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FREIRE
Recebido em dezembro/2009
Aceito em fevereiro/2010
tituem o que ele chama “educação domestica- No lugar de transmitir certezas ou ver-
dora, bancária ou alienante”, ou seja, supõe um dades seguras, a educação, como prática da
mestre que sabe tudo e um educando que aceita liberdade, levanta problemas e suscita atitudes
tudo e sabe pouco; para o educador pernambu- críticas.
cano, tal educação é fruto de uma estrutura so-
cial dominante e opressora. A educação problematizadora [...] é futurida-
Desse modo, Paulo Freire entende por de revolucionária. Daí que seja profética e,
educação bancária, o tipo de educação que ele como tal, esperançosa. Daí que corresponda
à condição dos homens como serem histó-
não aceita:
ricos e à sua historicidade [...]. Daí que se
identifique com o movimento permanente em
Em lugar de comunicar-se, o educador faz
que se achem inscritos os homens, como
“comunicados” e depósitos que os educan-
seres que se sabem inconclusos. (FREIRE,
dos, meras incidências, recebem pacien-
1975, p. 84)
temente, memorizam e repetem. Eis aí a
concepção bancária da educação, em que a
única margem de ação que se oferece aos Para romper com o sistema vigente, Pau-
educandos é a de receberem os depósitos, lo Freire não se utiliza da palavra Escola, mas
guardá-los e arquivá-los. Margem para se- prefere a expressão Círculo de Cultura.
rem colecionadores ou fichadores das coisas
que arquivam. No fundo, porém, os grandes A visão da liberdade tem nesta pedagogia
arquivados são os homens, nesta [...] equi- uma posição de relevo. É a matriz que atribui
vocada concepção ‘bancária’ da educação. sentido a uma prática educativa que só pode
Arquivados, porém, fora da busca, fora da alcançar efetividade e eficácia na medida da
práxis não podem ser. Na visão “bancária” participação livre e crítica dos educandos. É
da educação, o “saber” é uma doação dos um dos princípios essenciais para a estrutu-
que se julgam sábios aos que julguem nada ração do círculo de cultura, unidade de en-
saber. Doação que se funda numa das ma- sino que substitui a “escola”, autoritária por
nifestações instrumentais da ideologia da estrutura e tradição. Busca-se no círculo de
opressão - a absolutização da ignorância, cultura, peça fundamental no movimento de
segundo a qual esta se encontra sempre no educação popular, reunir um coordenador a
outro. (FREIRE, 1975, p.67) algumas dezenas de homens do povo no tra-
balho comum pela conquista da linguagem.
Segundo Paulo Freire, a educação bancá- O coordenador, quase sempre um jovem,
ria ou domesticadora não faz o homem ser mais, sabe que não exerce as funções de “profes-
sor” e que o diálogo é condição essencial de
mas o desumaniza. Por outro lado, a educação
sua tarefa, “a de coordenar, jamais influir ou
libertadora deve eliminar o muro de divisão e a
impor”. (FREIRE, 1979, p. 05)
diferença de classe entre educador e educando.
Em vez de falar de “educador do educando” e de
Portanto, percebe-se que o diálogo é o
“educando do educador”, usar-se-ão os termos
instrumento para se descobrir a educação pro-
“educador-educando” e “educando-educador”.
blematizadora e é a tentativa de renovação da
sociedade. O mesmo compõe-se de palavra (en-
O educador já não é o que apenas educa,
mas o que, enquanto educa, é educado, em tra aqui um conceito importantíssimo da filosofia/
diálogo com o educando, que, ao ser educa- pedagogia freireana: para o educador pernam-
do, também educa. Ambos assim se tornam bucano, na palavra há duas dimensões: ação e
sujeitos do processo em que crescem juntos reflexão, solidárias entre si; não há palavra ver-
e em que os ‘argumentos da autoridade’ já dadeira que não seja práxis, podendo-se, assim,
não valem [...]. Já agora ninguém educa nin- afirmar que a função da palavra verdadeira seja
guém, como tampouco ninguém se educa a de transformar o mundo).
