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Maria Inês S. O livro didátic~ de hlstó~a.
políticas educacionais, pesquisa e enslOo.
Natal: EDUFRN. 2007.
1. Demandas epistemológicas
O acompanhamento dos editais e fichas do PNLD permite identificar o investimento estatal e social (e, portanto, não
nos referimos apenas ao aspecto material ou financeiro) nos livros didáticos.. Sua existência decorre de um processo
anterior, que é a seleção social de disciplinas consideradas legítimas e adequadas para constar no rol das disciplinas
lue ~scolares. Além dessa herança mais profunda no tempo, existem modificações relativamente recentes, como é o caso de
l-to livros específicos deHistória e Geografia, em vez de Estudos Sociais, como sepermitiu até o PNLD de 1a a 4a séries de 1998.
10S
Essatransição decorre de fatores epistemológicos, sobretudo a massa crítica acumulada e mobilizada pelos historiadores
em favor do argumento de que a História tem uma identidade própria, sendo mais adequado ensiná-Ia a partir dessa
especificidade. Evidentemente, temos que reconhecer que essa categoria de argumento articula-se também com os fatores
politicos (Estudos Sociais foi uma proposta curricular encampada pela ditadura militar e acabou impregnada pela sua Cor
política) e corporativos (na medida em que abre campo de trabalho para os historiadores, por exemplo). Se, na atualidade,
existe e compra-se livro didático específico para a História e para a Geografia desde a 1a série da Educação Básica, e se nem
sempre foi assim, temos que reconhecer que essa realidade resulta de disputa corporativa, associada a um interesse social,
um projeto político euma argumentàção acadêmica.
Os quadros de Manual do Professor, Metodologia da História e Metodologia do Ensino, na ficha de avaliação dos
livros didáticos de História, abrem espaço para distintas vertentes teóricas e metodológicas. Entretanto, sua estrutura,
características e exigências - que podem ser mais bem conhecidas em Bezerra (2003) - apontam as linhas hegemônicas
gerais da historiografia e da educação contemporânea e induzem a este rumo, mesmo permitindo a diversidade de
concepções, excetuando-se, em Educação, as perspectivas tradicional etecnicista, conforme o edital.
Uma limitação, neste aspecto, é a pouca ou nenhuma capacidade dessa perspectiva do edital/ ficha em produzir
efeitos consistentes emtodos os materiais propostos. Alguns ajustes deforma, a utilização de alguns termos e a inclusão de
determinados elementos, como atividades e exercícios, permitem que uma obra tradicional permaneça na concorrência, já
que é impossível rejeitá-Ia com base em uma argumentação objetiva. Por mais que uma argumentação seja adequada do
poirto de vista acadêmico, a contiriuidade de um debate entre uma boa equipe e a editora de um mau livro pode acabar nos
" tribunais, em que aquela argumentação é secundária diante dos '1atos" jurídicos. Aliás, essa é uma área de reflexão
muitíssimo interessante, na qual se confrontam formas de raciocínio - a histórica e a jurídica - que, embora com bases
semelhantes, desembocam em resultados e procedimentos totalmente distintos. Quando, na arena judicial, a competência
acadêmica tem menos peso que a competência no manejo dos argumentos jurídicos ...
Por uma outra perspectiva, as demandas epistemológicas sobre o conhecimento histórico mobilizado nos livros
que concorrem em um PNLD têm um papel mediador sobre as tais demandas sociais de representação. O conhecimento
histórico que informa os pareceristas exige uma forma / um conteúdo para a expressão das demandas sociais. Mas, por
outro lado, também pode legitimar essas demandas".Esse duplo movimento pode ser exemplificado no caso das demandas
dos movimentos pelaconsciência negra. Muitos de seus objetivos de representação encontram eco (ou, muitas vezes, são
motivação) na produção historiográfica. A visão idílica, leniente e paternalista da escravidão tem sido largamente contestada
e refutada ao longo das últimas décadas de estudos históricos sobre o tema. Esse conhecimento é parâmetro no momento
da avaliação dos conteúdos do livro didático em exame. Por outro lado, muitas vezes, a demanda de representação dos
movimentos negros exige uma visão simplista do passado, escondendo ou esquecendo as contradições que
necessariamente se encontra em todo estudo acadêmico sério. Assim, a prática do escravismo por parte de escravos
libertos, as relações dedominação internas aos quilombos e o papel dos abolicionistas brancos na libertação dos escravos
pode não constituir um panorama interessante de informações se o que se busca é uma mera perspectiva laudatória do
negro no passado. Por esta perspectiva, a demanda epistemológica confronta-se com a social de representação no
conhecimento histórico veiculado nos sistemas educacionais.
