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MOSAICO

A REVISTA DE PESQUISA DA ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS DA UNIFEV V. 1 N°1 JAN/JUN DE 2006

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www.unifev.edu.br
A REVISTA DE PESQUISA DA ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS DA UNIFEV V. 1 N°1 JAN/JUN 2006

Mosaico: Revista de Pesquisa da Área de Ciências Humanas/UNIFEV-


Centro Universitário de Votuporanga.- v. 1, nº 1 (jan./jun.,2006)-
Votuporanga, SP: UNIFEV, 2006-

Semestral

1. Ciências Humanas- Periódicos. I.Centro Universitário de Votuporanga.

CDD 050

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A REVISTA DE PESQUISA DA ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS DA UNIFEV V. 1 N°1 JAN/JUN 2006

Votuporanga, SP, Brasil Semestral

Volume 1 Número 1 Jan/Jun 2006

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A REVISTA DE PESQUISA DA ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS DA UNIFEV V. 1 N°1 JAN/JUN 2006

Expediente
Conselho Editorial Interno
Profº M.Sc. Rogério Rocha Mattaruco
Profº M.Sc. Rogério Rodrigues de Souza
Profª M.Sc. Ana Maria Mateus Martins

Conselho Executivo
Médico Veterinário Celso Luiz Alvez dos Santos
Presidente da FEV
Prof. Dr. Marcelo Ferreira Lourenço
Reitor da UNIFEV
Prof. Dr. Marcelo Casali Casseb
Pró-Reitor Administrativo da UNIFEV
Prof. Dr. Luís Paulo Barbou Scott
Coordenador de Pesquisa UNIFEV

Produção
Revisão de texto : Prof. Dr. Valdomiro Ribeiro Malta;
Prof. M.Sc. Edson Roberto Bogas Garcia; Prof. Paulo
Rogério Ferrarezi.

Projeto Gráfico: Profa. M. Sc. Fátima Santos


Diagramação: Franciele Alves Bertol

Impressão Gráfica UNIFEV


Capa papel couchet 240 gramas;
Miolo em papel couchet 90 gramas.

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Sumário
Apresentação ............................................ 7

...Nesta Democracia: Uma concepção


contemporânea ......................................... 9

Edição: Semelhança e verossimilhança na poética de


aristóteles .............................................. 15

Arquitetura Contemporânea no Brasil ..... 23

Da Praça Medieval à Carnavalização do Espa-


ço Público .............................................. 27

A Interação Pesquisa - Estágio na Formação


Profissional do........................................ 33

“Práticas Investigativas em Educação Quími-


ca”: relato de uma experiência na disciplina
de Didática ............................................. 39

O ser humano: O protagonista ................ 47

Uma contribuição das ciências cognitivas


para a avaliação institucional ................. 53

Instruções aos Autores ........................... 62

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Apresentação

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Escrever não é simplesmente um ato mecânico de borrar o espaço de uma folha em branco ou de preencher as
linhas de um caderno pautado. O exercício requer reflexão e pesquisa sobre a própria arte da escrita: o que ela significará
e o papel que poderá desempenhar para o enriquecimento de uma cultura ou de um ser (que sempre será único, apesar de
quererem fazê-lo massificado!).
A partir dessa premissa, nota-se a importância que um texto possui. Ele pode unir pessoas, mas, ao mesmo tempo,
promover a incompreensão entre povos e a falta do abraço que acabaria com pretensas guerras e mortes. A linha entre a
vida e a literatura, enfim, é muito tênue e, às vezes, questionamos se o espelho reflete nossa verdadeira imagem ou se ele
revela o que deseja nossa imaginação.
Para quem trabalha também com a palavra escrita, mudar a vida, a cada dia, deve ser um exercício constante e
prazeroso de estabelecimento de diálogos possíveis com a sociedade, deixando a intenção de que se pode mudar ou
ratificar alguns conceitos e não morrer no atavismo que nos faz voltar à concepção de homens que sobrevivem de e para
o imediatismo de idéias sem análises e sem comprometimento com o saber.
A revista Mosaico – pesquisa em Ciências Humanas e Humanas Aplicada do Centro Universitário de Votuporanga
– Unifev, nessa linha de raciocínio, traz artigos que nos induzem a ponderar temas contemporâneos no âmbito político,
arquitetônico, literário e didático. Bela demonstração do princípio inerente à educação: a pesquisa e a preocupação com
as novas descobertas.
A participação cada vez mais profícua dos docentes tem demonstrado o apoio ao desenvolvimento de práticas
histórico-pedagógicas a partir de experiências possíveis somente pela dedicação em produzir materiais que contribuam
para o aperfeiçoamento de nossa Instituição, compreendida como um todo, pois não há um estabelecimento de ensino se
não há unanimidade em aceitá-la como berço de nossas iniciativas de produção.
Aos professores, nossos agradecimentos por acreditarem mais uma vez que as árvores dão frutos e as portas têm
obrigação de se abrirem mais e mais. Aos docentes que, no futuro, pretendem fazer parte de nossas publicações, fica o
convite a novos desafios.
Dessa forma, esperamos contribuir para o estabelecimento de um diálogo cultural cada vez mais aberto com a
participação de toda a sociedade.

Prof. M. Sc. Edson Roberto Garcia Bogas


Revisor de textos

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Democracia: Uma concepção contemporânea


Eder Aparecido de Carvalho*
Bacharel em Serviço Social pelo Centro Universitário de Votuporanga (Unifev);
mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar);
Professor de Filosofia, Sociologia e Ética pela Faculdade de Ciências Gerenciais de Votuporanga.

Resumo

O presente texto questiona o conceito de soberania popular idealizada pela doutrina clássica, uma vez
que segundo a concepção realista, que emerge na passagem do século XIX para o século XX, a democracia
deixou de ser uma forma de organização política quando todos decidem sobre tudo. A democracia transforma-se
em procedimento para escolha dos representantes – líderes que produzirão um governo. O estudo mostra o
aumento da complexidade social como elemento que desestabiliza a participação – aumento da complexidade
somado à limitação do cidadão comum.
Palavras-chave: democracia, soberania popular, participação e competição.

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realista (não utópico). Bobbio (1909 – 2004) por sua


Introdução vez também se aproxima de Weber, mostrando-se um
autor pessimista em relação à forma de governo
As praças tomadas pelos cidadãos, a fim de democrático - realista e elitista.
participar diretamente das decisões da comunidade,
correspondem ao conceito de democracia grega – poder
Democracia, políticos e partidos
do povo. Hoje, essa se encaixa melhor como governo
dos representantes do povo, segundo seguidores do
elitismo competitivo, ou seja, a passagem da Weber valoriza a opinião de Rousseau que afirma
democracia direta (democracia dos antigos) para que o povo somente é soberano no dia da eleição dos
democracia representativa (democracia dos modernos) seus representantes, deixando de sê-lo, assim que os
tratou de restringir a participação popular, isto é, a mesmos são eleitos. Weber não crê na soberania
democracia passa a ser vista como um procedimento popular idealizada pela doutrina clássica, uma vez que
eleitoral para escolha dos representantes. para ele a democracia é uma competição entre os
grupos organizados na luta pelos votos dos eleitores –
caminho para se chegar ao poder. A esperança de
Nas duas formas de democracia, a relação entre Weber em relação à democracia é limitada, já que para
participação e eleição está invertida. Enquanto hoje a ele a política é coisa de poucos1. Ressalva, entretanto,
eleição é a regra e a participação direta a exceção, que o povo não pode ser ignorado pelo líder, uma vez
antigamente a regra era a participação direta, e a eleição,
que ele, mesmo não tendo o poder, é o meio para se
a exceção. Poderíamos também dizer da seguinte maneira:
a democracia de hoje é uma democracia representativa atingi-lo.
às vezes complementada por formas de participação A concepção de uma soberania popular
popular direta; a democracia dos antigos era uma fortalecida também é questionada por Schumpeter e
democracia direta, às vezes corrigida pela eleição de Bobbio. O primeiro, ao colidir com a noção de soberania
algumas magistraturas. popular da doutrina clássica integra, quase vinte anos
depois, as colocações de Weber. Schumpeter salienta
(BOBBIO, 2000b, p.374) que o povo não exerce o poder. O cidadão comum na
verdade apenas escolhe os líderes – dentre as elites2
– que produzirão um governo. Entretanto, Schumpeter
O processo de democratização, segundo a inclui que o povo, na condição de árbitro da competição,
concepção pessimista que emerge na passagem do terá o poder de desapossar, recusando a reeleição, ou
século XIX para o século XX, refere-se à ampliação seja, dentro da concepção de Weber, descreve que a
gradual do direito de eleger os representantes “ou soberania do povo não é totalmente desprezível, uma
então à extensão do processo eleitoral a partes do vez que o eleitor tem a oportunidade de escolher.
Estado (...) na qual os membros eram habitualmente A concepção weberiana e schumpeteriana deixa
nomeados pelo soberano” (BOBBIO, 2000b, p.372). claro que a democracia é efetivamente um método de
O presente texto traz por sua vez a concepção de escolha e autorização dos devidos governantes; desta
democracia desenvolvida por alguns dos mais notáveis forma, tanto Weber quanto Schumpeter condicionam
pensadores contemporâneos da política. Max Weber um partido político a um grupo organizado, cujos
(1864 – 1920), não enxergando um futuro com membros propõem angariar votos para seus candidatos
melhoras, apresenta uma leitura cética, é um realista, durante o pleito. Vêem o partido como associações
não tendo nada com os utópicos – não tem ilusões. cujos membros se propõem agir em busca dos votos do
Schumpeter (1883 – 1950) escrevendo alguns anos eleitorado, uma vez que esta é a condição para chegar
depois, também se mostra cético, seguindo a tradição ao poder. Sendo assim, o poder de decisão se dará por

