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MeMo

Número 6 - fevereiro de 2015

a revista da memória gráfica

Volume 2
De 1954 a 1987
Há exatamente um ano atrás, comecei a fazer um número de
MeMo dedicado ao Jayme Cortez. Ao longo desse processo,
além de coletar informações de diversas fontes e começar
a entrevistar pessoas que o conheceram melhor do que eu,
acabei tendo a sorte de topar com o ilustrador paulistano Fá-
bio Moraes, que vinha há alguns anos zelando por um volu-
me gigantesco de originais, provas, fotografias, documen-
tos pessoais, originais de amigos, correspondência, enfim,
todo o arquivo de Jayme Cortez. Conforme fui pesquisando,
escaneando, tratando as imagens gentilmente disponibili-
zadas, comecei a perceber que tinha material demais para
apenas uma edição, e que seria uma pena deixar de fora
verdadeiros tesouros escondidos que poucas pessoas co-
nheciam, ou sabiam ser da lavra do grande artista portu-
guês. Jayme Cortez trabalhou em áreas muito diversas, dos
quadrinhos à publicidade, ao cinema, ao design editorial,
sempre de forma brilhante e inovadora. E por causa disso,
sempre fez muito sucesso. Ao contrário de outros ilustra-
dores brasileiros, que apesar de fazerem trabalhos belíssi-
mos, nunca tiveram o sucesso que mereciam, Jayme Cortez
foi um pop-star da área gráfica. Esteve presente na mídia
na maior parte do tempo de sua carreira e sempre soube se
promover muito bem. Mas não se engane: a melhor promo-
ção que ele teve sempre foi a qualidade do que entregava. E
que inacreditável quantidade de trabalhos que fazia, muitas
vezes ao mesmo tempo! Famoso por sua pontualidade com
os prazos, nunca lhe faltou trabalho. Acreditem: além do que
se vê nestes dois volumes, havia material para fazer facil-
mente um terceiro. E um quarto. Quem sabe no futuro?

Toni Rodrigues | toni30@hotmail.com


.............................................................................
MeMo número6, fevereiro de 2015
Redação e Direção de Arte: Toni Rodrigues
Texto final: Danilo Rodrigues e Marcos Eduardo Massolini
Restauração e tratamento de imagens: Laíse Rodrigues

Proibida a cópia, reprodução, utilização, modificação, venda, publicação e


distribuição deste material na sua totalidade ou em parte em qualquer tipo de
suporte sem prévia autorização por escrito de seus respectivos autores.
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AVENTURAS na la Selva
Promovido a Diretor de Arte e Editor, Cortez logo tratou de aumentar a linha de publicações da
editora com uma revista que ele já planejava fazer há tempos e que marcou época: Aventuras
Heróicas. A revista nasceu para concorrer com uma revista lançada pela EBAL em agosto de
1952 chamada Epopéia, que fazia bastante sucesso publicando material de origem italiana,
histórias de grandes aventuras, biografias romanceadas de exploradores ou pioneiros e, mais
tarde, adaptações de romances de aventura. Epopéia tinha um tamanho maior do que uma re-
vista em quadrinhos normal e com belas capas de Antonio Euzébio Neto, Monteiro Filho, Jorge
Penalva, Manoel Victor Filho e Ramon Llampayas chamava muito a atenção nas bancas. Ora,
capas chamativas eram a especialidade de Jayme Cortez. Com um bom material para editar,
com certeza poderiam concorrer facilmente com a editora carioca. E, pelo menos para co-
meçar, eles não podiam ter material melhor. O primeiro número de Aventuras Heróicas saiu
em abril de 1954, com o mesmo tamanho de Epopéia, trazendo a espetacular adaptação de A
Torre de D. Ramires, de Eça de Queiroz, feita em Portugal por E.T. Coelho, com texto de Raul
Correia e publicada em O Mosquito. Um texto apresenta a revista, que traz duas pequenas
biografias, uma de Eça de Queiroz e outra de Eduardo Teixeira Coelho, apresentado como um
jovem desenhista português muito famoso na Europa que fazia ali sua estreia no Brasil. Tecni-
camente não era verdade, já que há poucos meses a Bentivegna tinha publicado três números
de Falcão Negro, como vimos. Mas isso não tira o brilho da edição.

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Além das histórias de E.T. Coelho, Cortez
planejava publicar histórias de artistas
brasileiros na revista, mas como não ti-
nha material à mão para os números se-
guintes, então foram publicadas histórias
de origem italiana e argentina ao longo
da série, junto com algumas histórias fei-
tas aqui. Estas foram O Garimpeiro, no
número 15, desenhado por Silvio Fuku-
moto, que mais tarde faria uma longa
carreira nas revistas infanto-juvenis da
Abril; Zumbi dos Palmares, de Álvaro de
Moya, no número 16; uma lindíssima ver-
são em aguada de A Volta ao Mundo em
80 dias desenhada por Giorgio Scudellari
no número 31, feita para aproveitar o su-
cesso do filme americano que fazia mui-
to sucesso na época com David Niven e
Cantinflas; e ainda versões de O Guarani
e Iracema por Nilo Cardoso, nos núme-
ros 32 e 33. Além da número 1, as de E.T.
Coelho saíram nos números 7, com O De-
funto, 8, com O Suave Milagre, 9, com O
Tesouro, 10 com A Aia, todas adaptações
de Eça de Queiroz, e também no núme-
ro 24, que publicou aqui Os Náufragos do
Barco Sem Nome. Na série toda, apenas
as capas do número 28, 32 e 33 não são de
Jayme Cortez. A do número 28 é de Sylvio
Ramirez, de quem voltaremos a falar, e
as demais de Nilo Cardoso, sendo estas
referentes às histórias ilustradas por ele.
Além da maioria das capas, Cortez fez
várias ilustrações e vinhetas internas em
preto e branco e durante algum tempo, a
partir do número 13, uma coleção de ilus-
trações retratando guerreiros do passado,
gladiadores, cavaleiros medievais, etc.

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Além de O Terror Negro, a La Selva logo come-
çou a publicar duas novas revistas do mesmo
gênero: Sobrenatural e Contos de Terror, tam-
bém com capas de Cortez. As histórias destas
revistas eram todas compradas da APLA e vi-
nham de diversas editoras americanas diferen-
tes. Não havia um cuidado muito grande com a
editoração dessas histórias, que eram intercam-
biáveis entre os três títulos. Nas revistas, além
das capas, Cortez algumas vezes fazia algumas
vinhetas e anúncios, como o de O Teatro do Ou-
tro Mundo, programa de rádio que fazia muito
sucesso na época. Nestas revistas, não foi feita
nenhuma tentativa séria de nacionalizar o con-
teúdo por parte de Jayme Cortez, provavelmen-
te porque a oferta de material era farta e barata.

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Mas se não valia a pena fazer nada nas edições
de terror, não era o caso de um outro gênero que
foi muito importante nos quadrinhos dos anos
1950: os contos de fadas. Jayme Cortez formou
uma dupla editorial com Milton Júlio que fun-
cionava muito bem. Lembrado pelos que o co-
nheceram como uma pessoa agradabilíssima,
Milton Júlio era também um ótimo escritor. Ele
e Cortez foram os responsáveis pelo lançamento
da revista Contos de Fadas, numa edição de Cô-
mico Colegial, em março de 1956. Não tinham
certeza se uma revista em quadrinhos que não
tinha nenhum cowboy, nenhum herói, ou uma
cena de terror na capa, venderia. Mas para sur-
presa de ambos, vendeu muito bem e fez muito
sucesso principalmente entre as meninas. Ven-
deu tanto, que Cortez se animou a aumentar a
produção com material feito no Brasil.

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No começo, a revista tinha muita coisa de E.T.
Coelho, além de material italiano, francês e
americano, sendo que apenas as capas e algu-
mas ilustrações internas eram feitas por Cor-
tez. Logo porém, começamos a ver o trabalho
de desenhistas como Giorgio Scudellari, um
artista chileno que cresceu e se formou na
Itália, e que, tendo trabalhado em vários gê-
neros na velha bota, de Mickey Mouse a um
faroeste em dupla com Gianluigi Bonelli, ti-
nha se mudado há pouco para o Brasil. Esse
também foi o caso de Nico Rosso, outro grande
artista italiano que se radicou no Brasil e que
Cortez conhecia desde a Gazetinha. Também
comparecia, embora com menos frequência,
José Lanzellotti. E não se pode esquecer de
Sylvio Ramirez, um desenhista magnífico so-
bre quem muito pouco se sabe, mas que con-
seguiu a admiração de Cortez com seu vasto
conhecimento de anatomia e composição. E
também Orlando Pizzi, Sérgio Lima, Pedro
Segui, Salgueiro e vários outros. Nesta revis-
ta saiu uma das últimas histórias em quadri-
nhos desenhadas por Cortez nesse período: a
primeira versão de Tupizinho, personagem
criado e desenhado por ele, com texto de Mil-
ton Júlio, que republicamos a seguir.

Na foto acima, Milton Júlio.


Nesta página, uma capa de
Nico Rosso e uma ilustração
de Sylvio Ramirez. Na pági-
na ao lado, a partir do alto:
José Lanzellotti, Scudellari
e Orlando Pizzi. Abaixo, Sér-
gio Lima, Salgueiro e Pe-
dro Segui.

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História publicada originalmente em Contos de Fadas número 4, agosto de 1956

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Em março de 1958, a La Selva lançou uma outra revista do mesmo gênero: Varinha Mágica,
também com grande sucesso. Quase todas as capas das duas revistas são de Jayme Cortez,
mas algumas vezes podemos ver magnificas ilustrações de Sylvio Ramirez e Nico Rosso,
este último principalmente em Varinha Mágica. As revistas continuaram vendendo muito
bem até boa parte da década seguinte, mesmo quando a editora já estava em decadência,
publicando apenas reprises. Jayme Cortez continuou fazendo capas para ambas, mesmo
quando já não trabalhava mais na editora, o que comprova duas coisas: que ele gostava
mesmo do gênero e que mantinha boas relações com os La Selva.

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A quantidade de revistas que a
La Selva lançou a partir de 1954
é difícil de precisar. Muitas eram
lançadas sob os títulos genéricos
de O Cômico Colegial e Seleções
Juvenis, em edições infantis e ju-
venis e nelas vamos encontrar
uma miríade de personagens
como Buster Crabbe, Brick Brad-
ford, Gato Félix, Gavião dos Ma-
res, Capitão Radar, Big Ben Bolt,
Hopalong Cassidy, O Gordo e o
Magro, Abbott e Costello, Jim das
Selvas, John Wayne, O Sombra, O
Pato Dizzy, Banto (que também
saiu como Jambo), Supermouse,
O Gato Valente, Kid Colt, além
de outros bem menos conhecidos
como O Casal Jato, por exemplo.
Algumas dessas séries tiveram
apenas um ou dois números, mas
muitas duraram muito tempo e a
La Selva passou a colocar uma nu-
meração nas capas das que faziam
maior sucesso, mas só depois que
tinham saído em O Cômico Cole-
gial ou em Seleções Juvenis, o que
causa muita confusão, pois faz
com que algumas séries pareçam
começar no número 4, por exem-
plo, e seja possível encontrar
exemplares sem numeração algu-
ma. A La Selva também continuou
publicando revistas para o públi-
co adulto, como Seleções de Rir,
O Crime não Compensa e Gilda.
E Cortez esbanjava versatilidade,
pois era capaz de ilustrar capas
igualmente boas tanto para his-
tórias infantis como Supermouse
quanto para O Terror Negro.

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Jayme Cortez muitas ve-
zes preferia trabalhar em
casa, onde tinha sua bi-
blioteca particular. Nesta
foto ele aparece pintando
a capa ao lado.

O método Cortez
A La Selva cresceu muito a partir da segunda metade dos anos 1950 e acabou por se tornar
a maior editora de São Paulo, rivalizando-se em tamanho com as grandes editoras cariocas
como a Ebal, a Rio Gráfica e a O Cruzeiro. Nessa época, a Editora Abril já tinha um campeão
de vendas nas bancas, O Pato Donald, mas ainda estava longe de se tornar o império editorial
que viria a ser e a La Selva, uma operação quase familiar, com poucos funcionários, estava
entre as que mais títulos colocava nas bancas todos os meses. Justamente isso foi o que acabou
por fazer com que Jayme Cortez tivesse que mudar sua maneira de trabalhar. O fato é que, a
partir de um certo momento, a quantidade de material que Cortez tinha que produzir na La
Selva, entre capas, vinhetas, letterings e ilustrações internas se tornou tão grande que passou
a ser impossível para ele continuar a produzir fotos de referência. Ele passou então a se basear
em fotos já existentes em livros e revistas quando precisava de algo mais realista e também na
própria imaginação, no caso de material mais estilizado, como as capas infantis.

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Quando tinha tempo, começava sempre criando
um esboço bem solto, que virava um desenho
mais elaborado, logo transferido para um outro
papel numa mesa de luz e então pintado com
guache, aquarela, anilina Kodak ou uma mis-
tura de tudo isso. Mas algumas vezes, a partir
do primeiro esboço, ele já imaginava as cores e
partia para a finalização. Na verdade seu méto-
do de trabalho não tinha regras, mas ele tinha
que ser sempre bem rápido, pois segundo Edna
Cortez relatou ao ilustrador Fábio Moraes, não
raras vezes ele era obrigado a fazer 6 ou 7 capas
ao mesmo tempo. Desenhava todas, depois as
espalhava pelo chão ao seu redor e ia pintando
todas aos poucos. Ao acabar o fundo de uma de-
las, enquanto a tinta secava, ele passava para a
capa seguinte e assim por diante até que todas
estivessem concluídas, muitas vezes em cima
da hora de irem para a gráfica.

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Astros do
cinema e
da Televisão
Um outro grande sucesso da La
Selva a partir de 1955 foi o lança-
mento de histórias produzidas
aqui com personagens do rádio,
da televisão e do cinema. Qua-
se em sequência se viu o lança-
mento de Fuzarca e Torresmo,
a primeira dupla de palhaços a
fazer sucesso na TV Tupi de São
Paulo, Carequinha e Fred, pa-
lhaços da Tupi do Rio de Janei-
ro, Arrelia e Pimentinha, outros
palhaços que faziam sucesso na
TV Record, além de Mazzaropi,
famoso no rádio e nos filmes da
Companhia Vera Cruz e Oscari-
to e Grande Otelo, a dupla de co-
mediantes de maior sucesso nas
chanchadas da Atlântida Cine-
matográfica. Mazzaropi, por si-
nal, gostou tanto da maneira em
que foi retratado nas capas da
La Selva, que isso acabaria ge-
rando uma relação mais perene
entre ele e Jayme Cortez, como
veremos mais adiante. Todas as
histórias destas revistas foram
produzidas no Brasil, a maioria
escritas por Milton Júlio e Cláu-
dio de Souza, com desenhos de Na foto acima,
Aylthon Thomaz, Juarez Odilon, Mazzaropi examina
com Jayme Cortez
Zaé Júnior, João Batista Queiróz o original da capa
do primeiro
e o magnifico Messias de Mello, número de sua
revista (ao lado).
que finalmente voltou a traba-
De todas estas
lhar com Jayme Cortez, que fez revistas, a que fez
todas as capas, várias ilustra- mais sucesso foi
a de Fuzarca e
ções internas, vinhetas e anún- Torresmo, a única
que passou dos
cios, mas nunca desenhou ne- vinte números.
nhuma história.

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o final de um ciclo
No final de 1958, aconteceu algo que ninguém previa, mas que iria determinar a saída de
Jayme Cortez da La Selva. Nessa época, a La Selva era a maior editora de quadrinhos do
Brasil, vendendo mensalmente mais de um milhão de exemplares, somando os cerca de
30 títulos que tinha nas bancas todos os meses. Mas, ao contrário de quase todas as concor-
rentes, ela não tinham gráfica própria e imprimia com terceiros. Os principais prestadores
desse serviço à La Selva, como já foi dito, eram a Gráfica Editora Novo Mundo, de Victor
Chiodi, mas com direção de Miguel Penteado e a S.A.I.B., de Victor Civita, cuja editora
Abril começava um ciclo de expansão. Por causa disso, um belo dia a S.A.I.B. informou à La
Selva que não ia mais imprimir suas revistas, alegando “acúmulo de trabalho”. Isso era um
desastre e a situação tinha que ser contornada rapidamente. E foi então que numa reunião,
tiveram a ideia de comprar a Novo Mundo de Victor Chiodi, que a princípio relutante, foi
vencido por uma generosa oferta. Os La Selva fizeram questão de manter Miguel Penteado
à frente da gráfica e ainda trataram de ampliá-la comprando novas máquinas. Além disso,
os títulos da editora Novo Mundo que melhor vendiam foram incorporados pela La Selva,
como Noites de Terror, por exemplo. Victor Chiodi no entanto, logo depois de embolsar o

dinheiro, começou a fazer planos para voltar ao mer-


cado, que julgava bastante rentável. Ele se juntou aos
empresários Heli Otávio de Moura Lacerda, Arthur de
Oliveira e José Sidekerskis e numa conversa conven-
ceu-os de que Miguel Penteado seria imprescindível
para a operação. Penteado já não aguentava mais os
La Selva, que julgava arrogantes. Nunca gostara deles.
No tempo de Chiodi, Penteado já tinha tentado voltar
ao desenho e largar a gráfica, mas foi mais de uma vez
convencido por Chiodi a ficar. Mas agora parecia de-
cidido a sair. Quando recebeu o convite de seu ex-pa-
trão para ser sócio de uma editora, não pensou duas
vezes e topou. Bem, como sabemos, Cortez e Penteado
eram grandes amigos nessa época e numa conversa
entre ambos, Cortez se queixou bastante acerca dos
La Selva também. Não tinha problemas com eles, até
gostava deles, mas pelo volume de trabalho que reali-
zava se achava bastante mal pago, e era mesmo. A edi-
tora crescera a ponto de se tornar uma das maiores do
Brasil e muito desse sucesso era consequência direta
A La Selva faturava bastante com
de seu trabalho. Mas os rapazes da família La Selva publicidade em suas revistas de
maior sucesso. Jayme Cortez fa-
trocavam de carro o tempo todo e ele continuava a ir zia todos os anúncios, mas não
trabalhar de ônibus. recebia nem um centavo a mais
por isso, o que o irritava muito...
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Numa conversa com Chiodi ficou acertado que
ele e Penteado se juntariam ao novo empreen-
dimento editorial como sócios e seriam respon-
sáveis pela produção das revistas, sendo que
Miguel seria também responsável pela gráfica.
Cortez achou que precisavam levar com eles al-
Muito material de
gum profissional do texto, mas convidar Milton Jayme Cortez con-
tinuou saindo tanto
Júlio era impossível, pois ele, a essa altura, era pela La Selva, quan-
casado com uma das moças da família La Selva. to pela Novo Mun-
do, mesmo depois
Resolveu então convidar Cláudio de Souza, que de sua saída, como
esta capa de Mundo
também era funcionário da Abril, mas que topava de Sombras, reci-
clada de maneira
ser sócio minoritário da nova editora desde que porca de uma capa
não precisasse dar expedientes no local e sim tra- de Contos de Terror.
Mas ele continuou
balhar a partir de sua casa. Com tudo acertado, a fazendo capas para
Contos de Fadas e
única coisa que faltava era comunicar o fato aos Varinha Mágica até
1965, quando a edi-
La Selva, que só lamentaram a saída de Cortez e tora já estava em to-
tal decadência e só
tentaram convencê-lo a não ir. Mas não pensaram publicava reprises.
em lhe fazer nenhuma oferta financeira, preferin-
do tentar convencê-lo de que aquilo era uma aven-
tura, que não daria certo e que era melhor para
ele ficar. Mas parece que não sabiam que o que o
artista português gostava mais era justamente de
aventura. Aliás, nessa altura, Cortez não era mais
português, uma vez que já tinha se naturalizado
em 22 de fevereiro de 1957, como prova uma cer-
tidão assinada pelo próprio Presidente da Repú-
blica, Juscelino Kubitschek de Oliveira. Apesar
de acabar saindo, as portas da La Selva não se fe-
charam para Jayme Cortez, que continuou fazen-
do capas para Varinha Mágica e Contos de Fadas
durante muitos anos, só Aqui, Jácomo e Paschoal La Selva
numa reunião editorial com Jay-
que como freelancer. me Cortez. Ao lado, o documento
de naturalização de Cortez.

