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ALAIN CORBIN SABERES E ODORES O OLFATO EO IMAGINARIO SOCIAL NOS SECULOS XVIII E XIX Traducto: LIGIA WATANABE See GonaNnia Das Ceres Copyright © 1982 by Editions Aubier Montaigne ‘Titulo original Le miasme et la jonquille Lodorat et Vimaginaire social XVINIGXIX® sidcles Indicagio editorial: Renato Janine Ribeiro Capa: Moema Cavalcanti Tecido da capa: Tolle de Jouy, Formatex Representagses Ltda. Revisio: Adriana Lichtenfels 16 de Melo Denise Gutierrez 1987 Ecdtora Schwarez Lada, ‘Rus Barra Funds, 296 01152 ~ Sio Paulo — SP ones: (OH) 825-5286 e 67-9161, 1 ce nest pas impunément qu'une personne élicate, impressionnable et pénétrable, recevra le facheux mélange de cent choses viciées, vicieuses, gui montent de la rue a elle, Ie souffle des esprits immondes, le péleméle de fumées, d'émanations mauvaises et de mauvais réves qui plane sur nos sombres cités! Jules Michelet, La femme, 1859 “Nio, néo b& de ser impunemente que uma pes- soa delicada, impressiondvel ¢ permedvel receberd essa desagradivel mistura de mil coisas viciadas, sas, que sobem da rua até ela: o halo de es- usio de fumagas, de ema- rages ruins e de sonhos ruins que plana sobre nossas sombrias cidades! (Jules Michelet, A muther, 1859) I AS ESTRATEGIAS DA DESODORIZAC4O PAVIMENTAR. DRENAR. VENTILAR A ascensio_das preocupagdes higienistas no final do sé culo XVIL1 suscitou numerosos textos. tabelecer seu balango, mas operar uma na perspectiva de uma his a sanitéria que entéo se estrutura ine pire num passado jé distane, assombrado pelo nauseabundo, ela assume préticas herdadas da cia antiga, ressurgidas no campo dos regulamentos urbanos por volta do século x1v. No entanto, esse higienismo nio se restringe & reutlizacéo (do de- jeto): @ evolugio das conviegdes médicas e, mais ainda, os pro etessos da la pretende chegar & permanén- intese; ela coordena as decisées de uma invengdo da questéo urbané stalagao dos locais de con iio. 1740-1750, sanitfria, visando ser coer Indos sendo pe! parente”, “indiferente aos interes- ‘A demografia nascente, que ten- a tumba, reforca 0 pessimismo urbano; cia do projeto do bem-estar social. € portanto desodorizer — participa, além projeto utépico: aquele que visa a calar os do tempo orginico © a rechagar todos os marce- ciutdveis da duragio, essas profecias de morte que so nento, 0 produto dos ménstruos, a podridio da camiva dot do cadaver.? O siléncio olfativo nfo desarma apenas niasma; nega o escoamento da vida ¢ a sucesso dos seres; ajuda a suportar & angistia da morte, ‘© mais arcaico dos imperativos dessa higiene desodoriza ¢ consiste em tentar isolar o espago aéreo das emanagées tel cas. Interromper 0 fluxo dos sopros plutonianos, proteger-se contra o regurgitar do solo, impedir sua impregnagao com a fi- nalidade de garantir © futuro e, na medida do possivel, cercear 1s fedores acabam sendo cuidados permanentes. Em toda parte conde dessecamento se torna impossivel, € importante inundar as vases, submergir as terriveis fissuras e assim evitar 0 escape- mento dos eflivios que se desprendem dai, Quando se (orna indispensdvel dragar uma bacia portuétia ou um canal submetido a0 fluxo da maré, € melhor esperar que as Aguas os recubram.? Chaptal aconselharé que se aterrem com arcia as margens dos pantanos. * ws vont Um cuidado semelhante explica a inquieta atengio® dada 8 “tenebrosa arte de pavimentar”, minuciosamente codificada pelo abade Bertholon.* A tradigo culturalista da cidade ali- ‘2 0 sonho das vias de pedras, imitadas dos romanos. O pa- nto agrada ao olhar; torna a circulagio mais fécil; facilita lavagem com muita égua. Mas pavimentar € antes de tudo se da sujeira do solo ou da putridez das camadas aqué, Nos locais estreitos que se avizinham das feiras, o pavi- indispensdvel.? Em Caen, cidade particularmente amea extensdo de aguas estagnantes, pavimenta-se sem tré 1" © uso recente de calgadas, importado da Inglaterra ¢ 120 que 6 se desenvolveré na Frenga muito lentamente, advém do mesmo imperative. Ele surge pela primeira vez em Pari em 1782, ladeando a rua do Teatro Francés (rua do Odéon} Na ordem do discurso, pregase entéo a extensio da pavi- Imentagdo para as ruas dos vilarejos ¢ para o interior da casa camponesa.°, Howard aconselha que se substituam os pisos de corte dos hospitais pela pedra chata. ° A forragio das fossas sépticas, tinica coisa suscetivel de canalizar « impregnagio, tor- na-se objeto de prescrigdes cuja preciso pode até parecer sur- preendente, '' E no entanto, nota Franklin, a pavimentagio troduz um dilema. Se cla atrapalha a elevagio dos fedotes, por outro lado interrompe a infil pela chuva, impede a renovacio da subterr tanto, a eliminagéo da infecgdo passada. Numa rece a estagnacao, Contra a lepra domorum, os higienistas adotam as i ses de Moisés. Retirar 0 velho reboco e substitui-lo, estaquear as paredes e eliminar os tijolos que estiverem em contato direto com © solo, pois estaréo embebidos de substinciss pitridas misturadas & terra, sfo mais do que puros imperatives técni- cos. Rebocar, forrat, pintar, caiar paredes, tetos ¢ madeira- mentos € vestir uma couraga contra o miasma. Assim se just fica o sucesso do éstuqiue, que no somente agrada a visto como também se revela um eficaz agente de Iuta contra a infecedo. O estranko sr. Banau destina seu verniz antimefitico as paredes tanto quanto aos méveis ¢ as roupas. Howard felicitase pelo fato de que, no hospital de Corte, telhas envernizadas recobrem as divisérias até uma altura de oito pés. A vontade de obturar hermeticamente os reservatérios de fedor parece totalmente natural; ela néo poderia ser conside da como de segunda ordem; seré essa vontade que organi estratégia adotada pelos higienistas face aos danos olfa sados pela indiistria. ¥ As técnicas de fabrica aprestadas pelos sAbios justificarso a. presen produtos quimicos no coragéo da cidade. Este que dentro de uma perspectiva augu rasa 0 enxaguar do solo 12 ‘© vegulamentarismo, comega @ se esbogar tendo ton exige uma boa impafossas, propondothes modelos. fo em constatar que a maioria dos joravante calafetada com estuques. 