a si mesmo; os homens se educam em co- É por meio do diálogo, também, que se
munhão, mediatizados pelo mundo. Media- elabora o conteúdo da educação, pois este não
tizados pelos objetos cognoscíveis, que, na
é trazido pronto, mas concebido e realizado no
prática “bancária”, são possuídos pelo edu-
cador, que os descreve ou os deposita nos grupo, nasce das situações históricas dessa co-
educandos passivos. (FREIRE, 1975, p. 78) munidade educativa e educadora, simultanea-
mente.
precisamente no ISEB que ouvi, pela primei- num compromisso histórico que significa enga-
ra vez, a palavra conscientização. Ao ouvi-la, jamento.
percebi, imediatamente, a profundidade de
seu significado, pois estava absolutamente A conscientização implica, portanto, que, ao
convencido de que a educação como práti- perceber-me oprimido, eu saiba que só me li-
ca da liberdade é um ato de conhecimento, bertarei se transformar essa situação concre-
uma aproximação crítica da realidade. Ne- ta em que me encontro oprimido, e que não
cessariamente, então, esta palavra começou posso transformar essa situação em minha
a participar do universo vocabular com que cabeça, porque isso seria idealismo no sen-
expressei minhas posições pedagógicas e, tido filosófico da palavra, seria cair em uma
facilmente, passou a ser considerada criação forma de pensar filosófica na qual a consci-
minha. (TORRES, 1979, pp. 93-94) ência “cria realidade”. Eu decretaria que mi-
nha consciência agora seria livre. Entretanto,
Na obra Pedagogia do oprimido, encon- as estruturas continuariam sendo as mesmas
tra-se a seguinte definição de conscientização: a e isto não realiza minha liberdade. Então, a
conscientização é o aprofundamento da tomada conscientização implica esta inserção crítica
de consciência. Em que consiste este aprofun- no processo, implica o compromisso histórico
damento? de transformação. (TORRES, 1979, p. 97)
tos para a libertação, instrumentos violentos encontro dos homens que procuram tornar
como guerras, sangue, no estilo de tantos o mundo mais humano. E, então, com estas
outros “revolucionários”. Não. Tais instrumen- coordenadas, “encontro”, “mundo mediador”
tos não aparecem no pensamento de Freire. e “amor”, Freire parte para a sua definição de
Para ele, o real instrumento da libertação é o diálogo: “um encontro amoroso dos homens
diálogo. (JORGE, 1979, p. 33) que, mediatizados pelo mundo, o pronun-
ciam, isto é, o transformam e transforman-
Porém, qual a justificativa para a presen- do-o, o humanizam para a humanização de
ça do diálogo no processo de libertação? todos”. (JORGE, 1979, pp. 35-36)
Observando as entrelinhas do pensa-
mento freireano, notar-se-á que a libertação que Sendo, pois, o diálogo este encontro
se procura é a libertação dos seres humanos e amoroso para a humanização, ele não pode
não das coisas e, portanto, o processo para se prescindir da união, coesão e participação de to-
consegui-la deve ser, antes de tudo, profunda- dos os sujeitos dialogantes. São esses elemen-
mente humano. E nada mais humano que o di- tos que fundirão o “eu” e o “tu” no “nós”, por in-
álogo; justamente por isso, ele é o instrumento termédio das relações personalizantes e dentro
por excelência da libertação, por ser ele o meio daquele horizonte cultural que envolve todos os
para humanizar o homem. “O diálogo é a con- homens.
dição fundamental para a verdadeira humaniza- O diálogo se plenifica na comunhão, no
ção dos homens”. (JORGE, 1975, p. 160) ser-com e, justamente por isso, o diálogo só é
O diálogo contém em si aquilo que o ho- possível na comunhão e não nas posições an-
mem tem de mais seu: a palavra, e a mesma tagônicas, as quais geram violência, nas quais o
se existencializa no diálogo. Por isso, na visão homem se transforma em objeto; transformando-
libertadora freireana, sem a palavra do homem se em objetos, não cumpre a vocação ontológica
não pode haver libertação. “Esta palavra torna- e é impedido de ser.
da diálogo existencial - comunicação e interco- Entretanto, para que o diálogo possa
municação, ação e interação, relação - implica alcançar este objetivo de libertação, sendo o
um compromisso: a humanização do mundo de verdadeiro instrumento, Paulo Freire coloca di-
todos os homens. Daí que, segundo Freire, os versas exigências, as quais se constituem com-
homens não podem se humanizar senão huma- ponentes essenciais de todo diálogo libertador.