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UMA NOVA editora
Apesar de ter ficado famosa como Editora
Outubro, na verdade ela começou como O pequeno edifício onde fun-
cionava a editora, na Rua da
Editora Continental e foi lançada com uma Mooca, ainda existe. Na parte
festa, um almoço com direito a foto na co- de baixo funcionava a gráfica
e na sobreloja, a redação.
bertura do prédio de A Gazeta, onde se
reuniram diversos desenhistas e colabo-
radores da nova editora. Estavam lá, en-
tre outros, Nico Rosso, seu filho Gianluigi,
Giorgio Scudellari, Zezo (José Rivelli, que
assumiu as capas de terror da La Selva
com a saída de Cortez), Inácio Justo, Sér-
gio Lima, Gedeone Malagola, Mauricio
de Sousa (que ainda era um iniciante),
Lyrio Aragão, Álvaro de Moya, João Batista
Queiroz, Juarez Odilon, Getúlio Delphim,
Manoel Ferreira, Aylton Thomaz, Isomar
Camargo, Waldir Igayara, Hélio Porto, To-
ninho Duarte, Almir Bortolassi, Zaé Júnior,
além dos sócios e do ator Ayres Campos, o
Capitão 7 da TV Record, em pessoa.

Jayme José Sidekerskis


Nico Gedeone Álvaro
Cortez Malagola
Rosso de Moya José
Júlio Rivelli
Shimamoto Aylton (Zezo)
Miguel Gianluigi Thomaz
Rosso Inácio João Batista Guilherme
Penteado Valpeteris
Justo Queiroz
Jorge
Kato

Aqui, inauguração da Editora Continental. Na página ao lado, anúncio publicado em algumas revistas da editora em 1959.

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A Editora Continental começou colocando nas bancas revistas de todos os gêneros. Faro-
este, com o Pistoleiro Fantasma, histórias românticas na revista Alô Doçura - que aprovei-
tava oportunamente o nome de uma série de sucesso da TV Tupi sem ter nada a ver com a
mesma, mas que não duraria muito -, uma revista de contos de fadas como as da La Selva
chamada Fantasia, um super-herói de muito sucesso na TV, o Capitão 7, além de, claro,
o terror, com duas revistas, Seleções de Terror e Clássicos de Terror. Quase todas elas
venderam muito bem de inicio, mas algumas delas bem mais do que as outras, caso das
duas de terror e do Capitão 7.

Sempre muito à vontade em qualquer gênero, Cortez transitava do


super-herói ao infantil e ao terror sem muito esforço, mas talvez por
temer alguma ação judicial contra ele, no caso de Alô Doçura ele
preferia assinar com um pseudônimo: “Gino”. A revista tinha o mesmo
nome de um programa da TV Tupi, estrelado por Eva Wilma e John
Herbert desde 1953 e, apesar de ser do gênero romântico, não tinha
nada a ver com ele, mas usava seu nome. Nas páginas internas, igno-
rando a promessa da capa, histórias nacionais se misturavam
a material americano.
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Desde o primeiro número, Seleções de Terror se
dedicou com afinco às histórias de Drácula, até
então, por incrível que pareça, um personagem
pouco explorado. O fato é que desde o ano ante-
Aqui vemos a diferença rior, Drácula arrastava multidões aos cinemas
cromática considerável
entre um original e a graças aos filmes produzidos pela Hammer Fil-
capa impressa, numa
época sem arquivos di- ms na Inglaterra, estrelados por Christopher
gitais. Cortez acabou
aprendendo a prever Lee: O Vampiro da Noite e O Príncipe das Trevas.
esse tipo de resultado
e a trabalhar para uma E, como o personagem era de domínio público,
melhor reprodução.
essa era uma oportunidade que não podiam
deixar escapar. As histórias foram escritas em
grande parte por Hélio Porto e ao contrário dos
filmes, aqui quem persegue o perverso Drácula
não é o Dr. Van Helsing e sim o jovem detetive
Fred Jackson. As histórias foram desenhadas
primeiramente por Giorgio Scudellari, seguido
por Aylton Thomas e Inácio Justo. Mas o grande
desenhista da série foi Nico Rosso, que inclusi-
ve a continuou até os anos 1970. Já Clássicos de
Terror, pelo menos em seus primeiros 3 anos,
fez jus ao título, publicando adaptações de clás-
sicos de terror oriundos da literatura ou do ci-
nema em alguns casos. Em suas páginas vamos
encontrar de Frankenstein de Mary Shelley ao
Lobisomem de Londres, adaptação livre de um
filme da Universal dos anos 1930. Por suas pá-
ginas passaram Nico Rosso, Inácio Justo, Ma-
noel Ferreira, que fez sua própria versão de O
Tesouro de Eça de Queiroz, Julio Shimamoto,
adaptando uma história de Robert E. Howard,
Os Pombos do Inferno, e vários outras histórias
de vários outros artistas.

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Algum tempo depois, a edi-
tora teve que mudar de nome
pois descobriram que já ha-
via uma outra com o mesmo
nome e com problemas nas
justiça. Segundo uma das
versões, o nome Editora Ou-
tubro teria sido proposto por
Miguel Penteado, como uma forma de home-
nagear secretamente o partido comunista e
a Revolução Comunista de 1917 na Rússia.
Para outros, não foi nada disso. Quiseram
aproveitar que já existia uma Editora Abril e
resolveram chamar a deles de Editora Outu-
bro, e quem teria proposto o nome, na base
da brincadeira, teria sido Cláudio de Souza,
que era secretário de Victor Civita e achou
que ninguém fosse levar a sugestão a sério.
Seja lá como for, tão logo as revistas começa-
ram a aparecer com o logotipo do Escorpião,
signo zodiacal do mês de outubro, a Editora
Abril entrou com um processo, que iria se ar-
rastar durante alguns anos, pois eles tinham
registrado todos os meses do ano como pos-
síveis nomes para outras empresas. Aprovei-
tando a mudança de nome, vieram novos tí-
tulos (em alguns casos substituindo revistas
que não iam muito bem) como O Vingador,
que ficou no lugar de Pistoleiro Fantasma, a
revista de ficção científica Fantásticas Aven-
turas (uma das poucas com histórias impor-
tadas, como Johnny Galáxia da espanhola
Selecciones Ilustradas), Zaz-trás, com his-
tórias infantis, inclusive as de Mauricio de
Sousa, que já tinha também a revista Bidu e
novos títulos de terror como Histórias Sinis-
tras, Histórias Macabras, Contos de Terror,
Histórias do Além e Terror em Revista.

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Heróis
Ayres Campos sempre
adorou aparecer em pú-
blico como Capitão 7.

da TV...
Alô Doçura acabou, mas o Capitão 7 se-
guia firme e forte, com desenhos de Júlio
Shimamoto, Juarez Odilon e Aylton Tho-
maz, além de algumas interessantes pá-
ginas produzidas por Jayme Cortez com
dicas do Capitão 7 sobre defesa pessoal
(que republicamos a seguir), além das
capas, claro. Graças ao seriado na Re-
cord, canal 7, que durou de 1954 a 1966,
a revista era uma das campeãs de venda
da editora e isso animou Cortez a con-
vencer os sócios a lançar novos títulos
baseados em sucessos da TV. Logo, lan-
çaram Jet Jackson, com histórias de um
personagem de um seriado americano
que também fazia sucesso na TV Record
da época e que era, originalmente, sem
que ninguém soubesse, um outro perso-
nagem americano de quadrinhos que já
tinha inclusive sido publicado no Bra-
David José como Joel sil, o Capitão Meia-noite. Os desenhos
e Henrique Martins,
o Capitão Estrêla. eram de Juarez Odilon, Aylton Thomaz
e principalmente de Getúlio Delphim.
Richard Webb,
ou Jet Jackson. Em seguida veio o Capitão Estrêla, pa-
trocinado pela fábrica de brinquedos
que lhe dava nome, criado por Zaé Jú-
nior na TV Tupi e desenhado por Juarez
Odilon. O último foi um dos mais lem-
brados pelos que tem mais de 50 anos,
O Vigilante Rodoviário, em cuja revista
Flávio Colin adaptava o primeiro seria-
do filmado em película da TV brasileira
(os outros eram ao vivo ou em video-ta-
pe), que estava fazendo sucesso na Tupi.
E completando o pacote, um que não era
da TV: Targo, uma mistura descarada de
Carlos Miranda, como Tarzan com o Tor de Joe Kubert.
o Vigilante Carlos e
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Jayme Cortez sempre gostou de atuar como mentor de jovens desenhistas e na Outubro fez
questão de continuar esse papel. Estrearam na casa desenhistas como Luiz Saidenberg e
Mauricio de Sousa (que já fazia tiras para a Folha, mas na Outubro ganhou um grande es-
paço), por exemplo. Mas, nem sempre Jayme Cortez era agradável com iniciantes, como
foi o caso de Júlio Shimamoto, que se dava muito melhor com Miguel Penteado. Apesar de
Cortez ser o Diretor Artístico, Penteado era uma influência nesse setor também, só que
bem mais afável e menos ferino do que Cortez, que deixou mais de um iniciante pensando
em desistir. Mas vale lembrar que Júlio Shimamoto publicou bastante na Editora Outubro e
se Jayme Cortez não gostasse dele, não reconhecesse seu valor, isso não teria acontecido.
Cortez também dava muito trabalho para artistas do Rio como Edmundo Rodrigues, Juarez
Odilon, Gutemberg Monteiro, Aylton Thomaz, Getúlio Delphim, Walmir Amaral e princi-
palmente Flávio Colin, cujo estilo admirava bastante. Destes, Colin era o único que não
costumava fazer a viagem do Rio a São Paulo no dia do pagamento, dia em que a editora
praticamente fechava e quase todos os artistas da editora e mais os sócios, passavam o dia
se confraternizando pelos botequins da Mooca, bairro que abrigava a editora. Colin não era
o único, pois Gedeone, Nico Rosso e Scudellari, talvez por serem mais maduros, não cos-
tumavam acompanhar a turma na farra. De todos os artistas que trabalharam com Cortez
na LaSelva, os únicos que não fizeram nada na Outubro foram José Lanzellotti e Messias
de Melo, por falta de tempo e Sylvio Ramirez, que passou a se dedicar mais à ilustração
de livros infantis e a seu trabalho como figurinista de teatro. Além dos que foram citados,
muitos outros artistas fizeram parte do time de colaboradores da Outubro e sempre é pos-
sível encontrar nas revistas uma grande história de um artista que, sem você saber, tinha
trabalhado para a casa. Alguns dos artistas da Edi-
tora Outubro no início dos
anos 1960. Em sentido ho-
Um dos fatores que rário a partir daqui, Júlio
contribuíram para o Shimamoto, Flávio Colin,
sucesso da revista foi Lyrio Aragão, Getúlio Del-
a forte ligação que ela phim, Juarez Odilon, Gu-
tinha com o programa temberg Monteiro e Mauri-
de TV, com seu patro- cio de Sousa.
cinador, o Leite Vigor
(como podemos ver
pelos anúncios do
Clube do Capitão 7)
e, acima de tudo,
com Ayres Campos,
que acabou se
tornando detentor da
marca Capitão 7 e
abrindo uma fábrica
de fantasias infantis
pioneira no Brasil,
que, além de fantasias
de Batman, Superman
e Zorro, nunca deixou
de ter em seu catálogo
aquela que começou
o negócio, a fantasia
de Capitão 7.

50 |MeMo6 MeMo6 | 51
Jayme Cortez por
Luiz Saidenberg...
Fui apresentado ao Jayme Cortez em 1959, mas já o conhecia
de uma década atrás.
Creio que seus desenhos saíam na Gazeta Juvenil, que meu
zeloso pai incluía nas suas generosas compras de quadri-
nhos semanais. Pretencioso e ingênuo, eu imaginava que de-
senhava tão bem quanto ele. É claro que não, mas era uma
fantasia infantil... gostei muito também da edição de Dick
Peter, rica em claro-escuro, e com bela movimentação.
Já conhecia outras aventuras desse herói em livros, escritos
por Jeronymo Monteiro, sob o pseudônimo de Ronnie Wells.
Mas, em 59 eu trabalhava para uma modesta produtora de desenhos animados. Foi quando
um ex-patrão, Francisco Raffaelli, que era professor de desenho, recomendou-me a um de
seus alunos, Almir Bortolassi.
Almir fazia já desenhos para a Editora Outubro, e apresentou-me a Cortez na Rua da Mooca,
próxima ao Parque Pedro II. Há alguns anos, passei de carro pelo saudoso local. Um predio-
zinho de tijolos, com portas metálicas de correr embaixo. Ali havia sido o local da gráfica.
Era sábado, e estava tudo fechado, então não sei em que a editora teria se transformado. Mas
o velho boteco da esquina continuava ali...
Subia-se uma escada e virava-se à esquerda. Ali era o estúdio do Cortez, com vistas para o
grupo escolar defronte. Nas paredes, algumas suas aquarelas e capas de diversas revistas:
infantís, Mazzaroppi, Arrelia e Pimentinha, Fuzarca e Torresmo, e principalmente terror.
Ele pediu-me uma página, como amostra. Fiz, e não sei porquê, era sobre vikings, e seu
navio... mas Jayme gostou, e disse até, meio espantado - Mas, já trabalhaste nisto, antes?
Evidentemente, não, a não ser em imaginação. Achou de bom nível e já encomendou uma
história, cujo roteiro seria de Gedeone.
E foi assim. Além de sócio e principal capista, ele era o diretor de arte, encarregado de jul-
gar a maioria dos trabalhos. Penteado também fazia isto, mas era mais raro.
Cortez era solerte, e fino gozador. Generoso com os artistas mais talentosos e esforçados,
era implacável com os medíocres, que, pode-se imaginar, eram muitos dos que passavam
sob seu aguçado crivo. Lembro de dois episódios, que testemunhei.
Num deles, um candidato, simples e periférico, foi-lhe mostrando as páginas. Cortez olha-
va, e ficava cada vez mais angustiado. - Está faltando...está faltando...e esfregava o polegar
no indicador. - Falta alguma coisa, seu Cortez? E ele, explodindo: - Falta tudo!!!
Noutro, era um guarda civil, provávelmente conhecido de Gedeone, Aragão e Igayara, todos
investigadores do DEIC. O desenho era muito ruim, mas já no início havia sua assinatura,
imensa e caprichosamente elaborada, como de um Picasso, ou José Zaragoza. O luso olhou
aquilo e comentou - o TÍTULO está bom...
52 | MeMo6 Jayme Cortez, de cavanhaque, faz uma participação especial na história “Coronel Galdino”, desenhada por Saidenberg. MeMo6 | 53
Na animação, Cortez, Penteado e seu sócio gráfico, José Sidekerskis também desciam.
Bares não faltavam na região fabril, e ali pertinho ficavam dois, o da esquina (da Luís
Gama) já mencionado, e outro, na Rua da Mooca, quase vizinho. Para eles, estava de-
cretado feriado na editora.
Então, que venham as bebidas! Sou de pouco beber - sempre fui, mas tomava uminha e
contemplava aquele espetáculo da comédia humana. Cortez era bom copo, o que, afi-
nal, lhe custaria muito caro. E quanto mais bebia, mais lúcido e espirituoso ficava. Já
Penteado, mais sério e contido. Sidekerskis não podia beber. Mas, quando o fazia, com
apenas uma dose ficava furioso, fora de controle. Aquele lituano esguio, de dois metros
de altura, era tímido, uma moça de tanta gentileza. Mas, uma única dose desperta-
va seu Mr. Hyde, e com muita paciência e diplomacia Penteado e Cortez conseguiam
contê-lo. Mas nem sempre.
Cortez e Penteado simpaticamente nos visitaram algumas vezes no Martinelli. Como
se vê, não se fazem patrões como antigamente. Sinto que poderíamos ter sido mais ami-
gos, mas a diferença de idade e minha timidez de então impediram mais papos e apro-
ximação, o que teria sido muito bom. Também fui visitá-lo umas poucas vezes no seu
apartamento da Luís Gama, para além da Rangel Pestana.
Um belo período, como vêem. Mas tudo muda, e logo a editora, com suas muitas publi-
cações, dezenas de milhares de exemplares de tiragem, se desfaria e os sócios segui-
riam outros caminhos. A seguir, Cortez viria para o departamento de RTV da McCann
Erickson, trabalhando, com Shimamoto, sob a direção do ex- colega de Gazeta, Zaé Jr.
Eu já tinha estado ali, e agora era ilustrador e layoutman no estúdio de imprensa da
McCann, no andar de cima. Assim, nos
falamos algumas vezes, mas não muitas,
pois tais departamentos eram mundos
bem diversos.
A seguir, acho, ele foi trabalhar com seu
antigo colaborador, Mauricio de Sousa,
no estúdio deste. E perdemos o contato. A
última vez que vi Cortez foi na Rua 13 de
Maio. Eu trabalhava na Denison, da Ave-
nida Brigadeiro Luís Antônio, e devia ter
ido almoçar no Bexiga.
E a mesma coisa o bom luso, pois, copo
de vinho na mão, estava à porta de uma
das tradicionais cantinas. Sempre bem
humorado e afável. Creio que era uma
destas pessoas que fazem da vida uma
festa, seja onde estiverem.

