A Economia Política Das Relações Internacionais (2002) - Robert Gilpin-174-193

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A economia politica das relacdes internacionais, 173 A solugdo proposta por alguns economistas conceituados era a coordena- cao das politicas macroeconémicas dos Estados Unidos e dos seus principais parceiros econémicos, formulando, na verdade, uma imnica politica macroeconémica para todo o mundo. O objetivo seria assegurar 0 pleno em- prego € 0 crescimento em todas as economias. Mediante um acordo sobre os niveis monetarios globais, as poténcias econdmicas dominantes poderiam con- ter a inflagao e desenvolver politicas contraciclicas. A lideranga coletiva subs- tituiria a dectinante lideranga dos Estados Unidos. O problema da coordenagio das politicas nacionais Embora o significado da expresso “coordenagdo de politicas” abranja desde acordos ad hoe, como o chamado Acordo do G-S de setembro de 1985, até propostas formais e de formulagdo técnicas, podemos entendé-la como uma tentativa de reviver 0 espirito de cooperagdo que constituiu a base politica do funcionamento do sistema de Bretton Woods de taxas fixas ¢ a estabilidade internacional entre 1945 ¢ 1971. No entanto, por razées econdmicas e também politicas, admite-se que seria impossivel retomar aquele sistema. Em uma era de mercados de capital integrados e alternativas atraentes para o délar, como o marco € 0 iene, por si sé 0 U. S, Federal Reserve norte-americano no poderia mais administrar 0 sistema monetario internacional. Além disso, 0 que outros tinham percebido como abuso pelos Estados Unidos do sistema monetério, assim como 0 relative declinio do poder norte-americano, parece exigir uma solugao cooperativa para o problema da estabilidade monetaria internacional. Embora na opiniao de muitos especialistas a melhor solugao de longo prazo fosse um banco mundial, um FMI reforgado, ou a criagao de uma moeda mundial, como os Direi- tos Especiais de Saque do Fundo Monetario, a segunda solugaio mais adequada seria a cooperagio das politicas internacionais (Cooper, 1984, p. 2-4). Dentre as varias propostas para tal coordenacdio, nenhuma era mais enge- nhosa ou mais ilustrativa dos problemas envolvidos do que a de Ronald McKinnon (1984). Enquanto os monetaristas tradicionais se preocupavam com o cresci mento da oferta de dinheiro em um pais determinado, na visdo “monetarista global” de McKinnon a integragao das economias nacionais exigia o controle do “suprimento mundial de dinheiro”. Segundo a sua anilise, a alternancia de contragdes ¢ expansdes dessa oferta de dinheiro era a causa das flutuagées deflacionarias e inflacionarias da economia internacional. Como a economia de trés paises — os Estados Unidos, a Alemanha Ocidental ¢ 0 Japao — representava quase dois tergos da produgao industrial de todo o mundo, essas flutuagdes desestabilizadoras poderiam ser controladas caso os trés paises coordenas- sem sua oferta de dinheiro. 174 Robert Gilpin Em esséncia, McKinnon propunha que os trés centros mais importantes do poder econdmico concordassem em fixar uma meta para 0 crescimento da oferta mundial de dinheiro e orientassem sua politica monetéria para a estabili- zagdio da taxa de cambio — expandindo e contraindo a oferta de dinheiro con- forme fosse necessério para sustentar os valores monetarios. Juntos, esses trés paises dotados de “moeda dura” imporiam de fato uma norma de cresci- mento monetrio global para o resto do mundo e garantiriam 0 aumento estavel ¢ ndo-inflaciondrio da liquidez mundial. A cooperagao entre os trés poderes dominantes corresponderia ao retorno a um regime de taxas fixas. O objetivo desse condominio tripartite seria coordenar a oferta mundial de dinheiro, e impedir a contragdo e a expansao sincronizadas das politicas mone- tarias nacionais. Segundo essa analise monetarista global, a tendéncia dessas ‘economias era a de variar o estimulo a produgdo, keynesianamente, ¢ provocar assim, um movimento ciclico global de deflagao e inflagdo, Uma estabilizagao do suprimento mundial de dinheiro poderia ser conseguido caso uma das princi- pais poténcias econémicas reduzisse sua liquidez para compensar a politica expansionista dos scus parceiros. Mediante um deslocamento de politicas sincrénicas, compensando tais flutuagSes, os trés centros mais importantes do poder econémico poderiam estabilizar o valor do délar e impor ordem ao siste- ma A composic&o atual da oferta mundial de dinheiro, em termos de déla- res, marcos ¢ ienes, seria determinada pela combinagao de uma complexa formula econométrica c pelas decisdes dos bancos centrais, ¢ nao mais em funco de objetivos nacionais. Uma norma monetéria internacional tomaria o lugar da autonomia nacional, o que determinaria o nivel mundial de liquidez. Assim, critérios técnicos e fatores objetivos determinariam a taxa de cria- go monetaria, em lugar de interesses nacionais ¢ de politica paroquial Com o tempo, a experiéncia dessa cooperacio levaria a “completa unifica- ¢H0 financeira dos paises com moeda de reserva” (McKinnon, 1984, p. 75). No longo prazo, 08 ciclos internacionais de inflagao e deflagdo seriam aplainados, mediante mudangas néio controladas no estoque mundial de dinheiro ¢ na taxa cambial do délar. A eficiéncia do comércio internacional seria restaurada, ¢ 0 senti- mento protecionista deveria diminuir logo que fossem eliminadas as mudan- cas arbitrdrias nas taxas de edmbio. Como em um regime de padrio-ouro idealizado, o dinheito nacional ¢ 0 internacional passariam a ser virtualmente ‘omesmo (idem, ibidem). O mundo voltaria ao sonho liberal de um sistema monetario internacional neu- tro, automatico e despolitizado. A economia politica das relagdes internacionais 15 Um objetivo silencioso, mas importante, desse esquema seria impor con- troles aos Estados Unidos, o elefante bravio da economia mundial. Intencio- nalmente ou nao, suas politicas macroeconémicas erraticas tém prejudicado seriamente © sistema monetario internacional, 0 que provoca flutuagdes desestabilizadoras no valor do délar, estimula fluxos macigos de capital especulativo e busca auferir lucros com os diferencias de taxas de juros ou com as mudangas previstas nas taxas cambiais. A coordenagao das politicas nacionais, como a proposta por McKinnon, obrigaria os Estados Unidos a voltar a agir como uma influéncia estabilizadora, como acontecia no sistema de taxas fixas. De fato, o que McKinnon propunha era a criagdio de um governo econdmico mundial. Nos anos 1950 ¢ 1960, os Estados Unidos assumiam um papel hegeménico de governanca mundial; seu banco central gerenciava o sistema monetério internacional e sua moeda passou a ser o principal meio de paga- mento em todo o mundo, Mas no fim dos anos 1980, e depois, um “triunvirato” (para usar a terminologia de McKinnon) composto pelos Estados Unidos, pelo Japao e pela Alemanha Ocidental passaria a governar a