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ANÁLISE ERGONÔMICA DE UMA COZINHA INDUSTRIAL

DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO
Carolina Barreto Bertinato
Margareth Zandona Linhares
Universidade Federal do Paraná - Setor de Ciências da Saúde
Departamento de Saúde Comunitária e Departamento de Enfermagem
Curso de especialização em Saúde no Trabalho
Rua Padre Camargo, 280. 7º andar. Centro - CEP 80060-240 Curitiba, Paraná
Email: cal@milenio.com.br

Palavras-chave: análise ergonômica; cozinha; hospital universitário.

Este artigo teve como objetivo analisar os riscos existentes no setor de legumes de uma cozinha industrial
de um hospital de Curitiba. A escolha deste posto deve-se ao fato de as atividades representarem as
características desta cozinha como um todo e ao alto índice de queixas de dores musculares e calor
excessivo pelos funcionários. Como metodologia utilizou-se a Análise Ergonômica do Trabalho, composta
por três fases principais: Análise da Demanda, Análise da Tarefa e Análise da Atividade. Com os principais
resultados obtidos nas etapas de análise, pôde-se elaborar um caderno de recomendações ergonômicas que
sugere melhorias nos sistemas de ventilação e exaustão; treinamento em ergonomia, higiene e saúde
ocupacional, uso de EPIs; breves e freqüentes pausas para hidratação; ginástica laboral e contratação de
pessoal.

1. INTRODUÇÃO dimensionado, otimizando sua eficácia ao mesmo


tempo em que permite que as pessoas desenvolvam
As cozinhas industriais surgiram durante a II Grande suas atividades em condições mais favoráveis à
Guerra para resolver o problema de distribuição de promoção de sua saúde e prevenção de certos grupos de
alimentos na Inglaterra. No Brasil, no final da década doenças (RIO, 1999).
de 1930, o governo institui a obrigatoriedade das
empresas com mais de 500 trabalhadores instalarem um Este estudo de caso, utilizando-se da análise
refeitório. Hoje, o serviço de alimentação no Brasil está ergonômica do trabalho realizada no posto de legumes
atrasado nas suas instalações, tecnologias disponíveis e de uma cozinha de restaurante industrial hospitalar,
técnicas de operação em 15 anos se comparado com descreve a demanda, as tarefas, as atividades e traça um
cozinhas do primeiro mundo (SANTANA, 1996). grupo de modificações necessárias e urgentes a serem
implantadas. Esta cozinha representa muito bem a
A produção de refeições envolve fatores como o realidade de uma cozinha industrial no nosso país.
número de operadores, tipo de alimento utilizado,
técnicas de preparo e infra-estrutura, exigindo 2. ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO NO
equipamentos e utensílios que visam otimizar as SERVIÇO DE COZINHA HOSPITALAR
operações. Mas a qualidade das refeições ainda está
diretamente relacionada ao desempenho da mão de A cozinha de um hospital público de Curitiba, que fica
obra. Condições físicas e ambientais inadequadas, localizado na região central da cidade, está no andar
problemas como espaço reduzido, ruído excessivo, térreo do edifício. Seus limites são: anteriormente, o
temperatura e umidade elevadas são comumente refeitório; posteriormente, o depósito de materiais
relatados. Por outro lado, o trabalho tem sido inservíveis; à sua esquerda, caldeira; à sua direita, o
caracterizado por movimentos repetitivos, almoxarifado.
levantamento de peso excessivo, permanência por
períodos prolongados na postura em pé e modificação A política de pessoal do órgão, com relação ao
constante de procedimentos (MATOS E PROENÇA, recrutamento, seleção e admissão segue os trâmites
2003). burocráticos do serviço público federal. Além dos
funcionários contratados através de concursos, há
A ergonomia é um estudo do relacionamento entre o funcionários de empresas prestadoras de serviços,
homem e seu trabalho, equipamento e ambiente (IIDA, contratadas para a realização de serviços de limpeza e
1990), e de grande importância para que o trabalho seja de segurança.
fonte de saúde e produtividade para as pessoas e
organizações. Ela possibilita que o trabalho seja bem
3. ANÁLISE DA DEMANDA simultaneamente, provocam incômodo na realização
das atividades. Contudo, como ponto positivo, existe o
Nesta cozinha, que conta com 12 trabalhadoras, são auxílio na realização de determinadas atividades por
servidas 2500 refeições por dia para o refeitório e parte de colegas de postos de trabalho vizinhos.
pacientes internados. Os postos de trabalho
compreendem: posto de suplementação; posto de 4.1.2. Dados referentes ao posto de cozinheira:
supervisora de cozinha; posto de nutrição; posto de
sobremesa; posto de legumes; posto de carne; posto de A estrutura geral consiste em: balcões, pias, fogões,
cereais e leguminosos; posto de cozinha dietética. Os panelão a vapor, máquina de pré-lavagem de legumes,
turnos são de 12/60 horas, divididos em diurno e máquina de corte, máquina de ralar, banqueta, carrinho,
noturno. estrado, utensílios de cozinha, lixeiras. Para as
dimensões veja o item 3.1.8. A sinalização existente é
A demanda do presente estudo teve sua origem nas apenas para extintores.
condições de trabalho do posto a ser analisado, que
como os outros postos desta cozinha, apresenta índice Quanto ao órgão de comando seguem-se normas e
elevado de queixas de dores musculares e calor procedimentos conforme Regime Jurídico Único e
excessivo. Sendo assim, faz-se a análise ergonômica do normas internas do refeitório hospitalar, supervisão e
posto de trabalho de uma cozinheira responsável pelo nutrição. No princípio de funcionamento têm-se:
posto dos legumes, o qual representa bem o total das treinamento em higiene e segurança; raras placas de
funções realizadas em toda a cozinha. O problema orientação de uso de equipamento.
encontrado neste local pode servir de referência para
inúmeros outros restaurantes e auxiliar na observação As informações são fornecidas através das rotinas
do posto crítico de risco e, conseqüentemente, escritas pela nutricionista. O cardápio é elaborado para
contribuir para a busca de soluções. o mês todo, com folhas diárias destacáveis para deixar
na caixa do posto à disposição do funcionário.
4. ANÁLISE DA TAREFA Orientações são feitas em reuniões quando a chefia
achar necessário ou a pedido dos funcionários.
A cozinheira analisada possui 59 anos de idade, é da Treinamentos de ergonomia uma única vez, de
raça negra, tem 28 anos de tempo de serviço e trabalha segurança do trabalho não há e de higiene no trabalho,
em turnos de 12/60 horas. Foi admitida por concurso dois a quatro por ano.
público. Sua remuneração é compatível com a função
de cozinheira (R$ 1.053,00). Possui estabilidade. Além 4.1.3. Dados referentes às entradas (matérias-primas)
do serviço médico e odontológico, a funcionária conta e saídas:
com três refeições diárias.
Entradas: Legumes e verduras, temperos e frios vêm do
4.1. Descrição do posto de trabalho setor de dispensação e são entregues pelo funcionário
da dispensação na quantidade descrita pela nutricionista
4.1.1. Dados referentes à cozinheira e condições em folha diária deixados no posto de trabalho da
organizacionais do trabalho: dispensação.

