RESUMO:
O artigo apresenta e discute uma taxonomia de necessidades de saúde criada para analisar como o PAS estava sendo
operacionalizado em uma unidade básica de saúde no município de São Paulo. A taxonomia foi construída em torno de
quatro conceitos: necessidade de boas condições de vida; necessidade de ter acesso garantido a todas as tecnologias de
atenção à saúde que melhorem e prolonguem a vida; necessidade de ter vínculo com uma equipe ou profissional de saúde e
necessidade de ter autonomia “no modo de andar a vida”. Os conceitos utilizados na taxonomia foram reconceitualizados a
partir de um “di|logo” eclético com v|rios autores e correntes de pensamento. A taxonomia foi potente para analisar a UBS,
revelando o quanto as necessidades de saúde são atendidas de maneira muito precária dentro do PAS. Esta taxonomia tem
sido testada e aperfeiçoada em outros serviços, com o propósito de “alargar a agenda” de serviços oferecidos pelas equipes
de saúde para os usuários.
ABSTRACT
The article presents and discusses a taxonomy of necessities in health. This taxonomy was brought about in order to analyze how
the PAS project was operationalized in one Health Basic Service in the city of São Paulo, Brazil. The taxonomy was built based on
the following four concepts: the necessity of good living standards; the necessity of obtaining granted access to all health
attention technologies when related to life betterment and progression; the necessity of being connected to a health team or a
health professional and the necessity of one being autonomous in his/her private life. The concepts which are used in the
taxonomy were eclectically re-conceptualized as they were put into contact among several authors and different ways of
thinking. The taxonomy was a potent one in terms of analyzing the Health Basic Service. It revealed how much the necessities in
health are carried out in an extremely precarious way within the PAS. This taxonomy has been tested and improved in other
services, with the purpose of “enlarging the agenda” of the services which health teams usually offer.
1. Introdução: a taxonomia de necessidades de saúde e as reflexões apresentadas neste artigo fazem parte de uma
investigação que teve como objetivo avaliar o que estava acontecendo, na prática, com a operacionalização do Plano de
Atenção à Saúde (PAS) em uma unidade básica de saúde (UBS) no município de São Paulo. É claro que este tipo de avaliação
da operacionalizaç~o de um serviço de saúde poderia ser feito a partir de v|rias “óticas”: como est| sendo a gest~o dos
recursos humanos, uma análise de eficiência (custos X produção) ou, quem sabe, como a participação dos usuários na gestão
está ocorrendo. Uma outra possibilidade seria a análise da UBS a partir de um determinado modelo assistencial de saúde.
Optou-se por utilizar o atendimento das necessidades de saúde (NS) como “analisador” dos usu|rios, uma vez que os autores
acreditam que a avaliação do quanto as NS estão sendo consideradas (ou não) na operacionalização do PAS dão um lugar
central para os usuários, razão última de ser dos serviços de saúde. Para tanto, uma discussão mais conceitual sobre NS foi
tão necessária como tentar operacionalizar uma certa taxonomia de NS que permitisse a análise da UBS pesquisada.
Neste percurso teórico, este trabalho é devedor da excelente investigação realizada por Eduardo Navarro Stotz, em sua tese
de doutorado “Necessidades de Saúde: mediações de um conceito”, tanto pela exaustiva revisão teórica que faz sobre o
tema como pela indicação que faz da possibilidade da construção de uma determinada taxonomia de necessidade de saúde
como instrumento de investigação.
A presente investigação, de uma maneira bem sintética, adotou as seguintes conclusões teóricas do autor:
a) Embora a Saúde seja um bem coletivo, que diz respeito a toda a sociedade, a doença tem características individuais. A
dimensão social dos fenômenos da saúde é a síntese das exigências, das condições particulares da cada homem ou
mulher.
b) As necessidades de saúde são sempre históricas, dinâmicas e cambiantes.
c) As necessidades de saúde têm um componente de natureza subjetiva e individual, o que significa admitir,
explicitamente, o valor e as implicações decorrentes deste valor: o individual.
d) Necessidade de saúde n~o é um conceito suscetível de ser defendido nem pelo indivíduo isolado “livre”, abstraído de
suas relações sociais, concretas, nem pela “estrutura” social colocada de uma forma genérica.
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Publicado em PINHEIRO R; FERLA A F; MATTOS R A (orgs.). Gestão em Redes: tecendo os fios da integralidade em saúde. Rio Grande do Sul:
Rio de Janeiro: EdUCS/UFRS: IMS/UERJ: CEPESC, 2006. 112p. ISBN: 85-89737-29-2.
