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Neste segundo módulo do nosso curso sobre as SS. Escrituras, estudaremos os três
primeiros Evangelhos — de S. Mateus, S. Marcos e S. Lucas —, investigando suas
características fundamentais e percorrendo, à luz da Tradição e do Magistério da
Igreja, as linhas fundamentais destes escritos que ficaram conhecidos como
“Evangelhos Sinóticos”. Como surgiram, quais as suas fontes, que semelhanças e
diferenças eles têm entre si: são algumas das questões que você terá a
oportunidade de estudar conosco.
Os Evangelhos Sinóticos
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I. Introdução
Ocupamo-nos até agora de questões de caráter geral, embora de grande importância para
uma correta aproximação dos textos sagrados. A partir desta aula passaremos a estudar, de
forma sumária e global, os diversos livros de que se compõem as divinas Escrituras.
Dedicaremos a aula de hoje, em particular, a algumas considerações introdutórias ao
estudo dos evangelhos, sem dúvida nenhuma os escritos mais relevantes de todo o Novo
Testamento, uma vez que a eles devemos — se não exclusiva, ao menos primária e
principalmente — quase tudo o que sabemos a respeito da pessoa, da vida e das obras de
Nosso Senhor [1]. Por isso, convém examinar, em primeiro lugar, os textos com que a
Igreja, desde tempos antiquíssimos, encabeça e inicia os escritos da Nova Aliança, a saber:
os evangelhos ditos sinóticos.
Chamam-se "sinóticos", com efeito, os três primeiros evangelhos: o de Mateus (Mt), o de
Marcos (Mc) e o de Lucas (Lc). Essa denominação deve-se ao fato de haver entre eles
tantas semelhanças e coincidências que, para melhor compará-los, é possível dispô-los
facilmente em sinópse, ou seja, em três colunas paralelas de modo que as perícopes e
passagens comuns possam ser quase justapostas e lidas em conjunto, num só lance de
olhos [2]. O primeiro a denominá-los assim, uso hoje bastante consagrado, foi o teólogo
protestante e crítico alemão J. J. Griesbach, que publicou em 1774 uma Synopsis
Evangeliorum; a disposição comparativa dos textos evangélicos — incluído o quarto —,
no entanto, parece ser muito mais antiga e pode remeter-se, segundo alguns, à obra de um
pouco conhecido Amônio, provavelmente do século III d. C. [3]. O Evangelho de João, por
sua vez, possui traços peculiares que o distinguem dos outros três e lhe dão, em relação a
eles, certa independência.
Uma leitura conjunta de Mt, Mc e Lc põe em evidência, antes de tudo, uma mesma
estrutura narrativa ou, noutras palavras, uma mesma maneira de distribuir os fatos da vida
de Cristo. Eles se articulam, de modo geral, em duas grandes partes interligadas por um
mesmo eixo: a profissão de fé de São Pedro (cf. Mt 16, 16-20; Mc8, 27-30; Lc 9, 18-21). A
primeira parte compreende o ministério público na Galiléia, bem como sua preparação
(cf. Mt 3, 1–18, 35; Mc 1, 1–9, 50; Lc 3, 1–9, 50); a segunda, a subida a Jerusalém, as
primeiras predições da paixão e, por fim, a morte e ressurreição do Senhor (cf. Mt 19, 1–
28; Mc 10,1–16; Lc 9, 51–24). Também é narrado nos três o episódio da Transfiguração
(cf. Mt 17, 1-13; Mc 9, 1-13; Lc 9, 28-36). Há, como se vê, uma íntima concordância entre
os sinóticos, e isto não apenas quanto à matéria e sua disposição, mas também, em alguns
versículos, à expressão literal do texto [4].
Existem, em todo caso, sensíveis divergências e discrepâncias entre eles. Tais diferenças se
dão, naturalmente, em diversos âmbitos — no encadeamento e sucessão de um ou outro
fato, no registro de algumas perícopes, na perspectiva adotada em determinadas passagens
etc. Com relação a este último ponto, por exemplo, os evangelhos de Mt e Lc apresentam
um material próprio que não se encontra em Mc, isto é, uma narrativa mais ou menos
detalhada da infância de Jesus. Mas se Mt, por um lado, nos relata a natividade de Cristo
sob a ótica de São José, o que permite supor que o evangelista tenha-se informado com
parentes próximos do pai nutrício de Jesus, Lc, por outro, narra os mesmos episódios sob o
olhar de Maria, com quem teria falado diretamente, o que é reforçado, ademais, pelo fato
de ele referir em mais de uma ocasião que a Virgem Santíssima "guardava em seu
coração" as palavras e atitudes do Senhor (cf. Lc 2, 19.51).
Outras variações se podem identificar dentro de algumas perícopes. Assim, por exemplo,
em Mt (cf. 6, 9-14) a oração do Pai-Nosso possui sete petições, ao passo que em Lc (cf. 11,
2-4) só se leem cinco; o sermão da montanha, tal como registrado por Mt (cf. 5, 1-12),
apresenta oito bem-aventuranças, enquanto Lc (cf. 6, 20-26) só se refere a quatro [5].
Também a "ordem das tentações de Jesus", como nota A. Wikenhauser, "é distinta
em Mt 4, 1-11 e Lc 4, 1-13". Além disso, tanto em Mc quanto em Lc lemos que Cristo
curou um possesso genesareno (cf. Mc 5, 1-20; Lc 8, 26-39), restituiu vista a um cego de
Jericó (cf. Mc 10, 46-48; Lc 18, 35-43) e entrou em Jerusalém montado num jumentinho
(cf. Mc 11, 1-7; Lc 19, 28-35); Mt, entretanto, fala de dois possessos (cf. 8, 28-34), de dois
cegos (cf. 20, 29-34) e de uma jumenta com sua cria (cf. 21, 1-11) [6].
Fazendo eco à doutrina constante da Igreja, defendida sempre e por toda parte, a
Constituição Dogmática Dei Verbum nos afiança que os evangelhos são de origem
apostólica. "Com efeito, aquelas coisas que os Apóstolos, por ordem de Cristo, pregaram,
foram depois, por inspiração do Espírito Santo, transmitidas por escrito por eles mesmos e
por varões apostólicos como fundamento da fé, ou seja, o Evangelho quadriforme, segundo
Mateus, Marcos, Lucas e João" [7]. Por isso, convém agora nos debruçarmos sobre cada
um dos sinóticos, considerando, ainda que de modo abreviado, o que é próprio e
característico a seus respectivos autores. Seguiremos a ordem em que sempre foram lidos e
dispostos entre os demais livros do Novo Testamento; começaremos, pois, pelo Evangelho
de Mt, em seguida veremos o de Mc e, por fim, estudaremos o de Lc.
Referências
São essas as questões que iremos enfrentar nesta aula do nosso curso.