A cozinheira possui 1º grau completo e trabalha em Saídas: Cardápio diário elaborado pela nutricionista.
turnos de trabalho (trabalha 12 horas e folga 60 horas),
O horário de entrada ocorre às 07:00 e o horário de 4.1.4. Dados referentes às informações no posto:
saída às 19:00. Pode fazer pausas em sua jornada de 30
minutos para o café da manhã (entre 7 e 7:30); 15 No quesito comunicação, a nutricionista prepara o
minutos para almoço (entre 12:00 e 12:15); lanche de cardápio e o fornece por escrito a cada setor
15 minutos (entre 15 e 16:00). O salário base é de R$ diariamente às 07:00.
1.053,66, mais um adicional de tempo de serviço de R$
231,80 e um adicional de insalubridade de R$ 105,36. 4.1.5. Dados referentes às ações de trabalho no posto:

A relação entre o posto legumes e os demais postos Os legumes são lavados, cortados, colocados em cubas
ocorre por interação individual, havendo uma plásticas que são conduzidas em carrinho de transporte
interdependência entre eles, através de uso de até a máquina de ralar ou de corte. Após, reconduz-se o
determinadas zonas de trabalho coletivo. Um ponto alimento cortado ou ralado às cubas, e estas ao carrinho
negativo deste tipo de interação são problemas como o de transporte. Há a limpeza das máquinas. Prepara-se o
ruído das máquinas que, sendo operadas tempero. Cozinham-se os alimentos. Há a apresentação
para o servimento. Limpam-se os utensílios e 0,50m de diâmetro x 0,50m de profundidade) com
equipamentos. A descrição macroscópica dos modos abertura máxima de tampa de 60o .
operativos consiste em preparar, cozinhar, lavar e
limpar. 5. ANÁLISE DA ATIVIDADE NO POSTO
LEGUMES
Decisões a serem tomadas: tempo de duração do
preparo até o cozimento para o alimento estar pronto e 5.1. Organização do Trabalho
quente à hora do servimento. Fazem parte das
regulações não abandonar o posto de trabalho; não A produção de refeições deste restaurante está
conversar assuntos seculares; pausas para café da estruturada em fases: o pré-preparo dos alimentos
manhã, almoço e lanche e ida ao banheiro. (cereais e leguminosos, basicamente arroz e feijão;
carne; legumes; salada); preparo dos alimentos
4.1.6. Dados referentes ao meio ambiente no posto (cozinha e sobremesa); distribuição das refeições
legumes: (balcão); higienização (limpeza de bandejas, vasilhas,
utensílios); tarefas complementares (ajudantes,
O espaço de trabalho é de cerca de 78,90 m2, dispensação, copeira, almoxarife, cafezinho, cozinha
devidamente observado na figura 01. dietética).

