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1978 Apresentacaéo (Quarteme de couverture in Hereultine Barbin. ite Alextna #, Paris, alimard, col, “Les View Puralllee", 1078 ‘As recucdagies de Hereuline Barbin, tradas cos Annales d hygiene pablique. deviam Inaugurac a publicacio de wma série de arquivas médleo-legals tratando da sexualidade ¢ especialmente do hermafroditiama. Depais de Hercultne Barbin, a colesia 6 teri wm Giniee titulo: Le Cercle amaurewx Henry Legrand, pubiscado om 19°79. Os antigos gastavam de coloear em paralelo as vidlas das ho- mens ilustres; ouviam-se falar através dos séculos essas som- bras exemplares, As paralelas, eu sel, so fellas para se juntar no infinito, Imaginemos oulras que, indefinidamente. divergem. Sem pon- to de encontro, nem lugar para recolhé-las. Frequentemente, nao tiveram outro ceo senao 0 de sua condenacao. Scria pre- elso apreendé-las na forca do movimento que as separa: seria preciso reencontrar a estelra Instantdinea e brilhante que elas detvaram quando se precipitaram para uma obscuridade em que “isso no se conta mais" e-em que toda “fama est perdi- da. Seria como o inverso de Plutarco: vidas a tal ponto parale- as, que ninguém pode mals alcangitlas. 78 hel Foucault e o Zen: uma Estada em Templo Zen Foci to xen: zendera talzatskt" CMichel Paarl et le een: wn séjour 8 un temple zen’ conversacoes cofetadas por C Folac), Uma, nm. 197, selemnira de 1978, ps 1-8 Vrabuilhando na bistéria da diseiplisa cris, M. Foucault nba desetado \wimnpreender melhor a prea do 2en ¢ fos conridado a permanecer na templo ‘Boinn}: em Urachara, an departamenio de Yamanashi, onde o mestre Omiaet Boorn dria a sala de mediiagto. Um nedstor da reeita budisin Shun yr algumas enirerstas com os bonzes que Christian Pola treducla. MM, Foucault: Nao sel se sou capaz de seguir corretamente as. Pegras rigorasas do temple zen, mas fare! 0 melhor que possa. Esiou muito interessado pela filosofia do budismo. Mas, desta vez, ndo vim para essa finalidade. © que me interessa mais € ‘@ propria vida no temple zen, a saber, a prética do zen, seus treinamentos e suas regras, Porque penso que uma mentalida- de totalmente diferente da nossa se forma por meio da priitica edo treinamento no templo zen. HA poueo, vooe nos disse que aqui é um templo vivo que se diferencia dos templos tradiclo- nais. Voce tem regras diferentes dos outros templas? Um bonzo: Eu queria dizer que aqui no é um templo re- presentativo da cullura zen. Nesse sentido, este templo nao €, {alvez, bastante satisfatdrio. Ha uma expresso. que diz que “o zen representa © homem”. Nos temos aqui Indmeros monges qe perseguem com ardor © zen em si mesmes, O zen vivo significa isso, ‘M, Foucault: No que concerne as recordlagdes de minka pr meira estada no Japaa, tenhe mais um. sentimente de pesar por nao ter visto nada e por nada ter compreendido. Isso no significa absolutamente que nao me tinham mostrado nada. Mas, durante e logo apés ter dado a volta para observar muilas coisas, sent que ndo tnha apreendido nada. Para mun, do {80 stiched Foucsult - Datos € Enceton ponio de vista da tecnologia. do modo de vida, da aparéneta da estrutura social, 0 Japao ¢ um pats extremamente préximo do mundo ocidental, E, ap mesmo tempo, os habltanies deste pais me pareciam sobre todas os planos muito mals miisterieses com relacao aos de todos os outros paises do mundo. 0 que me impressionou fol essa mistura de proximidade e de distéin- cla, F eu no pude ter nenhuma impresso mals nia. Um bonzo: Disseram-me que quase todas as suas obras sio traduzidas em japonés. Vocé pensa que os seus pensamentos scjam bem eompreendidas? M, Foucault: Nao tenho meio de saber como as pessans in- terpretam o trabalho que realizei, E sempre uma grande sur- _presa para mim que minhas obras sejam traduzidas no exte- rior até que minhas obras sejam lidas na Franca. Para falar francamente, espero que meu trabalho interessc a dex ou cem pessoas. E, quando sé trata de win nimero mais importante, fieo sempre um, pouco surpresa, Do meu ponto de vista, € que meu nome, Foucault, é fécil de pronunciar ém japonés, par exemplo, muito mais facil que Heidegger. B claro que isso é uma brincadeira, Penso que aquele que esereve nao tein & a reito de exigir ser compreendide como quis sé-lo no momenio da escrita, Isto €, que a partir do momento em que ele escteve, hao € mais 0 proprietario do que diz, exceto sob um aspecto Juridico, Evidentemente, se alguém o critica € nao the da razao, por ter Interpretado mal seus argumentos, vood pode insistir sobre o que quis exprimir. Mas, fora esses casos. penso qi liberdade de leitor deve absolutamente ser respeitadia, O curso é uma realidade que pode transformar-se infinitamente. Assim, 0 que esereve nao tem a direito de dar ordens sobre a Utilizagao de seus eseriios. Eu nao considero © que escrevo como uma obra no sealide originario ¢ classica dese termo. Escrevo coisas que parecem utilizdvels. Em suma, colsas utilizavets em um sentida dife- rente, por pessoas diferentes, em paises «liferentes, em certos casos. Entao, s¢ analiso. alge camo a loucura au ¢ poder, ¢ 1360 serve para alguma coisa, isso basta, E a razo pela qual cu escrevo. Se alguém utiliza diferentemente que escrevi, 1560 nao me desagrada, ¢ alé se ele ¢-uitiliza em outro contexto para outra coisa, fica bastante contente. Nesse sentido, nao penso que eu seja o antor da obra, e que 0 pensamento € a intencio do autor clevam ser respeltados 1078 —Aitehel Foucault e 6 Zen: uma Estada em um Templo Zen 81 Um bongo: Seu interesse pelo Japao € profundo ou super- flctal? M. Foucault: Honestamente, nao estou eonstantemente inte- fessado pelo Japao. 