economia internacio- nal. Os bancos centrais desses paises poderiam, assim, cooperar para admini: trar o suprimento de dinheiro, e suas moedas estaveis substituiriam o dolar ‘como moeda internacional. Assim, a hegemonia norte-americana seria substi- tuida pela lideranga das trés poténcias econdmicas dominantes Para que esse sistema tivesse éxito, os trés governos envolvidos precisariam subordinar suas politicas domésticas a normas econémicas internacionais acei- tas em comum — no caso dos Estados Unidos, pelo menos, 0 governo precisaria abdicar de uma parte da sua independéncia na politica externa. Por exemplo: 0s Estados Unidos nao se poderiam empenhar em uma guerra importante, como fizeram no Vietnd, com conseqiiéncias econdmicas, a nfo ser que contassem com o apoio explicito do Japao e da Alemanha Ocidental. Seria preciso coorde- nar também as politicas fiscal, comercial ¢ de balango de pagamentos, assim como a politica monetéria. Até mesmo os custos do trabalho precisariam ser coordenados ¢ mantidos sob controle estrito para evitar acordos trabalhistas inflaciondrios que provocassem 0 desalinhamento dos valores monetarios. Em suma, 0s requisitos politicos ¢ econdmicos de uma coordenagao de politicas exitosas (pelo menos na concepgaio de McKinnon e de outros especialistas) seriam extraordinarios. ‘A despeito das dificuldades inerentes, esse tipo de solugiio coordenada ganhou apoio na década de 1980, dentro do governo Reagan ¢ em outros seto- res, Em Washington havia quem visse a coordenaco das politicas econémicas nacionais como um meio para superar o dilema politico interno em relagao 4 politica econGmica e ao deficit orgamentario. Se os Estados Unidos nao podiam 176 Robert Gi sozinhos resolver seus problemas, poderiam talvez contar com a ajuda dos seus parceiros econémicos. Da mesma forma, outros paises viam na coordenagao de politicas um modo de vencer suas préprias dificuldades econdmicas, fazen- do com que os Estados Unidos ¢ 0 Japtio adotassem determinadas posicdes. Nao seria assim um grande exagero afirmar que para cada uma das principais poténcias econémicas 0 objetivo da coordenagdo de politicas seria fazer com que seus parceiros econémicos se conduzissem de modo conveniente para eles, perdendo a liberdade de agir do modo que melhor Ihes aprouvesse. O governo Reagan e a coordenacio de politicas 0 Economic Recovery Act (Lei da Recuperagdo Econdmica), de 1981, ¢ 6 subseqiiente déficit no oramento federal norte-americano, de aproximada- mente 5% do PNB, tiveram um impacto profundo e ndo esperado na economia mundial. © que aconteceu, no entanto, tinha sido previsto em um artigo classico escrito em 1966 por Robert Mundell. Conforme o resumo feito por Peter Kenen, Mundell sustentava que: (...) quando 0 fluxos intermacionais de capital reagem as diferengas nas taxas de juros, ¢ as taxas cambiais so flutuantes, um pais que sofra grande déficit orgamentério, e ndo o financie criando moeda, sofrera um importante déficit nas contas-correntes, mas tera também uma moeda forte, O déficit orcamentario elevard as taxas de juros, atraindo capital estrangeiro. Com a flutuagao das taxas de cambio, contudo, um pais que tenha um fluxo liquido positivo de capital precisaré manter um déficit correspondente na sua conta-corrente, ¢ sua moeda precisard valorizar-se suficientemente para gerar esse déficit, Em outras palavras, o pais precisa tornar-se menos competitivo nos mercados mundiais € no seu préprio mercado (Kenen, 1984, p. 1819). Embora os consumidores norte-americanos ¢ os paises que exportavam para os Estados Unidos se beneficiassem com essa politica fiscal expansiva, ela teve efeitos negativos importantes sobre a economia do pais, assim como sobre a economia mundial. A necessidade de financiar o déficit orgamentario norte-americano fez com que as taxas de juros subissem em todo o mundo, e os investimentos diminuissem. Outras economias reagiram restringindo a deman- da interna para evitar pressdes inflacionarias e adotaram estratégias de cresci mento baseadas em exportagdes. A absoroao de grandes quantidades de capi tal para financiar o déficit de pagamentos norte-americano e para compensar a baixa taxa de poupana do pais moderava os efeitos sobre a formagiio de capital A economia politica das relacdes internacionais 7 nos Estados Unidos. No entanto, a resultante sobrevalorizagdo do délar teve um impacto devastador sobre as exportacdes norte-americanas e em amplos setores indlustriais, provocando, assim, um poderoso impulso protecionista, Além disso, as taxas de juros muito elevadas exageraram os problemas da divida externa mundial. A mudanga para taxas flexiveis e a integracdo dos mercados de capital tinham ampliado muito o impacto das politicas macroeconémicas dos Estados Unidos no resto do mundo. ‘A despeito do impacto da sua politica macroeconédmica na produgao e no balango de comércio, durante todo o primeiro mandato de Reagan o governo aderiu ao conceito de convergéncia das politicas nacionais. A resisténcia do délar e 0 fluxo de fundos para os Estados Unidos eram interpretados como um sinal de robustez econdmica e do sucesso da chamada “Reaganomics”; as outras economias menos ativas eram aconselhadas a seguir 0 exemplo norte-americano. A atitude do governo com relacao as queixas dos outros paises de que o déficit orgamentario e a sobrevalorizagao do délar estavam distorcendo o sistema monetario e financeiro internacional foi resumida nas palavras arrogantes de Beryl Sprinkel, ao falar pelo Departamento do Tesou- ro: “Que eles se preocupem com as suas taxas de cimbio, e nds nos preo- cuparemos com a nossa”. O benign neglect se havia tornado uma negligén- cia maligna! Durante o segundo mandato de Reagan,’essa atitude de indiferenga come- ou a mudar. O crescimento macico da divida interna, o grande déficit comercial ¢ 0 advento de uma nova equipe econdmica, chefiada por Baker, levaram a0 abandono da ortodoxia da economia da oferta e também, pelo menos verbal- mente, do conceito da convergéncia das politicas nacionais. Embora a taxa de inflagdo tivesse caido e o desenvolvimento econdmico houvesse sido restaurado durante a segunda metade do primeiro mandato de Reagan, a sobrevalorizaco do délar se tornara em si mesma um problema sério, ¢ muitos acreditavam que a corregdo da taxa cambial deveria ser um objetivo explicito e fundamental da politica econémica. O desequilibrio comercial norte-americano distorcia a eco- nomia do pais, estimulava sentimentos protecionistas e desestabilizava as rela- Ges econdmicas intemnacionais. O goveno percebia agora que para corrigir essa situacdo cra necessiria a cooperagao dos seus parceiros econdmicos. Em setembro de 1985 0 governo Reagan iniciou seu primeiro esforgo mais sério para conseguir uma coordenagao das politicas econémicas e para garantir a ‘cooperagiio monetéria dos seus parceiros. Alarmado com os crescentes senti- ‘mentos