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meio de uma disputa pelos votos da população. Segundo


Schumpeter, um partido é uma organização cujos o pensamento de Bobbio (2000a, p. 47), “todos os Estados
“elementos” se propõem agir combinadamente através que se tornaram mais democráticos tornaram-se ao
da luta competitiva pelo poder político. Para Weber mesmo tempo mais burocráticos”. Max Weber já havia
(2000, p.57): observado este processo quando relatou que governo e
burocratas são inseparáveis – democratização e
todo homem, que se entrega à política, aspira ao burocratização caminham no mesmo passo,
poder – seja porque o considere como instrumento a entretanto, preocupava em conter a burocracia uma
serviço da consecução de outros fins, ideais ou egoístas, vez que estava preocupado com a “morte” do indivíduo
seja porque deseje o poder “pelo poder”, para gozar do e a burocracia levaria a isso5.
sentimento de prestigio que ele confere.
Segundo Weber apud Gabriel Cohn (1993, p.16):
Bobbio também supõe que o processo democrático
é um método de autorização de governos. Não é o povo o aparato burocrático é imprescindível para a ação
que está no poder, mas no máximo alguém eleito pelo política em sociedades complexas e de grande escala. A
povo – o voto não decide e sim elege quem decidirá. questão não é eliminá-la, mas impedir que ela ganhe
Enfatiza a concorrência entre as diversas elites na proeminência no jogo político, sob pena de este reduzir-
arena eleitoral, entretanto, para ele, o processo se à gestão rotineira. Trata-se, portanto, de assegurar o
eleitoral livre que permite um grupo poder suceder a controle político da burocracia e não o inverso.
outro se mantém como único meio pelo qual a
democracia encontrou sua real atuação3. O próprio
Bobbio (2000a, p.51) cita que jamais esqueceu um Weber coloca a função da burocracia (a essência
ensinamento de Karl Popper, “o que distingue da burocracia é a competência profissional), mas ao
essencialmente um governo democrático de um não mesmo tempo está preocupado com a possibilidade da
democrático é que apenas, no primeiro, os cidadãos burocracia tomar o espaço dos políticos como vocação.6
podem livrar-se de seus governantes sem Weber, desta maneira, dá destaque ao parlamento7,
derramamento de sangue”. Entretanto, o mesmo órgão moderador, que teria que controlar a burocracia
Bobbio relata que mesmo nos sistemas capitalistas e também as massas, uma vez que para ele, se as
mais avançados, a democracia não conseguiu massas entrassem direto no governo, também, geraria
assegurar as suas principais propostas: participação, um caos. Opõe-se à participação popular que, - em
liberdade de opinião e controle a partir de baixo.4 nossos dias, mostraria contrariedade ao orçamento
Bobbio ameniza, levando em conta a sociedade participativo, por exemplo.8
vigente que, quando o projeto político democrático foi Para Weber, país democrático não está em uma
idealizado, existia uma sociedade muito menos sociedade sem classes que existe em Marx ou na
complexa. Alguns obstáculos, dentre eles a passagem chamada “igualizarização” de Tocqueville. Para ele,
de uma economia familiar para economia regulada país democrático está na convivência do parlamento
de mercado, trouxeram problemas de ordem técnica, com a burocracia.9 A inevitabilidade da organização
que, por sua vez, exigiram uma multidão cada vez mais burocrática mostrou-se ao mesmo passo que foram
especializada. A democracia direta, que é substituída expandindo-se as funções do Estado. Podemos dizer,
pela democracia representativa, está ligada às desta maneira, que para Bobbio, a burocracia adquiriu
alterações das condições históricas – transição da uma conotação positiva “desconstruíndo” a
cidade-Estado para os Estados territórios. Convocando- desconfiança weberiana.
se apenas aqueles que detêm o conhecimento A deficiência da democracia, para Bobbio, não
específico, quebra-se a hipótese de que na democracia está nas promessas que deixou de cumprir, mas sim
todos podem decidir sobre tudo. Desta forma, seguindo nas promessas que deixou de fazer. Reconhece que
há longos espaços que a democracia não atinge,

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porque, dentro do Estado ainda há mecanismos teoria clássica (tradicional), que idealizou o cidadão
autocráticos que insistem numa resistência. Observa total, Schumpeter mostra um cidadão sem ideologia
a existência, dentro da democracia, de centros de poder definida, sem discernimento das questões sociais e
(exército, burocracia e serviços secretos) que com pouco conhecimento dos temas em debate – chega
constituem a parte oculta da democracia parlamentar a um diagnóstico de que o cidadão apresenta profunda
– instrumentos que não estão sob um controle incapacidade de discernimento, ou seja, é um cidadão
democrático, ou seja, “mesmo numa sociedade “primitivo e ignorante”. Para Schumpeter, a conduta
democrática, o poder autocrático está muito mais do eleitor não é independente (estando aí, a
disseminado que o poder democrático” (BOBBIO, apud importância dos meios de comunicação), o povo é
ANDERSON, 2002, p. 226). influenciável, irracional e manipulável – sem
Herança realista sociológica adquirida de Weber, consciência política. Bobbio, fazendo uma crítica ao
que também identifica elementos que esvaziam o conceito de que na democracia todos decidem sobre
estado representativo, isto é, para Weber certas tudo, chega a questionar quantos são os cidadãos que
esferas da política não são atingidas porque existe, dominam e têm condições de propor soluções às
por exemplo, o segredo da profissão. Assim, certas complexidades do cenário econômico. Bobbio está se
áreas não são transparentes e nem públicas. A referindo ao pouco conhecimento técnico do cidadão
burocracia faz uso do segredo de gabinete para elevar comum para uma luta contra a inflação, melhoria na
o seu poderio – “um parlamento mal-informado, e por educação, programa de geração de renda, dentre
isso impotente é naturalmente agradável à burocracia” outros. Alerta ainda, no que diz respeito à democracia
(WEBER apud BOBBIO, 2000b, p. 410). Percebe-se que direta, que o cidadão apresenta-se em condições
tanto para Weber quanto para Bobbio (ambos realistas) inadequadas para o trabalho legislativo, uma vez que
há um Estado visível que é regido pela transparência, o eleitor está aquém de se pronunciar sobre uma nova
tendo como contra partida o Estado invisível – privado lei que emerge a cada dia.
de transparência, ou seja, existe um movimento Nota-se que os motivos que dificultam a
ditatorial no qual uma face da democracia participação dos indivíduos na política aparecem de
representativa não é atingida. Há, entretanto, as forma diferente, segundo as análises de Schumpeter
exceções em que o segredo poderá ser considerado e Bobbio. Enquanto o primeiro dá ênfase à conduta
como legítimo – “o segredo é admissível quando garantir popular motivada por mecanismos irracionais,
um interesse protegido pela constituição sem lesar mostrando um indivíduo manipulado, dono de um
outros interesses igualmente garantidos (...) a comportamento quase que infantil ao tomar decisões
publicidade é a regra e o segredo é a exceção” (BOBBIO, - “cidadão” mais preocupado com decisões da vida
2000b, p. 414). privada do que como temas públicos - o segundo mostra
O indivíduo comum não poderia lidar com as que é o aumento da complexidade social dentro da
questões que permeiam a dimensão da política democracia que é o elemento que desestabiliza a
moderna, uma vez que se tem a necessidade do participação – aumento da complexidade somado à
conhecimento prévio para lidar com decisões limitação da cidadania comum.
complexas. Para Weber, apenas uma burocracia O cidadão idealizado pela teoria clássica
especializada poderia estar preparada para lidar com tradicional não existe, entretanto, é necessário
a expansão das questões políticas. Schumpeter destacar que, ainda assim, há diversas democracias
também faz objeção à hipótese sustentada pela no mundo, funcionando de forma satisfatória; desta
democracia de que o cidadão pode decidir sobre tudo, maneira, Schumpeter esclarece a diferença entre as
chamando inclusive a atenção para a dificuldade do elites dos regimes autocráticos da dos regimes liberais
cidadão comum em lidar com elementos técnicos que democráticos: enfoca que a concorrência entre as
vão além do seu conhecimento. Diferentemente da elites pelo eleitorado e, conseqüentemente, o controle