0 que me interessa é a histéria ocidental da ruclonalidade ¢ seu limite. Nesse ponto, @ Japdo apresenta uum problema que ndo se pode evitar, e € uma ilustracao desse problema. Porque o Japao ¢ um enigma, muito dificil de dect- frar. Isso nao quer dizer que ele é 0 que se opde A racionalidade oxidental, Na realicade, esta constrét colénias por toda parte em outres Ingares, enquanio, no Japao, ela esta longe de cons- Iruir uma; ela é, antes, ao contriirio, colonizada pelo Japio. Um bonzo: Disseram-me que voc’ ¢ interessade pelo misti- cismo, Emi sia apiniio, o misticisiio ¢ a ésoterismo significam a mesma colsa? M, Fouéault: Nao. Um bonzo: Vacé pensa que 0 zen é um misticismo japonés? M. Foucault: Como vacé sabe. 0 zen nasceu na india, de- senvolveu-se na China e chegou 20 Japao no séeulo XII. Nao penso, entao. que cle scja propriamente japonés. Rinzai é um bonze zen de quem gusto muito, e ele ndv é japonés.! Ele no nem tradutor de sutra, nem fundador do zen chinés. mas penso-que ¢ um grande filésofo do zen. alguém de séeulo Ix, nao €2 Bu lia versio francesa do professor Demiéville, que uum excelente especialista franeés do budismo, Um bonze: Parece que a maioria dos especialistas japane- ses pensa que o budisme zen é originéria da China mals do que da india. M. Foucault: Q zen originari da inella ¢, talvex, um. pou- 0 mitoldgico. &, provavelmente, para ligar o zen ao proprio Burda, O zen ma India nao € multe impartante, E, certamente, tle se desenvolven fortemente na China, no século VII, ¢ no slapiio, na século XII, nda € ‘Um bonzo: O que yoo’ pensa das relagdes entre o zen € 0 misticisino? MM. Foucault; Eu penso que 0 zen € totalmente diferente do milsticisme eristao. E penso que o zen é wm misticismo. Dito so, mio tenho um conhecimento suficiente do zen para sus- tentar essa conviceao, Poder-se-la dizer, em todo caso, que ele 1 Rinzal (Lin Chil, marto em B67. Lin dos malores mestres zen da dinastia Tang, 82 Michel Foucault ~ Ditos ¢ Escritos nfo tem quase nenhum pento em comum com o misticismo cristo, cuja tradicao remonta a Sao Bernardo, a Santa Tere- sa de Avila, a So Joao da Cruz. E completamente diferente. Quando digo misticismo, uulizo o terme no sentido ertstio. © que é muito impressionante, no que diz respeito & espiri- tualidade crist& ¢ 4 sua técnica, € que se busea sempre mais individualizacao. Tenta-se fazer apreender o que hé no fundo na da individuo, “Dize-me quem és", cis a espiritualidade do cristianismo. Quanto ao zen, parece que todas as técnicas ligadas & espiritualidade tém, ao contrario, tendéneia a fazer alenuar-se 6 individuo. O zen € 0 misticismo cristio sao duas coisas que nao se podem comparar, enquante a téeniea da es- piritualidade crista e a do zen sio companivels, E, aqui, uma grande oposicio existe, No misticismo crist#io, mesmo quando cle prega a uniao de Deus ¢ do individuo, ha alge de individual. Porque se trata das relacOes de amor entre Deus € o individu. Um € aquele que ama, e o outro é aquele que € amado. Em suma, o misticismo cristo visa A individualizagao. Sobre a meditagdo zen: M. Foucault: Com tao pouca experiéncia, nao posso dizer nada de preciso. Apesar disso, se pude sentir algo por meio da postura da corpo na meditacaa zen, isto ¢, a posicae justa do corpe, sdo novas relacdes que podem existir entre o espirito © ‘co corpo e, além disso, novas relacées entre 6 corpo €.0 mundo: exterior. Nao temos muito tempo. Eu gostaria de Ihe fazer 96 uma pergunta, Trata-se da universalidade do zen. E possivel scpa- rar a pratica do zen da totalidade da religiio e da pratica do budismo? Omort: O zen nasceu do budismo. Entio, existem relagbes estreitas entre o zen e o budisma, Entretanto, 0 zen mio exi- ge obrigatoriamente a forma do zen, Pode-se até abandonar o nome “zen”. O zen ¢ muito mais livre Voce acaba de dizer que sentiu novas relagoes entre o espi. rito ¢ 0 corpe e entre 6 corpse 0 mundo exterior. Eu o acho: admiravel por té-lo sentido eom tae pouca experiéncia do zen. Nao € verdade que sao experiéncias universais sentir que 0 cspirite ¢ @ Corpo Se retinem € que nds mesmos € o mundo-¢x- terior nos reunimos? Isso mostra que o zen possui um cardter internacional ¢ universal. O zen € pequeno se pensarmos que é somente uma parte do budismo, mas nés néo © consideramos: 1978 ~ Michel Foucault ¢ 0 Zen: uma Esiadaemum Templo Zen 83 como uma parte do budisme, Se vocé pode compreender o zen nesse sentido, com sua experiéncia, penso que vocé estara convencido da universalidade do zen. Um bongo: Estou mutta feliz. de reecbé-lo em minha peque- na cidade japonesa, Urnohara, um grande filésofe came voce. M. Foucault: Eu nao sou um grande filésofo como yore diz. Sou eu quem esta felix de participar desta festa.? Eu n’o espe- rava poder assistir a um acontecimento assim, Um bonzo: A propésito da crise da pensamento ocidental que domina atualmente a Europa, voeé pensa que o pensa- mento do Oriente poderia ajudar a reconsiderar o pensamento ocidental? Isto é, voeé acredita que o pensamento do Oriente permitira, de certa manetra, ao pensamento ocidental encon- trar um novo caminho? M. Foucault: Os reexames desses assuntos se efetuam por meios diversos, por intermédio da psicandlise, da antropologia da andlise da histéria. E eu penso, também, que os reexames podem ser procurados, canfrontando o pensamento ociéental com © pensamento do Oriente. Com efeito, o pensamento europeu se encontra em uma vi- Fada, Essa virada, no plano histérico, nao é outra coisa senao © fim do imperialisma. A crise do pensamento ocidental ¢ idén- tica ao fim do imperialismo, Essa crise nao produz nenhum fil6sofo supremo que exeeda a signilicd-la ela prépria, Porque 0 pensamento ocidental em crise se exprime por discursos que podem ser muito interessantes, mas que nao sio nem especifi- cos nem extraordinaries, Ndo ha nenhum filésofo que marque esta €poca. Porque ¢ 0 fim da era da filesofia ocidental. Assim, Se uma filosofia do futuro existe, ela deve nascer fora da Eure- pa, ou, entao, deve mascer em consequencia de encontros ¢ de percuss6es entre a Europa ¢ a néo Europa. Um bonzo: © que voct pensa da difusto do pensamento Ocidental e de sua universalidade? M. Foucault: A Europa se situa em uma regio determinada fo mundo e em uma época determinada, Dito isso, ela apresen- ta a particularidade de criar uma categoria wniversal que ca- teriza 0 Mundo moderna. A Europa é 0 Ingar de nascimento ‘da universalidade. Nesse sentido, a crise do pensamento eu- Celcbragio de um servigo em meméria das criangas morias antes do seu. mento, 84 Michel Foucault -Ditos ¢ Bseritos ropeu alrai a alencao de todo 0 mundo ¢ diz respeito a Lodo o- mundo. & uma crise que influencia os diferentes pensamentos. de todos-os paises do mundo, assim come o pensamento geral do mundo. Por exemplo, 0 marxismo nasceu em uma época determinada, em uma regio determinada: ele fo! fandado por um jucien por meio de contatos.eom um punhade de operdrios. Isso se tornou néo somente uma forma ideolégiea, mas ura visio do mundo, uma organiza |. O marxismo preten- de a universalidade, ¢, alls, como vocé o sabe, apesar de um poueo de refracio, ele se reflete no mundo inteiro. Ora, 9 marxismo se encontra atualmente em uma erise in discutivel: a crise do pensamento ocidental, a crise do concelto -ocidental que ¢ a revalugao, a crise do eoneeito ocidental que nic 0 homem e’a sociedade: © tina crise que dic respetio a0 mundo intelro e que concerne tanto & Unido Soviética quanto a0 Brasil, & Thecaslovéquia, a Cuba ete, Um bonzo: Ne que coneerne ao marxismo, 0 que voce pens quanto ao seu futuro ¢ 6 que pensa do eurocomumisma? M, Foucault; & meu ver, uma das coisas importantes nisso que se chama a crise do marxismo ¢ 0 fato de que o marxismo- no € mais dlil como garantia teérica do Partido Comunista. O- Partido Comunista no ¢ mais marxista. 