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Capítulo 3 – Criação

Este capítulo técnico é muito importante, porque revela o processo sutil que cria o
mundo e os seres humanos. Se você quer entender por que você experimenta o que
experimenta com a ideia de ganhar poder sobre sua vida, você precisa desse
conhecimento. A terminologia em sânscrito está inclusa após as definições em inglês.
Este ensinamento é muito antigo, mas aparece mais recentemente no Panchadasi, um
texto do século XIV, cuja fonte são os Upanishads. Panchadasi está disponível no
ShiningWorld1 como uma brochura intitulada Inquiry into Existence (Investigação sobre
a existência)2.

Existência/Consciência existe anteriormente à criação


Porque o mundo evoluiu da existência/consciência e porque não existem duas
existências, o que nós experimentamos aqui sempre esteve aqui. O poder criativo na
existência é chamado de Maya. Maya cria o mundo a partir da existência. Maya é a
Matéria Primordial (prakriti) e a inteligência que a molda. É mais grosseira que a
existência, embora mais sutil que as formas que evoluem a partir dela. É inerte e capaz
de refletir a consciência. É feita de três energias, ou poderes elementares, sattva, rajas
e tamas. Cada energia tem uma qualidade particular ou guna. Essas energias são tudo,
estão em tudo e criam tudo.
Normalmente, o criador e a substância da qual se
cria objetos são diferentes. Um ceramista, por
exemplo, é diferente da argila da qual o vaso é
criado. Mas a existência é uma consciência não-
dual, então não há outra substância da qual Maya
possa criar. Assim, molda a criação a partir de si
mesma, assim como uma aranha gera sua teia a
partir de seu próprio corpo. Portanto, a substância
de todos os objetos é a consciência. Para se
projetar algo, requer-se inteligência e ideias. Pela
mesma razão que a matéria é consciência, a
inteligência e o conhecimento também são
consciência; não há outra opção. A mente da
aranha cria a teia. E a aranha tem o poder de

1
http://shiningworld.com
2
A publicação ‘Inquiry into Existence’ (ainda sem versão em português) pode ser adquirida no formato e-
book através de contribuição. Também há diversas publicações para acesso livre e gratuito. Entre os
materiais disponíveis estão diversas escrituras comentadas e transcrições de cursos. Os capítulos 1 e 2 do
Panchadasi estão disponíveis apenas em inglês e Holandês. Em português há o Tattva Bodha por Sri Adi
Shancaracharya, que também pode ser acessado em http://www.lightofvedanta.com/ portal do professor
Arlindo Nagar Moraes.
transformar-se em sua própria teia sem nunca deixar de ser uma aranha! A consciência
aparece como este mundo sem submeter-se a qualquer mudança.

1. Consciência Refletida Pura


A criação ocorre em três etapas. Durante o primeiro estágio, a consciência refletora
pura, sattva, é dominante. É a consciência aparecendo como um conhecedor. É
onisciente e é o modelo das verdades eternas, forças e leis eternas que estruturam a
criação, os três gunas, os cinco elementos, os seres vivos e o karma. É chamado Isvara.
Na terminologia religiosa é Deus. Isvara é consciência identificada com tudo. A
consciência pura original não se identifica com nada.

2. Consciência Refletida em espelho embaçado


No segundo estágio sattva recua e Rajas Macrocósmico domina. Durante este estágio,
rajas, a força de projeção, e tamas, o poder ocultador, enlamearam o puro espelho
material. Rajas, o "Big Bang", causa avidya, auto ignorância, e então despedaça o
espelho da consciência material em inumeráveis fragmentos e os espalha por toda a
criação. Esses fragmentos refletem a consciência na forma de seres vivos infinitamente
diversos. Quando você vê um ser vivo, você vê consciência refletida e um corpo material.
Como resultado, da ação de Rajas, a consciência ilimitada aparece como uma entidade
refletida e limitada. É chamado Pragna Jiva, o eterno indivíduo. Este Jiva identifica-se
com o aparato refletor, seu Corpo Sutil, que é feito de Sattva, e isso explica a crença de
que ele é um ser consciente por si mesmo, ao passo que a consciência de que ele usufrui,
na verdade, pertence à consciência pura original.
O Jiva é multifacetado e complexo devido às muitas combinações possíveis de Sattva,
Rajas e Tamas e aos Cinco Envoltórios3, que têm muitas partes. Porque Sattva está
contaminado com Rajas, o conhecimento do Jiva fica misturado com ignorância. Jivas
estão cheios de equívocos. Os jivas não podem ser separadas do aparato refletor, o
Corpo Sutil.
Ignorância (avidya) é o Corpo Causal. Ele esconde a consciência dos jivas e faz com que
eles se sintam incompletos. Ao mesmo tempo, projeta objetos atraentes que os jivas
acreditam poder completá-los.

