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Introdução na abordagem histórico-cultural de Vygotsky e

seus Colaboradores

Bernd Fichtner

Diretor do Programa Internacional de Pós-Graduação em Educação - International


Education Doctorate - INEDD Universidade de Siegen/Alemanha -

e-mail: fichtner@paedagogik.uni-siegen.de

2010
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Sumário:

1. Introdução 3
2. O paradigma da abordagem histórico-cultural 4
3. A vida de Vygotsky 9

4. O Nucleo da abordagem: amediação cultural 16


4.1. Instrumentos e signos 16
4.2. O processo de internalizacão 19
4.3. Pensamento e linguagem 22

4.4. Além de Vygotsky: Meios primários, secundários e terciários 31


4.5. Além de Vygotsky: A metáfora como mediadora 36
4.6. Além de Vygotsky: O papel do professor como mediador 46

5. A concepção de desenvolvimento e a questão dos estágios 50


5.1. Desenvolvimento como processo fundamentalmente social e cultural 50
5.2. O problema dos estágios 54
5.2. A estrutura e a dinâmica dos estágios 58

6. Vygotsky e a Pedagogia 60
6.1. Aprendizagem e desenvolvimento 60
6.2. A zona de desenvolvimento proximal 62
6.3. Vygotsky e a educação 66
6.4. Vygotsky e a educação especial 70

7. A concepção da apropriação em Leontief 74


8. O modelo da atividade em Leontief 77
9. Aprendizagem expansiva - uma concepção além de Leontief 85

10. Referências 96

11. FIGURAS 102-1003


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1. INTRODUÇÃO

A abordagem histórico-cultural foi fundada por Vygotsky e desenvolvida pelos seus


alunos no período pós-revolucionário na União Soviética, entre 1924 até a sua morte
prematura (aos 37 anos), em 1934.

Gostaria de usar neste curso o termo “abordagem histórico-cultural”. Muito freqüente


se fala também da “escola histórico-cultural” ou do “socio-interacionismo” ou do “sistema
histórico-cultural”. Mas, esta abordagem não apresenta um sistema bem estruturado. Para
mim, a intencionalidade de Vygotsky nunca foi construir um sistema fechado. Encontra-se na
abordagem de Vygotsky uma enorme riqueza e diversidade e também encontro de diferentes
áreas. Os temas de seu trabalho vão desde a neuropsicologia até a crítica literária, também se
ocupando com problemas de deficiências, linguagem, arte, psicologia de arte, com questões
de semiótica do cinema, com pedagogia e psicologia, com questões teóricas e metodológicas
relativas às ciências humanas.

De onde se deriva esta interdisciplinaridade? Quais foram os seus objetivos? Por que
esta abordagem apresenta uma qualidade tão aberta, que permitiu perspectivas diferentes que
foram desenvolvidas por seus alunos? Porém, o mais importante: Come se explica este
interesse atual? Porque se ocupa de novo, desde poucos anos, com a perspectiva de Vygotsky,
mas em maneiras e formas muito diferentes no Brasil, nos Estados Unidos, na Alemanha e em
muitos outros países?

Gostaria de apresentar algumas respostas a estas perguntas, mas, sobretudo, espero que
consiga apresentar pelo menos um pouco da reflexão, da lucidez e do vigor juvenil do seu
pensamento, que sempre tinha e tem uma orientação explícita para o futuro.

Vygotsky trabalhou numa sociedade onde a ciência era extremamente valorizada e da


qual se esperava, em alto grau, a solução dos problemas sociais e econômicos do povo russo.
A psicologia, a pedagogia e a pedologia não poderiam ser elaboradas independentes das
demandas reais exigidas pelo governo e o amplo espectro da obra de Vygotsky mostrava,
claramente, a sua procuração em produzir uma ciência, que tivesse relevância para a educação
prática e para a prática médica de reabilitação.

Para ele, essa necessidade de desenvolver um trabalho teórico, aplicado a um contexto,


constituía uma abordagem sempre relacionada a uma prática social, respaldada na sua visão
teórica geral de desenvolver seu trabalho numa sociedade que procurava eliminar o
analfabetismo e elaborar programas educacionais que desenvolvessem as potencialidades de
cada criança e de cada jovem.
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2. O PARADIGMA DA ABORDAGEM HISTÓRICO- SOCIAL

A pergunta central aqui é: o que é um paradigma?

Talvez possa explicar isso através de exemplos e de explicações que eles contem:

• O movimento na época de Aristóteles pode ser compreendido como “Um carro, que
foi tirado por um cavalo”

• Em outra época, para Galiléu o mesmo evento pode ter a seguinte compreensão: “um
objeto, que recebe um impulso de fora e depois se move continuamente sem firmar-se,
sem parar”

Nossa concepção tradicional de aprendizagem se coloca na perspectiva de que a mudança


do comportamento ocorre através das próprias experiências. Qual é o paradigma que está por
traz atrás desta concepção? O que compreendemos com a palavra Desenvolvimento? Qual é o
paradigma que a sustenta?

Um paradigma é um modelo fundamental, básico, muito freqüente, com pressupostos


implícitos, que determinam as nossas perspectivas de ver uma coisa, um fenômeno, um
processo numa certa perspectiva.

A compreensão do paradigma histórico-cultural está totalmente equivocada quando é feita


a partir de uma visão só psicológica, orientada para a psicologia do desenvolvimento e da
linguagem.

Esta abordagem é uma expressão concreta e imediata do período mais importante da


cultura e da ciência na história da União Soviética, que começou com a revolução de outubro
e que foi interrompida pela instauração do regime estalinista. Esta abordagem reflete o
criativo ambiente intelectual e a atmosfera desse período, como um ponto de convergência
das novas perspectivas que foram articuladas em arte, cinema, literatura e ciências humanas.

Nela convergem as mais diferentes correntes, tendências e perguntas para a fundação de


uma nova ciência do sujeito e da sua subjetividade, desenvolvida com a toda a riqueza,
contradições, possibilidades e perspectivas que ela traz dentro de si.

A abordagem histórico-cultural nunca foi pensada como uma abordagem fechada e


sistematizada, como uma teoria acabada. Muito pelo contrário, ela representa uma riqueza de
perguntas, problemas e visões, que permitem as mais variadas interpretações.
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A abordagem histórico-cultural pode ser compreendida como uma tentativa complexa de


determinar o que é o sujeito no seu contexto social.

Tal como anteriormente Descartes, Kant ou Darwin, os autores desta abordagem foram
confrontados com uma mudança total da sociedade, que precisava, a partir dos grandes
problemas sociais, uma nova ressignificação do sujeito.

O MÉTODO GENÉTICO

Com toda a firmeza Vygotsky expõe que o sujeito e o seu processo de vida não podem
ser reconstruídos cientificamente só com os elementos e as formas que nos oferece a biologia
ou a sociologia, isto é: o sujeito não pode ser reduzido só a sua natureza biológica e a sua
sociedade. Ele insiste que é necessária uma proposta específica e que se deve desenvolver
uma metodologia própria e adequada para a realidade do psíquico.

Para a abordagem histórico-cultural, o resultado desta análise representa "a


metodologia genética", também chamada de "princípio histórico". A este principio está
incorporado o famoso lema do Hegel: "O inteiro é sempre o resultado compreendido junto
com o processo de seu desenvolvimento." Este lema foi construído como um princípio
universal metodológico em Vygotsky.

A partir da negação tanto do materialismo mecânico como do idealismo, o sujeito é


visto como um processo vivo, onde se encontram três linhas diferentes de desenvolvimento:

- o processo da filogênese

- o processo histórico-cultural e

- o processo da ontogênese

Cada processo de desenvolvimento prepara dialeticamente o processo seguinte e se


transforma num novo tipo de desenvolvimento. Cada convergência ou cada paralelismo entre
os três processos é claramente excluída - naturalmente existem entre os três processos
relações necessárias.

Estes três processos interagem entre si e constroem um processo único e imprevisível,


o que de alguma forma nos dá a idéia de que o homem é um processo rico e complexo e algo
a mais do que possa entrar numa classificação.

Em outras palavras: a cultura torna-se parte da natureza humana num processo


histórico que, ao longo do desenvolvimento da espécie e do indivíduo, constrói o
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funcionamento psicológico do homem. Ele pode ser compreendido como resultado de um


processo histórico-cultural, em cujo centro está o uso social dos instrumentos e meios.

Isto é: os homens podem reconhecer-se a si mesmos na sua história e podem também


compreender-se e explicar-se nas suas ações, porque fazem a sua própria história. Ou seja: Os
homens precisam compreender-se a si mesmos desde uma perspectiva histórica,
compreendendo no presente a sua diferença com o passado, como forma de projetar um
futuro. Estas diferenças são dadas pela sua atividade social, numa interação dos homens com
os seus instrumentos.

Os processos psíquicos e as funções psíquicas no homem somente podem ser


compreendidos quando são analisados no seu desenvolvimento. Vygotsky (1978, p. 64) diz:

“O nosso interesse tem nada a ver com o resultado já feito o com o produto
de um desenvolvimento, mas com o desenvolvimento onde nasce a forma
superior. [...] Numa pesquisa compreender o processo inteiro de
desenvolvimento e um fenômeno respeito ao todos os estágios e todas as
mudanças significa exatamente descobrir a sua essência , a sua natureza -
desde o inicio até a final - porque somente no movimento um fenômeno
mostra o que ele substancialmente é.”
Para Vygotsky, o desenvolvimento nunca apresenta um processo linear, uma
acumulação lenta de mudanças unitárias, mas sim, segundo suas palavras, de um processo
complexo dialético, caracterizado pela periodicidade, irregularidade no desenvolvimento das
funções diferentes, metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma em outra,
entrelaçamento de fatores externos e internos e processos adaptativos.

Segundo esta perspectiva, o desenvolvimento como movimento em si mesmo


representa a forma e os modos universais da realidade e de cada fenômeno concreto desta
realidade. As contradições reais devem ser vistas como fatores interiores de cada
desenvolvimento. O resultado de um processo, assim como as suas possibilidades futuras, têm
que ser sempre clarificados e concretizados através das contradições que determinam o
processo de diferenciação. Um exemplo pode explicitar melhor essa concepção: cada
organismo é um sistema vivo e apresenta um sujeito, que tem uma referência básica consigo
mesmo, mas esta referência, este sujeito, pode só realizar através de um contato com o que
este sujeito não é, ou seja, um contato com o seu ambiente. Esta contradição é resolvida pelo
organismo através do seu desenvolvimento.

No centro desta abordagem reside a pergunta ou o problema central: O que é o


desenvolvimento humano?
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1. O desenvolvimento não é um processo linear no tempo, mas sim um processo


cíclico ou rítmico.

2. Porque as diferentes funções psíquicas como percepção, memória, fantasia se


formam numa forma diferente e desproporcional, o desenvolvimento aparece como
uma reestruturação e reorganização do sistema inteiro destas funções.
Desenvolvimento sempre tem um caráter sistemático. Isso significa, por exemplo, que
uma criança muda e se transforma em cada estágio novo, porque as diferentes funções
deste sistema mudam o seu papel dominante. Exemplificando, nas primeiras semanas
uma criança está percebendo a sua realidade somente através das suas emoções e do
seu sentimento. Este papel dominante se altera no próximo estágio senso-motor e etc.

3. Desenvolvimento é sempre um processo que tem uma perspectiva de futuro, onde


nasce e cresce o novo. As ações de cada pessoa são influenciadas pelo passado, mas
nunca determinadas por ele; experiências do passado ficam como um meio para se
construir um novo período, ou seja o futuro: o desenvolvimento e um diálogo do
sujeito com o seu futuro.

Era dada, sobretudo por Vygotsky, uma enorme importância ao substrato material do
desenvolvimento da espécie e do indivíduo, especificamente ao cérebro, tendo
realizado estudos sobre lesões cerebrais, perturbações da linguagem e organização de
funções psicológicas em condições normais e patológicas. As propostas
contemplavam, assim, a dupla natureza do ser humano, membro de uma espécie
biológica que se desenvolve historicamente no interior de um grupo cultural de uma
sociedade.

Esse problema principal do desenvolvimento foi analisado e pesquisado através de três


perspectivas metodológicas :

1. A abordagem de Vygotsky apresenta uma perspectiva monística, quer dizer,


cada separação entre corpo e mente, entre cognição e emoção, entre físico e espírito,
entre ações exteriores e ações interiores foram rigidamente negadas.

2. A abordagem de Vygotsky apresenta uma perspectiva holística, que se opõe


rigidamente a qualquer reducionismo, ou seja, processos complexos não se podem
reduzir aos processos elementares. Por exemplo, um processo psíquico não pode ser
explicado reduzindo-o a processos físicos ou químicos.

Segundo Vygotsky, deve-se encontrar ou construir unidades de análise que permitam


analisar os processos complexos. Um exemplo: o conceito de mercadoria de Marx
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apresenta uma unidade de análise, com a qual se pode analisar a complexidade de uma
sociedade capitalista. Esta unidade é uma célula, com a qual se pode analisar todas as
relações desta sociedade.

3. A abordagem histórico-cultural apresenta uma perspectiva interdisciplinar ou


multidisciplinar.

4. A base desta perspectiva envolve sempre problemas sociais ou problemas práticos.


Um problema social sempre tem aspectos diferentes, como aspectos individuais,
psíquicos, culturais, materiais etc. Os próprios experts da interdisciplinaridade não
são encontrados nos estudiosos ou nos pesquisadores, mas nos práticos, que devem
resolver problemas práticos.

A partir daí podemos compreender melhor as palavras "cultural" e "histórico", com as


quais esta abordagem foi denominada.

"Cultural" significa que a sociedade organiza a partir do seu nível de


desenvolvimento os problemas e as tarefas com as quais cada indivíduo desta sociedade deve
confrontar-se. Isto significa também que a sociedade oferece as possibilidades e proibições do
acesso a todos os instrumentos e meios materiais e mentais que permitam soluções. Tanto as
possibilidades de acesso como de proibição são determinadas pelos grupos de poder que
controlam as sociedades, e isto não foi estudado exaustivamente na abordagem histórico-
cultural, talvez, devido aos problemas políticos existentes na época.

"Histórico" significa que estes meios e instrumentos foram elaborados em um longo


processo da história social dos homens.

A abordagem histórico-cultural era formada por uma equipe ligada principalmente à


"troika" de Vygotsky, Leont'ev e Lurija - mas também participavam dela vários outros
colaboradores, como Zaporozec, Boshovec, Morozova, Slavina e Levina e depois Elkonin de
Leningrado e Galperin de Charkov.

No contexto desta metodologia, as áreas de pesquisa são radicalmente determinadas pela


visão do “sujeito" como processo. Naturalmente o background político deste período foi
determinado por uma mudança total da sociedade. A abordagem histórico-cultural espelha a
indissolubilidade da relação entre o sujeito individual e a sociedade que o contém, numa
transformação permanente.
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3. A VIDA DE VYGOTSKY1

Para compreender as razões da obra de Vygotsky, suas ideias centrais, gostaria de


apresentar as etapas principais da sua vida, do seu percurso intelectual - e também o contexto
histórico e cultural na Rússia pós-revolucionária.

L.S. Vygotsky nasceu em 17 de novembro do ano de 1896 - no mesmo ano em que


Piaget - em Orsha, uma pequena cidade provinciana na Bielo Rússia. Era membro de uma
família judaica, sendo o segundo de oito filhos. No ano de 1897 a família se transferiu a
Gomel - sempre Bielo Rússia- onde o pai, uma pessoa muito culta e erudita, trabalhava como
executivo do banco local e também diretor de uma companhia de seguro. Sua mãe era
Professora formada, mas deixou a sua profissão para dedicar-se à cura e à criação dos filhos.

A família de Vygotsky propiciava um ambiente bastante desafiador em termos


intelectuais e quanto ao aspecto econômico uma estabilidade representada no contexto de uma
atmosfera de amor, gentileza para todos os filhos. A família morava num amplo apartamento
e podia oferecer oportunidades educacionais de alta qualidade aos filhos. A maior parte da
educação formal de Vygotsky não foi realizada na escola pública, mas sim em casa, com um
tutor privado, Salomon Ashpiz, que teve um grande influência em sua formação. Era um tutor
particular que tinha sido exilado na Sibéria, devido a seu ativismo revolucionário. Ele
conduzia o processo educacional com um método baseado em complexos diálogos socráticos.
Apenas aos 15 anos Vygotsky ingressou num colégio privado em Gomel, onde se formou
com um o maior possibilidade existente ali: a chamada “Moeda de Ouro”. Enquanto aluno se
interessou muito pelas letras de poesia e, sobretudo, por teatro, que muito freqüentava, sendo
os seus autores preferidos Puskin e A. Blok. Talvez esteja aqui a raiz do seu interesse com
todos os problemas de representação. Além do alemão e do russo, Vygotsky lia e escrevia em
hebraico, francês e inglês. Completando seus estudos no colégio, ainda aprendeu latim e
grego. À mesma época, Vygotsky presidiu um círculo de estudos de história judaica. Esta
atividade durou dois anos e eventualmente o levou a estudar Filosofia da História. Aqui
Vygotsky encontrou Hegel, e foi seduzido pela concepção da história.

Em 1913 ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Moscou, fazendo


curso de Direito e formou-se em 1917. Por ser judeu, Vygotsky teve enormes dificuldades
para ingressar na Universidade. Nessa época, na Rússia, os judeus sofriam as mais diferentes
formas de discriminação, tendo que viver em territórios restritos, impedidos de exercer muitas
1
Veja Van der Veer/Valsiner também G. Blanck em Moll e A Rosa /I. Montero em Moll e a biografia de Gita.
Vygodskaja.
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profissões e tendo que se sujeitar a um número limitado de vagas nas Universidades, uma vez
que na Universidade de Moscou apenas 3 % das vagas poderiam ser ocupadas por estudantes
judeus.

Neste período freqüentava cursos diferentes de Historia e Filosofia na Universidade do


Povo de Shaniavsky, onde se encontravam os intelectuais mais vivos e críticos de Moscou.
Esta universidade era uma instituição não oficial, criada em 1906 por A. Shaniavsky, depois
que o Ministro da Educação expulsou da Universidade Imperial e Moscou a maioria dos
estudantes que tinham participado de uma revolta anticzarista. Em protesto, cerca de cem
professores renomeados deixaram a universidade e se refugiaram na Universidade
Shaniavsky. Aqui Vygotsky obteve fundamentos sólidos em Filosofia, História e Psicologia.

Entre 1915-1917 Vygotsky escreveu o seu artigo sobre Hamlet, núcleo do seu
doutorado com o tema “A psicologia de arte”.

Em 1917, graduou-se simultaneamente em ambas as universidades e retornou para


Gomel, onde sua família estava vivendo. Em 1918, começou, em Gomel, a sua carreira
profissional, aos 21anos. Lá trabalhou como professor, uma profissão que agora lhe era
possível praticar, devido à abolição da legislação anti-semita, depois da Revolução de
Outubro. Vygotsky passou os sete anos seguintes em Gomel onde manteve ativamente a
continuidade de seus interesses intelectuais. Ele ensinou literatura e russo na Escola do
Trabalho, em escolas de adultos, em cursos de especialização de professores, na Faculdade
dos Trabalhadores e em escolas técnicas para impressores e metalúrgicos. Ao mesmo tempo
ministrou cursos de Lógica e Psicologia no Instituto Pedagógico sobre Estética e Historia da
Arte no Conservatório, e sobre Teatro em um estúdio, editou e publicou artigos na seção de
teatro de um jornal.

As atividades de Vygotsky durante seus anos em Gomel eram parte de um dos mais
importantes movimentos intelectuais de nosso século. Os intelectuais inovadores não apenas
se devotavam pessoalmente a um trabalho criativo específico, mas participavam do trabalho
de instituições. Kandinsky, por exemplo, era vice-presidente das Academias de Arte e
Ciências de Moscou. Malevich presidia a de Petrogrado, onde o arquiteto Tatlin, autor do
famoso monumento à Terceira Internacional, chefiava um Departamento. Chagall era
Ministro de Belas-Artes em Vitebsk. O versátil Rochenko organizava programas de Educação
Artística. Em Petrograd celebrava-se a “Semana de Sergej Prokoviev”. Shostakovich
representava seu país em certames internacionais. Meyerhold e Stanislavsky organizavam
teatros. Eisenstein trabalhava como dirigente do Instituto Estatal de Cinematográfica.
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Vygotsky estava no centro da vanguarda intelectual de Gomel. Ele deu início às


Segundas-feiras Literais, nas quais as prosas e as poesias recentes eram discutidas. Ele mesmo
presenteava palestras sobre Shakespeare, Pushkin, Maiakovski e sobre Einstein a teoria de
relatividade; sobre Freud, James e Pavlov. Fontes tão diferentes como Bacon, Descartes,
Spinoza, Feuerbach, Marx e Engels contribuíam para o pensamento de Vygotsky, tendo o
marxismo em geral se tornado a influência diretora do seu pensamento.

O interesse de Vygotsky pela Psicologia começou a delinear-se a partir de seu contato


no trabalho de formação de professores, com o os problemas de crianças com defeitos
congênitos, como cegueira, retardo mental severo, afasia etc. Essa experiência o estimulava a
encontrar que pudesse ajudar o desenvolvimento de crianças com essas deficiências. Na
verdade seu estudo sobre a deficiência - tema a que se dedicou durante toda a sua vida - tem
não só o objeto de reabilitar, mas também significa uma excelente oportunidade de
compreensão dos processos mentais humanos.

No ano de 1919 Vygotsky sofreu pela primeira vez de tuberculose, uma doença que o
levou a morte no ano de 1934.

O ano de 1924 significou um grande marco na sua vida, pois casou-se com Roza
Smelkova, com quem teve duas filhas e ao mesmo tempo se transferiu para Moscou.

Em 6 de Janeiro de 1924, freqüentou o Congresso internacional de Psico-neurologia


em Petrograd e apresentou uma palestra com o titulo “A metodologia da investigação
reflexológica e psicológica”. O seu posterior amigo e aluno A.R. Lurija descreveu este evento
na sua autobiografia, assim:

“Sem dúvida Vygotsky era um gênio. Depois de mais de 50 anos de


trabalho cientifico não saberia denominar uma outra pessoa que chegasse
perto a sua lucidez mental e a sua capacidade incrível de clarificar
problemas complexos, de escolher e desenvolver uma linha adequada e
de antecipar as etapas futuras do desenvolvimento da ciência. Encontrei
Vygotsky pela primeira vez em 1924 no Segundo Congresso de
Neuropsicologia. Eu vi este jovem subir ao palanque sem nenhuma folha
para anotações. A clareza da sua palestra tratando alguns problemas
fundamentais entre os reflexos condicionados e o comportamento
humano consciente. Lembro da inesquecível facilidade e segurança das
suas palavras -Vygotsky era um orador dotado - deixara uma impressão
profunda no auditório. Ficou claro que este desconhecido estudioso,
vindo da uma pequena cidade de província, da Rússia, Gomel ficaria em
pouco tempo uma pessoa dominante na psicologia e pedagogia
soviética.”
Graças a esta comunicação Vygotsky foi convidado a trabalhar no Instituto de
Psicologia de Moscou. Em outubro organizou o seminário “A consciência: um problema da
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psicologia do comportamento” e a colaborar junto com A.N. Leont’ev a A. R. Lurija que já


trabalhava neste Instituto. Aqui, assumiu a direção do Departamento de Educação das
crianças cegas, surdas-mudas e com retardo mental.

Em 1925, Vygotsky participou do Congresso Internacional sobre Educação dos


surdos-mudos em Londres. Ele visitou institutos psicológicos e pedagógicos na França,
Holanda e Alemanha (Berlim). Retornando a Moscou, Vygotsky fundou um laboratório de
Psicologia de crianças com deficiências (Instituto de Estudo das Deficiências), ao qual se
manteve ligado ao longo de toda a vida.

Junto com Lurija, escreveu o prefácio para a tradução de uma obra principal de Freud:
“ Além de princípio do prazer” de Freud. Vygotsky terminou “A psicologia de arte” como
tese de seu doutorado no Instituto de Psicologia. Novamente doente, escreveu durante a sua
enfermidade o famoso livro “O sentido histórico da crise da psicologia”. Em 1926 publicou
“A psicologia pedagógica” e “A Gráfica de A. Bychowskij.” E também publicou neste ano
“Psicologia da idade escolar” e muitos outros artigos para a “Grande Enciclopédia Médica
soviética”. Nessa fase se dedicou mais ao estudo da aprendizagem e do desenvolvimento
infantil numa área mais abrangente do que a psicologia, a assim chamada “Pedologia” -
ciência da criança que tenta integrar os aspectos biológicos, psicológicos e antropológicos.
Vygotsky considerava essa disciplina nova como sendo a ciência básica do desenvolvimento
humano, uma síntese das diferentes disciplinas que estudam a criança. Ao mesmo tempo
criticava ferozmente esta abordagem na sua forma atual, devido a falta total de uma
perspectiva integral, uma síntese das disciplinas diferentes.

Em 1929, partiu para Tashkent, na Uzbekistan, para presentear cursos de formação de


professores e de psicólogos das regiões asiáticas. Em 1930 ele e Lurija escreveram “Estudos
sobre a história do comportamento: o macaco, o primitivo e a criança”. Seu interesse nas
variações dos processos mentais superiores entre pessoas de diferentes culturas levou-o a
planejar uma pesquisa transcultural conduzida no Uzbequistao em 1931 e 1932. Vygotsky não
participou das expedições, que foram lideradas por Lurija, sendo os relatos publicados muitos
anos depois da sua morte, editorados em 1976, e em português, no ano de 1996.

Também juntamente com Lurija, organizou uma palestra para o IX Congresso


Internacional de Psicologia em New Havem nos Estados Unidos, com o titulo “The function
and the fate of the egocentrical speech” apresentando uma análise crítica da teoria piagetiana.
Porém, eles não viajaram para Havem, mas publicaram um artigo importante na Revista
“Journal of the Genetic Psycology”, onde Vygotsky apresentou pela primeira vez a sua teoria
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sobre “desenvolvimento” cultural da criança - um artigo que ficou famoso com a “teoria
histórico-cultural”.

No período de 1924 a 1934, Vygotsky escreveu alguns importantes trabalhos, entre


eles: Os princípios da educação social de crianças surdas-mudas (1925), O consciente como
problema da psicologia do comportamento (1925), A pedologia das crianças em idade
escolar (1928), A história de desenvolvimento das funções psicológicas superiores (1931),
Lições de psicologia (1932), Fundamentos da pedologia (1934), Pensamento e linguagem
(1934), Desenvolvimento mental da criança durante a educação (1935), A criança retardada
(1935).

De 1924 até o ano de sua morte, apesar da doença e das freqüentes hospitalizações,
Vygotsky demonstrou um ritmo de produção intelectual excepcional. Ao longo desses anos,
além de amadurecer seu programa de pesquisa, continuou lecionando, lendo, escrevendo e
desenvolvendo importantes investigações. Liderou um grupo de jovens cientistas,
pesquisadores da psicologia e das anormalidades físicas e mentais.