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2. Apresentação e Discussão da Taxonomia de Necessidades de Saúde construída pelos autores e utilizada na
investigação.
Partimos da idéia defendida por Stotz sobre a utilidade de se trabalhar com uma certa taxonomia de necessidades de saúde
que fosse mais “operacional” enquanto instrumento de pesquisa. O autor defende a idéia de que conceitos descritivos e
operacionais adotados em uma determinada taxonomia “precisam ser reconceitualizados para poderem exprimir a dialética
do individual e do social” (Stotz, 1991: 136). Esta foi nossa pretens~o: assumir uma dada taxonomia de NS construída com
determinados conceitos descritivos e operacionais e fazer um esforço por reconceitualizá-los, com base em vários enfoques
teóricos. Adotamos uma taxonomia de Necessidades de Saúde que “dialoga” com distintos enfoques e perspectivas de
necessidades de saúde desenvolvidas pelos autores, baseados em múltiplas perspectivas teóricas. É uma taxonomia
intencionalmente eclética.
Para Stotz, “apesar da crítica geral às teorias centradas no sujeito individual, abstraído de suas relações sociais e
desistorizadas”, [o que têm que considerar é ] que “esta vertente liberal-democrática elaborou conceitos operacionais que dão
conta da diversidade de situações e de posições do sujeito social.” (Stotz, 1991: 63-64). E a taxonomia das necessidades de
saúde desses autores (os funcionalistas), constitui “a forma de colocar o problema da contradiç~o que permeia a relaç~o de
uma sociedade baseada no mercado e a intervenç~o do Estado, sob o prisma, obviamente da teoria marginalista” (Stotz, 1991:
64).
Nossa aposta é a de que a utilização de uma determinada taxonomia mais operacional de NS teria potência para responder às
perguntas da investigação, em particular, tentar verificar o quanto as NSs estavam sendo consideradas na operacionalização
do PAS em uma UBS no município de São Paulo. Como afirma Stotz, “simplesmente porque agora se trata de demonstrar que a
teoria é capaz de orientar a investigação. Melhor dizendo, queremos saber como o conceito de necessidade de saúde,
delimitado teoricamente (...) pode ser útil no processo de conhecimento” (Stotz, 1991: 137). Também esta foi a pretens~o dos
autores. Essa taxonomia tentou dar conta de vários aspectos ou enfoques de NS trabalhados em distintos campos teóricos
como o funcionalismo e o marxismo, mas é muito devedora, em particular, das idéias desenvolvidas no Departamento de
Medicina Preventiva e Social da Unicamp no debate sobre modelos assistenciais.
III. Necessidade de ter vínculo com um profissional ou uma equipe de saúde (sujeitos em relação)
A necessidade de ter vínculo com um profissional ou com uma equipe de saúde é trabalhada por Sousa Campos e Merhy no
modelo tecno-assistencial “Defesa da Vida”, tal qual vem sendo desenvolvido pelo Laboratório de Planejamento (LAPA) do
Departamento de Medicina Preventiva e Social da Unicamp.
Sousa Campos enfoca que “as vi|veis alterações fundamentais na pr|tica clínica”, reforçam a idéia do “vínculo
profissional/equipe de saúde com o paciente como um dos instrumentos capazes de potencializar transformações nessa
pr|tica”. Refere que “a idéia do vínculo prende-se tanto à busca de maior eficácia (aumento do percentual de curas), como à
noção que valoriza a construção de espaços propícios à produção de sujeitos autônomos: profissionais e pacientes. Ou seja, só
há vínculo entre dois sujeitos, quando se exige a assunção do paciente à condição de sujeito que fala e julga, sem o que não se
estabelecerão relações profissional/paciente adequadas” (Sousa Campos in Cecílio, 1994: 53).
Segundo Sousa Campos, a eficácia da Clínica e da Saúde Pública ser| resgatada somente pelo “restabelecimento da arte de fala
e da escuta entre profissionais e paciente, entre equipe e família, entre instituições médico sanit|rias e sociedade (...)” (Sousa
Campos in Cecilio, 1994: 55).
Para o mesmo autor, a noção de vínculo também é originária da prática clínica liberal. E há possibilidades de “incorporaç~o
crítica” de mais um conceito tradicional, que poderia estar cumprindo “dois objetivos na reforma dos serviços públicos:
aumentar a eficácia das ações de saúde, já que o vínculo pode ser considerado um dos elementos essenciais para a instituição
de uma pr|tica de qualidade”, e poderia assim introduzir no serviço público “uma das formas de controle social mais efetivo
experimentado, o controle realizado pelos próprios interessados, no mesmo momento em que os cuidados estão sendo
produzidos” (Sousa Campos in Cecilio, 1994: 63).