Uma outra frente de reflexão sobre as demandas epistemológicas acerca do livro didático está na questão da
atualização dos conteúdos, exigida dos candidatos à adoção pelo PNLD. A desatualização não é um conceito absoluto ou
objetivo. A lata de lixo da história geralmente está pregada no teto, com a abertura para baixo. Por isso, o parâmetro,
novamente, volta a se ancorar no "estágio atual do conhecimento", entendido como construção coletiva baseada nos
consensos provisórios, típicos do conhecimento racional. Não se" trata, portanto, de divergências entre linhas
historiográficas mais ou menos recentes, mas de estar atualizado no que se refere ao consenso intersubjetivo do tal estágio
atual do conhecimento histórico, distinto da opinião de a ou b no debate atual. O avaliador caminha sempre nesse fio de
navalha, sobretudo quando é inexperiente, e fica mais tranqüilo quando se apercebe de que o parecer não é uma análise
individual ou pessoal, mas uma produção coletiva embasada num referencial coletivo. Por isso, o modo de trabalho do
historiador na atualidade, em que ele é valorizado pelas suas idiossincrasias, tende a ser um complicador na participação de
historiadores no PNLD.
Não é à toa que a noção de paradigma científico é de excepcional importância nesse tipo de trabalho, de análise
pública de livros, e geralmente é um assunto com pouco espaço na formação inicial do historiador. Dentroda reflexão sobre
paradigma científico, fica muito mais fácil entender como e por que tratamos algo como erro, como e por que consideramos
uma idéia ou uma informação como desatualizada. Enfim, o treinamento para o avaliador do PNLD contemplaria um curso de
duração significativa, não para ensinar, mas para sintonizar. E esse tempo, geralmente, não está disponível nos trabalhos de
avaliação.
Um outro fator ainda expressivo no que se refere ao papel das demandas epistemológicas da História sobre o
esso de avaliação é o perfil do historiador, assunto que já começamos atangenciar acima. Os professores universitários
muito diferentes dos professores da Escola. Suas concepções das esferas acadêmica e didática são bastante distintas,
só por causa de uma fonnaçãodiferente. mas também por causa dos espaços institucionais que ocupam, produzindo
ssidades e urgências distintas. Se a equipe de avaliadores não contar com pessoas capazes de fazer essa ponte.
" aterremo dificuldades por vezes incontornáveis. Uma personagem de ligação interessante é o professor dos colégios de
. 3Plicação das universidades. de preferência com pós-graduação. O que ocorre é que muitos pesquisadores sem experiência
",escola avaliam o livro e limitam-se a ter como parâmetro o que chamamos de demandas da epistemologia da História. Um
Ílxemplo é a idéia. típica do pesquisador em História inexperiente nas questões do ensino - ou mesmo nas da
interSubjetividade na produção do conhecimento - de que o livro didático não poderia ter figuras clássicas como a
PrOClamaçãoda Independência, de Pedro Américo. Essapitoresca idéia decorre apenas da critica historiográfica à produção
~quele pintor, partindo da crftica à sua intencionalidade de produzir e reproduzir os heróis da pátria. Ora, se nos
pivocamos e pensamos que a ordem é apagar os vultos históricos na chave laudatória em que se encontram pelo
zir pgamento da cultura material que se prestou a essa louvação, perde-se a oportunidade de dar a conhecer um patrimônio
de' ~órico nacional que está nas pinturas históricas do século XIX.
,já
do A'mediação faltante ai é que a critica historiográfica alimenta. mas não se equivale ao desenvolvimento da crítica
os qUê o ensino deve promover. Evidente, tais pinturas deverão ser lidas criticamente, mas que pena se as perdermos como
:ão dentro de uma espécie de um novo index, agora modernista! É óbvio também que a iconografia não vai poder ser ensinada
dentro da cultura da oralidade. como se a pintura fosse um instantâneo do momento em que ocorreu. A riqueza está
iiXatamenteem trabalhá-Ia como representação deautores em determinados momentos históricos.
