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Apresentação do curso

De todos os livros do Novo Testamento, os Evangelhos são sem dúvida alguma os


mais importantes, pois constituem nossa principal fonte de conhecimento sobre a
pessoa, vida e obras de Jesus Cristo, Deus feito homem na plenitude dos tempos.
Por isso, é imprescindível que o cristão os conheça a fundo e descubra, neles e por
meio deles, a amar cada dia mais o Senhor.

Neste segundo módulo do nosso curso sobre as SS. Escrituras, estudaremos os três
primeiros Evangelhos — de S. Mateus, S. Marcos e S. Lucas —, investigando suas
características fundamentais e percorrendo, à luz da Tradição e do Magistério da
Igreja, as linhas fundamentais destes escritos que ficaram conhecidos como
“Evangelhos Sinóticos”. Como surgiram, quais as suas fontes, que semelhanças e
diferenças eles têm entre si: são algumas das questões que você terá a
oportunidade de estudar conosco.

Os Evangelhos Sinóticos

De todos os livros do Novo Testamento, os evangelhos são sem dúvida


nenhuma os mais importantes; constituem, de fato, a nossa principal fonte de
conhecimento a respeito da pessoa, da vida e das obras de Jesus Cristo, Deus
feito homem na plenitude dos tempos. Por isso, é imprescindível que o cristão
os conheça a fundo e descubra, neles e por meio deles, a amar cada dia mais
o Senhor.

Nesta aula do nosso curso Os Evangelhos Sinóticos, começaremos a estudar


os evangelhos ditos sinóticos e veremos quais são suas características
fundamentais.

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I. Introdução

Ocupamo-nos até agora de questões de caráter geral, embora de grande importância para
uma correta aproximação dos textos sagrados. A partir desta aula passaremos a estudar, de
forma sumária e global, os diversos livros de que se compõem as divinas Escrituras.
Dedicaremos a aula de hoje, em particular, a algumas considerações introdutórias ao
estudo dos evangelhos, sem dúvida nenhuma os escritos mais relevantes de todo o Novo
Testamento, uma vez que a eles devemos — se não exclusiva, ao menos primária e
principalmente — quase tudo o que sabemos a respeito da pessoa, da vida e das obras de
Nosso Senhor [1]. Por isso, convém examinar, em primeiro lugar, os textos com que a
Igreja, desde tempos antiquíssimos, encabeça e inicia os escritos da Nova Aliança, a saber:
os evangelhos ditos sinóticos.
Chamam-se "sinóticos", com efeito, os três primeiros evangelhos: o de Mateus (Mt), o de
Marcos (Mc) e o de Lucas (Lc). Essa denominação deve-se ao fato de haver entre eles
tantas semelhanças e coincidências que, para melhor compará-los, é possível dispô-los
facilmente em sinópse, ou seja, em três colunas paralelas de modo que as perícopes e
passagens comuns possam ser quase justapostas e lidas em conjunto, num só lance de
olhos [2]. O primeiro a denominá-los assim, uso hoje bastante consagrado, foi o teólogo
protestante e crítico alemão J. J. Griesbach, que publicou em 1774 uma Synopsis
Evangeliorum; a disposição comparativa dos textos evangélicos — incluído o quarto —,
no entanto, parece ser muito mais antiga e pode remeter-se, segundo alguns, à obra de um
pouco conhecido Amônio, provavelmente do século III d. C. [3]. O Evangelho de João, por
sua vez, possui traços peculiares que o distinguem dos outros três e lhe dão, em relação a
eles, certa independência.

Uma leitura conjunta de Mt, Mc e Lc põe em evidência, antes de tudo, uma mesma
estrutura narrativa ou, noutras palavras, uma mesma maneira de distribuir os fatos da vida
de Cristo. Eles se articulam, de modo geral, em duas grandes partes interligadas por um
mesmo eixo: a profissão de fé de São Pedro (cf. Mt 16, 16-20; Mc8, 27-30; Lc 9, 18-21). A
primeira parte compreende o ministério público na Galiléia, bem como sua preparação
(cf. Mt 3, 1–18, 35; Mc 1, 1–9, 50; Lc 3, 1–9, 50); a segunda, a subida a Jerusalém, as
primeiras predições da paixão e, por fim, a morte e ressurreição do Senhor (cf. Mt 19, 1–
28; Mc 10,1–16; Lc 9, 51–24). Também é narrado nos três o episódio da Transfiguração
(cf. Mt 17, 1-13; Mc 9, 1-13; Lc 9, 28-36). Há, como se vê, uma íntima concordância entre
os sinóticos, e isto não apenas quanto à matéria e sua disposição, mas também, em alguns
versículos, à expressão literal do texto [4].

