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1/2008 APCAB
* Fevereiro 2008
Mitologicamente Iemanjá é filha de Olokun, divindade dos mares, que no Benin (ex-
Dahomé) assume a feição masculina, ao passo que em Ifé assume uma feição feminina.
O seu nome deriva de Yeye Omon Ejá, que significa “mãe cujos filhos são peixes”. No
entanto, no Novo Mundo recebeu diversas designações Yemaya em Cuba, Yemoja e
Janaina. Esta última designação tem claras influências tupi, designando a deusa dos
mares e protectora das mães.
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O tráfico negreiro originou adulterações, algumas delas profundas, no culto aos Orixás.
Primeiro que tudo tornou-o colectivo; onde antes havia um culto individualizado
passou a existir um Xirê, um louvor a uma multiplicidade de deuses, fruto dos
contactos entre povos africanos no território brasileiro, nas senzalas e nos quilombos.
Essa nova forma de culto, partilhado, mesclado e reformulado, recebeu a designação de
«candomblé», palavra de origem angolano-congolesa designando “o costume do povo
negro”. Embora o termo seja de origem bantu, uma vez que foram estes os primeiros
negros escravizados no Brasil, designa todas as manifestações religiosas quer dos
bantu, quer dos daomeanos, quer dos yorubás.
Esta presença cristã que minou a tradição africana gerou no seio da religião do
Candomblé uma desestruturação conceptual, criando lacunas na mentalidade colectiva
dos seus membros. O sincretismo deixou de ser um instrumento ao serviço de uma
preservação religiosa e tornou-se uma realidade constante, um signo de pertença que
minou a identidade africana.
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Nesse sentido, essa Iemanjá agora branca e padroeira de pescadores e bahianos, chegou
também ao Rio de Janeiro, palco da vida cultural moderna brasileira. O seu culto ao ser
difundido pela Umbanda, grande propulsora de uma Iemanjá branca e de representação
à maneira cristã, colocou-a no contexto das novelas brasileiras, grande meio de difusão
de modos de estar no Brasil.
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O culto de Iemanjá foi vítima de uma exportação permanente ao qual não há volta a
dar. Iemanjá está no quotidiano bahiano e carioca mas já não é a mesma Iemanjá que
figura nas casas tradicionais de candomblé bahiano. A globalização do culto a Iemanjá
é fruto de uma popularidade originada pela humilde mas fervorosa devoção dos
pescadores da Bahia. A migração dos negros bahianos para o Rio de Janeiro durante o
final do século XIX e meados do XX transferiu identidades culturais que fizeram
nascer novas manifestações do cultural de base, como foram os casos da Umbanda e do
Samba Carioca. O culto ao migrar modificou-se, ganhando uma dimensão nacional mas
próximo do culto popular, onde profano e sagrado se misturaram. Neste sentido
Iemanjá foi roubada às casas de candomblé pela corrente natural dos acontecimentos
urbanos, colectivos e miscigenados, tornando-se símbolo da religiosidade brasileira
(mescla entre heranças culturais) e, em novos ambientes culturais, como é o caso
português, tornou-se signo de práticas ocultistas e espirituais.