Campos trabalha, também, com a noç~o de vínculo doente/família como responsabilidade de uma equipe, em que “(...) o
vínculo do doente/família não ocorreria exclusivamente de um único profissional, mas com uma dada equipe localizada em
um certo serviço”, ficando caracterizado quem é “o respons|vel por cada tarefa, por cada situaç~o de rotina ou imprevista”
(Sousa Campos in Cecilio, 1994: 63). E, durante este processo, deveria ser criado um contrato que institui este vínculo, este
contrato seria diferente do econômico profissional instituído pelas clínicas privadas; no serviço público, poderíamos trabalhar
com “um contrato de cuidados, de direitos e deveres do paciente/família e da equipe de saúde.” O contrato significa “a
explicitação de um certo projeto terapêutico, onde sejam considerados elementos técnicos, as possibilidades de acesso, de
interc}mbio usu|rio/serviço, etc.” (Sousa Campos in Cecilio, 1994: 63).
Para Merhy, é “no cotidiano dos nossos trabalhos e na coletivizaç~o da gest~o dos nossos serviços, (...), construindo um novo
proceder em saúde que se orienta pela construção de um vínculo efetivo entre os usuários e trabalhadores na busca da
garantia do acesso dos usuários às ações de saúde, oferta de múltiplas opções tecnológicas para enfrentar os diferentes
problemas de saúde (...)” (Merhy in Cecilio, 1994: 124).
Esta idéia de necessidade de criação de vínculo tem sido muito trabalhada no Programa da Saúde da Família.
O Ministério da Saúde considerando que as reformas administrativas, políticas e organizativas do setor saúde não se
concretizaram na transformação da prática sanitária brasileira em seu plano de Ações e Metas Prioritárias, vislumbra as
estratégias de Saúde de Família e Agentes Comunitários de Saúde como meios possíveis no processo de reorganização da
atenção básica em saúde (MS, 1997), com forte ênfase na idéia de criação de vínculos e de responsabilização, da equipe, por
grupos populacionais bem definidos.
Segundo o documento do Ministério da Saúde, 1994, a implantação do Programa de Saúde da Família tem como objetivo geral
“melhorar o estado de saúde da populaç~o, mediante a construç~o de um modelo assistencial de atenç~o baseado na
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promoção, proteção, diagnóstico precoce, tratamento e recuperação da saúde em conformidade com os princípios e diretrizes
do SUS e dirigidos aos indivíduos, { família e { comunidade”.
Em 1996, num segundo momento, o Ministério da Saúde elabora um novo Documento, reiterando os propósitos do primeiro.
Passa a considerar a estratégia da Saúde da Família não mais como um programa, na tradiç~o corrente, ou seja, a “Saúde da
Família não é vista como uma estratégia paralela na organização dos serviços, mas como uma proposta substitutiva, de
reestruturação do modelo com novas dimensões técnica, política e administrativa, compreendida através da mudança do
objeto da atenção, forma de atuação e organização geral dos serviços, reorganizando a prática assistencial em novas bases e
critérios” (MS, 1997).
Outra questão considerada importante está no trabalho inter e multidisciplinar, explicita-se, não se trata de médico de família,
mas de equipe de saúde da família. A importância estratégica do Programa de Saúde da Família situa-se no fato dele conseguir
ser a porta de entrada do sistema, que não seja isolada do restante do sistema, pelo que foi colocado a seguir: “Tecnicamente,
a unidade de saúde da família passa a ser a porta de entrada do sistema, com a oferta de um atuação sanitária que incorpora a
atenção médica tradicional à uma lógica de promoção à saúde. A unidade se insere no sistema de saúde de forma orgânica e
n~o isolada, isso significa se responsabilizar com todos os nós do sistema, sendo parte crítica de sua organizaç~o” (MS, 1997).
Define-se um modelo de atenção que pressupõe o reconhecimento da saúde como um direito de cidadania, expresso nas
melhores condições de vida. Com relação à área de saúde, essa melhoria deve ser traduzida em serviços mais resolutivos,
integrais e, principalmente, humanizados. E a isso se acrescenta o empenho na intersetorialidade, e o estímulo à organização
da comunidade, buscando o controle social.