protecionistas do Congresso, o governo Reagan pressionou a Alemanha Ocidental, o Japo e outras economias importantes a intervir na drea monetiria para reduzir 0 valor do délar e para estimular as suas economias, climinando, assim, o déficit comercial norte-americano, cada vez maior. Entre junho de 1980 178 Robert Gilpin © margo de 1985, o délar tinha valorizado em cerca de 60%. A tarefa da coorde- nagdo das politicas nacionais deveria reduzir o seu valor e fazer com que 0s produtos norte-americanos voltassem a competir nos mercados mundiais. Em combinagao com mudangas importantes ocorridas nas forgas de mer- cado, tais como as menores taxas de juros, a perspectiva de diminuigao do déficit orgamentério nos Estados Unidos e a queda dramatica do prego do petréleo, esse intervencionismo coordenado por parte do Grupo dos Cinco (G-5) causou uma desvatorizagio do délar em cerca de um tergo, em marco de 1986, com relagdo ao iene ¢ ao marco, comparativamente ao seu valor no -prineipio de 1985. Aparentemente, tinha funcionado a mudanga ostensiva da tese da convergéncia das politicas nacionais para a coordenacao dessas politi- cas, € 0 governo passou a ver com otimismo a possibilidade de desaparecimen- to do deficit comercial. O sucesso imediato da coordenagio politica dos G-5 levou Reagan na sua mensagem anual ao Congreso, a State of the Union de fevereiro de 1986, a proclamar a coordenagio politica, pela primeira vez, um objetivo importante dos Estados Unidos. O objetivo explicito dessa agdio coordenada seria eliminar as flutuagdes no valor das moedas, com base em farget zones ~ metas fixadas para as principais moedas. Com efeito, de certa forma o governo propunha agora um retorno as taxas de cambio fixas. Assim, o Acordo do G-5 ¢ 0 pro- nunciamento presidencial revelavam um movimento significativo de afastamento da posig&o anterior do govero sobre o tema da coordenagao de politicas. Os Estados Unidos tinham sido estimulados a tomar uma ago decisiva pela per- cepgdo cada vez mais clara de que o grande déficit comercial estava levando ao protecionismo. A histéria do impacto do orgamento de Reagan e dos resultantes déficits comerciais sobre a posi¢o econdmica dos Estados Unidos no mundo ¢ na politica econémica externa esta ilustrada na Fig. 2, anterior, ¢ na Tabela 2. Entre 1976 ¢ 1984, o déficit comercial subiu de US$ 9,3 para US$ 108,3 bilhdes. com 0 aumento relativo da parte referente ao Japio. Mesmo em sctores tradicionalmente competitivos, como a agricultura e a alta tecnologia, o superdvit dos Estados Unidos declinava. Para financiar seu déficit comer- cial, os Estados Unidos assumiam empréstimos pesados de outros paises, € 0 resultado foi o fato de, em meados da década de 1980, seu crédito liquide no exterior passar de positivo para negativo. Embora seus ganhos liquidos sobre inversdes no exterior fossem superiores a US$ 34 bilhdes em 1981, em 1985 eles aproximavam-se de um déficit na renda de investimentos. Essa reversio dramatica das posigdes de comeércio e investimento dos Estados Unidos esta- va promovendo, de forma significativa, o protecionismo, em particular contra os japoneses. A economia politica das relacdes internacionais 179 TABELA 2 Balanco comercial dos Estados Unidos em bilhdes de délares correntes Total Manufaturas* Expor- Impor- Expos = Expore——Impor-—Expor- tagdes tages, tagdes tagdes tagdes tagdes dosEUA dosEUA —liquidas_ dosEUA dos EUA _liqitidas ‘Comércio multilateral dos EUA 1976 1147 1241 93 673 646 27 1977 1208 151,7 309 69,6 169 “13 1978 142,0 1758 338 819 100,1 “182 1979 184,5 2118 213 994 1109 “116 1980 24,2 249,6 253 123.2 122.4 08 1981 237.0 256,1 28,1 133.1 139,1 60 1982, 2112 2876 364 1198 1403 206 1983 200,7 262,8 624 112,7 159,3 466 1984 220,3 3286 -108,3 1214 2179 96,5 Comério bilateral dos EUA com 0 Japao 1976 10,0 169 69 28 160 “132 1977 104 20,3 99 28 192 16,5 1978 12,7 265 13,8 37 25,2 216 1979 174 282 -108 52 268 21,5 1980 208 330 +122 66 314 247 1981 218 399 -18,1 12 38,1 310 1982 20,7 377 -170 68 382 313 1983 2u7 413 “196 15 41s 340 1984 233 573 340 81 579 498 * Indistrias de manufaturas, maquinatio ¢ equipamento de transporte, manufaturas variadas, Obs.: Os dados sobre o comércio total so f.0.b. As exportagdes de manufaturados sio f.as., eas importagdes so c.i.. (assim, as importagdes de produtos manufa- turados podem ser maiores do que as importagdes totais). Fontes: Stephen E. Haynes, Michael M. Hutchinson e Raymond E. Mikesell, “Japanese Financial Policies and the U.S. Trade Deficit", Essays on International Finance, n° 162, Intemational Finance Section, Dept, of Economics, Princeton Univ., 1986, p. 3; Haynes eal, cit, Survey of Current Business and Highlights of US. Exports and Import Trade, Dept. of Commerce, varios nimeros. 180 Robert Gilpin Para corrigir a situagdo que se deteriorava, no fim da primavera de 1986 © governo Reagan posicionou-se com mais energia com relagao a coordena- ¢ao das politicas, adotando o conceito de “automaticidade”. Postulava um acordo internacional sobre um conjunto de regras predeterminadas ¢ de pro- cedimentos automaticos para obrigar os outros paises a adotar ages correti- vas de modo a reduzir o valor do délar e eliminar, assim, o déficit comercial norte-americano. O governo afastara-se decisivamente da sua posi¢ao monetarista anterior, que deixava ao mercado a determinagao das taxas cam- biais. A intervengdo nos mereados de cambio, as mudangas nas politicas eco- némicas internas ¢ o realinhamento das moedas teriam como base um con- junto de critérios objetivos, tais como as taxas nacionais de inflagdo, as taxas de crescimento e de desemprego. Desse modo, 0 mundo retornaria ao que 0 governo Reagan considerava a compatibilidade reciproca das politicas eco- némicas nacionais. Na reuniao de cupula de Toquio dos lideres ocidentais, no principio de maio de 1986, o governo Reagan tentou agir com base na sua conversélo ao conceito de “flutuagées administradas”. Embora os outros participantes do encontro concordassem com a idéia de promover uma maior cooperagio, recusaram-se a aceitar o conceito da “automaticidade” ¢ a fixagio de um conjunto de critérios objetivos ¢ de regras formais para regular as politicas econémicas nacionais, preferindo uma maior liberdade na abordagem da co- operagao internacional, de modo a assegurar-Ihes 0 exercicio de plena auto- nomia interna. Os parceiros econémicos dos Estados Unidos temiam que o acordo em torno de um sistema de moedas administradas significaria a volta aos proble- mas da década de 1970, e se opunham fortemente a uma nova vinculagdo das suas economias & norte-americana. Um compromisso da sua parte para defender determinados valores para as moedas os sujeitaria a fluxos infla- cionarios de délares, como ja havia acontecido; ou entdo os Estados Unidos poderiam obrigé-los a adotar taxas elevadas que prejudicariam suas industri as de exportacdo. Um funcionario