No posto de legumes da cozinha analisada, têm-se as


seguintes tarefas (previamente analisadas): conferir os
gêneros conforme cardápio do dia e pré-preparo para o
dia seguinte, comunicando a nutricionista de produção
ou supervisora a falta ou insuficiência de alimentos;
proceder ao pré-preparo e preparo; proceder a
higienização das cubas plásticas quando utilizadas;
proceder a contagem das porções (lasanha, pastéis etc.)
notificando-as à supervisora ou nutricionista; evitar
conversas desnecessárias tanto na hora do preparo
quanto na hora de distribuição das refeições.

Figura 1: Espaço de trabalho no layout da cozinha. Neste posto, as atividades consistem em: lavar, cortar,
descascar, ralar, temperar e cozinhar os legumes;
Em relação ao ambiente, a temperatura fica entre 28oC limpar panelões, bandejas, vasilhas, utensílios, pias
a 29oC diária, aferida por termômetros de mercúrio utilizados no processo; levar bandejas prontas do
existentes no local, mas não é o meio mais preciso. A respectivo legume ao servimento. Para tanto são
medida obtida foi a mesma em horários diferentes e em exigidas posturas ortostáticas, com muita
dias diferentes. A iluminação por lâmpadas movimentação de membros superiores por todo o
fluorescentes de 40 W distribuídas em 9 pares parece desenvolvimento das atividades.
ser suficiente. Há ruído das máquinas de corte, raladura
e pré-lavagem dos legumes, mas não foi aferido. 5.2. Análise da atividade propriamente dita
Vibração inexistente. Umidade pode ser observada pelo
chão molhado e condensação do vapor em superfícies Para o preparo, a funcionária recebe as leguminosas
frias. Há uma janela com tela protetora. Há um em caixas plásticas colocadas em cima do balcão para
ventilador móvel. lavagem. Fica em pé na frente da torneira realizando
movimentos com os membros superiores para lavagem
Quanto ao mobiliário têm-se: balcão principal (3,40m individual das leguminosas por cerca de vinte minutos.
de comprimento x 0,80m de altura x 0,66m de largura)
e a pia (0,85m x 0,66m x 0,30m de profundidade); 2 Para o corte, após a lavagem e de acordo com o tipo de
balcões auxiliares sendo o primeiro em formato de “L” leguminosa envolvido, é realizado o descascar ou ralar.
para preparo e corte dos alimentos (4,00m de Ambas atividades exigem posição ortostática da
comprimento x 0,80m de altura x 0,80m de largura com funcionária e movimentos com os membros superiores.
2 cubas de 0,60m x 0,60m) e o segundo de limpeza de O ato de descascar leva em média quarenta minutos,
grãos e montagem de pratos (3,52m de comprimento x sendo uns quinze segundos gastos para cada item.
0,80m de altura x 0,80m de largura); fogão (1,03m de Quanto ao ralar, usa-se o ralador elétrico, o qual se
comprimento x 0,80m de altura x 0,75m de largura) encontra sobre a bancada de preparo, exigindo que a
com seis bocas); panelão de vapor (0,945m de altura x funcionária fique em cima de um estrado - não alto o
suficiente, levando a uma flexão exagerada do tronco Após, acrescenta mais sal ou óleo à mistura – conforme
para frente - e faça uso dos membros superiores com necessário - e mexe-a em cinco círculos completos com
elevação destes acima de 90 graus para segurar o uma espátula de 1m de comprimento, por dez
alimento empurrando-o contra as lâminas de corte sem segundos. Fecha a tampa do panelão (mecanismo
o uso do acessório de segurança por cerca de quarenta hidráulico) e espera o tempo de cozimento lavando na
minutos. pia de seu balcão de preparo, em posição ortostática e
com o uso de seus membros superiores, os utensílios
Após o término do corte ou da ralação, as leguminosas utilizados nesta etapa – panela, escumadeira etc - e o
são deixadas em vasilhas plásticas ou panelas de 10 a próprio balcão de preparo - passando um pano molhado
20 kg em cima do próprio balcão de preparo. sobre ele e lavando este pano na pia deste mesmo
balcão, em cerca de quinze minutos.
A funcionária faz então a lavagem dos equipamentos
usados para esta etapa - no próprio balcão de preparo, o Retira o conteúdo do panelão por meio de escumadeiras
qual possui uma pia ao lado do ralador - com pequenas, com um cabo de 30 a 34cm e boca de 13cm
detergente e água, seca-os e os organiza em seus de diâmetro. Para isso permanece em pé ao lado do
devidos lugares, sempre em posição ortostática e com panelão, inclinando-se exageradamente em cada
movimentos dos membros superiores, levando trinta pegada, sendo necessárias cerca de cinqüenta delas para
minutos para isso. a retirada de todo o conteúdo do panelão, o que dura
uns vinte minutos. A tampa do panelão abre apenas 60
Cada vasilha plástica cheia de legumes é carregada pela graus e o vapor por ali eliminado é intenso. O conteúdo
funcionária até o panelão, no qual são despejados para que vai sendo retirado do panelão é colocado em
o cozimento. Cada vasilha tem 0,6m de comprimento bandejas, cerca de três delas normalmente, as quais
por 0,3m de largura e 0,2m de profundidade. ficam apoiadas em um banquinho ao lado do panelão.
Dependendo do legume utilizado pode pesar mais ou Depois que cada uma delas é cheia a própria
menos, mas em média pesa 15 kg e tem boa pega. funcionária a carrega até o servimento, sendo que cada
Normalmente três delas são utilizadas por prato. O uma pesa 15kg e cada ida e volta resultam em cinco
carregamento dura três minutos. minutos gastos.