Um dos melhores trabalhos de Luiz Saidenberg naquele período


foi a adaptação de O Gato Preto, de Edgar Allan Poe, que saiu na
Clássicos de Terror nº 14, com essa bela capa de Jayme Cortez.
MeMo6| 55
Os argumentistas

Ivan Saidenberg

Gedeone Malagola

Além de descobrir e incentivar desenhistas, Cor-


tez também fazia o mesmo pelos argumentistas. Os
principais a trabalharem na editora foram Hélio Por-
to, que era também jornalista, Helena Fonseca, que
começou na Gazetinha, Cláudio de Souza, que afi-
nal foi sócio durante algum tempo (até Victor Civita
descobrir), Gedeone, que também desenhava, Ivan
Saidenberg que trabalhava com seu irmão Luiz na
maior parte das vezes e Rubens Francisco Lucchetti,
um dos maiores e mais prolíficos escritores de fic-
ção do Brasil, que começou na editora com um livro
de bolso ilustrado por Jayme Cortez: Noite Diabólica.
Não foi possível encontrar nenhuma imagem de He-
Cláudio de Souza
lena Fonseca ou de Hélio Porto. Nem determinar um
trabalho de Cláudio de Souza, pois ele nunca os assi-
R. F. Lucchetti
nou, temendo seu principal patrão, Victor Civita.
Victor Civita

56 | MeMo6 MeMo6 | 57
O retrato de 1961
Como vimos, com as aulas de defesa pessoal do
Capitão 7, na Outubro, Jayme Cortez voltou aos
quadrinhos depois de muitos anos. E ele também
se aventurou no carro-chefe de vendas da casa:
o terror. Eram sempre histórias de uma página,
muito úteis para completar as revistas, mas as
que Cortez de fato desenhou não foram tantas
quanto se pensa, apenas umas 5 ou 6. Houveram
outras de Almir Bortolassi, Luiz Saidenberg e
até de Gedeone. Mas foi nesse período que ele
publicou também a primeira versão de um de
seus trabalhos mais famosos, O Retrato do Mal,
com apenas 3 páginas, que republicamos a se-
guir. Na história, sem perceber, Jayme Cortez
desenha no personagem do pintor uma figura
muito parecida com a que ele próprio teria, al-
guns anos no futuro. Premonição?

MeMo6 | 59
60 | MeMo6 MeMo6 | 61
autoria sem mistério
Nos primeiros anos, quase todas as capas das
revistas da Outubro eram assinadas por Jay-
me Cortez ou Miguel Penteado. Porém todas
elas eram na verdade apenas de Cortez e tra-
ziam a assinatura de Miguel Penteado “fal-
sificada” pelo artista português. Isso, ao que
parece era uma brincadeira de Jayme Cortez
que não queria que parecesse que ele era o
único capista de editora. Olhando o trabalho
de Miguel Penteado publicado anteriormen-
te, dá para perceber claramente a diferença
de estilo entre ambos. Penteado se atém es-
tritamente à referência fotográfica, enquanto
Cortez é muito mais solto, como podemos ob-
servar nestas capas.

62 | MeMo6 MeMo6 | 63
1961: A Lei dos Quadrinhos
Em 1961, ganhou corpo um movimento pela nacionalização das histórias em quadrinhos e
isso acabou gerando uma lei que ao entrar em vigor obrigaria as editoras a publicar progres-
sivamente material produzido no Brasil até a proporção de dois terços do que fosse editado.
Apesar de promulgada, nunca entrou em vigor. O movimento era liderado no Rio de Janeiro
por José Geraldo Barreto, que trabalhava para a O Cruzeiro na ocasião fazendo Charlie Chan.
Em São Paulo, o líder do movimento era Mauricio de Sousa, que tinha como companheiros
Júlio Shimamoto e Luiz Saidenberg. Todos eles trabalhando basicamente para a Outubro.

Cortez e Penteado eram simpáticos à causa. Afinal, já que todo o material que publicavam
era produzido no Brasil, nada tinham a temer. Sempre se disse que os desenhistas envolvi-
Na foto acima, vemos o
então governador do Rio
dos no movimento passaram a ser boicotados pelas editoras, mas isso não é uma verdade
Grande do Sul, Leonel absoluta. Mesmo entre as editoras cariocas, muita coisa já era produzida aqui. A Rio Gráfi-
Brizola, um acessor des-
te e o desenhista carioca ca tinha um grande estúdio onde trabalhavam profissionais como Flávio Colin, Gutemberg,
José Geraldo Barreto, um
dos líderes do movimen-
Juarez Odilon, Walmir Amaral e Edmundo Rodrigues, entre vários outros. A EBAL não tinha
to pela nacionalização uma grande produção local, mas tinha várias tentativas mais ou menos bem sucedidas em
dos quadrinhos e que era
responsável pela revis- sua história, empregando artistas como Nico Rosso, José Geraldo, Antonio Euzébio Neto e
ta Aventuras de Charlie
Chan, que fazia sucesso
outros. E a O Cruzeiro publicava alguns títulos produzidos aqui, como Charlie Chan e Pere-
editada pela O Cruzeiro. rê de Ziraldo. Em São Paulo, a La Selva ainda dava emprego a vários desenhistas nacionais,
Tanto a EBAL, quanto
a Rio Gráfica já há um porém já tinha entrado num período de decadência por conta de brigas entre os herdeiros
bom tempo publicavam
material nacional, sen-
de Vito La Selva, que culminariam com o fim da editora alguns anos depois. E a editora Abril
do que esta última tinha já tinha começado a produção local de histórias Disney, ainda de forma acanhada. Não pa-
uma tradição em conti-
nuar no Brasil séries que rece verdade que os editores temessem a entrada em vigor da lei. O mais provável é que
tinham deixado de ser
produzidas no seu país de
enxergassem e identificassem os desenhistas pertencentes ao movimento como elementos
origem, mas que faziam de esquerda, o que deixava muita gente arrepiada numa época em que Cuba era uma novi-
sucesso aqui, como Aguia
Negra. A “caçula” entre dade e o mundo vivia em plena guerra fria. Isso com certeza se exacerbou com a adesão do
as grandes em termos de
produção nacional era a
governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, notadamente esquerdista, ao movimento.
Abril, que tinha acabado Brizola apoiava os desenhistas e chegou a criar uma editora, a CETPA, em Porto Alegre,
de criar um estúdio espe-
cializado na linha Disney, dirigida por José Geraldo. Mas essa história é melhor contada por Luiz Saidenberg, que a
que atravessaria décadas.
vivenciou in loco, na MeMo número 3.
64 | MeMo6 MeMo6 | 65
MUDANDO DE NOVO
Apesar de serem minoritários na editora, Cortez e Penteado ganhavam muito mais nela
do que em seus tempos de La Selva e Novo Mundo e tudo caminhava mais ou menos bem
para ambos até o final de 1963, embora Penteado se queixasse de que eles é que faziam
a maior parte do trabalho, mesmo não sendo donos da maior parte da empresa. O único
outro sócio que punha a mão na massa na ocasião era o gráfico José Sidekerskis, que
também era minoritário. Até que um dia, Victor Chiodi se desentendeu com Heli Lacerda
e deixou a sociedade. Ao invés da parte dele ser dividida entre os sócios, isso não acon-
teceu. Ela passou para as mãos de Lacerda e Miguel Penteado, muito mais do que os ou-
tros, não ficou nem um pouco contente com isso. Algum tempo depois, Cortez e Penteado
tiveram uma grande briga, por motivos pessoais que não cabe comentar aqui e isso fez
com que Miguel Penteado deixasse também a editora. Logo depois ele voltaria ao ramo,
abrindo a GEP, mas isso é uma outra história. Jayme Cortez também não estava nem um
pouco satisfeito com a maneira com que os outros sócios tocavam a editora, que passou
a comprar cada vez menos material novo e a apelar para reprises, inclusive de capas.
Ele também começou a pensar em deixar a sociedade, embora não tivesse ainda nada
em vista. Pensou que talvez devesse dedicar mais tempo a uma atividade que o agradava
muito e que exercia já há alguns meses: a de professor.

A partir de meados de 1963, cada vez mais reprises apareciam nas revistas
da editora Outubro. Algumas vezes uma ou outra história nova aparecia em
Histórias Macabras, O Vingador ou Fantasia, mas Seleções de Terror passou a
apresentar quase que só reprises todos os meses.
Mas novas fórmulas foram tentadas, indo desde um formato de bolso até
revistas com a capa em preto e branco como a Edição Negra. Houve também
uma das raras revistas editadas no Brasil usando apenas duas cores:
Clássicos do Faroeste, onde apareciam adaptações de grandes westerns
hollywoodianos para os quadrinhos feitas em geral por Hélio Porto,
com desenhos de Flávio Colin, Juarez Odilon e Shimamoto.

66 | MeMo6 MeMo6 | 67
Al Dorne por Ben Shahn

Nor man
Rockwell Uma lição por Al Parker

Milton Caniff, diretor


do Departamento de
Quadrinhos e Cartoon

A ESCOLA PANAMERICANA DE ARTE


Pouca gente sabe disso, mas a Escola Panamericana de Arte é uma espécie de descenden-
corpo docente composto por alguns dos maiores desenhistas e ilustradores atuantes na
Argentina na época, como Alberto Breccia, Hugo Pratt, Enrique Vieytes, Luiz Domin-
guez, o brasileiro João Mottini, Tito Menna, Rodolfo Claro e outros mais. Nem é preciso
te bastarda da Famous Artists School, iniciada nos Estados Unidos em 1948 por ninguém dizer que a grande maioria dos alunos da Panamericana se compunha de jovens que
menos do que os famosos ilustradores Al Dorne e Norman Rockwell. Essa escola existe queriam seguir estes grandes desenhistas trabalhando para grandes editoras e agências
ainda hoje e continua sendo, tal como sempre se propôs, uma escola à distância, em que de publicidade. Mas aconteceu que logo no inicio dos anos 60 uma grande crise econô-
os alunos recebem lições pelo correio, hoje substituído pela internet. Em 1951, inspirado mica sacudiu a Argentina, fazendo fechar diversas empresas como estas, o que fez com
por esse modelo, o pintor argentino Enrique Lipszyc criou a Escuela Norteamericana de que o número de alunos interessados nesse tipo de curso também decaísse. A crise foi
Arte que pouco tempo depois se tornou a Escuela Panamericana de Arte com grande su- grave a ponto de fazer com que muitos desenhistas conhecidos deixassem a Argentina,
cesso entre o público argentino. Se nos Estados Unidos, grandes artistas como Al Parker, como José Delbó, Eugênio Colonnese, Rodolfo Zalla e vários outros, que se mudaram
Al Dorne, Austin Briggs, Norman Rockwell, Ben Stahl, Milton Cannif e Jon Whitcomb eram para o Brasil. E foi por causa disso que Lipszyc achou que talvez fosse uma boa ideia
responsáveis pelo curso, na Argentina não podia ser diferente e Lipszyc reuniu um grande montar uma filial no Brasil, o que aconteceu no dia 7 de abril de 1963.

Enrique Lipszyc, hoje


Hugo Pratt, 1957

Alberto Breccia, 1957

Enrique Vieytes, 1958

68 | MeMo6 MeMo6 | 69
O primeiro endereço da Escola Panameri-
cana de Arte era na famigerada Rua Augus-
ta, número 59 e para abri-la Lipszyc trouxe
Ziraldo
da Argentina dois grandes talentos, Enri- Augusto Alvim

que Vieytes e Hugo Pratt, que moraram em


São Paulo durante alguns meses. Mas logo Oswald de Andrade Mário Tabarin

foram recrutados professores brasileiros


como Oswald de Andrade, Ziraldo, Manoel
Victor Filho (que se tornaria diretor da es-
cola), Hélcio Noguchi, Luigi Neviani, Ge-
túlio Delphim, Nico Rosso e Jayme Cortez,
que foi um dos que continuaram na escola
Getúlio Delphim
mesmo quando ela deixou de funcionar por
correspondência e passou a ter salas de aula Jayme Cortez

(muitos que moravam no Rio, como Ziraldo, David Mazzoca

por exemplo, desistiram). Num dos primei-


ros folhetos profissionais da Panamericana,
Jayme Cortez é apresentado com um dos
Manoel Victor Filho
mais versáteis ilustradores do Brasil e Dire-
tor Artístico de uma importante editora. Ha-
via muito tempo que Jayme Cortez pensava
em ser professor de desenho, tanto que mal
chegado ao Brasil, em 1948, preparou um Luigi Neviani Nico Rosso

livro chamado “Curso Prático de Desenho


Artístico”, que não foi publicado na época
(só saiu recentemente, muitos anos depois
da morte do artista, pela Editora Criativo) e Hélcio Noguchi
Enrique Vieytes

ainda fez lições de desenho ilustradas para


a Gazetinha publicadas sob o título “Vamos
Aprender a Desenhar?”. Na Panamerica-
na, ele respondia pela cadeira de Histórias
em Quadrinhos e trabalhou lá até o final da
década de 1960 de forma intermitente. Mas
continuou de certa forma ligado à escola
por sua amizade com Manuel Victor Filho e
Enrique Lipszyc, participando de diversas
exposições e eventos ao longo dos anos.

70 | MeMo6 MeMo6 | 71
MAD MEN Paulistanos
Zaé Júnior por
volta de 1964.

Menos de 6 meses depois da saída de Miguel Penteado da Outubro, já em 1964, Jayme


Cortez resolveu deixar a sociedade e chegou a começar uma conversa com os La Selva,
mas nessa ocasião a editora já começava a dar graves sinais de decadência, muito por
causa das brigas entre os três filhos de Vito La Selva que tocavam a editora. Milton Júlio
tinha morrido no ano anterior e o lugar de editor estava vago, mas antes que as negocia-
ções com os La Selva avançassem, Cortez recebeu um telefonema de um velho amigo.
Zaé Mariano Carvalho de Nascimento Junior é o nome inteiro de Zaé Junior. Nascido em
Botucatu, interior de São Paulo, em 8 de junho de 1929, desde os 10 anos adorava dese-
nhar, mas acabou trabalhando na Rádio Cosmos de sua cidade, e depois, já em São Pau-
lo, na Rádio Gazeta. Por conta disso, acabou trabalhando na Gazetinha, onde conheceu
Jayme Cortez. Tal como Álvaro de Moya, foi um pioneiro da TV na Tupi e mais tarde na
Excelsior e na Record. Na Tupi, escreveu o seriado do Capitão Estrela, que acabou tendo
uma versão em quadrinhos editada pela Outubro.

Depois de sair
da Editora
Outubro, Jayme
Cortez voltou a
trabalhar para a
La Selva, mas
a editora já
não era mais
a mesma.

Apesar de bem produzido para


os padrões da época, o Capitão
Estrela não durou mais do que
72 | MeMo6 uma única temporada. MeMo6 | 73
Numa dessas idas e vindas, acabou indo parar numa
agência de publicidade, a McCann-Erickson, onde
foi dirigir o Departamento de Rádio e TV. Nessa épo-
ca, era comum que estes departamentos nas grandes
agências contassem com desenhistas que trabalha-
vam exclusivamente desenhando storyboards dos
comerciais a serem produzidos. Foi para lá que Zaé
levou Lyrio Aragão em 1962 e Luiz Saidenberg em ja-
neiro do ano seguinte, numa fase em que vários dese-
nhistas brasileiros estavam trocando os quadrinhos
pela publicidade. O tempo passou e em 1964 Aragão
e Saidenberg foram promovidos para o estúdio da

McCann-Erickson, onde passaram a fazer de


No alto, uma tira de O Gaúcho, de Júlio Shimamoto. No meio,
o emblema com o lema mundial da McCann, “a verdade tudo e não apenas storyboards. Para substituir
bem contada”. Aqui, Cortez na sua prancheta, onde produzia
storyboards e de onde sairam também os anúncios de uma os dois foram chamados Júlio Shimamoto, que
famosa campanha de Nescau, que vemos na página ao lado e
na seguinte, incluindo um que não foi finalizado. tentava emplacar uma tira diária, distribuída
por Mauricio de Sousa, chamada O Gaúcho e
Jayme Cortez, que acabara de deixar a socie-
dade na Editora Outubro. Tanto Aragão quanto
Saidenberg e Shimamoto acabaram trocando
a McCann por outras grandes agências, mas
Jayme Cortez permaneceu como funcionário
da casa pelos próximos 12 anos, quase sempre
no departamento de Rádio e TV, fazendo story-
boards, mas também trabalhando como ilus-
trador para diversas campanhas da casa, en-
tre elas uma série muito famosa de anúncios
de uma página para Nescau, num formato que
ele dominava como ninguém, os quadrinhos.

74 | MeMo6 MeMo6 | 75
76 | MeMo6 MeMo6 | 77
Em 1965, Jayme Cortez produziu
mais de 20 ilustrações para um
relatório anual da General Mo-
tors, com temática regional.

