e as conseqüências legais dos
atos praticados pelo Bombeiro militar.
O bombeiro militar, assim como a polícia militar, possui ampla competência na
preservação da ordem pública. A sociedade espera deste profissional maior dedicação do que
exigiria de outros servidores. Tanto é que esta competência engloba obrigações específicas
dos demais órgãos policiais, quando impossibilitados de atuar, quer por falência operacional
(a exemplo das greves e outras causas), a organização militar estadual é a verdadeira força
pública da sociedade. Nas palavras de Álvaro Lazarini:
(...) as Polícias Militares constituem os órgãos de preservação da ordem pública
para todo o universo da atividade policial em tema de ordem pública e,
especificamente, da segurança pública92

Com a incumbência de atender ao clamor da sociedade nas funções de defesa civil,


os bombeiros militares que incorrerem em omissões que causem lesões aos administrados,

92
LAZARINI, Álvaro, In CAHALI, Yussef Said (Coord.) Estudos de Direito Administrativo, p. 61.
responderão perante a jurisdição penal militar, pois que a conduta omissiva acarreta danos não
somente aos destinatários do serviço público, como também ao prestígio da corporação
militar, como instituição que preza pela conservação da hierarquia e disciplina.
É importante ressaltar que ao militar processado perante a justiça castrense não lhe
são excluídas as garantias constitucionais amplamente asseguradas a todos os cidadãos.
Devido às particularidades de sua profissão, o bombeiro militar está sujeito a diversos
regramentos rigorosos, mas também devem ser assegurados os seus direitos e garantias
fundamentais, como indicação de respeito à lei e a ordem jurídica do Estado Democrático de
Direito, e a persecução penal, mesmo na seara militar, deverá pautar-se por estes princípios.
Assim, lhe é assegurado também as excludentes de ilicitude, previstas tanto na legislação
penal comum quanto na lei penal especial. Os artigos 38 e 39 do Código Penal Militar
estabelecem acerca das excludentes de ilicitude:
Não é culpado quem comete o crime:
a) sob coação irresistível ou que lhe suprima a faculdade de agir segundo a própria
vontade;
b) em estrita obediência a ordem direta de superior hierárquico, em matéria de
serviços.
[...]
Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem
está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e
atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio,
ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoavelmente
exigível conduta diversa.

Em virtude da natureza do serviço prestado pelos bombeiros militares, sua


vinculação a uma instituição pautada pela hierarquia e disciplina, o integrante destas
corporações está subordinado a um rígido controle hierárquico no desempenho de suas
atribuições institucionais. Na prática de conduta delituosa na forma omissiva, há de ser
analisada a circunstância da omissão, para que não seja privado ao militar infrator, a análise
das situações em que a lei exclui a tipicidade do crime, bem como seja a instrução criminal
pautada nos princípios constitucionais amplamente garantido a todos os cidadãos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O bombeiro militar é um dos agentes públicos responsáveis pela preservação da ordem


pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, participando desta forma da
manutenção da tranqüilidade social. Este servidor público é vinculado a uma instituição
calcada em princípios basilares constitucionalmente previstos, quais sejam, a hierarquia e a
disciplina, e o legislador atribui a este órgão da organização militar a responsabilidade pela
defesa civil, no âmbito estadual. Ao infringir seu dever, omitindo-se na execução de suas
atividades, incide o bombeiro militar em crime, na modalidade omissiva, respondendo pelos
prejuízos decorrentes de seus atos, na esfera criminal. O Direito Penal comum prevê a
conduta omissiva de alguns agentes como crime, ensejando a punibilidade, pelo fato de
estarem na condição de garantidores da não ocorrência do fato que venha causar danos à vida
ou patrimônio. Na seara militar, a omissão é punível como causa quando o omitente devia e
podia agir para evitar o resultado. Não raro, o bombeiro militar expõe-se a situações em que
sua omissão lhe acarreta punição, pois suas atribuições estão intimamente vinculadas à
responsabilidade de evitar, ou minorar os danos sofridos. Esta responsabilidade decorre não
apenas de sua condição de prestador de um serviço público relevante, mas também de sua
condição de integrante da organização militar, instituição esta regida por normas de conduta
rígidas, pois carrega consigo um papel importante no panorama organizacional do Estado. É
uma instituição defesa e da manutenção da ordem de da paz social. Por estas razões, seus
integrantes são submetidos a um especial corpo legislativo no que se refere à área criminal,
não porque compõem uma categoria diferenciada de cidadãos, tampouco por a lei considerá-
los seres superiores ou inferiores aos civis, mas sim por carregar em seus ombros o peso da
hierarquia e da disciplina, em nome da organização a que pertencem. Assim, funcionalmente,
a categoria militar, nesta incluso os integrantes das corporações de bombeiros militares,
respondem penalmente por infração a dever legal que tem como escopo o interesse público
dos administrados, mas acima destes interesses, a supremacia do Estado, que exige da
organização militar um exemplo a ser seguido pela sociedade, e para a imposição da soberania
nacional na comunidade das nações, na manutenção da lei e da ordem. Isto não significa que o
militar está excluído do abrigo das garantias constitucionais individuais, pelo contrário, tanto
o Código Penal Militar quanto o Código de Processo Penal Militar são leis que estão sob a
égide da Constituição Federal, e a esta devem limitar-se e regrar-se quanto a aplicação de seus
princípios norteadores, e das garantias individuais asseguradas a todos os cidadãos brasileiros,
sejam civis ou militares.
Elaborar uma abordagem teórica que busque encerrar uma pesquisa desta natureza
não é tarefa fácil, pois a organização militar, como um todo, é um universo pouco explorado,
e a escassez doutrinária sobre o tema releva que este ramo da ciência jurídica ainda precisa ser
explorado, principalmente quando analisado à luz das novas disposições constitucionais, que
traçaram novos horizontes às corporações militares, igualando alguns direitos e alinhando as
atividades militares nos Estados-membros.
Dentro da proposta desta pesquisa, qual seja, visualizar o integrante das corporações
de bombeiros militares no âmbito da legislação penal aplicável à seara castrense, em especial
em relação aos crimes omissivos impróprios, constata-se que este especial agente público tem
em suas atribuições certas responsabilidades que o colocam na condição de garantidor,
responsável pela não ocorrência de prejuízos à vida e ao patrimônio dos administrados, e
ainda, minorar o sofrimento da sociedade em situações que exigem pronto atendimento. A
atuação deste profissional sujeita-o a vários regramentos, e que são extremamente rigorosos,
não apenas em razão dos interesses da sociedade, individualmente considerada, mas também
por conta da defesa da disciplina da organização militar, de indiscutível relevância nacional.
O cometimento de crime, na modalidade omissiva, já que deste profissional é esperada a
pronta atuação, exige do operador do direito considerar todas as circunstâncias em que o ato
delituoso tenha ocorrido, delineando a aplicação da lei nos dispositivos legais do Código
Penal Militar e na defesa da garantia dos princípios constitucionais.
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