3
Nota de tradução: O termo utilizado em inglês é ‘5 Sheaths’. Sheath significa bainha, podendo ser
traduzido também como envoltório, ou invólucro. O termo diz respeito ao ensinamento vedanta sobre os
envoltórios, ou ‘corpos’, que, em analogia, também podem ser chamados de ‘véus’ encobrindo o
Conhecimento de nossa Real Natureza como Consciência pura. Os 5 envoltórios são: o corpo físico; os três
envoltórios do Corpo Sutil (o Vital, a Mente e o Intelecto); e o Corpo Causal.
3. A Consciência Não Refletida - Tamas Predominante - O Buraco Negro
Neste estágio, Maya fabrica matéria a partir de Tamas. Se fabricasse matéria de Sattva,
veríamos consciência refletida em objetos materiais, mas a matéria absorve em vez de
refletir a consciência. É um "buraco negro". A matéria é uma substância eterna, mas
evolui.
A Evolução da Matéria -
Panchikarana Prakriya
Os Cinco Elementos Sutis
(Espaço, Ar, Fogo, Água e
Terra) surgem da parte da
Matéria Primordial na qual
Tamas predomina: 1) O
círculo negro no corpo
causal. A matéria é inerte,
não pode fazer nada,
porque Rajas é suprimido.
Não pode pensar ou sentir,
porque Sattva é suprimido.
É destinado a nossa
experiência. O mundo não
é para a experiência de
Isvara, porque Isvara não é
um indivíduo com desejos
e medos que criam bom e
mau karma. Isvara não tem
karma.
Os cinco instrumentos de
percepção: audição, tato,
visão, paladar e olfato
evoluíram de sattva: 2) A
coluna azul no canto inferior esquerdo do gráfico, logo acima das cinco setas. Da porção
tamásica dos Cinco Elementos Sutis surgiu o órgão da experiência interior: 3) Os
crescentes em negro na coluna cinza denominada Tanmatras. É o aparato refletor da
consciência, não o reflexo em si. O órgão da experiência interior é chamado de Corpo
Sutil, ou Mente, ou Instrumento Primário, e é feito de muitas partes. Todos os objetos
nas três colunas, entre o Corpo Causal e o Corpo Denso, compõem o Corpo Sutil. É difícil
atribuir um local aos tanmatras, porque eles são inerentes ao Corpo Causal, se
apresentando como ideias em Sattva e poderes em Rajas, mas eles aparecem no Corpo
Sutil e diferenciam as Tamas Macrocósmicas no aparelho refletor e em suas funções
diversas. Seja como for, o ensino da criação não se destina a fixar conceitos inteligentes
sobre a estrutura precisa da criação em nossas mentes, mas apenas apontar o fato de
que a criação é um arranjo. As dez funções listadas na coluna azul à esquerda, logo acima
das setas (2) são possíveis porque são refletoras da luz de sattva, o que torna o
conhecimento possível. Os Órgãos Perceptivos coletam informações do mundo
material. Sattva se manifesta como três poderes na porção superior do Corpo Sutil: ele
duvida, determina e age. Sua função de duvidar é chamada Mente (Manas) e é
simbolizada pelo "M" no círculo amarelo na parte inferior esquerda do triângulo, na
porção central da coluna azul (4). Sua função determinante e discriminativa – o "I"(“Eu”)
no topo do triângulo (5) – é chamado Intelecto (Buddhi) e é responsável pelas funções
executivas, de análise, determinação e discriminação. O "E" (6) representa o fazedor, ou
ego. Na verdade ele é um conceito no Intelecto, que inicia a ação.
Os Órgãos da Ação evoluem de Rajas de uma maneira telescópica, que vai do sutil ao
grosseiro: primeiro a fala, que é uma propriedade do elemento espaço, depois as mãos,
que vêm do elemento ar, os pés do elemento fogo, os órgãos sexuais do elemento água
e o nariz do elemento terra. Os órgãos estão no Corpo Sutil, seus instrumentos estão no
Corpo Físico.
Pranas, o envoltório do Ar Vital, também surge da porção Rajas dos Cinco Elementos
Sutis (Tanmatras). Ele se divide em cinco funções fisiológicas: respiração, excreção,
assimilação4, circulação e o poder de ejetar objetos indesejados5, as quais evoluem a
partir de seus elementos sutis correspondentes. O código de cores ajudará você a fazer
as conexões. Você pode verificar as mesmas correspondências no gráfico que virá a
seguir.
Os Cinco Órgãos Sensoriais, os Cinco Órgãos de Ação, os Cinco Ares Vitais, Mente,
Intelecto e Ego, juntos formam o Corpo Sutil. O Corpo Sutil não pode ser percebido pelos
órgãos dos sentidos. É feito de Sattva e reflete a consciência. Está sujeito a alterações
conforme as Gunas o modificam.