78 | MeMo6 MeMo6 | 79
Tal como em todos os lugares por onde passou, o humor e a energia de Jayme Cortez, além a casca e ir comendo como aperitivo. Então, compramos uns ovos, pintamos com ecoline e
de sua grande capacidade profissional, cativou todo mundo na McCann e muitas de suas colocamos junto com os outros na surdina. No dia seguinte, soubemos que foi um Deus-nos-
aventuras passaram a fazer parte do folclore publicitário, como esta que nos conta o Dire- -acuda e o português até hoje não sabe quem fez a brincadeira”. O tempo que passou na Mc-
tor de Arte Enido Angelo Michelini, que começou na McCann em 1966, como assistente de Cann-Erickson foi um dos períodos mais frutíferos da carreira de Jayme Cortez, sobretudo
Jayme Cortez: “A McCann ficava na Rua 7 de Abril, no centro da cidade, e todo mundo de lá porque significava um trabalho estável que pagava muito bem, principalmente comparado
frequentava um bar ali perto chamado Costa do Sol. A gente notou que o pessoal chegava no aos quadrinhos, e que ainda por cima deixava muito tempo livre, o que ele soube aproveitar
Costa do Sol, sentava, pegava aqueles ovos cozidos coloridos, batendo no balcão para tirar muito bem em várias frentes, entre elas uma em que já atuava desde 1958: o cinema.

Mário Mello Hector Tortolano


Nesta foto, Cortez no terraço do
prédio onde ficava a McCann, no Paulo de Almeida
centro da cidade de São Paulo. Márcio Moreira Cláudio Oliveira
Enido Michelini
Ao lado, os ilustradores da casa.
Armando Moura
Abaixo, o departamento de RTV,
com o chefe, Zaé Júnior.

Deilon G. Lima

Adão Gonçalves
Jayme Cortez

Izacil Ferreira

Jorge Yoshikawa
Jayme Cortez
Tetsuia Watanabe

José Fontenelle

Uma grande série de anúncios


em diversas mídias foi produzi-
da para o maior lançamento da
General Motors até então: o Che-
Zaé Jr. vrolet Opala, lançado no final de
1968. Os anúncios emulavam os
filmes e Jayme Cortez participou
de ambos, fazendo os storybo-
ards dos filmes e finalizando as
ilustrações dos anúncios usan-
do reticulas de Letratone, uma
grande novidade na época.

80 | MeMo6 MeMo6 | 81
Aventuras cinematográficas
O primeiro cartaz de cinema criado por Jayme Cortez foi feito no ano de 1958, para o
oitavo filme do famoso comediante Amácio Mazzaropi: Chofer de Praça. Na ocasião, o
ator/roteirista/produtor que já era um sucesso desde os anos 1940, quando começara no
rádio, acabara de lançar sua própria empresa, a PAM (Produções Amácio Mazzaropi)
e escolheu Jayme Cortez para fazer o cartaz de sua primeira produção porque achava
as capas da revista da qual era personagem, editada pela La Selva, muito melhores do
que todos os cartazes que tinham sido feitos para seus filmes, desde o primeiro (“Sai da
Frente”, da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, feito em 1952) e tinha toda razão.

Acima, o car-
taz feito para
o filme Zé do
Periquito de
1960, com
o layout de
Jayme Cortez,
feito a partir
de fotos da
produção.

Nessa época,
o sucesso de
Mazzaropi era
tão grande,
que em alguns
anos ele che-
gava a lançar
mais de um
filme, sempre
lotando todas
as salas de
cinema.

Nas páginas
a seguir, o
layout e o
cartaz final
do filme
Casinha
Pequenina,
de 1963.

MeMo6 | 83
84 | MeMo6 MeMo6 | 85
Jayme Cortez criou todos os cartazes dos filmes
de Mazzaropi até o filme Betão Ronca-Ferro, com
exceção de O Corintiano, de 1966, quando não es-
tava disponível dentro do prazo que a produção
demandava. Mas ele voltou no filme seguinte, O
Jeca e a Freira, de 1967. A relação de Jayme Cortez
com Mazzaropi sempre foi muito boa, mas infeliz-
mente ela acabou em 1970, quando a PAM passou
a usar fotografias para fazer os cartazes, por eco-
nomia. Mazzaropi atuou em 32 filmes, o último
em 1980, um ano antes de sua morte, sendo que 14
deles tiveram cartazes de Jayme Cortez.

86 | MeMo6 MeMo6 | 87
Por causa dos cartazes feitos para Mazzaropi, Cortez foi notado por outras produtoras e
acabou fazendo vários outros cartazes ao longo dos anos 1960, entre estes, dois importan-
tes filmes do ciclo de cangaço, que havia começado em 1953 com O Cangaceiro da Vera
Cruz. Os cartazes de cinema no Brasil sempre foram muito bem pagos, pois eram conside-
rados fundamentais para atrair o público e os produtores não economizavam nisso.

Além dos famosos


Nordeste Sangrento e
A Morte Comanda o
Cangaço, Cortez foi
contatado para fazer
o Cartaz de Lam-
pião, mas no final o
produtor acabou op-
tando por usar uma
foto do ator Leonardo
Vilar caracterizado
de cangaceiro.
Os layouts, porém,
sobreviveram.

88 | MeMo6 MeMo6 | 89
De alguns filmes,
como Juventude
Sem Amanhã, a única Jayme Cortez nunca pensou que iria ilustrar cartazes
coisa que parece ter
sobrado é justamente para filmes estrangeiros, porém um dia isso aconte-
o cartaz feito por ceu de forma inusitada. Graças às capas que ele ha-
Jayme Cortez.
via feito para a versão em quadrinhos de O Gordo e o
Apesar de ser
preferido por Magro na La Selva, Cortez foi contactado por uma dis-
produtores que
lançavam filmes de
tribuidora que estava comercializando para matinês
apelo mais popular, pacotes com os curtas da dupla, na segunda metade
Cortez também fez
cartazes para filmes dos anos 1960. O cartaz fez bastante sucesso e logo,
de sucesso entre os
críticos, como Cristo
outra distribuidora, a Polifilmes, o procurou pois es-
de Lama e Roma, tava com um problema: tinha os direitos de distribui-
Cidade Aberta.
No caso destes, ção de três filmes italianos, mas não achava que seus
sempre usava
uma técnica mais cartazes originais tivessem o apelo comercial que jul-
experimental. gavam necessário para competir com os cartazes dos
filmes americanos que estivessem nos cinemas na-
quela época e temiam que os filmes fracassassem nas
bilheterias por causa disso. Com os cartazes feitos por
Jayme Cortez, eles acabaram se tornando sucessos.

90 | MeMo6 MeMo6 | 91
Na coluna
da direita
na página
ao lado, os
cartazes
originais,
que foram
refeitos por
Jayme Cortez.

Na página
seguinte,
dois clássicos
que fizeram
Cortez voltar
a um tema
que conhecia
muito bem:
o terror.

A Polifilmes também encomendou a Cortez cartazes para filmes americanos que


queria reprisar, pois achava que os cartazes originais traiam a idade dos filmes.
92 | MeMo6
94 | MeMo6 MeMo6 | 95
Ao longo dos anos 1970, Cortez fez cartazes para vários produtores da assim chamada
“boca do lixo”, que apostava forte num novo gênero, filmes de ação ou comédias, com
grandes doses de sexo e que logo ganharam da crítica o nome de pornochanchadas. En-
tre seus principais clientes, Cortez tinha os produtores Ozualdo Candeias e Jean Garret.
Então, na segunda metade dessa década ele foi contatado por José Mojica Marins, o Zé do
Caixão, que era bem conhecido no meio dos quadrinhos, não apenas por já ter tido uma
revista editada com seu personagem (desenhadas por Nico Rosso e Rodolfo Zalla), como
também por ser um grande colecionador de quadrinhos e ter entre seus colaboradores
R. F. Lucchetti (que escreveu quadrinhos e roteiros de cinema para ele), velho conhecido
de Cortez. Os dois se deram bem logo de cara e Cortez acabou não só produzindo alguns
cartazes para Mojica, como também atuando em algumas de suas produções.

96 | MeMo6 MeMo6 | 97
Cortez fez para Mo-
jica três cartazes, in-
clusive o do “western”
D’Gajão Mata para
Vingar, onde o cartaz é
a única coisa que pres-
ta, segundo o próprio
Mojica. Trabalhando
no departamento de
RTV de uma grande
agência, foi natural
que Cortez acabasse
por se aproximar cada
vez mais da produção
de cinema. Começou
fazendo apenas story-
boards, mas depois de
algum tempo estava
dirigindo comerciais
para diversos clien-
tes da McCann, como
Chevrolet e L’Oreal.
Como acabou ficando
conhecido no merca-
do e tinha uma figu-
ra marcante, acabou
atuando em dois co-
merciais famosos nos
anos 70, nenhum de-
les para clientes da
McCann. Em ambos
ele fez papel de frei
Jayme Cortez aparece nos filmes de Mojica sempre no papel de um médico, franciscano, primeiro
ou um psiquiatra, ou alguém que vai explicar alguma coisa. Provalvemen-
te, Mojica achava que com sua figura na época de vastas barbas brancas e para a Faiança Por-
óculos de aros grossos, ele pudesse passar credibilidade ao papel. Jayme to Ferreira, em 1976,
Cortez ainda atuou em outra produção um pouco depois dessa época, porém
num papel menos nobre. No filme O Pálacio de Vênus, de Odi Fraga, filma- onde, com outros fra-
do em 1979 ele faz o papel de um sacristão que comparece a um bordel para des, cantava a música
o leilão da virgindade de uma garota, interpretada por Helena Ramos.
Escravos de Jó. Dois
anos depois era um
dos três frades que to-
cam sinos no filme de
Natal do Itaú.

MeMo6 | 99
Produzindo para a Televisão
Glória Menezes Regina Duarte

Em 1960 estreou no Brasil uma nova emissora de TV determinada a se tornar a melhor e


mais profissional até então: a TV Excelsior. Para esta missão, ela convocou os melhores
profissionais das outras emissoras, desde técnicos a atores, apresentadores e roteiristas,
pagando-os regiamente. Entre estes, foi convocado Álvaro de Moya, então recém-chegado
de um estágio na CBS americana, convocado para atuar como Diretor Artístico. Para a
Excelsior, Jayme Cortez trabalhou na abertura de duas novelas, A Deusa Vencida em 1965
(um dos maiores sucessos da televisão naquela época) e As Minas de Prata em 1967.

Tarcísio Meira

Lourdinha Félix

Edson França Silvio Piratininga

Altair Lima Maria


Aparecida
Alves

100 | MeMo6 Além dos desenhos da abertura, Jayme Cortez produziu uma série de retratos promocionais do elenco de A Deusa Vencida. Raquel Martins MeMo6 | 101
Ivan Mesquita

Chamada pela imprensa de “a nove-


la dos milhões”, As Minas de Prata
foi a maior produção da TV brasileira
até então. Para sua abertura, Jayme
Cortez produziu centenas de fotos do
elenco à carater, que usou na elabora-
ção dos desenhos. Apesar de todo o ca-
pricho na produção de trajes de época
e cenários, a novela não foi o sucesso
que se esperava e esse fracasso foi
uma das razões que apressaram o fim
da emissora, três anos depois.

Maria Isabel
de Lizandra
e Armando
Bogus

102 | MeMo6 MeMo6 | 103


O Rei das Reprises
O regime de trabalho da McCann-Erickson propiciava a Jayme
Cortez bastante tempo livre para outros trabalhos, alguns deles
ainda ligados aos quadrinhos, como várias capas que ele conti-
nuou fazendo para as revistas Contos de Fadas da La Selva até
1966 e várias outras para as editoras Regiart e Jotaesse, ambas
de José Sidekerskis, seu ex-sócio na Outubro, que também dei-
xara a editora. Sidekerskis costumava se gabar de que sua re-
vista O Vampiro, com capas de Cortez, vendia mais do que as
da sua antiga empresa e atual concorrente que, a essa altura,
já se chamava Editora Taíka. Cortez fez algumas capas novas
para suas revistas, é verdade, mas muitas eram reutilizações
de capas feitas para a Outubro e até para a La Selva. Além disso,
contrariando parcialmente o que pensava Sidekerskis, a Taíka
continuou reutilizando capas de Jayme Cortez até seu final, em
1976. E isso não era novidade para Cortez, pois a prática de reu-
tilizar suas capas já tinha começado na própria La Selva, ainda
nos anos 1950 e ela continuou fazendo isso, bem como sua suces-
sora, a Editora Trieste, até o final dos anos 1960. Isso quer dizer
que do período que vai de 1951 até boa parte da década de 1970,
não era incomum encontrar ou reencontrar uma ilustração de
Jayme Cortez numa banca de jornal e nem sempre bem reutili-
zada, pois muitas vezes as adaptações eram uma boa porcaria,
estragando totalmente as ilustrações. Mas é bom lembrar que,
com exceção das capas novas, ele não recebia um único centavo
pelo seu trabalho, pois a prática nesse mercado sempre foi a de
que uma vez entregue ao editor, a arte passasse a ser conside-
rada propriedade da editora, mesmo com picaretagens claras,
como Sidekerskis utilizando capas da Outubro, por exemplo.

Desde o começo dos anos 1950 e até a maior parte


dos anos 1970, Jayme Cortez nunca deixou de estar
presente nas bancas de jornal, mesmo que sem
seu consentimento ou o seu talento para fazer uma
capa chamativa e bonita, como podemos ver nesta
página em diversas “reciclagens” de seu trabalho.
Por sorte também havia trabalhos inéditos,
como os da página à esquerda.
MeMo6 | 105
Julgando livros pelas capas
Outra atividade que ocupou Jayme Cortez imensamente em boa parte de sua carreira foram
as capas de livro. Ele começou a fazer esse tipo de trabalho desde os tempos da Gazeta, e
podemos ver livros com suas ilustrações nas capas durante toda a década de 1950. Mas foi
na época em que trabalhou na McCann que ele acabou podendo se dedicar mais a isso e se
tornou um dos principais capistas do mercado, tendo entre seus clientes desde uma grande
editora, como a Melhoramentos, para quem fez dezenas de capas e ilustrações internas até
editoras menores pra quem muitas vezes fazia capas de livros de Horóscopo.

Desde seus primeiros passos


na Gazeta, o talento de Jayme
Cortez foi fundamental para
a venda de livros que muitas
vezes eram de qualidade
altamente duvidosa.
Mas, para vender bem a
partir de um anúncio numa
revista em quadrinhos,
o livro tinha que ser bem
chamativo. Isso começa-
va com a escolha do tema,
por isso a La Selva fez com
que Milton Júlio organi-
zasse coletâneas de contos
de diversos gêneros, como
contos policiais, humorís-
ticos, românticos, históricos
e, como se vê nesta página,
eróticos. O volume mostra-
do aqui se chamava “Os
Melhores Contos Realistas
de Amor e Sexo” e trazia
uma coletânea de autores
que iam de Bocaccio a Jú-
lio Ribeiro, cada um de-
les com uma ilustração de
abertura, em que Jayme
Cortez mostrou todo o seu
domínio da pena Gillot’s,
uma preferida dos dese-
nhistas desde Alex Ray-
mond, por sua ponta flexí-
vel, que dá fluência à linha.
Na capa, um belo desenho
à pena, colorido com uma
linda aquarela.

A La Selva, no final de 1958,


resolveu lançar uma série
de livros para vender atra-
vés do reembolso postal,
uma modalidade bastante
lucrativa para os editores,
uma vez que eliminava os
livreiros e mesmo os donos
de banca de jornal. Os li-
vros eram anunciados nas
revistas da casa e vendidos
diretamente aos leitores
pelo preço que teriam nas
livrarias. E mais: o correio
pagava ao editor antecipa-
damente, antes mesmo que
o comprador recebesse e
pagasse pela mercadoria,
mediante uma pequena
taxa. Esse sistema foi res-
ponsável por boa parte da
renda das pequenas edi-
toras paulistas até os anos
1970, quando acabou.

108 | MeMo6
A par tir d os anos
1960, Jayme Cortez
passa a trabalhar nas
capas numa linha
mais próxima do de-
senho gráfico do que
da ilustração e passa
a se preocupar in-
clusive com a parte
tipográfica, mesmo
quando é contratado
apenas como ilustra-
dor. Pode-se ver isso
claramente na capa
de A Deusa Vencida,
onde era natural que
seguisse os grafis-
mos da abertura da
novela que também
foram feitos por ele.
Uma das primeiras
ed i ç õ e s d o K a m a
Sutra no Brasil foi
feita pela La Selva,
traduzida por Milton
Júlio e ilustrada, po-
rém com muita auto-
censura, por Jayme
Cortez. Nessa época,
mostrar um seio já
era um escândalo.

Em 1967, uma livraria da Avenida São João começou a cres-


cer, se transformou numa distribuidora e logo depois resol-
veu começar também a editar. Tratava-se da Hemus, que lan-
çou um catálogo muito variado, desde obras que já estavam
em domínio público, como os livros de Jules Verne, Conan
Doyle, Kafka, Machado de Assis, Augusto dos Anjos e outros,
até quadrinhos belgas das Editions Du Lombard como Luc
Orient, Ric Hochet, Dan Cooper e Michel Vailant. A primeira
capa que Jayme Cortez fez para eles foi A Escrava Isaura, de
Bernardo Guimarães, muitos anos antes que o texto virasse o
mega-sucesso televisivo. Foi a primeira de muitas, pois logo
a Hemus estava entre os pricipais clientes de Cortez.

110 | MeMo6 MeMo6 | 111


Duas escritoras faziam bastante su-
cesso nos anos 1960 no Brasil e uma
era quase um clone da outra em ma-
téria de estilo e nos assuntos que
abordavam: Cassandra Rios e Ade-
laide Carraro. Ambas escreviam ro-
mances urbanos com forte conteúdo
erótico, a partir de um ponto de vista
feminino, algo raro naquela época.
Ambas se tornaram campeãs de ven-
da, embora não fossem exatamente
adoradas pela crítica literária. Ade-
laide, muito mais do que Cassandra,
teve diversos problemas com a cen-
sura instaurada junto com o regime
militar a partir de 1964. O fato é que
seus livros eram mais “fortes” que os
de Cassandra, a ponto dela ganhar
o apelido entre seus detratores de
“Adelaide Caralho”. Vemos aqui um
caso raro, o mesmo livro com duas
versões de capa feitas por Cortez. A
primeira delas, quando o livro saiu
pela primeira vez. A segunda, feita
algum tempo depois, quando a He-
mus resolveu juntar as duas autoras
numa especie de coleção e encomen-
dou a Cortez uma série de capas com
a mesma cara para todos os livros.