No Programa de Saúde da Família, “propõe-se a busca da integralidade da assistência, respondendo à demanda espontânea de
forma contínua e racionalizada.” Outra distinç~o entre o modelo dominante nas práticas de atuação na saúde, trata-se do
objeto de aç~o de saúde, “enquanto no modelo hegemônico percebe-se um processo de objetivação do indivíduo, que se torna
passível de atuação basicamente medicalizada e individual, no PSF se pretende tratar do indivíduo como sujeito, integrado no
seu contorno, a partir de ações que valorizem essa dimens~o mais globalizante” (MS, 1996).
IV. Necessidade de Autonomia e Autocuidado na construção do “modo de andar a vida”(a construção do sujeito)
Sousa Campos (1994), partindo das idéias de Canguilhem, reflete que “curar alguém seria sempre lutar para ampliaç~o do
Coeficiente de Autonomia dessa própria pessoa” e que “o objetivo de todo trabalho terapêutico é ampliar a capacidade de
autonomia do paciente” para “melhorar seu entendimento do próprio corpo, da sua doença, de suas relações com o meio
social e, em conseqüência, da capacidade de cada um instituir normas que ampliem as possibilidades de sobrevivência e a
qualidade de vida” (Sousa Campos, in Cecilio, 1994: 50). Nesta medida, tal projeto pressupõe “demonstrar que a passividade
do paciente ou da comunidade é, em geral, um empecilho à cura, à prevenç~o e { promoç~o { saúde”, que esta é uma “forma
mais contundente do combate à medicalização do que a introdução no discurso da saúde, e (...) nas práticas médicas, do tema
do Autocuidado”, toda aç~o deveria ser avaliada por “sua capacidade de influenciar o coeficiente de Autonomia dos pacientes”
(Sousa Campos in Cecilio, 1994: 51).
Sousa Campos reflete que viver, em qualquer circunst}ncia “só se consegue gastando a vida, gastando saúde” e baseando-se
em Canguilhem que afirma que “saúde seria exatamente essa maior disponibilidade de escolher entre v|rios modos de andar
a vida, e a doença seria a redução dessas possibilidades, e a morte zero absoluto de escolha entre riscos, a almejada condição
idealizada do risco nulo de adoecimentos” (Sousa Campos in Cecilio, 1994: 54).
Sousa Campos pondera sobre o objetivo das instituições em ampliar a capacidade de autonomia do paciente. Para que este
objetivo seja cumprido, é necess|rio compreender “que a doença ou risco de adoecer pode cobrar das instituições um apoio
de longo curso”. E para “a construç~o desta autonomia, o paciente ‘curado’ depende de uma combinação de técnicas de apoio
individual (fármacos, atenção clínica, acesso às informações, reabilitação física, referência em [casos de] crises), com outras
de feição mais sociocultural (socialização, capacitação para o trabalho, para a convivência, para viver em um mundo de
conflitos e disputas)”. Portanto deve ser repensada a “desinstitucionalizaç~o e a desmedicalizaç~o”. Reafirma o “projeto de
justiça humana de defender os menos iguais, os menos aptos, para que consigam sobreviver aos ritmos e embates da
concorrência inerente { civilizaç~o capitalista” (Sousa Campos in Cecilio, 1994: 60-1).
A necessidade de autonomia é muito trabalhada no campo da Educação em Saúde.
Stotz nos esclarece que “a forma renovada do positivismo, o marxismo, e a fenomenologia constituem as linhas fundamentais
do pensamento que informam as abordagens de educaç~o e saúde”. Estas poderiam ser classificadas em quatro vertentes
“filosóficas”, a saber: enfoque educativo, de desenvolvimento pessoal, radical e preventivo (Stotz, 1993: 15)
No enfoque educativo, seus defensores enfatizam “o lugar do indivíduo, sua privacidade e dignidade”, propondo no campo da
aç~o o princípio “da eleiç~o informada sobre os riscos { saúde”. O sujeito da aç~o é o educador, que deve “compartilhar e
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explorar as crenças e os valores dos usuários dos serviços a respeito de certa informação sobre o serviço, bem como discutir
suas implicações pr|ticas”. Este enfoque “pressupõe simplesmente a demonstração de que o usuário tenha uma compreensão
genuína da situaç~o” (Stotz, 1993: 16).
O enfoque de desenvolvimento pessoal “adota em linhas gerais, as mesmas proposições do educativo, aprofundando-as no
sentido de aumentar a potencialidades do indivíduo”. É essencial, “facilitar a eleiç~o informada, desenvolvendo destreza para
a vida, a exemplo da comunicaç~o, da gest~o do tempo, de ser positivo consigo mesmo e de saber trabalhar em grupos” (Stotz,
1993: 16).