Para o preparo dos temperos usa a tábua de corte no A lavagem do panelão é feita com detergente, sapólio,
balcão de preparo (para salsinha, cebolinha, bacon etc) bombril e esponja, exigindo flexão de tronco para
ou o esmagador (para lingüiça, cebola, alho etc). No alcançar o fundo do panelão (50cm de profundidade) e
caso do corte, ela faz a tarefa em pé com tronco ereto, movimentos de membros superiores fortes
com o uso de faca. Dependendo do tempero gasta dez especialmente circulares demorando dez minutos. A
minutos para isso. Já no caso de usar o esmagador, funcionária usa um balde pequeno (de 1 litro) para o
coloca uma panela embaixo do gradil do aparelho, enxágüe, carregando-o até a torneira para enchê-lo
coloca o tempero no gradil, agarra com a mão direita a novamente cerca de cinco vezes em cinco minutos.
alavanca e a empurra com força para baixo, enquanto a Após este processo, abre uma válvula do próprio
mão esquerda segura o aparelho com força para este panelão para haver o escoamento do líquido para o ralo
não escorregar no chão, visto ele ser de ferro fino e sem próprio deste panelão. A válvula parece um bastão com
borracha nos pés. Repete este erguer e abaixar de boa pega e leve para abrir e fechar. Há vazamento de
alavanca uma vez a cada vinte segundos, sendo que o líquido além do ralo específico para cada panelão, o
tempo total depende do quê e da quantidade que será que faz com que a funcionária tenha de pegar um rodo
esmagado. e passá-lo na área que fica ao redor do ralo, o que exige
movimentos variados de tronco e membros por um
A panela dentro da qual o tempero esmagado cai é período de dois minutos.
levada ao fogão. A funcionária acrescenta óleo e sal à
mistura, mexendo-a com uma escumadeira de 30 cm de O tempo para almoçar varia de quinze a trinta minutos,
cabo, em movimentos circulares por poucos segundos. dependendo da demanda do refeitório (número de
Permanece no local em posição ortostática e utilizando- refeições servidas, alta repetitividade do prato por ela
se de seus membros superiores para novas mexidas preparado etc). Após almoçar, este mesmo processo
conforme o conteúdo vai sendo cozido, o que pode descrito acima se reinicia, mas com o objetivo de se
levar vinte minutos. Leva então esta panela de cerca de fazer uma sopa de legumes e de deixar já pré-preparado
1kg para perto do panelão e despeja seu conteúdo algum legume para o próximo dia.
dentro dele.
É raro durante o desenvolvimento desta atividade a
funcionária ter tempo de se hidratar ou ir ao banheiro.
Estas necessidades ela tenta suprir dentro dos quinze a profissional). Quanto à supervisão (técnica e
trinta minutos que tem de almoço. hierárquica), esta é diretamente no local de trabalho.