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periódico pelos cidadãos, dentro do regime liberal, faz Entretanto, a idéia hegemônica de democracia que
emergir uma elite que se propõe, contrariando, desta se baseia no estreitamento das formas de participação
maneira, as elites do regime aristocrático, que são popular também não pode ser considerada como a
elites que se impõem. Segundo Bobbio, Schumpeter única via acessível. Explicar a democracia parece-nos,
acerta ao sustentar que o governo democrático é a por assim dizer, um tanto complexo, entretanto, temos
presença de muitas elites em competição entre si pela que zelar pela definição de democracia dita uma vez
busca do voto popular, e não, como sustenta a “doutrina por Abraham Lincoln (antigo presidente dos Estados
clássica”, a ausência de elites. Cita ainda (Bobbio) que Unidos) que a democracia é o governo do povo, para o
a dependência desse apoio por parte do cidadão força povo e pelo povo.
os partidos e os políticos a servir aos interesses de O desinteresse da maioria das pessoas pelos
uma maioria popular.O modelo elitista destaca desta assuntos ligados à política é um dos grandes desafios
forma que a legitimidade e o respeito às regras do jogo a enfrentar. Há os que não participam do processo
é a condição para manter a estabilidade da político por desconhecer o seu papel, entretanto,
democracia. Weber, Schumpeter e Bobbio10 defendem existem os que são indiferentes cônscios, ou seja, os
as instituições democráticas e regras para garantir a apolíticos.
legitimidade do sistema político. Bobbio (2000a, p.50) A proposta à sociedade começa pela nossa
conclui: participação e as possibilidades de mudanças são
muito maiores, quando nós – intelectuais e indivíduos
comuns – participamos ativamente da política. O voto,
as promessas não cumpridas e obstáculos não
embora importante, é um instrumento limitado, de
previstos (...) não foram suficientes para “transformar”
os regimes democráticos em regimes autocráticos (...) O participação e pode servir apenas como ritual para
conteúdo mínimo do Estado democrático não encolheu: legitimar a elite no poder. Há muitas outras formas
garantia dos principais direitos de liberdade, existência de participar, a começar pela formação de brasileiros
de vários partidos em concorrência entre si, eleições conscientes, críticos, criadores de sua própria história
periódicas a sufrágio universal, decisões coletivas (...) ou política.
tomadas com base no principio da maioria, e de qualquer
modo sempre após um livre debate entre as partes ou Referências bibliográficas
entre os aliados de uma coalizão de governo. Existem
democracias mais sólidas e menos sólidas, mais
invulneráveis e mais vulneráveis; existem diversos graus ANDERSON, Perry. Afinidades Seletivas. Tradução de Paulo
de aproximação com o modelo ideal, mas mesmo a César Castanheira. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002.
democracia mais distante do modelo não pode ser de
modo algum confundida com um Estado autocrático e
menos ainda com um totalitário. AVRITZER, Leonardo & SANTOS, Boaventura de Sousa. Para
ampliar o cânone democrático. Disponível em: <http://
www.eurozine.com/article/2003-11-03-santos-pt.html> Acesso
Considerações finais em: 20 de junho de 2004.

Importante mencionar que a pior das


democracias ainda é melhor do que a melhor das BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução de
ditaduras. Ou seja, a democracia é a pior forma de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000a.
governo, entretanto, é melhor do que todas outras que
já existiram. Não podemos espelhar-nos na frase de __________. A teoria Geral da Política: a filosofia política e
Rousseau quando disse que uma sociedade só será as lições dos clássicos. Tradução de Daniela Beccaccia
democrática quando inexistir alguém tão pobre para Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000b.
se vender e alguém tão rico para comprar outrem.

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COHN, Gabriel. Introdução. In: WEBER, Max. Parlamento e


Governo na Alemanha Reordenada: crítica política do
funcionalismo e da natureza dos partidos. Tradução de Karin
Bakker de Araújo. Petrópolis: Editora Vozes, 1993.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução


de PietroNassetti. São Paulo: Editora Martin Claret, 2004.

SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e


Democracia. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961.

WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. Tradução


de Leonildas Hegenberg e Octany Silveira da Mota. São Paulo:
Editora Cultrix, 2000.

__________.Parlamento e Governo na Alemanha Reordenada:


crítica política do funcionalismo e da natureza dos partidos.
Tradução de Karin Bakker de Araújo. Petrópolis: Editora
Vozes, 1993.

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Semelhança e verossimilhança na poética de aristóteles


Nínive Daniela Guimarães Pignatari
Mestre em Teoria da Literutura (UNESP- São José do Rio Preto) e professora dos cursos de Letras, Direito
e Administração do Centro Universitário de Votuporanga

Resumo
O objetivo da pesquisa é analisar os efeitos de sentido decorrentes da semelhança e da verossimilhança
na composição de uma obra literária. Justifica-se o estudo, pois, decorridos séculos de debates, subsistem
controvérsias acadêmicas acerca desses dois conceitos medulares para a compreensão da teoria enunciada
na Poética de Aristóteles. A pesquisa realizou-se por meio da análise comparativa e do confronto dialético de
diversas posições críticas, pertinentes ao problema e contribui à medida que sintetiza as aparentes
contrariedades teóricas, harmonizando-as.

Palavras-chave: Teoria da tragédia. Poética de aristóteles. Semelhança. Verossimilhança.

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semelhantes a quê” (CARVALHO, 1989, p. 161). Dessa


1.1 Introdução lacuna, resultam as controvérsias. Alguns acreditam
que a semelhança deve ser com o mito (aqui
A Poética é o mais recuado, completo e duradouro
estudo de que se tem notícia sobre as características compreendido como lenda original ou a história real
em que se baseia o poeta). Dentre os que entendem
do gênero trágico. Tal tratado tem sido alvo de agudas
discussões acadêmicas referentes à interpretação de dessa forma, podemos citar Ross, para quem as
seus conceitos-chave como mimese, mito, peripecia personagens devem ser: “parecidos a los de la leyenda
original” (ROSS, 1957, p. 410) e Valgimigli, para quem
e catarse, os quais ainda subsidiam tanto a criação
poética quanto a crítica literária contemporâneas. os caracteres devem ser “conformes” à tradição mítica
ou histórica. (VALGIMIGLI, 1964, p. 128).
Nessa obra, produzida provavelmente em 353
a.C., Aristóteles propõe, em 26 capítulos, uma Segismundo Spina (1967) também diz que a
detalhada teoria da tragédia. Aborda elementos semelhança surge com o acordo entre os traços da
personagem e o caráter que lhes dá a tradição mítica,
formais, temáticos e estilísticos e prescreve o perfil
do herói trágico na singularidade do enredo (capítulo histórica ou artística.
Nessa ordem de idéias, Ulisses,
XIII), analisando as nuances de caráter das
personagens e as performances adequadas ao mitologicamente astuto e implacável, não poderia
surgimento da comoção catártica na platéia. chorar na obra de Homero que o representa, já que a
regra da semelhança exigiria identidade entre a figura
Dentre os construtos-chave sobre os quais ainda
recaem polêmicas, destacam-se a semelhança e a de tradição lendária ou histórica e a personagem
ficcional.
verossimilhança, arroladas no tratado como
características essenciais para a estruturação de uma Uma segunda tese sobre o assunto é adotada por
criação dramática bem sucedida. Todavia, embora outros analistas, entre eles Lane Cooper, para quem
os caracteres devem ser semelhantes à vida: “they must
sejam conceitos medulares no universo teórico
aristotélico, decorridos séculos de estudos, os be true to life, which is something different from making
significados dessas expressões ainda não estão them good or true to type” (COOPER, 1967, p. 48) e
fixados, razão pela qual esta pesquisa se justifica. Gallavotti, para quem devem ser “naturais”.
O objetivo deste artigo é, pois, analisar os (GALAVOTTI, 1974, p. 71).
A palavra “natural”, neste caso, deve ser
conceitos de semelhança e verossimilhança, a fim de
avaliar os efeitos da ocorrência de ambas na projeção compreendida com uma restrição, já que Aristóteles
de sentidos de uma composição literária. O método prescreve, em outro momento, que os heróis na
empregado será o dialético, com o confronto, análise tragédia devem ser “superiores ao normal”, caso
e harmonização sintética das teorias divergentes sobre contrário, não seriam heróicos. Surge, então, um
aparente paradoxo, pois, aquilo que supera o normal
o tema.
não pode ser, ao mesmo tempo, totalmente natural.
Entende-se, pois, que a excelência necessária ao herói
A. Semelhança trágico não pode ser total. Mesmo sendo excepcional
Aristóteles atribui ao herói trágico, entre outras em algo (o que lhe dá heroísmo), a personagem deve
características, a semelhança: ser falível em outros aspectos, para não comprometer
sua “naturalidade”. Desse modo, o excesso de nobreza
Terceira [característica do herói] é a semelhança, e virilidade é possível até o ponto em que não contrarie
qualidade distinta da bondade e da conveniência. a natureza humana, devendo o herói padecer com
(ARISTÓTELES, 1966, p. 84) alguma pequena fraqueza, caso contrário, perderia a
semelhança com o homem natural.
Segundo Carvalho, “o texto da Poética diz que os
Confrontando as duas posições teóricas
personagens devem ser semelhantes, mas não diz