16 sulago das massas aqué- ticas, © uso da gua permanece ambiguo. Limpar si no tanto lavar, mas antes drenar; 0 essencial € assegurar 0 escoé: @ evacuagéo da imundicie, Desde a descoberta de Har- vey, 0 modelo da circulago sanguinea induz, numa perspectiva : 0 do movimento do ar, da gua, dos produtos. O contrério do insalubre € 0 movimento. Como ob- serva Bruno ‘nada que seja mével e forme massa pode, poe essa fungées de a Jean-Claude Perrot, & 0 que conduz as mutagdes das representagSes urbanas; ela pre- cipita as sangrias, as “‘demoligdes de fortficagées”. © A virtu- de dada ao movimento incita as canalizagées ¢ A expulsio da imundicie; justifica a importancia dada & queda d’égua das cons- igbes. Secar uma cidade através da drenagem sigs cidade, garantir, através da técnica, a regulagem que a natureza sozinha no poderia operat nesses locais de amontoamento ar- al, ‘A drenagem de pantanos pestilenciais, situados nhanga de cidades, inscreve-se na ordem do dia. Em 1760, Vol taire decide sanear os arredores de Ferney.!® Em 1781, 0 mar- qués de Voyer combate os pantanos que envolvem Rochefort. Bernardin de Saint Pierre torna-se propagandista da drenagem. ® notadamente na época da peste negra em ine. 7! Ao longo dos anos, a estratégia se refinou. Em 1666, o medo da epidémia dé ocasiao a que se’limpem as 122 ruas de Amiens; ® as autoridades decretam a retirada das lamas © do lixo, suscetiveis de espalhar “o ar ruim". Quando o mal se instala, em 1669, multiplicam-se 2s medidas sanitérias de luta contra a infecgio; decidesse abater 0 gado e as aves; orde- nase escavar latrinas em cada casa. A situagdo de Amiens é exemplar, Pierre Deyon releva préticas idénticas na regiéo de Agen, bem como no vale do Ruhr e na regio de Anvers. No século xvitt, é bom que se repita, faz-se mais preciso © policiamento sani dos esgotos ja sustenta um debate permanen- fe. Os projetos abundam, tendendo a aprisionar e a evacuar © lixo. Depois da do excremento, a privatizagao do dejeto passa a inspirar.os autores. Chauvet prega o modelo de Lyon. Nesta ‘mantém-se, em cada andar das casas, caixas onde se guardam o resultado das varreduras; camponeses dos arredores ”.25 Tournon se depositam os ; recomenda, 80, a edificacdo, perto de cada casa, de uma pequena ‘suarita, no nivel da fachada e do calcamento, em forma de res- Piradouro © com “porta deslizante”. Os reformadores projetam evacuar, ao mesmo tempo que © lixo, 0 vagabundo, os fedores da imundicie e da infecgo s0- cial. Bertholon propde que se utilizem os mendigos para vatrer as ruas.”” Chauvet quet reservar para esta tarefa os pobres e os enfermos.%* Berna, observa com admiracdo Lavoisier em 1780, € a cidade que melhor se mantém limpa. Os forgados rastam todas as manhis, pelas ruas (...), grandes carrogas de quatro rodas por um timo a0 qual se acham acorrentados; correntes mais longas ¢ mais leves mantém ligadas as mesmas carrogas mulheres condenadas pela dessas mulheres varre ruas e encheriam com a lama os caixdes arrastados por seus camaradas. Retirariam também a vasa dos esgotos, dos pocos, , como cavalo, mula irariam junto com as 30 cada dia, reti- sos € 0S excrementos ia véspera, j& bem la iam caddveres de animais grand: etc, © pequenos, como cies ¢ gatos, lamas, para onde geralmente 0s jogamos. rariam © tonel onde se guardam os ds da casa ¢ colocariam no lugar 0 tonel vado. os. no meio do calgamento por meio da proibigdo das goteiras que transbordem (1764), proibir que se joguem matérias Iiqui que se mothem os passeios, as pontes © os todas as manhas em carros bem fechados os depositados perto dos locais assinalados, reformar as téenicas generalizar 0 se tenta estabelecer, A vontade de revolu: © elemento essencial da nova pritica sanit zo, Desde 0 decreto de 8 de novembro de 1729, os mestres Timpe-fosses gozam de um monopélio, Em compensagao, esto submetidos @ regulamentos cada vez mais precisos. O decreto de 31 de maio de 1726 os proibe de fazer escoar as mat nos cérregos das ruas, bem como de jogélos no Sena ou nos pogos. Os compagnions * devem evitar o uso de tonéis perfura- dos, sfo instados @ varrer, lavar e limpar o terreno apés sua Sto obrigados passagem ¢ devem trabalhar somente @ noi se diretamente aos condutores © a evi ‘cabarés. Catélogo de injungSes que permit ¢ discernir a génese do regulamentarismo futui (*) Compagnon, compagnonage, ref. & corporaglo de artesios inerantes. (N-T.) 124 de que este encontraré seu campo de experiéncia entre os ope rétios da imundicie. Em 1777, # a desinfeccdo das fossas € posta em concurso (Fourcroy, Guyton tre de Rozier ...) se dos gases de Montfaucon. Sabe-se 0 quanto sua existéncia se tornaré ob- jeto de obsessao, Esse pi {cio apresentado como uma luta contra os odores nauseabundos, revela-se por enquan- to sem grande so de alguma importéncia concerne & limpeza de fossas. De resto, a se acreditar nas descrigées, o fedor s6 faz piorar. As ruas da cidade eram menos sujas hé vinte anos, escreve Rones- se, em 1782.