curopeu comentou: “Ficariamos todos de- pendendo do délar norte-americano (...) € no campo dos assuntos monetéri- 08 internacionais os Estados Unidos nao se preocupam o suficiente com os outros paises” (The Wall Street Journal, 14 de marco de 1986, p. 30). Con- sideravam a iniciativa do governo Reagan de adotar regras automaticas ¢ obrigatérias como uma tentativa de voltar a impor ao sistema econdmico glo- bal a hegemonia norte-americana. acordo resultante de uma “maior vigilancia” das taxas de cambio ¢ das politicas econémicas foi o produto de uma negociagio entre 0 desejo norte-americano de regras inflexiveis ¢ a tendéncia 4 autonomia dos outros A economia politica das relacdes internacionais 181 paises. Para terminar a volatilidade cambial e permitir o realinhamento das moedas dentro das faixas admitidas, as poténcias econdmicas ocidentais com- prometiam-se a manter uma coordenacao “estreita ¢ continua” das suas po- liticas econémicas. O sistema de moedas administradas seria aleangado me- diante um acordo sobre metas mutuamente benéficas, Com a criagdo de uma nova entidade internacional, 0 Grupo dos Sete, composto por ministros das finangas e dirigentes dos bancos centrais, os objetivos nacionais ¢ as taxas de cambio seriam supervisionados ¢ levariam em conta “fundamentos econémi- cos”, tais como taxa de crescimento, inflagdo, desemprego, déficit orcamen- tario, balango de pagamentos, expansdo monetaria, valor das moedas, etc. Desse modo, as taxas de cimbio refletiriam o rendimento econémico geral das economias capitalistas. Quando ocorressem “desvios significativos” de uma politica acordada (ou seja, sempre que a politica seguida por um pais criasse dificuldade para os outros), as autoridades econdmicas deveriam “em- pregar seus melhores esforcos para alcancar um entendimento” sobre a ago corretiva a ser tomada — por exemplo, alterando as taxas de juros, reduzindo o déficit orgamentario e, se necessario, intervindo no mercado cambial. Nesses casos, porém, embora uma certa pressdo pudesse ser aplicada, a decisZo sobre a ago especifica a ser tomada competiria ao proprio pais delingiiente (The New York Times, 8 de maio de 1986, A6). Embora no momento em que escrevo nio se possa ainda avaliar o prové- vel sucesso dessa iniciativa de vigilancia multilateral ¢ de uma administragio coordenada da economia mundial, os obstaculos a serem vencidos sao muito grandes. Residem nas agendas econdmicas e politicas das grandes poténcias, que sao fundamentalmente diferentes ~ diferencas que a linguagem do acordo ocultou. A coordenagao internacional das politicas econdmicas tinha um senti- do diferente para cada um dos participantes do acordo, sendo questionavel a possibilidade de se chegar a uma composigdo desses objetivos conflitantes. O menor denominador comum do acordo era a esperanga de que ele impediria uma quebra da economia intemacional, o que propiciaria uma base para fazer com que outros paises adotassem determinadas ages desejaveis. A despeito do seu abandono ostensivo do conceito de convergéncia de Politicas, os Estados Unidos continuavam a aderir a essa idéia como a solu- Ao para as dificuldades da economia mundial e para os seus préprios males econémicos. O gaverno Reagan acreditava que o problema fundamental era 0 “hiato de crescimento” existente entre a economia norte-americana e a dos outros paises — ndo o seu déficit orgamentario. Desse ponto de vista, 0 obje- tivo da coordenagao internacional de politicas econémicas era pressionar as duas outras economias fortes — 0 Japfio e a Alemanha Ocidental ~ a mudar de rumo e voltar a estimular o desenvolvimento. Com uma politica econémica 182 Robert Gilpin orientada para a expansdo, esas economias poderiam deixar seu esquema de crescimento baseado nas exportagdes € aumentar as importagdes. Se 0 Japao ¢ a Republica Federal Alema adotassem as medidas apropriadas, 0 go- verno de Washington acreditava que desapareceriam seus problemas da sobrevalorizagao do délar e de déficit comercial. As perspectivas da coordenagio de politicas © conceito de coordenagao internacional das politicas econémicas como solugo para os problemas da interdependéncia encontra sérias dificuldades em um mundo de Estados auténomos. Para que tenha sucesso, precisara supe- rar trés obstaculos principais. Embora seja uma tolice sugerir que tal coordena- ¢a0 é impossivel em um sistema pluralistico de Estados e na auséneia de um poder hegeménico, seria igualmente tolo ignorar a complexidade inerente da proposta, pois existem problemas nao facilmente solucionaveis na sua funda- mentagao tedrica, conveniéncia econdmica ¢ factibilidade politica. O primeiro problema a ser resolvido para que a coordenagao das politicas econdémicas internacionais tenha éxito é 0 apresentado pela sua fundamenta- Gao tedrica. Certo ou errado, o sistema de Bretton Woods, com suas taxas cambiais fixas, baseava-se, pelo menos nos Estados Unidos ¢ na Gra-Bretanha, em um consenso generalizado sobre os determinantes fundamentais da taxa de c4mbio. O sistema e a sua rationale foram criados em grande parte por um funciondrio norte-americano, Harry Dexter White, e um economista inglés, John Maynard Keynes (Gardner, 1980). Ora, essa compreensdo basica (ou, se preferirmos, a “hegemonia ideol6gica”, para usar os termos de Gramsci) com respeito ao modo como funcionava tinha sido inteiramente destruida pelo aban- dono da economia keynesiana, pela crescente integra dos mercados finan- ceiros globais e pela maior interdependéncia das politicas macroecondmicas. Até mesmo os monetaristas confiantes viam-se em apuros porque a desregulamentagao do sistema financeiro, a expansio dos instrumentos fiscais ea proliferagao de novos tipos de dinheiro (M1, M2, ad infinitum) derrubaram © conceito tradicional de moeda."” A realizagdo, no pés-guerra, do que era chamado “sintese neoclassica”, acolhida pelo texto influente de Samuelson, tinha sido deslocada e substituida por uma cacofonia de seitas econémicas. Sem o predominio do modelo keynesiano ou de qualquer ortodoxia que tomasse o seu lugar, teorias rivais disputam a propésito de temas, tais como a ‘moeda (M1) somaram-se as contas-correntes, os cartdes de crédito e outros instrumentos de criagto de crédito, ‘A economia politica das relacdes internacionais 183 determinagao da taxa cambial, o problema fundamental de como conciliar 0 pleno emprego com a estabilidade de pregos e outras questdes fundamentais da teoria econémica. Por exemplo: deveriam as taxas de cambio ser fixadas pelo método da paridade do poder de compra, como defendiam McKinnon e outros, ou pela restauragao do equilibrio do balango de pagamentos norte-ame- ricano, como pensava 0 governo Reagan? A divergéncia entre os economistas ¢ as autoridades monetarias sobre esses pontos cruciais torna muito dificil um acordo sobre a politica a seguir. Como Richard Cooper, William Branson ¢ outros especialistas