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mencionadas, conclui-se que os que afirmam ser a como a lenda criada em torno de seu vulto. Manuel
semelhança uma conformidade com a realidade ou com existiu, casou-se realmente com D. Madalena e dela
a lenda primordial inspiradora restringem criatividade separou-se misteriosamente, terminando seus dias
do poeta, por desconsiderarem a possibilidade da num convento. Contudo, Garrett acrescentou
alteração ficcional, para o “embelezamento artístico”, ficcionalidade à personagem, inventando motivos,
por meio da qual a personagem pode superar a criatura situações (a volta do primeiro marido, D. João,
que o inspirou. desaparecido em combate) e falas, caracterizando
É verdade que muitos dos heróis da tragédia Manuel como patriota extremado e moralmente
antiga foram baseados em mitos pré-existentes e, à superior à média dos homens. Mas, embora fosse
primeira vista, se o poeta lhes desse destino diferente excelente em patriotismo e rigidez moral, não era
daquele conhecido pelo público, incidiria numa perfeito, sofria e sentia ciúmes, o que lhe assegura a
incoerência. Mas nada impede que um poeta queira “naturalidade” humana necessária para motivar a
criar personagens novas, sem vínculo com mitos piedade do receptor no momento da catástrofe. É um
viventes, ou mesmo mudar a fama de um mito pré- caráter semelhante, porque as alterações ficcionais
existente. Em tais casos, como ficaria a questão da foram preparadas e motivadas pelas necessidades do
semelhança? enredo e pela busca do embelezamento poético.
Por esse motivo, a posição segundo a qual a Portanto, as regras de semelhança aditadas não
personagem deve ser semelhante à natureza humana impedem as alterações embelezadoras e a colocação
parece ser mais firme. É forçoso reconhecer que, para de dados ficcionais na composição de um caráter. A
os efeitos da catarse, o herói trágico não pode se melhor idéia é, pois, aquela segundo a qual a
afastar muito da natureza do espectador, pois se não semelhança de uma personagem deve ser verificada
houver empatia e identificação entre personagens e comparando-se seus traços e suas ações com o que é
público, não surgem o terror e a piedade. Rostagni crível no mundo da ficção e não na realidade. Daí se
endossa esse posicionamento, dizendo que Aristóteles, infere que a qualidade da peça será medida não
ao afirmar em linhas seguintes a necessidade de as apenas pelos critérios de semelhança acima discutidos,
personagens serem “naturais”, repara a possível embora deles não se prescinda, mas também pela
ambigüidade gerada pela afirmação da semelhança: observação das ações no conjunto artístico, ou seja,
pela avaliação da semelhança no contexto do enredo.
Aristotele prevede una difficoltà, e la ripara Como Aristóteles, ainda nesse capítulo, após
dicendo ch’essi debbono anche essere naturali: ossia la
referir-se à semelhança e às demais qualidades do
loro superiorità non dev’essere a scapito della naturalezza:
non deve lo schiavo per eccesso di nobilità essere troppo herói trágico, trata de aspectos relacionados à
poco schiavo, o simili. (ROSTAGNI, 1945, p. 83). verossimilhança (Poética, cap. XV, p. 84), alguns críticos
tendem a misturar os conceitos de semelhança (que,
Em síntese, parece-nos possível harmonizar as como vimos, refere-se apenas ao caráter da
duas posições: o herói deve aproximar-se sempre do personagem) com a verossimilhança (que à semelhança
homem “natural”, podendo ainda conformar-se com a se liga, mas constitui coisa diferente). Tal
tradição mítica ou histórica, desde que o poeta nela identificação é imprecisa, pois a semelhança do caráter
tenha se baseado e desde que essa aproximação não é apenas um dos fatores na complexidade do enredo
negue a possibilidade da introdução de elementos conducentes à verossimilhança.
ficcionais na obra. Renata Pallottini, analisando a questão, não
Citamos como exemplo o herói Manuel de Sousa distingue claramente os conceitos de semelhança e
da obra Frei Luis de Sousa, de Almeida Garrett. O autor de verossimilhança e afirma que “os caracteres,
baseou-se em dados históricos para criá-lo. A segundo Aristóteles, devem ser semelhantes, ou seja,
existência fática desse homem é comprovada, assim devem possuir verossimilhança” (PALLOTTINI, 1989, p.

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18). Com base nessa afirmação, pode-se, Relaciona-se com a interveniência do “deus ex
desavisadamente, inferir que semelhança seja machina11”, com a existência de elementos irracionais
sinônimo de verossimilhança. A confusão deve ser em cena, com a inserção do impossível e do absurdo
desfeita, pois a semelhança (caráter da personagem) é em cena, e com a necessidade de o poeta ater-se ao
apenas um dos elementos da verossimilhança. Assim que é necessário ou provável no emaranhado do enredo,
sendo, o caráter semelhante colabora para a ou seja,com a possibilidade de embelezamento dos
verossimilhança de uma obra e, se a personagem não mitos.
é semelhante, a verossimilhança fica prejudicada. No capítulo XXIV da Poética, Aristóteles volta a
Contudo, uma obra com personagens semelhantes pode se referir à questão ao esclarecer que fatos podem ser
não alcançar a verossimilhança, pois, nesse conceito objetos de uma imitação bem sucedida, diz:
maior, interferem outros elementos vinculados aos
modos de organização da ação (enredo), além da De preferir às coisas possíveis, mas incríveis,
são as impossíveis, mas críveis; contudo, não deveriam
semelhança das personagens.
os argumentos poéticos ser constituídos de partes
Carvalho, analisando o capítulo XV da Poética, irracionais; preferível seria que nada houvesse de
esclarece que Aristóteles, após descrever os caracteres irracional, ou, pelo menos, que o irracional apenas tivesse
das personagens, desvia-se do assunto e passa a tratar lugar fora da representação. (ARISTÓTELES, 1966, p. 98)
de questões relacionadas ao enredo. (CARVALHO, p. (grifo nosso)
68).
Realmente, quando fala da verossimilhança, no E, referindo-se ao uso do irracional em cena,
capítulo XV, Aristóteles torna a se referir à questão prossegue:
da imitação poética, a qual já tratara anteriormente, se um poeta os fizer de modo que pareçam
nos capítulos iniciais, e, ao mesmo tempo, inicia uma razoáveis, esses serão admissíveis, ainda que absurdos.
outra discussão, que retomará em detalhes nos Na verdade, tudo quanto de irracional acontece no
capítulos XXIV e XXV, quando discutirá questões como desembarque de Ulisses, inaceitável seria, em obra de
a necessária preferência do poeta pelas coisas mau poeta; os absurdos, porém, Homero os ocultou sob
possíveis, mas incríveis e a presença do elemento primores da beleza. (ARISTÓTELES, 1966, p. 99) (grifo
irracional na poesia trágica. nosso).
Dessa forma, a verossimilhança difere da
E mais:
semelhança e merece ser estudada autonomamente.
Com efeito, na poesia é de preferir o impossível
que persuade, ao possível que não persuade.
1.3 Verossimilhança (ARISTÓTELES, 1966, p. 84)
Aristóteles, no capítulo XV da Poética, escreve:
Ora, se o artista deve preferir coisas
Tanto na representação dos caracteres como no “impossíveis, mas críveis” a coisas “possíveis mais
entrecho das ações, importa procurar sempre a incríveis” e se o poeta pode criar a obra valendo-se do
verossimilhança e a necessidade; por isso, as palavras e irracional desde que o “faça” de modo que os fatos
os atos de uma personagem de certo caráter devem criados “pareçam razoáveis”, está claro que a
justificar-se por sua verossimilhança e necessidade. verossimilhança depende pouco da realidade empírica/
(ARISTÓTELES, 1966, p. 84)
histórica e muito da coerência interna observada no
A semelhança, conforme demonstrado, é virtude universo poético.
que confere verossimilhança ao herói (caráter trágico) Embora pareça paradoxal, é mais natural
enquanto a verossimilhança da obra depende também acreditarmos numa história sobrenatural, referente
da confluência de outros elementos do enredo, a coisas que não compreendemos (das quais, portanto,
envolvendo intrincadas questões de coerência. não duvidamos completamente) do que numa história