5.2.1. Exigências Físicas: 5.2.3. Exigências Ambientais:

Através dos dados apresentados, observa-se que o A iluminação é adequada na maioria da cozinha, visto
trabalho é realizado em pé por todo o tempo. Esta não haver grande exigência por não haver trabalhos de
posição, em especial se o trabalhador fica parado, é precisão. Mas, em cima dos panelões falta iluminação
altamente fatigante porque exige a contração (consertar as lâmpadas quebradas ali presentes).
prolongada da musculatura envolvida para manter o
ortostatismo, levando à baixa irrigação sanguínea da Há desconforto térmico pela temperatura elevada e
região, o que por sua vez, leva a dores de fadiga e, se umidade excessiva, provenientes do vapor de água
permanentes, a processos inflamatórios degenerativos quente emitido pelos oito panelões durante o cozimento
dos tecidos sobrecarregados (GRANDJEAN, 1998). dos alimentos. A visibilidade fica prejudicada pela
presença de vapor e o piso torna-se escorregadio devido
Em relação ao carregamento de peso, observa-se que à presença de óleos utilizados durante o cozimento dos
este trabalhador carrega um peso médio de 15 kg por alimentos e, posteriormente, pelo sabão utilizado na
uma curta distância, três vezes, em três minutos, em um lavagem da cozinha. Estas situações podem atuar como
primeiro momento; depois, carrega um peso de cerca de fator de risco para a ocorrência de acidentes, exigindo
1kg por uma curta distância, uma única vez e por do trabalhador aumento da vigilância e atenção durante
poucos segundos de duração; e, por fim, depois de mais a realização das tarefas.
de uma hora do primeiro grande carregamento, carrega
novamente um peso de 15kg por uma distância um As máquinas de pré-lavagem de legumes, o ralador
pouco maior que a primeira, três vezes, em cinco elétrico, as batidas dos aparelhos, vasilhas, panelas e
minutos. Isto em relação ao período da manhã, porque utensílios ao serem lavados geram ruído. É observado
este mesmo padrão volta a acontecer à tarde. Não durante todo o período de trabalho e pode representar
caracteriza força excessiva, é raro no ciclo e de curta um fator que causa irritabilidade ao final da jornada. Os
duração (RIO, 1999). ruídos das máquinas duram o tempo suficiente para
lavar ou ralar, o que pode demorar de vinte a sessenta
Nas atividades de descascar legumes e esmagar minutos e ocorrem duas vezes na jornada. Alguns
temperos, há um ciclo altamente repetitivo, pela trabalhadores reclamam destes e de outros ruídos como
duração menor que trinta segundos (RIO, 1999). Mas aparelhos de som ligados no horário do trabalho.
estas atividades não são desenvolvidas durante todo o
dia. O material de trabalho inclui: instrumentos (carrinhos
de transporte de cubas de inox e plásticas, panelas,
O turno é de doze horas de trabalho, com intervalos talheres, máquinas elétricas para raladura, picar,
para café (trinta minutos), almoço e lanche (quinze espremer, panelas, cubas plásticas, frigideira, tábuas de
minutos cada). Em um hospital os horários praticados corte, mesas, cadeiras, banquetas, bacias, estrado - a
pelo serviço de alimentação terão de ser compatíveis maioria destes são obsoletos, pesados, de altura
com o atendimento das necessidades dos pacientes e inadequada, sendo que alguns estão em mau estado ou
funcionários. Exceto o tempo do café da manhã, estragados, apresentado risco de acidentes) e produtos
observa-se a falta de tempo necessário para um almoço químicos (detergente líquido, sabão em barra, sapólio).
e um lanche adequados.
O mapa de riscos descreve os seguintes riscos: riscos
5.2.2. Exigências Mentais: químicos (produtos químicos diversos para limpeza e
higienização); riscos físicos (ruído, frio, calor,
Têm-se exigências: intelectual (igual ou superior ao umidade); riscos biológicos (microorganismos
nível médio); cognitiva (percepção visual, auditiva e patogênicos); riscos ergonômicos (esforço físico
olfativa; atenção concentrada e difusa, capacidade de intenso; trabalho em postura inadequada; levantamento
expressão viso-motora); emocional (controle adequado e transporte manual de pesos; estresse físico e mental
dos impulsos, bom relacionamento interpessoal, decorrente do trabalho); riscos de acidentes (arranjo
capacidade de observação); de relações interpessoais físico inadequado; ferramentas inadequadas ou com
(iniciativa, agilidade no preparo de alimentos , boas defeito; iluminação inadequada; eletricidade; risco de
maneiras, responsabilidade, higiene, bom senso, incêndio; presença de insetos e roedores;
prestativo, calmo); de responsabilidade (ética e armazenamento inadequado).
5.3. Análise da organização do trabalho em uso, falta de equipamentos e utensílios mais leves);
medo provocado por possíveis erros (as tarefas exigem
No caso abordado, nota-se um aumento da carga de um alto nível de atenção, por exemplo, para não se
trabalho e insuficiência de pessoal para as exigências cortar e controlar o horário de cozimento); sobrecarga
da tarefa, o que se pode ver no acúmulo e desvio de de trabalho; ao fazer a limpeza do panelão, as posturas
funções do trabalhador em estudo. Há problemas com o assumidas provocam dores; há risco de queimaduras
prazo assumido de entrega da bandeja de servimento, pela água fervente derramada nos ralos e pelo vapor
nem sempre o alimento está à mão, chegando em cima quente do panelão; falta de manutenção e de troca de