tem comentado, até que se estabelega a analise ou a teoria da determinagao das taxas de cambio ¢ se crie um novo consenso teérico, nao serd possivel determinar quais devam ser as taxas de cambio e como se pode- ria alcang4-las (Cooper, 1985). ‘Um segundo tema € a conveniéncia econdmica da coordenagio das po- liticas (Branson, 1986). Dada a relagdo entre as taxas de cambio nominais ¢ reais, se no for possivel mudar as taxas nominais, o ajuste necessdrio precisard ser feito mediante mudangas na politica interna." No entanto, a inflagdo ou a deflacdio resultantes podem ser ainda mais prejudiciais do que a variagdo cam- bial. Sob 0 tipo de coordenagao de politicas concebido na reunido de Téquio, por exemplo, o déficit orgamentario do governo Reagan teria significado um desastre para a economia norte-americana. Sem o aumento no valor do dolar € o resultante influxo de capital, os Estados Unidos teriam sofrido a elevacao das taxas de juros, prejudicando 0s negécios, ou fortes pressdes inflacionarias. Por- tanto, cabe perguntar se é desejdvel intervir no mercado se isso pode causar um prejuizo econdmico ainda maior do que o provocado pela volatilidade das taxas cambiais. Uma dificuldade mais ampla tem a ver com o estabelecimento de regras predeterminadas ou automaticas, conforme a proposta de McKinnon e do go- verno Reagan, Antecipar a natureza desse problema ¢ em si mesmo um pro- blema. A solugao de McKinnon, complexa e sofisticada, lida apenas com insta- bilidades c flutuagdcs causadas principalmente pelos fluxos financciros entre varias moedas. Sua formula técnica e automatica é concebida para prevenir a contragdo ou a expansio sincronizada das economias nacionais. Ja o governo Reagan queria um conjunto de regras precisamente para obrigar as outras eco- nomias a entrar em uma expanso sincronizada. Assim, um conjunto de regras TA taxa de cmbio nominal entre duas moedas é encontrada dividindo-se uma pela outra. A taxa de cdmbio real € 0 produto da taxa nominal pela taxa de inflag3o relativa das duas ‘economias. Assim, se 05 paises esto proibidos de alterar sua taxa de cémbio nominal, entaio a coordenagdo das taxas reais precisa ser feita mediante mudangas na politica interna que afetam as taxas de inflagdo relativas, de modo que voltamos a um mundo-em que a economia intemacional pode ter uma influéncia negativa sobre as economias nacionais (Branson, 1986). 188 Robert Gilpin para resolver um problema particular pode nfo ser apropriado para outros tipos de problemas, e portanto, na melhor das hipsteses, a coordenagiio internacional de politicas deveria ser um esforgo ad hoc em reagdo a um problema especi- fico, No entanto, essa abordagem mais flexivel choca-se com a questdo da vontade politica. O terceiro e mais importante problema relacionado com a coordenagao internacional de politicas econdmicas ¢ 0 conflito a respeito dos objetivos. Ha- vera suficiente acordo entre as principais poténcias econémicas a respeito das metas econémicas e politicas, metas estas que lhes permitam subordinar suas vantagens de curto prazo a vantagens trazidas pela cooperagao a longo prazo? Com 0 relativo declinio da hegemonia econémica norte-americana, é preciso indagar se existe uma base politica para facilitar a administragdo pluralista da economia politica internacional. ‘A experiéneia passada ndo nos permite ser muito otimistas a respeito das perspectivas politicas dessa coordenagdo. Nenhum tema politico foi mais dificil do que o da expansio coordenada das trés maiores poténcias econémicas. Quando em vérias oportunidades os Estados Unidos tentaram pressionar os japoneses e os alemaes a estimular suas economias, estes tiltimos tenderam a oferecer resisténcia, preocupados com a inflago ou motivados pelo desejo de reduzir os gastos governamentais. Assim, por exemplo, na reunifio econdmica de Londres, em maio de 1977, os Estados Unidos instaram seus maiores par- ceiros econémicos, especialmente a Alemanha Ocidental e o Japao, a promo- ver uma expansio coordenada ¢ conjunta, A légica por tras dessa “‘teoria da locomotiva” era a seguinte: a economia norte-americana nao era mais forte 0 bastante para servir como motor do ¢rescimento da economia mundial. Os outros paises, por causa, em grande parte, de suas limitagées internas, recusa- vam-se a seguir a lideranga norte-americana ¢ a expandir suas economias; isso contribuia para deteriorar a posigao comercial e de pagamentos dos Estados Unidos e forgar uma desvalorizacao do délar no desejada, Em 1979, um fra- casso semelhante em chegar a um acordo obrigou os Estados Unidos a contrair sua economia, o que provocou a recessio que ajudou a eleger Ronald Reagan. O Acordo G-S ilustra bem os problemas politicos do gerenciamento multi- lateral da economia mundial. Ao forgar a valorizagdo do iene ¢ do marco, os Estados Unidos deixavam de reconhecer adequadamente a consideravel difu- sho do poder econémico ocorrida na década de 1970 e no principio dos anos 1980, McKinnon havia postulado um triunvirato monetirio compost pelos Es- tados Unidos, pela Alemanha Ocidental ¢ pelo Jap3o para controlar as taxas de cAmbio e, portanto, os balangos de comércio, mas 0 crescimento dos NICs, os novos paises em vias de industrializagao, prejudicava essa determinagao das relagdes monetérias e comerciais s6 pelas grandes poténcias. A Coréia do Sul, A economia politica das relagées internacionais 185 0 Canada ¢ outros paises estavam entre os principais beneficidrios da desvalo- rizagdo do délar, porque apoiavam sua moeda no délar. As exportagdes de automéveis coreanos, por exemplo, aumentaram 4 custa dos exportadores ja- poneses, € os Estados Unidos perderam uma parte importante dos ganhos que tinham antecipado com a desvalorizagao do dolar. Por outro lado, a melhoria da posigdo competitiva de outros paises fazia com que atraissem multinacionais norte-americanas e japonesas. Em suma, para ter éxito, a coordenagdo mone- taria exigira um consenso entre numero crescente de econot Durante o governo Reagan, os Estados Unidos e seus parceiros econé- micos nao resolveram 0 conflito sobre a politica econémica, Para reduzir o déficit comercial e de pagamentos, 0 governo de Washington pressionava os europeus e, mais ainda, os japoneses a expandir sua economia e a dar menos importancia ao crescimento baseado nas exportagdes. A resposta era uma recusa, com o argumento de que condigées internas, particularmente o temor da inflaco, assim como a divida publica existente, inviabilizavam a expansio da economia. Para eles, a causa do problema monetirio internacional era 0 grande déficit orgamentario norte-americano, ¢ nenhuma solugao seria pos- sivel sem que ele fosse controlado. As condigdes econdmicas internas ¢ a diferenga das prioridades nacionais nos trés centros do capitalismo mundial tornavam a coordenagao das politicas ¢ a sua convergéncia um modo muito dificil de administrar um mundo