II. Traços distintivos

Existem, em todo caso, sensíveis divergências e discrepâncias entre eles. Tais diferenças se
dão, naturalmente, em diversos âmbitos — no encadeamento e sucessão de um ou outro
fato, no registro de algumas perícopes, na perspectiva adotada em determinadas passagens
etc. Com relação a este último ponto, por exemplo, os evangelhos de Mt e Lc apresentam
um material próprio que não se encontra em Mc, isto é, uma narrativa mais ou menos
detalhada da infância de Jesus. Mas se Mt, por um lado, nos relata a natividade de Cristo
sob a ótica de São José, o que permite supor que o evangelista tenha-se informado com
parentes próximos do pai nutrício de Jesus, Lc, por outro, narra os mesmos episódios sob o
olhar de Maria, com quem teria falado diretamente, o que é reforçado, ademais, pelo fato
de ele referir em mais de uma ocasião que a Virgem Santíssima "guardava em seu
coração" as palavras e atitudes do Senhor (cf. Lc 2, 19.51).

Outras variações se podem identificar dentro de algumas perícopes. Assim, por exemplo,
em Mt (cf. 6, 9-14) a oração do Pai-Nosso possui sete petições, ao passo que em Lc (cf. 11,
2-4) só se leem cinco; o sermão da montanha, tal como registrado por Mt (cf. 5, 1-12),
apresenta oito bem-aventuranças, enquanto Lc (cf. 6, 20-26) só se refere a quatro [5].
Também a "ordem das tentações de Jesus", como nota A. Wikenhauser, "é distinta
em Mt 4, 1-11 e Lc 4, 1-13". Além disso, tanto em Mc quanto em Lc lemos que Cristo
curou um possesso genesareno (cf. Mc 5, 1-20; Lc 8, 26-39), restituiu vista a um cego de
Jericó (cf. Mc 10, 46-48; Lc 18, 35-43) e entrou em Jerusalém montado num jumentinho
(cf. Mc 11, 1-7; Lc 19, 28-35); Mt, entretanto, fala de dois possessos (cf. 8, 28-34), de dois
cegos (cf. 20, 29-34) e de uma jumenta com sua cria (cf. 21, 1-11) [6].

III. Características fundamentais

Fazendo eco à doutrina constante da Igreja, defendida sempre e por toda parte, a
Constituição Dogmática Dei Verbum nos afiança que os evangelhos são de origem
apostólica. "Com efeito, aquelas coisas que os Apóstolos, por ordem de Cristo, pregaram,
foram depois, por inspiração do Espírito Santo, transmitidas por escrito por eles mesmos e
por varões apostólicos como fundamento da fé, ou seja, o Evangelho quadriforme, segundo
Mateus, Marcos, Lucas e João" [7]. Por isso, convém agora nos debruçarmos sobre cada
um dos sinóticos, considerando, ainda que de modo abreviado, o que é próprio e
característico a seus respectivos autores. Seguiremos a ordem em que sempre foram lidos e
dispostos entre os demais livros do Novo Testamento; começaremos, pois, pelo Evangelho
de Mt, em seguida veremos o de Mc e, por fim, estudaremos o de Lc.

A) O Evangelho de Mateus. — Atribuído tradicionalmente ao apóstolo São Mateus,


identificado com o publicano Levi, filho de Alfeu, o primeiro evangelho é o mais citado e
comentado desde os primeiros séculos do cristianismo; de fato, o testemunho mais antigo
que a seu respeito se conserva é de Papias [8], bispo de Hierápolis e, segundo Santo Irineu,
ouvinte do próprio São João. Oriundo do meio judaico, Mateus dá ao seu relato —
redigido originalmente em aramaico — um tom acentuadamente palestino, como pode
perceber-se pelo vocabulário empregado, pelos usos e costumes a que alude, pelas
preocupações e tendências teológicas que manifesta [9], bem como por suas inúmeras
referências a profecias veterotestamentárias que se realizam em Cristo; com efeito, é
comum encontrar em suas páginas expressões como: "Tudo isto aconteceu para que se
cumprisse o que o Senhor falou pelo profeta" (cf., e.g., Mt 1, 22). Ora, esses dados nos
permitem presumir que os seus destinatários eram sobretudo judeus convertidos à fé, que
decerto estariam familiarizados com as Escrituras e com os hábitos israelitas. Mais do que
os outros sinóticos, Mt dá um destaque especial à figura de São Pedro, embora não o sobre-
exalte além da medida (cf. 14, 29-31); a ele devemos, pois, a mais larga narração de Cristo
sobre as águas (cf. 14, 23-33) e a descrição mais detalhada da instituição do papado.