nizando o mundo”. (JORGE, 1979, p. 34) Esses componentes essenciais são: o amor, a
No pensamento de Paulo Freire, eis, pois humildade, a fé e confiança nos homens e a es-
o que é o instrumento da libertação: o diálogo, perança.
palavra dos homens entre si, uns com outros, A partir disso, Paulo Freire não admite
dialogicamente. E neste diálogo, consciente e os homens que não sejam capazes de comuni-
autêntico, é que o mundo será libertado. Segue- cação porque, por natureza, são comunicação.
se, no âmbito do diálogo libertador, a sua natu- Ora, os homens se comunicam pela palavra e,
reza, seus componentes e a palavra transforma- para Paulo Freire, toda palavra autêntica é prá-
dora e humanizadora. xis e a prática é ação e reflexão dos homens so-
Fundamentalmente, o diálogo, para Frei- bre o mundo com o objetivo de transformá-lo.
re, é uma relação de comunhão entre dois pólos,
A transformação do mundo é um dever de
um eu e um tu, ambos sujeitos e conhecedores
todos os homens. Esta, porém, segundo o
do mesmo objeto que os imediatiza. O objeto
pensamento freireano, não deve ter como
que mediatiza os sujeitos dialogantes é a liber- modelo ou método a luta armada. A verda-
tação. Daí que a mediação do mundo é a base deira transformação é a da denúncia de um
do diálogo autenticamente libertador. E é nesta mundo injusto e a proclamação de um mun-
linha que Freire concebe o diálogo, como um en- do mais justo e equânime. Ora, se ao homem
contro por meio da mediação do mundo e cujo compete esta transformação como sujeito, a
objetivo é dar um nome a este mundo. ele compete esta denúncia e este anúncio.
Tal ele o faz com a palavra. Pela sua palavra,
Mas este encontro para “dar um nome ao pois, o homem é alçado ao ápice de sua his-
mundo” - e aqui Freire volta a insistir na vir- tória: sujeito da criação e recriação da histó-
tude-base de todo diálogo libertador - não ria do mundo e dele. Com ela, o homem vai
pode prescindir do amor. O amor é a base do fazendo a verdadeira história, “pronunciando
o mundo”. E este, problematizado, “retor- bre as linhas filosóficas que mais influenciaram o
na, por sua vez, aos sujeitos pronunciantes, pensamento de Paulo Freire e que são, de certa
exigindo deles um novo pronunciamento”. E maneira, o substrato antropológico e cosmoló-
deste modo, o homem vai criando, transfor- gico de compreensão de suas obras e atividade
mando e humanizando o mundo e a si. Nesta
pedagógica.
perspectiva - a palavra criadora e transfor-
madora – [...] “imita a palavra divina que é
O pensamento de Paulo Freire está, [...], em-
criadora por excelência”. (JORGE, 1979, pp.
bebido nas mais autênticas filosofias que ti-
48-49)
veram o homem como centro, isto é, aquelas
que têm o mesmo objetivo dele. Ele não é,
4. A GÊNESE IDEOLÓGICA FREIREANA pois, uma “antologia” como se poderia con-
cluir intempestivamente. Seu pensamento
Um dos aspectos mais marcantes da baseado no neotomismo, no humanismo,
ideologia freireana é sua concepção de liberda- no personalismo, no existencialismo e no
de, sua origem e desenvolvimento. Para Freire, neomarxismo é uma síntese pessoal, mas
liberdade, educação, conscientização, diálogo tão pessoal e objetiva que, no ato mesmo
estão intrinsecamente ligados, justapostos. Des- de ser síntese, já se constitui num sistema
sa maneira, pode-se, assim, perguntar: Qual a doutrinário com fundamentação, objetivos e
métodos específicos enquanto, retomando
gênese ideológica de Paulo Freire? Quais as
essas filosofias, cujo objetivo central é o ho-
suas bases filosóficas?