0 mesmo acontece na Unide Sovictiea, nos paises de democracia popular, na Franca. em Cuba No que diz respeit ao curecomunismo, a questo impor. tante, hoje, nao se apresenta quanto ao seu futuro, mas quanto adeia e 90 (ema da revolugio. Desde 1788, a Europa mudou em [uncao da idela de revolugao, A hist6rla europeia foi domi- nada por essa ideia, E exatamente essa ideia que esta come- candio a desaparecer neste momento. Um bonzo: Eis a minha ultima pergunta, Segundo voce, como deve ser 0 Japao no future? 1M, Foucault: Minha resposta € simples. Eu penso que o pa- pel dos intelectuals, na realidade, no consistc absolutamente em se fazerem profelas. ou, enldo. legistadores. Ha dois mall anos, 08 filésofos sempre falaram do que s¢ devia fazer. Mas isso sc traduuzin sempre por 1m fim trégieo. O-que ¢ importan- tc € que os filésofos [alam do que acontece atualmente, mas no do que poderia se passar. ta 197A = Mich! Foveaull © 0 Zen: wins Pataca em um Tensplo Zen 85 M, Foucault: Eu ja visitel varios templos zen. Tive a impres- 0 cle que eles eram fechados, [rios e corladas do mundo exte- for, Mas 9 seu me deu a impresséo muito clara de um templo iberto ¢ integrada ao ambiente Ewagradeco a voce por me ter dado esta experiéncia da zen, ie me ser4 muito preciosa. Mas é uma modesta experiénela jesejo poder voltar dagul a um ou dois anos para adquirir als experiéneia, 1978 O Misterioso Hermairodita “tl mistertoso ermafradito" (“Le mystéricux hermaphrodite”; entrevista com E. Guicelard; trad. C. Lazzert), La Stampa, suplemento literdria, ae 4, 1, 0.8 de agosto de 1978, p. 5. Dessa entrevista, que foi resumida pelo jornaliata. 38 {foram retidos os rarox propésilos atr/buides cliretamente & Michel Fowcnul ‘O que mais me surpreendeu no rela(o de Herculine Barbin' foi que, no seu caso, néo existe verdadeiro sexo. O conceite de pertenca de todo individuo a um sexo determinado foi formu- lado pelos médicos ¢ pelos juristas somente no século XVII, mais ou menos. Mas, na realidade, pode-se sustenlar que cada uum dispoe de um verdadeire sexo, ¢ que o problema do prazer s¢ apresenta em fungio desse pretenso verdadeira sexo, isto é do sexo que cada um deveria assumir, ou descobrir, se ele est ‘eculto por uma anomalia anatémica? Tal é o problema de fun- do levantado. pelo caso de Hereuline, Na ctyilizagao moderna, exlge-se uma correspondéncla rigorosa entre @ sexo anatérni- £0, 0 Sexo Juridica, 0 sexo sacial: cases sexos devem coincidir nos colocam em uma das duas colunas da sociedade, Anics do século XVIII, havia, no entanto, uma margem de mobilidade bastante grande. () Entre outros aspectos que eu gostarla de colocar em evi déncia, ha o fato bastante curioso de que. na iconografla ¢ na literatura do século XVI o hermafraditismo se encontra ligado a Reforma, isto é, A dualidade da religléo cristé: é a imagem emblemuitica de um mundo ne qual as duas religiées, a cat6- lica ¢ @ reformada, se encontrariam reconeiliadas. Por outro lado, ele pode ser também a expresséa simbélica da dualida- de do papada e do Impéria, No século XVII, ao contrario, 0 | Mereuitne Barbin, cite Alene B,,apresentado por M, Pouca, Paris, Gall ‘ard, col. "Les Wies Paralltles", 1978. Ver Apresentagio, neste volume. 1978 - O Misterioso Heemalrodila B87 Jeina do hermafrodilismo se liga diretamente ao erotisme, em Flicular a deseoberta do erotisme do adolescente, esse ser transiedo, indefinivel, No século XIX, entre as novas signi- goes atribuidas ao hermafroditismo, em uma perspectiva istico-religiosa, nds encontramos 0 do casal primordial. A jeligiao catdtiea € a tinica na qual nao se encontra casal divino, 1a deusa ao lado de um deus: essa lacuna sera preenchida algumas seitas paraeristés ou nao cristas que proliferavam decorrer do século passado, Reflramo-nos, por exemplo, a0 ositivismo de Auguste Comic, que, quando se transforma em Aigio, instaura 6 casal religioso homem-mulher. 3 ‘Tal € um dos principals aspectos que uma histéria do her- Mafrociitisme deveria elucidar: como se chegou a essa conde- Hagio de dois fendmenos perfeitamente distintes, o do herma- froditismo ¢ 9 da homossexualidade, 1979 A.Lei do Pudor “Li ol cle bs pueleur” fentrevista com J. Danet, advogado no foro de Nantes: F Hahn, Jomalisin de Gat Proe?, ¢ 7: Hooquenghem, Dialogues, France-Culeure. 4 de abril de 1978), Recherches, 0.47: Rous d'enfance, abril de 1978. p. 69-82. © Purlanenlo trabalhava na revisio das disposicies do Cédigo Pen concernentesa-sexnalidaddee 3 infanci, A Comlsstode Reforma do Céele Penal Uunha consultado M. Foucaull, ele mesmo mulle slente as teses conflituosas sustentadas pelos difecentes movlmentas de lberacio; ns mulheres quertam 2 criminalieagio do estupro: os homossémmats, a descrimmales¢a0 da homossexualiiade: léshicas ¢ pedétilas se enfrentavam, como se enfrentsvim ‘com os polcanalisias sabre a nopto de perigo ligada & sexunlidade. M. Foueault delendeu diante da Comissaaakguns dos argumentos da “Carta aberta sobre a revisia da lel sobre os delllos Sexais concementes aos menores”. Finalmente, fi Junho de 1078, 0 Senada-voutva a supressio da diseriminagse entre alos homossesuals € helerossesais, © alen(ado go pudor gem violéneta em relacan ‘Aum menor de 1$ anos, qualquer que fosse seu sexo, passava para a jurtsdican, cometional, oo pagee que era, até enti, passivel de tribunal ertmical Guy Hooquenghem, escritor, fundador da Frente Homessexual de Agao Revoluctondria (PHAR), nha tomiado, no outona de 1877, com René Scherer. professor no Departamento de Filosofia de Vincennes. a iniciativa de wis “Carta aberla sobre a revistoda lei sobre os deliios seus eoneernentes aos, ‘menores’, sxinada, em especial, por Francolse Dolto. psieanalista de eriangas, fe crisia. Ese carta peda uma revisto radical dedirelte cin materia sexual © de legislagto da infin, M, Foucault: Se acettamos, os trés, participar desta emis- sao (faz, agora, varios meses que o seu principio tinha stdo conquistada), é pela radio seguinte, Uma cvolugio bastante ampla, bastante maciga, € que. a primeira vista, parecia Irre- versivel, podia fazer esperar que 