físico americano Alan Sokal aturada análise epistemológica que que cultivam as pseudo-ciências e
O (de parceria com o seu
colega belga Jean Bricmont) publicou um novo livro com críticas suscitou polémica a vários níveis, tanto mais que incluía um autêntico catálogo de anedotas envolvendo que as tentam impor a vários níveis da sociedade americana. Ta i s práticas ditas “holísticas” (uma severas às manifestações irraciona- nomes consagrados da cultura fran- corruptela de whole ou totalidade listas que têm surgido ultimamente, cesa. Esses vultos tinham decidido em inglês; holos em grego clássico) tais como as novas superstições e as utilizar referências à física e às passaram a ser frequentes, por pseudo-ciências1. Os dois autore s matemáticas puras, ao exporem exemplo, no sector da pedagogia que se situam à esquerda ou mesmo certos argumentos bem pouco da enfermagem, onde o rigor nas imediações do anarq u i s m o , científicos: Baudrillard afirmando científico devia ser uma regra tinham publicado, em 1997, as que “as guerras modernas acon- absoluta. Este sector tem sido “Imposturas Intelectuais2”, um ensaio tecem num espaço não euclidiano”; invadido por retóricas obscuran- que foi traduzido em várias línguas - Lacan a identificar o “órgão eréctil tistas delirantes, que poderão e n t re as quais o português - e que com a raiz quadrada de -1 (número revelar-se mais perigosas (designa- foi qualificado de “pedrada no imaginário) ”; e Júlia Kristeva a damente para a saúde humana) do c h a rco”, por denunciar certas dissertar acerca da “linguagem que as mencionadas imposturas práticas discutíveis que estavam em poética elevada à potência do intelectuais que se limitavam ao voga em certos meios intelectuais contínuo”... No entender de Sokal, domínio das ideias. Sokal assinala franceses, devido à utilização abusiva tais afirmações não são simples que as enfermeiras americanas têm de conceitos das ciências puras, metáforas e os autores eram (e sido convidadas a praticar métodos como justificação de argumentações continuam a ser) venerados em de “apalpação terapêutica com em escritos sobre literatura, artes, vários círculos, habitualmente transferência de energia”, uma fil o s o fia e psicanálise. designados de pós-modernistas. prática que se assemelha pura e Assim acontece em Paris, como é simplesmente à magia e cujos evidente, mas também nos E. cultores se dão ao luxo de contestar Pedantismo intelectual Unidos - onde a chamada “French as exigências da chamada ciência Theory” conquistou adeptos em tradicional-observação, hipótese e Nesse livro, Sokal tinha-se dado várias universidades - e até mesmo experimentação - utilizando, para ao trabalho de elaborar uma em Lisboa ou em Coimbra, onde isso, citações do budismo tibetano haverá quem se sinta misturadas com princípios da física obrigado a citar Lacan, quântica ou da relatividade, Foucault ou Derrida, a naturalmente mal compreendidos. torto e a direito, para se Tais argumentações, que parecem sentir moderno. ser simples curiosidades “New-age”, preocupam seriamente o autor que se insurge contra os artigos teóricos Pseudo-ciências e pós- incluídos em estudos no ramo da modernismo enfermagem e que “tendem a reciclar os mesmos argumentos e a Sete anos depois de ter mesma retórica que podemos denunciado essas encontrar nos escritos pós-modernos “Imposturas Intelectuais” - nas ciências sociais e na teoria que, segundo o autor, não literária, com uma quantidade podem ser assimiladas a surpreendente de referências a desculpáveis exercícios de Heidegger, Foucault, Derrida, Rotry retórica - Sokal volta a e a outros filósofos considerados atacar os pós-modernistas pós-modernos”. e muito particularmente aqueles que, ultimamente nos E. Unidos, têm tentado Ciência Védica e Relativismo abalar as bases funda- mentais da metodologia Sokal não limita o seu domínio c i e n t í fica. O autor denuncia de análise aos Estados Unidos e com particular veemência aproveita a ocasião para denunciar os homens (e as mulheres) certas práticas actualmente em voga
120 LATITUDES n° 25 - décembre 2005