Macrocosmo e Microcosmo
Para proporcionar aos Jivas individuais objetos de prazer e tornar seus corpos aptos para
desfrutar, Isvara faz com que cada um dos elementos sutis (Espaço, Ar, Fogo, Água e
Terra) compartilhem uma fração de si mesmos uns com os outros (As cinco bolas
multicoloridas com as duas setas para baixo na parte inferior da coluna Tanmatra).
A Consciência mais os Corpos Causal e Sutil não são suficientes para a experiência. A
experiência requer elementos materiais e um Corpo Denso. Os órgãos dos sentidos, que
estão no Corpo Sutil, sem os instrumentos físicos dos sentidos são inúteis para criar e
exaurir o karma. Uma vez que a criação chega ao estágio sutil, Isvara obriga-se a criar
elementos grosseiros, a partir dos elementos sutis e, com eles, modelar um corpo físico
para que os jivas possam exercitar seus karmas. Isto é realizado por um processo
chamado Panchikarana, uma divisão de cinco partes e combinação dos Tanmatras. O
corpo físico é um guichê, através do qual o Jiva transaciona seus negócios com o mundo.

4
O poder de assimilação está relacionado com a digestão/absorção de energia/nutrientes;
5
O chamado ‘poder de ejetar objetos indesejados’ refere-se ao sistema imunológico.
Isvara é Sattva pura, por isso desfruta-se por si mesmo sem o auxílio dos órgãos
sensoriais, dos instrumentos sensoriais e objetos sensoriais. Jivas sob o feitiço de avidya
desfrutam e sofrem intermitentemente, enquanto rajas e tamas obscurecem
intermitentemente sattva nos Corpos Sutis. O deleite mais ou menos constante é
possível se o Corpo Sutil de um indivíduo for predominantemente satívico.

O Ensinamento da evolução da matéria (Panchikarana Prakriya)