De uma forma geral, segundo Stotz, os dois enfoques anteriores “pressupõem indivíduos livres e em condições de realizar a
‘eleiç~o informada’ de comportamentos ou ações”. Para o autor, “o enfoque de educaç~o sanit|ria dominante nos serviços de
saúde é o preventivo” cujos pressupostos b|sicos s~o o de que “o comportamento dos indivíduos est| implicado na etiologia
das doenças modernas (crônico degenerativas), comportamento visto como fator de risco (dieta, falta de exercício, fumo, etc.)
e também o de que os gastos com a assistência médica têm alta relaç~o em termos de custo benefício” (Stotz, 1993: 17-18).
Apesar deste enfoque, prevalece a idéia de que “a medicina curativa teria fracassado ao lidar com os problemas de saúde
comunitária, a educação orienta-se segundo o ‘modelo médico’.” Elabora-se assim, uma série de programas cujo conteúdo é
extraído da clínica médica e da epidemiologia. A etiologia das doenças e os “fatores de risco” s~o abordados pela educaç~o
sanitária preventiva. Cabendo dentro desta perspectiva, persuadir as pessoas a modificarem os padrões comportamentais e
os de doença (Stotz, 1993: 18).
Segundo Stotz, os enfoques até aqui expostos baseiam-se na “assunç~o da responsabilidade individual sobre a aç~o e no
aperfeiçoamento do homem através da educaç~o” (Stotz, 1993: 18). O enfoque radical, por outro lado, parte do propósito de
que “as condições de vida e estrutura social s~o causas b|sicas dos problemas de saúde”, cujos defensores s~o “os herdeiros
da medicina social do século XIX (Neumann, Virchow e Guérin), que se colocavam, via de regra, na perspectiva educativa
orientada para a transformaç~o das condições geradoras de doenças”. A educaç~o sanit|ria, neste enfoque, é visualizada como
“uma atividade cujo intuito é o de facilitar a luta política pela saúde”, sendo a luta política no }mbito da aç~o, envolve o Estado.
A intervenção pelas “medidas legislativas, normativas e outras pode modificar as condições patogênicas”. Só assim, acreditam
os apoiadores deste enfoque radical, pode possibilitar “escolhas que conduzem { saúde (Vuori) ou superar enfoques que
culpabilizam a vítima (Navarro)”. Em funç~o das próprias premissas, nota-se que o “enfoque radical assemelha-se ao
preventivo quanto { relev}ncia da persuas~o como princípio orientador da aç~o educativa” (Stotz, 1993: 18).
Stotz conclui que “a necessidade de combinar enfoques diferentes (...), de procurar uma síntese que incorpore aspectos de
distintas abordagens, resulta da própria natureza do ‘objeto’ com que lidam os educadores sanit|rios”. E enfatiza que “os
educadores (...) dirigem-se a indivíduos que para enfrentar os seus problemas devem agir como sujeitos de suas próprias
vidas e, para tanto, adquirir consciência da ampla tessitura social na qual est~o inseridos” (Stotz, 1993: 19).
Mills, citado pelo autor, definiu a “imaginaç~o sociológica”, que deveria ser aplicada criativamente na saúde pública, o que na
realidade seria “saber relacionar a vida dos indivíduos (suas experiências, valores e expectativas), com o tempo histórico da
sociedade, em sua estrutura, din}mica e representaç~o” (Stotz, 1993: 20).
Cabe ressaltar a import}ncia dos educadores sanit|rios, pois as “relações entre o indivíduo e social n~o s~o facilmente
percebidas e compreendidas pelos indivíduos”. Ressalta que “a dimens~o do sofrimento individual e do direito da pessoa {
saúde não deve ser secundarizada (ou mesmo esquecida) pela ênfase dada ao caráter social da doença e das necessidades de
políticas públicas na |rea da saúde” Citando Sousa Campos refere que “as necessidades de saúde s~o (...) necessidades de
milhões de indivíduos e, ao mesmo tempo, necessidades coletivas” (Stotz, 1993: 20-1).
Stotz, citando Brown, refere ao que este autor chama de “abordagem ‘ecológica’: educaç~o e saúde (saber) e educaç~o
sanitária (prática) devem facilitar as capacidades dos indivíduos e dos grupos sociais para terem o máximo poder sobre as
suas vidas” (Stotz, 1993: 21).
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