O leitor terá um pouco mais de paciência conosco, porque estamos usando exemplos extremos para pensar a
relação entre a formação do historiador e as necessidades de um avaliador do PNLD, ou a insuficiência de uma demanda
Q:l8r3menteepistemológica da História para a avaliação de livros didáticos. Mas pode-se apontar aqui uma outra idéia
CQJT1plicada,de que não seria correto usar uma "imagem canônica" para falar sobre o descobrimento do Brasil, porque ela
~ão é documento da época do descobrimento, é uma representação do século XIX sobre a História Nacional. O aceitável,
~o, seria o livro usá-Ia paradiscutír o século XIXapenas? A carência de articulação entre a formação teórica do historiador
e o aspecto didático que essa mesma formação deveria ter gera esse tipo de inconformidade. Do livro didático deve-se, em
tese. cobrar que ensine de forma crítica a Historia Nacional, mas isso não pode significar exigir que ensine teorias sobre as
i(Presentações históricas em perspectiva histórica .. O que é preciso ver, afinal, é se não há naturalização do fato através da
...~ nemfalsificação do quadro como se fosse testemunho do período.
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•.
J'
;f :;àr Ainda: o que não é a avaliação de livros didáticos é encontrar aspecto detalhado que não contempla a discussão
.s recente e ou de circulação restrita, pois é o tipo de conhecimento que não se refere ao conhecimento escolar. Não que
o seja competência do professor lidar com isso, não nesse sentido. mas não é com isso imediatamente que o professor
. trabalhar, na medida em que os objetivos de sua atuação pedagógica não contemplam esse tipo de debate, que é
. ativo em outra instância. Por exemplo, ri professor ou o autor de livro trabalha a carta de Pero Vaz de Caminha; o
dêmico vai analisar que o professor e/ou o LD não estão considerando a construção da carta como documento só no
'Ulo XIX. Uma didatização disso seria interessante. mas não imprescindível num trabalho didático de qualidade que
, preseus objetivos. Professores e pesquisadores funcionam em suas lógicas distintas - estabelece-se diálogo quando o
nos
." uisador é capaz de entender a lógica, a competência e as finalidades de trabalho do professor e ter claro que sua
lhas
" ição pode ser assumida, sob outra forma - a forma didática - quando e sob quais condições. Por isso, o historiador
ágio
olle tem pretensões de atuar profissionalmente em torno do ensino, embora não diretamente em sala de aula, precisa ser
á1ise o de uma reflexão didática (no sentido estabelecido por Klaus Bergmann, 1990). Por isso também a reflexão didática é
000
amental na formação do bacharel em História, quanto mais na formação do historiador àvaliador do PNLD.
tOM
átise
~obfe Diante do debate em torno da produção e avaliação do livro didático, está uma preocupação sobre a produção do
limOS conhecimento histórico e diz respeito à sua mediação didática e adequação em diferentes níveis, numa trajetória complexa
: ;ode quevai dos acervos historiográficos e fontes diversas de pesquisa até os textos curriculares, materiais e livros didáticos. É
i Jsde umapreocupação com a função social da pesquisa. pois, se as pesquisas históricas surgem de carências de orientação no
presente(Rüsenj 2001), elasprecisam retomar à sociedade como resposta. .
Afinal, os rumos da historiografia não são explicáveis apenas dentro dela própria. Esta sofre uma pressão social
decorrente dos temas e questionamentos que preocupam as pessoas das várias sociedades e grupos em tempos
especificos. Um exemplo claro pode ser o caso do avanço da mulher no mercado de trabalho, pois isso acaba gerando, nas
famOias e nos padrões de comportamento, demandas coletivas e pessoais que, em algum momento, buscam sustentação
em discursos referentes à identidade dos grupos e sociedades no tempo, entre eles, o discurso histórico acadêmico. Como
salienta Pollak:
A construção da identidade é um fenõmeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios
de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibüidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros.