Nos anos posteriores, Vygotsky realizou a tradução das obras de Karlo Bühler, W.
Köhler, de A. Gesell e de Jean Piaget. Juntamente com Lurija e o diretor de cinema Sergej
Eizenstein (Ejzenstejn) e o Linguista J. Marr, Vygotsky organizou um seminário: “A
psicologia e a semiótica do cinema”.

A partir do ano de 1931, a obra de Vygotsky começou a receber sérias críticas


políticas pelas autoridades soviéticas. Em 1934 ele publicou junto com outros autores a obra
O fascismo na neuropsicologia, criticando as teorias eugenéticas e razoais. Escreveu
importantes artigos sobre a periodização do desenvolvimento da criança e sobre o retardo
mental.

Depois, gravemente doente, Vygotsky ditou da sua cama os últimos capítulos de


Pensamento e linguagem. Morreu em 11 de Junho de 1934. Após a sua morte, Vygotsky teve
proibida a publicação de suas obras na União Soviética, no período de 1936 a 1956, devido à
censura do regime estalinista, sendo também, por um longo período ignorado no ocidente.

Vygotsky começou a ser redescoberto a partir de 1956, com a reedição do livro


Pensamento e linguagem. As idéias do autor, puderam ser conhecidas no Ocidente a partir de
1962, com a primeira edição Americana do Pensamento e linguagem (Bruner).

Mas, qual Vygotsky foi apresentado?


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Foi construída uma imagem bastante linear e unilateral de Vygotsky. Na edição russa
de 1956 o texto de Vygotsky foi censurado com uma tarefa precisa: Foram eliminadas todas
as referências a Freud, Sapir, aos pedólogos, a Blonskij; depois foi mudada a palavra
pedologia para pedagogia, substituindo a palavra “teste” usada nas pesquisas da pedologia
pela palavra “tarefa”. Foram introduzidas modificações onde Vygotsky não as tinha previsto,
da mesma forma eliminando-as, onde eram previstas etc.

Também no ocidente se confeccionou a tradução de um outro Vygotsky, na visão dos


americanos. Vygotsky foi rigidamente censurado, com uma tarefa precisa: eliminar todas as
referências a Marx, Engels e Lenin; simplificar os parágrafos filosóficos; cortar e desaparecer
(seu livro que tinha aproximadamente 300 páginas foi reduzido a 150).

Em 1982 começou a publicação russa de uma coleção das obras de Vygotsky,


contendo seis volumes.

As obras de Vygotsky mais lidas até hoje foram aquelas publicadas durante a sua vida,
sendo aquelas que documentaram a sua atividade concreta nestes anos ficando ausentes de
publicação.

Novamente se apresentava uma imagem de um grande pedagogo e psicólogo, uma


imagem de um “gênio”, um psicólogo morto cedo demais, cheio de idéias e fantasias , um
Vygotsky como um “Mozart de Psicologia” assim batizava o filósofo americano Toulmin, ao
referendar Vygotsky.

Para mim, as tarefas para os estudiosos são publicar as suas obras em edições sérias e
fundadas e...

- reconquistar Vygotsky como autor e escritor excelente da crítica de letras modernas e de arte
moderna,

- reconquistar um Vygotsky como amigo de Ejzenstejn (regista), Ehrenburg, Mandelstam,


Pasternak e Stanislwaskij,

- reconquistar o Vygotsky, que era comissário do povo, marxista, colaborador de Lunarcarskij


(ministro de cultura e formação no governo de Lenin),

- reconquistar o Vygotsky, que é pedagogo aceito no campo nacional - ocupando-se dos


direitos das minorias nacionais para conservar e salvar a própria cultura deles,

- reconquistar o Vygotsky, que é o combatente para uma reabilitação das crianças deficientes -
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Em suma, reconquistar um Vygotsky que é um grande protagonista das lutas sociais e


culturais num período importante da história do mundo.

Gostaria muito de discutir nesse texto a seguinte questão, ou seja: qual seria o sentido central
de Vygotsky para o nosso presente?
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4. O núcleo de abordagem de Vygotsky: o problema da mediação cultural

A tese principal na abordagem de Vygotsky centra-se em:

As relações dos homens com o mundo não são relações diretas, mas
profundamente relações mediadas. A transformação do mundo material, mediante o
emprego de ferramentas, estabelece as condições da própria atividade humana e sua
transformação qualitativa em consciência. A atividade do homem é pressuposto desta
transformação e ao mesmo tempo o resultado dela.

A base dessa tese apresenta as concepções de Frd. Engels sobre o trabalho humano e o
uso de instrumentos. O instrumento simboliza especificamente a atividade humana, a
transformação da natureza pelo homem e que, ao fazê-lo, transforma a si mesmo.

Vygotsky estendeu esse conceito de mediação na interação homem-natureza pelo uso


de instrumentos ao uso de signos.

4.1. O papel dos instrumentos e os signos

Os instrumentos são elementos externos ao indivíduo, construídos fora dele; sua


função é provocar mudança nos objetos, controlar processos da natureza. Os signos, por sua
vez, também chamados por Vygotsky de "instrumentos psicológicos" são orientados para o
próprio sujeito, para dentro do indivíduo; dirigem-se ao controle de ações psicológicas, seja
do próprio indivíduo, seja de outras pessoas.

Na sua forma mais elementar, o signo é uma marca externa, que auxilia o homem nas
tarefas que exigem memória ou atenção. Pode-se, por exemplo, usar pedras para registro e
controle da contagem de cabeças de gado. As pedras aqui representam a quantidade de
cabeças de gado, a que pode ser recuperada em momentos posteriores. Neste sentido, as
pedras são signos, quer dizer: são interpretáveis como representações da realidade e podem
referir-se a elementos, objetos, processos e outros fenômenos ausentes do espaço e do tempo.
A memória, neste caso, é mediada por signos e assim, mais poderosa do que uma memória
imediata. São inúmeras as formas de utilizar signos como instrumentos psicológicos: Fazer
um nó num lenço para não esquecer um compromisso, fazer uma lista do compras etc. Os
signos e o uso deles dependem sempre de um contexto social e histórico. Os incas, por
exemplo, usaram Quipus para registrar informações sobre quantidades e outros fatos da vida
quotidiana.
17

Essas afirmativas nos leva a perguntar: quais são os efeitos fundamentais quando os
seres humanos usam signos como instrumentos psicológicos?

Aqui encontramos o núcleo da abordagem de Vygotsky: o que aparece absolutamente


individual, como os nossos pensamentos, as nossas emoções e afetos, a nossa fantasia, a nossa
vontade, a nossa memória têm no fundo uma base social e cultural.

No uso dos instrumentos concretos e dos instrumentos psicológicos Vygotsky busca a


chave para compreender e entender numa radicalidade nova, numa qualidade nova

- a relação entre indivíduo e sociedade

- a gênese social da consciência humana

- o que é um sujeito

Os instrumentos têm uma função mediadora: eles são mediadores entre a atividade do
sujeito com o objeto. Um meio faz parte do sujeito, as suas origens foram construídas pela
atividade do sujeito, mas ao mesmo tempo se diferenciam do sujeito porque, numa certa
perspectiva, o meio é também parte do objeto, espelha certas qualidades destes objetos com os
quais tem uma relação.

Os instrumentos e os signos aparecem juntos desde o início da história dos homens.


Segundo a Antropologia moderna, instrumentos e signos têm uma origem comum. Isto é: o
trabalho humano. Para construir um instrumento é necessário como propósito um sistema de
signos e vice-versa. Construir signos significa o pressuposto do contexto social do uso dos
instrumentos, porque construir instrumentos não é um ato individual, mas, fundamentalmente,
um ato social.

O instrumento permite uma relação dinâmica entre o homem e a natureza, entre o


trabalho humano e a modificação de um meio social, de um meio ambiente.

O machado, por exemplo, corta mais e melhor que a mão humana. O instrumento é
feito especialmente para um certo objetivo. Ele carrega consigo, portanto, a função para a qual
foi criada e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo. É, pois,
um objeto social e mediador da relação entre os indivíduos e o mundo deles.

Um dos primeiros instrumentos conhecidos da pré-história foram os machados de


pedra. Estes instrumentos representavam soluções materiais de um problema geral de dividir
comida (carne). Eles resultaram da tarefa de dividir animais mortos. O importante é que os
instrumentos evidenciaram uma forma social de vida, que poderia ser descrita como
colaboração e corporação.
18

Por outro lado, os signos representam soluções aos problemas de comunicação e


coordenação sobre objetos e situações. Signos, então, representam uma materialização das
soluções dos problemas de comunicação e coordenação, como por exemplo: o sistema dos
gestos, talvez o primeiro sistema de linguagem humana.

Segundo Vygotsky (1984):

A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um


dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher etc.)
é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo
psicológico. O signo age como um instrumento de atividade psicológica de
maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho.
Ao longo da sua história o homem tem utilizado signos como instrumentos
psicológicos em diversas situações.

Talvez o signo mais arcaico seja o gesto.

O gesto traz dentro de si três resultados: objetivação, subjetivação e comunicabilidade


dos meios e seus respectivos signos. Por exemplo: numa caça na savana alta, um caçador
indica com seu gesto a um outro caçador, que está impedido de ver, onde está o animal a ser
caçado. O primeiro caçador está transformando a sua percepção num processo motorio-
operativo: o de indicar com a sua mão. A estrutura desta operação deve ser construída de
modo que resulte numa percepção semelhante à do segundo caçador. Deve-se, então, ser
construída uma analogia entre o gesto próprio e a sua percepção pelo outro caçador, para que
disto resulte uma comunicação extensível.

Neste contexto, o gesto significa um meio importantíssimo para vivenciar as distâncias


simbolicamente, ou seja, o primeiro caçador olha o animal e em vez de correr para matá-lo,
faz um gesto transformando o seu ato de percepção numa operação motora, criando, assim,
uma distância entre si e o animal de presa. O caçador agora não vê o animal como se fosse o
caçador, mas ele o vê com os olhos dos outros, quer dizer, o caçador vê assim um objeto (o
animal) como um objeto, nos seus aspectos objetivos. A base desta objetivação são as
relações com as outras pessoas, numa atividade comum e conjunta. Os animais são incapazes,
tanto de realizar uma distância simbólica, quanto de estabelecer uma relação mediada por
signos ou instrumentos.

O caçador desta caçada pode ver-se a si mesmo como um sujeito desta atividade, isto
é, a subjetivação de si mesmo através do gesto que comunica aos outros o que ele viu.
19

Esta operação do gesto tem um caráter de: repetível e disponível, no sentido de dizer
que é um signo, portanto, um meio de comunicação, de colaboração e cooperação, tendo por
sustento ou base um sistema social comum. Todas as três realizações e funções ficam
possíveis somente com a base das relações sociais.

4.2. O processo de internalização

Ao longo da evolução da espécie humana, como também do desenvolvimento de cada


indivíduo, ocorre, entretanto, uma mudança qualitativa e fundamental no uso dos signos. A
utilização de marcas externas vai se transformar em processos internos de mediação no uso
dos signos. Esse processo é reconhecido por Vygotsky como processo de construção das
funções superiores e esse mecanismo é chamado por ele o mecanismo de internalização
ou também Interiorização.

Funções elementares são funções como reflexos, reações automáticas e associações


simples, mas também pensar, memorizar perceber etc.: todas essas funções são determinadas
imediatamente e automaticamente pelos estímulos externos (ambiente) ou internos, baseados
nas necessidades biológicas.

Funções psicológicos superiores caracterizam o funcionamento psicológico


tipicamente humano: ações conscientemente controladas, atenção voluntária, memorização
ativa, pensamento abstrato, ação intensional.

Como e na qual forma e maneira se desenvolvem essas funções superiores?

O princípio da origem social das funções psicológicas superiores constitui a pedra


angular dos trabalhos de Vygotsky. Esse princípio não está no nível das funções elementares
ou naturais. As funções superiores não se desenvolvem organicamente passo a passo num
processo de maturação, partindo do nível das funções elementares. Esse princípio constitui,
segundo Vygotsky, a lei genética geral do desenvolvimento cultural. O processo de
desenvolvimento do ser humano, marcado por sua inserção em determinado grupo cultural, se
dá "de fora para dentro”: "Todas as funções do desenvolvimento da criança aparecem
duas vezes ou em dois planos. Primeiro aparece no plano social e depois no plano
psicológico, primeiro entre pessoas (interpsicológico) e depois no interior da criança
(intrapsicológico)" (Vygotsky 1984, p. 64).

Todas as funções superiores têm as suas origens em processos sociais. Conseguimos


compreender a qualidade humana destas funções só se compreendermos os instrumentos e os
20

signos que as mediam. Estes meios são sempre meios culturais e históricos. Eles têm um
caráter material e exterior, que marcam as relações interpessoais dos homens nas quais são
usadas.

Vygotsky utiliza o desenvolvimento do gesto de apontar, na criança, como um


exemplo que ilustra este processo de internalização, destacando três fases:

A primeira fase trata-se de um simples movimento espontâneo da criança orientado a


um determinado objeto que ela não consegue alcançar. Inicialmente o bebê de seis ou sete
meses tenta pegar com a mão um objeto - um chocalho por exemplo - que está fora do seu
alcance. Estica a mão na direção do chocalho, fazendo no ar um movimento de pegar, sem
conseguir tocá-lo. Do ponto de vista do bebê, este é um gesto dirigido ao chocalho, uma
relação externa entre ele e esse alvo, uma tentativa mal sucedida de alcançar um objeto.

Na segunda fase, o outro, neste caso identificado como a mãe, interpreta esse
movimento atribuindo-lhe uma significação (indicador do desejo da criança). Assim ocorre
uma transformação na situação. Observando a tentativa da criança de pegar o chocalho, a mãe
provavelmente reage, dando o brinquedo para a criança. Na verdade estará interpretando
aquele movimento malsucedido de pegar um objeto como tendo o significado "eu quero
aquele chocalho". Isto converte o movimento em gesto ou em signo para o outro, embora
não o seja ainda para a criança. Como resultado, esta atinge o objeto que deseja, não de forma
direta, mas pela mediação do outro.

Por fim, na terceira fase, a criança capta, numa experiência pessoal, o significado que
o seu movimento tem para o outro, convertendo-o assim em signo para ela. Dessa maneira,
quando desejar de novo o objeto, em vez de indicá-lo ao outro, a criança se dirige a ele, a
pessoa, em forma de pergunta, como mediador entre ela e o objeto. Ao longo de várias
experiências semelhantes, a própria criança começa a incorporar o significado atribuído pelo
adulto à situação e a compreender seu próprio gesto como sendo um gesto de apontar um
objeto desejado.

Aquele movimento de pegar se transforma no ato de apontar, com uma interação


orientada não mais para o objeto, mas para a outra pessoa. O significado do gesto é
inicialmente estabelecido por uma situação objetiva e social, depois interpretado pelas pessoas
que cercam a criança e, a seguir, incorporado pela própria criança, a partir das interpretações
dos outros. Isso apresenta um exemplo principal ou, também, um modelo que esclarece o
processo e a estrutura da mediação. Agora se precisa esclarecer a qualidade cultural da
mediação.
21

Os seres humanos vivem em um ambiente transformado pelos artefatos das gerações


anteriores, estendendo-se até o início da espécie humana. A função básica desses artefatos é
coordenar os seres humanos com o mundo físico e uns com os outros. Os seres humanos
habitam um “mundo duplo”, ao mesmo tempo “natural” e “artificial”. A cultura, nesse
sentido, deve ser considerada o único meio da existência humana. A mediação cultural
constitui um fato universal de nossa espécie. Com certeza não universal é o desenvolvimento
de formas especificas de mediação, as formas específicas de atividade empregando meios
específicos de mediação. Todas as culturas conhecidas do homem elaboram um potencial
básico de linguagem e de uso de instrumentos, mas nem todas as culturas desenvolveram as
formas de atividades que têm a ver com uma escolarização formal.

Os artefatos culturais são simultaneamente idéais (conceituais) e materiais. São idéias


na medida em que contam, na forma codificada, as interações das quais eles previamente
fizeram parte. Tais artefatos existem apenas na medida em que estejam corporificados na
materialidade.

Vygotsky nega a existência de qualquer diferença genética ou biológica entre os


membros de diferentes culturas. Ao contrário de pensadores contemporâneos como Levi-
Strauss, ele achava que o pensamento das pessoas pertencentes a diferentes culturas diferia de
maneira fundamental. Tanto o conteúdo como a forma do pensamento humano se bastam nos
sistemas dos instrumentos e dos instrumentos psicológicos disponíveis.

Uma criança nunca nasce imediatamente integrada na sua cultura. Esta integração, nas
condições culturais, não é tão simples quanto vestir roupas novas: ela é acompanhada por
transformações profundas no comportamento, pela formação de seus mecanismos novos,
fundamentais e específicos.

Podemos resumir os aspectos seguintes:

1. Mediação cultural pelos instrumentos e signos não é apenas uma idéia psicológica,
mas sim uma idéia que quebra todos os muros, que separa o indivíduo da sociedade, a
consciência individual da cultura e sociedade.

2. Os homens não são controlados “de fora”, quer dizer pela sociedade. Os homens
também não são controlados de dentro, quer dizer, pela sua herança biológica. Nos homens
podemos controlar o nosso próprio comportamento, no “entre” usando e criando meios,
instrumentos e signos.

3. O núcleo mais único, íntimo e subjetivo de cada indivíduo, a consciência deles é de


natureza social e cultural. A construção deste núcleo não é um processo de copiar uma
22

realidade externa e social. Ao contrário, a consciência é um processo ativo, onde o indivíduo


se constrói como sujeito, transformando as relações sociais em funções psicológicas
superiores. A consciência é um contato social do indivíduo consigo mesmo e com a realidade.

4. O que é o sujeito não representa o resultado do seu ambiente social. Ao contrário,


no fundo o sujeito é o resultado da sua própria atividade. Através dos instrumentos e signos
essa atividade é histórica, social e cultural.

4.3. Pensamento e Linguagem

A questão principal: A relação entre pensamento e linguagem constitui um dos


problemas mais complexos - pensamento e linguagem constituem uma unidade ou serão
funções diferentes e separadas? A linguagem desempenha um papel ativo no pensamento?
Existe pensamento “puro” sem linguagem?

A teoria de Piaget prioriza as estruturas operatórias do pensamento; o papel da linguagem,


no desenvolvimento do pensamento, tem um lugar secundário. O diálogo durante duas
décadas: a discussão entre Piaget e Chomsky. Piaget - a superioridade das estruturas
cognitivas em relação à linguagem / Chomsky partindo duma visão racionaliza: o papel da
linguagem nas estruturas lingüísticas. Ambos tem uma perspectiva dualista, ambos tem uma
preocupação com os universais.

Para Vygotsky a linguagem não apresenta um sistema lingüístico de estrutura formal e


abstrata, ela é constituidora do sujeito. O enfoque de Vygotsky é a relação entre linguagem e
pensamento, buscando a unidade dinâmica dessa relação. Esta problemática foi sempre
subestimada na psicologia tradicional, ignorando a real importância do processo da evolução
do homem e suas relações com a ontogênese humana.

Eis algumas pontuações significativas:

• Nas posições clássicas: a relação entre pensamento e linguagem é uma relação estável
e invariável ao longo do desenvolvimento

• Para Vygotsky.: a conexão é originaria para o desenvolvimento do sujeito evoluindo


ao longo (?) dele, num processo dinâmico.
23

• Pensamento e linguagem têm - na filogênese e na ontogênese - raízes diferentes, mas


se sintetizam dialeticamente no desenvolvimento.

• Na criança pequena o pensamento evolui sem a linguagem. A função social da fala


ocorre desde os primeiros meses da criança.

• Existe assim, uma linguagem pré-intelectual e um pensamento pré-linguistico. Ao dois


anos de idade (aproximadamente) este pensamento e esta fala se encontram e se
juntam surgindo um novo tipo de organização linguístico-cognitivo. O aspecto mais
marcante deste período do desenvolvimento infantil é o surgimento da representação
simbólica

• Uma descrição ajuda nessa compreensão: A criança Lúcia que tem dois anos e cinco
meses prepara um banho para uma outra criança Jaqueline, sua irmã: “Um talo de erva
faz às vezes de termômetro de água, a banheira é uma caixa e a água conserva-se em
estado de afirmação verbal. Em seguida Jaqueline mergulha o termômetro no banho,
acha que a água quente demais aguarda uns instantes e volta a meter o talo de erva na
caixa“. Agora está bem, mas que sorte”. Aproxima-se então de Lúcia (na realidade) e
faz de conta que lhe tira o avental, o vestido, a camisa, fazendo os gestos, mas sem
tocar na roupa da irmã”(Piaget: A formação do símbolo na criança. Imitação, jogo e
sonho, imagem e representação(1964) Rio de Janeiro 1990, 166f).
Vygotskij dá uma importância enorme à linguagem na constituição das formas mais abstrata do
pensamento e da consciência. A atividade do sujeito é considerada, pois, não no isolamento das relações do
sujeito com os objetos do mundo físico, mas na interação primordialmente medida pelos signos lingüísticos
culturalmente construídos nas interações sociais. Esta é a primeira e mais radical diferença entre estes Vygotskij
e Piaget.

Fala significado e sentido

A função primordial da fala tanto das crianças tanto dos adultos é a comunicação, o
contato social. Numa certa idade a fala social da criança se divide muito nitidamente em fala
egocêntrica e fala significativa. Tanto uma como a outra são social, embora suas funções
sejam diferentes.

De 02 à 07 anos estas duas funções coexistem, sem que a criança seja capaz de
diferencia-las com nitidez. A fala comunicativa tem uma função externa de coordenar e dirigir
seus pensamentos. A criança não sendo capaz de diferenciar essas duas funções da linguagem,
fala alto sobre seus planos interiores e ações e, portanto, as atitudes egocêntricas observadas
neste período reviam a dificuldade da criança em separar com nitidez a fala parar si mesma e
a fala dirigida para o outro.
24

Piaget descreve o egocentrismo como ocupando uma posição genética, estrutural e


funcional entre o pensamento autístico e o pensamento dirigido, realístico. Para Piaget as
conversações infantis caracterizam-se por fala egocêntrica e fala socializada. Vygotskij
discorda radicalmente desta interpretação de Piaget, para ele a fala egocêntrica tem um papel
fundamental na atividade de criança, assumindo uma função diretiva estratégica e
transformando a atividade infantil ao nível de um pensamento intensional.

A fala egocêntrica constitui um estágio transitório na evolução da fala oral para a fala
interior. O destino da linguagem egocêntrica é, pois, tornar-se linguagem interior. Na
linguagem as experiências socio-culturais têm sua expressão fundamental. O papel central
destas experiências na constituição nas formas subjetivistas de representação e com
compreensão da realidade da criança. A criança adquire conhecimentos sociais, ao mesmo
tempo em que constrói sua própria subjetividade. Através do conceito de pensamento verbal
Vygotskij rompe com as limitações impostas pela dualidade de linguagem e pensamento.
Em outras palavras: o significado passa para o primeiro plano. A fala interior opera
principalmente com a semântica, numa relação de predomínio do sentido de uma palavra
sobre o significado.

Para Vygotsky, o sentido de uma palavra é um todo complexo, fluido e dinâmico para
onde converge a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta, enquanto o
significado é apenas uma das zonas do sentido, a mais estável e precisa, a dicionarizável. É o
contexto é que dá sentido a palavra: assim em contextos diferentes o sentido se altera e o
significado permanece estável ao longo de todas as alterações de sentido.

A regra da fala interior é o predomínio do sentido sobre o significado, da frase sobre a


palavra, do contexto sobre a frase:“[...] enquanto na fala exterior o pensamento é expresso por
palavras, na fala interior as palavras morrem à medida que geram o pensamento que expressa
significados puros. É algo dinâmico, instável e inconstante que flutua entre a palavra e o
pensamento, os dois componentes, mais ou menos estáveis, mais ou menos solidamente
delineados do pensamento verbal” (VYGOTSKY, 1987, p. 128)

Um outro aspecto fundamental é a tendência afetivo-volitiva que no ato de


comunicação, permite a compreensão do outro. Na medida em que o ato de comunicação só
pode ocorrer de forma indireta, ou seja, o pensamento passa pelo significado e depois pelas
palavras - nossa fala contém sempre um pensamento oculto, um subtexto. Todo pensamento
encerra desejos, necessidades, interesses, emoções e a compreensão do pensamento do outro
depende, exatamente, da interação do ouvinte com essa base afetivo-volitiva.
25

Não basta ouvir para compreender. A compreensão depende da interação que os


indivíduos conseguem estabelecer entre o verbal e o não verbal, entre a palavra e o afetivo-
emocional que flui em toda a comunicação.

Vygotsky mostra que há um potencial de sentido em cada pessoa, que necessita ser
desvendado. Assim, a criança precisa iniciar-se num contexto verbal e semântico possível
para revelar-se como sujeito (a importância dessa universalidade: essa base emocional-
volitiva faz todos os seres humanos iguais, ao mesmo tempo que os diferencia)

Vygotsky não concebe o sujeito a partir do discurso lógico que ele é capaz de realizar -
como Piaget. Mas enfatiza o papel que este sujeito assume na sociedade, na medida em que
cria, constrói, transforma sentidos, as interações dialógicas que estabelece (Para Piaget o
sujeito é fundamentalmente epistêmico, portanto da cognição – Para Vygotsky o sujeito é
social e, portanto, se constitui na história e na cultura - a base das emoções e afetos, é o
espaço do sentido como principal tarefa do homem)

Vygotsky assume uma concepção de conhecimento muito mais ampla: conhecimento é


produção cultural que inclui os conhecimentos ditos científicos ou lógico-matemáticos, mas a
eles não se reduz.. Assim, o aspecto mais importante do desenvolvimento da criança é o
processo pelo qual ela se apropria da experiência acumulada pelo gênero humano da história
social. A interiorização dos conteúdos se dá principalmente pela linguagem, pois é ela que faz
com que a natureza social das pessoas se torne igualmente sua natureza psicológica.

Para Piaget: a linguagem é iniciadora do pensamento de um sujeito cognitivo, para


Vygotsky a linguagem abre a porta para toda a produção cultural, artística e simbólica de um
sujeito e assim para si mesmo.

Quando o pensamento se torna verbal e a linguagem racional ou intelectual, a criança


começa a perceber o propósito da fala e que cada coisa tem um nome. A fala começa a servir
ao intelecto e o pensamento começa a sentir a necessidade das palavras, tentando aprender os
signos: é a descoberta da função simbólica da palavra.

As posições tradicionais compreendiam pensamento - linguagem como elementos de


desenvolvimento autônomos ou então reduzidos às explicações de hábitos e reflexos.

A necessidade de definir uma unidade de análise adequada para estudar as relações


entre pensamento e linguagem evidenciou uma unidade contendo a propriedade do todo: o
significado da palavra. O significado é um fenômeno de cada palavra - sem significado - a
26

palavra é um som vazio. É um fenômeno do pensamento: o significado de cada palavra é uma


generalização, um conceito que, por sua vez, são atos do pensamento.