altamente interdependente. Um dos principais obstaculos politicos & coordenagdo das politicas econd- micas € 0 desejo de ter um balango comercial positivo. Embora 0 objetivo os- tensivo dessa coordenagao seja eliminar a volatilidade das moedas, em muitos casos 0 objetivo real é conseguir uma taxa cambial conveniente. Como Hans Schmitt argumentou convincentemente, nas economias modernas ha uma forte tendéncia mercantilista, em razdo das vantagens derivadas da exportagdo, em termos tecnolégicos e de emprego; o aumento da produgdo e as economias de escala implicadas na exportagdo facilitam uma taxa de progresso tecnolégico mais rapida (Schmitt, 1979). A esse propésito, note-se que uma das primeiras medidas tomadas tanto pelo Japao como pela Alemanha Ocidental, imediata- mente depois da reuniio de Téquio, foi intervir nos mercados cambiais para evitar uma valorizagao das suas moedas, Tanto os alemdes como os japoneses esperavam nao ser os primeiros a valorizar sua moeda ¢ a adotar uma politica ‘econémica expansionista. A ago do G-5 pode ser vista de fato como uma tentativa, pelos norte-americanos € pelos europeus, de pressionar 0 Japao no sentido de valorizar o iene ¢ diminuir seus grandes saldos comerciais. Como demonstraremos nos capitulos seguintes, também nos Estados Unidos aumenta- ram muito as pressdes para que se adote uma politica comercial analogamente mercantilista 186 Robert Gilpin Um motivo fundamental da iniciativa norte-americana, na reunido de T- quio, foi adquirir mais influéncia sobre a politica econémica do Japao e criar um mecanismo de coordenagao. Mediante pressdes exercidas sobre os japoneses para que estimulassem sua economia e valorizassem 0 iene, os Estados Unidos pretendiam reduzir seu enorme déficit comercial com 0 Japao ¢ obrigar esse pais a abrir a sua economia, Essas pressdes ¢ a apreciagao substancial do iene, a partir de setembro de 1985, chegando a um nivel recorde de 153 ienes ao dolar, provocaram grande ressentimento entre os japoneses. Embora o Japio tivesse auferido certas vantagens, o nivel de desemprego aumentou muito, as taxas de lucro reduziram-se e muitas pequenas empresas sofreram prejuizos. ‘Na verdade, a idéia de uma taxa de cémbio para o délar ¢ para outras moedas que fossem neutras e, de modo geral, aceitas ¢ uma quimera ¢ nao pode ser transformada em realidade. De seu lado, os Estados Unidos também se tornaram menos dispostos a subordinar sua politica econémica as preocupagdes dos parceiros. Relutam em mudar suas prioridades econémicas € politicas, embora, no julgamento de ou- tros paises e da maioria dos economistas norte-americanos, sua politica fiscal € seu déficit orgamentiria tenham sida o centro do problema econdmico global No entanto, em vez de alterar sua politica, os Estados Unidos preferem que outras economias promovam o ajuste necessario. forte desejo dos Estados de manter sua autonomia ¢ 0 problema mais fundamental encontrado pelos esforgos no sentido da coordenagao de politicas. Quando coincidem os interesses dos Estados, como aconteceu na redugo coordenada das taxas de juros, em margo de 1986, o éxito é garan- tido. Mas as propostas do governo Reagan e de varios economistas visando a uma maior coordenagao de politicas encontraram forte resisténcia politi- ca. A despeito da revers4o ostensiva da posi¢ao norte-americana sobre a convergéncia de politicas ¢ seu desejo expresso de coordenar as politicas macroeconémicas, os Estados Unidos demonstraram pouca disposigao para se afastar permaneritemente do unilateralismo que levou o presidente Nixon a derrubar o sistema de Bretton Woods em agosto de 1971, Nada na con- duta do governo Reagan sugere que a coordenago de politicas significa algo mais do que um meio para conseguir influenciar os europeus € 0s japo- neses. Da mesma forma, outros paises ndo querem se sujeitar uma vez mais ao dominio norte-americano, vinculando-se a politicas, macroeconémicas erraticas, ou abandonar a tendéncia mercantilista que os leva a almejar saldos comerciais. ‘A nao ser que as poténcias dominantes possam resolver o problema do pais N-1 de modo formal e sistemético, a coordenagao da politica macroeconémica no sera alcangada, sendo necessario para isso um esforgo A economia politica das relagdes interna 187 de lideranga, pelos Estados Unidos, mais concertado do que o dos anos 1980. Devemos lembrar que o sistema de Bretton Woods de coordenagio politica desapareceu em parte porque as outras economias deixaram de confiar na lideranga norte-americana. O fato de, ao adotar suas politicas, os Estados Uni- dos no considerarem com muita freqiiéncia as preocupacées alheias fez com que europeus ¢ japoneses desconfiassem da proposta para a coordenagao das politicas nacionais. Para os outros paises, a proposta do presidente Reagan parecia menos 0 abandono do unilateralismo norte-americano do que uma ten- tativa de reconquistar 0 controle sobre seus assuntos econdmicos internos, su- bordinando-os a objetivos dos Estados Unidos. Jacob Frenkel comentou que “uma reforma do sistema monetério interna- cional poderia ser vista como uma mudanga estrutural, 0 que ocorre raramen- te” (Frenkel, 1985, p. 18). A historia do processo estrutural mostra que nao se trata de uma tarefa facil. E preciso que haja um grande nimero de fatores econdmicos ¢ politicos favoraveis, como aconteceu na instituigao do sistema de Bretton Woods. No fim dos anos 1980, porém, essas condigdes favoraveis tinham em grande parte desaparecido. Poucos elementos sugerem que as con digdes econdmicas e politicas eram favoraveis a criar uma nova estrutura para 0 sistema monetério internacional. A verdade € que, se existissem os requisitos econdmicos ¢ politicos neces- sarios para instituir a coordenagio de politicas, essa coordenagio nao seria considerada necessiria. © desaparecimento do sistema de Bretton Woods foi provocado inicialmente pela rejeigo ou pela incapacidade de os governos, es- pecialmente 0 norte-americano, manterem a disciplina monetaria e subordina- rem 0 que consideravam seus interesses nacionais as regras e as normas do regime monetério internacional existente. Haveria a necessidade de uma coor- denagao de politicas se os Estados Unidos ajustassem seu déficit orgamentério, mantendo uma politica econémica estavel? Outros governos reagiam também. negativamente ao abandono da soberania nacional no campo econdmico; ti- nham igualinente problemas econdmicos estruturais que influiam na politica econdmica adotada, Haveria a necessidade de uma coordenagao das politicas se europeus ¢ japoneses estimulassem suas economias e abandonassem as politicas de exportagao mercantilistas? Portanto, o problema nao esta na falta de coordenagio das politicas, mas no comportamento auténomo dos Estados em uma economia mundial cada vez mais interdependente. A ironia da situagao, em meados da década de 1980, estava no fato de os requisitos do tipo de