Alguns editores, como a Hemus, davam a Jayme Cortez total li-


berdade criativa. Isso variava conforme o pagamento, quanto
menos pagavam, mais liberdade davam, uma praxe na vida dos
artistas gráficos em geral. Conforme o assunto, ou conforme o
que lhe dava vontade, Jayme Cortez podia fazer capas indo desde
um estilo bastante ilustrativo, até algo mais solto ou, no sentido
contrário, abordar um grafismo que exacerbava até os limites do
puro abstracionismo gráfico. Para as capas dos livros de Kafka,
esse grafismo muitas vezes torna seu ponto de partida figurativo
bastante dificil de ser notado, como vemos na capa de América e
nas próximas páginas.
MeMo6 | 113
Nas capas que fez
para os livros de
Franz Kafka, Cortez
procurou transmitir
pelo grafismo todo
o peso e a angústia
contida nos textos
do escritor. Muitas
vezes partia de es-
boços muito soltos
e ia compondo aos
poucos um grafis-
mo intrincado. Ou-
tras vezes porém,
essa característica
já era visível no de-
senho à lapis.

114 | MeMo6
No caso do Rubayat, livro erótico de
Omar Khayyam, Cortez optou por
usar um estilo mais figurativo e delica-
do, que ele dominava como poucos.

116 | MeMo6
José Mauro de Vasconcelos
foi também um indigenista.
Aqui o vemos no Xingú por
volta de 1958.

Ao contrário da Hemus, a Melhoramen-


tos era já nos anos 1950 uma das maiores
editoras do Brasil. Jayme Cortez havia
feito alguns trabalhos para eles antes,
mas foi a partir da década de 1960 que
a editora se tornou um de seus princi-
pais clientes. E ele acabou se tornando
o capista oficial de um dos best-sellers
da editora, José Mauro de Vasconcelos, a
quem conhecia de vista da TV Tupi (Vas-
concelos era também ator) e de quem
acabou por se tornar amigo. Novamente
aqui, Cortez vai do ilustrativo ao abstra-
cionismo gráfico conforme a temática de
cada livro, embora de forma muito mais
contida do que na Hemus, que afinal pa-
gava menos do que a Melhoramentos.
Aqui, Cortez nem sempre é autor do de-
sign das capas, muitas vezes é apenas o
ilustrador e não tem qualquer controle
sobre a composição final ou a tipografia.

MeMo6 | 119
Uma outra série de muito sucesso que Cortez ajudou a lançar na Melhoramentos foi a da
Vaca Voadora, de Edy Lima, outra campeã de vendas, aqui na literatura infanto-juvenil. Nes-
se campo, por sinal, Cortez é um autor muito subestimado e seu trabalho precisa ser re-
descoberto, pois ele simplesmente adorava o tema, desde os Contos de Fadas da La Selva,
e sempre trabalhou com especial cuidado nestas oportunidades. Fora que fez muita coisa
nesse segmento, muitas coleções para editoras como a Melhoramentos, a Ática e a Abril.
Seu trabalho ia desde capas até dezenas de vinhetas e ilustrações a traço para o miolo dos
livros. Nos anos 1970, os trabalhos que fez para a coleção Aventura de Ler da Melhoramen-
tos se compunham de dezenas de ilustrações de capa e miolo e essa era uma coleção feita
para o MEC e portanto presente em todas as bibliotecas de todas as escolas públicas.

As capas dessa coleção eram duplas


e Jayme Cortez usava técnica mista
na maioria das vezes. Finalizava o
desenho à pena e depois o coloria
com aquarela liquida, guache agua-
do e até lápis de cor.

120 | MeMo6
o legado dos livros
Apesar de todo o seu trabalho como capista e ilustrador, com
certeza os livros mais importantes em que Jayme Cortez tra-
balhou foram aqueles em que ele foi também o autor: Técnica
do Desenho, Mestres da Ilustração e Manual Prático do Ilus-
trador. Durante muito tempo, estes foram os livros de cabecei-
ra de todos os aspirantes a ilustradores do Brasil, ajudando a
formar mais de uma geração de profissionais. Mas como foi
que eles surgiram? Muito antes de conhecer Enrique Lipszyc,
Jayme Cortez já conhecia o livro que este havia editado na Ar-
gentina em 1955, “El Dibujo a través del temperamento de 150
famosos artistas” e começou a se perguntar se não seria pos-
sível editar também aqui um livro assim. Um livro que reu-
nisse, mais do que apenas lições de desenho, demonstrações
técnicas dos mais famosos desenhistas do Brasil na época. Afi-
nal, ele conhecia quase todos e tinha certeza de que a maior
parte deles adoraria colaborar com um projeto como esse. E
resolveu que ia fazer um livro ainda maior do que o de Lipszyc.
Ele provavelmente esperava publicar esse livro pela Outubro
e numa entrevista ao jornal O Correio Paulistano de 2 de julho
de 1961 ele menciona o livro pela primeira vez. Iria chamá-lo
de “A Técnica da História em Quadrinhos” e na entrevista ele
revela que já o está preparando há muito tempo. No ano se-
guinte, em janeiro de 1962, na revista Resenha Artistica, além
deste, Cortez elenca mais dois livros que estaria preparando:
“Desenho Artístico” e “Animais e Paisagens”, o primeiro de-
les, provavelmente o livro que tinha preparado logo que chega-
ra ao Brasil e que continuava inédito.

MeMo6 | 123
Quando saiu da Outubro, boa parte do livro já havia tomado forma e era imenso. Ele co-
meçou a procurar algum editor que pudesse se interessar em editá-lo, mas isso não era
fácil, pois o investimento era grande. Cortez havia preparado o livro para que tivesse várias
páginas em cores, era uma edição luxuosa, em tamanho grande. Ofereceu o livro aos La
Selva, que não se interessaram por ele justamente por causa de seu tamanho. Eles esta-
vam ganhando muito dinheiro vendendo livros pelo reembolso postal e acharam que um
livro grande e pesado assim não venderia muito nessa modalidade. Essa opinião batia mais
ou menos com as de outros editores e Salvador Bentivegna, que havia editado Sérgio do
Amazonas, sugeriu a Cortez que dividisse o livro em volumes para facilitar o custo de sua
publicação, pois assim ele o publicaria. Cortez topou a sugestão e então preparou com o
mesmo material o que seria o primeiro volume: A Técnica das Histórias em Quadrinhos.
Bentivegna novamente sugeriu a Cortez outra mudança, desta vez no título, para que fosse
mais abrangente e pudesse atrair não apenas os fãs de quadrinhos, mas também os que
gostavam de desenho. E foi assim que foi para as gráficas em setembro de 1965 o primeiro
livro de Jayme Cortez: “A Técnica do Desenho”.

Fiel à sua maneira


de trabalhar e to-
talmente de acordo
com os livros es-
trangeiros que usa-
va como referência
para o seu, Jayme
Cor tez produzi u
diversas fotos com
modelos profissio-
nais para as lições
de anatomia artís-
tica apresentadas
logo nas primeiras
páginas do livro.

124 | MeMo6 MeMo6 | 125


Inezita Barroso Zaé Jr.
O livro foi lançado oficialmen-
te no dia 18 de dezembro de 1965
numa grande festa numa livraria
que também era galeria de arte e
boate: O Celeiro, que ficava na Ga-
leria Nações Unidas, na esquina
das avenidas Paulista com Briga-
Bibi Ferreira deiro Luiz Antonio. Foi uma gran-
de festa, bastante badalada e a ela
compareceram diversos dos artis-
tas que aparecem no livro e mui-
ta gente do mundo da imprensa e
da propaganda, além de celebri-
José Lanzellotti
Reinaldo de Oliveira dades da TV e autoridades gover-
namentais. A festa de lançamento
foi assunto nos jornais a partir do
dia seguinte já que até a apresen-
tadora de maior audiência da épo-
ca, Bibi Ferreira, tinha aparecido
para prestigiar o lançamento. Na
semana seguinte, Jayme Cortez
apresentou o livro no programa do
Aylton Thomaz
João Batista Capitão Furacão, um grande su-
Queiroz
Ivan Wasth Rodrigues cesso na TV daquele período.

Gutemberg Monteiro
Aylton Thomaz
Luiz Saidenberg

No mês de dezembro
de 1965, a mídia deu
ampla cobertura ao
livro de Jayme Cor-
tez. No programa do
Capitão Furacão, ele
não só o apresentou,
como também dese-
nhou o Horácio, de
Maurício de Sousa.

126 | MeMo6 MeMo6 | 127


O livro em si, era realmente o maior lançamento do gênero no Brasil, apesar de ser menos
ambicioso do que Cortez desejava e menor do que o livro de Lipszyc. Em suas páginas pode-
mos ver o trabalho de grande parte dos desenhistas de histórias em quadrinhos do período -
quase todos eles tinham trabalhado com Cortez - além de trabalhos de Fernando Dias da Silva
que já estava nos Estados Unidos e de ET Coelho. O livro fez bastante sucesso e trouxe muito
prestígio a Jayme Cortez e também a Salvador Bentivegna, o editor. Mas não foi um grande
sucesso de vendas nas livrarias, talvez pelo preço elevado para a época, e nos anos seguintes
foi vendido também pelo reembolso postal, aparecendo em anúncios de diversas revistas, in-
clusive nas da GEP, de Miguel Penteado, uma ausência notada na festa e nas páginas do livro.
Imediatamente após o lançamento de A Técnica do Desenho, Cortez começou a preparar o
seu segundo livro, que seria dedicado muito mais ao mundo das ilustrações do que das histó-
rias em quadrinhos. Mas antes disso, resolveu passear um pouco.
MeMo6 | 129
De volta À terrinha
Jayme Cortez voltava à Europa. Passou pelo Festival, onde Mauricio acabou expondo seu
trabalho, com a ajuda do cartunista Zélio Alves Pinto, recebendo uma menção honrosa por
sua obra. Dali fizeram um tour pela Itália, França e depois Portugal, onde Jayme Cortez
Em 1966 Jayme Cortez e Mauricio de Sousa se juntaram em uma única aventura: o Festi-
val de Lucca. Foi a primeira viagem internacional de Maurício e a primeira vez que passeou pela primeira vez em 20 anos na rua em que tinha sido criado.

Em 1966, muito por


causa de uma pro-
moção feita pelo can-
tor Wilson Simonal,
entrou na moda esse
bonequinho que apa-
rece nas fotos com
Mauricio e Cortez e
que era chamado de
“Mug da Sorte”.

130 | MeMo6 MeMo6 | 131


Jayme Cortez por diretor artístico me recebesse para o exame dos
meus desenhos - era o Cortez. Ele pegou as quatro
páginas, olhou… olhou… viu meu nome rabiscado

Mauricio de sousa
ali, olhou para mim e perguntou: “Não é você quem
faz as tiras do cachorrinho na Folha?”. Confirmei.
Ele então disse: “Você faz aquelas coisas tão bonitas
e engraçadas no jornal, por que me traz esta mer-
MeMo:Você já publicava na Folha quando foi procurar Jayme Cortez na Editora Continental da? Faça histórias do Bidu que nós publicamos.”Foi
(depois Outubro). Você já contou uma vez que foi mostrar para ele uma história de terror. um choque (positivo) pra mim. Um diretor de editora
Pode contar melhor como foi isso?  topava publicar o que eu sabia fazer. Voltei pra casa
inebriado. Pronto para esquecer de vez outros gêne-
Mauricio: Foi em fins de 1959. Nessa época eu já publicava minhas primeiras tiras, eram
ros e mergulhar no mundo dos quadrinhos do Bidu.
quadrinhos do Bidu e do Franjinha, historinhas mudas, semanais, que saíam aos sábados
no alto da primeira página do caderno de variedades da Folha da Manhã, hoje Folha de São MeMo: Então logo nesse primeiro encontro nasceu
Paulo. Eu ainda era repórter policial. Fazia as tiras nas minhas (poucas) horas de folga. E sua primeira revista em quadrinhos, a revista Bidu,
enquanto reportava e desenhava, via a invasão das revistas brasileiras nas bancas. Todas que durou oito números. Como ela era produzida? 
com um selinho verde e amarelo no cantinho da capa. As pequenas editoras da Mooca,
deixavam de ser pequenas e inundavam o país com dezenas de títulos, a maioria de terror. Mauricio: Era produzida no maior sacrifício. Como
O terror era imbatível. Vendia mais do que tudo. Então me perguntei “por que não tentar eu disse, eu ainda era repórter policial, saia da reda-
ção pelas dez, onze da noite. Daí ia para meu apar-
aproveitar a onda?”.
tamento e desenhava varando a madrugada. Fazia
MeMo: E aí, você resolveu fazer uma história de terror? tudo das histórias. Roteiro, desenho, arte final, le-
tras, balão... e depois saía correndo, quando dava,
Mauricio: Sim. Chegou um feriado prolongado e rumei para a chácara da minha avó, em
para levar o material para a Rua da Mooca. Recebia
Mogi das Cruzes. Bairro retirado, lá no “alto do São João”, quando a região era só mato. E na
por esse trabalho (produzir a revista inteira sozinho,
calma de uma varanda gostosa, fui “elucubrando”, com muita dificuldade, uma história de
sem auxiliares) o correspondente a um salário mí-
terror. Com muito claro-escuro, como tinha que ser; personagens meio chupados do “estilo
nimo. Sem chance de choro.
Alex Raymond”, e um roteiro pra lá de medíocre. E por mais que me esforçasse, não con-
seguia imaginar nada além de quatro páginas. Mas o título já estava criado desde o início. MeMo: Vendia bem? Porque durou apenas oito nú-
A história se chamaria “A Coisa”. E era, realmente, uma coisa muito esquisita. Os feriados meros?
terminaram, eu saí de Mogi e fui direto para a editora Continental (depois Outubro), de onde
Mauricio: Acho que chegava na vendagem média
saíam dezenas de publicações com o selo verde-amarelo. Me apresentei e consegui que o
de outras revistas da editora. Havia poucas revistas
Mauricio em dois momentos: hoje em seu estúdio e quando era só um jovem repórter policial, cobrindo um evento no DEIC por volta de 1958.
infantis. A maioria, naquele tempo, era de terror ou
quadrinização de aventuras com personagens base-
ados em heróis da televisão, do cinema, do circo,
por aí. E parou porque eu não aguentei desenhar
mais do que cinco números. O que veio em seguida
foi repetição. Se eu continuasse naquele pique, não
ia durar muito.
MeMo: Você e seu trabalho aparecem com bastante
destaque no primeiro livro do Jayme Cortez, A Téc-
nica do Desenho, de 1966. Aparentemente ele gosta-
va bastante de você. Pode nos contar algo mais acer-
ca dessa amizade?
Mauricio: Nós não fomos simplesmente amigos. Eu
era um aprendiz de vida com ele. No lado artístico
não interferiu em nada no meu jeito ou estilo de
criar, de desenhar. Mas me passava as “malícias”

132 | MeMo6 Primeiras tiras do Bidu, julho de 1959 na Folha da Manhã. MeMo6 | 133
da nossa atividade junto aos “patrões”, me aconselhava. E eu meio que cuidava um pouco
dele, também. Acalmando-o em momentos em que se exasperava.

MeMo: Como foi sua viagem com o Cortez para Lucca e Portugal?
Mauricio: Certa vez me pediram para ilustrar um anúncio da Varig (maior empresa aérea
daqueles tempos - anos 50 para 60) para publicar no suplemento Folhinha de São Paulo onde
eu já colaborava com historietas. Era um anúncio chamando a criançada para visitar a Dis-
neylandia. Justo nessa época eu estava sonhando em ir para a Europa para conhecer o Con-
gresso de Histórias em Quadrinhos de Lucca, na Itália. Naquele tempo o congresso mais
badalado no gênero. Concordei em fazer o anúncio e pedi o pagamento em passagens. Duas.
Uma para mim e outra para o Cortez, já que havia muitos anos que ele desejava voltar a ver
sua terra natal, Portugal, e não tinha recursos. Passaríamos por Portugal e depois iríamos
para Lucca. Na volta, ajeitei para voltarmos por Paris, para completar gostosamente a via-
gem. Tudo foi maravilhoso. Menos a dureza, a falta de dinheiro. Saímos do Brasil com 200
dólares com obrigatoriedade de ficarmos 28 dias na Europa. Economizamos como deu. Mas Cortez em sua prancheta
no final precisei pedir socorro ao meu estúdio no Brasil. Ou estaríamos à beira do Sena dese- na Mauricio de Sousa Pro-
duções, quando este ainda
nhando (Cortez) e cantando (eu) em troca de alguns trocados. Até nos preparamos para isso era sediado no prédio da
Folha de São Paulo.
mas felizmente não foi necessário com os 100 dólares que conseguimos receber.

MeMo: E como ele foi trabalhar na MSP?


Mauricio: Ele trabalhava numa grande agência de publicidade e eu estava iniciando os tra-
balhos de licenciamento. Achei que precisava de um homem com os conhecimentos que ele

Mauricio de Sousa
Roberto Barbist Amélia Mihara
Reinaldo Waissman Péricles N. de Souza
Pelé

Jayme Cortez Euclides T. G.


de Andrade

tinha na ocasião. Convidei-o e ele passou a chefiar o Departamento de Arte de Merchandising


(como chamávamos o serviço). Foi responsável por grandes e novos momentos do departa-
mento. Além das artes para licenciamento, ajudou no planejamento do primeiro desenho ani-
mado nosso que, lançado na TV Globo, fez o maior sucesso. Era o filme que imortalizou a me-
lodia Feliz Natal pra Todos, de autoria do meu irmão Márcio Roberto. Que também se tornou
grande amigo e companheiro do Cortez. Aliás, eu e meu irmão voltamos a viajar com o Cor-
tez, para a Europa ou para os Estados Unidos. Cada viagem com ele era uma grande aventura
de busca social. Conversava e conseguia que conversassem com ele em qualquer ambiente e
circunstância. Ao seu lado conheci e conversei com inúmeros grandes e famosos artistas dos
quadrinhos e de outras formas de arte. Em muitos desses momentos juntava-se a  nós o expert
de quadrinhos, Alvaro de Moya. Daí abríamos mais portas, com a soma dos conhecimentos
de Moya e Cortez. Eu me deliciava com esses momentos de aprendizado e de emoções. Me
ajudam até hoje.
MeMo: Para encerrar, Mauricio, por favor, compartilhe com a gente qualquer outra coisa que
você julgue importante ou legal falar acerca do Jayme Cortez.
Mauricio: Cortez era um grande artista. Temperamental como todos os grandes artistas, não
tinha papas na língua. Falava o que achava que devia e nas suas verdades às vezes trincava
algumas relações. Mas não me lembro de não ter concordado com ele em todos os seus discur-
sos. Apenas a forma é que era franca demais para alguns momentos. Era um corajoso.

