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Boa tarde, gente!

Então, na aula de hoje, a gente vai tentar seguir o mesmo roteiro de discussão que foi
sinalizada em nosso primeiro encontro. Na primeira aula, a gente falou um pouquinho sobre a
disciplina, como seriam as avaliações, deu uma pincelada no modo como a gente vai conduzir
essas discussões, enfim. Hoje, a gente vai ter uma conversa preliminar sobre os direitos
humanos. É preliminar, porque pra que a gente tenha um nível de compreensão sobre uma
disciplina que trate de um tema que virou um lugar-comum atualmente, a gente precisa de um
embasamento inicial pra poder adentrar em outros eixos que futuramente a gente vai discutir,
como direitos culturais, territorialidades, políticas de representação, etc.

Como a gente falou antes, a ideia da disciplina não é formar especialistas em direitos
humanos, e sim construir um espaço para debates que contemple o diálogo desse tema com
educação e cinema, sem que um se sobrassaia ao outro. Até porque nossa proposta de
disciplina é mostrar que falar de cinema implica falar de educação, que implica falar de direitos
humanos, que implica falar de cinema. Então, a gente mantém essa perspectiva de diálogo
entre os temas pra entender de que maneira eles se relacionam no cotidiano e como eles
influenciam nosso modo de pensar, de ver o outro, de nos vermos, enfim.

Nesse primeiro momento, a gente resolveu aproveitar a deixa do filme exibido na primeira
aula pra discutir os tensionamentos entre direitos humanos, movimentos sociais sociais e
mídia.

Então vamos dividir essa discussão em três tópicos: no primeiro, a gente faz um panorama dos
direitos humanos, no segundo a gente aborda as políticas de resistência de movimentos sociais
e como eles são representados pela mídia e no terceiro a gente discute sobre a questão
intercultural nos direitos humanos.

Bom, gente, quando os direitos humanos são teorizados pelos pesquisadores


contemporâneos, é comum nesses textos a gente encontrar uma divisão de três gerações de
direitos humanos.

A primeira geração dos direitos humanos são resultantes da Declaração Francesa dos Direitos
do Homem e do cidadão e da Constituição dos Estados Unidos, em 1787. Essa primeira
geração, na verdade, surge de um descontentamento de indivíduos com a realidade política,
econômica e social do estado. O que isso quer dizer? Que esses direitos que foram
conquistados colocavam limites ao estado. Alguns desses direitos são a liberdade de opinião,
direito à propriedade, à segurança, a resistência a formas de opressão, etc. Em resumo: eram
basicamente a preservação dos direitos individuais frente as arbitrariedades politicas e
religiosas.

Na segunda geração dos direitos humanos, ocorre uma rearticulação desses papéis. Se antes, a
primeira geração de direitos humanos foi constituída para limitar a atuação do estado, a
segunda geração restitui a ele a função de intervir na concretização de direitos políticos e
direitos sociais. Por exemplo: trabalho, saúde e educação foram conquistados através de uma
série de lutas sociais e conquistas da classe operária no século XIX. E eles seriam tutelados por
uma instância estatal que atuaria no sentido de garantir que esses direitos chegassem aos
cidadãos.

A terceira geração, por sua vez, corresponde um período marcado por um processo de
internacionalização dos direitos humanos. Esse processo ocorre no fim da segunda guerra. A
terceira geração passa a entender o homem não mais como indivíduo mas como grupo. Por
exemplo: questões como direito a paz, preservação do meio ambiente, e uso e conservação do
patrimônio histórico e cultural e direito à comunicação surgem como prerrogativas que
tentam compreender o sujeito a partir de uma dimensão coletiva, como povo, de nação e
família. É justamente nesse momento que surge a percepção de que o estado como único
interventor já não é suficiente para consolidação desses direitos.

Mas exatamente por quê? Porque o modelo político de representação que foi sedimentado
desde a ascensão da burguesia ao poder e consolidado pela política contemporânea já não
possui competência para impor limites a uma nova estrutura econômica e social que foi
consolidada com o neoliberalismo. Basicamente, as responsabilidades sociais do estado
desapareceram e o que se formou foi um celeuma de desigualdades sociais, precarização da
vida e globalização da pobreza.

Desse modo, a participação mais ativa dos cidadãos, as reivindicações de grupos, militâncias
políticas e organizações sociais surgem para garantir a eficácia desse novo panorama político,
justamente porque há uma descrença na ideia de a intervenção do estado possa garantir a
consolidação desses direitos.