0 regime legal imposto As pra- Ucas sexuais de nossos contemporaneos ta, enfim, acalmar-se e deslocar-se. Regime que nao é tao antigo, visto que o Cédi- go Penal de 1810 nao dizia grande coisa sobre a sexualida- de, como se a sexualicade no devesse depender da lei: ¢ fot simplesmente, no curso do século KIX, ¢ principalmente no século XX, na época de Pétain ¢ no momento da emenda Mir- 89 1870~ ALet do Pudor guet (1960),' que a legislacao da sexualidade se lornaw cada Yee mais pesada. Mas pode-se constatar, ha uma dezena de nos, nos costumes, na opiniao pablica, um movimento para fazer evoluir esse regime legal. Reuntu-se até uma Comisséo de Reforma do Direlto Penal que tinha, que continua a ter como larefa redigir de novo certo ntimero de artigos fundamentals "do Codigo Penal. E essa comissio acmitiu, efetivamente, com muita seriedade, devo dizer, mio somente a possibilidade, mas a necessidade de mudar a maior parte dos artigos que regem, ha legislacdio atual, @ comportamento sexual. Essa comissao, instalada agora, ha varios meses, objetivou essa reforma sobre 8 legislagao sexual no decorrer dos meses de maio ¢ junho il- limos, E eu penso que as proposioges que ela pretendia fazer cram 0 que se pode chamar liberais.* Ora, parece que, lnd certo hiimero de meses, um movimento em sentide inverso- come- ca a desenhar-se, um movimento que € inquietante. Primel- To, porque ele nao acontece somente na Franca. Olhem o que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos, com a campanha que Anita Bryant realizou contra os homossexuals, que chegou até a beirar o chamado ao assassinato. E um fendmeno que se pode constatar na Franca. Mas. na Franca, cle € constatado por meio de certo mimero de fatos particulares, pontuais, de que se falard daqui a pauce (Jean Danet e Guy Hocquenghem dario, com certeza, exemplos), mas que parecer tndicar que, | Acmenda Mingiet. de 18 de jutbo de 1960, aumenta ax pena previstas por ‘uliraje pahlica ao pucor cnire pessoas do mesmo see (Dicirw Ofectal, n 51. 18 de julho de 1960, p. 1.981). 2.4 partir dessas propasighes, fo reuliraca 2 reforma dos artigos 330.331. Os artigos 330-831 do Cédigo Penal dizems respeita aos aientadas ans costumes. (6s artigos 330°43 | tratam do ultraje pbliea ao purtor ¢ da atentado an pulor ‘sem violénela contra menares, Aalinea 2 do artigo 330 sanciona mals severamente o ultraje piblico ao, pulor ‘contra natureza enire pessoas do mesmo sexo lemencka MirgueD. ‘artigo 851 diz respeito a pratecio dos menares com menos de 15 anos ean tra atentades ao pusor sem violéncia: Alinea 1: "0 atentada ao pudar de urn ow oulsa sexo é puniee com reclussio de cinco # 10 anos desde o decreto de Side fevereiro de 1945" Alines 2:"Os atos homossecnais = tmpulicos ou contra natureaa —cam menor demenos de 21 anos £00 punidos corm uma pena de pris de sets meses a (res ‘nas e com wera muta” (enquanto a majoridade heterossexual ¢ de 15 aio). Alei de 5 de julho de 1974 rebalsa a maloridade elvl ¢ poltiea para 1B anos ¢ '9 maforidacke homossextial pari: Wao. Os artigos 452-353 tratam dos crimes ou sins de violkaeta lestupro} contra ndivides matores: ou mtenoces, 90. Niichel Foucault = Ditow © Bsertios por um lado, na pratica policial e, por outro, na jurisprudén- cla, volia-se mais a posigées firmes, posicées duras, posicoes esiritas. E esse movimento que se constala na pratica pollelal ¢ judiciaria é infelizmente apolado muito frequentemente por campanhas de imprensa, ou por um sistema de informacées conduzido pela imprensa. E, pois, nessa situagdo, movimento global que tende para o liberalismo, €. depois, fenémeno de retorno, contragolpe, freada, talvez até partida do processo in- verso, que devemos discutir esta noite. G. Hocquenghem: Faz agora seis meses, lancamos uma pe- tigdo que pedia a ab-rogacio de certo numero de artigos de lei, em especial os que reprimem as relagdes entre maiores ¢ me- nores, aSSim Como OS que reprimem a incitagéo de menores & +devassidao ea descriminalizacdo das relagdes entre maiores © menores abaixo de 15 anos. Mullas pessoas a assinaram, pes: S0a5 quc sao recrutadas em todo o leque politico, que vao do Partide Comunista.& Senhora Dolla, E, entéo, uma petigae que fol assinada por muiias pessoas que ndo io nem suspeitas de serem elas mesmas particularmente pedGfilas, nem mesmo suspeitas de serem extravagantes do ponte de vista politico. ‘Tinhamos a impressdo de que certo movimento sc descnhava, ¢ esse movimento era confirmado pelos documentos que ti- nhamos podide ver da Comissio de Reforma do Cédigo Penal. 0 que nés constalamos, hoje, entiio, é que nde somente esse genero de movimento é um pouquinhe uma ilusdo liberal, que. de fato, ele nao corresponde a uma transformacdo profunda na jurisprudéncia, no julgar ou na prépria mancira de instruir um. aso. Mas, além disso, no nivel da opinido piiblica, ¢ da epiniio publica propriamente dita, isto ¢, des jornais, das radios, das jelevisées elc., é antes o inverso que parce estar comegande. com novos argumentos. Esses noves argumentes giram essen- cialmente em torno da infineta, isto é, em torne da exploraco da sensibilidade popular, da sensibllidade da opiniio e do seu horror espontaneo por tudo 0 que diz respeito ao sexo, quan- do ligado 8 crianca. Assim, um artigo do Newel Observateur ‘comeca por um titulo dizendo que “a pornografia em relagio a infancia é 0 ultimo pesadelo americano e, sem diivida, o mais terrivel de um pais sem dtivida fértil em escandalos™, Que a pornografia infantll seja o mais terrivel dos escAndalos atuals, a propria desproporcao entre assunto evocado, a pornografia infantil, nem mesmo a prostitulcas, ¢ a imensidéo dos dramas e das repressées que podem sofrer, por exemplo, 05 negros a1 1070 — A Led de Pudlor fos Estados Unidos salta aos olhos. Toda essa campanha so- '¢ 4 pornografia, sobre a proslituicéo, sobre todos esses fend- nos socials que, de toda manetra, esto sujelios a discussio Jinguém, aqui, pensa em se fazer o paladino da pornografia da prostituicdo infantil) nao serve, de fato, senéo para che- ir a esta questo essencial: ¢ ainda plor quando as criancas 10 consentintes, € ainda pior se isso ndo ¢ nem pornogréfico ‘em pago ete. Isso quer dizer que todo © contexto criminali- nle 86 serve para destacar o nticleo da acusacao: voces que- ‘em fazer amor com criancas consentintes. Ele s6 serve para @estacar o interdito tradicional, e para destacé-lo de uma nova mancira, com novos argumentos, o interdita tradicional sobre as relacdes sexuais consentidas, sem violéneia, sem