Para Vygotsky (1987, p. 94): “O significado é fenômeno do pensamento apenas


quando o pensamento ganha corpo por meio da fala e só é fenômeno da fala na medida em
que a palavra está ligada ao pensamento, sendo iluminada por ele. Portanto, a união palavra e
pensamento é um fenômeno do pensamento verbal e da fala significativa.”

Nessa perspectiva, precisamos evidenciar em Vygostky:

• Significado das palavras evolui: o pensamento verbal partindo de generalizações primitivas


chega ao nível dos conceitos mais abstratos.

• O conteúdo não se altera, mas sim o modo pelo qual a realidade é generalizada e pensada
numa palavra.

• A relação palavra e pensamento tem que ser considerada como um processo vivo: O
pensamento nasce através das palavras.

• O pensamento não é simplesmente expressão em palavras: é por meio delas que ele passa a
existir.

• A chave para compreender a relação entre pensamento e linguagem é a fala interior.

• A fala interior não é propriamente uma fala, mas uma atividade intelectual e afetiva-
volitiva. Ela tem uma forma específica, leis próprias e mantém relações com outras formas
de atividade da fala. Ela é uma fala para si mesmo, não é antecedente da fala exterior, nem
reprodução desta. Ela interioriza-se em pensamento.

• A fala egocêntrica (termo cunhado inicialmente por Piaget e reconsiderado por Vygostky)
tem um papel fundamental na atividade da criança: a função diretiva estratégica de
transformar sua atividade em um pensamento intensional. Representa o estágio transitório
na evolução da fala oral para a fala interior. Essa evolução se processa de uma fala exterior
para uma fala egocêntrica e desta para uma fala interior, isto é, do social ao individual.

• A oralidade diminui, decresce, seguindo-se o desenvolvimento de uma abstração do som e


a aquisição de uma nova capacidade: pensar as palavras ao invés de pronunciá-las. A
fala interior opera, pois, com a semântica e não com a fonética. O significado assume o
primeiro plano. A sintaxe simplificada de aspecto condensado, os números de palavras são
reduzidos, com tendência à predicação.
27

Podemos pensar em três propriedades:

1. O predomínio do sentido de uma palavra sobre o seu significado. “O sentido de uma


palavra é a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa
consciência (VYGOTSKY, 1987e). A palavra adquire o seu sentido no contexto em que
surge, dando à palavra um novo conteúdo. O sentido da palavra modifica-se de acordo com
as situações e a mente de quem a utiliza. Na fala “interior” há o predomínio do sentido
sobre o significado, da frase sobre a palavra, do contexto sobre a frase.

2. A aglutinação: combinação de palavras para expressar idéias complexas.

3. O modo pelo qual os sentidos se combinam e se unificam. Uma única palavra pode ter
vários sentidos.

A fala interior é o plano específico do pensamento verbal: é o pensamento ligado por


palavras. A passagem de fala interior é um processo complexo e dinâmico de transformação
da estrutura simplificada condensada, da fala interior em fala sintaticamente articulada,
inteligível e comunicável para os outros.

Enquanto na fala exterior o pensamento é expresso em palavras - a fala interior é em


grande parte um pensamento que expressa significados puros. Os dois processos, pensamento
e fala não são idênticos e não há uma correspondência entre as unidades do pensamento e a
fala. O pensamento não consiste em unidades separadas. Ele está presente em sua totalidade,
mas a fala se desenvolve em uma seqüência. A transição do pensamento para a palavra passa
pelo significado. Um pensamento pode ser expresso por várias frases e uma frase pode
expressar vários pensamentos.

Nessa perspectiva, a linguagem é um fator importante para o desenvolvimento mental


da criança, pois possui uma função organizadora e planejadora do seu pensamento e tem
também uma função social e comunicativa.

A criança entra em contato com o conhecimento humano. Ela se apropria da


experiência acumulada pelo gênero humano no discurso da história social. A construção do
sujeito e da sua consciência é em si mesma uma construção social (a consciência é um contato
social consigo mesmo e com a realidade).
28

Para Vygotsky, a relação pensamento-linguagem é a chave para a compreensão da


natureza da consciência humana. “A consciência é refletida na palavra como o sol se reflete
na gota de água: uma palavra é um microcosmo da consciência humana.”

Segundo Freitas (1995), a linguagem é entendida como o mais importante esquema de


mediação do comportamento humano.

Conceitos espontâneos e científicos

Conceitos espontâneos (cotidianos) se originam da experiência concreta e cotidiana


das crianças. Estes se referem àqueles conceitos construídos a partir da observação,
manipulação e vivência direta da criança. Por exemplo, a partir de seu dia a dia, a criança
pode construir o conceito gato. Esta palavra resume e generaliza as características deste
animal - o tamanho, a raça, a cor não importa.

Conceitos científicos (verdadeiros) se originam de eventos não diretamente acessíveis


à observação ou ação imediata da criança: são os conhecimentos sistematizados, adquiridos
nas interações escolarizadas. Por exemplo, o conceito “gato” pode ser ampliado e tornar-se
ainda mais abstrato e abrangente. Será incluído num sistema conceitual de abstrações graduais
com diferentes graus de generalização: gato, vertebrado, animal, ser vivo. Partindo do objeto
concreto “gato”, estas palavras constituem uma conseqüência de conceitos adquirindo cada
vez mais abrangência e complexidade.

Conceitos espontâneos e científicos distinguem-se tanto no modo de se


desenvolverem quanto no modo de funcionarem.

O primeiro tipo de conceito cotidiano, segundo Vygotsky, é chamado de coleção


desordenada. A criança agrupa aqui objetos que não participam das mesmas relações internas
(manifestação sincrética da criança).

Em seguida, ocorre a formação dos complexos de coisas distintas que são unidas por
força de suas conexões objetivas, que realmente existem entre os objetos envolvidos. Estas
conexões ocorrem entre elementos individuais - e não relações lógico-abstratas. As conexões
entre os objetos de um grupo são estabelecidas de um modo empírico, acidental e concreto.

Os pré-conceitos: são os conceitos potenciais - uma espécie de formação pré-


intelectual, que surge muito cedo na infância. Os objetos são agrupados, com base numa única
característica comum compartilhada.
29

O pensamento por complexos e os conceitos potenciais dão a base psicológica


estrutural dos conceitos verdadeiros.

A característica crítica do pensamento por complexos é o estabelecimento das


conexões e relações que constituem sua base. Neste estágio, o pensamento da criança forma
complexos de objetos que são isolados na percepção e junta-os em grupos. Neste processo,
formam-se os fundamentos para a unificação de impressões distintas. Este é o primeiro passo
no processo de generalizar elementos isolados da experiência.

Entretanto, na sua forma desenvolvida, o conceito pressupõe mais do que unificação e


generalização de elementos concretos distintos da experiência. Ele pressupõe o isolamento e a
abstração de elementos separados, a habilidade de ver esses elementos isolados, abstraídos,
independentemente das conexões concretas e empíricas como são dadas. O pensamento por
complexos não ajuda a este respeito. Ele é permeado por uma abundância de conexões e é
caracterizado por uma pobreza de abstração. A capacidade de isolar características é
extremamente limitada. Todavia, o conceito verdadeiro depende igualmente dos processos de
análise e síntese. Decompor e relacionar são aspectos internos igualmente importantes de sua
construção. [...] assim, a função genética desse terceiro estágio no desenvolvimento do
pensamento da criança é o desenvolvimento da decomposição, análise, abstração.
(VYGOTSKY, 1987, p. 156-157).

Assim, os conceitos verdadeiros têm duas raízes no pensamento da criança:

• O pensamento por complexos desenvolve a estrutura de generalização.

• O conceito potencial desenvolve a estrutura de abstração.

Os conceitos científicos:

Estes se formam como base no ensino formal, que ocorre na escola. Todavia,
atualmente esses conceitos não ocorrem exclusivamente na escola. Um tipo particular dos
verdadeiros conceitos são os conceitos científicos.

Conceitos científicos se organizam num sistema hierárquico de inter-relações


conceituais, portanto, num sistema de relações de generalidade.

Cada conceito é um ato de generalização, significando que o conceito científico


implica uma relação de generalização e é por isso que dá lugar a uma estrutura superior de
generalização, no desenvolvimento mental do indivíduo, por exemplo:
30

Matéria: tudo aquilo que, no universo, ocupa lugar no espaço.

Material: porção de matéria que tem mais de uma substância.

Material homogêneo: Tipo de material, cujo aspecto é uniforme de ponto a ponto.

Material heterogêneo: Tipo de material, cujo aspecto é multiforme de ponto a ponto.

Substância: porção da matéria que apresenta um, e somente um, tipo de constituinte.

Substância simples: tipo de substância, cujo constituinte tem um, e somente um, tipo de
componente, denominado átomo.

Substância composta: tipo de substância, cujo constituinte tem mais de um tipo de


componente.

Constituinte: conjunto de átomos que caracteriza uma substância particular.

Para ensinar os conceitos de matéria homogênea e heterogênea poderíamos optar, por


exemplo, pela apresentação aos alunos de várias matérias. Poderíamos habilitá-los em
técnicas de observação e, a partir dos dados observados, mediar a formulação do conceito.

Porém, esse não é o caso dos demais conceitos. O material direciona a outros, um de
nível de generalidade maior (matéria) e um de nível de generalidade menor (substância). Esse
último remete ao conceito de constituinte, a ele subordinado, o qual, por sua vez, liga-se ao de
átomo, cujo nível de generalidade é equivalente ao de matéria, por tratar-se do nível básico de
organização da matéria. Única possibilidade de compreender cada um desses conceitos: deve-
se ligá-los a outros. O significado de cada um só se realiza na medida em que se associa ao
significado de outros conceitos.

Os conceitos cotidianos têm uma relação direta das palavras com os objetos a que se
referem. Os conceitos científicos: as relações das palavras com outras palavras. Os primeiros
implicam focalizar a atenção no objeto e os segundos no próprio ato de pensar, na medida em
que as conexões entre os conceitos são relações de generalidade.

O modo de estruturação dos conceitos científicos, a sua natureza semiótica, produz


uma mudança na estrutura funcional da consciência: o discernimento e controle consciente do
ato de pensar. A capacidade de utilizar voluntariamente as palavras com “instrumentos” do
pensamento, conforme coloca Humboldt, em “A aprendizagem da aprendizagem”.

Segundo Vygotsky, embora os conceitos científicos e espontâneos se desenvolvam em


direções opostas, os dois processos estão intimamente relacionados. É preciso que o
desenvolvimento de um conceito espontâneo tenha alcançado um certo nível para que a
31

criança possa construir um conceito cientifico correlato. Por exemplo, os conceitos históricos
só podem começar a se desenvolver quando o conceito cotidiano que a criança tem do
passado estiver suficientemente diferenciado, ou seja, quando a sua própria vida e vitalidade
dos que a cercam puder adaptar-se à generalização elementar “no passado e agora”; os seus
conceitos geográficos e sociológicos devem se desenvolver a partir do esquema simples aqui
e em outro lugar. Ao forçar a sua lenta trajetória para cima, um conceito cotidiano abre o
caminho para um conceito científico e seu desenvolvimento descendente. Criar uma série de
estruturas necessárias para a evolução dos aspectos mais primitivos e elementares de um
conceito, que lhe dá corpo e vitalidade. Os conceitos científicos, por sua vez, fornecem
estruturas para o desenvolvimento ascendente dos conceitos espontâneos da criança em
relação à consciência e ao uso deliberado. Os conceitos científicos se desenvolvem para
baixo, por meio dos conceitos espontâneos; os conceitos espontâneos se desenvolvem para
cima, por meio dos conceitos científicos (Vygotsky, 1989, p. 93 – 94).

Os conceitos científicos estão organizados em sistemas consistentes de inter-relações.


Os conceitos científicos implicam uma atitude metacognitiva, isto é, de consciência e controle
deliberado por parte do indivíduo, que domina seu conteúdo no nível de sua definição de sua
relação com os outros conceitos.

Conceitos científicos como “generalizações de generalizações” apresentam um tipo


novo e superior de pensamento. Esse tipo, portanto, não se baseia em uma ligação
fundamentalmente nova com o mundo dos objetos, mas em uma reconceitualização do
conhecimento existente, conforme G. Bateson.

4.4. Além de Vygotsky: Meios primários, secundários e terciários

Numa perspectiva da evolução do homem, se pode dizer que os seres humanos criaram
a si mesmos e simultaneamente a sociedade pelo trabalho. O termo “trabalho” descreve a
forma qualitativamente nova do modo de viver e de sobreviver em comparação com os
animais. A base desta nova forma representa a colaboração, quer dizer, só através dos outros
os seres humanos conseguem efetuar relações com o meio ambiente e consigo mesmo. Esta
qualidade de colaboração precisa da construção de meios especiais.

Através da construção simultânea de linguagem, de instrumentos e de


representações mimético-dramáticas os seres humanos tornaram-se humanos, quer dizer
eles desenvolveram a capacidade, através do trabalho, de transformar seu meio ambiente e si
32

mesmo. Em outras palavras, eles construíram e entraram na relação dinâmica entre


“materialização” (Vergegenständlichung) e “apropriação”, entre o individual e o social, que se
pode caraterizar com o conceito de “atividade”.

Meios são, em sua função, mediadores: eles mediam a atividade de um sujeito com o
seu objeto e com os outros num contexto de colaboração. Eles são ao mesmo tempo
subjetivos e objetivos, se comportando tanto como parte do sujeito como parte do objeto. O
emprego humano destes meios tem vários precursores na história natural dos animais e
apresenta ao mesmo tempo uma posição privilegiada e única, que se torna clara na evolução
do ser humano: No seu início encontra-se a produção de instrumentos, o desenvolvimento de
sinais de linguagem e de representações mimético-dramáticas como uma conexão de relações
mútuas.

Aos primeiros instrumentos apetecem os machados de pedra. Eles são resultantes e


soluções do problema geral de partilha de alimento. Resultam da tarefa de esmiuçar e de
dividir presas e, representam assim, um caráter social e não só técnico. Como já abordado, os
primeiros sinais de linguagem provavelmente são os gestos. Eles resultam do problema geral
de comunicação sobre objetivos e objetos em situação de colaboração. Assim eles
representam materializações/cristalização (Vergegenständlichung) da solução do problema de
coordenação social de ações individuais.

Linguagem e instrumentos resultam de um hábito, de um modo de viver, onde todos os


problemas e tarefas fundamentais de sobrevivência de um indivíduo tornam-se um problema
de coordenação e comunicação. A evolução biológica do ser humano só é compreendida
quando considerada ao mesmo tempo como evolução da sociedade humana.

Numa perspectiva sistemática, a forma do “machado de pedra” expressa dois


componentes de atividade do sujeito: “produzir” e “representar”. Ambos os modos estão
reciprocamente relacionados na forma e oferecem uma unidade inseparável no “machado de
pedra”. “Produzir” tem relação com manejar e modificar, com operações e procedimentos;
refere-se a um método como tal. “Cortar” como tal, “raspar” como tal, “fincar” como tal,
entre outros, são exemplos de esquemas gerais de ação. “Representar”, por sua vez, não visa
modificar objetos. Antes, direciona-se para estes mesmos, interessa-se pela sua realidade
como tal. Refere-se a entender, discernir; e conceber refere-se à “imagem da realidade”.
Representar e produzir explicitam dois lados opostos da forma do machado de pedra: forma
como função, como abreviatura do procedimento no manejo de objetos e forma como
representação que possibilita captar e compreender algo dos objetos mesmos, da realidade
33

mesma. Em que ambos os aspectos se relacionam? Ambos têm algo em comum: são
resultados de uma generalização. “Machados de pedra” são resultados de uma generalização
prática, quer dizer, de uma generalização que foi construída e provada numa praxis social.
Nesse sentido, podem ser compreendidos como generalizações em pedra, como conceitos
“empedrados”.

Com respeito à generalização, o machado de pedra representa determinadas


qualidades e peculiaridades de um objeto ou de uma área-do-objeto (Gegenstandsbereich), o
qual pode ser tratado com o instrumento. Em nosso exemplo, com o “machado de pedra”, se
pode tratar um âmbito bastante amplo dos objetos duros cortando-os. A quantidade, mais ou
menos constante, de qualidades e peculiaridades de um tal âmbito, tal como nas diversas
atividades de raspar, cortar, golpear, fincar etc., ou seja, a quantidade de peculiaridades da
área-do-objeto está representada, numa escala de dureza, na forma do “machado de pedra”.
Nesta forma específica, um âmbito determinado da realidade está entendido, concebido e
copiado. Através da forma, o “sujeito” tem compreendido uma parte da realidade. E assim
essa parte torna-se realidade dele. A relação da forma com o sujeito implica aqui um
compreender e entender uma realidade.

Com respeito ao lado de “produzir”, o machado de pedra é uma generalização prática


de atividades numa seqüência específica e consistente de operações dessa prática. Uma
operação é uma quantidade de atividades que permanecem constantes, tratando diversos
objetos. Operações são a base estrutural e invariável de nossas atividades. Cada operação tem
a sua história, quer dizer, num processo longo uma atividade ou uma parte dela se transforma
numa ação mecânica e automática, por exemplo, no processo de aprender a cortar. A forma do
instrumento é aqui o momento decisivo que determina ações, bem como determina sua
estrutura e seu desenrolar. Em seu conjunto, a forma apresenta método. Em sua
referência ao sujeito, a forma sempre implica “poder”.

Esta polaridade ou, mais precisamente, complementaridade entre o produzir e o


representar, encontra-se também, como citado anteriormente, nos gestos de apontar. A
operação do gesto produz algo, causa um efeito no comportamento do outro como sócio da
colaboração e ao mesmo tempo representa e significa algo. O gesto de apontar é uma
operação que articula uma relação com o objeto com o qual ela se refere, e ao mesmo tempo
com os outros sujeitos, aos quais ele se refere. Apenas estas operações podem ser capazes de
simbolizar e de significar. Isso significa que as relações com os objetos são sempre mediadas
pelas relações com as outras pessoas, quer dizer, eles têm um caráter social. (Os animais têm
34

só relações com os objetos do seu meio ambiente ou com os outros animais, mas nunca
simultaneamente com os dois).

A história destes meios pode ser concebida como uma história dos meios de atividade,
que se desenvolvem para um mundo de objetos-meios e finalmente num mundo de
objetivações da própria cultura. Neste desdobramento articulam-se diversas acentuações de
ambos os lados da forma, também uma tendência de separação e autonomização desses lados.
Por exemplo: o processo de autonomização de “representar” está vinculado ao surgimento
histórico da arte, que, na cultura européia, obviamente aconteceu a primeira vez na Grécia
com a transformação do culto religioso na forma artística do teatro, quer dizer, no drama e
também nas artes plásticas deste período.

Mas, antes de discutir este processo de autonomização do “representar”, que se cristaliza


na arte, acho necessário apresentar uma diferenciação em forma de afirmativas:

1. Instrumentos e linguagem são meios primários. Eles apresentam uma unidade de


representar (compreensão de uma realidade) e produzir (transformar uma realidade). Eles
são meios diretos na produção e realização da vida social de uma comunidade social,
portanto, em processo prático do sustento da vida humana. Neste sentido, o instrumento
mais complexo construído pelos seres humanos, o computador, e o instrumento mais
elementar, o machado de pedra, têm o mesmo nível, quer dizer eles são instrumentos
primários. A relação entre instrumentos primários isolados torna-se clara em instrumentos
secundários.

2. Meios secundários servem à conservação e transmissão de tais capacidades ou manobras


que se apropriam, usando instrumentos primários e com cuja ajuda são executadas
operações com meios primários. Meios secundários estão num outro nível lógico, quer
dizer num meta-nível. O núcleo (ou mais preciso: a origem histórica delas) são
representações miméticas e dramatizadas. Elas existem numa variedade de formas
concretas como objetivações (materializações). Elas, sobretudo, possuem uma função
fundamental na produção da conexão de uma comunidade. Têm a função para a coesão e
da continuidade inteira da comunidade como unidade social. São quase a “consciência”
imediata e materializada de uma comunidade ou de uma sociedade.

3. Numa perspectiva histórica e antropológica, meios secundários efetuaram o seu papel


pelos mecanismos e funções miméticas dramáticas. Por exemplo: quando todos os
caçadores de uma tribo imitam um animal da caça através de uma dança, o fazem imitando
35

um caçador após o outro. O comportamento de cada indivíduo será assim rigidamente


fixado e estereotipado. A relação com o objeto, neste caso o animal da caça, será
conduzida assim através da vivência social, emocional-afetiva do grupo. A base disso é a
própria corporalidade de cada um.

4. Pela própria corporalidade tornam-se possíveis experiências sociais. Ações miméticas são
a base destas experiências aparentadas a realidades externas. Ações miméticas se
expressam em formas do rito e de magia. A separação rígida entre o meio ambiente e os
indivíduos começa a ficar permeável. O meio ambiente, antes só fator e causa de horror e
terror não compreendido, transforma-se num rosto, num “semblante pegado ao lado
oposto”, numa fisionomia. Com isso, o meio ambiente obtém simultaneamente um caráter
dramático: tudo que acontece tem uma expressão como um rosto, como uma cara que pode
mudar a cada momento. Isso significa também, que tudo o que acontece é efeito de um agir
geral. Mais tarde esse agir geral de forças naturais se transforma da magia em mitologia,
quer dizer, as forças anônimas se transformam em forças pessoais que têm um nome como
na mitologia grega.

5. A partir disso se explica também a orientação intensa em estereotipação e formalização


rígida em ritualização no período de magia: a necessidade de colocar algo em um meio
ambiente sob segurança, sob continuidade e sob durabilidade, porque este meio ambiente é
vivido como algo que muda constantemente, sendo perigoso e incalculável.

6. Meios secundários também têm uma história, uma transformação e uma mudança até
hoje. A comunidade está sempre destruindo antigas formas e construindo novas, como
necessidade de produção da sua conexão e coesão social. Neste sentido símbolos nacionais,
a assembléia nacional e também uma escola pública são meios secundários.

7. Existe um terceiro nível com meios terciários que se referem aos meios secundários e
primários. Este nível é a arte e os meios neste nível são as obras de arte. Historicamente
falando, meios terciários aparecem bastante tarde: na cultura européia, por exemplo, com a
arte grega. Por esses meios uma sociedade pode olhar a si mesma e se refletir. Obras de
arte são consideradas, assim, como um modo de auto-reflexão própria coletiva e
simultaneamente individual. Uma obra de arte é considerada como uma síntese de
conhecimento da realidade e ao mesmo tempo um espelho com o qual o indivíduo
experimenta algo sobre a sua própria subjetividade.

8. Finamente, surgem as seguintes perguntas: de que maneira obras de arte como meios
terciários opõem-se à realidade e possibilitam nisto uma síntese de conhecimento da
36

realidade e de nós mesmos? A arte é irrenunciável. Pode uma sociedade existir sem arte?
Pode um indivíduo viver como sujeito da sua vida, sem arte?

4.5. Além de Vygotsky: A metáfora como mediadora

O romance do escritor chileno Antonio Skarmeta (1996, p. 23) “O carteiro e o poeta” é


na verdade um romance sobre a metáfora. O autor relata a história sobre a amizade entre
Mário Jimenez, filho de um pescador na Ilha Negra, no Chile, e Pablo Neruda, o famoso
poeta. Mário, que é carteiro suplente, leva, diariamente, a Neruda a correspondência e com
todas as suas grandes preocupações. Num dos seus habituais encontros desenvolve-se um
diálogo em volta da pergunta, colocada por Mário, do que é uma metáfora:

Mario levou a mão ao coração e quis controlar um adejar desaforado que lhe
havia subido até a língua e que lutava por estalar entre seus dentes. Deteve a
caminhada e, com um dedo impertinente manipulado a centímetros do nariz
de seu emérito cliente, disse:
- O senhor acha que todo o mundo inteiro, quero dizer todo o mundo, com o
vento, os mares, as arvores, as montanhas, o fogo, os animais, as casa, os
desertos, as chuvas...
- ...agora podes dizer etcétera”.
-... os etcéteras! O senhor acha que o mundo inteiro é a metáfora de alguma
coisa?
Neruda abriu a sua boca e seu enérgico queixo pareceu cair do seu rosto.

Eis aqui esta pequena cena. Aqui a metáfora não é nenhum meio retórico, também não
é nenhuma expressão ou frase gramatical irregular. Quanto mais se vê o mundo inteiro como
uma metáfora de algo, mais claro fica que o núcleo da competência metafórica está na
capacidade de ver alguma coisa como alguma outra coisa.

Para desenvolver uma idéia sobre esta capacidade, esboçarei, a seguir, o perfil de uma
concepção geral filosófica da metáfora, não desde a visão da linguística ou das ciências de
letras. Depois perguntarei até que ponto nesta base a metáfora pode ser entendida como
“imaginação modelante” na atividade de aprendizagem.

I. Metáfora, princípio metafórico e processo metafórico


37

Como princípio metafórico, consideramos a capacidade de ver alguma coisa como


alguma outra coisa; o processo metafórico é o processo de dizer, entender e produzir
metáforas.

Eu parto das seguintes hipóteses:

1. Metáforas são em geral elementos constitutivos para a nossa concepção de


realidade. Nós estruturamos os diferentes campos (áreas) de nossas experiências de maneira
sistemática por meio da metáfora. Nelas construímos imaginações como “quadros” que criam
relações entre campos, fenômenos e processos bem diferentes e contrários e formam um
sistema coerente.

2. No nível do cotidiano, a arte e a ciência são metáforas mediadas pela formação de


sistemas. Aqui elas atuam de maneira muito diferente como modelos que orientam nossa
forma de agir e reconhecer.

3. O principio metafórico se articula na competência antropológica de ver alguma


coisa como alguma outra coisa. Esta competência exige estruturar um fenômeno, uma área ou
um processo, segundo o modelo de um outro, numa determinada modalidade.

4. O princípio metafórico não é somente básico para a formação do sistema da nossa


experiência. É também fundamental nas mudanças e transgressões para a construção do novo.
As fronteiras de um dado campo de experiência podem ser deslocadas, alargadas e rompidas
através da construção de novas relações, destruindo, assim, referências estereotipadas e
automatizadas da realidade. Metáforas não mudam a realidade, porém, possibilitam as suas
mudanças.

Isto é:

A metáfora “a noite é um manto de seda azul” não representa nenhuma comparação,


muito menos uma ilustração, não apresentando também nenhuma semelhança entre “noite” e
“manto de seda azul”.

Segundo Aristóteles, uma metáfora diz que “isto é isso” (RHETORIK III, 2, 1o). Em
cada metáfora um elemento é relacionado predicativamente com um outro. H. Weinrich
(1963, p. 325) chama estes de: “doador de imagem e receptor de imagem”. O doador de
imagem - no meu exemplo “o manto de seda azul” - tem como elemento metafórico a função
de um esquema predicativo para o receptor de imagem, ou seja, para “a noite”.

Na metáfora não se trata de entender o receptor de imagem a respeito de um


determinado aspecto, senão de percebê-lo, imaginá-lo e vivenciá-lo em uma determinada
38

perspectiva que contém um sistema de aspectos. Esta perspectiva não é reduzível a um dado
que está significado e estandardizado no dicionário. M. Black (1962, p. 41) chama isso de um
“sistema de lugares comuns associados” de uma comunidade num determinado idioma.