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Pai pela segunda vez
De volta ao Brasil, além de seus trabalhos na McCann, das capas de livros e cartazes
de cinema, Cortez foi pai pela segunda vez, depois de 17 anos. Nascido em 22 de junho
de 1967, o pequeno recebeu o nome de Jaime Cortez Martins Filho e passou desde logo
a ser chamado de Jaiminho.

Os aniversários dos filhos de Jayme Cortez sempre


foram motivo para convites e cartazes desenhados e
isso não começou com Jaiminho - desde os tempos
de Leonardo isso era um trabalho anual para Jayme
Cortez, que sempre fazia com esmero e com o maior
prazer. Nas outras fotos podemos ver alguns registros
de família mostrando Jayme, Jaiminho e Edna Cortez
em viagens de família para estações de veraneio, re-
fúgios a que se davam direito de vez em quando para
fugir durante uns dias da vida agitada que levavam
morando perto da Avenida Paulista.

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Armando Moura
José Lanzellotti

grandes Mestres e Manuais


Pedro Lara Aylton Thomaz
Nico Rosso
Manoel Victor Filho
Messias de Mello
Zaé Jr.

Logo depois de lançado o primeiro, Cortez voltou a se dedicar ao seu segundo livro, cujo
título escolhido foi “Mestres da Ilustração”. Desta vez, mais voltado para o mundo da ilus-
tração do que dos quadrinhos, mostrando inclusive o trabalho de diversos grandes ilus-
tradores que trabalhavam anonimamente nas agências de publicidade, que agora ele co-
nhecia. Contando com um prefácio de Pietro Maria Bardi, o livro foi lançado no MASP em
janeiro de 1970. Este livro contava com várias páginas impressas em quadricromia, o que
o tornava mais caro do que A Técnica do Desenho. A capa, estranhamente não era de Jayme
Cortez, mas de seu colega na McCann, o diretor de arte argentino Hector Tortolano. Ao con-
trário do livro anterior, aqui há capítulos definidos para cada um dos artistas convidados,
com uma pequena introdução biográfica e uma foto de cada um deles. No começo do livro,
Cortez fornece algumas dicas técnicas sobre ilustração, mas nada muito profundo, prova-
velmente porque já tinha em mente se aprofundar em seus próximos livros.

Aldemir Martins
Pietro Maria Bardi

Mariana P. Martins

Seus títulos seriam “Manual Prático do Ilustrador”, “A Fotografia na Ilustração” e “Animais


e Paisagens na Ilustração” (este ele também já preparara há muito tempo). Estes deveriam
ser realmente livros dedicados à técnica e se concentrariam no trabalho de Jayme Cortez,
sem nenhum artista convidado. Apenas o primeiro deles chegou a ser publicado, em março
de 1972. Era um livro bem menor do que os outros, e realmente mostrava muitas das técnicas
que Cortez usava em suas capas de livros, revistas e cartazes de cinema. Infelizmente a im-
pressão não era tão boa quanto a dos dois volumes anteriores e muitas das imagens são difí-
ceis de decifrar. Este, assim como os outros dois livros de Cortez, não era nenhum campeão
de vendas e talvez por isso mesmo o editor tenha resolvido dar um tempo antes de lançar os
outros dois. Acabou acontecendo que eles jamais saíram. Mais tarde, tempos depois da morte
A partir de 1972, os três livros passaram a ser uma do autor, os três livros de Jayme Cortez foram agrupados e lançados com o nome de “Curso
oferta constante nas revistas de Salvador Bentivegna.
Completo de Desenho Artistico” em 4 volumes.

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Moya, Cortez, Robert Gigi, Claude Moliterni

Sempre nos
(de costas) e Phillippe Druillet (de barba)

quadrinhos
No final de 1970 no MASP aconteceu um
evento chamado “Primeiro Congresso In-
ternacional de Histórias em Quadrinhos”,
junto com uma grande mostra chamada
“Histórias em Quadrinhos e Figuração
Narrativa”. Tratava-se na verdade de uma Cortez, Mauricio, Colonnese, Aizen, Lypszyc, Nico Rosso e Manoel César Casoli
mostra francesa, montada no Louvre no
ano anterior e que foi trazida ao Brasil e
oferecida ao MASP pela Escola Paname- Claude Moliterni, Lee Falk e Phillippe Druillet
Lee Falk, Phillippe Druillet e Burne Hogarth
ricana de Arte. Desde os anos 60, os qua-
drinhos ganhavam prestígio entre os círcu-
los intelectuais e apreciadores das artes.
Diversos artigos eram escritos em revista
“sérias” sobre sua qualidade como mani-
festação artística e críticos de arte impor-
tante descobriram a beleza dos desenhos
de Alex Raymond, Hal Foster e Burne Ho-
garth. Os quadrinhos estavam na moda,
enfim. E foi por causa disso que o mesmo
Pietro Maria Bardi que negou o MASP para
a exposição montada em 1951 por Cortez,
Phillippe Druillet, Claude Moliterni, Robert Gigi, Rinaldo Triani, Burne Hogarth, David Pascal e Lee Falk
Moya e seus amigos, agora abriu as portas
para esta mostra e para um congresso, em
que compareceram diversas personalida-
des dos quadrinhos mundiais, como Lee
MASP, de 23 de novembro Falk, Claude Moliterni, Phillippe Druillet,
a 15 de dezembro de 1970 e Robert Gigi, além de várias personali-
dades dos quadrinhos brasileiros como
Henfil, Ziraldo e Adolfo Aizen. Apesar de
não desenhar quadrinhos há muito tempo,
Cortez de fato jamais deixou de gostar de-
les e prestigiá-los, portanto participou ati-
vamente do Congresso, compondo várias
mesas e painéis de discussão e compare-
cendo a todas as recepções oferecidas aos
participantes mais importantes.
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Dois anos depois disso, de abril a maio de
1972 aconteceu o “Primeiro Congresso Ame-
ricano Internacional de Histórias em Qua-
drinhos” em Nova York com delegados de
diversos países. A delegação brasileira foi
composta por Álvaro de Moya, Enrique Lip-
Lee Falk
szyc, Manoel Victor Filho, Mario Tabarin,
Naumin Aizen, Mauricio de Sousa e Jayme
Cortez. Nessa mesma ocasião, foi entregue Hergé

o prêmio Reuben (uma das mais antigas pre-


miações dos quadrinhos americanos) da-
quele ano. Durante o congresso, Cortez pode
O evento em Nova
York virou um gran- conhecer pessoalmente diversos de seus ído-
de a s s u n t o n a i m-
prensa daqui quando
a delegação brasilei- los tais como Milton Caniff, Burne Hogarth,
ra voltou cheia de fo-
tos. Todas tiradas por Alfred Andriola e Otto Soglow, além de de-
Jayme Cortez.
senhistas que admirava como Mel Lazarus,
Brant Parker, Gil Kane, John Prentice e Neal
Adams. Voltou a se encontrar com alguns eu-
ropeus que já conhecia como Phillippe Druil-
let e Robert Gigi e foi finalmente apresentado
por Enrique Lipszyc a Hugo Pratt, de quem
se tornou imediatamente amigo. Visitaram
os escritórios da Marvel a convite de Stan
Lee e conheceram o estúdio de Will Eisner,
Milton Caniff
convidados pelo próprio. De Nova York, Cor-
tez, Moya e Maurício seguiram a Lucca para
o Festival de Quadrinhos daquele ano e de
passagem pela França voltaram a se encon-
trar com Hugo Pratt. A partir desse ano, Cor-
tez passou a retornar a Lucca com alguma
frequência e estimulado por isso começou a
Neal Adams
pensar seriamente em voltar aos quadrinhos,
afinal ele nunca se afastara totalmente deles.

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Otto Soglow
Ainda na McCann Erickson e sem deixar seus outros trabalhos, com calma, começou a ima-
ginar uma nova história que pensava em desenhar e que começava a ganhar forma na sua
cabeça. E além dela, começou a pensar também em uma outra que na verdade não era as-
sim tão nova, já tinha alguns anos, mas que ele achava que valia muito a pena ser contada
novamente, agora sem limitações de espaço ou prazos apertados. Gil Kane

Gary Trudeau

John Prentice

Jean-Claude Forest

Mel Lazarus

Manoel Victor Filho

Hugo Pratt

Chester Gould

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o NOVo
RETRATo
do MAL!

Em fevereiro de 1974 chegava às bancas de todo o Brasil uma nova revista da Editora Abril: que publicasse quadrinhos de boa qualidade, fossem histórias de aventura ou humorísticas.
Crás!. A revista foi uma ideia de Cláudio de Souza, nessa altura um dos diretores da Abril. O detalhe é que ele não queria nenhuma história de fora, queria que todas fossem produzi-
Ele queria uma revista moderna, nos moldes da revista italiana Linus ou da francesa Pilote, das no Brasil por talentos dos estúdios da Abril e também alguns desenhistas convidados.

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Jayme Cortez
preservou os esboços
da história em xerox,
por isso aparecem
aqui ligeiramente
cortados.

A revista começou a ser produzida em mea-


dos de 1973 e Jayme Cortez, foi um de seus
primeiros colaboradores, aparecendo já no
número 1 com uma pequena obra-prima: uma
nova versão da história O Retrato do Mal ex-
pandida das três páginas originais para oito.
Em Crás, foi publicada em cores, e Cortez
acompanhou o processo, embora tenha dito
algumas vezes que a preferia em preto e bran-
co. Foi republicada posteriormente em várias
revistas, como a Sgt. Kirk italiana e as portu-
guesas Quadrinhos e Ploc. No Brasil saiu em
formatinho pela Vecchi, na segunda edição da
revista Spektro em 1977 e na revista O Grande
Livro do Terror, que Cortez editou junto com
seu colega da Outubro, Hélio Porto, em 1978,
quando a história foi publicada com comen-
tários gráficos de Cortez bastante interessan-
tes. Nós republicamos a seguir de uma forma
ainda inédita, lado a lado em duas versões:
em cores, como não se vê desde 1974, e na
versão comentada, de 1978.
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Os astros
comandam
Crás! não foi o sucesso de vendas que a
Abril esperava e sofreu uma mudança
editorial no seu terceiro número. Passou
para o formatinho e se concentrou apenas
em histórias humorísticas, de boa quali-
dade, mas que, mesmo assim não foram
capazes de reverter a situação, fazendo a
revista se encerrar no sexto número. Mas
antes disso, houve um segundo número
de Crás! no formato original e para ele
Cortez preparou a primeira história de
uma nova série, que já vinha planejando
há algum tempo. Uma espécie de super-
-herói humanista, com as qualidades e
defeitos da humanidade e os poderes le-
gados pelos signos do zodíaco. O primei-
ro capítulo da série começa apresentando
o nascimento do herói também chama-
do de Zodíako, com k. Para esta história,
Cortez contou com a colaboração de um
astrólogo, Conrado Porta, preocupando-
-se em não dar nenhuma bola fora com
relação às características de cada signo.
Como a revista mudou o foco, a história
não continuou, mas Cortez a completou
e começou a procurar um editor disposto
a publicá-la. Pensou primeiro na Hemus,
mas eles não toparam e o álbum acabou
saindo no ano seguinte pela Saber. Esse
álbum acaba de ser republicado este ano
numa bela reedição. Vale muito a pena.

Conrado Porta

MeMo6 | 167
P.C. Munhoz
Ainda em 1974, entre os dias 13 e 15 de setembro, Cortez participou do Primeiro Congresso Aylton Thomaz
Universitário de Histórias em Quadrinhos na cidade de Avaré, São Paulo. Alvaro de Moya
nessa época era professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de
São Paulo e foi um dos organizadores do congresso, que levou a Avaré, além de Jayme Cor-
tez, Mauricio de Sousa, Zélio, Ziraldo, Ciça, Jaguar, Helena Silveira e Naumin Aizen, todos Jaiminho Franco de Rosa
ligados ao mundo dos quadrinhos e mais os escritores Lygia Fagundes Telles e Hernâni Do-
Sebastião Seabra
nato. Neste mesmo mês, Jayme Cortez foi convidado pela Organização Mundial de Saúde a
colaborar com um desenho que seria utilizado num calendário que seria distribuído mun-
dialmente aos membros da organização a partir de janeiro de 1975. Seriam 52 ilustrações
de artistas do mundo inteiro, uma para cada semana do ano. A segunda semana de agosto
foi ilustrada com um desenho do Zodíako. O Congresso de Avaré foi um sucesso, e no ano
seguinte tornou a ser realizado entre 7 e 14 de setembro, também com muitos convidados e
mostras individuais de artistas como Edmundo Rodrigues, Franco de Rosa, Sebastião Sea-
bra, Luiz Gê, Paulo Hamasaki e outros. E no dia 12, às 20:00 horas, o lançamento do álbum
Zodiako, de Jayme Cortez, publicado pela Editora Saber. E para coroar a festa, no dia seguin- Paulo Paiva
te, em noite de gala, Cortez foi um dos agraciados com o Prêmio O Tico-tico. Ainda naquele
ano, em outubro, Cortez faz parte da delegação brasileira ao 11º Festival de Lucca, onde
apresenta Zodíako, que acabaria sendo publicado em italiano e em francês. Neste Festival,
o editor Adolfo Aizen foi premiado com o troféu Yellow Kid, em homenagem a uma vida de- Novaes

dicada aos quadrinhos. Como não pode comparecer foi representado por Jayme Cortez, que
no mês seguinte foi à EBAL, junto com Álvaro de Moya, Reinaldo de Oliveira e Mauricio de
Sousa entregar o prêmio, com uma boa cobertura da imprensa carioca. No alto, estudos e capa do álbum Zodiako. À esquerda, Cortez com o Troféu O Tico-Tico e entregando
o Yellow Kid a Adolfo Aizen. Acima, Cortez com uma turma de jovens cartunistas em Avaré, 1975.

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O Natal da Turma da mônica
Em 1976, depois de 12 anos, Jayme Cortez deixa a McCann-Erickson. Era um momento em
que as agências de publicidade estavam todas mudando o modo de atuação de seus depar-
tamentos de RTV, deixando mais e mais seus filmes por conta de produtoras terceirizadas e
dispensando boa parte do pessoal que tocava estes departamentos e que fazia boa parte do
trabalho em todas as produções. Tão logo saiu, Cortez foi contratado por Mauricio de Sousa
que vivia um momento de grande expansão em seus negócios. Mauricio via seu estúdio
crescer de forma consistente desde o final dos anos 60, quando muitos de seus personagens
foram incorporados nas campanhas de uma grande indústria de produtos alimentícios e
grande anunciante, a CICA. Os desenhos dos comerciais da CICA eram feitos por diversas
produtoras, mas Mauricio sempre quis produzir ele mesmo desenhos animados da Turma
da Mônica que não fossem comerciais, mas sim histórias de seus personagens. Um dia ele
viria a ter seu próprio estúdio de animação e produziria alguns desenhos em longa metra-
gem de seus personagens, mas em 1976 isso ainda era um sonho distante. Jayme Cortez foi
contratado como Diretor de Animação e Merchandising do estúdio e por sua experiência
como RTV de agência ficou encarregado de um dos projetos mais importantes daquele ano,
um desenho animado maior do que os 30 segundos de um comercial, que seria exibido por
uma grande emissora de TV.

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Álvaro de Moya
Reinaldo de Oliveira
Mauricio de Sousa
Esse desenho, de 5 minutos, cuja produção levou
apenas espantosos 28 dias, estreou na TV Globo Mônica de Sousa

no final de 1976: O Natal da Turma da Mônica. O


desenho foi ao ar em diversos horários entre os
dias 16 e 25 de dezembro. E ele foi animado por
Daniel Messias (e vários assistentes), que era
um dos filhos do grande Messias de Melo, e que, Magali de Sousa
depois de uma carreira como free-lancer tam-
bém estava começando seu próprio estúdio de
animação. A produtora de Daniel Messias existe
até hoje e já produziu centenas de desenhos ani-
mados para comerciais de grandes marcas do
Brasil e do exterior. O Natal da Turma da Mônica Will Eisner
foi um imenso sucesso entre o público e, como
disse o próprio Cortez, no Jornal da Tarde do dia José Luis Salinas
13 de dezembro de 1976, a ideia era ser o primei-
ro de uma série: “Numa primeira fase é possível
que só façamos os desenhos sobre certas datas
importantes, como o carnaval, mas em menos
de seis meses, com a estrutura de produção já
polida, é possível que a série seja mensal e com
desenhos de 10 minutos de duração. Quem sabe
até surja um longa metragem.” Isso, infelizmen-
te acabou não acontecendo. E nos anos seguintes
a única coisa que se viu foram reprises do Na-
tal da Turma da Mônica na Globo e em outras
emissoras. Mas algum tempo depois, Mauricio
de Souza investiu bastante nos desenhos anima- Joe Kubert
dos e a partir dos anos 80 lançou 6 longas nos
cinemas de todo o Brasil. Acabou desistindo do
cinema ao perceber que não conseguia fiscali- André Le Blanc
zar adequadamente a arrecadação. Segundo o
próprio Maurício, mais de uma vez ele viu pes-
soalmente salas de cinema lotadas para uma
sessão de um de seus filmes aparecerem num
relatório do distribuidor como meia lotação ou
menos. Acabou migrando para o mercado de ví-
deo e a TV, onde continua produzindo. Quanto a
Jayme Cortez, ele continuou no estúdio duran-
te alguns anos, inclusive recebendo lá diversas
personalidades dos quadrinhos e da ilustração
de passagem por São Paulo. Acabou deixando a
Mauricio de Souza Produções em 1982, após al-
gumas divergências com Mauricio. Mas o cria-
dor da Turma da Mônica nunca deixou de gostar
dele, como deixou claro mais de uma vez.
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Cortez, Nome de prêmio?
Uma das coisas mais visíveis acerca de Jayme Cortez é o fato dele parecer incansável. Só
isso explica a miríade de trabalhos para setores tão diferentes no campo da ilustração que
ele sempre fez questão de manter. Enquanto trabalhava na Mauricio de Souza, por exemplo,
além de receber celebridades como Will Eisner e Joe Kubert, de visita ao Brasil, continuou
bastante ativo como capista na Melhoramentos e outras editoras e continuou também liga-
do ao mundo do cinema, atuando como ator e cartazista. E em 1976, seu pioneirismo neste
setor gerou um fato inusitado: seu nome foi dado a um prêmio dedicado a escolha do melhor
cartaz de cinema produzido para um concurso do Clube de Criação do Rio de Janeiro e de
São Paulo, entidades de publicitários. O inusitado fica por conta de se dar o nome de uma
pessoa ainda viva a um prémio, algo que só voltou a acontecer muitos anos depois, nos Esta-
dos Unidos, com a instituição do Prêmio Eisner. Quando souberam do prêmio na imprensa,
diversos amigos de Cortez, que não o viam há algum tempo, ligaram para sua casa para dar
as condolências. O Prêmio Jayme Cortez de 1976 foi dado para o diretor de arte (que também
era roteirista e ator de cinema) Sérgio Malta para o cartaz por ele criado para o filme Dersu
Uzala de Akira Kurosawa, que acabou não sendo usado pelo distribuidor da película. Esse
esforço dos Clubes de Criação tinha por objetivo ajudar na aprovação de uma lei que obriga-
ria os cartazes de cinema a serem totalmente produzidos no Brasil, de autoria do deputado
Alvaro Valle, que tramitava no Congresso. Pelo fato do filme Dersu Uzala ser um “filme de
arte” que passou em circuito reduzido e salas selecionadas, a diretoria do Clube de Criação
do Rio achou que talvez a instituição do prêmio tivesse feito pouco barulho e para o ano se-
guinte propuseram um segundo concurso, desta vez para um blockbuster.