% A multiplicagio dos carros, a supressio das goteiras salientes que deseguavam no “c6rrego” € 0 envidra amento das lojas, que conduziram os comerciantes a negli rem_a obrigagdo de varrer as frentes das portas, expl ‘© progresso da imundicie, Restaria medir aquilo que esta a jamento sanitério, de estagnagio ¢ da fixider, associadas & frieza © tulo.?” © aerismo neo-hipocrético encontra st ilar, é por fim, varrer as baixas cama- “constranger a selvagem circulagio dos mias- lar o fluxo mérbido Ié onde a natureza no pode emente sua regulagem. A desodorizagao viré san- cionar esse dominio das correntes. ago obcecante _permitira es olhar, to acentuada por Michel Foucaul circulagdo dos fluxos aéreos manifestam parentescos evidentes: fa contra 0 canto obscure tanto um como outro impticam a conde estagna 0 ar viciado. Mas hi coi nosso propésito do que os lagos que tivo © a vigilancia dos comportamentos. Quando a ven tiver tomado em considerago a nova espacialidade dos corpos, quando se revelar capaz de preservar os odores do outro, poder ser estabelecido esse confronto permanente entre ago dos ventos, 0 uso das maquina, notadamente . @ a aspirasio forgada em direcao a uma fonte de meiro dos objetivos do sébio francés era o de aquecer e venti- lar ao mesmo tempo, gragas ao dominio dos fluxos que s¢ or- ganizam em torno do nticleo de fogo da chaminé, da do castelo, do quarto das senhoras e do quarto dos doentes da aristocracia. Gauger iv tornar mais confortéveis os trabalhos de recreagdo e de lazer telectual dos grandes. Restaurando a elasticidade do ar, cle ss. Em 1742, Arbuthnot i apenas um dos ramos do regime e s6 con: 1 #0 quatto do doente. 126 tergo do século revelase decisive. Em 1736, iets, inspirado por Téral e por Gauger, que ele traduz les, consegue renovar o ar da Camara dos Comuns por meio de um ventilador de forgs centrifuga, apresentado sob @ forma de uma roda de fole. O duque de Chandos instalaré inas em sua bi deverdo funcionar por mais de um quarto de século. Em 1739, Samuel Sutton propée que se ventilem os navios com # forga gerada por fornos instala- dos no coraco da embarcagio.* Dois anos mais tarde, Hales © 0 sueco M: Triewald adotam o fole e constroem ventila- Até 0 final do século, as pessoas se contentam em discu- tir os respectivos métitos dos diferentes processos e em optar, fimidamente, por um deles. Em 1741, 0 aparelho de Triewald € posto em experiéncia na frota sueca, com sucesso; de Hales funciona em vérias minas de carvio; também utili de Winchester“ e nas prisdes de Newgate. lagdo 6 conseguida com um moinho colocado so- bre 0 teto das edificagdes e, na falta de vento, com o “brago dos homens ou com o recurso de animais”.* © sopro produ- tido € reservado aos “ menta seu aparelho em dois navi mouth; desde 1741, o engenho ¢ adotado em varias embarcagGes da marinha inglesa.“* Na Franga, 0 visconde de Morogues ¢ Duhamel du Monceau (1759) tornam-se, embora sem sucesso, Propagandistas das novas méquinas; aconselham que sejam ins taladas nos barcos do rei De fato, 0 ventilador das fossas sépticas, destinado a nar inodoras as limpezas das fossas, permanecerd sendo aparelho suficientemente difundido, ao menos na ca lizado antes de se comecat a operacio. Trata-se de um gabinete de madeira, contendo virios foles, que € colocado na abertura da foss 10 € levado até ela por trés tubos, dois dos * Os vapores sfo expulsos a grande al ra do alcance dos sent cutivel. Gragas ao ventilador, 127 © seu inventor — tornou-se uma operagio (...) que mal se per- cebe na casa onde se faz o trabalho”. “* Os membros da comis- so formada em 1778 para observar seus efeitos 0 confirma- ii 0 mais sumétio dos ventiladotes, préticas heteréclitas asseguram, segundo 0 caso, a aeragdo do espago piiblico, bem como do espago. privado. Cer- tos médicos*? aconselham que se agitem violentamente os len- sis @ fim de tenovar o ar do quarto dos doentes. Ingenhousz propde que se faga funcionar simultaneamente as portas do enento para provocar cortentes de vente,“ Sua propostt ia suscita polémica, Howard declara-se a favor dela ¢ aconselha que se estenda essa pratica aos h Banat € ‘urben propdem que se plantem plétancs, choupos, olmos ¢ bé- is margens dos pantanos; e mais Arvores de ramada am- pla, cujo cimo mével varre, segundo eles, as camadas baixas da atmosfera.5? Com a mesma finalidade, aconselham que se instalem, nesses lugares pétridos, moinhos de vento com rote ¢20 horizontal; pensam mesmo em monté-los sobre carreias, para com isto beneficiar outros setores da regio malsd. Baw mes’ prefere os foles ou o moinho do tipo daquele que fora instalado em Dresde a conselho de Forestus. Monfalcon lem- brard que um médico da regio de Bresse havia entio proposto “a danga como um meio excelente de neutralizer os efeitos funestos das emanagdes pantanosas”. ‘A circulagio de vefculos no interior da anélises espantosas. O carro revela-se, a bem dizer, ul bém local de confinamento ¢, portanto, dem para 05 individuos que nele entram; tanto mais que os solavan- cos que o agitam incomodam a digesto © seu uso abusivo apressa 0 aparecimento da gota e dos reumatismos. * Na ese Ia da cidade, os conveniente favorecer sua mul Os abalos da atmosfera pelo sino € pela deflagragio do ca 128 nhio continuam sendo grandes meios-de ventilagio quando a ameaca piitrida se exacerda. Navier considera que a satide do soldado cra pior na época em que ele combatia com armas brancas. © canhdo purifice e desodoriza o ar dos campos de batalha, empestado por cadaveres e carnigas.