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Oespetéculo das ragas: Governo e da Sociedade civil no enfrentamento das questées relacionadas & infancia e Adolescéncia. Compreender e analisar os interesses em jogo na operacionalizagdo ou na difusa operacionalizagao do Estatuto da Crianga como a dificuldade de implantagio dos Conselhos de Direitos e Tutelares, 0 (des)compromisso dos poderes constituidos, parece ser fundamental para o entendimento do quadro social da infancia presente nesse final de milénio. A leitura do texto de Nogueira traz para nés a contemporaneidade dos aspectos da infancia por ela analisados em Marx ¢ Engels e nos incita a querer entender melhor estado de coisas. - O ESPETACULO DAS RAGAS: CIENTISTAS, INSTITUICOES E QUESTAO RACIAL NO BRASIL 1870 - 1930 Graziela Serroni Perosa MORITZ SCHWARCZ, L. O Espetéculo das Ragas: Cientistas, Instituigdese Questdes Racial no Brasil 1870 - 1930. Sio Paulo: Companhia das Letras, 1993. Estudo de uma antrop6loga, 0 livro traz uma contribuigao aos educadores. Trata-se de uma andlise sobre as idéias produzidas pelos intelectuais durante o periodo de 1870 1930 visando explicar a "nagdo” brasileira. O percurso percorrido pela autora nos dé a exata dimensio de como "é complexa a vida das idéias". O trabalho destaca-se por fugir de explicagao facil de que as idéias dos intelectuais brasileiros devem ser entendidas como mera cépia da producio_ tedrica internacional. Ao contrério, hé autencidade ¢ originalidade na apropriagao de modelos tedricos. Dividido em seis capitulos e mais a introduco e um t6pico conclusivo, o livro traca uma espécie de cartografia do debate intelectual de seu perfodo. Tal debate tinha como misao explicar a sociedade brasileira, as diferengas sociais precisavam ser devidamente justificadas em uma sociedade que, a partir da virada do século, se pretendia igualitaria. Encontramos descritas, as idéias pilares do pensamento nacional, destacando-se a questdio racial que se tomaré. um argumento central no entendimento das diferencas sociais, agora demandando explicagao. Na introdueao, j4 aparece um paradoxo deste debate intelectual. A compreensio sobre a nagdo brasileira fundava-se em dois modelos distintos: em primeiro lugar, 0 liberalismo figurava como esperanga de progresso. Em segundo lugar, o racismo como explicagio de desigualdades sociais. primeiro aposta no individuo e 0 segundo aprisiona este ao grupo social, aqui entendido como raga. Para tecer 0 argumento baseado na idéia de raga, os intelectuais brasileiros nao ~—_apenas importaram teorias raciais em voga na Europa, como também recriaram combinaram de maneira inusitada tais idéias. Em “homens da sciéncia", capitulo 1, temos uma caracterizagio da elite intelectual do periodo, e ainda, as semelhangas ¢ diferengas observadas em alguns dos principais centros cientificos do pais. Um mesmo objetivo parece atravessar diferengas observadas em cada um deles: estes homens tomavam para si missio de criar uma meméria para o pais. Além disso, de norte a sul, © evolucionismo, determinismo e darwinismo social constitufram a base para a explicagao de diferengas sociais. Também compartilhavam a {€ na ciéncia e no progresso, Tais premissas _tedricas orientaram a compreensdo de uma nacio que se pretendia moderna e civilizada. O resultado foi uma Ieitura pessimista: a ers miscigenacdo foi apontada como grande problema e tida como uma caracterfstica que inviabilizaria os sonhos de progresso e civilidade, a mesticagem foi entendida como degenerativa. Em "Uma hist6éria de diferengas e desigualdades", a autora discorre sobre teorias raciais difundidas durante o sé. XIX. Na Europa, os “homens da sciéncia" voltam seus olhares sobre a descoberta de diferentes povos presentes no mundo, desenvolvendo explicagées cientificas para as variagdes encontradas. E foi assim, que as incursdes por outros cantos do mundo, levaram estes homens a classificar todo "material" encontrado. Os povos mais diversos, passaram a ser considerados selvagens & espera de quem os civilizasse. Neste perfodo emerge o termo raga, ligada 4 tendéncia de classificar e ordenar as diferengas encontradas entre os homens Trata-se de uma reagdo a valores de inspiragao humanista, difundidos durante a Revolucao Francesa. A critica ao modelo darwinista vird a partir dos anos 30 deste mesmo século e dard origem aos estudos culturalistas, bem como & nogio de relativismo cultural Nos capftulos 3 e 4 a autora analisara o impacto destes modelos teéricos nos museus etnograficos e nos institutos histéricos e geograficos mais importantes do pats. Através da leitura das publicagdes destes centros, distingue —similaridades_ singularidades encontradas, bem como 0 debate entre eles. O idedrio presente nos museus esté bem resumido no subtitulo: "Polvo é povo, molusco também é gente”. A partir de modelos explicativos da biologia animal, estudavam os homens e IS diferengas. "Guardides da historia oficial” € 0 subtitulo do capitulo 4, e assim como 0 anterior, refere-se ao ideal no qual estes homens miravam suas priticas. zm "As faculdades de Direito ou Os eleitos da nagéo", autora recorre as Pro-Posigdes Vol. 5 N° 2[14] * Julho de 1994 publicacées das faculdades de Direito de Sao Paulo e Recife. A