RESUMO
O artigo analisa os desafios na construção e implementação do Sistema Único de Saúde
(SUS), que se dá num contexto em que as políticas sociais são orientadas pelos ideais
neoliberais, de caráter restritivo e de privatização, e a saúde é tratada segundo a lógica
do mercado, ferindo os princípios e as diretrizes constitucionais. A participação do
assistente social no processo de construção e desenvolvimento do SUS, busca fortalecer
a perspectiva da universalização do acesso aos programas e políticas sociais. A
profissão vem produzindo conhecimentos e alternativas para enfrentar as dificuldades
vivenciadas no cotidiano, provocando o alargamento do trabalho na área da saúde
pública.
INTRODUÇÃO
1
Doutora em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista – UNESP, Campus de Franca.
Professora da Faculdade de Serviço Social de Passos - FESP/UEMG, e da Faculdade de Direito –
FAFRAM. Pesquisadora do Grupo QUAVISSS. Assistente social da Prefeitura Municipal de Franca na
área da saúde. Email: fersarreta2009@yahoo.com.br.
2
Livre Docente do Curso de Graduação e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UNESP,
Campus de Franca. Coordenadora do QUAVISSS - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Saúde,
Qualidade de Vida e Relações de Trabalho da UNESP, Campus de Franca. E-mail:
irisbertani1311@yahoo.com.br.
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(BRASIL, 1988).
necessidade tem sido constantemente apontada nos espaços coletivos de debates, como
de saúde para adequar o atendimento e a qualidade dos serviços prestados nessa direção.
pelos sujeitos envolvidos nesta área, e pela sociedade em geral. Sobretudo, esse esforço
implantação efetiva desta política, cabe refletir sobre a adesão dos atores da saúde como
fracasso social, não conseguiram dar um passo a mais na escada social, destinada aos
infelizmente confirmado quase diariamente pelos fatos. A ideia social deste sistema de
própria forma de gestão local. Pode-se cogitar que, se o SUS encontra-se ainda muito
afastado de sua realização, esta incompletude talvez se deva a fatores relacionados com
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Neste cenário, o Serviço Social brasileiro tem uma participação ativa e efetiva
na defesa do direito social à saúde e do Sistema Único de Saúde (SUS) como política
(BRAVO, 2006).
desigualdades nos níveis de vida. Estes avanços demonstram que a profissão vem
local, através de novos mecanismos de gestão (BRAVO, 1996). Como analisa a autora,
Saúde em 1986, marca um novo momento para a saúde pública no Brasil. Com
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Constituição brasileira (BRAVO, 1996). Esta organização demonstra que este passo foi
SUS são formulados e organizados como uma política pública do Estado brasileiro
(BRASIL, 2006).
Federal, como elemento da Seguridade Social (BRASIL, 1988, p. 103), a qual “[...]
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outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
mudanças, tendo como maior exemplo, o conceito saúde, entendido até então como a
seja:
Esta concepção integral de saúde prevê que as ações devam ser desenvolvidas
erradicação das causas sociais que interferem na saúde. Portanto, a história evidencia
que o SUS foi conquistado com trabalho, luta, com a mobilização da sociedade,
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autora enfatiza que, ao mesmo tempo em que o setor privado se estruturou e capitalizou
nas décadas de 1960 e 1970, atualmente pressiona e busca novos mercados de serviços
lograr reverter a lógica que vinha regendo as políticas de saúde de maneira a garantir a
236).
sociedade que tinha referência na igualdade, o que exige, na análise de Pereira (2000),
determinação e preparo intelectual e político para lutar pela prevalência dos valores de
contrapartida os 10% mais pobres detinham apenas 0,7% (BRAVO, 2006). O que se
poder do mercado fortalece cada vez mais a hegemonia do capital. Esse movimento
idéia defendida por Campos (2007), é na concepção ampliada de saúde, que considera
condições materiais de vida, que deve pautar a luta pelo sistema público de saúde.
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execução de tarefas dentro da lógica do capitalismo. Portanto, observa-se que apesar dos
continuam sendo feitos dentro do modelo verticalizado tradicional, sem que haja
enfrentamento desses problemas não é somente econômico, mas são também culturais,
Campos (2006) alguns caminhos possíveis para a consolidação do SUS. O autor reflete
que está incompleta e apresenta vários sintomas, sendo necessário repensar sua prática.
E, lembra que hoje, no mundo comandado pelo modelo neoliberal, um sistema de saúde
com princípio universal está na contramão deste processo social. Desse modo, a
recuperação da imagem da política pública de saúde, exige dos sujeitos sociais uma
ação que estimule os movimentos sociais e as opiniões em defesa da vida, do bem estar
e da proteção social.
sobrevivem ao modelo de gestão caracterizado, diz Santos (2008, p. 4), por “[...]
predomínio do pagamento de serviços por produção em regra com valores inferiores aos
adoção dessas propostas pela Constituição de 1988 e Lei Orgânica da Saúde (BRASIL,
1990), como política pública do Estado, foram efetivadas por meio de políticas e
A saúde vista de modo isolado, inviabiliza a luta por sua efetivação com
materialização prática no dia-a-dia dos serviços está pautada pelo descaso político, e
pela falta de incentivo e pelos baixos salários pagos aos funcionários da saúde
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sem que haja qualquer manifestação de visão de mundo sócio histórica. Algumas
legal e as que vêm sendo praticadas. Nas palavras de Iamamoto (2006, p. 188) “[...]