** Por um inespe- tado desvio, torna-se agente de salubridede. A varedura da atmosfera por meio de explosio desinfeta. Jean-Noél Biraben observa que, a partir do século xvir, as fumigagdes aromética’ sto reforgadas pela adjuncdo de enxofre e freqiientemente de Pélvora de canhao. Baumes pretende purificar 0 ar dos pan tanos minando o terreno. ® Banau e Turben declaram-se favo- raveis & aco de bateri pélvora no interior da ig techagar 0 mau cheiro dos cadéveres. Tudo aquilo que corresponde & vontade de controlar os fluxos aquaticos concerne também @ ventilagio. Entre o ar ¢ @ Agua estabelecem-se trocas salubres, O vento sancia 0s rios & as represas; agitar a atmosfera dos pintanos assegura a sa bridade das aguas; remexer 0 contetido de um vaso jé € puri célo, Inversamente, a queda d’égua continua sendo o melhor dos foles. A agitacdo da correnteza se comunica & atmosfera. Banau e Turben, que marcam o iiltimo estégio do fantasma da ventilagdo, recomendam a instalago de cascatas no centro das represas, provocar aquéticos. Aconse- tham também instalar pequenas quedas d’égua nas extremidades da mesa da sala de jantar e encorajar a criggio de peixes ver- ethos devido & agitagao que estes comunicam & égue do aqué- 8 © leito do rio, ponto de concentragdo dos fluxos, contri- bui para a talubridade da cidade. Bem estruturado, pode tor- arse um dos mais eficazes reguladores. Encerrar 0 Sena entre dois sélidos alinhamentos de cais, forgé-lo desse modo « uma agitagio permanente € salvadora,-impedir por tagnagao nauseabunda, ¢ portanto nociva, do: indicies, € assim que se configura um sistentes dos higienistas parisienses. Brut 129 lado dos sopros aéreos engendre- m canalizado merece tanta atencdo 1 velocidade das correntes aqui s destinados a dominar e a organizar ais do ar vence os procedimentos do fole ‘agfo. O nico ventilador largamente utili- mesmo no seio da frota inglesa, é ainda a vela s que faz 0 ar se engolfar nos flancos do navio. ido em alguns coletivos; Howard observa sua utilizagio na prisio de Maidstone, 5 yarracos” © “tenda instaladas fora da cidade, em locais ventilados e féceis de d: fr pelo fogo, serviam para refrear a marcha da epidemia, Se amontoavam os doentes. 6 Até meados do século XIX, a “sala de ventilago” continua a ser, juntamente com a “sala dos per uma das peras mestras dos lazaretos. Os objetos sus Peitos, uma vez desembalados, eram af submetidos as correntes urificadoras Conhece-se @ influéncia exercida pelas teorias actistas na arquitetura das Luzes. O funcionali 10 ascen- entram em competigdo com a tradigdo culturalista, ow ao menos modificam sua significagio. Os autores de pi nam “utilizar (....) somente os recursos da arqui , fazer circular e reje love conduzir.& divisio entre as exalagGes_putridas ¢ as con tes de ar fresco, da mesma forma como deve permitir a dis. sto entre éguas puras © éguas usadas. O prdprio corpo do io poderia tomar sem objet is nauseabundas, que_os_ | experts sobem para res deve permit medir a quitet. O hos n8Ste aspesio, & my Yconcebeu uma sala aboba. dada, cuja forma Pe minar os cantos estegnan- tes ¢ estabelecer correnies de ar ascend TA areada tem de ag lade de permitir a aerasio da parte inferior dos edificios e de interromper os bafios. O pértico gurante a ventilagio, ao mesmo tempo em que ite a0 viandante proteger-se dos caprichos do ar livre. O alargamento das portas e al de Lyon, sideradss como tubos de aspitagdo dos acentuaséo des obsessdes aeristas, Os arquitetos alcapées, respiradouros, postigos méveis. A necessidade de ve tilagdo tende a relegar a um segundo plano a do aquecimento. Howard chega a condenar 0 vidro,” cujo uso entrementes se expande. Essa obsessfo leva ao combate do duplo perigo dos porées, subterrineos ou cimaras escavadas, submetidas is emanagées do solo e privadas da n¢ ia circulagao do ar. O antro ater- toriza. f assim que se comesa a pregar o abandono do tétreo em favor do-primieito andar. Baumes estima que convitia forgar lat af.” Tais conviccdes suscitam uma nova ica das formas rurais de habitagio. Os conselhos dos higie- nistas passam a ser ouvidos. A arquitetura o atesta. Em seu es. tudo consagrado a cidade de Caen, Jean-Claude Perrot nota o esbogo de uma migrago para os andares. Os apartamentos jadas umas das outras. Na sua opiniéo, & meio da pega e isolélas do contato com enon propée a cama de ferro — jé que a se impregna — com um fundo mével atado a0 estra- % \ maca gozaré, por conseguinte, de grande moda nos lago, a0 mesmo tempo em que preserva o espago de trabalho. Modelos estranhos sao propostos: assim, as camas de colocadas no centro da sala. Acrescenta-se a esse tema toamento, outro grande imperat mitir o controle das emanagdes ista @ utopia. O