Quando se chama “a noite é um manto de seda azul”, desperta-se todo o “sistema-


seda” dos correspondentes lugares comuns, como mistério, esplendor, preciosidade,
profundeza infinita, luxúria, e muitos outros. Na atualização desses lugares comuns alguém
que tente entender esta metáfora, constrói o seu sistema subjetivo de múltiplas implicações,
no que diz respeito ao receptor de imagem correspondente ao “sistema-seda”. O que é ativado
neste caso depende da situação concreta, do contexto e do sentido pessoal dado pelo
indivíduo. A metáfora seda organiza a nossa compreensão da noite em uma determinada
modalidade que deve então ser explicitada. M. Black (1962) descreve esta função assim:

A própria metáfora tem a força de reunir duas áreas separadas numa relação
cognitiva e emocional usando uma palavra como se fosse óculos, com os
quais se vê uma coisa através a outra; as implicações as sugestões e a
imaginação junto com o uso literal da metáfora nos capacita para ver e
olhar, de uma nova maneira, qualquer objeto como um objeto novo. Este
novo significado, como resultado de relações entre áreas originariamente
separadas, não pode ser anteriormente predecido ou posteriormente
parafraseado à nível de prosa. Podemos comentar uma metáfora, mas a
metáfora mesma não precisa e não nos convida para uma explanação. O
pensamento metafórico é uma maneira diferente que parte da construção de
um “insight”. Nunca uma metáfora é construída como um substituição
ornamental de um pensamento linear.

Na metáfora: receptor de imagem e doador de imagem não são de nenhuma maneira


misturados, ou amalgamados um com o outro. A metáfora diz muito mais “isto é isso”. E ao
mesmo tempo nós temos consciência de que “isso não é isto”. Assim, é afirmada uma
igualdade (“a noite é um manto de seda azul”) e ao mesmo tempo sua própria desigualdade.
Todo mundo sabe que a noite não é nenhum manto de seda azul. Por causa da simultânea
validade e invalidade de uma igualdade, dizemos frequentemente: isto só é uma metáfora.

Esta diferença semântica não é dissolvida ou anulada, mas fica presente como tensão e
contradição. A metáfora pode ser compreendida como um resultado de uma interação cheia de
tensão de elementos heterogêneos e opostos. Sua relação nesta interação não é um acaso,
também ela não se completa por acaso. A metáfora é estritamente complementar, ou seja,
os elementos ou lados se sustentam mutuamente pela tensão e contradição simultânea.

A seguir gostaria de aprofundar os aspectos dessa complementaridade, que são


importantes tanto para a epistemologia como para a didática. Estes aspectos são: a
39

complementaridade entre imagem e conceito e entre sujeito e objeto. As relações de coerência


e diferença, de cognição e emoção só serão apenas mencionadas.

A complementaridade: imagem e conceito

Não se pode reduzir a metáfora a um ato de concretizar ou explicitar, à função de


ilustrar ou exemplificar. Se Aristóteles diz que “a metáfora coloca diante dos olhos”, então ele
quer dizer que isto é um processo produtivo. No processo de produção e compreensão de uma
metáfora nós estamos ocupados ativamente na construção de novas dimensões do sentido, que
são decorrentes da interação dos elementos heterogêneos e opostos. Aqui a imagem, o visual,
a contemplação - chamados de momento icônico - têm um papel decisivo.

O momento icônico nos possibilita a, não somente manter a contradição dos lados
heterogêneos, mas também a fazê-lo de modo produtivo. Os significados heterogêneos “noite”
e “manto de seda” ficam relacionados na sua tensão, um com o outro, porque é desenvolvida
uma estrutura visual, ou seja, um momento icônico, que traz consigo a contradição semântica
conceitual. A riqueza de uma metáfora está na qualidade do momento icônico. O doador de
imagem - “o manto de seda azul” - desenvolve correspondências e conotações sensuais,
estéticas, mas também emocionais. Eles garantem a semelhança e ao mesmo tempo apoiam a
sua heterogeneidade na esfera dos significados.

Nas suas dimensões mais substanciais, o processo metafórico é um ato imaginativo.


Ele realiza num nível imaginário uma semelhança que leva e preserva a diferença no nível dos
significados. O momento icônico não perde de forma alguma sua qualidade estética e sensual,
nem sua autonomia material e formal neste processo de comparação com o “receptor de
imagem”. Isto é exemplificado muito claramente em Picasso, quando apresenta sua técnica
genial de esculturas-colagens. Ele entendia todas as suas esculturas como metáforas plásticas.
Em vez de acabar suas obras com materiais mais tradicionais, ele usava na grande maioria
sucata, como cestas velhas, vasos, peças de bicicletas etc. V. C. Aldrich (1983) indica no seu
artigo sobre Picasso “Metáfora visual” que nestas obras de arte, as composições são feitas por
parte de coisas que mantêm sua identidade e qualidade singular e própria, mas mesmo juntas
criam outros significados.

A metáfora recebe uma dupla direção quando, por exemplo, em vez de gesso
para formar o peito de uma cabra, coloque um cesto de vime no lugar das
costelas. Então é isto um cesto de vime que se deve ver como o peito (to be
seen as), e ao contrário também se pode ver, quando se olha toda a forma da
cabra, suas costelas como um cesto de vime - ou seja uma metáfora
composta com dupla direção de visão. Se as costelas fossem feitas de gesso,
40

iria o olhar somente para uma direção. Poderia ver-se somente gesso
modelado como o peito de uma cabra.

Aqui, o comentário de Picasso: “Eu volto o caminho da cesta para o peito: da metáfora
para a realidade. Eu faço a realidade visível, porque eu uso a metáfora” (GILOT/LAKE 1965,
p. 306). O momento icônico da metáfora é alicerce para a analogia, para a semelhança, que a
metáfora usa para provocar a diferença. A tensão entre imagem e conceito torna-se produtiva
no desenvolvimento do novo, de uma nova dimensão do sentido.

A complementaridade: sujeito e o objeto

Metáforas tematizam em uma forma específica uma prioridade do conteúdo e, ao fazer


isto, colocam no centro, ao mesmo tempo e de maneira radical, o sujeito como sujeito da
atividade. Elas fazem as suas proposições em uma forma decisiva, indissolúvel, através do
discurso, apresentando a verdade de forma espontaneamente aceitável e intuitivamente
esclarecedora. Sua proposição não é extensional no sentido da lógica formal, senão sempre
intensional, direcionada ao essencial2.

Desse jeito, uma metáfora não pode ser substituída pelo que realmente é pensado. Na
metáfora “a noite é um manto de seda azul” podemos tentar explicar a proposição sobre a
noite através de descrições, exemplos e comparações. Estes são no melhor caso aproximações
de uma interpretação. Porém, nunca serão a base semântica de uma metáfora. Exatamente na
sua intensionalidade a metáfora nos faz pensar em muitas coisas, porém sem ser estas
superficiais ou opcionais. A intensionalidade mostra-se claramente naquelas metáforas que
nós usamos para fenômenos acústicos e visuais, para expressar experiências de sinestesia,
como por exemplo: “cores quentes”, “sons escuros”, “vinho seco” etc.

Na história da ciência, a intensionalidade da metáfora tem uma função constitutiva.


“Campo”, “força”, “onda”, “inércia”, “átomo” são, entretanto, conceitos teóricos; sua
qualidade metafórica é, então, ativa somente no seu background, e desta forma, pode
determinar, ainda, um desenvolvimento futuro destes conceitos teóricos (KUHN, 1979;
BOYD, 1979; ORTONY, 1979).

A intensionalidade da metáfora serve como base para uma referência indireta com os
objetos e/ou realidade. Ela organiza uma perspectiva abrangente e efetiva numa determinada
área, mas nunca se dissolve numa referência direta. Somente através da ativação de uma
2
“intensional” é um conceito da matematia – não dever ser confundido com “intencional” ”Intencionalidade”
como conceito da pscicologia.
41

estrutura de tensões e contradições, renasce seu conteúdo numa nova dimensão do seu
significado. A metáfora representa, com isso, uma ligação muito importante com os assim
chamados conceitos teóricos, nos quais é fundamental também fazer uma referência indireta à
realidade. O núcleo de um conceito teórico atua como meio de seu próprio desenvolvimento e
diferenciação, mas somente através das suas relações com outros conceitos, consegue
relacionar-se com um objeto e/ou a realidade (DAWYDOW, 1977).

A prioridade do conteúdo na metáfora exige um sujeito e a sua atividade, sendo


aparentemente um paradoxo. Aristóteles descreve a metáfora no seu livro “Retórica” como
uma forma de silogismo, no qual o termo médio deve ser encontrado, desenvolvido e
construído pelo ouvinte e/ou observador, para entender a metáfora. Isto exige o máximo da
atividade mental: Se A é metaforicamente B, então deve existir um termo médio T que pode
fazer a ligação : A é referente a T isso que B é referente a A. Se Shakespeare faz Romeu dizer
: “Julieta é o Sol”, então T é a qualificação inesgotável da riqueza e variedade dos seus
aspectos de significado: calor, que dá energia à vida, brasa, que queima, luz que clareia a
escuridão...( DANTO, 1981).

Uma metáfora não pode ser confundida com uma imagem acabada e estática. Ela
organiza o ver como uma atividade que cria uma referência peculiar do mundo. Diferente dos
outros sentidos, a vista nos permite um perceber à distância. Sua capacidade de tomar
distância fez com que Kant qualificasse-o como o mais nobre de todos os sentidos, porque
“ele é o que mais se distancia do toque como a mais limitada condição da percepção”. No
processo de ver objetos, se estabelece não somente uma relação com os objetos, mas ao
mesmo tempo uma “reflexão” sobre esta relação, num meta-nível pré-verbal.

Resumindo: a metáfora é objetiva e ao mesmo tempo subjetiva. Sua objetividade está


na intensionalidade e na evidência da sua proposição. Exatamente pela orientação dada ao
conteúdo, o sujeito e sua subjetividade são provocados para uma atividade. Subjetivo não é
simplesmente aquilo que é individual, alienado ou surrealista, mas aquilo que significa ser
sujeito da sua imaginação, da sua experiência, e do seu conhecimento.

A competência metafórica de alguma coisa vista como alguma outra coisa permite o
desenvolvimento de uma perspectiva para uma esfera da realidade e presume, com isso, a
consciência deste ponto de vista. Na complementaridade entre sujeito e objeto, a metáfora
pode valer como figura clássica da “generalidade subjetiva” (universalidade subjetiva) que
Kant (1993) descreve na sua “Crítica da faculdade do juízo”. Na sua complementaridade
42

corresponde a metáfora à variedade da realidade e ao mesmo tempo às intenções e


perspectivas múltiplas dessa realidade.

II. A metáfora como “imaginação modelante” na atividade de aprendizagem

Habitualmente relacionamos com aprender a idéia de um processo que decorre no


tempo e se divide em fases ou estágios. Nessa visão, sua determinação interna resulta das
relações e regularidades entre partes, onde a totalidade pode, somente, ser dada de fora,
como resultado da ação recíproca desse processo com alguma outra coisa, com algo de fora.

Esta concepção psicológica de aprendizagem como processo fica particularmente


abstrata, frente à qualidade específica do aprender em si, sobretudo frente ao seu próprio
conteúdo. Aprendizagem como atividade não se pode compreender assim, pois na realidade, a
sequência temporal não tem nenhum significado definitivo e importante para a totalidade dos
componentes funcionais de uma atividade. Sobre este ponto outros contextos tornam-se
importantes.

O filósofo soviético e teórico de sistema E. Judin tenta explicar os componentes


funcionais de uma atividade a partir dos meios. Suas hipóteses são: a análise da atividade do
ponto de vista de seus meios coloca no centro do interesse o objeto da atividade. Através de
uma precisa descrição e determinação dos meios, tornam-se examinável o significado do
contexto histórico-concreto para a atividade. Finalmente é representável, a partir dos meios, a
atividade como atividade de um indivíduo concreto, cuja característica especial não pode
ser mais abstraída (JUDIN, 1978). Os meios da atividade podem ser descritos, segundo Judin,
só no seu contexto sistematizado, em uma hierarquia de níveis e/ou funções:

 Bases teóricas

 Imaginações modelantes

 Procedimentos

Os três níveis estão em ação recíproca um com o outro, com uma hierarquia que
permite que os níveis/funções altos controlem os níveis/funções baixos, mas, estes
níveis/funções altos podem ser criados e corrigidos por outros. Nesta hierarquia estão
representadas as imaginações modelantes, numa posição muito importante. Elas asseguram a
totalidade do contexto contido nos procedimentos, operações e processos de ação,
referenciando-os, assim, ao nível geral das bases teóricas. Uma imaginação modelante é
sempre a idéia de um indivíduo concreto, que diz algo sobre como as teorias e seus conteúdos
43

surgem para este indivíduo e o que elas significam para a atividade dele. Uma imaginação
modelante apresenta, então, uma relação muito rica e complexa com a prática e a teoria.

O que significa compreender a metáfora como uma imaginação modelante na


atividade de aprendizagem? Para responder esta pergunta encontramos nas pesquisas sobre a
ontogênese da competência metafórica indicações instrutivas. Dentro da psicolinguística
(AUGST, 1981), se define como competência metafórica o compreender, produzir e explicar
as metáforas, existindo aqui só uma concordância: a criança adquire a capacidade de explicar
metáforas somente a partir dos 11 anos (BILLOW, 1975; SMITH, 1976).

Quando é que as crianças entendem e criam metáforas? Isto é muito discutido. Na


literatura norte-americana acredita-se que a criança de 2-3 anos consegue fazer metáforas
(GARDNER, 1975; LEONDAR, 1975; BILLOW, 1975; WINNER, 1979). Todas as
construções de linguagem inexata e indireta da criança são consideradas como metáforas. Este
extenso e difuso conceito de metáfora cria, ao meu ver, problemas. Quando uma criança, por
brincadeira, nomeia ou usa uma escova de dentes como um carro, então, a escova é um carro
para a criança e de maneira nenhuma uma metáfora (AUGST , 1981). [pois a metáfora está
além do processo de subjetivação inicial.da primeira internalização dos campos semânticos...a
metáfora é a possibilidade de “brincar”, no sentido mais humano da palavra, com os campos
semânticos internalizados.]

Parece-me muito duvidoso que uma criança na idade de 2-3 consiga dominar a
complexidade de uma metáfora com suas contradições internas. Isto exige uma reorganização
total do “vocabulário” das crianças. Somente nesta reorganização forma-se um meta-nível
e/ou uma determinada perspectiva, na qual a igualdade simultânea e invalidade de dois
significados vêm a ficar disponíveis. Cada metáfora representa um potencial teórico
particular. Isto não se completa e desenvolve automática e naturalmente no desenvolvimento e
no aprendizado humano.

Teorias de aprendizagem “empirísticas” acham que aprender seja um processo que vá


do concreto e particular, do visível concreto para o abstrato não visível. Imaginações são aqui
consideradas etapas no caminho para o verdadeiro conhecimento abstrato. Com isso, o
conhecimento deve ser consolidado através da visualização. Aqui encontramos uma
concepção muito problemática de uma generalização que parte da suposição que o particular
pode ser percebido separado do geral e, ainda mais, que esta percepção contém as bases para a
compreensão do geral. Acho que a qualidade peculiar do conhecimento humano consiste
44

basicamente numa relação entre o particular e o geral e esta relação é ao mesmo tempo a sua
mediação.

A atividade de aprendizagem apresenta, neste contexto, para ser mais preciso, a


mediação entre o geral e o particular, como um campo de tensão entre conceitos empíricos e
teóricos (DAWYDOW, 1977). É exatamente neste ponto que as metáforas têm uma função
especial, quando elas não são reduzidas a ilustrações ou parábolas, ou seja, a visualizações:
metáforas relacionam a mediação do geral com o particular, do sujeito e do objeto na
aprendizagem. É nisto que está o seu “potencial teórico”, explicado nestas três teses finais:

1- Metáforas: possibilidades de escolha de um ponto de vista próprio

O pensamento cotidiano parte de uma relação rígida e já dada entre objeto e descrição,
entre significado e significante. A apropriação de um conceito teórico na atividade de
aprendizagem exige do aluno a dissolução desta fixação, o desenvolvimento de uma posição
pessoal frente ao conhecimento, ou seja, a escolha de um ponto de vista próprio e com isso
uma atividade autônoma (“Selbsttaetigkeit”). Usando a metáfora como perspectiva no
processo de aprendizagem, torna-se essencial a manifestação de uma subjetividade original do
indivíduo. Na apropriação dos conceitos teóricos, as metáforas representam um potencial
importante para o desenvolvimento de perspectivas com respeito a uma determinada área
conceitual. A metáfora funciona aqui como uma “imaginação modelante”, que é capaz de
romper crenças do pensamento cotidiano, onde os conceitos são tratados como objetos e não
como relações.

2- Metáfora e a sua qualidade indireta

Nunca uma metáfora é reduzível a um simples modo de ver. Seu significado não se
esgota também com seu uso. A metáfora é uma perspectiva que se distancia do seu campo de
objetos. Sua qualidade indireta representa uma ponte com a apropriação dos conceitos
teóricos. Estes nunca se relacionam diretamente num campo de objetos. Eles representam
relações formais e estruturais, modelos específicos com os quais interagem com a realidade.
Os instrumentos e métodos, como tais, “se dissolvem”, desaparecem, no processo da sua
aplicação. Pelo contrário, conceitos teóricos no processo de serem usados nunca desaparecem
inteiramente ou “se dissolvem”. Cada conceito teórico tem o seu lado instrumental, mas ao
mesmo tempo o seu lado de conteúdo, isto é, representa alguma coisa e não é só uma
operação ou um algoritmo.

3-Metáfora e a totalidade
45

Como imaginações modelantes, as metáforas são dirigidas à uma totalidade. Elas


transformam dois campos heterogêneos e separados num único, criando algo de novo que tem
- semanticamente falando - uma qualidade total e intensional. Nisso a metáfora relaciona
imagem com conceito. Metáforas não são reproduções de fatos empíricos, mas imagens de
contextos teóricos e consequentemente meios de reflexão, onde estão relacionados à
visualização, no mais estreito vínculo possível com a reflexão. Na mediação do objeto e
sujeito relaciona do mesmo jeito emoção e cognição, olhar e pensar, intuição e conhecimento.
A dominação dos conteúdos tem na metáfora sempre algo forçado, obrigado. Uma metáfora
deve ser espontaneamente aceitável e intuitivamente esclarecedora pelo pensamento que pode
partir dela.

[metáforas são possibilidades de singularidades humanas no processo de formação conceitual


e de inserção do mundo....pinçadas da experiência coletiva, se constituem em cada sujeito
para se encontrarem novamente com o todo...num compêndio de geografia ou ciência escolar
a noite pode ser descrita como “um momento da terra, uma posição do planeta em relação ao
sol no seu movimento de rotação”, mas dizer que “a noite é um manto de seda azul”, vai
muito além deste conceito particularizado nos livros didáticos.
46

4.6. Além de Vygotsky: O papel do professor como mediador

Uma qualidade importante da profissão do professor na escola, na praxis de sala de


aula, tem a ver com a necessidade de integrar o total das competências e exigências que estão
mais isoladas nas outras profissões da nossa sociedade. O professor não ensina na escola
conhecimentos isolados, capacidades isoladas, habilidades isoladas, e sim prepara os alunos
para a vida na sociedade, quer dizer, para uma existência total. É preciso que eles saibam a
importância dessa existência total, sendo necessário que realizem experiências que têm a ver
com existência total.

Quando não se entende bem que isso é uma existência, quer dizer, o que é uma vida de
um indivíduo na sociedade, se coloca em primeiro lugar a formação universitária dos futuros
professores, os métodos do ensino como tecnologia, a didática como tecnologia, tudo isso que
tem a ver com as técnicas do ensino/aprendizagem. Ao meu ver uma outra consequência dessa
perspectiva consiste na acentuação unilateral e linear da socialização da educação.

O trabalho do professor, na sua essência, não existe no que ele faz, mas no que ele
pessoalmente é. Não são os métodos peculiares, as ações, as palavras de um professor que são
decisivos, mas sim, o seu espírito, sua autenticidade, sua credibilidade, que ele ou ela emite.

A professora ou o professor representam num determinado sentido o “exemplar


intelectual” de nossa sociedade (GRAMSCI). Os alunos serão motivados e intensamente
orientados por ele, quando tudo que ele ensinar representar uma preocupação pessoal mesmo
dele, quer dizer, quando ele simplesmente é autêntico na sua prática.

Neste fato se exprime uma relação fundamental importante: A aplicação do


conhecimento é sempre um problema de Ética.

Gostaria de concretizar essa tese que parece um pouco abstrata:

A professora / o professor representa um modelo vivo da união do conhecimento e da


atitude pessoal com o conhecimento. O papel da professora / do professor exprime a
necessidade que a razão exige da incorporação humana, como diz o filósofo Kant.

O papel principal da escola é a formação de diferentes competências intelectuais nos


alunos. O enorme crescimento organizacional do sistema escolar nos últimos anos da década
de cinqüenta prova isso. Mas, a formação das competências intelectuais dos alunos também
significa o problema de como formar um hábito individual com o conhecimento, a formação
de uma atitude individual com o conhecimento, uma orientação individual sobre o
conhecimento por parte dos alunos.
47

Por que, hoje, esse modelo vivo de uma professora se torna cada vez mais importante?
Hoje, as crianças e os jovens quase não encontram mais na sociedade moderna essa união
viva entre o conhecimento e a atitude pessoal com o conhecimento. As crianças e jovens
encontram o que é conhecimento na nossa sociedade só nas formas técnicas, nos aparelhos,
nos sistemas de aparelhos que se podem imediatamente usar e usufruir. Eles fazem uma
experiência com o conhecimento muito linear: conhecimento como técnica e tecnologia - o
mundo dos aparelhos com uma materialização e cristalização imediata do conhecimento.
Essa qualidade caracteriza também o papel do “expert” na nossa sociedade. A sua função é
apresentar conhecimento que se pode imediatamente aplicar, reduzido a estratégias
alternativas.

Este fato é expressão de uma mudança enorme das funções sociais do


conhecimento na nossa sociedade. O conhecimento é de um lado onipresente, porém fica
por outro lado absolutamente invisível - sem nenhuma representação pessoal. Nisso se
delineia, ao meu ver, a crescente importância do modelo do professor.

Existem diferentes propostas, posições teóricas desta mudança. Gostaria de propor e


de discutir posições e perspectivas que têm a ver com o meio mais poderoso que os homens
criaram na sua história social: o computador.

Usualmente se vê o significado peculiar do computador na associação e combinação


das técnicas de comunicações (meios de imprensa, telefone, rádio, televisão, computação
gráfica etc.) que constroem possibilidades anteriores desconhecidas desta rede para um
controle das pessoas e dos grupos (“telemática”). A computarização total da sociedade,
atualmente, se pode assim descrever como um processo para estandardizar, formalizar,
controlar numa forma total a comunicação social e a comunicação pessoal. Este processo é
discutido muito contraditoriamente (WEIZENBAUM, 1972; WINOGRAD; FLORES, 1986).

Para o sociólogo francês Lyotard a contínua transformação do que é conhecimento na


informação é devido aos efeitos do computador na nossa sociedade. O conhecimento acaba
por ser o seu próprio objetivo, um valor em si mesmo, que tem para os homens a função de
entender melhor o seu mundo e ao mesmo tempo a si próprio. O conhecimento perde na
perspectiva de Lyotard o seu “próprio valor de uso”. Numa sociedade de consumo tratamos o
que é conhecimento como uma mercadoria, que cada vez mais se produz para o mercado, para
a venda, tornando-se assim, um valor de troca. Uma perspectiva pessimista conduz à hipótese
de que o computador modificará fundamentalmente a qualidade do conhecimento, reduzindo-
o à informação. O conhecimento será usado só como quantidade de informações, adaptadas
48

para o computador. O velho princípio que dá importância para o sujeito e a sua personalidade
em cada aquisição do conhecimento será esquecido passo a passo. Uma consequência disso
será o abandono ou a perda do significado do sujeito concreto.

Eu gostaria de propor uma outra perspectiva, ou seja, política. Cada sociedade produz
com os seus instrumentos e meios suas próprias formas de vida. Os instrumentos e meios
determinam, moldam, alterando assim, indiretamente, os seus indivíduos e finalmente
transformando profundamente a sociedade como um todo. Poderíamos compreender e ver
melhor estes complexos processos de transformações ao questionar o potencial dos meios e
instrumentos para um futuro da sociedade. E por isso deveríamos entrar num discurso político
sobre a escolha da sociedade que queremos.

A. A relação entre conhecimento e sociedade

A nossa sociedade é fundamentalmente baseada no que é conhecimento e peculiar no


conhecimento cientifico. Mas, vemos uma tendência problemática: a ciência sempre se torna
demais numa técnica.

Essa concepção é a seguinte: A ciência apresenta uma aproximação passo a passo para
a realidade, uma aproximação sempre mais precisa. Isso significa que todos os problemas
aparecem principalmente solúveis, por exemplo, na medicina o problema de AIDS, ou o
problema de câncer.

Nessa perspectiva, esquecemos que cada problema que temos resolvido ou que cada
problema solúvel tem uma relação com um problema que nunca conseguimos resolver.

A concepção de uma aproximação sempre melhor para a realidade apresenta uma


ilusão: nunca as teorias se relacionam aproximadamente a uma realidade já determinada.
Teorias se relacionam numa maneira precisa e absoluta a uma realidade ideal e objetivamente
não determinada.

Na concepção da ciência com técnica, a realidade própria parece no fundo ser já


conhecida e entendida. A realidade própria parece ser somente objeto de nossa dominação e
nossa exploração. Nessa concepção, estamos esquecendo que fazemos parte dessa realidade.

O escritor e poeta alemão Frederico Schiller tematiza no seu drama Don Carlos as
conseqüências dessa concepção na corte espanhola do Rei Felipe II: O universo da corte foi
representado por Schiller como um mundo totalmente fugaz. Todas as relações humanas e
aquelas envolvendo a realidade própria se transformaram em funções. O Rei busca
49

desesperadamente um amigo que ele não encontra e ao final ele se torna um louco, perdendo a
concepção de verdade, porque a verdade tem no fundo uma qualidade social.

B. A relação do sujeito com o que é o conhecimento

• Sujeito humano não é uma máquina processando informações ou dados. O sujeito humano
é um sujeito reflexivo. Conhecer significa conhecer que conhecemos. Conhecimento e
consciência não podem se separar.

• O sujeito humano é indivíduo e ao mesmo temo um sujeito social. Sua atividade realiza
continuamente essa complementaridade.

• Conhecimento oferece ao sujeito possibilidades de diferenciar, conquistar a suas


experiências e desenvolvê-las.

C. O trabalho do professor exprime a relação fundamental, que a aplicação do


conhecimento é sempre um problema da Ética

O professor atua e realiza o seu papel social não só aplicando conhecimento e com
determinadas técnicas, mas, sobretudo, realizando o seu papel social pelos efeitos que produz
como personagem. Ele representa um modelo vivo e dinâmico entre conhecimento e a sua
relação pessoal com o que é conhecimento, com a sua atitude pessoal com ele.