A questão é que se existe uma linha de frente formada por organizações políticas que tentam
assegurar esses direitos que o estado não pôde garantir, existe um outro espaço de
contraposição materializado pela influência da mídia, que atua como o principal mediador com
a sociedade. Falando em termos mais claros, existe um aparelho que constrói narrativas,
imagens, verdades e que difunde em grande escala seu conteúdo para o mundo, com o
objetivo de assegurar a manutenção de privilégios de uma parcela diminuta da sociedade que
exerce a sua influência por meio da difusão de conteúdos.

Por exemplo: Os meios de comunicação no Brasil, como os rádios e tevês, são, em tese,
concessões públicas que são administradas por empresas privadas que, por meio do Ministério
de Comunicações, vencem um processo licitatório pra ter uma concessão. Nesse processo,
existem uma série de regras em relação a conteúdo e programação, que tem o objetivo de
garantir que a diversidade e pluraridade da sociedade brasileira seja representada. Mas na
prática, os interesses privados dos detentores de conglomerados midiáticos diariamente
difundem notícias, produzem entretenimento e transmitem conteúdos sem que essas políticas
de representação sejam de fato obedecidas. Só pra dar um exemplo: O Segundo Sol, nova
novela da globo, se passa na Bahia, um estado cuja população negra é de 76%. Nenhum dos
atores do núcleo principal é negro. Dos 26 atores escalados pra novela, apenas 3 não são
brancos.

A partir desses dados, é que a gente pode perceber de que modo se estrutura a influência do
discurso midiático no imaginário coletivo do brasileiro. Quando a gente acessa os comentários
de posts em redes sociais, a gente consegue ter uma dimensão da forte influência que a
cultura da mídia possui na construção das representações e de como elas estão enraizadas na
sociedade.

O caso do MST é bem emblemático nessa conjuntura. Lembro de uma matéria publicada no
ano de 2015 na globo sobre uma invasão do MST numa multinacional. O objetivo da matéria
era mostrar que os membros que invadiram a empresa destruíram anos de projetos de
pesquisa feitas com mudas de eucalipto, quando na verdade a invasão aconteceu em protesto
ao uso de transgênicos que iriam contaminar a florada e o mel de abelha que era
comercializado pelo grupo. Hoje em dia, o MST se recusa a dar entrevistas pra uma série de
jornais justamente pelo fato de que, mesmo apresentando documentos, justificativas e
explicações, as publicações sobre eles são tendenciosas.

No entanto, a compreensão da mídia como uma ferramenta maniqueísta precisa ser


problematizada. Primeiro, porque nenhum meio de comunicação age sozinho. Eles são
controlados. Segundo, porque ao mesmo tempo em que existem formas de produção
discursiva que agem no sentido de construir estereótipos, reforçar preconceitos e violências
também existem produções que tentam desconstruir esses estigmas que foram perpetuados
pelas mídias mais hegemônicas.

A gente costuma chamar essas produções de contranarrativas, justamente pelo fato de que
eles se opõem ao discurso hegemônico e trazem uma releitura crítica sobre as representações
sobre grupos sociais oprimidos. Mais qual a importância desse tipo de ação para garantir o
progresso dos direitos humanos? É justamente construir um local de trocas que permita
contemplar a multiplicidade de discursos que não são ouvidos, e apresentar representações
que tentem desconstruir os estigmas em torno de pessoas, grupos e comunidades.

No debate mais recente que tem sido feito sobre os direitos humanos, o que tem sido
colocado em questão é justamente de que forma essas garantias que foram conseguidas ao
longo de séculos poderiam ser asseguradas a partir de uma perspectiva prática. Mas o
principal entrave nessa problematização está no fato de que as duas visões que fundamentam
os direitos humanos – a universalista e a localista – não se permitem auto-crítica, e concebem,
cada uma a seu modo, um conceito de verdade engessado e que não tem qualquer validade
prática para nenhuma pessoa, grupo comunidade.

O principal desafio colocado em pauta na discussão contemporânea sobre os direitos humanos


é justamente o desafio de entender que a construção da igualdade e as reverberações disso na
vida das pessoas não pode ser fruto de um discurso único, mas de trocas, da capacidade de
ouvir e ser ouvido e de uma concepção de transformação social que seja consensual e entenda
que o outro é parte fundamental no processo de garantir a igualdade entre as pessoas. Daí, a
importância da interculturalidade como vetor para esse debate: os direitos humanos só
poderão ser vistos como uma ferramenta a serviço da emancipação e do progresso se a sua
construção levar em conta a prerrogativa de que as pessoas e a cultura tem o direito de ser
iguais quando a diferença a inferioriza e ser diferente quando a igualdade as descaracteriza.

A gente vai exibir agora um documentário chamado Defensorxs, que foi realizado pelo Coletivo
Nigéria, e que faz um panorama bem bacana sobre a vida das pessoas que lutam em defesa
dos direitos humanos no Brasil.

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