coordenagio considerados necessarios pelos economistas tomarem-se mais estritos ¢ exigentes do que o do extinto sistema de taxas fixas. Esse sistema sossobrou porque os objetivos de politica externa nacionais (no caso dos Estados Unidos) tiveram precedéncia sobre a cooperagiic econd- 188 Robert Gilpin mica internacional. Na década de 1970, pensava-se que a desvinculag3o das economias, com o sistema de taxas flexiveis, seria uma solugao para o choque das prioridades nacionais com as normas internacionais. Mas 0 sistema de- monstrou nao ser praticavel em virtude da intensificagao da interdependéncia financeira, a qual voltou a vincular as politicas nacionais. Em razio da busca auténoma de objetivos internos ¢ de outra natureza, as economias capitalistas desenvolvidas voltaram a sentir a necessidade de algum mecanismo que regu- lasse suas relagées econdmicas. Somos forgados, assim, a voltar aos temas fundamentais da economia po- litica internacional, levantados no primeito capitulo deste livro: qualquer gover- no estara pronto a sujeitar sua independéncia ¢ sua autonomia nacional no campo econémico em funcao da estabilidade econémica internacional? Sera essa cooperagdio possivel por muito tempo na economia capitalista mundial? Podera a cooperagdo ser alcangada sem que um lider hegeménico se disponha a submeter seus interesses nacionais, definidos de forma estreita, a0 objetivo mais amplo da manuten¢ao de uma economia internacional liberal? As respos- tas a essas perguntas nao sfo claras, Desde os primeiros dias da ordem econémica internacional de cunho lihe- ral, no fim dos anos 1940, ela foi ameagada pela divergéncia dos interesses nacionais e pela diversidade dos pontos de vista sobre politica econdmica. Os parceiros econémicos dos Estados Unidos preocupavam-se com as instabilida- des provocadas pelo governo de Washington, cuja tradig&o e cujos interesses eram os de uma economia fechada, e no se preocupavam com 0 efeito das suas agdes sobre o resto do mundo (Elliott, 1955). Os europeus nio se satisfa- ziam com a idéia de se sujeitar a um conjunto de normas universais; quanto aos japoneses, sua preocupagao fundamental era preservar o que consideravam os tragos caracteristicos ¢ exclusivos da sua cultura. Se essas diferengas podem ser conciliadas em uma economia mundial cada vez mais interdependente, ¢ como, continua a ser problematico. A conduta dos Estados Unidos em meudos da década de 1980 sugeria que esse pais ndo abandonaria importantes objetivos de economia interna ou de politica externa em troca do que a maioria dos economistas liberais identificaria como um bem internacional mais amplo. A Europa Ocidental tinha demonstra- do crescente relutancia em reduzir as barreiras ao comércio exterior e a sujei- tar-se a normas internacionais. Do mesmo modo, os japoneses haviam de- monstrado uma resisténcia teimosa 4 mudanga da sua cultura tradicional para aceitar a “internacionalizagao” das suas préticas no campo da economia inter- na, Sem vontade politica, sem uma lideranga imaginosa ¢ sem um consenso amplo sobre os temas econémicos € politicos que tinham levado a criagdo do sistema de Bretton Woods, é natural que haja um certo ceticismo sobre a pos- A economia politica das relacdes internacionais 189 sibilidade de coordenar as politicas econémicas para resolver problemas da ordem monetiria internacional. Nos primeiros anos do pés-guerra, o “liberalismo embutido” do sistema de Bretton Woods funcionava gragas a lideranga responsavel por parte dos Estados Unidos ¢ a disposig&o dos outros paises de subordinar sua politica interna a normas internacionais. Foram essas condigdes politicas que viabilizaram a conciliago da autonomia da politica interna com taxas cambi- ais fixas ¢ a conversibilidade das moedas. Com o tempo, porém, o regime de taxas fixas entrou em colapso, porque a liberdade no campo da politica inter- na levou a uma inflagio global. O regime de taxas flexiveis, que 0 sucedeu, funcionou mal por causa da combinagio da autonomia das politicas internas ¢ dos fluxos financeiros macigos que acompanharam a conversibilidade das moedas. Se persistir a instabilidade do nao-sistema de taxas flexiveis e nao for possivel promover uma coordenagdo das politicas econédmicas, a tinica alternativa disponivel para as nagdes ou blocos de nagdes que desejem se proteger dos distiirbios externos é 0 exercicio do controle nacional ou regio- nal sobre os movimentos internacionais de capital e moeda. Em lugar da hegemonia monetaria norte-americana da primeira parte do periodo de pés-guerra e na auséncia de um mecanismo formal que coordenas- se as politicas nacionais, 0 sistema monetério internacional passou a assistir a uma coexisténcia dificil das trés moedas predominantes — 0 ddlar, 0 marco eo iene. Conforme vamos demonstrar no Capitulo 7, 0 reinado do délar persistiu desde o fim do sistema de Bretton Woods porque era apoiado a principio pelos alemées e depois pelos japoneses. Sem esse apoio tdcito desapareceria a base politica do sistema, e a tendéncia do pés-guerra para um aumento da interdependéncia econdmica se teria invertido de forma dramatica. O problema fundamental é o choque entre a interdependéncia econémica € a autonomia politica. A solugdo desejavel, no periodo de pés-guerra, seria o desenvolvimento de um conjunto de regras monetarias que equilibrasse os dois objetivos. Se um equilibrio satisfatério ndo puder ser alcangado, a “solugao” para os problemas criados pela crescente interdependéncia sera a diminuigao desta tiltima, com a reversio do processo de integragdo econémica iniciado depois da guerra. Com efeito, em meados da década de 1980, esse processo de desvinculagao estava bem avangado na area monetéria. A despeito da intensi- ficagao da integractio monetiria e financeira, ou possivelmente por causa dela, os paises tém reafirmado energicamente sua autonomia politica. A Uniao Mo- netaria Européia (leia-se: o sistema do Deuischmark) ¢ 0 crescente papel in- ternacional do iene (que discutiremos mais adiante) mostraram que esta ocor- rendo uma maior descentralizagio do sistema monetirio. O resultado eventual dessa tendéncia vai depender da capacidade dos trés centros do capitalismo 190 Robert Gilpin internacional de coordenar suas politicas macroccondmicas — ou pelo menos da capacidade de os Estados Unidos atuarem novamente como fonte de esta- bilidade financeira e monetéria. Conctusio Este capitulo desenvolveu o argumento de que a revolugdo financeira do século XIX alterou o carater automatico do mecanismo monetario internacio- nal concebido por Hume na sua teoria do price-specie flow. A inovacao repre- sentada pelo papel-moeda, pelos instrumentos de crédito ¢ pelos bancos cen- trais transferiu para o Estado enormes poderes sobre o suprimento de moeda e, portanto, sobre a economia, Como em boa parte da vida politica, esse novo poder estatal tem servido como uma forga para