desamon- fo dos higienistas, poderia per- individuais, fim evacuagio particular para cada | banhado em sua atmosfera, estaria entio prot odores do outro nfo por meio de uma barrei pirard o debate sobre a ventilagdo das celas dos pris Conviceses idénticas comandam, como se sabe, 0 urbanis: mo das Luzes, sobretudo no tocante & ordem dos projetos. A cidade saudével, difundida pelo abgde Jacquin, em 1762, sera construfda em uma encosta; a auséncia de muralhas altas per- ‘varrer vapores e exalacées’ 76 as profissées iveis pelos maus cheiros (curtidores, pisoeiros, tint setdo rechagadas para fora dos mutos, bem como cemité- rios, hospitais e agougues. As manufaturas seréo instaladas nos arrabaldes; ruas largas e vastas pracas semeadas de fontes de gua facilitardo a circulaggo do ar. Pelas mesmas razbes id apela para a “derrubada dos muros de nossas cidade 0 elevar as ruas, escreve Baumes; para tanto, poderiam jas as ruinas € os materiais de casas 1a no ar”, A cidade ideal de Clau- 132 bem analisada por Mona Ozouf, marca a nte_aerista. com um talento excepcional. * icos de Chaux sio ‘“independentes de qual funcional, insalubridade dos edi fambém responde, vo higienista idade imediata da tudo contra o ar ruim. Séo circulagdo do fluido ndo seja bloqueada; concernem notadamen- te & largura das ruas ¢ & de sua aplicacdo. Ma ‘no mesmo periodo, as vias de circulagdo da cidade de Lyon sio alargadas. DESAMONTOAR. DESINFETAR Desamontoar as pessoas ¢ proceder a um novo recorte no espago dos equipamentos urbanos surge como o recurso para completar o trabalho da ventilago, para dominar o fluxo das exalagdes © para impedir o efeito morbifico das emanagdes so- ciais. © amontoamento dos corpos, desafio permanente 20 to sanitério capaz de reguladoras. Essa atengGo voltada para o problema das distribuicSes ® confere um papel essencial a ol- facio. ‘A espacialidade dos corpos seré definida pela medida das exalagies. AS cdores exerementicios em locais confinados, Colocada de lado nose de intensidade, os odores da cozinha pouco a ouco deixario de se confundir com os do espago fntimo, os dlo hospital deixardo de se confundit com os da prisi. Meio século mais tarde, Villermé tiraré todas as conse. cias sociais deste novo objetivo que ressalta, por enquanto ainda em confuséo, os fabulosos perigos da promiscuidade piitrida e licenciosa. ™ A atrasio pela presenga sensivel, quente ¢ confor- tante do outro seré submetida abertamente a andtemas fulmi- nantes, A critica contra os aquecedores de priséo, feita por Ho- ward, prefigura a critica contra as casas operdtias; seré preciso voltarmos & questlo. Georger Vigatello" nos leva a crer que foi no seio do exército que se operou de inicio esse distanciamento dos cor- Pos, por intermédio da pedagogia das posturas e da determine- fo de ordens coletivas. De qualquer modo, a betalha do desa- montoamento foi travada em volta da cama individual ¢ da tumba. Havia tempos que Jean-Louis Flandrin sublinhara a im- Portineia desse quadro." A hist6ria da cama no século xviit somente uma etapa daquele longo processo de privati- zagGo do dormir, cujo ponto de partida é fixedo por Philippe Perrot no final do século xvr, quando da volta da camisola de dormir. Para certos individuos dotados de uma sensibilidade ainda minoritéria, a promiscuidade e o calor do leit coletivo sé sido percebidos através das exalacées intoleréveis do outro. O leito individual implica, mais ou menos a longo termo, uma atengdo exclusiva aos odores do eu; permite o devaneio narci- ita prolongedo; incita ao mondlogo interior, impoe a moda quarto personalizedo. Os despertares do Marcel Proustcrian- vio poderiam ser concebidos sem esta revolugio. Todos os especialistas, de Robert Favre a Jacques Guiller- de Michel Foucault @ Bruno Fortier, reconheceram clara- © © papel determinante do hospital na definiglo das noves E nesse ponto e momento que a cama individual se rio e se transmuta em unidade espacial. A impor papel de Tenon surge aqui com evidéncia. © te6- 134 ico dos hospitais justifica, pelo metabolismo, a necessidade da reforma. E preciso que se deixe cada doente operar livremente sua evolugio térmica; € entZo importante evitar que 0 amon oamento num mesmo leita crie um calor médio, que se reve- ‘0 a cada um dos individuos aos quais uma tal Promiscuidade estivesse imposta. © hospital de Lyon € mais uma vez 0 modelo. Em 1780, quando do primeiro ministério de Necker, um novo regulamento do Hétel-Dieu prescreve camas individuais. No dia 15 de no- vembro de 1793, uma decisdo da Convengéo impoe esse prin. cipio, aplicago W6gica da Declaragao dos Direitos do Homem. © mesmo ol PO a esperanga de se ver desaparecer 0 hospital. ® Por volta da metade do século xvit1, emerge a reivindice gio, da tumba individual. ° Que se reserve a cada morto uma fossa, @ os cemitérios cheitaréo menos, Aquilo que por enquan- to era apenas um argumento de higiene logo se tornard impe- rativo de dignidade ¢ de piedade. A idéia ser dominante desde © inicio do século seguinte, portanto mais rapidamente do que © principio da cama individual, Inspirando-se na teoria de Maret segundo @ qual rafos morbificos so irradiados dos cadéveres, Vieg d’Azyr% solicita que os corpos estejam separados por 20 menos quatro pés de distincia, para que os raios emanados rndo se misturem, O desejo de desamontoar os