mem, ele as repensou dentro das exigências
Num primeiro impulso, remeteríamos da realidade sua e com a qual se encontrava
suas idéias e fundamentos aos sociólogos e filó- comprometido e as traduziu para uma linha
sofos que anteriormente haviam feito reflexões de filosofia prática. Daqui que a gênese de
sobre o assunto. Mas se assim procedêssemos, Paulo Freire é o próprio pensamento de Pau-
estaríamos incidindo em dois graves erros. O lo Freire. (JORGE, 1979, pp. 21-22)
primeiro seria aquele de uma falta de objetivida-
de crítica frente ao pensamento de Paulo Freire No pensamento de Freire aparece, com
e, o segundo, seria o de estarmos cometendo especial relevo, a figura de Tristão de Atayde,
um erro contra a verdade, não aceitando suas “[...] crítico, pensador, professor e que, após a
idéias como algo pessoal e autêntico. sua conversão em 1928, através de seu amigo
Antes de procurarmos a gênese ideoló- Jackson de Figueiredo, se tornou um líder ca-
gica de Paulo Freire, é necessário afirmar que tólico e uma das maiores figuras intelectuais
o seu pensamento é totalmente autêntico e pes- do Brasil”. (JORGE, 1979, pp. 18) Paulo Freire
soal, isto é, é obra sua, nasce de sua vida e de mesmo afirma que sempre nutriu para com Tris-
suas experiências, provém de sua concepção de tão de Atayde uma admiração ilimitada.
verdade e sinceridade, é gerado pela luta e em- Segundo Jorge, foi por intermédio de
penho pela libertação do homem oprimido, prin- Tristão que Paulo Freire chegou ao neotomismo
cípio dinamizador de suas atividades. maritanista.
Na vivência da realidade dos oprimidos,
Paulo Freire pensou, repensou e refletiu e ama- Às vezes, é claríssima a presença de Ma-
dureceu seus pensamentos e suas ideias até ritain no pensamento de Freire, como por
que, num dado momento, ele pôde apresentá- exemplo, quando ele diz que não se pode
pensar em educação sem antes pensar no
los como um fruto pessoal, autenticamente seu.
homem; o neo-tomista francês isso mesmo o
Desse modo, podemos afirmar que a gê- afirma dizendo que não se pode estabelecer
nese ideológica de Paulo Freire é ele mesmo. nem orientar a educação que precisa saber,
E é nessa mesma prática real que se encontra antes de tudo, o que é o homem, qual a sua
a origem de sua filosofia prática, da educação natureza e a escala de valores que neces-
para a libertação, reflexão e ação, a qual se con- sariamente abrange. Claro que, num homem
cretiza no seu objetivo: a libertação do homem tão profundamente humano como o é Paulo
oprimido. Freire, toda a filosofia humanística tinha que
Para que esse objetivo - libertação do ter profundas repercussões nas suas refle-
homem oprimido - se concretize, Freire se utiliza xões. (JORGE, 1979, pp. 18-19)
de um “estratagema”: a educação.
Passe-se, agora, a refletir um pouco so- O personalismo de Emanuel Mounier
também faz parte do aprofundamento do pen- que o grande valor e sentido combativos do
samento de Freire, principalmente na questão pensamento de Fromm contra a alienação e
da reivindicação da dignidade da pessoa como contra a massificação do homem é que mais
fundamento. Como Mounier, Freire combate a interessam a Freire. Devido a esses elemen-
tos de Eric Fromm, esse ficou bem integrado
coisificação do homem e a sua alienação pelos
no pensamento freireano. (JORGE, 1979, p.
opressores. 21)
Em seu pensamento também pode-se
encontrar a presença da filosofia existencialista, Como não poderia deixar de ser, densifi-
pois essa aparece nas noções sobre a existên- cando o pensamento de Freire, ecoa Karl Marx.
cia e sobre o caráter histórico do homem. Assim, Torna-se importante entender a adoção de cer-
vemos Paulo Freire se aproximar de Kierkega- tos parâmetros marxistas por parte de Paulo
ard, tendo a mesma preocupação do filósofo Freire: tal adoção, que deve ser entendida de
dinamarquês, isto é, preocupação com uma fi- maneira aberta e não dogmática, não implicou
losofia da existência na qual o homem é realça- utilizar os marxismos como modelos ou mesmo
do no seu existir concreto: o homem é um ser a concordância com suas noções teleológicas e
concreto, diz Freire, que existe no mundo e com positivistas, componentes das suas “vulgatas”.