A formação do professor na universidade não pode se reduzir a um sistema de


métodos e técnicas de ensino. É necessária uma concepção sobre o que é conhecimento e suas
funções sociais na sociedade, assim como uma compreensão sobre a relação entre
conhecimento e formação.
50

5. A concepção de desenvolvimento e a questão dos estágios em Vygotsky

1. Desenvolvimento como processo fundamentalmente social e cultural1

O gesto de apontar no primeiro ano da criança pode ser considerado com modelo de
desenvolvimento3. À primeira vista, o gesto de apontar não tem nada ou bem pouco a ver com
uma concepção de desenvolvimento. Mas, gostaria de usar este gesto como uma metáfora,
que traz, ao meu ver, um potencial enorme de esclarecer aspectos básicos do desenvolvimento
como processo social e cultural.

O autor destaca três fases na ontogênese do gesto de apontar:

Na primeira fase, trata-se de um simples movimento espontâneo da criança, orientado


a um determinado objeto que ela não consegue alcançar. Inicialmente, o bebê de 6-7 meses
tenta pegar com a mão um objeto - um chocalho, por exemplo, fora do seu alcance. Estica a
mão rumo ao chocalho, fazendo no ar um movimento de pegar, sem conseguir tocá-lo. Do
ponto de vista do bebê, este é um gesto dirigido ao chocalho, uma relação externa entre ele e o
brinquedo, uma tentativa mal sucedida de alcançar este objeto.

Na segunda fase, o outro, neste caso a mãe, interpreta esse movimento atribuindo-lhe
um significado (indicador do desejo da criança). Assim, ocorre uma transformação na
situação.

Observando a tentativa da criança de pegar o chocalho para si, na verdade a mãe estará
interpretando aquele movimento mal sucedido de pegar um objeto como tendo o significado:
"Eu quero aquele chocalho". Isto converte o movimento em gesto ou sinal para o outro,
embora não seja ainda para a criança. Como resultado, esta atinge o objetivo que deseja, não
de forma direta, mas pela mediação do outro.

Por fim, na terceira fase, a criança capta, numa experiência pessoal, o significado que
o seu movimento tem para o outro, convertendo-o, assim, em signo para ela. Dessa maneira,
quando desejar de novo o objeto, em vez de indicá-lo ao outro, a criança se dirige à pessoa,
em forma de pergunta, como mediador entre ela e o objeto. Ao longo de várias experiências
semelhantes, a própria criança começa a incorporar o significado atribuído pelo adulto à
situação e a compreender seu gesto como o ato de apontar este objeto desejado. Aquele
movimento de pegar transforma-se no ato de apontar, com uma interação orientada não mais
3
Vygotsky desenvolveu este exemplo pela primeira vez na “A pedologia do período da adolescência”
(1930/1931). Na “história do desenvolvimento das funções psíquicas superiores” (1931) este exemplo é mais
concretizado. Aqui ele em primeiro lugar a mudança qualitativa da interação social entre mãe e bebê mediada
pelo signo e mostra o enorme significado filogenético e ontogenético dessa mediação (Vygotsky, 1987, p. 159).
Este exemplo faz parte do último período do trabalho de Vygotsky. Neste período ele muda e modifica a sua
abordagem, apresentando também uma autocrítica implícita.
51

para o objeto, mas para a outra pessoa. O significado do gesto é inicialmente estabelecido por
uma situação objetiva e social, depois interpretado pelas pessoas que cercam a criança e, a
seguir, incorporado pela própria criança, a partir das interpretações dos outros.

Agora, o que este modelo tem a ver com a educação em geral e particularmente com a
relação ensino-aprendizagem?

Todas as novas pesquisas sobre a interação entre a mãe e bebê no primeiro ano
(STERN, 1990; TREVARTHEN, 1979a, b) concretizam, no fundo, o modelo vygotskiano.
Mãe e bebê estão intensivamente ocupados com a tarefa de desenvolver uma
"intersubjetividade”, quer dizer, uma subjetividade que tem a ver com as duas pessoas. No
centro dessa tarefa está a construção da capacidade de compartilhar as intenções do outro.

Essas pesquisas provam que o bebê ensina à mãe como ela poderia inserir o seu
comportamento no próprio comportamento do bebê.

Do outro lado, a mãe ensina literalmente o seu bebê a conhecer e entender o que são os
próprios sentimentos dele. Como e em qual forma? A mãe com o seu rosto, com todas as
expressões de alegria e de tristeza da mímica apresenta para o bebê o primeiro espelho onde
ele pode olhar a si mesmo. Todas essas expressões miméticas, no rosto da mãe, correspondem
exatamente às emoções e aos afetos expressos pelo rosto do bebê.

A estrutura dessa "subjetividade" mostra um intercâmbio contínuo entre aspectos


recíprocos e aspectos complementares por parte do bebê e da mãe. As emoções e os afetos são
a base desse intercâmbio.

Entre 4-5 meses começa um período novo, onde os objetos começam a ter um papel
principal nessas interações. Também se nota uma mudança qualitativa.

No final deste período, quando o bebê tem mais ou menos um ano, acontece este
grande evento do primeiro gesto de apontar. A operação do gesto é a primeira ação da criança,
possuindo a clara estrutura de um signo com o qual a criança agora consegue relacionar-se, ao
mesmo tempo, com um objeto e com pessoas numa ação de colaboração. Com isso, a criança
conscientiza os aspectos comunicativos do próprio comportamento. Ela consegue ver a
relação entre as suas ações e as ações da mãe, porque ambas têm um objeto, ou mais preciso,
um objetivo em comum, uma intenção comum.

Ao meu ver, é muito importante uma certa qualidade no comportamento da mãe. Esta
supõe continuamente que o bebê já seja um sujeito tal qual um "companheiro", equivalente
nessa interação ao que o bebê objetivamente não é. E obviamente, através dessa suposição, o
52

bebê torna-se num longo processo do seu desenvolvimento um sujeito e companheiro


equivalente.

Vygotsky dá importância aos instrumentos e signos na base e na origem das funções


psicológicas superiores. Ao contrário de Piaget, ele supõe que este desenvolvimento não vai
em direção à socialização, mas no rumo da transformação das relações sociais em funções
psíquicas. Na sua crítica à Piaget (1932) e no seu “Estudo sobre os recém-nascidos” (1932)
ele descobriu que a sociabilidade do homem representa a base fundamental e que a cultura é
secundária e derivada. Cultura é um produto da vida social e da atividade comunitária dos
homens - instrumentos e signos foram feitos para serem meios sociais, órgãos sociais. Com
isso, ele desiste do seu antigo “conceito de domínio”, segundo o qual o indivíduo domina
controla, através dos seus meios culturais, o seu próprio comportamento, superando um
determinado mecanismo deste conceito.

Agora, a criança é considerada desde o princípio como parte do social como um todo,
mas sempre como sujeito dessas relações sociais. Ela participa desde o seu nascimento na
vida social da qual ela faz parte. O social não é considerado como algo exterior, como uma
força alienada que exerce uma pressão na criança e que força as formas sociais, ou seja,
objetivas, de pensar.

A sociabilidade da criança pertence, desde o começo, aos aspectos essenciais da


existência humana. O ambiente social é uma condição fundamental para o desenvolvimento
da criança, para a origem e diferenciação das suas qualidades e funções humanas.

Com respeito ao período de lactância, Vygotsky descreve a situação do bebê num


sentido prático como “dependência incomparável da criança com o adulto: cada relação,
também a mais elementar com o ambiente, é sempre uma relação mediada pela relação com
um outro homem. [...] Cada relação da criança com os objetos é uma relação realizada com a
ajuda de uma outra pessoa ou por uma outra pessoa” (VYGOTSKY,1978, p. 108).

Nessa fase existe uma contradição que sobressai entre uma relação máxima do social
do lactante, de um lado, e, de outro, as suas possibilidades mínimas de comunicação, uma
contradição que determina o desenvolvimento nessa idade e conduz para o primeiro gesto de
apontar, ou seja, para o primeiro signo. Para a atividade da criança existe só um caminho
rumo ao mundo exterior, e este se realiza apenas através de uma outra pessoa.

Encontramos, aqui, a perspectiva decisiva com respeito à pergunta: Como se


transformam as relações sociais em funções psíquicas? A colaboração representa a origem
53

das funções psíquicas superiores. O ambiente social não é uma condição exterior do
desenvolvimento psíquico da criança, e sim a essencial condição interior.

Com isso, a categoria central da sua teoria do desenvolvimento torna-se a categoria da


colaboração da criança com outras pessoas. A cooperação ativa da criança com outras pessoas
não representa só a fonte primordial do desenvolvimento das qualidades internas individuais
da personalidade da criança, mas sim, a fonte permanente de um desenvolvimento superior
principalmente aberto.

Dessa forma Vygotsky superou a tese primeira de que a função psíquica superior
tivesse origem só no domínio da criança sobre as suas funções psíquicas elementares
mediadas por instrumentos. Importante agora é: a sociabilidade do homem não é uma
característica invariante. Pelo contrário, cada estágio do desenvolvimento pode ser
caracterizado através de uma forma própria da sociabilidade que pertence a ele.

Gostaria de ser mais preciso, voltando novamente ao nosso exemplo acima já


apresentado, e pergunto: como se criam novas funções psíquicas superiores nas ações
recíprocas e complementares no contexto de colaboração?

O abastecimento e o cuidado prático do bebê representam a base para a construção de


interações sociais, precisamente para a construção de diálogos rítmicos entre criança e mãe,
com atividades recíprocas e complementares. Por um lado, predominam no início as
atividades complementares da mãe; por outro lado, o bebê dirige ativamente, desde o início,
as interações com a sua mãe, tal como os olhares, movimentos e vocalizações da mãe com os
seus próprios estando em sincronia; ao mesmo tempo o bebê está compensando ativamente
todos os distúrbios deste diálogo.

Depois, as atividades recíprocas entre os dois tornam-se centrais, significando


repetições e variações do outro. Antes de tudo recebe a capacidade de imitar do bebê um
empurrão para frente. Ele não nasce com um espelho. O seu primeiro espelho é de fato o rosto
da mãe. Podemos generalizar: só através da relação com um outro homem consegue-se
relacionar-se a si mesmo, como já dizia K. Marx.

Da integração das atividades recíprocas e complementares formam-se as primeiras


ações cooperativas com objetos, que se encontram em múltiplas formas como “give and take”
(dar-e-pegar) jogos no mundo inteiro e em todas as culturas.

Numa troca de emoções e afetos, ambos ensinam e aprendem como se partilham


interações com o outro, construindo intenções em comum. Mãe e bebê alcançam por meio do
seu “trabalho de maneira prática”, suas regras da “comunhão”.
54

Se observarmos as atividades recíprocas num nível mais geral, poderemos afirmar que
a vida social representa uma rede de tais comportamentos recíprocos: eu estou falando, e
vocês estão me ouvindo; depois vocês falam e eu os ouço; eu abro a porta para vocês; vocês
me abrem a próxima porta; eu dou a mão para vocês e vocês me dão as suas mãos; eu ofendo
vocês e vocês me ofendem.

Se formos além da superfície destas atividades, então receberemos um núcleo lógico,


uma concepção abstrata do que é a reversibilidade. Se Porto Alegre está a 500 km de
Florianópolis, então Florianópolis está a 500 km de Porto Alegre. Se você é tão gordo como
eu, então eu sou tão gordo como você. A reciprocidade nas interações sociais conduz a uma
simetria nas relações lógicas. Se uma proposição numa relação simétrica é verdadeira, então a
relação inversa também deve ser. Semelhante a isto eu poderia agora apresentar as relações da
não reversibilidade, mas devo ser breve.

Se nós retratamos bebês a respeito de como eles estão participando nos processos
sociais, então nós estamos brincando com eles de reciprocidade, transitividade, simetria etc.
Assim, construímos com eles um modelo que eles podem desenvolver e diferenciar. Se depois
eles participarem de processos semelhantes na sala de aula, então eles se inclinarão a
interiorizar aspectos lógicos destes processos sociais em forma de relações lógicas.
Naturalmente, não se podem delinear, diretamente, receitas práticas para o ensino na sala de
aula, mas ao menos uma perspectiva teórica sobre as origens das funções mentais superiores,
pelas interações sociais.

2. O problema dos estágios

A sociabilidade faz parte da natureza do homem desde o início e ela apresenta a


condição essencial para o desenvolvimento psíquico da criança. Esta sociabilidade não se
apresenta como uma propriedade invariável e fixa do indivíduo. Cada faixa etária ou estágio
pode ser caracterizado através da sua própria forma de sociabilidade. Por exemplo: o estágio
do primeiro ano apresenta um período que não se repete, ou seja, uma situação social única,
cujo caráter peculiar se diferencia fundamentalmente dos outros períodos.

Para o bebê (o estágio do primeiro ano), o adulto é o centro de cada situação concreta.
Todas as relações do bebê com o seu ambiente são sempre mediadas pela sua relação com o
adulto, neste caso, a mãe. Isso cria uma contradição fundamental, determinada pelo processo
de desenvolvimento do bebê: por um lado é uma situação com uma intensidade social máxima
e por outro lado o bebê não possui as condições mínimas para comunicar-se.
55

O núcleo desta faixa etária é descrita por Vygotsky como o conceito de “Ur-Wir-
Situation” (relação básica de indisociabilidade entre mãe e filho). Este conceito, para mim
intraduzível no português, representa o “nós” (uno) como uma consciência básica original da
relação mãe e filho, num estágio de continuidade da relação intra-uterina, que só será possível
dissolver em estágios mais avançados.

A vida psíquica do bebê está caracterizada por dois aspectos fundamentais: por um
lado as vivências das emoções, afetos e percepções que ainda não estão diferenciados do seu
ambiente externo, mas, por outro lado, a relação com o adulto é o caminho que o bebê
encontra para se relacionar com o mundo externo e dessa forma poder diferenciar-se.

Cada fase representa para Vygotsky uma situação específica e irrepetível do


desenvolvimento social, onde a criança adquire novas qualidades da sua personalidade. A
seqüência de tais fases é considerada como uma sucessão de períodos críticos e estáveis. O
ambiente social como condição interna representa o fator essencial e principal do
desenvolvimento das crianças e dos jovens.

Para poder dividir o desenvolvimento em fases por idade, é necessário, segundo


Vygotsky, apropriar-se do critério da construção de novas formações psíquicas. O período
desde a crise do recém-nascido até a crise do adolescente abrange no total 11 etapas. Segundo
este esquema:

1. Deve-se determinar a fase crítica, que introduz sempre um período novo, o


início de uma nova situação social;

2. Deve-se analisar a formação da nova situação social; e descobrir as suas


contradições internas;

3. Deve-se analisar separadamente a gênese das novas formações;

4. Deve-se caracterizar precisa e cuidadosamente estas novas formações, que já


têm dentro de si a desintegração e a destruição da situação social respectiva
(ELKONIN, 1987; VYGOTSKY, 1987).

Para concretizar a sua posição, Vygotsky critica as três posições atuais sobre
desenvolvimento: na primeira posição o critério do desenvolvimento está fora, por exemplo
Educação ou Ensino são considerados como fatores principais; a perspectiva baseada na
chamada lei biogenética que considera o que é desenvolvimento como processo que repete só
no indivíduo, o processo filogenético da evolução. Em geral se encontra aqui a incapacidade
de compreender a estrutura interna do desenvolvimento e a sua essência. Na segunda posição
56

um único aspecto apresenta a base e o fator principal do desenvolvimento, por exemplo, a


sexualidade ou a dentição ou inteligência e não o desenvolvimento em si.

Finalmente encontramos concepções dualistas, onde o conflito entre princípio de


prazer e a sociedade determinam o que é desenvolvimento. Gesell considera, por exemplo, o
primeiro ano como ano mais importante na vida de um indivíduo. A dinâmica do
desenvolvimento apresenta depois só um processo de desaceleração. Isto significa que depois
do primeiro ano não é possível construir nada novo no processo de desenvolvimento.

A proposta de Vygotsky (1987, p. 56) afirma que:

Só as transformações internas do desenvolvimento em si, as suas rupturas,


suas quebras, suas contradições, apresentam uma base sólida para determinar
as faixas etárias ou os estágios principais do desenvolvimento, isto que são
as etapas principais do que nos chamamos o desenvolvimento da
personalidade de um sujeito.
Vygotsky propõe uma visão dialética do desenvolvimento, onde, continuamente se
propaga o que é o novo, o que não existia anteriormente nas etapas já estabelecidas. Ele nega
uma visão idealista que pensa que o fator principal do desenvolvimento seja a vontade de
viver (BERGSON). Desenvolvimento sempre apresenta para Vygotsky uma unidade
monística entre aspectos materiais, e psíquicos entre a sociedade com a sua história e cultura e
a personalidade.

No centro estão sempre as formações novas que correspondem a cada faixa etária; as
novas formações psíquicas apresentam sempre um novo tipo de atividade que caracteriza a
essência de cada estágio. As mudanças e transformações psíquicas e sociais, que se
desenvolvem em cada estágio como algo novo, determinam a consciência da criança, isto é, a
relação com o seu ambiente, a sua vida interna e externa.

Depois é necessário determinar a dinâmica e as transformações (passagem) de uma


faixa etária a outra. Este processo decorre em alguns estágios continuadamente (estágios
estáveis); em outros sucede como um processo determinado por crises fundamentais.

Os “estágios críticos”, que duram de alguns meses até o máximo de um ou dois anos,
transformam em pouco tempo os aspectos principais de uma personalidade nova.

1. Num estágio crítico o início e o fim não estão muito claros nem diferenciados. A crise se
desenvolve sem muito estardalhaço. O núcleo dela aparece no meio do estágio. Onde num
ponto culminante acontece uma agudização e uma aceleração da crise.
57

2. Óbvio é observar também que as crianças tentam fugir do sistema de ações pedagógicas.
Muito frequentemente encontramos conflitos agudos com os adultos do seu ambiente, isto não
acontecendo automaticamente a cada crise.

3. Desenvolvimento tem, nestes estágios, um caráter negativo. No centro encontramos


processos de negação de um movimento para afastar-se do velho, aspectos de desagregação,
desintegração e de ruptura, de tudo aquilo que foi construído no estágio anterior. As formas
tradicionais das relações externas e da vida interna se empobrecem. O que na etapa anterior
era um sucesso se transforma em um fracasso, a criança não pode continuar nesse estágio sob
pena de se sentir diminuída ou empobrecida (assim, por exemplo, na crise de três anos, de sete
anos e na transformação do bebê em infante).

A essência, a substância do desenvolvimento, é encontrada nas formações novas que


são muito peculiares e específicas num altíssimo nível, bem diferenciadas do que são os
estágios de desenvolvimento continuado ou estável. Nos estágios críticos as formações novas
têm um caráter de ritos de passagem que não entrarão no núcleo estável da personalidade.
Elas serão incorporadas pelas formações do próximo estágio, por exemplo, a linguagem
autônoma no primeiro ano da criança que perderá no próximo estágio sua existência
autônoma.

A proposta de Vygotsky:

A crise do recém-nascido

O bebê (2 meses até o final de 1 ano)

A crise da criança de 1 ano

A infância (1 até 3 anos)

A crise da criança de 3 anos

A idade pré-escolar (3 até 7 anos)

A crise da criança de 7 anos

A idade escolar (8 a 12 anos)

A crise do aluno de 13 anos

Puberdade (14 até 18 anos)

A crise dos 17 anos.


58

2. A estrutura e a dinâmica dos estágios

A tese principal: O processo de desenvolvimento apresenta em cada estágio uma


unidade inteira, um sistema que tem uma estrutura própria. (Vygotsky, 1987, p. 82). Os
estágios são formações inteiras, sistemas dinâmicos que determinam as linhas e as
perspectivas do desenvolvimento como uma unidade. Nunca o desenvolvimento decorre disso
que ao início é só um único aspecto da personalidade, aquilo que se transforma não determina
a mudança de toda a personalidade. A personalidade da criança se transforma com uma
unidade na sua estrutura interna. Sempre a unidade da estrutura determina linhas específicas e
aspectos particulares.

Como já foi dito acima, em cada estágio encontramos uma nova formação principal,
onde se agrupam outras formações novas que não são a principal. Pode ser que uma formação
principal do estágio anterior perde o seu lugar privilegiado e torna-se uma linha secundária ou
vice-versa. Importante é que cada estágio mostra a sua própria estrutura única e irrepetível.
Por exemplo: Nós compreendemos a consciência da criança como a relação dela com o seu
ambiente, como resultado das transformações físicas e sociais, como expressão integral da sua
peculiaridade essencial na estrutura da sua personalidade. Na passagem para um outro estágio
não se mudam só determinados aspectos específicos, nem só funções específicas ou atividades
específicas, mas se transforma a estrutura total da consciência. Ao mesmo tempo com a
transformação do sistema da consciência as linhas principais e as linhas não principais traçam
os seus lugares. Por exemplo, a linguagem autônoma se torna a linguagem geral. No estágio
escolar a linguagem apresenta uma linha específica e não a principal, como no estágio do
bebê.

O problema da dinâmica no processo da construção de uma nova formação psíquica

O aspecto primário: As relações entre a personalidade da criança representam em cada


estágio relações mutáveis. O meio ambiente social nunca é algo externo ou um sistema de
condições objetivas que existem independentemente da criança (isto seria uma perspectiva
biológica que unicamente vale para o desenvolvimento das espécies de animais).

Como já foi dito acima, ao início de cada estágio se formam as relações irredutíveis,
irrepetíveis e únicas entre a criança e o seu meio ambiente, sobretudo o seu meio ambiente
social

1. A situação social do desenvolvimento é o ponto de partida para todos os processos


dinâmicos, determinando totalmente as formas e as maneiras com as quais agora a
59

criança constrói as suas novas qualidades como personalidade. O caminho principal


onde o que é social se transforma a em algo individual.

2. A gênesis das formações psíquicas

Elas não são resultado, mas produto do desenvolvimento específico de cada faixa
etária. Encontramos a sua forma desenvolvida no final de determinado estágio.
Mediante as formações novas, a personalidade da criança se transforma em si mesma.
Isso significa que agora devemos partir da estrutura transformada da consciência da
criança para descrever as transformações de todo seu ser.

3. Os efeitos e as conseqüências das formações novas

Elas representam uma nova maneira de perceber a realidade externa e de agir dentro
dela, mas também uma nova forma de perceber a própria vida interna, uma nova forma
de atividade interna e das próprias funções psíquicas.

4. A transformação da situação social do desenvolvimento estabelecido

Na medida em que a velha situação se desintegra, a criança desenvolve e constrói uma


nova situação social correspondente ao novo nível de desenvolvimento. Esta
desintegração representa o ponto de partida para o próximo estágio (a transformação
desta situação social é o conteúdo principal de cada estágio crítico). As forças que
determinam o desenvolvimento da criança conduzem necessariamente para a negação
e para a destruição do velho como base do desenvolvimento, ou seja, elas determinam
a transformação do velho estágio e a passagem para a próxima faixa etária.

O fator principal e essencial: o meio ambiente social; o contexto social não representa
só uma condição externa do desenvolvimento psíquico da criança, mas sim a condição
essencial interna dela.

A categoria principal para cada forma do desenvolvimento está na colaboração da


criança com outras pessoas. Esta colaboração não é só a fonte, mas o fator primordial,
a fonte contínua para um tipo de desenvolvimento aberto, para desenvolvimento do
mais alto nível ( AUSGEWÄHLTE SCHRIFTEN, p. 85).
60

6. Vygotsky e a Educação

6.1. A relação entre aprendizagem e desenvolvimento

A análise da relação entre ensino-aprendizagem4 e desenvolvimento psíquico da


criança conduz Vygotsky a uma perspectiva nova e profunda na sua abordagem.

Existem três posições, três possibilidades de considerar essa relação5:

1. O desenvolvimento psíquico é independente do desenvolvimento

Torna-se a categoria da colaboração da criança com outras pessoas no processo de


desenvolvimento da criança. A aprendizagem não participa ativamente no desenvolvimento e
não o modifica absolutamente. A aprendizagem utiliza só os resultados do desenvolvimento,
em vez de se adiantar ao seu curso e de mudar a sua direção. Um exemplo típico desta
concepção é a teoria de Piaget: “A capacidade de raciocínio e a inteligência da criança, suas
ideias sobre o que a rodeiam, suas interpretações das causas físicas, seu domínio das formas
lógicas do pensamento e da lógica abstrata são considerados como processos autônomos, que
não são influenciados, de modo algum, pela aprendizagem escolar” (Vygotsky, 1994).

A aprendizagem escolar deve seguir o desenvolvimento. As funções psicológicas devem ter


atingido um determinado nível de amadurecimento antes que o processo de aprendizagem
possa começar.

2. Aprendizagem é desenvolvimento

Esta posição parte de premissas diferentes. Segundo a teoria de James, existe um


desenvolvimento paralelo dos dois processos, onde cada etapa da aprendizagem corresponde
uma etapa do desenvolvimento: “O desenvolvimento está para aprendizagem como a sombra
para o objeto que o projeta” (Vygotsky, 1994, p. 105). O princípio fundamental é a
simultaneidade, a sincronização entre os dois processos. No fundo esta teoria parte de uma
identificação total entre desenvolvimento e aprendizagem. A teoria de Thorndike confirma a
Aprendizagem como a principal força que atua no sentido de promovê-la. O desenvolvimento
cognitivo é considerado em última instância, como a sombra da aprendizagem. Aqui
desenvolvimento e a aprendizagem coincidem.

4
O termo russo obuchenie significa algo como “o processo ensino-aprendizagem”, quer dizer, o termo inclui sempre aquele
que aprende e aquele que ensina e a relação entre essas pessoas. Vygotsky usou o termo basicamente no contexto escolar e
tinha claramente em mente o ensino e aprendizagem de capacidades cognitivas e metacognitivas.
5
Veja Vygotsky, 1994. 103 p.
61

3. Aprendizagem e desenvolvimento se influenciam a si mesmos reciprocamente.

Essa posição tenta conciliar os dois pontos de vista contraditórios: o desenvolvimento da


criança baseia-se em parte nos processos de amadurecimento e em parte na aprendizagem. O
psicólogo Koffka da escola da "Gestalt” em Psicologia foi o primeiro a desenvolver esta idéia.
A partir deste princípio, Koffka afirma que uma criança aprendendo uma certa tarefa concreta
ao mesmo tempo aprende um princípio geral de estrutura, a qual será muito mais amplo do
que o que ela está concretamente aprendendo com essa tarefa. A criança, assim, dá um passo
no processo da aprendizagem e, ao mesmo tempo, dois passos no seu desenvolvimento.

Vygotsky não estava plenamente satisfeito com nenhum dos pontos de vista acima.
Aprendizagem e desenvolvimento são processos distintos e não devem ser confundidos.
Porém, o desenvolvimento da criança não pode ser visto de forma isolada em relação ao
processo de aprendizagem, uma vez que a relação entre esses dois processos é altamente
complexa e com certeza não deve ser comparada com a relação entre um objeto e a sua
sombra. Vygotsky desenvolveu a sua posição peculiar discutindo os processos de
alfabetização na escola.