cadaveres, de inicio acantona- do a ordem dos discursos, seré traduzido em fatos antes mes- mo da Revolucio, A esse respeito é exemplar a grande mudanga dos mortos empilhados no cemitério dos Inocentes, verdadeira epopéia da qual Thouret se tornou o chantre fascinado. J4 que o ar puro constitui o melhor dos anti-sépticos, que as emanagées que se clevam dos corpos e do lixo encarnam 4 ameaca pitrida, ventilar, drenar a imundfcie, desamontoar os individuos jé € desinfetar. Palavra t@o ambigua qu iado, 0 primado de um modo 135 ‘brio organico. Entretanto, outras préticas tam- 1or finalidade destruir,os miasmas ¢ restituir as lades primeiras de uma atmosfera contaminada. Essa de- a0 tem sua hist6ria, que nfo poderia ser reduzida & his t6ria do ardmata No final do século xvsst, antes que se imponham as des: cobertas de Lavoisier, os quimicos procuram' febrilmente 0 anti- ‘mefitico que se revelaré capaz de vencer 20 mesmo tempo 0 maurcheiro, 0 poder asfixiante ¢ 0 risco mérbido. ® Essa busca acelera a promogio do desinfetante/desodorizante .quimico. O essencial das textos e dos debates que ela suscita gravita em tomo. das ameacas excrementicia e cadaverosa As vésperas da descoberta dos mecanismos da combust, permanece ainda intacta a confianga.no poder desinfetante do fogo. Jean-Noél Biraben até mostra o quanto cresceu, a partir do século x1v, 0 dominio dessa antiga convicgéo hipocratica. Em 1348, queimasse todo um bairro de Bordeaux para purified Jo; no século seguinte, as autoridades municipais decidem in- cendiar, com a mesma finalidade, vérias casas da cidade de Troyes.™ As grandes fogueiras acesas em Paris durante 0 in- verno de 1709 para aquecer os pobres sem duvida rechaca- ram 0 escorbuto, Gu'#0 menos € 0 que se diz, Por essa razio, Navier recomende, em 1775, a multiplicagao de fogueiras na capital. No dia 2 de agosto de 1720, quando da grande peste, fa conselho dos Sicard, pai e fiho, a municipalidade de Mar- selha decreta que se queimem, durante trés dias, as muralhas, as pragas € as ruas; “gigantesco auto-defé médico”® que leva a cidade a uma pentiria de lenha, O costume exigia que Se ‘assem, apés a epidemia, as cabanas, as barracas e as tendas que servido de refiigio aos doentes expulsos. Sabe-se que, sob a Revolugdo, per ininados. fe a prética de incendiar os navios cpois de Lancisi, todos os especialistas dos’ pantanos que se multipliquem af as fogueiras, principalmen- 0s operdrios esto procedendo & drenagem ou, ex: vasa, Navier pede que se acenda fogo quando se de- 136 cide pela exumagdo de um cadéver. O proprio Lavoisier reco- menda, em 1780, esse procedimento, segundo ele apto a puri ficar 0 ar das prises." Duhamel du Monceau prevé que se desinfetem as roupas velhas dos matinheiros em estufas.™ Em 1788, Thouret prega a fabricacdo da poudrette, exctemento em 6, por dessecacao. ® (5 sébios néo atribuem gua o mesmo poder desinfetan- te, pois € mais dificil impedir sua estagnagio; além do mais, 1 umidade revela-se mais perigosa do que o ressecamento, E certo que Lavoisier recomenda lavar as prisSes, mas que scja com precauséo. No entanto, como conseqiiéncia de seus tra- balhos, desenvolve-se 4 confianga na égua de cal, primeito en- tre 08 desinfetantes quimicos, cujo poder desodorizante & apre- goado tanto por Baumes quanto por Howard. A combustio da cal desinfeta 0 espago.-Banau e Turben propoem a multip 0 dos fornos nas regides pantanosas. ®" A mistura composta por Marcorel para lavar as paredes das cdsas ¢ neutralizer sua putridez fez maravilhas nas latrinas de Narbonne. Howard as- perge as paredes de seu quarto com cal," Ele reserva um lugar de prestigio para esse produto dentro da estratégia de de- sinfeego que propée. !* Laborie © Parmentier constatam que a cal desodoriza os residuos acumulados nas fossas sépticas. !* Segundo M. d’Am- bourney, secretério da Academia de Rouen, fazet infusio do produto em matéria [fquida quedruplica seu valor de mistura; acrescenta que, “por essa mescla de cal, 0 odor das matérias se dissipa absolutamente, ¢ 0 que resta € um odor préximo a0 do mel”, % A cal desodoriza também os cadveres; ela acelera a putrefagio das matérias animais ¢ se combina com o “ar prin- cipial” que se desprende dos corpos. Ela dissolve os miasmas, impedindo-os de se clevarem na atmosfera, cla “acorrenta as emanagdes funestas”. 1% Sua ago continua até que o cadéver esteja déstruido, Em 1783, por ocasifo de uma exumagdo efe- tuada em Dunkerque, 0 uso do leite de cal suspendew tempo: rarlamente as emanagées. ‘Mas voltemos ao que & esstncial. No comegu do ano de 137 1775, decidese evacuar os cor da igreja de Sai ago de ni 8 sepultados nos subterrdneos jon. O fedor € tal que a deto- fumigagdes, braseiros aromiéticos ¢ a aspersio © com vinagre dos quatro ladrdes nao basteram para des. inhas foram infectadss, as febres rondam, Se Guyton de Morveau. No dia 6 de margo a ni ras de sal e dois litros de procede a uma fumigagio de No dia seguinte, a0 se aby mais vestigio de mau ch tarde, regulamentam-se 0s oficios. brit um “novo meio de putificar abso- A ‘eq d'Azyr aconselha o emprego do Para desinfetar os estébulos do assolado pelas epizoot guytonianas sero muito pouco assimiladora” que “con 8 compostos de uma cia pitrida em germes nocivos, Guyton vé nele a pro. Priedade de um corpo cuja destruigfo por transmutaydo qui tmica