Vale dizer que memória e identidade podem perfeitamente ser negociadas, e não são fenõmenos que devam ser
compreendidos como essências de uma pessoa ou de um grupo. (1992, p. 204)
Os grupos precisam construir a sua identidade, e isso não se faz isoladamente, é necessário o reconhecimento
social - e tal reconhecimento pode ter. como via a escola, na medida em que esse complexo de narrativas e idéias que
justificam ou expUcam as posições dos sujeitos agindo no tempo afeta, entre os vários espaços da existência social, a
Educação. Por exemplo, as concepções de História presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) filiam-se
genericamente às propostas de uma "nova História", absorvendo, inclusive, a temática das mulheres. No mesmo sentido,
em tese, esse debatedeveria ganhar significativo espaço nos materiais didáticos. Todavia, isso não pode ser comprovado de
modo tão direto quanto nos PCN, que podem ser vistos como uma tentativa de slntese e absorção dos debates sociais e
acadêmicos para a agenda da escola.
Nota-se, nesse ordenamento curricular, a influência de diversos historiadores voltados para novas problemáticas e
temáticas de estudo, sensibilizados por questões ligadas à história social, cultural e do cotidiano; Evidenciam-se, assim,
possibilidades de rever,no Ensino Fundamental, oformalismo das abordagens.históricas sustentadas nos eventos políticos
e administrativos dos Estados, ou exclusivamente nas análises econômicas estruturais (PCN, 1998).
Os PCNfazem parte de um esforço de reordenação curricular das escolas brasileiras, com diferentes correntes e
matrizes, que vêm desde os anos 80, pelo menos, e prevêem um ensino de História diferente dos "métodos tradicionais".
Essas mudanças, em parte, decorrem da ansiedade em diminuir distâncias entre o que é ensinado na escola fundamental e a
produção acadêmica, ou seja, entre o saber histórico escolar e as pesquisas e reflexões que acontecem no nlvel do
conhecimento acadêmico.
Se os currfculos trazem o novo debate historiográfico, principalmente sobre a Nova História, com seus novos
objetos, novas fontes, novas abordagens, a articulação entre a micro e a macro história, teoricamente, essa inovação
deveria estar presente nos livros didáticos. Sobretudo, se também levamos em conta que os professores devem estar sendo
progressivamente fórmados dentro desse modelo, e que os livros são avaliados pelos órgãos governamentais a partir,
também, da visão de História que se consolida em orientações oficiais, como os PCN.
Cabe, entretanto, reconhecer que a primeira demanda de um autor ou autora de livro didático é a necessidade de ter
leitores. Para isso, tanto eles quanto a equipe que a assessora na construção do material parte de dados ou de
representações sobre o público desse livro. Assim, verificando que determinada parte do público não se afina com as
perspectivas historiográficas e pollticasemergentes, autor / editora podem elaborar seu material, tendo em vista a satisfação
desse público. Outras avaliações sobre essa relação livro / leitor - usuário podem gerar outras orientações na produção do
material didático, e, diante desse racioclnio, é de se esperar certa diversidade no tratamento daquelas demandas oriundas de
necessidades sociais (porque são diferentemente absorvidas as representações que o autor faz de seu público de alunos,
pais e professores) e de modelos epistemológicos.
Os Parãrrietros, como as demais estruturas curriculares em História no passado, propõem que se deve ensinar uma
História que forme cidadãos, sujeitos políticos ativos na sociedade. Mas será que a História que está sendo ensinada, a política
de escolha dos conteúdos, permite essa construção da cidadania? Para formar um cidadão, um indivíduo com plena
consciência histórica e social, que entenda e perceba a si próprio como sujeito histórico, é imperativo, além de um ensino de
História que inclua todas as pessoas como sujeitos históricos (portanto, intrinsecamente democrático), que se faça também
uma reflexão sobre como, historicamente, essas subjetividades se constituíram (portanto, aberto à mudança e compreensivo
da historicidade etransitoriedade de todas as coisas e pessoas).
Como contribuir para democratizar a sociedade dentro dos padrões contemporâneos, colocando em pauta a questão
dos direitos das mulheres, formar cidadãs que tenham consciência do seu papel na sociedade, ou a alteridade com relação à
comunidade negra no pais, se, na escola, a criança sempre estudou uma "história masculina e branca"? As mulheres.
e se viram como sujeito na História ensinada; já dizia Simone de Beauvoir,numa frase da década de 1950, bastante
nos estudos sobre essetema, que a mulher não nasce mulher, mas se torna mulher conhecendo a sua história.