da hora ou simplesmente não chegando, por falta de equipamentos exigindo mais força física.
verbas, sobrecarregando emocionalmente o trabalhador.
Em relação à situação de trabalho foram citados:
Os equipamentos e utensílios utilizados são pesados, iluminação deficiente em alguns pontos, como em cima
mal conservados, confeccionados de material pesado dos panelões; estrados de altura inadequada; ruído das
como ferro e inox. Os panelões têm um pequeno ângulo máquinas, aparelho de som e conversas; falta de
de abertura de tampa, obrigando o trabalhador a flexões conforto térmico; queixas músculo-esqueléticas;
exageradas. Falta manutenção nas máquinas de ralar e sapatos de uso obrigatório, desconfortáveis e pesados;
de descascar, e há máquinas para corte e misturas falta de manutenção hidráulica e elétrica; desvio e
estragadas. Tudo isto leva a esforço extra, ou seja, o acúmulo de funções (p. ex., ajudar na lavagem de
que era para ser feito pelo equipamento, o trabalhador louças de outros postos, passar o rodo no chão para
passa a fazer. evitar quedas duas vezes durante a manhã e duas vezes
durante a tarde); falta de EPIs adequados e EPCs
Não existem pausas pré-estabelecidas no decorrer da deficientes; falta de luvas adequadas pra corte e para
jornada e o ritmo de trabalho é acelerado, o que fogão; falta de utensílios de proteção para ralamento de
acarreta uma sobrecarga de trabalho que compromete a legumes; falta de borda de segurança ao redor do fogão;
qualidade do produto e, principalmente, a saúde do falta de ventilação e de exaustão adequadas; falta de
trabalhador. vestiário e banheiros próximos à cozinha; horário de
almoço e de descanso insuficientes, impostos pelo
A tarefa exige um alto nível de atenção, para não sofrer ritmo acelerado de trabalho e a falta de trabalhadores na
acidentes (cortes, queimaduras etc), para controlar o cozinha.
horário para o servimento, para o produto sempre se
apresentar quente.
6. RECOMENDAÇÕES ERGONÔMICAS
Na área destinada ao preparo vários fatores podem
levar a situações de risco. Nesse local há equipamentos 6.1. O diagnóstico em ergonomia
cortantes (bandeja de alumínio, facas, máquina de ralar
e picar) sendo indicado o uso de luvas especiais para Os erros humanos são comuns no processo produtivo
esta fase do trabalho; em outros momentos, elas são por mais treinamento que o trabalhador receba. No
indicadas para proteção ao calor e a respingos de posto em questão, nota-se que há a omissão de
substâncias quentes, no sentido de prevenir operações previstas no processo como usar a proteção
queimaduras, e no restaurante analisado não é utilizado para a boca do ralador para ajudar a empurrar o legume
esse EPI. Aventais e botas também são necessários e para dentro da máquina. Em relação aos incidentes
devem ser adequados ao trabalho em cozinha, mas nem críticos, observam-se: equipamentos e utensílios de
todos os trabalhadores os possuem ou usam. cozinha sem manutenção; piso escorregadio e sem
faixas antiderrapantes; queda de utensílios de colegas
Comunicação interpessoal é necessária para corrigir que estão realizando outras atividades na área de
falhas no entendimento de alguma etapa do processo e trabalho em questão por não haver uma delimitação do
esclarecer dúvidas que surgem, o que não ocorre como espaço de trabalho; elevação do nível de ruído
deveria no posto analisado. A pouca participação nas (máquinas de descascar e ralar, aparelho de som,
decisões referentes ao trabalho, às modificações e utensílios caindo); redução de iluminação por falta de
melhoria da situação de trabalho causam pressões troca de lâmpadas queimadas ou quebradas; redução do
psicológicas. tempo de preparação por falta de luz, dedetizações etc;
pessoal insuficiente, trabalhadoras grávidas em licença,
Em entrevistas realizadas com a funcionária foram entre outros. Os acidentes de trabalho mais comuns são
levantados problemas referentes à tarefa e à situação de cortes em dedos.
trabalho. Em relação à tarefa foram citados: tecnologia
obsoleta (grande número de falhas dos equipamentos
6.2. As recomendações ergonômicas manutenção e melhoria, visto que ambos são
ineficientes. O vapor quente escapa em grandes
Com toda a exposição relatada acima, cabem algumas quantidades pelas laterais do exaustor, aumentando a
recomendações. Desordens músculo-esqueléticas temperatura, causando bolhas na pintura das paredes e
relacionadas ao trabalho podem afetar todas as partes ao se condensar pela cozinha, provoca pingos por toda
do corpo, especialmente as regiões dorsal e lombar e o parte. A temperatura de 28oC é inadequada. Seria
pescoço, dependendo das características físicas do necessário medir a umidade do ar e correlacioná-la à
movimento e das características ergonômicas e temperatura. A ventilação pelas janelas é mínima, e
mecânicas das tarefas (CHYUAN, 2004). Assim, faz-se uso de ventiladores móveis e fixos para tentar
primeiramente, ressalta-se o papel da ginástica laboral, aplacar o calor, mas parte destes também está quebrada.
exercícios específicos orientados que visam à Portanto, recomenda-se avaliação quantitativa de calor
promoção da saúde do trabalhador. As sessões duram (temperatura efetiva e/ou índice de sobrecarga térmica).
de dez a quinze minutos e são realizadas no próprio Recomenda-se refazer a grade de escoamento do piso