precisa ser acompanheda. A desodorizagéo completard o sucesso, isto é, completaré o surgimento de um corpo novo. Nao se trata mais de mascarar, mas de destruir o odor aus Seabundo; “a diferenca € grande aos olhos do quimico, que vé no odor mascarado apenas produto confuso de uma mistura Gules partes tendem continuamente a se desagregat; a0 invés 0, a destruigdo do odor € 0 resultado de uma combinacio 138 através da qual 0 corpo odorante ou é numa base que muda suas propriedades Lavoisier permi de um modo ger posto ou encadeado As descobertas de ticas. Se que tivesse havido, a0 que parece, conhecimento dos ‘esultados obtidos pelo quimico francés, o de. James Cerne wclSmith ehege, em 1780, a resultados quase idénticos gra. Gas Bs fumigagées de dcido nitrico. Seu método, ulizado em 1295 a bordo do Pimen e do Revel, navios da esquadra ruses devastada pela epidemia, permi destruigio. dos maus cheiros ¢ @ melhora do ar". "! No ano seguinte, Carm?, chaelSmith desodoriza, com sucesso, © hospital militar fo Forton, OS LABORATORIOS DAS NOVAS ESTRATEGIAS Os Tocais de amontoamento de pessous atraem a aten¢do dos higienistas; eles impdem a urgéncia de uma apdo 4 rugulagdo. Blaborase aqui uma estra s01mos « do espac0 que, meio século mais tarde, seré transposta 8 casa do camponés © & moradia do operitio. A tends dot dado, © navio, © hospital e a prisio tomaram-se os laboratSe onde se experiencia a future desodorizagao do espago privado Ao lado do grande papel desempenhado pelos hospitais mic litares messe processo, € no seio dos ‘com as emanagées nauseabundas, ede, em 1779, 1 que 0 soldado mude de roupa ao men IF exagerar a import disciplinar. As ordens, livros de ordem ele, so, nesse ponto, de ut 4 parciménia das préticas, Os desertores que tentam ju seu ato no se referem nem as més condigdes de higiene do acantoamento nem a recusa de disciplinas mal toleradas; silénci na entreponte; ordena que se cerceiem sem trégua as imundi (Os membros da tripulacdo deverdo lavat-se e pentear-se; 0 ca arrumagii, para fazer a5 rou pes dos marinheiros tomar ar © navio de Cook impde-se como a suprema referéncia: & que seu capitéo soube com perfeicao “destruir durante a tra vessia todos 08 ger inerentes tanto & tripulagdo quanto aos objetos”. "8 Cook inspeciona constantemente a Tim- peza; manda colocar leitos e cobertas no convés toda vex que © tempo ficava bom; cuida para que cada fardo seja aberto © todo 0 seu contetido exposto ao ar para que seja cfetuada a eva poracdo dos miasmas durante o trajeto. Inspeciona as provistes para precaver-se contra germes pitridos. Ordena que se ventilem as velas de reserva e quaisquer tecidos passiveis de se impregna- rem. Os viveres so colocados no fundo do pordo; “durante a viagem, as escotilhas so solidamente calafetadas ¢ cada fenda smente fechada com piche”. 7 Uma separacio estrite cemanagées da carga e as da tripulagdo. O navio se do naviovantasma assolado pela pestiléncia eira das cidades higifncias. Aqui, as pessoas estio pre servadas contra as efusSes miasmaticas; 0 ar e o fogo desarmam toda @ ameaga aquética. Em terra, € a0 hospital, e primeiramente a0 hospital mili 140 tar, que cabe essa fungio de modelo. Michel Foucault © Fran- gois Béguin mostraram muito bem como ele tende entio a se transformer numa méquina de distribuir are de expulsar mias- mas. Desde 1767, Boissieu enuncia com clareza a nova estra- ia: 05 feridos, amontoados nos hospiteis, morrem por causa da putridez do ar; “para diminuir a quentidade de exalagies, € preciso nfo encher os qu: afastar deles, com todo 0 cuidado, tudo aquilo que puder infectar ¢ dar atengGo & mais estrita limpeza, E renovando o ar que se rechagario as exalagdes perniciosas. (...) dos tetos, dando para o andar superior, o fogo nas chai nfo mais nos aquecedores, a méquina de Sutton 03 ver dores de Hales” "* dario uma saida pera o ar. A fim de fa tat 0 afluxo daqueles que se acham no exterior, portes © nolas serdo abertas, serio espalhadas ventoinhas, sera das tubulagées junto a cada leito. Enfim, gagdes. 1 Vinte anos mais tarde, a estratégia del Hallé visa pri por Jean-Noél iramente & desodorizagao. Apés ter reiterado os conselhos formulados por Boissieu, 0 pai da higiene pablica apregoa uma luta sistemética contra os fe ‘Os doentes nio conservardo suas roupas; as cortinas de Ieito serio em tela, as cadeiras sero bem asscadas ¢ fechadas, as latrinas estardio dis- postas de maneira a nfo provocarem nenhum ct te apds refeigbes © cura. areia seré empregada, de preferéncia, para ‘Numerosos. projeto © esquema radial se impde nas realizagdes traduzem os novos imperativos; principalmente na Inglaterra o hospital militar de Plymouth e jos em Greenwich. " Ventiladores, embt | de Guy em Southwark, comunicam-se com 0 nese estabelecimen pranchas. Vat 14 ‘alete nfo exalam nenhum odor, pois a porta les ao se abrir." Na Franga, os hospitais de Lyon, 0 » servem como referéncias aos reformadores. da Salpétritre; "5 ele j& construira 86), em Bicétre, 0 grande esgoto que se depura, e mal, num Gispositivo produtor de estereo composto. Obter desodorizagio do doent fico e, antes de tudo, a v ho, © hospi nar um lugar disciplinar. Os tegulamentos se enrijecem. O re- gulamento do hos se use roupa quatro dias ¢ a troca de lengbis @ cada quinze dias; as toucas, as ceroulas ¢ as meias devem ser trocadas uma