dinheiro, gem nenhuma forma de prostituigio, qué podem existir entre maiores © menores, J. Danet: Jé se sabe que alguns psiquiatras consideram fue as relagdes entre as criangas ¢ 08 adultos sao sempre trau- muiticas. E que, se elas ndo guardam essa recordacio, ¢ porque esti’ no seu inconsclente, mas, de toda maneira, fleam marca. das para sempre ¢ s¢ tornarao caracteriais. Entao, 0 que se prepara com a intervenc3o dos psiquiatras no tribunal é uma manipulacao do consentimento das que se dizem vitimas, é una manipulagao de consentimento das criangas, ¢ uma ma- hipulagéo de sua palavra. E, depois, hd uma utilizacdo, bas- lante recente, parece-me, dos textos repressivos, que convém observar porque, talvez, ela servird de Lilica provis6rla para a Justiga a fim de preencher faltas. Com efeito, nas instituicdes diseiplinares tradicionais, a priséo, a escola, 0 asilo, os enfer- metros, os professores seguiam um regulamento muito estrito; fa hierarquia era muito proxima, ¢ as observava permanente- mente tanto quanto, finalmente, observava as criangas ou os loweos; por outro lado, nas novas Instancias de controle soctal, o controle pela hierarquia € muito mais dificil; ¢ podemos nos perguntar se ndo vamos assistir a uma ulilizacao dos textos de direite comum: excitacae de menor 4 devassidao, por exemplo, contra os trabalhadores socials, ox cducadores, E cu obscrvo, falancio nisso, que Villerot® ¢ educador, que Gallien cra mé- 3 Gilbert Vilerot publica no mesmo niimtera da revista Recherches {p. 167-212) 0 dossté de sua incriminagio. em 1877. por “alenbudlo 20 pudor scm violgucla corttra menor de 15 anos” (ransformacto pels corte em “vialénctas & erianca’. de- lito menos grave ne plane penal pela que ee fi condenado a um ano de Isso, 92 Michel Foucasll —Diloe « Esceltes dico, mesmo se os fatos ndo haviam acontecido enquanto ele exercla sua profissae, Que, em 1976, em Nantes, aconteccu um proceso de um educador que era acusado de exeitacio de menores & devassiciao por ler fornecido contraceptives a0s meninos ¢ as meninas de quem ele culdava. Entio. direito comum serviria, dessa vez, para reprimir os educadores, os trabalhadores sociais que nao fariam seu trabalho de controle social como o desejavam suas hierarquias respectivas. Ja, de 1830 a 1860, veem-se decretos se obstmar Iiteralmente nos professores, a tal ponto que algumas decisdes de justica di- zem explicitamente que 0 artigo 384* de Cédiga Penal Sobre a ineitacde de menores & devassidao se aplica a algumas pes- soas, precisando, entre parénteses, o professor. por exemplo, ‘tnquanto © caso em questao nao se referia a um professor. Isso quer dizer a que ponto todos esses textos, flnalmente, esto A procura dos lugares por onde poderiam introduzir-se ‘08 perverses que vio corromper a juventude. E essa a obses- sio dos juizes. Eles no conseguiram definir ag perversées, ‘Serdo-a medieina €.a psiquiatria que o fardo.cm seu lugar. No meto do século XIX, vern-Ihes uma obsessio: e se 0 pervertido estivesse em toda parte? E vamos comegar a acossd-los nas imstituigdes mais perigosas, de risco, nas populacdes de risco, antes da ¢poea em que a expresso fol inventada. Atualmente, se pudemos acreditar, durante um tempo, que os textos de lel fam recuar. nao fol porque pensavamas que 0 periode fosse liberal, mas porque sabiamos que controles mais sutis tam estabelecer-se sobre a sexualidade. E que, talvez, a aparente Mberdade que camuflava esses controles sociais mais flexivels, mais difusos, fa provocar uma retirada de campo do juridico, do penal. Isso naoé sempre necessariamente o caso, ¢ pode-se Pensar que leis repressivas tradicionais funcionarao junto com controles muito mais sutis, uma forma da sexalogia tal como nfo se conheeeu e que sc Introduziria em todas as instituigoes, inclusive eseolares. 40 objeto inieial dese artigo era. atingir as praxenctas: “Aquele que xe lerpac no inicresse das paixtes dos ouiros e niio de suas paixhes pessnals.~ “Dniretanio, declarava, em 1851, a corte de Angers, quande se trata de fates que revottam a natureza (J, Tet deve aplicar-se em seu espirita, en caso 4e- methane |.) 80 professor, por exempla, que excita menores da meamo sesa ‘a comeler sobre sta pessoa atos imarais.” A ei de 6 de agosto de 1942 precisa € confirma ea extensio, 1079 -A.Leido Fudar 93. M, Foucault: Parece-me, com efeita, que chegamos, ai, a um ponto que € importante. Se é verdade que estamos em uma Muiago, nao ¢ verdad, sem ditvida. que essa mutagio sera favordvel a um abrandamenta real da legislacdo sobre @ se- ‘qualidade. Jean Danet 0 indicou, durante lode o séeule XIX, ficumulou-se, pouco a pouco, ndo sem muilas dificuldades, uma legislagio muito pesada, Ora, essa legislagao tinha, mes- mo assim, essa caracteristica que jamais foi capar de dizer exalamente 0 que ela punia, Puntam-se atentados. o atentado Jamats foi definido, Puntam-se ultrajes, jamais se soube 0 que era um ultraje. A lei era destinada a defender 0 pudor. jamais ‘se soube o que era 0 pudor. Praticamente, cada vez que era preciso Justifiear uma intervencdo legislativa no dominio da sexualidade, invocava-sc © direito do pudor. E pode-se direr que toda a legislagao sobre a sexualidade, tal como estava esta- belecida desde século XIX, na Franca, ¢ um conjunto de leis sobre o-pudor. E-certo que esse aparelho legislativo, que visava um objeto no definido. nao era Jamals uuilizado, senaio em casos considerados come taticamente dtets. Houve, com efel- to, toda a campanba contra os professores. Houve, em dado momento, uma utilizagio contra 0 clero, Houve uma utilizagao dessa legislagae para regular os fendmenos de prostituigao de eriangas, que foram to importantes em todo 0 século XIX, entre 1830 ¢ 1880. Agora, damo-nos conta de que esse Ins. trumento, que tem para ele a vantagem da flexibilldade, visio que seu objeto nao é definido, nao pode, no entanto, subsistir assim, uma vez que essas nocées de pudor, de ultraje, de aten- tado pertencem a um sistema de valores, de cultura, de discur- so; na explosdo pornografica e nos proveitos que ela induz, em toda essa nova atmosfera, nio é mais possivel empregar essas palavras ¢ fazer funcionar a lel sobre essas bases. Mas 0 que se desenha, ¢ & porque eu acredito que era importante, com efetto, falar do problema das criangas, o que se desenha, é um novo sistema penal, um novo sistema legislativo que ter4 como funcao nao tanto punir o que serla infragao a essas leis gerats do pudor quanto prateger populacdes on partes de populactes consideradas como