Jardel Filho

Wilson Grey
Sérgio Malta

Apesar de elogiado pelo próprio Kurosawa em carta


ao autor, o belíssimo cartaz de Sérgio Malta não foi
considerado comercial o bastante pelos distribuidores.

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A versão de King Kong produzida por Dino de Laurentis, estrelada por Jéssica Lange e
Jeff Bridges estreou no Brasil em junho de 1977 em mais de 70 salas de exibição, com
grande aparato publicitário, inclusive a vinda ao Brasil da atriz principal acompanhada
de um gigantesco gorila de 15 metros de altura, que foi exibido num show em alguns
parques de diversões como o Playcenter de São Paulo. Em maio de 1977, uma comissão
julgadora escolheu três finalistas para o Prêmio Jayme Cortez. O ilustrador paulista Dei-
lon de Oliveira ficou com o terceiro lugar, o grande artista gráfico Miran, do Paraná com
o segundo lugar e três publicitários da agência Standard do Rio de Janeiro ficaram com
o primeiro lugar: Jacques Lewkowicz, Paulo Hiroshi e, vejam só, Júlio Shimamoto, que
fez a ilustração. O cartaz vencedor mostrava um close do gorila gigante com lágrimas
nos olhos e apesar de ser um trabalho de primeira não foi utilizado por ser considerado
menos comercial do que o cartaz americano, do ilustrador John Berkey, que mostrava o
gorila com um pé em cada uma das torres gêmeas segurando um jato partido em uma
das mãos, o que, se é que isso é possível, era um tremendo exagero em relação ao que foi
mostrado no próprio filme. Apesar de não verem seu trabalho utilizado nos cinemas, os
ganhadores do Prêmio Jayme Cortez, pelo menos puderam ver seu cartaz distribuído aos
assinantes da revista Propaganda como brinde e ainda ganharam um prêmio em dinhei-
ro do patrocinador do concurso, o Banco Itaú. Jayme Cortez, além de dar nome ao prêmio,
e talvez por isso mesmo, deu diversas entrevistas defendendo a lei do cartaz de cinema,
que chegou a ser aprovada pelo Senado Federal, mas acabou engavetada na Câmara dos
Deputados, graças ao lobby das distribuidoras, que não tinham o menor interesse nisso.
Mas esse concurso serviu para reaproximar Cortez de Shimamoto depois de muitos anos
e foi pouco depois disso que Shimamoto, agora sediado no Rio de Janeiro, começou sua
volta aos quadrinhos.

Ao alto o júri de publicitários e jornalistas


que escolheu os três finalistas: Oswaldo
Miran (esquerda na foto), Deilon Alves de
Lima (direita) e o vencedor de Jacques
Lewkowicz, Paulo Hiroshi e Júlio Shimamoto.
Acima, matéria de jornal que divulga o cartaz
vencedor e o cartaz original americano,
que acabou sendo utilizado no lançamento,
por ser mais comercial. Na página ao lado
e à esquerda, King Kong no Playcenter em
duas ocasiões diferentes: como um simples
bonecão na foto menor e como um sofisticado
animatronic na foto maior, quando o filme
foi reprisado em 1982.

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Reencontro com o mestre
Durante boa parte dos anos 1970 funcionou em São Paulo uma livraria especializada em
quadrinhos novos, importados e antigos, a Livraria Gibi, de Ademário de Mattos. Jayme
Cortez costumava frequentá-la aos sábados pela manhã e em volta dele costumavam se
reunir vários jovens desenhistas que começavam suas carreiras naqueles anos. Entre es-
tes, Franco de Rosa, que em 1977 acabou acompanhando Jayme Cortez ao Festival de Luc-
ca, onde depois de muitos anos Cortez reencontrou seu mestre, E.T. Coelho, naquela altura
radicado em Florença. Segundo Franco, passaram uma semana extremamente prazerosa
ao lado de Coelho, que apesar da fama de severo foi de extrema simpatia para com o grupo
de brasileiros, com certeza por causa de Cortez.

Cortez, Coelho e a esposa


deste, em Florença.

178 | MeMo6 MeMo6 | 179


De novo no
Masp, com
o Clube dos
ilustradores
do Brasil
Ainda em 1977, Jayme Cortez foi
um dos fundadores do Clube dos
Ilustradores do Brasil e acabou
sendo aclamado por seus pares
como seu primeiro presidente.
No cargo, graças à suas boas
relações com Pietro Maria Bar-
di, Cortez conseguiu levar uma
grande exposição de ilustrado-
res membros do clube ao MASP,
o que veio a se repetir anual-
mente até 1984. O Clube dos
Ilustradores foi bastante impor-
tante e muito atuante naqueles
anos, congregando a nata dos
profissionais do mercado. Nele
estavam desde os consagrados
e conhecidos na midia, como
Cortez, Benício e Gilberto Mar-
chi, até diversos jovens e não tão
jovens talentos que militavam
anonimamente nas agências de
publicidade e tinham nas ativi-
dades do Clube um grande espa-
ço para se expressarem. Para as
mostras do Clube no MASP, Cor-
tez quase sempre comparecia
com algum trabalho que tinha
acabado de ser publicado, como
o poster do filme Excitação, mas
numa das últimas ocasiões fez
uma série de imagens ilustran-
do contos de Edgar Allan Poe e
também algumas aquarelas re-
tratando aspectos rurais de sua
terra natal, baseados em fotos.

180 | MeMo6 MeMo6 | 181


De volta ao
Terror...
Em 1976, com o lançamento da revista Kripta pela
Rio Gráfica Editora, que publicava o material da
Warren Comics americana, o terror voltou a vender
bastante e várias editoras se interessaram em publi-
car revistas do gênero. Cláudio de Souza, que tinha
saido da Abril para ser sócio de uma nova editora
chamada Ideia Editorial, lançou a revista Um Passo
Além, com histórias americanas de Boris Karloff e
Além da Imaginação da Gold Key e convocou Cor-
tez para as capas, que ele fez lindamente, apesar de
achar o material interno da revista fraquíssimo e
ter se queixado bastante a Cláudio de Souza acerca
disso. Mas a revista não tinha como pagar a artistas
nacionais mais do que custavam as páginas da Gold
Key, muito baratas, e portanto Cortez se restringiu
às capas. A revista não passou do quinto número e
a editora não durou muito tempo mais. Outra edi-
tora que tentou o terror, com muito mais sucesso,
foi a Vecchi, que lançou uma edição especial de sua
revista Eureka, como Eureka Terror, apresentando
histórias americanas da Gold Key com o persona-
gem Dr. Spektro. A revista vendeu muito bem, mas
não havia muito material da Gold Key para publi-
car e para o segundo número o editor Ota Barros,
resolveu mudar o mix, republicando histórias an-
tigas, das que já tinham saído em O Terror Negro e
também material nacional. Como já foi dito acima,
no segundo número de Spektro, junto com um belo
perfil escrito por Ota, foi republicada O Retrato do
Mal. Ota Barros batalhou para que a revista fosse
gradativamente publicando mais material nacional
e conseguiu: muitos novos artistas, como Watson
Portela, Francisco Vilachã e Eduardo Ofeliano sur-
giram na Spektro e muitos veteranos como Shima-
moto, Eugênio Colonnese e Flávio Colin voltaram à
ativa em suas páginas. Jayme Cortez não publicou
mais nada na Spektro, mas Zodíako foi parcialmen-
te republicado no último número da revista Eureka
no ano seguinte.
182 | MeMo6
Ainda em 1977 Cortez colaborou com o único número de um projeto ambicioso, a revista mas-
culina PSIU!, extremamente bem produzida, com uma celebridade nua na capa (Kate Lyra,
que fazia muito sucesso na TV com seu simpático sotaque americano), com direção editorial
de Cortez e Hélio Porto, além de algumas vinhetas e várias ilustrações de artistas como o pró-
prio Cortez, Shimamoto, Roberto Negreiros e a estréia de um novo talento: Osnei Furtado da
Rocha, que também se tornou conhecido pelo apelido Roko. Ele e Cortez se tornaram muito
amigos e continuaram se frequentando mesmo com o fracasso da revista, que acabou gerando
A capa com Kate Lyra e todas as ilustrações
grandes prejuízos a seu editor, Manoel César Cassoli, um dos últimos donos da Editora Taika. de Jayme Cortez para a primeira edição da
revista PSIU! de novembro de 1977.

MeMo6 | 185
Finda essa experiência, já em
1978, Jayme Cortez participou
de O Grande Livro do Terror,
como já dissemos, também em
parceria com Hélio Porto, des-
ta vez pela Editora Argos, que
pertencia a Porto. Esta foi, sem
nenhuma dúvida uma das me-
lhores publicações dos anos
1970 em matéria de quadri-
nhos, pois além de boas histó-
rias tinha matérias muito bem
pesquisadas e grandes entre-
vistas com artistas brasileiros
conduzidas pelo pesquisador
Rudolf Piper. Infelizmente, em
que pese a grande qualidade,
foi um fracasso de vendas. Em
1979, Jayme Cortez participa
da festa de 45 anos de fundação
da EBAL. A convite de Adolfo
Aizen, ele, Mauricio de Sousa,
Gedeone Malagola, Álvaro de
Moya e Reinaldo de Oliveira
vão ao Rio participar da festa,
onde Cortez troca experiências
com outro artista português, o
legendário Monteiro Filho.
Na página ao lado, uma ilustração de Cortez
para O Grande Livro do Terror, cuja capa ele
criou mas foi pintada pelo artista chileno Fred-
-dy Galan. Abaixo o bolo de 45 anos da EBAL e
uma foto de Cortez com Monteiro Filho.

186 | MeMo6 MeMo6 | 187


Jayme Cortez por OSNEI
Conheci Jayme Cortez em 1976 na Ideia Editorial, na sala do Cláudio de Souza. Por acaso eu
estava lá entregando uns trabalhos, quando me deparei com a lenda viva dos quadrinhos
e ilustração. Foi marcante, ver o meu ídolo de infância e adolescência, grande influência
na minha arte, ao vivo e em cores bem ali na minha frente. Sempre alegre e brincalhão,
tive a melhor das impressões! Foi um primeiro contato, mas só o conheci melhor quando
passei a conviver com ele, alguns anos depois, no Clube de Ilustradores do Brasil (CIB). Só
então pude constatar que além de grande mestre das artes plásticas era também um ser
humano incrível, riquíssimo culturalmente e de uma generosidade rara entre os famosos.
Jayme foi eleito presidente do Clube, me nomeou secretário e a partir daí nos tornamos
grandes amigos. Em 1978, ele foi convidado por Helio Porto, juntamente com o Manoel Cé-
sar Cassoli para dar uma força no departamento de arte de uma nova revista, a PSIU!, além
de colaborar também como ilustrador. O mestre conhecia essa área como ninguém e a re-
vista ficou linda graficamente, trazendo novos ares para as revistas masculinas da época.
Nessa altura eu já era colaborador da Status Humor e da Playboy e o Jayme me convidou,
assim como ao Roberto Negreiros, para fazer algumas páginas de humor a serem publi-
cadas no primeiro número da revista. Nos próximos números seriam convidados outros
ilustradores e cartunistas. Pena, que comercialmente a PSIU! não foi muito bem e isso não
aconteceu. Conviver com Jayme Cortez nos poucos anos em que tive essa oportunidade
foi uma das coisas mais gratificantes da minha vida. Tanto do ponto de vista profissional,
quanto do pessoal. Possuidor de uma cultura fantástica, ele passeava pelas artes plásticas,
literatura, teatro e cinema com uma desenvoltura invejável. Trabalhou em paralelo com
os quadrinhos por todos os anos 70 e 80 e na produção e direção de comercias da McCann
Erickson, fez cinema, viajou o mundo. Um homem da cultura e das artes. Como cinéfilo
que sou, adorava conversar com Jayme sobre os clássicos do cinema, principalmente os
filmes de Hollywood dos anos 40. Ele tinha um dom especial para contar as coisas, crian-
do climas e descrevendo situações, como quem está produzindo um filme.

Aqui, um auto-retrato de Osnei hoje em dia e na página ao lado sua estréia


na PSIU!, com direito a um texto laudatório de Jayme Cortez.

188 | MeMo6
Encantava por horas qualquer plateia. Rio muito toda vez que me lembro de um caso que
ele contava sobre uma vez em que estavam ele e José Mojica Marins(Zé do Caixão) num
festival de filmes de Terror, creio que nos Estados Unidos, quando viram em meio à festa
o monstro sagrado do Terror na época: Christopher Lee, o melhor de todos os Dráculas
(na minha opinião). Pediram então a um amigo em comum que os apresentassem ao
ídolo, afinal Zé do Caixão era nosso monstro sagrado tupiniquim.Quando ficaram fren-
te a frente com a imponente figura do ator, com quase 2 metros de altura e com ares de
vampirão sedutor, Mojica estendeu a mão para cumprimentá-lo. Lee ao estender a sua
viu as enormes e horrendas unhas do Zé do Caixão e simplesmente refugou, dando um
pulinho atrás, pôs as duas mãos na boca, esbugalhou os olhos e deu um gritinho horro-
rizado. Cortez contava que os dois, ele e Mojica, saíram rapidinho da cena e foram se
acabar de tanto rir, longe dos olhos do vampiro machão. E ver o Jayme contando isso era
ainda mais engraçado que a própria cena, já muito hilária. Infelizmente não tivemos a
oportunidade de fazer uma parceria profissional. Talvez pelo fato dos nossos estilos grá-
ficos serem muito diferentes. Já li muito a respeito de um lado mordaz e crítico do Jayme,
com relação a outros desenhistas. Mas eu não cheguei a presenciar esse tipo de atitude
do mestre. Pelo contrário, ele era sempre muito reservado e econômico em suas críticas
e nunca o vi fazendo qualquer tipo de ironia em relação a artistas em início de carreira
ou algo semelhante. Aparecia muita coisa primária e amadora no Clube dos Ilustrado-
res, e eu e outros profissionais arrogantemente descíamos a lenha, mas ele não proferia
uma única crítica. Acho que esse lado mais corrosivo do mestre deve ter feito parte do
seu passado ainda jovem, quando todos nós somos mais críticos e impiedosos. Mas não
é lenda, pois ouvi da própria boca do meu mestre, Hugo Tristão, uma destas passagens
dos idos anos 50, auge dos quadrinhos nacionais. O ainda jovem Hugo Tristão aportou na
Outubro, onde Cortez embora também jovem já era Diretor de Arte e principal capista
das revistas, e trouxe seus quadrinhos para apreciação do mestre. Hugo só tinha traba-
lhos na linha infantil e a editora já bem abastecida deste gênero procurava quadrinhos
de Terror, sucesso absoluto na época. Hugo Tristão então disse ao Cortez não saber como
fazer para entrar neste universo mais “pesado” e sobrenatural. Cortez não pensou duas
vezes e lascou: “simples... tú fazes um estágio no cemitério”!

190 | MeMo6 MeMo6 | 191


Era mesmo mordaz, mas me lembro que o Jayme nunca fala-
va mal de ninguém, não importava quem ou o que tivessem
feito a ele. Não julgava ninguém! Eu o conheci quando ele
ainda estava na Mauricio de Sousa Produções e a saída dele
de lá é uma das passagens mais controversas e mal explica-
das da vida do Jayme, pelo menos pra mim. Sei que houve
algum desentendimento entre ele e Mauricio, mas nunca fi-
quei sabendo o motivo porque ele e sua esposa, Dona Edna,
sempre foram muito reservados com relação a isso. A meu
ver essa discrição tinha muito mais a ver com preservar a
imagem pública e profissional do Mauricio do que com outra
coisa qualquer. Mais uma vez, Jayme Cortez mostrava sua
generosidade. E isso só aumentava a minha admiração pelo
mestre. Deixou como legado para a Mauricio de Sousa Pro-
duções, o melhor time de desenhistas e ilustradores que já
se formou ali. Haja visto o grande artista Jose Márcio Nicolo-
si, um dos patrimônios da casa, que foi discípulo do Cortez
e herdeiro da sua escola. Embora com estilo personalíssimo,
conseguimos ver o DNA do Jayme Cortez nos traços do Zé
Márcio. A morte dele foi muito repentina, eu havia estado em
sua casa no dia anterior à internação dele. Tínhamos conver-
sado sobre trabalho, os novos eventos do Clube e amenidades
em geral. Algum tempo depois que ele faleceu, Dona Edna
me ligou contando o ocorrido. O que dizer sobre uma perda
Cortez em seu es- como essa? Ao mesmo tempo perdi o grande amigo, mestre
túdio e biblioteca e
visitando o Louvre. de todos, ídolo, referência máxima e um dos  maiores ícones
que os quadrinhos brasileiros já tiveram.Com certeza, a coi-
sa mais importante que aprendi com Jayme Cortez foi a dig-
nidade profissional! Ele sempre mostrou às novas gerações
como deveria se portar um profissional das artes. E mais:
Jayme Cortez,
Cortez exemplificou algo muitíssimo importante e que as re- numa caricatura
feita por José
centes gerações de quadrinistas e ilustradores não dão mui- Márcio Nicolosi.
ta importância: a preocupação com o lado cultural de quem
trabalha com arte, seja ela qual for. Ser bem informado a res-
peito do seu campo de ação é imprescindível, mas beber em
outras fontes artísticas, encorpando nossa cultura geral, é
tão necessário quanto. Jayme Cortez era antes de tudo um in-
telectual atento e antenado com tudo o que rolava à sua volta.
Me lembro de uma das suas máximas: “Antes de iniciar-se
no desenho é preciso ler muito”! Era sua forma de enaltecer
a cultura para quem trabalha com arte. Ele não chegou a ser
meu mestre na arte do desenho, pois o Hugo Tristão foi quem
me ensinou o be-a-bá do rabisco, mas aprendi muito mais
que o desenho com o mestre Jayme Cortez, meu grande ídolo
e eterno amigo. Onde estiver, obrigado!