vez por semana, Os homens devem ser barbeados a cada s. Os doentes serio proibidos de se deitar vestidos, de utilizar suas roupas velhas como cobertas, “de guardar pio, manteiga ou qual ecessidades naturais sendo nos obrigacdo assistir ao se culpado de expressées blasfem: maldigdes, bebede as para receber roupas limpas”, ¢ 8 uniformidade, a destruigdo de hi iodo de comportamentos espontneos, di jante con- rados como andrquicos e perigosos. O hospital se toma, por meio desses exemplos premonit6rios, 0 local de aprendizagem de uma higiene individual que nem se sonha preger ¢ difundir no espaco privado popular. No Hotel-Dieu de Paris, Tenon pre- tende obter a instalagdo de “comodidades com vasos". Os doen- 142 {es hospitalizados seriam os Gnicos, juntamente com alguns pri- legiados, a gozar dessa nova maquinaria do conforto. Projetos idénticos obcecam os reformadores da prisio, mas sua reflexdo se choca contra um dilema, Como assegurar a culacio da égus, do ar e das imundicies onde se deve restrin- @ cireulacao dos homens? Como desativar os perigos da es- tagnagdo € da fixidez assegurando o necessétio aprisionamento? Como conciliar o jogo das correntes de ar e a separacio das categorias de detentos? A ventilagdo demanda multiplicagzo ¢ alargamento das aberturas, enquant. Howard uaa pe grade, a parede em thor, 0 fole manual poderav, conciliar © impera No in {duo sem comprometer 0 fechamento. A espera de que os sibios do século seguinte ve- nham a encontrar uma solugdo higitnica a esse problema em Particular, Lavoisier projeta, desde 1780, desodorizar a met da das prisées. Para tanto, - nto, um canal no qual vitiam desaguar os canos de des- ws. Uma possante corrente de agua controlada or uma vélvula aberta a cada dois ou trés dias empurraria as ‘matérias para fora desse canal; tubos de respitacao, terminados Ro ‘eto por uma boca-de-lobo, impediriam a expansio dos odo- res nauseabundos no interior dos edificio ridade de que gozam os carcereiros permite aqui um controle dos comportamentos mais severo dos que nos hospitais, A priséo, assim como 0 convento, mas por outras razées, tende 4 se tornar 0 lugar privilegiado da aprendizagem das priticas higiévicas. O valor pro acrescen- te-se a0 valor que os teéricos atribuem ao trabalho. “Gostaria, esereve Howard a propésito de prisioneiros amontoados num dos navios-prisio ancorados perto de Portsmouth, que durante © dia de sébado cles fossem obrigados a limpar, lavar roupa, 143 costurar suas vestes, barbear-se, a tornarentse a si mesmos pos, a limpar o navio, a bater e arejar suas roupas de cama. © mui rortante acostuméclos desse modo & limpeza.” " Mui tos oficiais observam que “os homens mais limpos so sempre ‘aqueles que se conduzem com maior honestidade ¢ decéncia ¢ aque os mais negligentes so ao mesmo tempo os mais dados 20 vicio ¢ ao desregramento’ (© imperativo do “impo em ordem", " a aprendizagem da limpeza revelam seus objetivos miltiplos. O objetivo moral zador ¢ a necesséria compressio dos inst inuamese onde, até enti, se tratava de desinfeceao. O mau cheiro do pecador € tomado ao pé da letra. Saber lavar seu corpo torna mais ré- pida a recuperagdo do culpado. O criminoso arrependido, pres: tes a receber 0 novo batismo social, deveré provar seu renasci- rento pela perda do odor piitrido que até entdo o ligava a seus comparsas. ‘Quanto a este ponto, as prises da Holanda sio os mode- Jos, Aqui, cada um tem o seu quatto, sua armagdo de cama, sett esirado, A leitura dos regulamentos das prisées inglesas con- firma também. a insisténcia dessas preocupagdes. O artigo: Vit do regulamento da prisio de Lancaster esté redigido da seguin- te forma: “O carcereiro forneceré carvéo, sabdo, vinagre, co- bertores, palha, esfregies, arcia, escovas, vassouras, baldes, va- 505, toalhas de mao, cestas de carvlo, para uso dos prisioneiros, de maneira que eles proprios e todas as partes da priséo sejam io de limpeza e de salubridade”. "™ Ao che- eiro-faxineiro seré despojado de suas rou ‘pas, lavado € vestido com 0 uniforme. Para lutar contra as fe- bres das prisdes, deve-se, antes de mais nada, desodorizé-las. “© carcereito atentaré especialmente para que um os varram alternadametne todos os quartos todos 0s dias antes da refeigio, © aque os lavem tereas, quintas e sébados”. Esté fixado 0 calen dério da faxina, Serdo privados de ragio (artigo x111): “aqueles jque nfo tenham lavado seus rostos ¢ suas maos ¢ cujo exterior ‘ndo anuncie limpeza”. Uma por¢do suplementar ¢ seletiva seré 144 wuida aos domingos 20s com a fi risioneiros mais bem cuidados, idade de “encorajar so trabalho, & limpeza, & boa ordem, & assiduidade ao servigo di nente algumas prisdes bem Ii exemplo, ou ainda a do Cay 15 prevé também que se mandem benhar os ‘© que se 0s banhem & suia entrada no estabelecimento. Uma inovagao que marcart épo- ca na histéria da eeragfo: ele recomenda que se instalem em ca da cela duas aberturas, uma situada no alto da diviséria e pela qual o ar mefitizado sera evacuado, outa escavada a da atmosfera Seria interessante comparar tinados aos doentes e avs prisionei tenta impor aos criadores de anim jornado mais leve, € a el da porta € que p 4 a renovagdo impo e ordenado parti dessa mesma ambigZo de se reger os comportamentos preser- vandose a sadde coletiva 145

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