local de trabalho, antes, durante ou após a jornada de que vive molhado e colocar faixas antiderrapantes. Há
trabalho. Atuam de forma preventiva e terapêutica e necessidade de manutenção hidráulica e elétrica,
trabalham mais o alongamento e relaxamento dos repintura de áreas da cozinha, troca de lâmpadas e
músculos que permanecem contraídos durante as ventiladores quebrados e ou queimados. Recomenda-se
atividades laborais diárias. Seus principais objetivos a avaliação quantitativa de ruído (dosimetria) e
estão voltados para a prevenção da fadiga muscular e reelaboração do mapa de riscos.
articular; correção de vícios posturais; prevenção de
L.E.R; diminuição do absenteísmo e incidências de O treinamento em ergonomia, higiene e saúde
doenças ocupacionais; aumento da auto - estima e ocupacional, uso de EPIs e riscos de acidentes é
disposição para o trabalho; melhora da consciência fundamental e deveria ser feito pelo menos a cada seis
corporal; melhoria da qualidade de vida para o meses.
trabalhador (SANTOS, 2003).
A hidratação dos trabalhadores nesta cozinha é de suma
Um segundo ponto de extrema importância é o longo importância. A temperatura é alta, o ritmo de trabalho é
tempo em pé. As tarefas em posição ortostática devem acelerado e pausas não são adequadas. Pelo menos a
ser intercaladas com tarefas que possam ser executadas cada hora deve-se tomar algum líquido ou isotônico
na posição sentada ou andando, a fim de evitar a fadiga para aplacar as necessidades hidroeletrolíticas do
muscular e prevenir varizes (GRANDJEAN, 1998). organismo. Outro ponto a ser mencionado são as pausas
para ir ao banheiro e instalações adequadas neste
Os equipamentos e utensílios devem ter manutenção aspecto, próximas à cozinha, já que o atual fica na
feita com regularidade e aqueles já muito gastos, entrada do hospital, muito distante, portanto.
pesados, enferrujados, emendados, mal conservados
devem ser eliminados. Em relação ao trabalhador estudado, algumas
sugestões: ao fazer a raladura de legumes, colocar a
O uso de EPIs necessita de conscientização, máquina de ralar no balcão de pré-preparo ao lado da
treinamento e fornecimento. Necessitam-se de pia, subir no estrado e usar o empurrador do aparelho;
máscaras no preparo e servimento dos alimentos para usar uma banqueta para sentar, quando no posto de
evitar contaminação. As luvas deveriam ser fornecidas descascar e cortar os legumes com uso de faca; usar o
e adequadas às atividades, como luvas de malha de aço carrinho para empurrar vasilhas, cubas, panelas mais
para corte dos legumes e luvas próprias para fogão. pesadas ao invés de carregá-las; hidratar-se com
Deveriam ser fornecidas botas confortáveis e freqüência.
impermeáveis já que são muitas as horas de trabalho e
o piso sempre está molhado. Os aventais deveriam ser Recomenda-se a participação dos funcionários nas
resistentes ao calor e impermeáveis, para que o decisões referentes às suas atividades e o fim do desvio
trabalhador ao encostar-se ao panelão para despejar e acúmulo de funções, sendo a contratação de pessoal
alimentos ou limpá-lo esteja protegido. A touca ou um dos primeiros passos para esta mudança. E até isto
gorro deveria ser trocado ou lavado diariamente, já que ocorrer fica a sugestão de mudança de turnos (de 6
com a temperatura elevada no local os trabalhadores horas trabalhadas por 30 de descanso).
suam muito, e a mesma vira um local de acúmulo de
microorganismos. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto aos EPCs, a exaustão e a ventilação são os O serviço de alimentação caracteriza-se por trabalho
primeiros itens a terem de passar por uma completa intensivo com elevadas exigências em relação à
produtividade, realizado nem sempre em condições REFERÊNCIAS
adequadas, com problemas de ambiente, equipamentos
e processos. CHYUAN, J.A. et al. Musculoskeletal disorders in
hotel restaurant workers. Occupational Medicine,
A ergonomia pode contribuir para solucionar um 2004; 54:55 –57.
grande número de problemas sociais, de saúde e de
segurança, promovendo conforto e eficiência. Contribui DUL, J.; WEERDMEESTER, B. Ergonomia prática.
para a prevenção de erros, melhorando o desempenho. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2004. p. 1-4.
Atende a necessidades individuais e coletivas (DUL,
2004). GRANDJEAN, E. Manual de ergonomia: adaptando o
trabalho ao homem. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas,
Observa-se que o trabalho sob condições técnicas e 1998. p.13-26.
organizacionais adequadamente adaptadas, é durável,
não prejudicial, produz reconhecimento, auto-estima e IIDA, I. Ergonomia. Projeto e produção. São Paulo:
maior interação social para o trabalhador e, maior Edgard Blücher, 1990. p.1-15.
produtividade para a empresa.
MATOS, C.H.; PROENÇA, R.P.C. Condições de
Uma vez que a ergonomia tem como principal campo trabalho e estado nutricional de operadores do setor de
de ação a concepção de meios de trabalho adaptados às alimentação coletiva: um estudo de caso. Revista de
características fisiológicas e psicológicas do homem e Nutrição, Campinas, 16(4):493-502, out/dez, 2003.
de sua atividade, então se torna necessário garantir boas
condições de trabalho a esse homem, a fim de manter e MINISTÉRIO DO TRABALHO. Manual de
promover a saúde, bem como obter uma produtividade aplicação da norma regulamentadora nº 17. 2. ed.
desejável (IIDA, 1990). Brasília : MTE, SIT, 2002.