o mundo. Freire tem a noção de democracia e diálogo
A noção freireana de existência vista como fundamentais, as quais não suportariam a
como existência concreta e não como mera filo- ditadura do proletariado ou do partido ou qual-
sofia abstrata, isto é, uma filosofia que seja prá- quer outra ditadura.
xis, é exatamente a mesma que procura Gabriel
Marcel. “O ‘être avec’ de Gabriel Marcel é reto- Mais concretamente, pode-se afirmar que
mado por Paulo Freire, tornando-se fundamento o materialismo histórico tem marcado mais
da sua concepção do existir do homem no mun- profundamente as análises da realidade fei-
do e com o mundo [...]”. (JORGE, 1979, p. 19) tas por Paulo Freire principalmente a partir
A concepção antropológica de Paulo de 1970. Marx realizou uma fenomenologia
Freire é aquela em que o homem é um ser que concreta das relações econômicas de seu
pergunta, se interroga e vive num jogo de suas tempo, e seu método tem profunda vigência
respostas; Heidegger pensa semelhante a Paulo na atualidade, embora não se possam apli-
car os mesmos esquemas hoje, de forma
Freire: o homem é o que se interroga pelo pró-
estereotipada. Além disso, orientou o sentido
prio ser. da filosofia para a ação como guia da prática
O método para a libertação do homem e realçou o sentido dialético de toda a rea-
oprimido, segundo Freire, é o diálogo, porque, lidade. Nesse aspecto, Freire segue a linha
por meio dele, os homens se encontrarão, se traçada por Marx, tanto ao fazer o retrato do
comunicarão e superarão as situações de explo- oprimido como ao encarar a realidade da prá-
rados. xis como o verdadeiro caminho da libertação
do homem. E, sempre que fala da criticida-
Em todo o decorrer da sua doutrina dialógi- de da consciência, Freire estabelece relação
ca, notamos a presença de Karl Jaspers que imediata com a dialeticidade, considerando-a
luta pela comunicação dos homens entre si como algo específico da própria consciência
porque o isolamento significa a destruição. crítica. (TORRES, 1981, pp. 50-51)
Karl Jaspers é o filósofo “existencialista” (sa-
bemos que ele não aceita a sua classificação E não poderíamos deixar de mencionar,
como existencialista) do diálogo. Para Freire, como o próprio Freire admitiu, a grande influên-
o diálogo é que conduz à libertação. (JOR- cia que Antonio Gramsci possui sobre o educa-
GE, 1979, p. 20) dor brasileiro. Gramsci é aquele que pensará a
educação – partindo de sua realidade e contexto
Muito interessante é a presença do neo- históricos – como relação de poder transforma-
marxismo no pensamento de Paulo Freire; isso dor do conhecimento, a partir do qual se tornaria
certamente por ser essa doutrina a da luta contra possível produzir a disseminação de uma cultura
a alienação e contra a massificação do homem. que compreende a ação política como uma prá-
tica pensada no interior da sociedade civil e este
Há muita presença do pensamento de Eric
espaço de recriação do conhecimento – a educa-
Fromm na ideologia freireana [...] cremos
ção – representa o surgimento de um novo tipo mútuo, um ser que cresce, espiritual e conscien-
de intelectual: alguém que não se constitui como temente, na relação dialética da construção da
reprodutor das estruturas sociais dominantes, sociedade.
mas, ao contrário, se coloca a serviço da cons- Perante a massificação e alienação da
trução de um novo modelo de sociedade. sociedade, a ideologia freireana grita, por meio
Freire é aquele que, também devido ao de um método de alfabetização e educação, que
seu contexto histórico, percebe no espaço polí- o homem necessita de liberdade e conscienti-
tico a disputa entre dois modelos de desenvolvi- zação, que é o aprofundamento da tomada de
mento e inicia a sua ação pedagógica libertado- consciência.