Aprender a escrever traz consigo suas dificuldades específicas. Escrever nunca é só


um processo simples de traduzir as palavras faladas em signos. Escrever difere do falar em
muitos aspectos. Os objetos referidos não estão presentes, a situação concreta não existe. Com
todos os aspectos de emoção e de entonação, as possibilidades de apontar faltam por
completo. No processo de falar, a atenção da criança está concentrada naquilo que ela está
falando e não nas estruturas gramaticais de falar. Essas últimas ela já domina de maneira
implícita. O principal problema da escrita é tornar-se consciente de seus próprios atos. Em
suma, escrever significa, para a criança, conscientizar-se da sua própria fala.

Qual é a relevância disso para o problema de relação aprendizagem-desenvolvimento


cognitivo? A criança tem que adquirir, para aprender a escrever, as seguintes capacidades:
tornar-se consciente de seus próprios atos e poder representar objetos ausentes. Estas
capacidades nunca podem ser ensinadas diretamente pelo professor. O desenvolvimento
cognitivo não é o paralelo direto, ou a sombra imediata do processo educacional. A
aprendizagem capacita para uma série de processos de desenvolvimento.

Lembrando Hegel, Vygotsky concluiu que a criança tem que aprender a transformar
uma capacidade “em si” numa capacidade “para os outros”. Obviamente o instrumento da
escrita alfabética tem uma qualidade peculiar. O processo de escrever exige funções novas,
que nas crianças da pré-escola não estão desenvolvidas. O professor cria só as condições para
62

que determinados processos se desenvolvam sem implantá-los diretamente. Desenvolvimento


cognitivo nunca se pode ensinar diretamente. Desenvolvimento psíquico representa uma
função autônoma da criança, mas esta função precisa do contexto social, das formas sociais de
ensino-aprendizagem.

6. 2. A zona de Desenvolvimento Proximal

Para uma solução correta dos problemas, Vygotsky introduz aqui uma nova
concepção, com o famoso conceito de “zona de desenvolvimento proximal” que muda
radicalmente a teoria sobre ensino/aprendizagem e desenvolvimento6. Vygotsky denomina a
capacidade de realizar tarefas de forma independente como o nível de desenvolvimento real.
O nível de desenvolvimento potencial representa a sua capacidade de desempenhar tarefas
com a ajuda de adultos ou de companheiros mais capazes. A distância entre o nível de
desenvolvimento real e o nível potencial Vygotsky o define como “a zona de
desenvolvimento proximal” (VYGOTSKY, 1984, p. 92).

Com esta concepção podemos medir não só o processo de desenvolvimento até o


presente momento e os processos de maturação que já se aconteceram, mas também os
processos que ainda estão ocorrendo, que só agora estão amadurecendo e se desenvolvendo. A
área de desenvolvimento potencial permite-nos ver o amanhã da criança, os seus futuros
passos e a sua dinâmica de desenvolvimento:

A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não


amadureceram, mas estão no processo de amadurecimento, funções que
amadurecerão amanhã, mas que estão correntemente em um estágio
embrionário. Tais funções podem ser chamadas de “botões” ou flores do
desenvolvimento, em vez de serem chamadas de “frutos” do
desenvolvimento (Vygotsky, 1978, p. 86).

Segundo Vygotsky, a existência de pelo menos dois níveis de desenvolvimento, que


em si pode parecer pouco significativa, põe em dúvida todas as teorias sobre a relação entre
processos de ensino/aprendizagem e desenvolvimento da criança.

No fundo esse fato destruiu a posição tradicional de uma orientação prática da


pedagogia, pelo diagnóstico que assim se deixa apresentar: com o auxílio dos testes a
psicologia pedagógica determina o nível de desenvolvimento psico-intelectual da criança, que

6
Essa concepção significa também uma transição ou transformação importante na própria teoria. O foco de interesse se
desloca da atividade mediada pelo signo para a atividade socialmente mediada. O conceito de “z ona de desenvolvimento
proximal” integrou a atividade social na teoria, enquanto retinha o significado da mediação do signo e do instrumento na
compreensão da aprendizagem e do desenvolvimento humano (MOLL, 1996,p. 6; KEILER, 1996, p.75).
63

o professor deve considerar como um limite não superável pela criança. Isto significa que o
ensino deve orientar-se no “ontem”, no “dia já passado”, baseando-se no desenvolvimento já
produzido, na etapa já superada.

Na educação especial fica muito claro o aspecto negativo deste ponto de vista.
Crianças consideradas mentalmente atrasadas têm pouca capacidade de pensamento abstrato.
Os professores decidiram limitar todo o seu ensino aos meios visuais. Mas, esta orientação
resultou profundamente insatisfatória, porque este sistema de ensino baseado exclusivamente
em meios visuais excluía tudo quanto dizia respeito ao pensamento abstrato. Este sistema de
ensino não só não ajudava a criança a superar uma incapacidade natural, mas na realidade
consolidava extremamente tal incapacidade, eliminando todos os germes, “flores” ou “botões”
do pensamento abstrato:

A criança atrasada abandonada a si mesma, não pode atingir nenhuma forma


(mais desenvolvida) evoluída de pensamento abstrato e, precisamente por
isso, a tarefa concreta da escola consiste em fazer todos os esforços para
encaminhar a criança nessa direção. Para desenvolver o que lhe falta
(VYGOTSKY, 1994, p. 113).
Isso analogamente vale também para a criança normal. Um ensino orientado até uma
etapa já realizada é ineficaz do ponto de vista do desenvolvimento geral. Este ensino não é
capaz de provocar processos de desenvolvimento, mas vai atrás deles. E assim, a concepção
de “zona de desenvolvimento proximal” origina uma fórmula que contradiz exatamente o
ensino tradicional: “O único bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento”
(VYGOTSKY, 1994, p. 114).

Agora a concepção de “zona de desenvolvimento proximal” mostra um papel principal


e nuclear, numa perspectiva metodológica. O desenvolvimento da linguagem pode servir
como paradigma de todo o problema examinado. A linguagem origina-se, em primeiro lugar,
enquanto meio de comunicação entre a criança e as pessoas que a rodeiam. Só depois,
convertida em linguagem interna, transforma-se em função mental interna e torna-se o meio
principal do pensamento da criança própria. Como a linguagem interior e o pensamento
nascem do complexo de inter-relações entre a criança e as pessoas que a rodeiam, assim
também estas inter-relações são a origens dos processos volitivos da criança.

Surpreendentemente, o termo “zona de desenvolvimento proximal” recebe um papel


central metodológico. Esta lei fundamental sobre as origens das funções mentais superiores
vale também para o ensino-aprendizagem: a sua correta organização conduz ao
desenvolvimento mental, ativa todo um grupo ensino-aprendizagem, apresenta assim um
momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas
64

características humanas não naturais, mas formadas historicamente. A característica essencial


do ensino-aprendizagem engendra a “zona de desenvolvimento proximal”, “faz nascer,
estimula e ativa na criança um grupo de processos internos de desenvolvimento no âmbito das
inter-relações com outros, que, na continuação, são absorvidos pelo curso interior de
desenvolvimento e se convertem em aquisições internas da criança.” (VYGOTSKY, 1994, p.
115).

Esta concepção possibilita considerar, num contexto sistemático, as várias áreas da


gênesis social da consciência humana. Estas são, entre outras, o nexo entre aprendizagem e
desenvolvimento, o papel do brinquedo, da fantasia e, em geral, das interações sociais no
desenvolvimento humano.

Com essa concepção, Vygotsky descreve áreas e períodos onde uma transformação
dos processos interpsíquicos em processos intrapsíquicos é realizada. Ou seja: Em “zonas de
desenvolvimento proximal” se cria o novo, sempre mediado pelas específicas formas das
interações sociais.

Em todas as versões desta concepção7 Vygotsky mostra uma orientação para algo que
até agora não existia, com uma direção para o futuro, que ostenta a sua dinâmica já na
interação social, na colaboração com adultos ou companheiros mais capazes.

Mas, para encontrar “zonas de desenvolvimento proximal”, deve-se fazer mais do que
analisar a criança através de testes. Deve-se interagir, cooperar com elas, mostrar-lhes o ponto
de referência certo, estabelecendo relações múltiplas, denominadas por Vygotsky como
“ensino-aprendizagem”. Isto é exatamente oposto dos famosos métodos clínicos que Piaget
brilhantemente domina. Piaget questiona a criança à base dos erros dela, Vygotsky questiona
a criança a partir das respostas que ele deu a ela.

Uma imagem poderia ilustrar isso: Nossas crianças aprendem a caminhar porque nós,
os adultos, caminhamos. Elas têm uma resposta literalmente a sua frente, que está acima de
suas necessidades internas e externas: nós adultos estamos interpretando estas necessidades
internas ou/e externas da criança de aprender a caminhar como pergunta: “o que devo fazer
para caminhar?” ou “me ajuda a caminhar?” Cada criança transforma esta resposta, esta nossa
ajuda na sua própria maneira de caminhar. Nós conhecemos também as conseqüências se esta
resposta não existe ou não está disponível. Isso mostra dramaticamente o caso de um Kaspar
Hauser ou da criança de Avyron.

7
Veja Vygotsky, 1977, 240 p. e 258 p. e tal qual 1987, v. 2, 298 p.
65

Dar uma resposta, ser uma resposta, apresentar ou viver uma resposta para fazer
possível o novo, algo que não existia, isto sempre é de fato uma coisa prática. As respostas
que nós pedagogos estamos dando às crianças e adolescentes são para elas meios, com os
quais elas constroem as próprias perguntas. Esta perspectiva é exatamente oposta a uma
interpretação dogmática da “zona de desenvolvimento proximal”, onde pedagogos e
psicólogos pensam que podem determinar precisamente os conteúdos destas zonas. Aqui a
perspectiva metodológica de Vygotsky é reduzida a uma receita que é simplesmente o ensino
em grupos e/ou o trabalho em grupos na sala de aula. Nesta tentativa de definir ou determinar
o futuro desenvolvimento individual das crianças e jovens, através deste modelo, parece que
os psicólogos e pedagogos se tornaram o Rei Midas da mitologia. Tudo que é vivo se torna
ouro, uma coisa muito valiosa, mas mortal.

A “zona de desenvolvimento proximal” refere-se ao caminho que o indivíduo


percorrerá para desenvolver novas funções. Assim, a zona apresenta uma área em constante
transformação, uma área de problemas, de insegurança, de perspectivas novas e, ao mesmo
tempo, desconhecidas para o indivíduo.

Assim, o desenvolvimento pode ser visto como uma longa fileira de transformações,
de transgressões de uma atividade dominante à uma outra atividade. O conhecimento do
mundo dos adultos não traz dentro de si uma “teleologia” para o desenvolvimento das
crianças. A “zona do desenvolvimento proximal” é um diálogo entre a criança e o seu
futuro, nunca é um diálogo entre a criança e o passado de um adulto, de um professor
ou de uma sociedade.

Eu gostaria de apresentar uma interpretação que compreende esta área das ações das
crianças e dos jovens como um contexto para um diálogo entre o indivíduo e as diversas
tarefas, exigências e problemas e onde se incluem também os recursos e possibilidades de
uma existente cultura.

Neste diálogo, o indivíduo sempre está transgredindo e expandindo o seu “potencial


atual”, as suas realizações já estabelecidas, os seus resultados e as suas conquistas. O
indivíduo expande e transgride tudo isso, não somente através das habilidades e capacidades
já apresentadas por seus colaboradores oficiais (os professores, os pais), mas, pelo contrário,
isto se realiza através de uma crítica deles e da construção de atividades e idéias novas.

Entrar numa “zona de desenvolvimento proximal” significa sempre entrar numa área
não totalmente esclarecida nem conhecida. Conflitos, distúrbios, problemas, comportamentos
problemáticos, falta de coordenações nas atividades atuais de um indivíduo etc., podem ser
66

compreendidos como sintomas importantes desta entrada. Eles podem ser interpretados como
contradições internas entre as exigências de uma certa situação e os limites dos instrumentos e
meios disponíveis. A “zona de desenvolvimento proximal” inclui modelos de um passado,
modelos de um futuro e um sistema de atividades dos indivíduos, que resolvem estas
contradições entre passado e futuro através e nas suas atividades atuais.

Podemos resumir que o desenvolvimento humano representa uma unidade dialética


entre desenvolvimento individual e social. O desenvolvimento é a produção real dos
sistemas, novas atividades, e nunca uma simples apropriação de atividades, novas apenas para
um indivíduo.

6. 3. Vygotsky e a Educação

A obra completa de Vygotsky exprime a pergunta: o que podemos entender por


“desenvolvimento”? Vygotsky tematiza o desenvolvimento a partir do contexto que, para ele,
é a cultura. Isto significa que a sociabilidade é a segunda natureza do homem.

Num modo radical e revolucionário ele propõe o seguinte problema: “como se pode
pensar o processo do desenvolvimento do indivíduo e ao mesmo processo do
desenvolvimento da sociedade como um conjunto, como um contexto dialético sem reduzir
um processo ao outro?” Este problema se diferencia em diferentes perguntas:

Como se pode pensar o processo de apropriação da cultura como um processo de


criação da cultura, um processo onde se origina o novo?

Como se pode pensar o processo de aprender como um processo de ensinar?

Por que a concepção de desenvolvimento é uma teoria de educação?

A concepção de “zona de desenvolvimento proximal” apresenta um potencial para


construir respostas para estas perguntas. A “zona de desenvolvimento proximal” contém
modelos de futuro, modelos de passado e atividades novas, as quais resolvem as contradições
entre aqueles.

Todas as formas superiores de percepção, da memória, do pensamento, das emoções


etc., são caracterizadas pela consciência e pela vontade. Elas se desenvolvem no indivíduo
somente se ele cresce entre formas socializadas de vida, ou seja, num contexto cultural. Todas
as formas superiores de processos psíquicos são fundamentalmente mediadas, porque vontade
67

e consciência precisam da existência de respostas e de pessoas que as dão. Estas “respostas”


nada mais representam que o sistema como arsenal de um instrumentário psíquico,
materializado em formas de instrumentos e signos, elaborados pela sociedade na sua história.

Mas, no processo de interiorização, cada indivíduo não só reproduz e repete o que já


foi elaborado pela sociedade na sua história, como transforma essas “respostas” no processo
individual do seu desenvolvimento, quer dizer, a cultura como resultados, como história,
como modelos das relações sociais em meios pessoais para construir as suas perguntas. O
processo de transformação dessas “repostas” em consciência individual representa um
processo de transformação de fenômenos e modelos autônomos e exteriores na cultura interna
do pensamento e sentimentos, criando, ele próprio, esta cultura dinâmica condensada no
indivíduo. Obviamente, o núcleo desta cultura interna é a fala interior. Esclarecendo a sua
lógica específica, Vygotsky consegue provar que ela se manifesta como uma forma de
criatividade orientada para um futuro, como modelos novos ainda não existentes e reais, só
potencialmente possíveis. As relações sociais não entram simplesmente na fala interior, elas
conquistam e recebem um novo, ainda não realizado sentido, uma orientação para a atividade
externa, para uma materialização. A consciência representa, assim, um diálogo de modelos
histórico-culturais internalizados nas vozes diferentes do meu próprio “eu”. Talvez o discurso
entre elas funcione como um postulado de criar e materializar o novo, quer dizer, novos
fenômenos culturais.

Porque a concepção do desenvolvimento em Vygotsky é coincidentemente uma teoria


de educação, enquanto uma teoria da transmissão cultural é uma teoria do desenvolvimento.
Por “educação” Vygotsky entende não apenas o desenvolvimento do potencial do indivíduo,
mas a expressão histórica e o crescimento da cultura humana a partir da qual o Homem
emerge, como no dizer de J. Bruner (1987, p. 1-2). Num determinado sentido isso é uma
subestimação dessa abordagem. Por “educação” Vygotsky entende a mediação entre o
desenvolvimento individual e social. A “zona de desenvolvimento proximal” representa um
instrumento teórico e metodológico para descrever e analisar esta mediação, como a
construção do novo. Por isso a educação é a quinta essência da atividade cultural.

Talvez agora fique mais claro o porquê de Vygotsky ter se dedicado ao ensino durante
toda a sua vida profissional; foi professor de literatura, estética, história da arte e psicologia.
A educação das crianças deficientes sensoriais e mentais ocupou um espaço enorme e
importante em seus estudos. Foi pedagogo, professor, antes de ser psicólogo, e manteve
sempre uma preocupação em relacionar educação e psicologia. Ele criticou uma psicologia
ocupada em problemas de aprendizagem que não levavam em conta os aspectos socio-
68

institucionais do ensino-aprendizagem. Vygotsky enfatizava a escola como o próprio lugar da


psicologia, porque nela se realizavam sistemática e intencionalmente a gênesis das funções
psíquicas superiores. Ele considerava a escola um verdadeiro laboratório humano (FREITAS,
1995, p. 99).

Escola e educação funcionaram como o centro de interesse para Vygotsky. Os grandes


temas educacionais foram: a criatividade das crianças, o papel do brinquedo, a relação entre
linguagem e pensamento, a relação dos conceitos cotidianos e científicos e a relação entre
aprendizagem e desenvolvimento. No núcleo principal destes grandes temas estava a
pergunta: “como e em que maneira se origina o novo na dialética entre desenvolvimento
social e individual?”

Mas, este conceito de educação não era um modelo idealístico, normativo e


moralístico num sentido pejorativo?

Como abordado no início desse texto, a proposta de Vygotsky é uma expressão


concreta e imediata do período mais importante da cultura e da ciência na história da União
Soviética, que começou com a revolução de outubro e que foi brutalmente interrompido pelo
regime estalinista. Vygotsky teve a firme convicção de trabalhar para a construção de uma
sociedade nova, uma sociedade socialista onde faltasse cada base para uma alienação entre
desenvolvimento individual e social. As obras de Vygotsky e sua equipe mostram claramente
a preocupação em produzir uma ciência que tivesse relevância para as diferentes áreas da
prática, sobretudo a educação, a prática médica de reabilitação, a educação especial.

A partir daí podemos compreender melhor as palavras “cultural” e “histórico”, com as


quais esta abordagem foi denominada. “Cultural” significa que cada sociedade organiza a
partir do seu nível de desenvolvimento os problemas e as tarefas com as quais cada indivíduo
desta sociedade deve se confrontar. Significa também dar as possibilidade e proibições de
acesso a todos os instrumentos mentais e materiais que permitem soluções. “Histórico”
significa que estes meios e instrumentos e também as formas e modelos de relações sociais
foram elaborados em um longo processo da história social dos homens.

A concepção de “zona de desenvolvimento proximal” representa uma proposta que


muda radicalmente todo o sistema escolar, com o seu papel e sua função do conhecimento, do
professor e dos alunos. O sistema fundamental de colaboração de ensino-aprendizagem
transforma o grupo dos alunos e do professor numa comunidade de pesquisa, convertendo o
que é o conhecimento num instrumento. A acentuação dos instrumentos salienta o papel da
atividade e dos sujeitos desta atividade. E de outro lado também a relação dos instrumentos.
69

A atualidade do pensamento de Vygotsky pode consistir no que ele nos mostra de forma
impressionante: um problema que é ao mesmo tempo um postulado, uma teoria sobre o
desenvolvimento é sempre uma teoria sobre o futuro.

6.4. Vygotsky e a Educação Especial

(ou Proposta para uma releitura do que é educação através da educação especial em
Vygotsky)

Lev Semenovich Vygotsky é conhecido como um dos mais originais cientistas e


humanistas do século 20. Impressionante é o seu talento e a enorme produção durante sua
curta vida, sendo reconhecido como Mozart da Psicologia. Realmente é difícil imaginar que
um homem que somente viveu 38 anos, interrompido por períodos em quais esteve muito
doente, tenha produzido tanto e em tão diferentes áreas, que foram da arte até à Psicologia, da
ciência da cultura até à pedagogia para deficientes.

Ele foi um resultado da sua época, um cientista apaixonado e revolucionário, que tinha
uma visão do desenvolvimento humano avançada para sua época e para o estágio em que se
encontravam as ciências da educação e da psicologia.

Por que na entrada do século 21 seus trabalhos nos parecem tão modernos,
provocativos e controvertidos? Controvertida é acima de tudo a sua concepção do ser
humano e seu desenvolvimento para o qual ele tem como escala absoluta a eficiência, a
eficácia e os resultados de uma produtividade de trabalho.

O que nos surpreende na concepção de Vygotsky é que pensamento, sentimento,


percepção e vivência humanas - como ele define as altas funções psíquicas - tenham uma
qualidade social. Espanta-nos sua tese de que a qualidade social se desenvolve nas interações
entre os seres humanos. Impressionante sua concepção de que meios como instrumentos
materiais e psíquicos de uma cultura apresentam seu potencial e sua dinâmica só nas suas
interações sociais.
70

O provocante nisto é que os indivíduos não são vistos como resultados do seu meio
social. Vygotsky considera o indivíduo como singular e irrepetível. Os indivíduos constroem
estas qualidades não se colocando contra o que é cultura ou sociedade, mas mediante a
apropriação da sua cultura.

Mas, isso vale também para as crianças portadoras de deficiência, como para cegas,
mudas ou deficientes mentais?

Vygotsky trabalhou grande parte da sua vida profissional na área de crianças com
problemas. Aqui encontramos a base de uma abordagem que permite ver a educação especial
numa nova perspectiva, mas também a relação entre pedagogia geral e educação especial,
duas áreas que tradicionalmente são bem separadas uma da outra. Por que e em que formas?
Para isso pretendo brevemente, esboçar as formas desta separação, a história desta separação
e, finalmente, a crise da pedagogia atual; as contribuições de Vygostky para os problemas
atuais da pedagogia e psicologia - as necessidades materiais, quer dizer, sociais e históricas de
construir um novo paradigma evidenciando o indivíduo como sujeito da sua própria vida
social e cultural e concretizar sua abordagem na educação especial como provocação e como
crítica a uma pedagogia geral.

1. Vygotsky e a Educação Especial

Passo agora a apresentar algumas idéias de Vygotsky sobre o que é a deficiência:

1. Para Vygotsky não existe nenhuma criança deficiente - elas não são deficientes,
elas têm uma deficiência.

O que poucas vezes é compreendido é que essa deficiência está relacionada com
parâmetros estabelecidos por índices produzidos por uma determinada sociedade, por uma
dada cultura e por uma estabelecida lógica de qualidades, e até por conceitos estéticos.

A criança que tem o seu desenvolvimento prejudicado por deficiências intelectuais,


sensoriais ou emocionais, não é, somente, uma criança deficiente em comparação à outra
criança considerada “normal”, mas também se desenvolve de forma diferente. Uma
deficiência existente numa criança leva a mesma a compensar esta, trilhar outros caminhos de
desenvolvimento. Uma criança cega reage contra a sua cegueira; uma criança com uma
deficiência psíquica tenta compensá-la muito, frequentemente, em forma de sobre-
compensações referentes às suas capacidades intelectuais limitadas. Todo desenvolvimento
que é detido por uma deficiência representa para Vygotsky um processo criativo. As funções
71

concretas de um tal processo como repor, exagerar, igualar, conseguem criar caminhos
diferentes, ligações diversas e desta forma se cria alguma coisa de novo. Ele afirma que uma
criança com uma deficiência supera seus problemas com um universo de novas e ilimitadas
formas de desenvolvimento.

Este é para Vygotsky o aspecto positivo de uma deficiência. Ele concretizou isso sobre
tudo nos exemplos de crianças com uma deficiência de aprendizagem ou uma deficiência
mental.

Apaixonadamente e vigorosamente combate a denominações de crianças como


deficientes, disfuncionais e primitivas. Tais termos são identificados como negativos que
bloqueiam a compreensão das qualidades da diferença em crianças com deficiência.

Por que tais termos negativos escondem a riqueza da diferença de processos de


desenvolvimento e apropriação? Vygotsky nos dá um exemplo excelente: se nós descrevemos
uma cor como não preta, então nós pensamos em uma grande variedade de cores: amarelo,
azul, vermelho, verde e muitas outras. Sistematizar e ordenar todas estas cores numa única
classe ou num único grupo, obviamente não dá sentido e não nos ajuda a compreender essas
cores. Analogamente, o conceito de deficiência não nos ajuda a compreender cientificamente
nem nos ajuda a desenvolver uma prática terapêutica concreta. Uma criança portadora de
necessidades é positiva de forma fascinante e única, porque ela tem estratégias excelentes nos
processos de apropriação, os quais não podemos entender se vemos somente o que falta, em
comparação com crianças normais, porque as crianças portadoras de deficiências são capazes
de desenvolver novos processos de apropriação que para cada criança são únicos e especiais.

2. Para Vygotsky o termo criança deficiente traz conseqüências e reações sociais


muito mais problemáticas do que a simples deficiência, em si, pode trazer. Frequentemente
desenvolvimento, educação e ensino de crianças portadoras de deficiências não são abordados
para superar as condições específicas das deficiências. O contexto social nas quais está
inserida a criança é muito mais importante para determinar o que significa na nossa sociedade
ser um portador de deficiência. Assim, se conduz a criança a perceber o quanto é significativa
sua deficiência para sua inserção na sociedade. Com isto, se incentiva em nível institucional e
social o complexo de inferioridade e a baixa auto-estima, identificadas, sobretudo, como
conseqüências da pressão social que se exerce sobre uma a criança deficiente para torná-la
uma criança “normal”. Se a aceitação social nas diversas formas de vida de uma criança com
uma deficiência pudesse ser melhorada, consequentemente as barreiras poderiam cair, ou seja
o complexo de inferioridade diminuiria e melhoraria a auto-estima.
72

3. Segundo Vygotsky, as crianças com deficiências mentais deveriam ser vistas como
simplesmente crianças normais com processos mentais funcionando em um nível
diferenciado. Vygotsky lutava também contra um conceito homogêneo de inteligência ou de
desenvolvimento da inteligência. Ele refletia o desenvolvimento de crianças de várias formas.
E estas formas tinham para Vygotsky muita relação com a metamorfose. Isto se tornou
explícito quando ele fez uma comparação de crianças pequenas com crianças mais velhas. Por
exemplo: o desenvolvimento da fala de crianças até dois anos é totalmente diferente de
crianças com seis ou sete anos. A mesma diferença existe na fala de uma criança mais velha
com a fala de um adulto. Do mesmo jeito a fala de uma criança com deficiência se desenvolve
qualitativamente diferente da fala de uma criança sem deficiência. Além disso, Vygotsky
ressaltava a importância das diferenças individuais entre as crianças da mesma idade e da
mesma condição.

4. O desenvolvimento das crianças portadoras de deficiências mentais e das crianças


“normais” pode ser compreendido em dois níveis diferentes: o nível intelectual e o nível
cultural.

