Não se sabe se sua translucidez é involuntária ou se
serve da ignorância do homem para mal lhe cobrir a visão. A manta que cai sobre o rosto do homem é a mesma que derrubas. O homem já não enxerga, mas lhe dói a alma, e o pano sobre os olhos é uma escusa para sua solidão. Muita há o que veja, mas ver o exaure e a paisagem é de difícil entendimento. O pano que cai sobre os olhos do homem é pouco confortável, mas sua permanência é todo o conforto de que o homem precisa. A clarividência do mestre que lhe colora os olhos é transeunte, fina e efêmera, mas sua existência basta para a confiança cega do homem que deixa cair sobre seus olhos o pano. Logo lhe dão a espada e a balança, chamam-lhe Justiça e dizem que cumpre um importante papel na sociedade dos homens vendados. Não lhe contam que a espada será usada no corte de sua casa e a balança em seu Ver-o-Peso. Não lhe contam pois escolhe ser surdo para tudo que não diz respeito ao pano que lhe cobre os olhos. Calmamente, rasteja e se consome, seu aspecto fino e vendado são agora sua consciência. Calmamente, segue a fila rumo ao precipício.