particularmente frigets, Isso quer dizer que o legislador nao justificard as medidas que ele propée, di- zendo: “E preciso defender o pudor universal da humanidade"; mus ele dird: “Hii pessoas para quem a sexualidade dos outros pode tornar-se um perigo permancnte.” Assim, as criangas, QA. Naiclsel Foucault ~Ditos © Reeritos que podem encontrar-se as vollas com uma sexualidade adulta que Ihes scr es(ranha ¢ que apresenta forte riseo de thes ser prejudicial. Dai uma legislaga0 apelando para essa nogdo de populacao fragil, de populagdes cam alto risco. camo se dix, € para todo um saber psiquiatrico ou pstcolégico embebido de uma psteandilise de boa eu de md qualidade, pouco impor- a, no fundo; e isso dara aos psiquiatras o direite de intervir duas vezes. Primeiramente, em termos gerals, para dizer: sim, € claro, a sexualidade da erianga existe, no voltemos mais a essas velhas quimeras que nos faziam aereditar que a crianga era pura e no sabla 0 que é a sexualidade, Mas nds, pste6lo- gos, ou psicanalistas, ou psiqulatras, pedagogos, nés sabemos perfcitamente que a sexualidade da crianga € uma sexualidade especifiea, que tem suas formas préprias, que tem seus tem- pos de maturacao, que tem seus momentos fortes, que tem. suas pulsoes especilieas, que tem suas laténcias. igualmente. Essa sexualidade da crianga @ uma terra que tem sua geografia, propria na qual o adulto nao deve penetrar. Terra virgem, terra sexual certamente. mas terra que deve conservar sua virgin- dade, Ele intervird, entio, como caueda, come garantia dessa especificidade da sexualidade infantil, para protegéla. E, por outro lado, em cada caso particular, ele dira: els que um adulto ¥eio misturar sua sexualidade com a sexualidade da erlanga. Talvez. a crianga, com sua sexualidade propria, pode desejar esse adulto, talvez até tenha consentido, talvez até tenha dado ‘os primelros pasos, Admitir-se-4 que foi ela quem seduziu o adulto; mas nés, com nosso saber psicaldgico, nés sabemos Perfeitamente que mesmo a erkanga sedutora corre o risco alé, em todos 05 ¢asos. vai Sofrer certo dano e um traumatis- imp, pelo fato de ter-se metido com um adulta, Por conseguinte. ¢ preciso proteger a crianga de seus préprios desejos, assim que seus descjos se orfentarem para o adulto, & 0 psiquiatra que poderd dizer: "Eu posso predizer que um traumatisme de tal ou tal importineta vat-se produzir depois de tal ou tal tipo de relagdes.” &, por conseguinte, no interior do novo quadro Icgislativo destinado essencialmente a proteger certas [races Irigels da populacao, a instauracao de um poder médico, que sera fundado sobre uma concepgio da sexualidade, e, prinei- palmente, das relacdes da sexualidade infantil ¢ adulta, que € inteiramente contestavel 1979 ALeldo Pudor 95 G, Hocquenghem: Ha toda uma mistura de nogdes que per- miter fabricar essa nocio de crime, ou de atentado ao pudor. gma mistura muito complexa sobre a qual nao se tem o tempo, iuqul, de dissertar longamente. mas que compreende, ao mes- jo. tempo, interdilos religiosos sobre # sodomia, ao mesmo jempo, dados completamente novos como aqueles aos quals Michel Foucault fez alusao. sobre 0 que se acredita saber da jotal estranheza do universo infantil e do wniverso adulto. Mas evoluedo global, indiscutivelmente, agora. ¢ no somente fa- bricar um tipo de crime que € simplesmente @ relacdo erética ou sensual entre uma erianea e um adulto, mas, por outro lado, visto que isso pode se isolar sob a forma de um crime. eriar certa categoria da populagao definida pelo fato de que tla se entregue a esses prazeres, Enldo, existe uma categoria particular de pervertidos, no sentido préprio, monstras que tém como objetivo na vida praticar © sexo com as erlancas. Bles se tornam, alias, pervertidos ¢ moustros isoldvets, j4 que ‘© crime como tal € reconhecido ¢ constituido, ¢ doravante re- forcado por todo o arsenal psicanalitico ¢ sociolégic. Estao- nos fabricando com todas 45 partes um tipo de criminoso, & uum criminaso que ¢ de tal modo horrivel de conceber que scu rime, no limite, fica sem qualquer explieagéo. sem qualquer vitima, Um pouco & maneira como funciona essa espécte de monstro juridico, esse termo de atentado sem violéncias: wn atentado cometido sem violéncia, nao provavel. de qualquer modo, que nao deixa nenhuma pista, visto que 0 préprio anus- copio é incapaz de descobrir 0 menor ferimento que legitime, de uma maneira au de outra, a nocio de violéncia. O ultraje pablico ao pudor, de ceria mancira, realiza também iss. na medida em que, como todos saben, 0 ultraje em questéa nao tem absolutamente necessidade de um ptiblico para ser consti twido, No caso deatentado sem violéncia, aquele em que no se péde realmente encontrar nada, nada de nada de nada, zero, nesse caso, 0 crimineso ¢ simplesmente criminose porque & eriminoso, porque lem esses gostos, © que se poderia cha- mar tradicionalmente de um crime de opiniao. Vejam 0 caso Paradjanov. Quando. uma delegagao chegou a Paris para ver 0 representante da embaixada da URSS, para levar um protesto, 9 representanie da URSS Ihe respondeu: "Wocés nao sabem. na verdade, por que ele é condenado: ele € condenado por es- iupro de erlanga.” Esse representante lia a imprensa, ele sabia 96 Michel Foucault - Ditoe © Bxcrito que esse fermo provoca mais mede do que qualquer outro, A consitiuieae desse novo tipo de criminoso, a constitui¢he desse individuo bastante pervertido para fazer algo que sempre tinha sido fetto até o presente, sem que ninguém livesse achado bom meter o bedelho, ¢ uma ago extremamenic grave do ponto de vista politico. Mesmo que ela no tenha atingldo as dtmensoes que tiveram_as campanhas contra 0s Lerroristas, sio, contudo, varias centenas de casos por ano que passam diante dos tribu- nals. E essa campanha diz que certa parte da populagao deve. a parlir de agora, ser considerada a priori como eriminosa, tal- vez perseguida em operagies do tipe “Ajucem a poliela”, ¢ fol caso para Villerot. © relatério da guarda republicana observa com Interesse que @ populacdo participau da busea, que os Carros procuraram o sétiro, De alguma mancira, @ movimento se nutre por si mesmo. O crime esmacce. ninguém se preacupa mais em saber s¢ houve, de fata, um crime ou nao, se alguém foi ou nao Iesado. Ninguém. se preocupa mais nem mesmo em saber se houve uma vitima. O crime se alimenta totalmente por cle mesmo pela cacada ae homem, pela identificagao, pelo isolamento da categoria de individuos considerados como os peddfilos. Ele chega a cssa forma de chamamento 2 