Diante disso, é imperativo incluí-Ia na História ensinada, tratar dos papéis vividos por elas no decorrer da história do
si!. Esses papéis só parecem secundários porque o foco narrativo da História está fechado em aspectos restritos da vida
sociedade, como a política, a guerra, a vida pOblica, etc. - espaços pouco ocupados por elas. Entretanto, a construção
s condições para esses eventos registra dos pelo foco da historiografia tradicional tem a participação expressiva do
público feminino. Por isso, não é possível desvincular uma história que considere o papel das mulheres se não houver foco
também no cotidiano e nas relações entre os gêneros, pois é aí que a importância delas será retomada.
. "é Se o foco permanecer naquele tradicional, as mulheres, por exemplo, só aparecerão secundária ou
'1{excepcionalmente, apenas confirmando uma regra imaginária da história "masculina" e fortalecendo a distorção que ela
,~ .·representa. Mesmo assim, a própria história tradicional focada no político e no espaço público tradicionalmente omite oli
~~~·._undariza a participação das mulheres na produção das decisões, mesmo nos casos em que há evidências documentais,
"j. o quenão ocorre diretamente na história social, por exemplo.
De certa forma, o ensino de História é também um exercício de identidade para aqueles Queaprendem, na medida
em Quese vêem representados na narrativa, IJelomenos como herdeiros daquele passado, reconheçimento da participação
de vários grupos sociais na história. A educação escolar, antigamente, era apenas para a elite da população, e, paratanto, os
conteOdos das disciplinas deveriam atender à formação dessa elite, com exaltação de heróis, a idéia de "pobres
bandoleiros" e de que só uma pessoa rica e estudada pode chegar ao poder, governar. O padrão do ensino da História no
Brasilfoi originalmente fo~ado para e.sse pOblico,elítista e masculino, e não é despropositado imaginar que guarda, até certo
ponto, essas marcas de origem. No entanto, a educação se universalizou, as classes populares e as meninas passaram a ter
acesso à escola, mas o ensino que recebem continua, na maior parte, preso aos moldes desenvolvidos para educar a elite.
Paraformar o "povo", é necessário incluí-Io na história, e não educá-Io numa escola que reforça e legitima a sua exclusão. As
pessoas precisam estudar uma história em Quese percebam parte do todo, e não meros figurantes no processo histórico
({fONSECA,2003).
Por entender a História como um exercício de interligação, de síntese entre passado e presente, Que envolve
simultaneamente uma perspectiva' sobre o futuro, entende-se Que ensinar História possibilita ampliar estudos sobre as
problemáticas contemporâneas, situando-as nas diversas temporalidades, servindo de arcabouço para a reflexão sobre
possibilidades e/ou necessidades de mudança elou continuidade. Isso leva à concepção de Queo pensamento histórico
dependede problemas de orientação no presente. Ou seja, um problema de pesquisa surge de indagações feitas no presente
e, portanto, deve retomar à sociedàde com uma função transformadora, servindo à formação da consciência critica do
aluno. Segundo Rüsen, a história se fundamenta na práxis da vida; e, em Oltimainstância, seus impulsos, seus desafios,
,~as perguntas orientadoras não brotam dela, mas de seu nexo com a vida no presente (p. 83, 1997).
O ensino de História dará conta de formar um cidadão critico Quando este for capaz de compreender Que, por
;f'Xemplo,a condição feminina de inferioridade e o pensamento de que a submissão ao marido, o amor materno e o
• ;',predomínio das faculdades afetivas sobre as intelectuais não são naturais da mulher, mas pensamentos construidos ao
,.lQngodahistória.
Uma série de demandas sociais acaba por compor a história nos livros didáticos, é ó caso da história das mulheres,
~a história da África e a da' Cultura Afro-Brasileira. No entanto, são temas que não buscam mudanças estruturais, são
reivindicações de alguns grupos, melhorias muito .definidas Que atendem a demandas identitárias de um ou outro grupo
social, servindo para pontuar ou qualificar o livro, e não para desclassificá-Io.
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