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possível, mas que contradiga nossos conhecimentos desenlace. Se D. João não retornasse, toda a
e experiências sobre os fatos. A aparição de um espírito preparação se afiguraria imotivada, haveria ruptura
em cena (que é, racionalmente, impossível) pode gozar da unidade de ação no enredo e se frustrariam as
de maior credibilidade - desde que preparada no expectativas do receptor. Algo será, então, verossímil,
evolver do enredo - do que a conversão inesperada (e desde que na própria ação assim se torne, por força de
imotivada) de um vilão em homem dócil e bondoso. uma preparação psicológica conveniente (SPINA, 1967).
Embora a segunda situação seja mais “possível” do que Voltando ao conceito de semelhança da
a primeira, ela é de todo “improvável”, e afigura-se personagem, já tratado anteriormente,
contrária à expectativa que o receptor tem com relação acrescentamos que semelhantes, nessa ordem de
a tal personagem. Por esse motivo, o autor deve idéias, não serão as personagens naturais que
preferir a impossibilidade provável à possibilidade emparelham com a realidade ou com o mito (fábula
improvável. primordial), mas aquelas produzidas pelo labor de um
Segismundo Spina diz que a verossimilhança é a bom poeta, que fará parecer razoável o que seria
regra básica da tragédia. Assim, um fato histórico pode aberrante em outro contexto.
ser inverossímil e um absurdo histórico pode ser Em suma, o herói deve aproximar-se da tradição
verossímil, desde que seja aceitável poeticamente. mítica, sem se afastar do homem natural, caso
Citando Aristóteles, Spina divide as situações contrário, a semelhança fica prejudicada, mas,
dramáticas em quatro espécies: a) o possível principalmente, deve ser o produto de uma articulação
verossímil, que é a categoria propriamente poética; b) coerente, a fim de que suas ações sejam plausíveis,
o possível inverossímil, que é inaceitável bem preparadas e necessárias no universo do enredo.
poeticamente; c) o impossível verossímil, aceitável Caso contrário, embora seja semelhante, não será
poeticamente; d) impossível inverossímil, inaceitável convincente, ou melhor, não será útil à
poeticamente. Conclui-se que, poeticamente, aceita- verossimilhança da ação.
se o impossível, mas não o inverossímil (SPINA, 1967). Nesse sentido, Pallottini salienta que
O desembarque de Ulisses (Na Odisséia), personagem verossimilhante não é o mesmo que
factualmente inverossímil, alcançou verossimilhança realista ou semelhante à verdade dos fatos e das coisas
(tornou-se “aceitável”) quando o Homero ocultou os comuns.
absurdos “sob os primores da beleza”. Daí se infere Se Aristóteles desejasse apenas referir-se à
que uma afirmação inconvincente à luz da realidade semelhança com a realidade, não poderia ter citado
objetiva, no estatuto da obra de arte, pode adquirir Édipo como exemplo de herói na Poética, pois os fatos
novas potencialidades de significação, tornando-se descritos na peça não se afiguraram exteriormente
convincente, pois, ao serem remetidas à dimensão muito plausíveis. Também não se pode afirmar que
poética, as situações superam a lógica da realidade Édipo fosse uma figura muito “natural”. Nas palavras
empírica. de Pallottini:
O retorno do marido (D. João), em Frei Luís de
Sousa, após décadas de desaparecimento, conquanto um herói que mata o seu pai, casa-se com a sua
mãe, procura um assassino que é ele mesmo e, depois
seja improvável historicamente, afigura-se possível e
deste assassino encontrado, pune-se, cegando os
verossímil artisticamente. Possível, pois a peça noticia próprios olhos, com as mãos e exilando-se para sempre,
que seu corpo não fora encontrado, razão pela qual, depois de assistir à morte da mãe e esposa, não seria
sua morte não estava confirmada. Verossímil, porque verossimilhante! (1989, p. 18).
a volta fora sobejamente “preparada” no esquema da
ação pelas premonições de Maria e terrores de Portanto, a exemplificação que Aristóteles faz,
Madalena, tornando-se, por isso, mais do que citando Édipo, autoriza algumas conclusões: Édipo,
verossímil, necessária para a afirmação da unidade no nada tem de trivial. Do mesmo modo, não se pode
afirmar que os acontecimentos da peça sejam
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realistas. Logo, se Édipo é um herói ideal, para que agisse, estaríamos diante de uma possibilidade
um personagem seja semelhante, não é necessário improvável, o que abalaria completamente a
que seja, por suas ações, cópia fiel do real. Aliás, a verossimilhança e , conseqüentemente, impediria a
arte reside justamente no embelezamento peculiar ocorrência da catarse.
dos modelos. Uma vez selecionado o mito (fato lendário Ainda citando a tragédia de Sófocles, é preciso
e tema do enredo), o poeta cria algo diferente, salientar que um personagem mau (eticamente
relacionado, mas não idêntico a ele. considerado), pode ser bom (estruturalmente) e auxiliar
Assim, uma personagem só prejudica a a “verossimilhança”. Pallottini dá o exemplo de Édipo
verossimilhança quando seus atos não estão para comprovar isso, ele “desposou a própria mãe e
justificados no organismo ficcional. Um herói matou o pai; mesmo que não soubesse que matava
semelhante deve ter relação com aquilo que é próprio seu pai, matou um homem, por efeitos da cólera. É
do ser humano (para que possamos nos relacionar orgulhoso e soberbo; mas, em tudo isso, é grande,
simpaticamente com ele), mas, para o sucesso da majestoso, sólido”. (PALLOTTINI, 1989).
criação, além dessa semelhança, os fatos encenados A verossimilhança, então, é a qualidade
têm de ser verossimilhantes diante da total organização intrínseca de uma criação ficcional que decorre da
do material disponível pelo poeta. Este, conhecendo preparação prévia de situações, de modo a tornar
seus objetivos, coloca os personagens numa trilha de convincentes as ações e reações dos caracteres.
convergência e unidade, de modo que a ação alcance Envolve, além das características das personagens,
seus fins. diversos recursos do enredo. Logo, para que a ação seja
Vale ressaltar que o alcance da verossimilhança, verossimilhante é necessário, mas não suficiente que
liga-se também à ocorrência de outras três virtudes os caracteres apresentem semelhança.
da personagem, arroladas por Aristóteles ao lado da É por ser a verossimilhança interna coisa distinta
semelhança, quais sejam: bondade, conveniência e da identidade com o real que podemos acreditar na
necessidade. aparição do fantasma em Hamlet, sentir medo diante
Um herói será bom quando apresentar das premonições de Maria, em Frei Luís de Sousa e
excelência em algo e quando suas ações forem crer nas predições do oráculo em Édipo Rei. Mais
respostas plausíveis à situação engendrada. Suas modernamente, é pela verossimilhança que sentimos
ações e reações devem obedecer a um nexo de terror pela invasão de extraterrestres, aparição de
causalidade. Será conveniente quando agir de acordo fantasmas e toda série de investidas de seres
com seus atributos: idade, sexo, formação, posição provenientes da ficção científica.
social, etc. Finalmente, será coerente se mantiver seu
traço característico ao longo de toda a obra, sem
apresentar transformações de caráter imotivadas. 2. Conclusões
Se Édipo, após conhecer seu crime e descobrir- Vê-se, pois, que o melhor conceito de
se em relação incestuosa com a mãe, decidisse verossimilhança é o que, sem negar a possibilidade de
simplesmente ignorar o infortúnio e seguir adiante, uma relação com o real, reconhece, prioritariamente,
não seria um personagem bom, (pois teria perdido sua a necessidade da coerência interna entre os elementos
excelência moral), nem conveniente, (pois não teria da ação. A impressão da veracidade perseguida na
agido como um rei), nem coerente, (pois teria negado a tragédia advém da possibilidade de as situações
rigidez de seu caráter, severo e orgulhoso desde o ocorrerem plausivelmente no mundo ficcional e isso
início da ação). Portanto, se agisse brandamente, como nem sempre está relacionado diretamente com a
um leviano, não seria um herói trágico. Tal atitude verdade empírica.
covarde, embora possível, seria de todo improvável O verossímil na arte consiste numa identidade
diante do mecanismo trágico organizado. Se assim de código retórico entre emissor e receptor, o que gera