B) O Evangelho de Marcos. — O segundo evangelho é obra de São Marcos, parente de


São Barnabé e companheiro de São Paulo em sua primeira viagem apostólica. Depois de
ter-se separado do Apóstolo, por desentendimentos de que temos notícias pelos Atos,
Marcos tornou-se discípulo de São Pedro, a quem serviu como intérprete, tradutor e
auxiliar na tarefa de converter os gentios, aos quais seu Evangelho está claramente
dirigido. Pode-se dizer, com efeito, que Mc é quase um "Evangelho de Pedro" [10], dada a
quantidade de pesagens cuja explicação exige um testemunho privilegiado por parte do
príncipe dos Apóstolos. Para dar-se conta disso basta considerar, por exemplo, o episódio
da cura da filha de Jairo (cf. 5, 21-43) e da agonia suprema no Horto de Getsêmani (cf. 14,
32-43), trechos, aliás, permeados de arameísmos que qualquer fiel hoje em dia conhece de
cor — "Talita kum", "Abba" etc.
C) O Evangelho de Lucas. — O último dos sinóticos é fruto da pesquisa de São Lucas,
médico de profissão, historiador por vocação e, como Marcos, companheiro de viagem de
São Paulo. O seu Evangelho, o único cujo prólogo contém uma "exposição de motivos",
além de uma explicação do método de investigação adotado (cf. 1, 1-4), está escrito num
grego ao mesmo tempo correto e vulgar, embora, de acordo com São Jerônimo, Lucas
tenha sido o mais versado (eruditissimus) em grego entre os evangelistas [12]. Como quer
que seja, o fato é que Lc está destinado a cristãos convertidos do paganismo e,
expressamente, a um tal Teófilo, "personagem histórica da qual não temos notícia
nenhuma" [13], mas que possivelmente era membro da Igreja ou ao menos catecúmeno
[14]. Por isso, Lc faz questão de apresentar a abertura e a receptividade de Cristo aos
gentios que dEle se acercavam com fé e confiança, como o centurião romano (7, 1-10) e o
agradecido leproso de Samaria (17, 11-19). O seu estilo narrativo, de resto, é bastante
dinâmico, de maneira que somos levados a perceber a vida de Jesus como uma ascensão
progressiva e solene a Jerusalém [15], palco por excelência do mistério pascal.

Referências

1. Cf. A. Wikenhauser, Introducción al Nuevo Testamento. Trad. esp. de Daniel R.


Bueno. 2.ª ed., Barcelona: Herder, 1966, p. 129.
2. Cf. Id., p. 177; v. "Introducción general a la Biblia", in: Santos Evangelios, da
Bíblia Sagrada anotada pela Faculdade de Teologia da Universidade de
Navarra. Pamplona: UNAV, 1983, p. 71.
3. Cf. J. Leal, Sinopsis Concordada de los Cuatro Evangelios. Madrid: BAC, 1954,
p. 3.
4. Cf. A. Wikenhauser, op. cit., p. 182.
5. Cf. Id., p. 183.
6. Cf. Id., ibid.
7. Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática "Dei Verbum", de 18 nov. 1965, n.
18 (AAS 58 [1966] 826).
8. Cf. Eusébio de Cesaréia, Hist. Ecl. III, 39, 16. Trad. esp. de Argimiro V.
Delgado. Madrid: BAC, 1973, vol 1, p. 194: "Mateus compilou em língua
hebraica os ditos <de Jesus>, e cada um as interpretou o melhor que pôde"; v.
A. Wikenhauser, op. cit., p. 149.
9. A. Robert; A. Feuillet, Introducción a la Biblia. Trad. esp. de Alejandro Ros. 3.ª
ed., Barcelona: Herder, 1970, vol. 2, p. 194.
10. Cf. Id., p. 221s.
11. Cf. Id., p. 200s.
12. Cf. Jerônimo, Epist. XIX, 4 (PL 22, 378).
13. A. Wikenhauser, op. cit., p. 175.
14. Cf. Id., ibid.
15. Cf. A. Robert; A. Feuillet, op. cit., p. 233s.
Os Evangelhos Sinóticos

De todos os livros do Novo Testamento, os evangelhos são sem dúvida


nenhuma os mais importantes; constituem, de fato, a nossa principal fonte de
conhecimento a respeito da pessoa, da vida e das obras de Jesus Cristo, Deus
feito homem na plenitude dos tempos. Por isso, é imprescindível que o cristão
os conheça a fundo e descubra, neles e por meio deles, a amar cada dia mais
o Senhor.

Nesta aula do nosso curso Os Evangelhos Sinóticos, começaremos a estudar


os evangelhos ditos sinóticos e veremos quais são suas características
fundamentais.

A origem do problema sinótico

As semelhanças e coincidências entre os três primeiros Evangelhos são tão


notórias que, em tempos recentes, surgiu entre os estudiosos da Escritura a
chamada "questão sinótica". Afinal de contas, que relações, do ponto de vista
histórico e composicional, os relatos de Marcos, Mateus e Lucas têm entre si?
Há uma fonte primitiva e comum a todos eles? Quem teria copiado de quem?

São essas as questões que iremos enfrentar nesta aula do nosso curso.

Teoria das duas Fontes

Dando continuidade ao nosso curso bíblico, veremos nesta aula quais as


principais teses que o método histórico-crítico começou a pôr em tela a partir
do século XIX. O que é a fonte? Que evangelho foi escrito primeiro? Que
dificuldades, afinal, essa forma de crítica bíblica propôs à fé da Igreja?

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