As crianças desenvolvem primeiro a sua percepção e a sua motricidade, depois


desenvolvem a capacidade de relacionar ambos os aspectos, posteriormente desenvolvendo as
emoções, memória e pensamento. Em nível cultural, as crianças se apropriam daqueles
esquemas e modelos da sua cultura que estão vivos nas interações entre os indivíduos, por
exemplo: os esquemas que exprimem a felicidade, a tristeza ou outras emoções. No
desenvolvimento de crianças normais temos um evento muito importante, que Vygotsky
esclareceu no seu famosíssimo estudo “Pensamento e Linguagem”. Aqui ele se perguntava
como se desenvolvia o pensamento da criança quando o pensamento aprendia a falar, quer
dizer, quando o pensamento da criança se deparava com as experiências que a sociedade na
sua longa história materializou e cristalizou em palavras e conceitos. Aqui a linguagem da
criança torna-se um meio muito peculiar e poderosíssimo que não somente influencia as suas
percepções, mas também estrutura as suas emoções, vontades e ações motrizes. O
desenvolvimento posterior decorre, a seguir, de um contexto de aprendizagem cultural, no
qual a criança se apropria com uma facilidade enorme da cultura que a circunda, como seu
universo real, e estruturando através dele a sua personalidade.

Isso não necessariamente acontece com a criança portadora de deficiência mental.


Devemos aprender a compreender que seu desenvolvimento intelectual acontece de numa
maneira diferente de uma criança normal. A criança portadora de deficiência mental não pode
usar na mesma forma e com a mesma facilidade a possibilidade e as vantagens de apropriar-se
73

da sua cultura. O desenvolvimento decorre aqui de um nível cultural e um nível intelectual


diferente. Assim como conhecemos pessoas intelectualmente normais ou brilhantes que não
conseguem chegar às diversas formas de um aprendizado cultural, como, por exemplo, um
analfabeto que pode ser brilhante na música, ou em outra área do conhecimento, assim
também encontramos crianças portadoras de deficiência cultural que podem ser mais
avançadas no nível de aprendizado cultural do que numa perspectiva tradicional, perspectiva
esta que relaciona automaticamente deficiência mental com um nível cultural primitivo.

Para mim, como estudioso de Pedagogia o, o trabalho teórico e prático de Vygotsky


abre perspectivas para compreender em uma nova qualidade o que é deficiência, ao mesmo
tempo em que oferece um contexto teórico para compreender as diferentes experiências
práticas e terapêuticas como sistema.

Concluindo:

 O conceito de deficiência pode nos transformar numa concepção realista ou monista, que
nos ajuda a compreender as formas únicas e criativas nas quais cada criança portadora de
deficiência se desenvolve.

 O desenvolvimento de uma criança portadora de deficiência é qualitativamente diferente,


quer dizer, esse não é mais lento ou tem um nível mais baixo com respeito a um conceito
muito problemático de inteligência.

 Um contexto social compreensivo destas diferenças representaria para cada criança


portadora de deficiência um obstáculo a menos, sendo desnecessário superar seu complexo
de inferioridade ou aumentar a sua auto-estima.

 Capacidades intelectuais são muito diferentes em crianças normais e crianças portadoras de


deficiência. O desenvolvimento delas ocorre de maneiras e formas únicas, de acordo com
cada contexto social e cultural.

Como tratado anteriormente, o desenvolvimento humano tem, segundo Vygotsky, dois


aspectos fundamentais, cujas relações ele descreve na concepção de “Zona de
Desenvolvimento Proximal”. Desenvolvimento humano tem uma orientação fundamental para
o futuro, percebendo sempre um diálogo do indivíduo com o seu futuro. Por outro lado, este
diálogo precisa das formas riquíssimas e diversas de uma interação social, isto é, de uma
colaboração.

Exatamente isso significa para Vygotsky sempre entrar na área da prática. Para
compreender a lógica peculiar das crianças, J. Piaget analisou nos seus brilhantes
74

experimentos os erros delas, já Vygotsky, frente a uma criança incapaz de brincar, começa a
jogar com ela, isto é, ele apresenta à criança um adulto como modelo possível ou uma “Zona
de desenvolvimento proximal”, traça assim uma visão audaz:

[...] a humanidade vencerá cedo ou mais tarde a cegueira, a surdez e a


deficiência mental. Porém, mais cedo ela as vencerá num nível social e
pedagógico do que no nível de medicina ou de biologia. Pode ser que a
época não está mais longe, quando a pedagogia se sente vergonhosa ao falar
de uma criança deficiente, porque isso poderia ser considerado um obstáculo
insuperável, como uma falta substancial da sua natureza. [...] Ademais,
enquanto o falante surdo, o trabalhador cego participam na vida geral em
todos os seus aspectos e sua riqueza, eles não sentem mais a falta ou a
deficiência e também não dão ocasião para os outros sentirem essa falta. Os
cidadãos da nova sociedade têm a responsabilidade de agir assim com os
surdos, cegos e os portadores de deficiência mental, percebendo que não
estão deficientes - e depois desapareceria a palavra mesma, o sintoma
mesmo de nosso próprio defeito (1924 “Fragen der Erziehung blinder,
taubstummer und geistige zurückgebliebener Kinder” neu abgedruckt: Zur
Psychologe und Pädagogik der kindlichen Defektivität. In: Die
Sonderschule. 20 Jg. 1975,H. 2. 65-72).

7. A CONCEPCAO DE APROPRIAÇÃO EM LEONTIEF

O modelo de apropriação construído pelo Leont’ev representa um contexto teórico e


metodológico para tematizar e clarificar a qualidade peculiar da aprendizagem humana e da
sua função.

A tese central: a aprendizagem no nível biológico ou seja, a aprendizagem dos animais


têm a função de adaptação, a aprendizagem humana têm a função da apropriação. O estudo da
origem e desenvolvimento da espécie humana prova que os seres humanos construíram
através do trabalho a si mesmo e ao mesmo tempo a sociedade. O trabalho apresenta o
processo básico que vai marcar o homem como espécie diferenciada dos animais, unindo
homem e natureza através da ação transformadora do homem sobre ela. É o trabalho que cria
a cultura e a história humana. A mediação cultural constitui um fato universal de nossa
espécie. No trabalho se desenvolvem, por um lado, a atividade coletiva e assim as relações
sociais, e por outro lado, a criação e utilização dos instrumentos, os artefatos culturais são
simultaneamente materiais e ideais (conceptuais).
75

A partir da concepção de trabalho, Leont´ev explica que essência deste processo é a


sua transformação num resultado material, concreto, que representa uma materialização de
capacidades, de experiências envolvidas e de capacidades desenvolvidas durante esse
processo. Os resultados do trabalho apresentam, assim, um mundo dos objetos instrumentos,
quer dizer, objetos que têm no fundo um caráter instrumental. Só os seres humanos têm a
capacidade de materializar ou de cristalizar as experiências em objetos.

Na história social com estes objetos será construído o sistema concreto dos meios,
instrumentos, significados, e as relações entre eles e a sociedade que os elaborou, que os
conserva, que os transmite e que os muda e transcende. A cultura do mundo dos objetos e dos
meios representa assim o mundo das experiências gerais, feitas pelos homens no processo de
sua história. Para cada criança este mundo é dramaticamente fechado. Dentro da criança não
existe uma chave para abri-lo. Em comparação, o ambiente da natureza representa para cada
animal um ambiente onde ele pode entrar e adaptar-se imediatamente. O mundo da cultura ou
o mundo destes objetos ou a objetivação deste mundo, representam, de uma maneira
fundamental, uma tarefa que se pode descrever como uma tarefa de apropriação:

Os mais simples instrumentos e objetos da vida quotidiana, com os quais as


crianças se deparam, devem ser por elas entendidos na suas qualidades
específicas. Em outras palavras: a criança deve realizar uma atividade prática
ou cognitiva com os objetos, aquela que está incorporada nestes objetos
(LEONT´EV, 1971, p, 231, traduzido do alemão).

Em um exemplo Leont´ev clarificou o processo de apropriação que depende, por um


lado, da qualidade específica do mundo dos objetos e, por outro lado, das condições do
processo de apropriação:

Um objeto, que a criança pega com a mão, será introduzido, sem problemas
no sistema de seus movimentos naturais. A criança leva por exemplo a
colher para a boca, como se for qualquer outro objeto do cotidiano, que não
têm caráter de instrumento, e o faz sem prestar atenção se deve o não colocar
a colher de forma horizontal. Estes movimentos da mão da criança serão
transformados lentamente numa qualidade fundamental através da
intervenção concreta e direta dos adultos que ensinarão à criança o correto
uso da colher, e assim os movimentos da criança serão subordinados à lógica
objetiva do uso deste instrumento. A estrutura geral destes movimentos foi
transformada; receberam um nível maior respeito ao objeto. A criança se
apropria do sistema dos movimentos funcionais, o sistema das ações de
caráter instrumental, que é subordinado às relações topológicas (LEONT
´EV, 1971, p. 240 - traduz. do alemão).

Aqui, a criança realiza uma atividade especial com este objeto que é adequada àquela
capacidade humana incorporada neste objeto. Esta atividade tem um caráter mediado desde o
76

início. Na sua forma elementar é uma atividade conjunta, representando uma colaboração
direta entre o mundo dos adultos e o mundo da criança. Já nas primeiras etapas do
desenvolvimento desta criança o mundo dos objetos se abre somente através das suas relações
com outras pessoas. Isso implica também que o mundo dos objetos nunca é somente o mundo
das qualidades objetivas, mas desde o início é o mundo dos significados sociais e pessoais. A
atividade não se desenvolve natural e organicamente, nascendo sempre com a colaboração dos
adultos. A lógica deste objeto social faz com que seja determinada, na mesma forma, a
atividade da criança assim como a ajuda do adulto. Nas seguintes etapas a atividade conjunta
se transforma, passo a passo, e a assimetria de ajudar vai se convertendo numa cooperação
simétrica mediada através da linguagem. No processo da apropriação, uma "necessidade
subjetiva para desenvolver-se" e uma "riqueza objetiva das possibilidades - o mundo da
cultura - para desenvolver-se" serão relacionados. Assim, podemos dizer que a aprendizagem
humana tem a função de apropriação.

Assim,

1.- A aprendizagem é organizada e estruturada como atividade. Todos os aspectos


supracitados sobre atividade valem também neste caso.

2.- Os mecanismos da aprendizagem humana não são os mecanismos biológicos encontrados


nos animais, mas são os mecanismos de interiorizarão e internalização já descritos
anteriormente.

3.- Os resultados da aprendizagem humana são fundamentalmente diferentes aos resultados


obtidos pelos animais, que têm a função de adaptação a um meio ambiente. Os animais
conseguem só melhorar os seus comportamentos já estabelecidos através da aprendizagem,
mas nunca constroem ou criam comportamentos novos através da aprendizagem. Todos os
resultados de aprendizagem se perdem com a morte de cada animal. O processo de
apropriação humana cria comportamentos novos como o apreender a ler, escrever etc.. Porém,
o resultado mais importante do processo de apropriação é o desenvolvimento da pessoa

. Aqui encontramos uma contradição elementar no processo de aprendizagem humana: a


personalidade humana é expressão do fato que cada homem apresenta no seu núcleo um
indivíduo absolutamente único e irrepetível. Exatamente essa qualidade se desenvolve no
processo de apropriação das experiências gerais da sociedade humana, materializada e
cristalizada no mundo dos “Objetos-Instrumentos”. O processo de apropriação tem a forma de
uma colaboração; esse processo é realizado sempre necessariamente através da atividade. Por
isso, é necessário explicar o conceito teórico ou o modelo teórico de atividade.
77

8. O MODELLO DA ATIVIDADE (LEONTIEF)

A Teoria de Atividade pode ser considerada um desdobramento dos postulados


básicos de Vygotsky, especialmente no que diz respeito à relação homem-mundo, enquanto
construída historicamente e mediada por instrumentos.

As atividades humanas são as formas da relação do homem com o mundo, dirigidas


por motivos, por fins a serem alcançados. O conceito de atividade envolve a noção de que o
homem se orienta por objetivos, agindo de forma intensional, por meio de ações planejadas. A
capacidade de conscientemente formular e perseguir objetivos distingue o homem dos outros
animais.

A atividade de cada indivíduo ocorre sempre num sistema de relações sociais e de vida
social, onde o trabalho ocupa o posto central. Com o conceito de atividade Leont'ev clarifica:

1. O indivíduo na sua qualidade social,

2. A consciência do homem como uma forma de sua atividade interna,

3. A personalidade do homem na sua individualidade única.

A sociabilidade da atividade humana:

Nas suas pesquisas histórico-naturais sobre a evolução, Leont'ev considera a atividade


como uma forma de interação de cada organismo com o seu ambiente. Cada organismo está
realizando a sua própria vida através da sua atividade. O resultado mais importante desta
perspectiva de atividade é que cada organismo deve ser considerado como sujeito da sua
própria vida. E assim, o fenômeno da subjetividade aparece no mundo simultaneamente com a
origem da vida.

Os diferentes níveis da evolução da vida podem ser considerados como etapas


qualitativas de atividade. Assim, de um lado, a atividade do homem está num contexto
histórico com todas as formas de vida e, de outro lado, deve ser explicada e clarificada qual é
a qualidade especial e peculiar da atividade humana.

A resposta dada por Leont'ev é a seguinte: A atividade humana tem uma qualidade
social, quer dizer, com ela os indivíduos realizam sempre relações sociais com a realidade,
com os outros indivíduos e consigo mesmos. Também esta qualidade social explica a
estrutura da atividade humana, distinguindo três níveis de funcionamento: a atividade
propriamente dita, as ações e as operações.
78

Um exemplo dado por Leont’ev explicita esses níveis de funcionamento:

Quando um membro de um grupo realiza sua atividade de trabalho ele o faz


para satisfazer uma das suas necessidades. Um batedor, por exemplo, que
toma parte de uma caça da coletiva primitiva foi estimulado pela necessidade
de vestimenta, que a pele do animal morto satisfaria para ele. Mas para o que
a sua atividade estava diretamente orientada? Poderia estar orientada, por
exemplo, para afugentar um bando de animais e encaminhá-los na direção de
outros caçadores em tocaia. Isso, na verdade, é resultado da atividade desse
homem. E a atividade desse membro individual da caçada termina aí. O
restante é completado pelos outros membros. Por si só, esse resultado - a
fuga de caça etc. - não leva, e não pode levar, à satisfação da necessidade de
comida ou de vestimenta. Conseqüentemente, os processos da atividade do
batedor estavam direcionadas a algo que não coincidia com o que os
estimulou, isto é, não coincidia com o motivo de sua atividade; os dois
estavam separados nesse exemplo. Aos processos cujo objeto e motivo não
coincidem chamaremos "ações". Podemos dizer, por exemplo, que a
atividade do batedor é a caçada e o afugentar do animal é a sua ação
(LEONT´EV, 1971, p. 210 traduzido alemão).
Este exemplo pode ser compreendido como um modelo de atividade e que podemos analisar
sob três níveis diferentes:

1o. Nível: a atividade em si mesma

O que é uma atividade? Isto pode ser somente respondido se nos perguntarmos qual é
o motivo ou o objeto deste fenômeno: para saber se um processo ou um fenômeno pode ser
caracterizado como atividade devemos fundamentalmente encontrar qual é o seu objeto e o
seu motivo.

Concretizando no exemplo acima citado, vemos que o motivo será o de conseguir


comida e/ou vestimenta para um grupo social. Onde são contempladas, assim, as necessidades
individuais dos integrantes do grupo.

Temos, então, ao mesmo tempo motivos sociais e individuais, caracterizando-se em


cada exemplo, como uma atividade.

Uma das suas peculiaridades, segundo Leont´ev, é que a sociedade produz e constrói
as atividades como uma forma complexa da relação homem-mundo.

Cada atividade é na sua essência social uma síntese de motivos, seus respectivos
objetos, e o correspondente processo do seu desenvolvimento.

A atividade, pode se dizer, é um sistema dinâmico, uma unidade dinâmica, mediadora


entre o indivíduo e a sua sociedade.
79

Este sistema dinâmico representa uma formação coletiva, elaborada em um longo


processo histórico-social, mediado através de instrumentos e signos comuns e concentrado
num objeto ou motivo comum.

As perguntas centrais para clarificar e caracterizar a estrutura de cada atividade são:

1. - Que produzem os indivíduos neste processo?

2. - Por que os indivíduos produzem isso?

Para compreender a dinâmica de cada atividade é necessário estabelecer as diferenças


entre a atividade como um sistema e formação coletiva e as ações individuais.

2o. Nível: Cada atividade é realizada através de diversas ações individuais

No exemplo acima citado as ações individuais do batedor são caracterizadas por uma
independência aparente, como por exemplo: correr, ver, cheirar, gritar etc., que são vistas
isoladamente do contexto geral podendo parecer absurdas, já que se o objetivo é a caça, e o
seu oposto seria afugentá-la.

Poderíamos dizer, então, que as ações são caracterizadas por seus objetivos explícitos.
Uma ação não tem motivos, é uma relação entre o objetivo da ação e o motivo social da
atividade.

Uma ação pode realizar o objetivo final, como neste exemplo matar um animal, e não
por isso ser considerada atividade, porque basicamente falta nesta ação o motivo social, neste
caso, a comida e vestimenta para o grupo social.

3o. Nível: Uma ação, por sua vez, é realizada mediante diversas operações.

Poderíamos dizer que operações são os elementos que ajudam à concretização de uma
ação. Um exemplo na caçada são os movimentos das pernas no processo de correr. Estes
movimentos não têm um objetivo, não são feitos conscientemente, muito menos têm um
motivo. Eles são realizados automaticamente, mecanicamente, sem ocupar a consciência do
indivíduo e são dependentes de condições concretas e reais.

[...] além de seu aspecto intencional (o que deve ser realizado) a ação
também inclui seu aspecto operacional (como, de que modo pode ser
realizado), o que é determinado não pela meta em
si, mas pelas condições objetivas (ambientais) para sua realização [...] A
esses modos de desempenhar uma ação chamo de operações. (LEONT´EV,
1971, p. 27 traduzido do alemão).
80

Conclusões:

ad primo: Dinâmica da atividade

Esclarecidos os níveis de atividades, ações e operações, podemos entrar na análise de


algumas questões desta Teoria da Atividade.

O fenômeno escrever, por exemplo, no processo de aprendizagem pode ser


considerado como uma atividade, porque tem um motivo social, que é o de adaptar um
indivíduo a um sistema de comunicação social, adotado pela sua sociedade como um sistema
de reprodução e formação social. Este fenômeno pode ser caracterizado como ação, quando o
estudante copia caligraficamente uma palavra escrita pela Professora ou quando decora o
abecedário. Operações neste caso são representadas pelas capacidades motrizes do estudante:
pegar o lápis, reproduzir gestos etc. O processo de escrever, uma vez aprendido, pode
submergir-se ao nível de ações ou ao nível de operações. Por exemplo: escrever uma carta de
amor ou uma sentença legal são ações relacionadas com motivos sociais: amar, justiça.
Assim, aqui o processo de escrever se realiza como o objetivo de atingir indivíduos do grupo
social através de um sistema de comunicação. Mas, se o ato de escrever é realizado por uma
secretária, ao mesmo tempo em que fala ao telefone ou atende as conversas de sua vizinha de
mesa, porque sabe de cor o texto, este ato não tem um objetivo individual e muito menos um
motivo social. Portanto, pode ser caracterizado como uma operação realizada
mecanicamente.

Por outro lado, o processo de escrever tem também a possibilidade de emergir do nível
de ação para o nível de atividade, quando, por exemplo: se aprende a escrever numa outra
língua, ou se escreve poesia, literatura, jornalismo etc.

Assim, ele também pode transformar-se de uma operação em uma ação no momento
em que persegue um objetivo: quando fica consciente o fato de escrever, por exemplo: um
exercício de caligrafia, uma designação para escrever um título. Nestes casos, o escrever é
orientado para a forma de escrever e não para o conteúdo do escrito.

Voltando ao exemplo de Leont´ev, o batedor da caçada deve ser consciente de um


contexto, de seu próprio objetivo, de suas ações e também do motivo objetivo da atividade
coletiva. Se tudo isto não é consciente, a ação do indivíduo fica absurda, como já foi dito
anteriormente.
81

Fica esclarecido assim, que a consciência só pode existir dentro do indivíduo, mas as
suas origens são o produto de uma atividade, que atua como um sistema e uma formação
social e coletiva.

Compreender determinado contexto como a possibilidade de atividade, significa


compreendê-lo como um espaço onde convergem: um passado histórico-cultural, a
necessidade atual do presente e que será resolvida num futuro, permitindo a continuidade
desta sociedade.

E esta condição temporal: passado-presente-futuro também se repete em cada ação que


compõe o sistema social de uma atividade, porque em cada ação está contido o passado
histórico-social-cultural, o momento presente da realização que inclui a realidade circundante,
e o objetivo individual como o futuro desta ação.

ad segundo: a consciência do homem como o sistema das suas atividades internas

Devemos considerar especialmente a importância que tem nesta teoria a relação entre
atividade externa e interna:

Segundo esta abordagem, a atividade psicológica interna tem sua origem na atividade
externa dos homens:

Os processos mentais humanos (as funções psicológica superiores) adquirem


uma estrutura necessariamente ligada aos meios e métodos sócio-
historicamente formados e transmitidos no processo de trabalho cooperativo
e de interação social [...] As atividades mentais internas emergem da
atividade prática desenvolvida na sociedade humana como base do trabalho,
e são formados no curso da ontogênese de cada pessoa em cada nova
geração (LEONT'EV, 1982, p. 56 traduzido do alemão).

O processo de internalização não significa para Leont'ev que uma atividade externa
possa ser transferida simplesmente a um nível já preexistente da consciência. Este nível de
consciência foi construído e formado como a própria consciência. Ela existe só como forma
de atividade interna: "O problema central existe nisso, compreender a consciência como um
resultado, como uma forma transformada dessas relações sociais, que existem realmente
através das atividades dos homens no mundo concreto e exterior"(LEONT'EV, 1982,p. 56
traduzido da alemão).

A consciência é literalmente criada e construída. Os homens constroem mediante as


suas atividades a sua consciência. Ela tradicionalmente é compreendida como uma pantalha,
82

conceito este a que Leont´ev se opõe radicalmente, definindo a consciência como atividade
interna propriamente dita.

A sua preocupação principal não era a imagem concreta, mas sim como ela se
construía no interior do indivíduo. Esta imagem, Leont´ev supunha, era uma imagem
construída mediante um processo riquíssimo através de interações da percepção, das
condições biológicas, do contexto social, dos motivos etc.

As teorias tradicionais da consciência sempre separam rigidamente a atividade externa


da interna, mas depois não conseguem integrá-las novamente.

Leont´ev parte para esta definição, de uma concepção monística do homem e da sua
hipótese de que a estrutura da atividade externa e interna são semelhantes, mas não idênticas.

ad terceiro: a personalidade do homem como resultado das suas atividades externas e


internas

As formas concretas de uma atividade são construídas no contexto da sociedade, por


exemplo: trabalhar, brincar, apreender etc., mas ao mesmo tempo cada atividade sempre é
uma atividade sem dúvida individual.

A abordagem histórico-cultural dava extrema importância ao conceito da


personalidade, no sentido de compreender os processos de formação de uma subjetividade que
resultariam numa personalidade única, fruto da relação do indivíduo como o seu contexto.

O núcleo deste processo representa a transformação dos significados objetivos em um


sentido pessoal.

Qual é o sistema dos "significados objetivos"?

Para os animais o mundo dos objetos existe e tem significado somente se aqueles
objetos representam uma significação para a sua sobrevivência. Para um animal os objetos
nunca têm significados independentes da sua vida.

Para o homem social, o mundo dos objetos está sempre carregado de significados
implícitos. O instrumento é a forma primeira, original, de um significado na perspectiva
histórica do homem. E mediante a linguagem os significados podem existir
independentemente dos instrumentos e objetos correspondentes.

Meios, instrumentos e objetos são baseados no trabalho social. Eles têm sempre a
qualidade de uma generalização que permite a sua comunicabilidade e a sua sobrevivência
83

como experiência cultural, porque o processo de generalização é um processo de


experimentação concreta e histórica de um determinado fenômeno para a sua perduração no
meio da sociedade. A forma geral de uma faca foi literalmente elaborada (do italiano é
elaborata: trabalhada).

Assim, cada conceito geral deve ser testado, experimentado e transformado em um


conceito comunicável, passível de ser repetido num futuro ignorado. O geral ou a
generalização nunca foi um resultado de uma convensão formal.

Dentro da práxis de vida de cada indivíduo os significados objetivos recebem uma


nova forma de existência: a forma de sentidos pessoais. A condição "sine qua non" desta
transformação está dada por: os significados objetivos devem ter um papel concreto nos
processos de vida pessoal e convertidos em sentidos pessoais.

O sentido pessoal representa o núcleo da subjetividade de cada indivíduo, é o núcleo


da sua personalidade. A categoria "sentido pessoal" é um principio na regulação das
atividades deste indivíduo e representa o centro da sua autoconstrução, formando o núcleo de
sua originalidade e irrepetibilidade.

Assim:

1. A atividade humana é uma formação e um sistema coletivo. Uma unidade indissolúvel de


indivíduo-sociedade. O conceito atividade permite uma nova visão do indivíduo e da sua
sociedade.

Numa perspectiva sincrônica, uma sociedade apresenta a rede das atividades dos homens ou a
totalidade das atividades diferentes, num contexto espacial. A teoria da atividade coloca a
sociedade como algo que não existe independente do indivíduo, mas sim através da soma e ao
mesmo tempo como processo das relações das diferentes atividades, que têm por objeto final
a satisfação das necessidades sociais e ao mesmo tempo individuais. Numa perspectiva
diacrônica, pode-se entender e compreender as relações das atividades dos homens num
contexto temporal como a história, quer dizer, as atividades numa relação entre passado, no
presente e futuro.

2.- Cada atividade humana é o resultado de um longo processo histórico-social-cultural. O


indivíduo, mediante sua atividade, constrói a sua consciência, as suas formas de agir e de
perceber o seu mundo real, internalizando-o. Este processo de internalização ativo permitirá
mudanças de ordem externa e internas.
84

3.- A "abordagem genética" que Vygotsky, Leont´ev e Lurija fizeram dos processos psíquicos
completam a compreensão do "ser humano", como um sujeito que traz uma carga cultural,
histórica, social e também biológica, diferenciando-se assim, dos outros sujeitos do mundo.

4.- O conceito da atividade permite clarificar e compreender melhor a relação entre a


individuação e a alienação, pois estes são processos complementares.

Individuação significa a distância que o sujeito toma da sociedade para poder reconhecer as
suas características únicas e originais. Mas, por outro lado, esta distância pode originar o
processo de alienação, onde o indivíduo não somente se distancia como nega ou ignora a
sociedade da qual emerge. A alienação traz como consequência um abismo insuperável entre
as ações individuais e os motivos sociais que representam a formação coletiva. A maioria dos
homens realiza o seu trabalho em nível de ações individuais, perdendo de vista a origem e os
motivos sociais destas ações, empobrecendo, assim, o leque de possibilidades de
questionamento, críticas e produção de novas atividades, tanto em nível individual como
social. Por exemplo, no sistema econômico da sociedade capitalista o indivíduo é reduzido a
viver a sua vida em nível de ações individuais, porque os mecanismos de poder desta
sociedade não permitem explicitar a riqueza dos motivos sociais das atividades. Por outro
lado, no sistema econômico socialista somente se dá importância aos motivos sociais como
um sistema coletivo, onde os processos de individuação são negados e assim a relação entre o
indivíduo-sociedade se parcializa, dando destaque só a sociedade em detrimento do indivíduo.