o bem e para o mal. Deu ao Estado uma capacidade sem precedente de intervir na economia e de orienta- lano sentido do pleno emprego e do desenvolvimento, mas o controle do Estado sobre o meio circulante estimulou também politicas que provocaram inflagao ¢ minaram a estabilidade da ordem monetéria internacional. Tanto no século XLX como nas décadas que se seguiram 4 Segunda Guer- ra Mundial, a estabilidade foi preservada porque as poténcias econémicas do- minantes — a Gra-Bretanha e os Estados Unidos — defendiam a integridade da ‘ordem monetiria internacional. Esses poderes hegeménicos usaram sua influ- éncia para suprimir ¢ conter as politicas dos outros Estados que ameagavam destruir o sistema. No entanto, a medida que diminuia o poder britanico, e de- pois 0 norte-americano, © conflito sobre a politica monetaria internacional tor- nousse cada vez mais agudo. O sistema inglés entrou em colapso sob as pres- ses da Grande Depressiio e dos blocos monetirios em conflito dos anos 1930. A medida que 0 século XX se aproxima do fim, o dolar continua a reinar, a despeito do abuso, pelos Estados Unidos, da sua fungao de banqueiro interna- cional e guardido do sistema. Isso se deve aos lagos politicos ¢ de seguranga entre os Estados Unidos e 0s outros centros importantes de poder econdmico, assim como a inexisténcia de qualquer alternativa vidvel ¢ efetiva. O sistema existente ja foi caracterizado como um nao-sistema. O sistema de taxas fixas e de sintonia keynesiana, associado com Bretton Woods, niio foi substituido por um sistema estavel e nem por uma nova ortodoxia: as taxas de cAmbio passaram a ser altamente erraticas. Enquanto no passado os desequilibrios no balango de pagamentos tendiam a se distribuir igualmente por todo o sistema, na década de 1980 os Estados Unidos comegaram a apresentar um déficit persistente e macigo, € suas politicas tornaram-se uma ameaga estabilidade do sistema. Em contraste com a relativa imobilidade do capital, que A economia politica das relagdes internacionais 192 se via no passado, os fluxos de capital tornaram-se cada vez mais fluidos, pas- sando de um pais para outro, perturbando as taxas de cdmbio a prejudicando as politicas econémicas internas. Tanto a teoria econdmica como o mundo real da economia se afastaram muito do mecanismo de equilibrio automatico pregado por Hume. A economia keynesiana ¢ a teoria da politica econdmica tentaram compreender € controlar um mundo no qual os mecanismos dos pregos nao geravam automaticamente 0 equilibrio de pieno emprego € no qual compensagdes econdmicas podiam ser praticadas. A solugao imaginada nos anos 1960 para os problemas econémicos internos indicava que o Estado devia seguir um conjunto de politicas prescritas, uma para cada objetivo a ser alcangado. Assim, exigia-se uma agdio governa- mental para fazer com que o mercado funcionasse adequadamente (Odell, 1982, p. 22). Mas essa solugdo presumia uma economia nacional relativamente insulada ou, pelo menos, que nao estivesse vinculada estreitamente ao mundo exterior. No entanto, com 0 crescimento da interdependéncia econdmica dos paises, na década de 1960, a natureza do problema econdmico mudou. Ao seguir os seus objetivos, os Estados independentes comecaram a entrar em conflito entre si. Nesse mundo marcado pela interago estratégica e pelo “dilema do prisioneiro”, cada Estado é tentado a exportar seus problemas econémicos; a competigaio das politicas comerciais tornou-se uma realidade. Os economistas aprenderam que, em um mundo altamente interdependente, 0 problema econémico nacional provavelmente nao pode ser resolvido a ndo ser que 0 problema econémico intemacional seja também resolvido. Embora novas teorias ¢ técnicas econémicas possam ajudar na busca de uma solugo, 0 pro- blema é, antes de tudo, de natureza politica. De acordo com a observagao de Robert Triffin, “o impulso da historia” tem sido na diregao de substituir o dinheiro-mercadoria e o dinheiro governa- mental pelo dinheiro artificial e internacional (Triffin, 1968). Para Triffin, a con- seqtiéncia légica desse processo histérico deveria ser um governo monetério mundial. E possivel que tal centralizagio da autoridade politica sobre o supri= mento internacional de moeda ainda venha a ocorrer. Até Id, no entanto, a possivel perda de controle sobre o sistema monetario ¢ financeiro internacional representa a maior ameaca a propria ordem mundial liberal (Strange, 1985c). Quando estudamos a historia do dinheiro internacional, somos confronta- dos com uma profunda ironia. Como vimos, 0 advento do dinheiro “politico” deu ao Estado moderno controle sem precedentes sobre a economia, e a revo- lugao financeira e politica tornou possivel a sociedade capitalista liberal con- temporanea. O welfare state e a administragao keynesiana da economia nfo poderiam ter acontecido sem que o Estado tivesse controle sobre o suprimento da moeda. Com o advento do “liberalismo incrustado”, pelo menos por um 192 Robert Gilpin momento, os problemus inerenites 4 economia capitalista ou de mercado, iden- tificados por Marx, parecem ter sido finalmente resolvidos. No entanto, esta provado que o que é possivel e pode ser benéfico para um s6 Estado pode representar um desastre para 0 conjunto do sistema interna- cional. Quando muitos Estados perseguem politicas econémicas independen- tes, em um mundo altamente interdependente, e nao coordenam suas politicas macroeconémicas, essas politicas podem conflitar entre si, de forma que todos sofram mais do que se tivesse havido uma desejavel cooperago. Até que se possa alcangar essa coordenacio das politicas nacionais, ¢ que 0 sistema mo- netario internacional seja trazido sob controle, so escassas as perspectivas de continuarmos a ter uma ordem econdmica mundial de cunho liberal. Como Richard Cooper indicou, o problema fundamental ¢ a existéncia de um grat elevado de interdependéncia, com amplas ligagées entre as economias nacionais, sem qualquer controle politico centralizado desse sistema, Quais- quer que sejam as esperancas dos liberais, ¢ inutil buscarmos um mecanismo monetario neutro € automatico que sustente o sistema e impega a ocorréncia de eventos inesperados e prejudicais. Os sonhos de “confiar no mercado” ou de voltar a um padrao-ouro politicamente neutro nao podem ter éxito por causa do fato de a natureza do sistema monetério ter um impacto profundo nos inte- resses dos Estados e nos dos grupos poderosos. Quando afetados, eles tenta- Ho sempre intervir no funcionamento do sistema para dobré-lo as suas conve- niéncias. Saber se existe ou nao alguma forma dessa cooperagdo ¢ coordena- 40 de politicas entre os centros do poder econdmico substituir as liderangas hegeménicas do passado é uma pergunta que ainda nao foi respondida. iF Este é, naturalmente, um excelente exemplo da faldcia da composigdo que ja discutimos.

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