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uma espécie peculiar de credibilidade. Embora haja GARRETT, Almeida. Frei Luís de Sousa. São Paulo: Ediouro.
um certo subjetivismo inicial em cada receptor, dadas Edição dirigida e apresentada por Antônio Soares Amora;
as convicções pessoais, todos aceitarão as propostas revisão do texto por Helena de Figueiredo e Amora. [199_?].
do enredo se o poeta for hábil em suspender as HOUSE Humpry. Aristotle’s Poetics, London: Rupert Hart-
descrenças, ou seja, se houver uma preparação eficaz Davis, 1966.
e uma boa articulação interna entre os enunciados
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Estética. Tradução de
da ação.
Orlando Vitorino. São Paulo: Nova Cultural, 2000. (Os
Para avaliar o êxito de uma composição deve-
Pensadores).
se, portanto, focalizar mais a coerência entre as partes
da composição do que a comparação com o mundo. A PALLOTTINI, Renata. Introdução à dramaturgia. São
obra ficcional deve ser pintura e não decalque da Paulo: Ática, 1988.
realidade. Caso contrário, será história e não arte. PALLOTTINI, Renata. Dramaturgia: construção do
Desse modo, muito do que na vida pode ser personagem. São Paulo: Ática, 1989.
considerado impossível, pode parecer possível na arte PINTO DE CARVALHO, A. Aristóteles: arte poética e arte
e muito do que se julga possível na vida, pode ser retórica. São Paulo: Difusão Européia do livro, 1964.
incoerente na arte, diante do insucesso da estrutura
ROSS, W., DAVID, W. Aristóteles. Tradução de Diego F.
arquitetada pelo poeta.
Pró. Buenos Aires; Editorial Sudamericana, 1957.
Em suma, os efeitos de sentido e o impacto
emocional sobre os receptores que uma composição ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Editora
produz dependem da credibilidade alcançada, ou seja, São Paulo, 1965.
da manipulação do autor, do engenho, que fará ROSTAGNI, Augusto. Aristotele: Poetica. Introduzione, texto
germinar as crenças até mesmo em quem não as e commento di, seconda edizione riveduta. Turim: Chiantore,
tenha, de modo que, na literatura, diferentemente do 1945.
que ocorre na vida, o receptor não tem mais o arbítrio SCHILLER, Friedrich. Teoria da tragédia. Tradução do
de acreditar no que quiser, mas, acabará por crer alemão por Flávio Meurer. São Paulo: Editora Herder, 1964.
naquilo que o autor quiser. 132p. Original alemão.
SHAKESPEARE, William. Hamlet. Tradução da equipe de
Referências tradutores da editora Matin Claret. São Paulo: Martin Claret,
ALBEGGIANI, Ferdinand. La Poetica, traduzione di, 2000.
Florença: La Nuova Italia Editrice, 1974. SÓFOCLES. Édipo rei. Tradução de Paulo Neves. Porto
ARISTÓTELES. Poética. Tradução, prefácio, introdução, Alegre: L&PM, 2000.
comentário e apêndices de Eudoro de Souza. Porto Alegre: SPINA, Segismundo. Introdução à poética clássica. São
Globo, 1966. Paulo: F. T. D., 1967.
CARVALHO, Alfredo Leme Coelho de. Interpretação da VALGIMIGLI, Manara. Aristotele: Poetica, a cura di, Bari:
“Poética” de Aristóteles. São José do Rio Preto: Editora Editori Laterza, 1964.
Rio-Pretense, 1998.
COOPER, Lane. Aristotle on the art of poetry. Amplified
version whith supplementary illustrations, Ithaca: Cornell
University Press, 1967.
ELSE, Gerald F. Aritotle’s Poetics: the argument. Cambridge-
Massachusetts: Harvard Univerity Press, 1963.
GALLAVOTTI, Carlo. Aristotele: dell’Art Poética. Milano:
Fondazione Lorenzo Valla Mondadori, 1974.

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Arquitetura Contemporânea no Brasil

Marcell Arroyo Rubino;


Aluno do curso de Arquitetura da Unifev- Centro Unviersitário de Votuporanga
Fabio Figueiredo Galvão
Aluno do curso de Arquitetura da Unifev- Centro Unviersitário de Votuporanga
Luana de Freitas Carvalho Domingues
Aluno do curso de Arquitetura da Unifev- Centro Unviersitário de Votuporanga
Evanir Regina Mouro Peixoto
Mestre em Geográfia pela Universidade Federal de Uberlândia e Professora do Centro Universitário de
Votuporanga

Resumo:
Esse trabalho tem como objetivo principal conhecer a produção arquitetônica contemporânea,
compreendendo antes o contexto histórico da evolução da arquitetura, e proporcionar o entendimento dos
fatores que a levaram aos rumos da contemporaneidade.
Apresentado na forma de cronograma histórico, este trabalho segue a evolução desde a década de 1950
até o presente século XXI, caracterizando assim o processo evolutivo sócio-econômico e cultural, passando
pelo processo de industrialização e urbanização do país.

Palavras-chave: Cultura, Brasilidade, Contemporaneidade.

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Introdução: Ao se perceber que a arquitetura nacional estava


Brasil, pais de dimensões gigantescas, com desvirtuada, formou-se uma comissão conhecida como
grande diversificação cultural; devido à sua terceira geração de arquitetos, reelaborando os
colonização e métodos de expansão, sofreu influências conceitos modernistas, aliando-o às heranças do
de várias culturas européias; primeiramente os Barroco e à cultura indígena.
portugueses que, juntamente com os índios que aqui Entrando no século XXI, o país, devido à abertura
habitavam, foram um dos maiores colaboradores para econômica, aumenta substancialmente sua dívida
a formação da cultura nacional, seguidos dos italianos, externa, começando um processo de privatização das
espanhóis e japoneses, havendo uma fusão de estatais.
culturas, nascendo daí uma brasilidade, que se Com os grandes empreendimentos na mão do
observa, desde as obras barrocas de Aleijadinho à mercado imobiliário, o arquiteto fica submisso às
genialidade das obras de Niemeyer que se perdeu na vontades da especulação do mercado, tornando-se
transição do Brasil rural ao urbano. difícil estabelecer uma orientação estilística ou
formal, que revele uma identidade nacional de
Arquitetura contemporânea do Brasil “brasilidade”.
Grandes condomínios construídos ao lado de
favelas, espaços públicos, transformam-se em grandes
A arquitetura na década de 1950 e 1960 foi shoppings, que excluem a sociedade de baixa renda.
símbolo de poder econômico e de modernidade. A Hoje as características da arquitetura
arquitetura dessa fase se caracterizava pelo uso do contemporânea brasileira vêm de traços brutalistas,de
concreto aparente, grandes vãos em balanço, e concreto aparente, sua arquitetura paulista de João
estrutura definidora da forma. Vilanova Artigas, das curvas de Niemeyer na
Na década de 1960 a 1970, com a tomada do arquitetura carioca, do regionalismo de Severino Porto,
poder pelos militares em 1964, a arquitetura brasileira na arquitetura Amazonense, do histórico pós-
passou por um isolamento em relação às obras modernista dos mineiros de Éolo Maia e Sylvio de
internacionais, com tendência imposta pela ditadura. Podestá.
Os investimentos se concentraram na área de Mesmo com a dificuldade encontrada pelos
infra-estrutura, as obras urbanísticas, sofreram um arquitetos, serios pesquisadores da cultura e do modo
desenvolvimento integrado, ordenando e acelerando de vida da população, o Brasil se expressa em obras de
a urbanização no país que sofria com o êxodo rural. grande valor cultural.
Com a entrada de Collor no cenário político, na Na parte residencial, temos como exemplos a
década de 1980 a 1990, o país entra num processo de Casa Paraqueira Brasileira de Gerson Castelo Branco,
aberturas econômicas, havendo uma importação de em Fortaleza-CE, 1991; Residência PIO IX de Marcelo
cultura “international style” uma completa perda do e Marta Aflalo, São Paulo-SP, 1999; e Casa na Granja
conteúdo ideológico e cultural do país. Viana de Guilherme Paoliello e André Vainer,
A procura de diversos caminhos de pesquisa e Carapicuíba-SP, 1997.
indagação gerou um pluralismo de expressões As residências citadas acima têm em comum a
arquitetônicas, passando pela quebra de idéias de contemporaneidade acoplada à brasilidade regional
universalização e padronização da arquitetura intrínseca em suas concepções projetuais, e levam
moderna, passando a se importar com a idéia de lugar. em contraponto o respeito pela cultura da sua região,
Com a perda do conteúdo cultural, a arquitetura integrando-se à paisagem, respeitando a naturalidade
cai no ecletismo, e entra em profundo contato com o do terreno com a paisagem onde se insere.
pós-moderno, um estilo norte americano, e perde toda Nota se o uso de materiais regionais que
sua brasilidade. valorizam a cultura, a mão de obra local e a

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preocupação com o conforto ambiental. JUNQUEIRA BASTOS, Maria Alice; PÓS-BRASILIA. Rumos
Já na parte comercial, a tipologia foi a caixa da Arquitetura Brasileira; Editora Perspectiva, São Paulo,
retangular de vidro corbusiana, que adicionou os 2003.
famosos brises na fachada, misturando a linguagem
da cultura plástica brasileira às influências externas,
SEGAWA, Hugo; ARQUITETURA NO BRASIL 1900-1990;
como no Centro Empresarial Previnor, de Fernando
Edusp - Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo;
Peixoto, Salvador (BA),1993.
2002.
O auge da contemporaneidade se insere em
edifícios históricos de grande valor nacional, que
passam por projetos de intervenção e restauração. SEGRE, Roberto; ARQUITETURA BRASILEIRA
Um dos grandes exemplos que pode ser citado é CONTEMPORANEA, Contemporary Brazilian Architetura;
o Centro Cultural – Memorial da Imigração Japonesa; Viana & Mosley Editora, Petrópolis, 2003.
Brasil Arquitetura 1955 - Revitalização 2002 conjunto
KKKK; Pinacoteca do estado de São Paulo - Paulo
ZEIN, Ruth Verde; TENDÊNCIAS ATUAIS DA
Mendes da Rocha 1928.
ARQUITETURA BRASILEIRA, Vila Nova Artigas 1915/1985;
Artes Gráficas Paulista Ltda.
Conclusão:
Independente de sua época, nota-se que os Crea do Mato Grosso do Sul, disponível em <http;//www.crea-
arquitetos brasileiros se mostram como profissionais mt.org.br/palavra_profissional.asp?id=21> Acesso em: 20/09/
muito criativos, sempre procurando representar o país 2005
tanto nacionalmente, como internacionalmente.
Como elementos de vanguarda, apresentam propostas
criativas, inovadoras, regionalistas ou não, aliando-
as à contemporaneidade.
A arquitetura contemporânea brasileira se
apresenta de forma diversificada, não seguindo
linearmente uma linha de pensamento, mas sim um
discurso múltiplo, onde a obra se molda conforme a
região e a percepção do arquiteto, tentando minimizar
as diferenças e criando novas associações formais,
como que esperando um novo Brasil livre das
dificuldades econômicas, na busca de maior
valorização dos profissionais, principalmente dos
arquitetos.