Dividindo cada elemento sutil em duas metades iguais e, novamente, dividindo cada
metade em quatro partes iguais, Isvara misturou os elementos sutis de modo que os
elementos densos resultantes pudessem conter uma metade de suas naturezas originais
e uma oitava de cada uma das outras quatro partes. A divisão dos elementos é
responsável pela diversidade de objetos. Todos os objetos densos são fusões. Seus
nomes são baseados na porção dominante da mistura. Elementos sutis ficam isolados
(tanmatras). Apenas a parte tamasica dos elementos sutis se densifica. Rajas e Sattva
são usados para o Corpo Sutil, Tamas para o Corpo Denso.
O Gráfico à esquerda mostra a relação entre
os elementos sutis e os elementos materiais
densos, e os Órgãos de Ação e Percepção. O
código de cores deixa claro quais funções e
órgãos evoluem a partir de cada guna. Por
exemplo, Tamas Macrocósmicos
primordiais (a lágrima negra na faixa
cinzenta do Corpo Causal) evoluem para o
Elemento Sutil do Espaço (o ovo negro que
contém os outros elementos, na faixa azul
no meio) e então aparece no Corpo
Macrocósmico Denso como a propriedade
do Som, da qual os ouvidos e a língua
evoluem. O som é apenas energia sutil
criando formas materiais. Os quatro
elementos restantes evoluem da mesma
maneira. Este ensino é chamado de karya
karana vada prakriya, causa e efeito, a ideia
é que o efeito – o que experimentamos aqui
– é apenas energia das gunas em uma forma
particular. A ideia é treinar sua mente para
ver através das camadas materiais densas e sutis das gunas. As gunas por si só não são
particularmente interessantes, a menos que você esteja tentando transformar sua
mente, e neste caso é um conhecimento essencial, mas se seu objetivo é transcender as
gunas, a presença das gunas indica existência/consciência, seu verdadeiro ser, porque
as gunas surgem de Maya/Isvara, que é a consciência, o seu verdadeiro ser. Assim, dessa
maneira, você pode entender que tudo o que você experimenta é você mesmo e se
liberta da escravidão da matéria. Se a matéria depende de você, e não você dela, onde
está a escravidão?
A divisão e recombinação dos elementos sutis para produzir matéria física não é o fim
da sequência da criação. Ainda há um caminho a percorrer até vermos seres humanos
falando em seus smartphones.
Destes elementos compostos (as
cinco bolas coloridas representando
os elementos grosseiros na porção
superior direita, da sessão em cinza
claro, na imagem ao lado), o "ovo
cósmico" surgiu (vide: ‘Cosmos’ na
figura) e dele evoluíram todos os
mundos, os objetos de experiência e
os corpos nos quais a experiência
ocorre. O "ovo cósmico" significa que
a criação da matéria aparece em uma
forma elíptica. É ‘detonada’6 de um
"buraco negro", ou Tamas
Macrocósmico, a matéria mais densa.
É tão denso que nem a luz consegue
escapar ou refletir a partir dela. A
matéria se organiza, de acordo com
as ordens em Sattva, em inumeráveis
sóis, planetas e galáxias, que
fornecem incontáveis campos de
experiência – meios refletores – nos
quais os inumeráveis seres
conscientes – reflexos – podem
desenvolver instrumentos de
experiência – corpos e mentes que vivem, se reproduzem e morrem.
Os únicos seres conscientes de interesse para nós, no entanto, são seres humanos. Na
terceira fase da criação, predominantemente Tamasica (figura acima: a porção amarela,
na parte inferior à direita) os humanos aparecem. Eles aparecem como um Jiva Eterno
– sim, existe apenas um de nós – (A bola preta e amarela com o Om. A lua crescente
amarela indica que o Jiva é um reflexo da Consciência Pura Original (puranatma) assim
como a lua reflete a luz solar). O reflexo é consciência e o meio refletor é matéria.
Essa Pessoa Eterna é chamada Prajna e aparece no Corpo Causal Macrocósmico como
aquele que dorme profundamente. Todos os jivas individuais fundem-se em Prajna

6
Nota de tradução: Na publicação original James Swartz usa a expressão ‘Big Banged’, aqui traduzida
como ‘detonada’. Com essa expressão James faz referência ao Big Bang (‘Grande Estrondo’, ‘Grande
Explosão’, ou ‘Grande Expansão’), a teoria cosmológica dominante a respeito do desenvolvimento inicial
do Universo.
quando eles largam seus pensamentos. Você não é um indivíduo, então, você é
reabsorvido em sua causa. O Corpo Causal é o envoltório da felicidade plena7, que é
responsável pela universal satisfação do sono. O Prajna se transforma no sonhador
(Taijasa), a entidade do estado de sonho, quando Maya projeta o Corpo Sutil.
Finalmente, quando o karma do jiva não-eterno entra em ação, o sonhador se
transforma em Viswa, a entidade do estado desperto, que começa imediatamente a
trabalhar seu karma no estado de vigília, com a ajuda de seu Instrumento Primário, cujos
poderes discutimos acima (O triângulo logo atrás da cabeça do homem). A entidade do
estado de sonho não cria ou exaure karma; somente a entidade do estado de vigília –
você e eu. Agora a criação está completa. A experiência é a consciência aparecendo
como uma entidade consciente inteligente, transacionando com um campo material
com a ajuda de um refletor material, o Corpo Sutil.
Este ensino mostra que somos parte de uma criação consciente, que não somos auto-
criados, que nosso destino é determinado por Isvara – a menos que o tomemos em
nossas próprias mãos – e que nossos seres-jiva não são nada mais que três gunas.

7
Nota de tradução: ‘felicidade plena’ aparece aqui como tradução de ‘bliss’ na publicação original.
‘Bliss’ pode ser traduzido como sinônimo de felicidade, êxtase, ou bem-aventurança, entre outros
adjetivos nos dicionários Inglês-Português, mas geralmente ‘bliss’ é colocado em um contexto que, em
português, remete à plenitude, felicidade incondicional (ou plena), ou um estado de graça e, será um
destes termos que, ao longo do livro, poderá aparecer como tradução de ‘Bliss’.

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