(2006, p. 188) aponta para a inversão das regras, ou seja, “[...] ao invés do direito
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texto, que as prioridades dos gastos públicos na viabilização dos direitos sociais são
reféns “[...] do balanço entre crédito e déficit no 'cofre governamental', estabelecida pelo
da cidadania tanto no plano legal quanto no prático, uma vez que acaba ocorrendo a sua
restrição e não a sua ampliação. A discussão de Pereira (2006, p. 109) acerca dos
conceitos de cidadania e justiça social analisa o efeito do impacto neoliberal nas suas
condições de efetivação, e argumenta que “[...] sob o neoliberalismo, mais do que nunca
ficou claro que os direitos de cidadania são de fato direitos dos ricos em um mundo
repleto de pobres”.
sujeitos sociais nesta área. A política de saúde vincula-se aos processos econômicos,
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p.1), implica na decisão do investimento político em um bem social, que por sua
com foco nos bens e serviços mais especializados e de maior custo, passando por um
Campos (2006) destaca que o SUS apresenta uma nova configuração para o
Mas, como o próprio autor mostra em outro estudo, o viés dado pelo modelo ainda não
determinado pelas condições objetivas postas pelas exigências da demanda e das novas
práticas. O desafio mais persistente para a implantação do SUS passa a ser, então, a
sociedade tem dos seus direitos, e como ela é tratada na esfera estatal, para assim,
vivendo abaixo da linha da pobreza, com 1 real/dia por indivíduo, e 90% dos recursos
mundiais na saúde são consumidos por apenas 10% da população (CONASSS, 2006).
Outro aspecto nesse quadro, apresentado pela OPAS/OMS na América Latina, uma
análise de 1995 a 2004, mostrou que a saúde na região depara-se com vários desafios e
“Na região, 27% dos habitantes não têm serviços básicos de saúde permanentes, e 17%
dos recém-nascidos não recebem assistência prestada por pessoal qualificado” (OMS,
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superá-las requer políticas públicas que busquem incrementar o acesso das pessoas a
bens e serviços promotores de saúde, estabelecendo-se alta prioridade aos grupos mais
quanto aos cuidados primários, um aspecto vital para a equidade em saúde. Isso
ideológico está marcado pela busca de uma referência para subsidiar a análise da
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inclusive a da saúde.
meio de políticas públicas efetivas. Para Bravo e Matos (2004) são projetos que
centralizadoras e assistencialistas.
projeto societário que propõe a construção de uma nova sociedade, mais justa, sem
exploração e sem dominação, opções que reafirmam a defesa dos direitos humanos.
equipe de saúde vem-se construindo através da inserção nas políticas de saúde desde o
necessária numa perspectiva interdisciplinar, pois contribui para que a equipe de saúde
(CFESS, l999), qualificando o profissional para atuar com competência nas diferentes
necessidades sociais apresentadas pelos usuários nos serviços de saúde. Estão pautadas
universalidade de acesso relativo às ações e serviço, bem como sua gestão democrática.
saúde pela sociedade como direito e questão de cidadania, e fortalece o paradigma que
material, trabalho com grupos, visitas domiciliares entre outras – o assistente social
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condições econômicas, políticas, sociais e culturais, o Serviço Social passa a fazer parte
no processo saúde-doença.
das necessidades apresentadas pelos usuários, para Bravo e Matos (2004, p. 17), e que
“[...] queira ter como norte o Projeto Ético-Político deve, necessariamente, estar
que a profissão pode fornecer subsídios para que o usuário se fortaleça e participe do
na coisa pública, de modo a permitir maior controle por parte da sociedade nas decisões
transformação.
valorizar a atividade científica por meio da pesquisa (GUERRA, 2009), gera dados
necessidades sociais.
sistemático dos aspectos da realidade que se manifestam por meio dos processos sociais,
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desenvolver formas de atuação efetiva nos Conselhos de Direitos, como espaço legítimo
CONSIDERAÇÕES FINAIS
argumento teórico, pois é nas relações estabelecidas que ele se materializa. É na postura
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política e intelectual dos sujeitos envolvidos na saúde não garante sua emancipação, já
trabalhadores da saúde para que tenham uma nova relação com o trabalho e a própria
saúde. Do mesmo modo, democratizar os serviços de saúde significa criar espaços que
problemas que impedem o acesso à saúde. É um caminho que pode tornar possível o
desenvolvimento dos sujeitos sociais emerge o potencial transformador sobre suas ações
no mundo.
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que ampliem a luta pela defesa dos direitos sociais. O direcionamento do trabalho deve
a realidade pode ser transformada e (re) construída, e o trabalho pode determinar novas
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ABSTRACT
The article examines the challenges in the construction and implementation of the
Single Health System (SUS), which occurs in a context in which social policies are
guided by neoliberal ideals, and restrictive nature of privatization, and health is treated
according to the logic the market, injuring the principles and constitutional guidelines.
The involvement of a social worker in the process of construction and development of
the SUS, seeks to strengthen the prospect of universal access to programs and social
policies. The profession has been producing knowledge and alternatives to face the
difficulties experienced in daily life, causing enlargement of work in the area of public
health.
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