Bibliografia

GEOSUL Revista do Departamento de Geociências – CFH,


Programa de Pó-Graduação em Geografia; Editora da
UFSC; Florianópolis; v. 20, n. 39, 182p., Jan./jun. 2005

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Da Praça Medieval à Carnavalização do Espaço Público

Professor M.Sc. Evandro Fiorin


Doutorando em Arquitetura FAU-USP e Professor do curso de Arquitetura da Unifev
Professora M.Sc. Arlete Maria Francisco
Doutorando em Arquitetura FAU-USP e Professora do curso de Arquitetura da Unifev

RESUMO

Nos dias de carnaval, a cidade medieval se constituía como um espaço livre, eminentemente do
povo, pois se afirmava como o lugar da inversão, da indistinção, proporcionado pelo anonimato das fantasias. O
espaço público por excelência era a praça, onde aconteciam as feiras livres e os espetáculos teatrais. Nesse
universo, em que todos estavam sujeitos a colisões, se multiplicavam as ocorrências de eventos imprevistos
e dos encontros inusitados. Na praça pública, o ambiente carnavalesco reinava. Ao contrário do mundo medieval,
o mundo burguês oitocentista foi sendo aos poucos domesticado pelas aparências e o sentido de espaço público
foi se esvaindo. Este esvaziamento só vem se agravando com os recentes espetáculos urbanos criados para
animar o capital cultural das cidades na era da globalização.

Palavras- Chave: Mundo Medieval, Espaço Público, Carnavalização;

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Na Idade Média, o corpo era tido como um de lado a etiqueta da linguagem familiar, da igreja, da
suporte de diferenciação social. As procissões solenes corte ou do tribunal. Eram lugares de mistura de
da igreja, por exemplo, serviam menos como rituais vendedores, ciganos, ambulantes e dos habitantes da
sacros e mais como desfile para a sociedade da época cidade. 16 Nesse universo híbrido, em que todos
se paramentar e exibir os seus bens – traduzidos em estavam sujeitos a colisões, multiplicavam-se as
vestes e jóias. Apenas durante o carnaval, estes signos ocorrências de eventos imprevistos e dos encontros
de demarcação dos níveis sociais eram subvertidos. inusitados. O vazio da praça reforçava uma idéia
Isto porque as fantasias carnavalescas permitiam uma cambiante, de um espaço possível, a que todos tinham
indistinção entre ricos e pobres, erudito e popular, acesso. A praça medieval, a praça do mercado, as feiras
privado e público. Nos dias de carnaval, a cidade e lugar onde ficava o poço eram os espaços livres da
medieval se constituía como um espaço livre, cidade. Essa liberdade possibilitava a existência de um
eminentemente do povo, pois se afirmava como o lugar sentido efetivamente público, do inevitável diálogo
da inversão.13 com a diferença e da idéia de uso comum: “loci
communes, loci publici.” 17
“A cidade se tornava um teatro sem paredes, e os
habitantes eram os atores e os espectadores que assistiam “A praça é a cena na qual todos são atores e
à cena de seus balcões. De fato não havia uma distinção espectadores ao mesmo tempo, vive-se a ficção em que
marcante entre atores e espectadores.” 14 se exibem palhaços e mágicos, mascarados num
espetáculo de rua, no qual todos riem, um riso geral e
Fora do período dos festejos carnavalescos, os universal. O espaço urbano transforma-se nesse local
espaços da cidade medieval eram marcados por uma ambivalente: praça pública que abriga a festa da multidão
forte hierarquização social, ditada pelos ricos trajes, e cena dramática em que se invertem posições sociais e
pelos bons modos e pelas regras de etiqueta e se exibe, sob a forma da paródia, intimidade familiar ou
linguagem. Apenas alguns espaços podiam ser lidos individual nos seus aspectos caricaturais; (...) Na praça
como lugares que permitiam o avesso e a diferença: a carnavalesca a multidão colide com a inversão e sua
imagem é espontânea e descontraída.” 18
praça pública.
O vazio da praça, delineado pelas ruas e vielas Na metrópole do século XIX, assistiremos a uma
tortuosas, era o espaço das feiras livres, onde se encenação dos lugares públicos, pois uma diferença
justapunham ricos e pobres, mercadores e gatunos, fundamental que devemos destacar entre o indivíduo
erudito e popular. moderno e o sujeito medieval é o fato deste último
“A praça pública parece-nos, sobretudo o lugar de não ser apenas um espectador – caráter que define o
encontro entre as duas culturas, a popular e a erudita. Por indivíduo moderno –, mas um ator: o agente da
ocasião do mercado e da feira (...) a praça pode estar em subversão.
qualquer lugar que haja divertimento, convergência de Ao contrário do mundo medieval, que apesar das
curiosos, consumo cultural diversificado.” 15 regras impostas pela alta sociedade, ainda tolerava-
se lugares públicos pautados pela mistura e
Na praça pública era, também, onde se davam diversidade; o mundo burguês oitocentista foi sendo,
os espetáculos ao ar livre, pois era o lugar teatral, que aos poucos, domesticado pelas aparências. As antigas
servia como palco para o povo. Sobre o estrado instalado feiras transformaram-se em Exposições Universais;
no vazio da praça medieval desfilavam os tipos mais a praça pública, como teatro a céu aberto, foi
estranhos daquela sociedade urbana, transformando- substituída pela Ópera; as antigas vielas tortuosas
a no ponto de convergência de tudo o que não era foram derrubadas em favor dos grandes Bulevares. Os
oficial. Era o espaço da extraterritorialidade. oitocentos são o ápice do ato de ver e ser visto,
Na praça pública, o ambiente carnavalesco representado pelo indivíduo pequeno burguês.
reinava. No burburinho da feira, sempre era deixado Na virada do século XIX, o espaço público cedeu

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A REVISTA DE PESQUISA DA ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS DA UNIFEV V. 1 N°1 JAN/JUN 2006

lugar aos espaços privativos, coroados por ferro e vidro, Se o espaço público na cidade medieval era
onde um teatro cotidiano era ensaiado pela alta efetivo, apenas quando o mundo estava de cabeça para
burguesia que freqüentava os cafés, protegidos do sol baixo 21; de modo controverso, assistimos em nossas
e da chuva, que pontuavam os corredores do mundo cidades a sua total aniquilação. Depois da criação dos
em miniatura das galerias cobertas. A arquitetura belos cenários burgueses do penúltimo século e dos
desta época encenava um palco para que as refinadas recentes espetáculos urbanos criados para animar o
senhoras pudessem desfilar seus trajes e consumir capital cultural das cidades na era da globalização, só
livremente, abrigadas das intempéries e dos perigos nos resta a carnavalização do espaço público. De
da rua – isto porque as grandes metrópoles do início shoppings centers às praças públicas, quase tudo
do século XIX eram comparadas a uma misteriosa produzido é mera cenografia para encenar o uso
floresta. 19 comum. A presente idéia da carnavalização dos
Nas capitais do século XIX, a multidão é sempre espaços se adere a um sentido de cenário urbano que
caracterizada como uma grande massa uniformizada. não sugere a inversão de papéis do povo durante o
Nas calçadas, os contatos diários são substituídos pela carnaval, nem a anarquia social, mas o avesso do
aversão ao toque, pelo desvio de olhares e pelo passo espaço público: o espetáculo.
rápido. Para o rico burguês, viver nessa grande cidade
opulenta é um ato controlado. Não há descontração.
Só há formas de representação domesticadas, seja de
prazer ou de medo, emolduradas pelas fantasmagorias Referências Bibliográficas:
do consumo visual desenfreado. Para Walter
Benjamin, a única saída para este mundo de imagens
oníricas é o choque ou o retorno a um estado de
selvageria humana. Apenas nesta condição, pode-se BAKHTIN, M. A Cultura Popular na Idade Média e no
extrair algo que leve à surpresa e, conseqüentemente, Renascimento o contexto de Fraçois Rabelais. São Paulo:
à ação, em uma cabal tentativa de deixar de vivenciar Hucitec, 1999.
o espaço da cidade como mero espectador. 20 BENJAMIN, W. Obras Escolhidas III, Charles Baudelaire,
Dos oitocentos para o último século, as galerias um lírico no auge do capitalismo. Rio de Janeiro: Ed.
cobertas transformaram-se em shoppings centers, Brasiliense, 1989.
especializando os espaços privativos, destinados ao BURKE, P. Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo:
consumo das seletas camadas sociais. As construções Cia das Letras, 1989.
nas nossas cidades contemporâneas – pautadas pelo
FERRARA, L. D. Olhar Periférico. São Paulo: Edusp, 1999.
american way of life e, depois, pelo just in time, só
espacializaram espaços públicos cenográficos, praças HABERMAS, Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio
de alimentação monitoradas por câmeras de de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
vigilância, átrios onde o consumidor-espectador é LE GOFF, J. O apogeu da cidade medieval. Rio de Janeiro:
embriagado pelos vários out-doors publicitários e por Record, 1997.
uma arquitetura perdulária, feita para vender. Nestes
novos palcos do consumo ultra-midiático, todos fingem
existir uso comum. Qual? Nenhum! A não ser o direito
compartilhado de comprar. Nas protegidas praças Notas de Rodapé:
centrais dos grandes shoppings centers, a diferença se
apresenta mercantilizada, rotulada por um exótico
1
visual de qualquer lugar, numa embalagem de lugar
nenhum.
Neste aspecto Weber é igual a Marx.