5.- O conceito de atividade permite analisar também problemas do desenvolvimento do novo


e de novas atividades. Tanto o indivíduo como a sociedade tende a estereotipar as atividades
para reproduzir resultados que num determinado momento histórico serviram para resolver
problemas, mas que de outro lado impedem a compreensão do novo como uma necessidade
de repensar as atividades realizadas. Esta tendência se mantém até o limite em que a
sobrevivência social se vê ameaçada. Em cada atividade, como no brincar das crianças, se
encontram formas velhas, estereotipadas e formas novas. As contradições entre estas formas
poderiam causar o desenvolvimento de novas atividades
85

9. Aprendizagem expansiva - uma concepção além de Vygotsky/Leontief

1. A busca de um novo tipo de aprendizagem

Na psicologia tradicional da aprendizagem a mais alta forma de aprender representa o


processo de resolver problemas ou o processo de estruturar uma determinada situação, um
determinado sistema.

O chamado problema dos nove pontos pode ser descrito assim: sem levantar o lápis
devem ser traçadas quatro linhas que unam esses nove pontos:

Vemos concretamente no exemplo dos nove pontos que para resolvê-lo é necessário
uma ampliação do espaço do problema. O que mais se poderia esperar desde o ponto de vista
da solução de problemas, que propor uma nova estruturação dos modelos mentais ou dos
esquemas cognitivos do indivíduo?

Mas, as estruturas e resoluções dos problemas desse tipo se apresentam sempre de


forma conhecida, isto é, de uma forma só reativa do aprender. O professor sempre expõe um
contexto dado, um problema dado, um desafio dado. Em todos estes casos, aprender, também
na sua forma mais elevada, se converte numa capacidade de adaptação.

O ponto central dos problemas apresentados por determinadas autoridades sociais (o


professor, a instituição etc.) não é a sua solução, mas a formulação de perguntas como:

• Para quem é útil que este problema seja resolvido?

• Por que eu deveria tentar resolvê-lo?

• Quem é que propõe este problema?

• Para quem e para que serve resolvê-lo?

Com este tipo de perguntas, não estamos só no nível de um problema já dado, mas
86

estamos, de uma forma radical, construindo um meta-nível.

Atualmente, assistimos no mundo inteiro a assim chamada crise da educação formal -


por outro lado, as mudanças sociais se sucedem a uma velocidade impossível de acompanhar
em termos de universalização de modelos e métodos. Os conhecimentos se reproduzem com
uma progressão geométrica onde o indivíduo sente a sua impotência em dominar um saber
geral, sendo obrigado, por essa multiplicação de conhecimentos, a uma especialização, a
focalização de determinadas questões em detrimento de uma visão científica mais global.

Isso faz com que, neste momento, seja urgente e necessária a busca de caminhos que
possam incluir nas teorias da aprendizagem e de ensino essas problemáticas. Caminhos que
possam levar a uma maior compreensão de quem é hoje o sujeito que aprende e quem ensina,
de que contexto eles surgem, qual é a realidade na qual se inserem e atuam, qual é o
conhecimento que precisam e como transferir esse conhecimento numa relação viva, não
estereotipada. Em outras palavras: por que hoje a sociedade, bem como os sujeitos, precisam
urgentemente de uma nova qualidade de aprendizagem e ensino?

A concepção do duplo vínculo ou da dupla mensagem do antropólogo Gregory


Bateson representa uma proposta extremamente interessante para tentar aproximar os
indivíduos a uma compreensão do mundo atual.

Ele coloca como um modelo dessa relação o modelo ou o conceito de dupla mensagem
na análise de uma paciente de quinze anos. Sua biografia mostra a rejeição inconsciente por
parte de sua mãe, que se sentia obrigada socialmente a representar o papel da mãe amorosa e
preocupada, mas que não conseguiu realizar este comportamento.

Nesta análise, uma situação que se repetia ao longo da biografia da filha eram
situações do tipo: a mãe dizia para ela: “Minha filha, vai dormir, pois estais muito cansada e
eu estou preocupa da com a tua saúde.” A filha não conseguia reconhecer o seu cansaço. Por
outro lado, acreditava no que a mãe dizia, mas sabia ao mesmo tempo que era, no fundo, uma
extrema negação da percepção de si mesma que a jovem fazia. A mãe, incapaz de reconhecer
o motivo do próprio cansaço que ela sentia com relação à presença da sua filha, o projetava na
mesma, negando também a sua percepção da relação com a presença da filha.

Este tipo de atitude coloca tanto a mãe quanto a filha numa relação do chamado duplo
vínculo ou dupla mensagem: a filha, pela sua situação de dependência afetiva, obedece e vai
dormir com o cansaço da mãe, negando os seus direitos e seus próprios sentimentos. A
situação de dupla mensagem está aqui na contradição entre a mensagem da mãe que estava
dizendo ao mesmo tempo: te amo e não te suporto mais. E por sua vez, a mãe coloca na filha
87

a sua rejeição e, assim, nega o direito aos seus próprios e verdadeiros sentimentos, com a
conseqüente perda de identidade, sentimento de culpa etc. Essa estrutura se repetiu ao longo
de seus quinze anos, com a consequência da esquizofrenia da filha.

A estrutura de duplo vínculo se encontra em muitas formas, como a vida cotidiana em


formas humorísticas, por exemplo: Num cartaz está escrito: "É proibido ler este cartaz."
Muito problemática fica uma situação de duplo vínculo quando a pessoa está numa relação de
pendência; quando ela não consegue deixar de fugir dessa situação, e quando essa dupla
mensagem representa quase a estrutura da sua vida. Por exemplo, numa relação entre
namorados: "Ama-me" ou a mensagem na forma dos artistas: " Seja criativo!" Pode-se
também perguntar se a nossa organização de ensino-aprendizagem não tem também essa
estrutura com o comando: "Aprende".

Se fizermos uma analogia com a sociedade de hoje, podemos encontrar muitos


exemplos dessas relações com a sociedade de consumo, ou mais preciso, a sociedade
capitalista tem com o indivíduo desde que ele nasce - uma sociedade onde todas as relações
transformam em mercadorias.

Concluindo, pode-se dizer: numa situação de duplo vínculo, o sujeito está em frente de
mensagens ou de desafios absolutamente contraditórios que exclui um ao outro. A lógica
dessa situação é a seguinte: o professor, mostrando o bastão ao aluno, diz: Se você diz que
este bastão não é real, eu lhe bato com ele. Se você diz que este bastão é real, lhe bato com
ele. E se você diz nada, lhe bato também com o bastão. O aluno só perde, neste caso.

A solução falsa para o aluno é a de aceitar o castigo injusto, em detrimento


fundamental de sua dignidade e identidade ou ficar esquizofrênico, negando uma realidade a
qual é impossível de aceitar. A única solução do aluno seria arrancar o bastão da mão do
professor e quebrá-lo. Ironicamente, Bateson diz que talvez numa situação sem saída esta
capacidade de quebrar um contexto fechado ou deixá-lo e construir um novo, seria uma
qualidade só reservada aos anjos.

A qualidade colocada neste contexto seria de um aprendiz que não só reage dentro deste
contexto, que no fundo aqui é impossível, mas que quebra a lógica do mesmo. Isso nós
chamamos de aprendizagem expansiva.

2. O potencial da arte para um novo tipo de aprendizagem

Existe um campo do saber humano, cujo valor é justamente a objetivação do expansivo.


88

Um campo no qual a qualidade do expansivo está muito próxima e tem uma inesgotável
riqueza: o campo da arte e das obras de arte.

A arte visualiza e materializa a capacidade humana de ultrapassar limites fixados, de


deixar contextos estereotipados, a capacidade de criar novos contextos. As obras de arte
podem ser entendidas e analisadas como modelo desta capacidade.

No livro de Vygotsky sobre "Psicologia da Arte", encontramos uma idéia que nos ajuda a
concretizar a tese sobre o potencial peculiar da arte. Nesta perspectiva, a obra de arte significa
um único meio para abstração da realidade como um espaço da construção da subjetividade
do indivíduo. O afeto e as emoções, neste processo, são a bases elementares.

Para Vygotsky, a verdade de uma obra de arte nunca está no seu conteúdo, mas sim na
suas formas de representar. Uma obra de arte representa um tema, quer dizer, um "material" e
ao mesmo tempo a maneira dessa representação. A forma ou o sistema das formas não são
uma visualização ou ilustração de um material preestabelecido; as formas nunca se delineiam
do material: ao contrário, as formas têm um próprio valor em si mesmas. Através das formas,
aparece alguma coisa que não está no material - mas só aparece quando nós relacionamos as
formas com a realidade; quer dizer, quando nós as usamos e as aplicamos, construindo o
conteúdo. As formas ou o sistema das formas orientam nossas emoções e afetos para uma
realidade que corresponde a elas. Construindo essa relação, construímos o que é o conteúdo
de uma obra de arte. Nós não reagimos, mas estamos expressando-nos como indivíduos
afetivos e emocionais a arte como uma maneira de um pensamento emocional.

Vygotsky caracteriza magnificamente esta expansão e transformação qualitativa, usando


duas parábolas do Evangelho: "E de fato, que triste seria a função da arte na nossa vida se a
sua tarefa fosse só contagiar muita gente com as emoções de um artista.”

Neste caso, lembramos a parábola da multiplicação dos pães - aquela na qual mil homens
foram alimentados com 5 ou 6 pãezinhos e 12 peixes. Todos comeram e ficaram satisfeitos,
sobrando ainda 12 cestas cheias. Nesta parábola, o milagre está somente na quantidade: mil
comensais satisfeitos, embora todos tivessem comido apenas pão e peixe, ou seja, tiveram o
mesmo alimento de todos os dias, sem nenhum milagre nas suas mesas.

Porém, o verdadeiro milagre da arte lembra outra parábola do Evangelho; aquela da


transformação da água em vinho. A verdadeira natureza da arte leva sempre algo em si que
faz com que os sentimentos normais transformem, ultrapassem ou avancem e transcendam.
Esse algo faz com que os sentimentos se agucem, este algo os esclarece e transforma a sua
água em vinho. Assim se apresenta para nós a mais importante qualidade da arte. Ela tem essa
89

relação com a vida, tal como a relação entre o vinho e a uva. Pois o material da arte é a vida,
mas além deste material, nos dá algo a mais que não está contido na qualidade do material. As
emoções e o afeto são de origem individual - através da obra de arte tomam-se sociais e
universais.

Para Vygotsky, uma obra de arte representa um meio com o qual conseguimos pensar
nós mesmos e a nossa realidade numa qualidade nova. Com as minhas palavras eu digo: o
núcleo dessa qualidade está numa competência básica de cada homem; a sua competência
metafórica, que quer dizer a capacidade de olhar algo como um outro e novo. A arte
representa, assim, a cristalização e a materialização dessa competência.

Cada obra de arte é uma metáfora - um modelo concreto no qual a competência


metafórica é materializada. A história da arte apresenta, neste sentido, a história da
capacidade humana de ver algo como algo novo. Gostaria de considerar esta capacidade
fundamental e básica num sentido antropológico presente e vivo em cada ser humano.

3. A competência metafórica e a obra de arte como metáfora

O que é uma competência metafórica? Ao meu ver se encontra o núcleo desta


competência na capacidade de representar algo num nível simbólico. Gostaria de chamá-la de
pensamento simbólico que se encontra nas crianças já na idade de dois anos, como no já
citado exemplo de Lúcia ao usar talo de ervas como termômetro na água da banheira (Piaget,
1990) ou em uma outra situaçãono qual já se nota uma transformação qualitativa deste
pensamento simbólico: Num passeio junto com o seu pai, a criança David encontra por acaso
na rua, numa multidão de lixo, um pedaço de folha-de-flandres .Ele pega este pedaço com
suas mãos dizendo: “Olha pai, dois cachorros”. E depois David dobra este pedaço formando
um único cachorro (veja figura 1 e 2).

Neste pequeno evento se pode diferenciar quatro passos que apresentam talvez um
ciclo dinâmico da representação simbólica de onde se delineia, ao meu ver, o núcleo de um
pensamento metafórico:

1. Uso operativo e rígido de um objeto: David encontra pedaços de folha-de-flandres. Este


encontro foi um encontro a caso. A importância de um material concreto com a qual a
atividade da criança pode interagir.

2. Pensamento selvático ou aberto - interação metafórica: O pedaço de folha-de-flandres não é


só um objeto concreto, mas dois cachorros que estão em relação com as bocas.
90

3. O significado "cachorro" é usado de novo literalmente e rigidamente, com a consequência


de ações concretas e determinadas pelos objetivos, quer dizer, um cachorro deve ser entendido
e compreendido literalmente. Um cachorro deve ter quatro pernas. Também a ação de pegar a
folha precisa um tratamento literal da matéria, na qual o cachorro existe.

4. O objeto pode agora estar em pé e se vê quase como o cachorro da boca ao rabo. Tudo isso
oferece uma nova possibilidade para um pensamento metafórico, que neste caso não
acontecia.

Neste exemplo os passos 2 e 4 tem como base a analogia e precisam um nível bastante
alto de consciência. Aqui podem ver uma “Gestalt”. Aqui se abre a porta para o passo
operacional, quer dizer o passo literal. Os passos 1 e 3 têm uma outra qualidade, quase oposta.
Estes têm a ver com a assim chamada “Aha-Erlebnis” que chega do mar de inconsciência,
mas oferece a possibilidade de agir e de fazer. Obviamente as operações concretas estão numa
relação intensa com o pensamento selvático ou metafórico.

Gostaria de retomar exemplos na área de arte moderna citados anteriormentee


apresentar outros: o “touro” e a “cabra” de Picasso: exemplos de um pensamento metafórico
de uma artista (veja figura 3 e 4).

Na primeira obra, a artista apresenta aqui uma montagem de dois pedaços de uma
bicicleta encontrados por acaso no lixo, um guiador e uma sela ou selim da bicicleta.
Presenteando essa montagem como cabeça de um touro. Aqui se vê bem claro a estrutura de
uma metáfora. A metáfora diz: isso é isto e ao mesmo tempo isto não é isso. “Por exemplo: A
noite é uma coberta de seda azul.” Aqui “a coberta de seda azul” organiza uma nova
perspectiva de olhar de ver a noite, uma perspectiva que é ao mesmo tempo subjetiva e
objetiva. De um lado o conceito “seda azul” apresenta um lugar comum numa certa cultura,
que tem a ver com riqueza, mistério, erotismo e muitas outras coisas; de outro lado provoca
este conceito as minhas experiências, fantasias e imagens individuais.

A respeito da obra de Picasso, nós como observadores devemos elaborar a metáfora


como resposta à pergunta de o porquê o artista ter metido dois pedaços de uma bicicleta
encontrado no lixo numa forma. Que é o resultado desse conjunto de dois pedaços que
formam a cabeça de um touro? Cada um de nós pode ver aqui algo diferente, na cabeça do
touro: o símbolo da grandeza de Espanha, do caráter de uma mentalidade peculiar de um povo
inteiro, a representação de um mito, a qualidade animal nos seres humanos complexos com
todas as conotações favoráveis deste conceito clássico. Este conceito foi, efetivamente, rico,
inesgotável e cheio de possibilidades e ao mesmo tempo cheio de contradições.
91

Vemos também aqui a qualidade nova do que é uma representação em diferença


qualitativa de um jogo simbólica das crianças, de um pensamento simbólico de David e uma
obra de arte como metáfora. Onde está a qualidade peculiar e diferente de representação de
uma obra de arte?

A obra de arte utiliza a forma, melhor, o sistema de suas formas, de modo bem diverso
de outras maneiras de representação. Uma obra de arte apresenta o seu objeto, o seu “sujeito”
e ao mesmo uma obra de arte acentua a maneira desta representação em que ela o apresenta.
A espécie de representação mesma. Esta é, no meu entendimento, uma das mais incríveis
façanhas da forma da obra de arte - não alternar-se com uma superficial equiparação e
correspondência de forma e conteúdo, mas antes articular, nesta façanha, uma sutil relação
consigo mesma: obras de arte são de algo e simultaneamente de si mesmas.

Eu gostaria de explicar esta concepção de metáfora com a seguinte hipótese: a obra de


arte, em princípio, difere da realidade à qual de refere e, simultaneamente esta obra é
vinculada à ela. Uma obra de arte cria uma diferença e ao mesmo tempo um vínculo, uma
relação. Uma obra de arte é no fundo uma metáfora peculiar, quer dizer, um modo abrangente
de ver esta realidade e de representar este modo de ver. A obra de arte, portanto, concretiza
simultaneamente vínculo com distância. Ponte-chave é a forma, o sistema de formas, o modo
de representação.

Nas suas dimensões mais substanciais o processo metafórico é um ato imaginativo.


Ele realiza num nível imaginário uma semelhança que leva e preserva a diferença no nível dos
significados. O momento icônico não perde de forma alguma sua qualidade estética e sensual,
nem sua autonomia material e formal neste processo de comparação com o “receptor de
imagem”. Isto se exemplifica muito claro com o que Picasso, na sua técnica genial de
esculturas-colagens, nos apresenta. Picasso entendia, sobretudo, suas esculturas como
metáforas plásticas. Em vez de acabar suas obras com materiais mais tradicionais, ele usava
na grande maioria sucata, como cestas velhas, vasos, peças de bicicletas etc.

Também o segundo exemplo prova isso: a “cabra” de Picasso. V. C. Aldrich indica no


seu artigo sobre Picasso “Metáfora visual” que nestas obras de arte, as composições são feitas
por parte de coisas que mantêm sua identidade e qualidade singular e própria, mas ao mesmo
tempo, juntas criam outros significados. “A metáfora recebe uma dupla direção quando por
exemplo em vez de gesso para formar o peito de uma cabra, coloca um cesto de vime no lugar
das costelas. Então é isto um cesto de vime que se deve ver como o peito (to be seen as), e ao
contrário também se pode ver, quando se olha toda a forma da cabra, suas costelas como um
92

cesto de vime - ou seja- uma metáfora composta com dupla direção de visão. Se as costelas
fossem feitas de gesso, iria o olhar somente para uma direção. Poderia enxergar somente
gesso modelado como o peito de uma cabra (1983, 144 p.s. ). Aqui o comentário de Picasso:
“Eu volto o caminho da cesta para o peito: da metáfora para a realidade. Eu faço a realidade
visível, porque eu uso a metáfora” (GILOT/LAKE 1965, 306).

O momento icônico da metáfora é alicerce para a analogia, para a semelhança que a


metáfora usa para provocar a diferença. A tensão entre imagem e conceito torna-se produtiva
no desenvolvimento do novo, de uma nova dimensão do sentido.

Uma metáfora não pode ser confundida com uma imagem acabada e estática. Ela
organiza o olhar como uma atividade que cria uma referência peculiar com o mundo.

A metáfora não é, portanto, algo pronto, uma figura estática, acabada em si mesma.
A metáfora não se explica imediatamente pela sensação, vivência ou empatia. Ela exige uma
atividade bem específica: compreender uma obra de arte implica em compreender a sua
metáfora. O lugar da metáfora não se encontra no “sujeito” representado, mas na própria
representação, constituindo o essencial para o processo de compreensão. Primeiramente cada
obra de arte é forma e precisa ser compreendida como sistema de formas de representação.
Cada obra de arte está situada no contexto da história das formas e, em vista deste contexto,
apresenta uma resposta a questões e problemas já postos anteriormente por outras obras de
arte.

Segundo o meu entender, aqui, a forma, ou mais preciso o sistema das formas,
aponta em duas direções: As formas da representação efetuam uma diferença básica e ao
mesmo tempo um nexo entre obra de arte e a realidade.

Respeito à diferença é importante que o sistema de formas dá-se como estrutura de


elementos, como estilo etc. O sistema de formas impede a retificação imediata dos elementos
que a compõem; exige eliminar referências externas e associações empíricas. Em todas as
grandes obras de arte, a objetividade da forma, o sistema de elementos formais, visa à
demarcação, à auto-limitação. Ela tem caráter programático, enquanto contrapõe a relativa
autonomia da forma à resistência do objetivamente real, à limitação do empiricamente dado e
sua estreiteza.

Esse sistema de formas é, além disso, caracterizado por uma independência e


autonomia que não se incluem no âmbito da arbitrariedade subjetiva do artista, nem emanam
de uma individual espontaneidade e autonomia, mas do contexto da história da arte.
93

Acentuando-se, contudo, só a independência e autonomia da forma, isto é, a


diferença acaba-se aleatoriamente na absolutização deste aspecto, tal como ocorreu em
inumeráveis variantes do Formalismo e do Esteticismo artísticos. Ambos os aspectos - a
diferença e o nexo têm um caráter complementar. Esta complementaridade não deve ser
entendida como indeterminada ou uma inter-relação formal ou acentuação ora por um lado
ora para outro, mas muito mias como um mútuo pressuposto, onde cada aspecto é a condição
e o pressuposto do outro. Agora em que consiste o outro aspecto, o nexo da obra de arte com a
realidade, à qual ela se refere?

Uma obra de arte é uma síntese única e peculiar dada a realidade. Quando não se vê
esta referência, se compreende a obra de arte como cópia imediata de expressão, vivência ou
empatia do artista. Com esta atitude enquadra-se a obra de arte ao nível dos objetos de que
versa. Assim a obra de arte torna-se facilmente um objeto psicológico, ao qual apenas se dá
uma determinada forma. Outras variantes consistem em ver a obra de arte, primariamente,
como mensagem, como conteúdo semântico. Aqui ela se desloca para o terreno da
propaganda política ou comercial (a propaganda como representação sem distância).

Contra isto há decididamente que sustentar que na obra de arte a sua referência com
a realidade é fundamentalmente indireta, altamente mediata. Primariamente mediata pelo seu
sistema das formas, uma obra de arte tem referência com a realidade. O sentido, o conteúdo
não existe como uma ideia ou um programa ou uma mensagem na cabeça do artista, que deve
inventar uma forma de sua representação. Ao contrário, o conteúdo se dá como aplicação
intensional pela forma. Aqui o sistema da formas se abre, expande o seu potencial universal e
ilimitado em posição à contenção e demarcação de que tratou-se acima. Abertura e potencial
ilimitado são resultados da multiplicidade de suas possíveis aplicações.

O conteúdo como aplicação intensional do sistema das formas - isto põe algo como
uma fórmula para processos de compreensão de arte em geral, para a compreensão da obra de
arte como metáfora. Entender o núcleo metafórico de uma obra de arte torna-se acessível
somente por meio da experiência de sua contemplação, quer dizer de um ver qualitativo. Essa
contemplação não pode ser substituída por descrição com palavras, por comentários, por
explicações. Não há como substituir a experiência direta da obra da arte. O observador
necessita estar equipado o melhor possível para poder responder à força da metáfora. Se o
lugar da metáfora está no próprio modo da representação, quer dizer no sistema da suas
formas de representação, se precisa um adestramento deste olhar qualitativo, uma capacidade
de mover/se em contextos formais, exercícios para captar estruturas etc. Tudo isso são
aplicações intencionais de formas.
94

Na obra do Picasso nós não vemos um objeto, uma cabeça de um touro vemos um
objeto, neste caso uma pessoa - assim o quadro torna-se um objeto, uma coisa. Não vemos
aqui uma representação de um objeto, mas vemos como um touro é visto. Vemos um
modo, uma maneira de ver, literalmente uma perspectiva.

Exatamente isso é o essencial da obra de arte, materializar modos de ver o mundo.


A grandeza e soberania da obra de arte, a sua verdade repousa na representação, que é
materializada no sistema de sua forma de representação. Precisamente aqui a arte é um
espelho no qual tomamos de nós experiências de algo que, sem este espelho, ignoraríamos. A
soberania da arte consiste na sua capacidade de representar e materializar modos de ver a
realidade.

Modos de ver não são espontâneas e arbitrárias fotografias, mas assim são sempre
resultados gerais de experiências. Um modo de ver sempre é resultado de soluções práticas da
vida, sempre tendo a ver com uma transformação de experiências, numa síntese da realidade.
Um modo de ver e um resultado de uma generalização. O que é geral num modo de ver
obviamente é o pressuposto para o fato que uma obra de arte tem importância e relevância
para nós como indivíduos.

O que é geral num modo de ver apresenta uma possibilidade para o observador de
ver a si mesmo e as suas experiências nessa perspectiva. O observador quase aplica o sistema
de formas de representações a si mesmo, construindo o seu conteúdo, o seu sentido da obra de
arte. Nesta modalidade de uma “aplicação de formas de representação,” elas estão
tematizando mesmo a sua subjetividade. Assim, ocupando/se com uma obra de arte, ele
sempre vivencia algo de si mesmo. A tentativa de entender a obra de arte é praticamente a
transformação metafórica de si mesmo: o próprio sujeito de uma obra de arte sou sempre eu.

Resumindo: Uma obra de arte como uma síntese do conhecimento sobre a nossa realidade e
ao mesmo tempo um espelho, com o qual vemos nós mesmos.

Podemos assim concluir:

As obras de arte apresentam uma materialização do processo do expansivo. Elas esclarecem


que esse processo é na sua essência, um processo complementar:

- Tanto interno quanto externo,

- Tanto objetivo quanto subjetivo,

- Tanto individual quanto social.

Karl Marx analisou com a sua concepção do feiticismo de mercadoria, as


95

possibilidades universais de nossa sociedade de transformar as relações humanas em


mercadorias, até nosso tempo de vida e a nossa própria vida. A função do dinheiro ele escreve
como totemismo secularizado da época moderna.

G.. Bateson analisa com a sua concepção de "duplo vínculo" as contradições dessa
sociedade a respeito dos efeitos para os indivíduos dessa sociedade. A possibilidade de pensar
as contradições da nossa vida quotidiana através das obras de arte poderia ser uma chave para
conscientizar as nossas relações com o mundo e com nós mesmos, vendo-as numa nova
perspectiva.

A arte moderna não é didática, não é pedagógica, também não é técnica. Maria Benites
explica: "Arte moderna é um pensamento do que até hoje não foi dito. Ela representa algo que
está por trás do que foi dito até hoje. Ela não apresenta respostas, nem receitas - ela é
ambígua. Ela não diz que ela sabe e ao mesmo tempo ela é uma forma de conhecimento
indispensável. Nenhuma sociedade poderia existir, viver e sobreviver sem arte.

A arte moderna mostra algo que não é compreensível a primeira vista. Ela fica
totalmente incompreensível quando nós, para entendê-la, usamos os outros e não nós mesmos.
Compreender o que é novo significa compreender o futuro, uma projeção do presente e do
passado para um período qual ainda não foi vivido. (BENITES,1996).

Por este motivo, a arte moderna representa literalmente uma "Zona de


Desenvolvimento Proximal" para a construção de um novo tipo de aprendizagem.
96

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101

Figura 1

Figura 2

Figura 3 Toro Picassa


102

Figura 4 Picasso La Cabra

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