linchagen que representam hoje alguns artigos de imprensa, J. Danet: certo que os advogados que defendem esses ca sos tém enormes problemas, Mas ¢ procisamente esses proble- mas sobre os quais eu gostaria de fazer uma observacao, Em casos como o de Croissant’ ou de advogades de terroristas, os advogados cram considerados imediatamente como perifosos ctimplices dos terroristas. Tudo o qué se referia de perto ou dc lange coisa era camplice. Um pouco-da mesma maneira, 0 problema da defesa de alguém que ¢ incriminado por atentado aos castumes com um menor, no Interior do pais, em especial, € extremamente grave, porque muitos advogados nio podem simplesmente assumir essa defesa, evitam fazé-lo, preferem ser designados ex afficio. Porque. de certa forma, quem quer que defenda um pedofilo pode ser suspelto de nao se sabe que obscura simpatia por essa causa, obscura simpatia da qual os Juizes entre eles pensam sempre: se ele os defende, ¢ porque ele naa esta tanto contra ele proprio, no fundo. Fato grave, que 5 Ver Vito Extradiiar Klaus Crodssant?, w VIN da edtigio brasileira desta obra. 1878-ALedo Pudor 97 €u cito um pouco rindo, mas que é conhecido de todos os que ee viram as voltas com a justica, tanto na provincia quanto em Paris, por esses casos: é extremamente dificil nao 56 para o ndvogado defender esse caso, mas até, ne limite, cncontrar um gclvogada que aceite defendé-lo, Um advogade pedera muito facilmente defender um vadio, um assassino que tem 10 ido- ‘gas em seu encalco. Isso nao tem nenhuma tmportancia, Mas defender alguém que rocou o pinto de um garoto durante tum ‘segundo, isso é wm verdadeiro problema. Isso faz parte do con- Junto que se constitl em torno desse novo-criminoso, 0 adulto /praticanda as relagbes eréticas com a infnela. Eu me desculpo por fazer referénela ainda uma vez. & histé- ria, mas acredito que nessa matéria ela hesita um pouquinho, 6 que se pode fazer referéncia utilmente ao que aconteceu no século XIX ¢ no inicio do século XX. Viu-se. quando uma carta aberta A Comissao de Reforma do Cédigo Penal fol publicada_ € que assinaturas foram colocadas abaixo dessa carta, viu-se certo ntimero de psicdlogos, de sexdlogos, de psiquiatras vir assinar essa carta. Eles pediam, entao, uma deseriminaliza- cao do atentado ao pudor com menor de 18 anos, um regime diferente para os atentados ao pudor com menores de 15 a 18 anos. uma supressao dos ultrajes piblicas ctc Mas no € porque psiquiatras, psicélogos vinham reclamar um adiamento da lei sobre essc ponto que eles estavamn mals do lade dos que sofrem essas Tepressdes. Quero dizer que nao € porque se luta contra um potter, no caso, o poder legal, que se estd do lado dos que 0 sofrem. Um exemplo histérico para comprové-lo é o exemple da Alemanha, onde, desde 0 século XIX, desde 1870, todo um movimento protestou contra uma lei que visava a todos os homossexuals, o § 175 do Cédigo Penal alemao. Nao era nem mesme um delito costumeiro, mao havia necessidade de ser um homessexual reconhecido, um 86 ato homossexual bastava, qualquer que fesse, Entao, todo uum movimento se estabeleceu, sendo composto por homas- sexuais, mas também por médicos, psiquiatras que vinham reclamar a ab-rogacdo desse texto de lei. Ora, quando sc lé a literatura que publicavam esses médicos esses psiquiatras, fiea-se absolutamente convencido de que cles s6 esperavam uma coisa da ab-rogagaa desse texto de lel: poder apoderar-se ‘oles mesmos dos pervertidos, naa s6 para poder tralé-los com todo o saber que eles pretendiam ter conseguido, desde mais 98 Michel Foucault - Duos © series ‘ou menos 1860. Cam Morel, 0 Tratado das degenerescéncias® € 0 estabelecimento de toda @ nosografia sobre as perversécs; € esses psiqulatras reclamavam, de fale, que Ines entregassem. 8 pervertidos, que o direito renunciasse a conhecer © pudor, quando fala tanto mal dele, de maneira tao. pouco cientifiea, © que, enfim, eles pudessem tratar easo a caso, talvez de maneira menos agressiva, talvez de manetra menos sistematica, menos cexa que a lel; mas que eles pudessem dizer, caso a caso, quem éculpado, ou, antes, quem é dente, ¢ decidir, tranquilamente, sobre as medidas a screm tomadas. Entao, eu nao digo que 2s coisas se reproduzem da mesma mancira, mas ¢ interessante ver como duas instéincias podem ser colocadas em concorrén- cia para se apoderar dessa populacdo de perverticos, M, Foucault: Eu nao vou, com certeza, resumir tudo 0 que fol dito, Pens que Hocquengher: mostrou o que estava co- mecando a nascer atualmente em relagao-a essas camadas de populacao que se devem proteger. Por um lado, ha uma in- fancia que, por sua propria natureza, est4 em perigo, e que se deve proteger contra ted perigo pnssivel antes mesmo, por conseguinte, de qualquer ato ow qualquer ataque eventual. E, depois, @ frente, haverd individuos perigosos, e os individuos Perigosos vao ser. evidentemente, 0 adulto em geral, de manei- Ta que, no nove dispositivo que se esté comecando a estabele- cer, a scxualidade val assumir outro eomportamente diferente do que cxistia antes. Antes, as lets proibiam certo niimero de alos, aos, altis, 10 numerosos que nd se chegava muito bem a saber o que cram, mas, enfim, eram atos a que a let se refe- fia, Condcnavam-se formas de conduta, Agora, 0 que se esta comecando a definir. ¢ 0 que. por conseguinte, vai se encontrar fundamentado pela intervenedo nao s6-da lei, mas também do Juiz e do médico, sao Individuos perigosos. Val-se ter uma so- cledade de perigos, com os que sao colocados em perigo, por um lado, ¢, por outa, os que sio portadores de perigo. Ea sexualidade nao seré mals uma conduta com ¢ertas interdt o6€8 precisas, mas vai se tornar uma espécie de perigo que rouda, uma espécie de fantasinia onipresente, fantasma que se vai colocar entre homens ¢ mulheres, entre eriancas ¢ adultos. 6 Morel (B.-A), Tratté des ddgénéreseences physiques, tntetlectuciles © me rales cle Vespéce humaine, et ces causes qui produisent ces variétés mala: dives, Paris, Bailiere, 1857. 