Com o estudo feito pode-se entender que a qualidade de RIO, R.P.; PIRES, L. Ergonomia de Produção. ______
vida no trabalho de forma a proporcionar saúde e bem In. Ergonomia: fundamentos da prática ergonômica.
estar só é possível quando o homem tiver suas Belo Horizonte: Editora Health, 1999. p.13; 119-187.
condições naturais de operação respeitadas.
SANTANA, A.M.C. A abordagem ergonômica como
A ergonomia com seus conceitos antropocêntricos é, proposta para melhoria do trabalho e produtividade
portanto, a chave para as mudanças necessárias dos em serviços de alimentação. Florianópolis, 1996.
processos de trabalho. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção).
Universidade Federal de Santa Catarina.
AGRADECIMENTOS
SANTOS, J. B. dos. Programa de exercício físico na
Às trabalhadoras do restaurante universitário, por nos empresa: um estudo com trabalhadores de um centro
conceder tempo, atenção, entrevistas e imagens de informática. Florianópolis, 2003. 97f. Dissertação de
valiosas à realização deste trabalho. À Professora Mestrado em Engenharia de Produção. Área de
Leandra Ulbricht pela colaboração e correção do Ergonomia. Universidade Federal de Santa Catarina.
trabalho. À arquiteta Clarice Dib Belomo pelos croquis.

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