192| MeMo6 MeMo6 | 193


Anos 80
Em 1980, Cortez segue firme e for-
te participando de exposições do
Clube dos Ilustradores, do qual
Na página ao lado, a
deixa de ser presidente, mas não exposição de Campi-
nas e uma matéria na
sócio. Em Campinas, nesse ano, se imprensa de Por tu-
gal. Ao lado, página
realiza uma grande exposição re- inteira do Jornal da
trospectiva de seu trabalho com di- Tarde que celebra a
exposição de 1951.
versos originais fornecidos por ele.
Essa mostra foi filmada por seu fi-
lho Leonardo, que nessa altura era
reconhecido como profissional de
cinema, trabalhando para diversas
produtoras. Constantemente Cor-
tez é chamado a opinar em diver-
sas matérias de jornais e revistas,
principalmente nas que tratam de
quadrinhos, ilustração ou cinema,
onde sua carreira também segue
e, como já dissemos anteriormen-
te, ele passa até a ganhar status de
convidado especial no filme “Delí-
rios de um Anormal” de José Mo-
jica Marins. Em 1981 ele partici-
pa do filme “O Palacio de Vênus”,
dirigido por Ody Fraga e estrela-
do por Helena Ramos e Elizabeth
Hartman. Nesse mesmo ano, a im-
prensa relembra a Exposição Inter-
nacional de Quadrinhos realizada
por Cortez e seus amigos em 1951
e que estava completando 30 anos.
Jayme Cortez e Alvaro de Moya, os
mais conhecidos do grupo, apare-
cem proeminentemente em diver-
sas matérias, sempre lembrando
os demais companheiros. E para
fechar o ano, Portugal redescobre
Jayme Cortez e ele é foco de di-
versas matérias na imprensa por-
tuguesa, sempre sendo mostrado
como “um grande desenhador por-
tuguês que emigrou para o Brasil”.
Seus trabalhos feitos para O Mos-
quito são republicados e o mes-
mo se dá, algum tempo depois,
com Zodíako e Sérgio do Amazo-
nas, como já dissemos.

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O Suplemento D. O.
Leitura foi uma gran-
de vitrine para os de-
senhistas nacionais
enquanto durou o co-
mando de Reinaldo
de Oliveira.
Foi então que Reinaldo de Oliveira passou a trabalhar como diretor de arte na Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, onde editou o suplemento D.O. Leitura, abrindo espaço
para diversos amigos como Manuel Victor Filho, Rodolfo Zalla e Jayme Cortez, que cola-
bora bastante. Em 1982, Rodolfo Zalla lança a revista Calafrio, logo seguida de Mestres do
Terror e para essas publicações, além de algumas capas, Jayme Cortez volta a produzir
histórias inéditas. Ele havia conhecido Zalla por intermédio de Reinaldo de Oliveira e logo
ficaram muito amigos. Um caso ocorrido com uma das capas de Calafrio demonstra bem
este fato. Aconteceu que, no começo de sua carreira no Brasil em 1964, Zalla foi trabalhar
na Editora Outubro e guardava desde então um original de Jayme Cortez que achara joga-
do no chão. Era a capa da revista Histórias Sinistras número 9 e, muitos
anos depois, já editando Calafrio, Zalla descobriu a história
a que a capa se referia, desenhada por Lyrio Aragão.
Resolveu republicar ambas, a história de Aragão e a
capa de Cortez e, ao contatar este último para pe-
dir permissão e pagar foi surpreendido por
Cortez que fez questão de fazer uma nova
versão da mesma capa, que saiu na edição
de número 23 de Calafrio.

196 | MeMo6 MeMo6 | 197


Com sua saída da Mauricio de Sousa Produções, Jayme Cortez
passou a se dedicar mais ainda a ilustração de livros e aos quadri-
nhos e isso fica evidente pela grande quantidade de material que
produz nesse período. Ele começa o ano de 1983 fazendo um tra-
balho incomum, a ilustração para a caixa de um jogo de tabuleiro
chamado Interpol, da Grow, com figuras no melhor estilo Sherlock
Holmes (reproduziada na próxima página), o que o leva a ilustrar
para a Saber uma nova série de livros de Sherlock Holmes, onde
além de histórias de Conan Doyle também são publicados ensaios
sobre o personagem escritos por R. F. Lucchetti, grande fã da série.
Na próxima página, uma pequena amostra do trabalho de Cortez
para a série, uma verdadeira pérola, que apareceu nas bancas sem
fazer muito alarde e por isso acabou sendo descontinuada, mesmo
com toda a qualidade. Enquanto isso, na Imprensa Oficial do Es-
tado, Reinaldo de Oliveira, lança o livro “24 Ilustradores”. Trata-
-se de uma edição primorosa, de luxo, em tiragem limitada. Nela,
cada um dos convidados comparece com uma prancha em cujo
verso há um pequeno perfil. Cortez faz um lindo desenho sobre o
Boxe (acima) e seu trabalho aparece no livro junto ao de outros
grandes artistas como Aldemir Martins, Messias de Melo, Rodolfo
Zalla, Manoel Victor Filho, Ivan Wasth Rodrigues, Eugênio Colon-
nese, Gian Calvi, Aylton Thomaz e outros. O livro foi lançado com
uma festa na Escola Panamericana de Arte em junho de 1983.

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“Para o Sr. Cortez, de Osamu Tezuka, 10 de janeiro de 1984”.

Outra coisa que fez nesse ano, foi retornar ao personagem Tupizinho, que tinha publica-
do na La Selva em 1956. Em 1983, alem de aparecer em várias edições da Folhinha de São
Paulo, Tupizinho estrela um livro infantil escrito e ilustrado por Cortez que o dedica a sua
neta Simone, filha de Leonardo. A edição da Noblet de dezembro de 1983 se propõe a ser o
primeiro de uma série, mas isso acabou não acontecendo. Em 1984, Cortez é o foco de uma
reportagem da revista Inter! Quadrinhos número 3. Essa revista era uma tentativa de fazer
uma versão brasileira da Heavy Metal e no número seguinte Cortez colabora com a história
“Magoou-se pobre filho meu?” baseada numa música de Vicente Celestino de 1937. A histó-
ria foi escrita, desenhada e colorida por Cortez. Foi também letreirada por ele, coisa que ele
não gostava de fazer, sendo que várias de suas histórias nessa época foram letreiradas por
Rodolfo Zalla. Nós a republicamos a seguir. Cortez voltaria a fazer uma história baseada em
uma música de sucesso, Latir para a Lua (Bark at the Moon) de Ozzy Osbourne, publicada
em Calafrio. Nesse ano, Cortez expõe duas vezes no MASP, uma pelo Clube dos Ilustradores
e outra na IV Exposição de Quadrinhos e Ilustrações da ABRADEMI (Associação Brasileira
de Desenhistas de Mangá e Ilustrações) que conseguiu esse espaço também em virtude
da vinda ao Brasil de ninguém menos do que Osamu Tezuka, que é recepcionado e home-
nageado por vários desenhistas nacionais como Rodolfo Zalla, Mauricio de Sousa e Jayme
Cortez em novembro de 1984.

Jayme Cortez e a
pequena Simone.

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206 | MeMo6 MeMo6 | 207
Em janeiro de 1985, ao lado de Miécio Caffé (cartaz para Uma
Pulga na Balança, ao lado, no topo), José Luiz Benício (O Cindere-
lo Trapalhão, no centro) e Gilberto Marchi (Lúcio Flávio, embai-
xo), Cortez participa de uma grande exposição sobre os cartazes
do cinema nacional em São Bernardo do Campo. A partir deste
ano, a AQC-SP (Associação de Quadrinistas e Caricaturistas de
São Paulo) institui o dia 30 de janeiro como Dia do Quadrinho Na-
cional e cria o Troféu Angelo Agostini como prêmio para o tra-
balho em prol dos quadrinhos brasileiros. O primeiro a receber
o troféu é Jayme Cortez. Além disso, ele volta a colaborar com a
Editora Ática ilustrando livros paradidáticos como “O Mistério
dos Morros Dourados” de Francisco Marins e “A Guerra do Pa-
raguai” de Júlio José Chiavenato. Cortez também colabora com
uma nova revista da editora Abril totalmente dedicada ao gênero
policial chamada Ação Policial, que não vai bem nas bancas e
acaba no segundo número. Embora esse gênero tivesse feito su-
cesso nas bancas no passado, com revistas como X-9 da Rio Grá-
fica e Detective da O Cruzeiro, que venderam grandes tiragens
durante muitos anos, depois dos anos 1960 seu público leitor de-
sapareceu das bancas progressivamente. Todas as tentativas de
trazer revistas de contos policiais, ou mesmo quadrinhos, como
O Gato, de Eugênio Colonnese, fracassaram. Esse também foi o
destino de Ação Policial. Uma possível causa para isso talvez te-
nha sido a concorrência com a grande quantidade de séries de TV
com o mesmo tema, em produção crescente desde os anos 1950
e que na década de 1980 estava a todo vapor com séries como Ba-
retta, Columbo, A Gata e o Rato e diversas outras, todas as noites
em algum canal da TV aberta. Na página ao lado, podemos ver
todo o processo de criação e finalização da capa do primeiro nú-
mero, em que Cortez voltou a usar um modelo para as fotos, neste
caso, seu amigo, o ilustrador publicitário Francisco Perez, com
quem, durante algum tempo trabalhou elaborando storyboards
para produções do cinema publicitário. Em novembro desse ano,
é inaugurada uma grande retrospectiva de seu trabalho na Esco-
la Panamericana de Arte, uma mostra chamada ironicamente de
“Quase meio século de Jayme Cortez”, mostrando seus trabalhos
desde O Mosquito até aquela data, com inúmeros originais.
Osvaldo Talo Ricardo Antunes
Spacca
Izomar Primaggio
Em 1986, toda a carreira de Jayme Cortez é coroada por uma rara homenagem. No vigésimo Wagner
Augusto Osnei

ano do Festival de Lucca, com grande cobertura da imprensa brasileira, ele recebe o Prêmio Igayara
Marco
Aragão
Caran D’Ache “por uma vida dedicada à ilustração e aos quadrinhos”. Acontece também na Watson
Del Bó
Moya
Oscar
FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado) uma nova mostra de cartazes do cinema na- Franco
Eduardo Francisco
cional, com destaque para o trabalho de Cortez. E no final desse ano, a Press Editorial, que Schaal Silvio
Vitorino Bira Lipszyc Reinaldo Vilachã
Dantas (escondido)
pertencia a Franco de Rosa e Paulo Paiva, edita uma bela edição chamada “A Arte de Jayme Ely
Barboza
Cortez” com texto do jornalista Wagner Augusto apresentando pela primeira vez uma cro-
nologia da carreira de Jayme Cortez, além de diversas entrevistas e muitas fotos do acervo
Rubens
pessoal de Cortez. O lançamento oficial da obra acontece no dia 30 de janeiro de 1987, Dia Mário Zalla
Cordeiro
Tabarin
Ataíde Braz
do Quadrinho Nacional, na festa de entrega do Prêmio Angelo Agostini daquele ano (que foi
Armando
concedido a Flávio Colin, Sergio Lima e Henfil). de Sá

Em 10 de junho de 1987, a Press lança uma nova edição do álbum Zodiako, com direito a
exposição de originais e uma grande festa de lançamento na Escola Panamericana de Arte.
Comparecem ao evento diversos artistas, inclusive José Delbó, que estava visitando o Brasil
por onde tinha passado em 1963 antes de se fixar nos Estados Unidos trabalhando para diver-
sas editoras. Quem primeiro lhe deu trabalho aqui no Brasil foi justamente Jayme Cortez, na
ocasião diretor artístico da Outubro que editou o cowboy Colorado, criado por Delbó. Logo
depois do lançamento de Zodiako, novamente com grande cobertura da imprensa, Cortez
acerta com a Editora Martins Fontes a publicação de um álbum reunindo suas histórias re-
centes feitas para a D-Arte e a Inter! chamado Saga de Terror. Aparentemente, 1987 corria às
mil maravilhas para o artista português, mas infelizmente o destino não quis assim.

MeMo6 | 211
Uma manhã de domingo
Dia 28 de junho de 1987 caiu num domingo. Nes-
se dia, logo pela manhã, Jayme Cortez se sentiu
muito mal e começou a vomitar sangue. Foi levado
pela família para o Hospital Matarazzo, perto de
sua casa, onde foi internado em estado grave na
Unidade de Terapia Intensiva. Mesmo medicado,
seu estado se agravou mais ainda, ele entrou em
coma e acabou falecendo de uma parada cardí-
aca no sábado seguinte, as 2 horas e 10 minutos
do dia 4 de julho de 1987. Sua internação e mor-
te, acompanhadas pela imprensa, chocou toda a
comunidade de artistas de cinema, quadrinhos,
publicidade e ilustração, pois aconteceu de uma
forma abrupta. Foi algo que ninguém esperava,
pois Cortez jamais deu qualquer sinal de estar do-
ente e tinha apenas 60 anos. Jayme Cortez foi se-
pultado no Cemitério São Paulo no mesmo dia e
seu velório foi acompanhado por diversos amigos,
muitos ainda incrédulos com relação à sua morte.
A morte de Jayme Cortez repercutiu na imprensa
do Brasil, de Portugal e da Itália. A exposição dos
originais do Zodíako continuou por mais um mês
na Panamericana e uma outra exposição foi orga-
nizada pela Fundação Cásper Líbero em homena-
gem a ele. Nesta, além de originais de Cortez, o
publico pode ver trabalhos de diversos outros ar-
tistas como Laerte, Conceição Cahú, JAL, Nico-
lielo, Gepp e Maia, Glauco e Miécio Caffé, entre
outros. O livro Saga de Terror foi lançado pela Mar-
tins Fontes em 1988, com um texto introdutório de
Alvaro de Moya homenageando seu grande ami-
go. Em 1988, a AQC-SP cria o Troféu Jayme Cortez,
que passa a ser entregue junto com o Troféu An-
gelo Agostini para aqueles com grandes serviços
prestados aos quadrinhos brasileiros. Nesse ano,
o prémio foi entregue a João Baptista Queiróz por
Edna Cortez, que às lágrimas declarou: “Estou
nessa luta desde a primeira exposição de quadri-
nhos de 1951 e vou continuar com vocês enquanto
estiver viva. Não esqueçam o Jayme…”.

212 | MeMo6 MeMo6 | 213


Ninguém
esqueceu.
Jaiminho Fábio Moraes

Agradecimentos
Edna Cortez Edna Cortez

Edna Cortez

JAL
Até o final de sua vida, Edna Cortez se esforçou para
manter a memória de Jayme Cortez, colaborando sem-
pre que pôde, fosse emprestando originais ou presti-
giando exposições. Nisso, ela foi muito ajudada pelo
ilustrador paulistano Fábio Moraes, grande admirador
do trabalho de Jayme Cortez a quem, ironicamente, não
chegou a conhecer pessoalmente. Fábio Moraes ao lon-
go dos anos fez uma grande amizade com a família Cor-
tez, em especial com Dona Edna e com Jaiminho e após
o falecimento dela, tornou-se guardião do vasto acervo
de originais de Jayme Cortez. Sempre disposto a ajudar
na preservação da memória do grande artista portu-
guês, inclusive digitalizando, tratando, reformatando e
reeditando muitos de seus trabalhos (como o Zodíako Fábio Moraes
que acaba de sair, por exemplo), mais uma vez ele o fez
através da imensa colaboração que deu a este número de
MeMo. Sem sua bondade não seria possível meu acesso Cláudio Fragnan

ao precioso arquivo de recortes de jornal mantidos por Luiz Saidenberg Toni Rodrigues

Jayme Cortez desde os tempos da Gazetinha, através


dos quais foi possível traçar toda a sua trajetória, além
de diversas fotos e documentos pessoais que me foram
disponibilizados. E Fábio também forneceu muitas das
imagens que aparecem aqui, a maior parte delas dire-
tamente dos arquivos do artista. No que diz respeito à
imagens, é preciso agradecer também a importantís-
sima colaboração de Cláudio de Souza Fragnan, um
grande colecionador do Rio de Janeiro, que gentilmente
nos disponibilizou diversas capas feitas por Jayme Cor-
tez para a La Selva, diretamente de sua coleção. Queria
agradecer também ao JAL que me ajudou com a entre-
Marcos Massolini
vista do Mauricio de Sousa, ao Luiz Saidenberg e ao Os-
nei pelos belos textos, ao Edson Diogo pelas capas de
Misterix, ao Enido Michelini e ao José Márcio Nicolosi
Isabella e Osnei
por me ajudarem com algumas fotos. E por fim, à Laíse
e a minha família por todo o apoio e ao Marcos Eduardo Mauricio de Sousa
Massolini, que se prontificou a revisar voluntariamente
a revista, um trabalho importantíssimo que vinha sendo
meu calcanhar de Aquiles. A todos, em nome de todos os
fãs de Jayme Cortez, o meu muito obrigado.

Toni Rodrigues
216 | MeMo6
MeMo
Número 6 - fevereiro de 2015

a revista da memória gráfica

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