1979-ALedePudor 99 ©, eventualmente, entre adultos entre eles etc, A sexualidade Yai se tornar essa ameaca em todas as relagdes sociais, em to- das as relacbes dé idades, em todas as relagdes de Individuos. Ai esta essa sombra, sobre esse fantasma. sobre esse medo, juc 0 pader tentaré agarrar. por uma legislacaio aparentemen- fe generosa e, em todo caso, geral; ¢, por melo de uma série ‘de intervencGes pontuals que serao essas, provavelmente, das Instituigdes judiciarias apoiadas nas instituigbes médicas. E ai se ler um regime completamente novo de controle da sexua- lidade: mas que, na segunda metade do século XX, ela esteja, com certeza, descriminalizada, mas para aparecer soba forma te um perigo, e de um perigo universal, af esta uma mudanca eonsideravel. Eu dirta que af esta o perigo. DEBATE P, Hahn: Eu queria simplesmente evocar uma obra que foi publicada ha uns 10 anos, mas que me parece, no contex- fo atual, bastante importante, Trata-se de uma obra sobre a personalidade dos exibicionistas. Por um lado, entio, ha essa classificacao que chega a excluir certo lipo de exibicionistas do que eu chamaria 0 sistema de reedueacao psicanalitica, ¢, por outro, isso consiste, de fato, em voltar, mas sob formas bastan- te diferentes, aparentemente, nogdo do eriminoso nato.? Eu gostaria simplesmente de citar esta frase do livro, porque ela me parece significativa, ¢ eu direi por que, em seguida: “A per- verso exibicionista — (rata-se de uma calegorla de pervertidos cxibicionistas -, a perversio exibicionisia responde aqui a um fendémeno de amputacdo radical de wna parte de instintual, € essa amputacao se faz em um estigio que ndo € nem genital ou nao genital da evolugao sexual, mas nesse lugar ainda misterio- so em que personalicade ¢ instinto me parecem potenciais.” ‘Sim, yolta-se a nocao da criminose nate segundo Lombrase, que o préprio autor tinha citado antes. Trata-se, no fundo, de algo que esta la antes do nascimento, que estarla no embriao; € s¢ falo do embriao € porque, no momento atual, assiste-se 7 Lombroso (C.), Lame criminel, crimineiné. Jou moral, épileptique. Btu: de anthropologique et médico-legale (trad. Regnier et Bounel), Paris, F Alcaz, 1987, 2, 100. siene! Funeault = Ditos © Bseritoe a um retorne forcado de certos métodos, sob formas, talvez. novas: métodos tais como a psicoctrurgia. em que, por exern- plo. operam-se homossexuais do cérebro, aperam-se pedéfllos do cérebro, operam-se estupradores do cérebro. Por utn lado. praticam.se manipulagées genéticas. tem-se realmente a prova disso, ainda recentemente, na Alemanha Oriental, em especial. ‘Tudo tsso me parece, de fato, muito perturbador. Com certeza, ¢ pura repressio. Mas, por outro lado, isso comprova, tam- bém, alguma utilizagao da critica da pstcandlise em um sentido completamente, eu diria entre aspas, reaciorsirio, 0 perita autor desse texto que acabo de citar se chama Jac- ques Stephani, psiquiatra em Bordeatt (contributcdo a0 estu- do da personalidade exibictonista), © perite diz textualmente que 0 Jutz deve agir como um elemento em um processo de reeducacao terapéutica, exceto no caso extrema em que © su- jeito € considcrado como nao reeducdvel. Eo louco moral, o eriminoso-nato de Lombroso, Com efeito, essa dela de que a legislacio. 0 aparelho ju- diciario, o sistema penal. a propria medicina devem atacar essencialmente as perigos, 08 Individuos perigosos, mais do que atos, data mais ou menos de Lombroso, ¢, portanto, 20 é nada surpreendente qué se rencontre a temadtica de Lom- broso atualmente. A sociedade tem de se defender contra as mdividuos perigosos. HA Individuos perigosos por natureza, por hereditariedade, por cédigo genético etc. Pergunta: Eu queria simplesmente perguntar a Guy Hoc- quenghem quem nos pintou um quadro de alguns excmplos atuais em matéria de repressio dessc tipo de atos, como se pode encarar certo ntimero de aliancas para lutar nesse plano, ‘Os aliados naturals desse (ipo de movimentos, que sao, diga- mos, 0s grupos progressistas, tém algumas reticéncias para se intrometer nesses assuntos. Movimentos camo 9 movimen- to das mulheres focalizam sua muliténcia em problemas tals como o estupro, ¢, de fato, conseguem aumentar a penalizagao desses casos. G. Hocquenghem: Prestamos muita atengao no texto da “Carta Aberta ao Cédigo Penal”. Preocupamo-nos muito em. falar exclusivamente do atentado ao pudor sem violénela © de ineltacdo de menor & devassidéa, Preacupamo-nos extre- ‘mamente em nao abordar, de maneira nenhuma, o problema do estupro, que é totalmente diferente, Agora, estou de acordo 1070 - Abide Pador 101 com vocé sobre uma coisa, & que-todos nds vimos essa emisstio sobre 0 estupro na televisao. que todos fieamas chocados pelas reagGes que ela suscitou na Franca, chegando mesmo a chama- das (elefénicas exiginco a castracao quimica dos estupradores. Hé dois problemas. Ha 0 problema do estupro propriamente dito sobre o qual eg movimentes femmistas ¢ as mulheres em feral se expressaram perfeltamente, mas ha a outro proble- ma das reagées no nivel da opiniao piiblica. Desencadeiam-se efeitos secundarios de caca ao homem, de linchamento ou de mobilizacao moral. J. Danet: Eu gostaria de acrescentar alge em resposta & mesma pergunta. Quando dizemos que o problema do consen- limento é absolutamente central nos casos de pedofilia, nao dlizemos que o consentimento existe sempre, é claro. Mas, ¢ € at que podemos dissociar a atitude da justiga no caso do estupro ¢ ne caso da pedofilia; ne caso do estupro, os juizes consideram que ha uma presung&o de consentimento por par- te da mulher, e que se deve demonstrar o contrérto. Enquanto, ‘em matéria de pedofilia, € o inverso. Considera-se que ha uma presungao de nao consentimento, uma presungdo de violéneia, Mesmo NO caso ett que ndo s¢ péde culpar de atentado ao pu- dor com violénela: no caso em que se reconsiderou no texto do atentado ao pudor sem violéncla, isto é, do prazer consentido. Porque atentado ao pudor sem violencia, é preciso dizer que 6 a tradugdo repressiva ¢ Juridica do prazer consentido. Deve-se ver come se manipula o sistema das provas: de manera inver- sa, no caso do estupro de mulheres ¢ no easo do ateniado a0 pudor ped6filo. Pergunta: A apinide publiea, inclusive a opiniao esclarecida como. dos médicos do Instituto de Sexologia, pergunta em que idade ha um consentimento certo. & um grande problema. M, Fouvaull: (..) Sim, € difiell fixar barretras, Uma cotsa é 0 consentimento, outra é a possibilidade para uma erfanga de ser acreditada quando falando de suas relagdes sexnais ou de sua afeicao, de Sua ternura ou de seus contatos (0 adjetivo sexual € frequentemente perturbador sobre 0 assunto, porque ele nao carresponde a realidade), outra coisa, entéo, ¢ a capacicade que se Teconhere crianca de explicar 0 que € feito de seus senlimentos, o que fot felto de sua aventura, ¢ a credibilidade que se lhe confere. Ora, quanto as criancas, supée-se-lhes uma sexualidade que ndo pode jamais se dirigir para um adulto, ¢

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