primeira tem como mara a crenga no ideario liberal, a segunda preocupou-se diretamente com a questdo racial. Em Recife, a crenga baseava-se na idéia de uma mestigagem “modeladora ¢ uniformizada", Em Sao Paulo, a luz no fim do tine! era um Estado liberal, capaz de garantir a igualdade de oportunidades a todos. Entretanto, ambas mantinham a crenga no Brasil e principalmente na missdo que cabia aos juristas brasileiros. Em "As faculdades de medicina ou como sanar um pats doente", através das publicagdes e documentos das faculdades do Rio de Janeiro e da Bahia, a autora mostra como os novos doutores tomam para si a questio racial. Para os baianos, a mistura de ragas gerava uma populacdo doente; para os cariocas, 0 convivio de tantas ragas diferentes originava doengas tropicais. Para além das especificidades, em ambas as escolas, 0 tema racial foi central. Para Schwarez, o Brasil foi antes de tudo, entendido e explicado através do conceito de raga ¢ nao a partir de modelos econdmicos, politicos e/ou sociais, Apenas a partir de 1930, este eixo comega a ser deslocado; em seu lugar ganha forca 0 modelo eugenista de andlise que ira separar a populagao em "enfermos" e "sdos". Aos poucos, se intensifica a idéia de um Brasil doente, necessitando de uma politica de higienizagao, través de andlise da tragetdria deste debate intelectual, é possivel reconhecer o percurso do modelo higicnista no Brasil, fonte das profissdes assistenciais no pafs. A higienizacao estaré sempre associada & pobreza e aos negros, Esta populagdo deveria deixar de viver como vivia. A transformagao de culturas atrasadas em culturas adiantadas, deveria se dar através do saneamento e da higienizagio. Segundo a autora, 0 papel desempenhado pelas teorias raciais, foi o de enfraquecer um outro debate: o da 85 Por entre as pedras .. cidadania. Tal debate nao chega a se constituir, permanecendo, sim, uma combinagdo paradoxal de liberalismo com racismo. Na verdade, este debate foi uma tentativa de naturalizar as diferencas em uma sociedade formalmente igualitéria. Pessimista em sua origem, a explicagao caleada na raga cede espago para a explicagilo fundada na idéia de higiene. As teorias raciais puras levaram os intelectuais brasileiros a um beco sem safda. As politicas educacionais surgiram neste contexto e carregaram as marcas deste pensamento. As rafzes hist6ricas das explicagées sobre o fracasso escolar, por exemplo, podem ser encontradas neste debate. Na verdade, elas permanecem calcadas em teorias raciais e na idéia de higienizagao da sociedade. Muitas vezes, as origens tormam-se opacas pela alteragao de nuances. Outras vezes, sem qualquer esforgos do pensamento, _ podemos reconhecé-las. Espetdculo das Ragas possibilita este reconhecimento © a compreensio da filiagdo hist6rica de muitas idéias atuais. POR ENTRE AS PEDRAS: ARMA E }ONHO NA ESCOLA Ana Beatriz Cerisara KRAMER, S. Por entre as pedras: Arma e sonho na escola. S40 Paulo: Editora Atica, nes A. leitura e releitura do livro - inicialmente tese - da Sonia deixou muitas sensagdes e marcas em mim professora- pesquisadora-leitora, Nao sei bem como explicar 0 que mais me prendeu e acabou por fazer com que no terminasse a leitura deste livro do mesmo jeito que comecei ‘Mas em qué exatamente reside a novidade? Sera na agradavel surpresa de ver um texto para educadores escrito com paixio ¢ esperanga, sem que o rigor tedrico tenha sido abandonado? Ou sera na sensagao de ter percorrido caminhos que levam da filosofia para a sociologia, passando pela histéria, ao mesmo tempo em que vemos as hist6rias do cotidiano escolar sendo narrada em uma linguagem carregada de parceiros da melhor literatura? Poderia ser também pelo fascinio que tanto "as dobras da reflexio, 0 cotidiano da escola" (parte 1) quanto as "dobras do cotidiano da escola, a teflexao teérica" (parte II) vao exercendo sobre leitor? Ou ainda o deleite em passear por um texto que o tempo todo exige a presenca do leitor, seja para assumir © papel de critico ou de ciimplice da autora? Foi estranho, talvez um pouco melancélico, perceber a minha faceirice quando, ao abandonar a leitura do livro para escrever estas "mal-tracadas-linhas", constatei que havia tomado um banho de tefinamento e de simplicidade, de leveza e rigor teérico-literdrio e eu nem estava lendo um romance ou uma obra de fico, mas um livro para e da escola, para e dos professores. O porqué da estranheza vocés vio poder conferir-concordar-discordar depois de ler o livro; eu me atreveria a dizer que parte dessa sensaco se deve ao fato de 0 texto da Sonia ter conseguido materializar aquilo sobre o que ela "tematizou", ou seja, anecessidade de encararmos 0 saber néio s6 na sua dimensio cientifica, mas também na sua dimensao cultural, poética, artistica como estratégia contra a cristalizagao da nossa linguagem e da nossa pritica pedagégica. Sao palavras dela: E de erotizagiio do conhecimento que falo, de valorizagio do saber cientifico ¢ do nao- cientffico como pedras preciosas do fazer e do querer humanos, Pois quem mais conhece, senaio © homem? Quem mais conhece a si préprio e fala asi de si, sendio o homem? Quem mais se faz sujeito no coletivo, senao o homem, ¢ gragas 86

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