na Índia, onde os meios fundamen- vacilante”. O livro também talistas hindus tentam reinventar o inclui um apêndice intitulado conhecimento científico, afirmando “Religião como Pseudociência” que as grandes descobertas da e um texto de conclusão que ciência dita ocidental já tinham sido advoga um “Realismo Científico incluídas nos textos sagrados, Modesto”. Pensamos que teria designadamente nos Veda, que se sido útil que o autor também diz terem sido redigidos há cerca de nos tivesse fornecido algumas três mil anos. Trata-se de uma pistas acerca das causas que manifestação ultranacionalista com estão na origem desta ex- aspectos epistemológicos pre o c u- pansão das ideias anti- pantes. A ciência que se tem científicas, nos E. Unidos e na evidenciado desde o iluminismo Europa, onde a astro l o g i a deixaria de ser um valor universal, passou a ter direito de cidade, passando a sofrer desvios dos mesmo em sociedades ditas interesses de certas castas. O autor cartesianas. O autor qualifica o lamenta que jovens trabalhistas papa de “chefe de um culto indianos tenham sido contagiados pseudocientífico maior” e por estas formas de fundamen- considera que os meios talismo anti-científico, tanto mais fundamentalistas afectos a G. que os extremistas hindus afirmam W. Bush têm apoiado os que a ciência “ocidental” não passa adeptos do criacionismo que de uma versão inferior da “velha combatem os evolucionistas. ciência védica”. Curiosamente, estas afirmações são toleradas por alguns escribas pós-modernistas relativistas Ciências Humanas e indianos e americanos, para os Ciências Puras quais o conhecimento científico é seriedade às questões literárias e uma forma de narrativa que Julgamos que teria sido prefe- artísticas e que, naturalmente, lhe depende, entre outras coisas, da rível que houvesse uma menor merecem todo o respeito. O autor cultura do observador. Entramos, dispersão de temas e que o autor lembra que os cientistas criticam assim, no relativismo cognitivo e no evitasse o excesso de citações e sistematicamente os trabalhos que pós-estruturalismo, uma corrente notas, que não serão de grande efectuam e muito particularmente que tentaria reduzir a realidade ajuda para o leitor, porventura aos resultados das experiências. Em física a uma simples construção pouco versado nas questões contrapartida, os pós-modernos social e subjectiva... O autor lembra epistemológicas. Também valeria a raramente se põem em causa e, que, no tempo de Hitler nos anos pena lembrar que a vulgarização quanto a nós, parecem dispostos a 30, havia um especialista de científica desapareceu praticamente continuar a combater as ciências de epistemologia, Ernst Krieck, reitor dos grandes media europeus. uma maneira absolutamente da Universidade de Heidelberg, que Como se sabe, é o grande irracional, por simples ignorância contestava a objectividade da público que financia, pelo menos ou por vontade de poder e de ciência, alegando que o sistema de deste lado do Atlântico, a pesquisa publicidade, como se fossem, efec- Newton era o efeito secundário da científica e até mesmo os trabalhos tivamente, companheiros dos pro p a- hegemonia política dos britânicos... dos filósofos, sejam ou não pós-mo- gandistas das pseudociências l d e rnistas. Pensamos que, além dos problemas que atingem o ambiente, o Ecologismo Radical e contribuinte precisa que o informem 1 Alan Sokal, Pseudosciences & Criacionismo convenientemente acerca dos Postmodernisme/ Adversaires ou problemas concretos que a ciência é compagnons de route ?, prefáce de Não se pode afirmar - antes pelo obrigada a enfrentar. Parecem ridículas Jean Bricmont, Paris, Odile Jacob, contrário - que este livro seja de as elucubrações de ideólogos, 2005, 224 p. 2 A. Sokal et J. Bricmont, Impostures leitura fácil, atendendo à complexi- cultores da magia e certos Intellectuelles, Paris, Odile Jacob, dade da epistemologia e das profissionais das chamadas ciências 1997; edição portuguesa : Imposturas metodologias científicas. E Alan humanas, perante a mobilização dos Intelectuais, Lisboa, Gradiva, 1999. Sokal insurge-se, também, contra os cientistas que, por exemplo, tentam ecologistas radicais que se agarram acabar com as ameaças da Sida e da aos escritos pós-modernistas “para gripe das aves. Alan Sokal teve a salvarem algumas das suas teorias preocupação de não atacar, antes preferidas cujos fundamentos pelo contrário, os homens e as empíricos ficaram numa posição mulheres que se dedicam com