ra, propondo uma educação que caminhe dos Não se pode, de maneira alguma, silen-
aspectos políticos para uma totalidade política, ciar a intenção fundamentalmente reta de Paulo
ou seja, propõe uma pedagogia com os oprimi- Freire, que se preocupa com as massas e o pro-
dos e não uma pedagogia para os oprimidos. letariado, visando a promoção dessa parte das
O contexto de vida de ambos os edu- populações do Terceiro Mundo, dirigindo-se à
cadores – o italiano e o brasileiro -, que revela promoção da vocação ontológica do ser huma-
uma profunda experiência de cidadania, serviu no: ser mais. Entretanto, alguns questionamen-
como base para a formação das teorias educati- tos quanto à sua ideologia devem ser levados
vas suas. Paulo Freire afirmava que toda educa- em conta:
ção é um ato político e todo ato político, um ato Segundo o pensador pernambucano, há
educativo. Sua concepção, então, lembra Gra- uma subordinação do conhecimento e da pala-
msci, para quem a educação deve possibilitar a vra à transformação do mundo ou à práxis; ora,
construção de uma pedagogia que ultrapasse crê-se que não se pode dizer que a eficácia
os limites do conhecimento formal das discipli- transformadora do conhecimento seja o critério
nas, alcançando a capacidade de relacionar os da autenticidade do próprio conhecimento.
saberes escolares com uma nova leitura da so- A realidade ou extensão do ser é mais
ciedade. ampla do que o âmbito do socioeconômico-
Entretanto, como conclusão de tal apro- político. Por isto, há enorme valor em conhecer
ximação, faz-se necessário estabelecer uma di- também as verdades que não se prendem dire-
ferença entre Freire e Gramsci: o pensamento tamente ao político; há verdades de ordem es-
de ambos é político-pedagógico, mas a ênfase peculativa que não alienam necessariamente o
– e deve-se frisar tal situação – do primeiro se dá homem, mas o podem habilitar a ser mais sábio
no campo educativo e do segundo, no político. transformador deste mundo.
Dessa maneira, percebe-se em Paulo Para Freire, a educação domesticadora
Freire que a significação do mundo e a conscien- ou bancária inibe a vocação ontológica do ser
tização se estabelecem na relação com o outro, humano; segundo ele, a solução para acabar
isto é, o locus de transformação da realidade se com a diminuição do ser é a educação libertado-
dá na alteridade. ra; todavia, a mesma não poderia ser manipula-
dora e, num processo inverso, tornar-se domes-
CONSIDERAÇÕES FINAIS ticadora?
Mas nenhum dos questionamentos acima
Percorridas as reflexões referentes aos retira a sua intenção de imprimir no ser humano
conceitos fundamentais freireanos e as suas ba- o que ele possui de mais intrínseco: a humani-
ses filosóficas, é necessário relembrar: a exis- dade, a qual ele não se cansa de afirmar, cresce
tência na atualidade requer uma tomada de posi- nas relações dialógicas em vista da libertação,
ção, exige uma iniciativa a favor ou contra a vida que passa pela conscientização.
e a dignidade humanas. Perante isso, fazem-se
necessárias certas análises do sistema hodierno REFERÊNCIAS
para se entender as conjecturas e as necessida-
des da sociedade. BITTENCOURT, E. O método Paulo Freire em
Assim sendo, a figura de Paulo Freire debate. Revista Pergunte e Responderemos,
vem em nosso auxílio e possibilita relembrar que Rio de Janeiro, n. 254, 1981.
o ser humano é um ser de diálogo e comunica-
ção, de abertura e comunhão, de crescimento BRANDÃO, C. O que é método Paulo Freire.
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ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. Paulo: Loyola, 1983.
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liberdade. São Paulo: Moraes, 1980. Loyola, 1979.
______. Educação e mudança. 2. ed. Rio de Resumen: Paulo Freire, educador mundialmente
Janeiro: Paz e Terra, 1979. conocido, obtuvo en la encarnación histórica a
su forma de educar: educar para la liberación.
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Janeiro: Paz e Terra, 1971. de las concepciones filosóficas, antropológicas
y cosmológicas del educador. Comprender la
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COUTINHO, C. N. Porto Alegre: LPM, 1981. de sus fundamentos, o sea, de las concepciones
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JORGE, J. A ideologia de Paulo Freire. São
Paulo: Loyola, 1979.
ISSN 1517-6304
t Periodicidade: Semestral
t e-mail: rcempresariais@unipar.br
http://revistas.unipar.br/empresarial