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2 através de uma extensão das regras do jogo democrático –


rejeição à ditadura revolucionária.
Trata-se de uma concorrência imperfeita uma vez que apenas 11
as elites políticas concorrem entre si pelo poder.
3
Solução inesperada dada a um conflito extremo, consistente na
Kelsen apud Bobbio (2000b, p. 372) “considera elemento intervenção de um Deus que surgia em cena, no teatro grego,
essencial da democracia real (não da democracia ideal, que conduzido por engrenagens. Uso de dispositivo improvável e
não existe em lugar nenhum) o método da seleção dos lideres, incoerente que causa a rejeição da platéia.
ou seja, a eleição”. 12
4

Segundo Perry Anderson em seu livro Afinidades Seletivas Solução inesperada dada a um conflito extremo, consistente na
(2002), “o pensamento de Bobbio é um liberalismo que acolhe intervenção de um Deus que surgia em cena, no teatro grego,
simultaneamente discursos socialistas e conservadores, conduzido por engrenagens. Uso de dispositivo improvável e
revolucionários e contra-revolucionários”, desta forma queremos incoerente que causa a rejeição da platéia.
13
esclarecer que, quando Bobbio promove a crítica das promessas
FERRARA, L. D. (1999). As máscaras da cidade. In:
não cumpridas pela democracia, seria o momento onde começa Olhar Periférico
o seu socialismo. . São Paulo, Edusp, p. 206.
5 14

Segundo Max Weber um parlamento fortalecido e depois a BURKE, P. (1989)


Cultura Popular na Idade Moderna
competição interburocrática (burocracia pública
. São Paulo, Cia das Letras, 206.
versus 15
burocracia privada) seria a condição para conter a burocratização LE GOFF, J. (1997).
– burocracia sem controle. O apogeu da cidade medieval
6 . Rio de Janeiro, Record, p. 83.
16
Que tem qualidades pessoais raras e insubstituíveis, ou seja,
BAKHTIN, M. (1999).
aquele que apresenta atributos éticos e profissionais – o melhor
A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento o contexto de Fraçois
político / aquele prático (eficaz). Rabelais
7 . São Paulo, Hucitec, p. 132-133. A praça pública em festa, nos dias de
carnaval acentua a destituição das delimitações sociais ou barreiras
Órgão valorizado por Weber donde teria que emergir novas
hierárquicas que separam os indivíduos. Cf. Ibid., p. 163.
lideranças políticas. 17
8
HABERMAS, (1984)
Max Weber apud Gabriel Cohn (1993, p.11), não se preocupa Mudança Estrutural da Esfera Pública
com o nivelamento igualitário da sociedade ou na busca de um . Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, p. 18.
18
consenso político e cultural. Na verdade está em busca de um
FERRARA, L. D. (1999). Op. cit., p. 211.
projeto para um Estado-Nação como potência. 19
9
BENJAMIN, W. (1989).
Segundo Max Weber a responsabilização do burocrata é o Obras Escolhidas III, Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo
máximo da democracia que podemos ter. . Rio de Janeiro, Ed. Brasiliense, p. 220. A cidade como uma selva ou como
uma misteriosa floresta é associada aos perigos de uma pradaria.
10 20

Walter Benjamin contava com a força explosiva de imagens dialéticas para


Até mesmo quando revela sua inclinação por uma concepção tirar as pessoas de seu estado de sonho. O choque como forma de despertar
socialista, declara que o poder econômico deverá ser controlado o indivíduo complacente ao consumo visual. Cf. BUCK-MORSS, S. (1990). O
flâneur, o homem sanduíche e a prostituta: política do perambular.
Revista Espaço e Debates

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A REVISTA DE PESQUISA DA ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS DA UNIFEV V. 1 N°1 JAN/JUN 2006

, São Paulo (24); 09-31, p. 14.


21

BURKE, P. (1989). Op. cit., p. 210 apud FERRARA, L. D. (1999). Op. cit., p.
211. Para BURKE (1989),
“ o carnaval era uma representação do mundo virado de cabeça para baix
o”, Cf. BURKE, P. (1989).
Op. cit., p. 212.
22

É necessário ressaltar que não pretendemos com isso desmerecer


os núcleos de excelência, tampouco a formação de “pesquisadores
profissionais”, apenas estamos afirmando a necessidade de que a
idéia de pesquisa extrapole esta margem estreita para que seja
entendida, antes de tudo, como princípio educativo.
23

O que está de acordo com as diretrizes curriculares da ABEPSS, no


item Trabalho de Conclusão de Curso no qual se afirma que o
mesmo “deve ser entendido como um momento de síntese e
expressão da fromação profissional”.
24

A partir desta pesquisa elaboramos um segundo projeto, que visa


avaliar mais profundamente a vivência do estágio por parte dos
alunos.
25

Não obstante o fato de que foram apresentados excelentes


trabalhos, em termo de criatividade e rigor acadêmico, fruto de
pesquisas desvinculadas do estágio. Cabe ressaltar que estamos
avaliando o processo em termos gerais.
26

A atividade realizada não passou de uma pesquisa de opinião


pública, embora tivesse estofo para uma pesquisa de iniciação
científica.

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A Interação Pesquisa - Estágio na Formação Profissional do


Assistente Social

Josiani Julião Alves de Oliveira


Centro Universitário de Votuporanga
Mestre e Doutora em serviço Social UNESP/Franca-SP
Marcos Roberto Faria Bernardi
Centro Universitário de Votuporanga
Mestre em Educação UNICAMP/Campinas-SP

Resumo
Este estudo busca conhecer a interação entre ensino, estágio e pesquisa no curso de Serviço Social do
Centro Universitário de Votuporanga/ UNIFEV. Acreditamos que esses elementos devem ser compreendidos
como inseparáveis e dialeticamente integrados. A aquisição e produção de conhecimento dentro de uma
concepção em que o aluno não seja objeto, mas sim, sujeito do processo de aprendizado e construção de
conhecimento calcada na prática reflexiva. Foi a partir dessas reflexões que partimos para a investigação de
como este processo estaria se desenvolvendo no cotidiano dos alunos do curso de Serviço Social. A questão
fundamental era identificar de que maneira a pesquisa, em especial a elaboração do trabalho de conclusão de
curso, estava sendo percebida e concebida pelos alunos e verificar em que medida esta experiência estaria
propiciando uma formação autônoma, geradora de sujeitos e não de objetos do conhecimento.

Palavras chaves: Ensino, estágio, pesquisa, conhecimento, Serviço Social.

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A REVISTA DE PESQUISA DA ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS DA UNIFEV V. 1 N°1 JAN/JUN 2006

Introdução “o homem é práxis e, porque assim o é, não pode


Este artigo tem como objetivo central a de reduzir a um mero espectador da realidade, nem
tampouco a uma mera incidência da ação condutora de
indagação sobre a melhor forma de interação entre
outros homens que o transformarão em “coisa”. Sua
ensino, estágio e pesquisa no curso de Serviço Social. vocação ontológica, que ele deve tornar existência, é a do
Procuramos defender a tese de que estes elementos sujeito que opera e transforma o mundo.” (FREIRE, 1989
devem ser compreendidos como inseparáveis e p.123)
dialeticamente integrados em um processo maior,
qual seja, a aquisição e produção de conhecimento
dentro de uma concepção em que o aluno não seja
objeto, mas sim, sujeito do processo aprendizado e O essencial a lição de Freire é que não podemos
construção de conhecimento. deixar jamais de perceber que um método, uma
A concepção de aprendizado que julgamos concepção da organização da prática educativa mão
fundamental para Universidade e especialmente para pede prescindir de uma posição filosófica a respeito
o Serviço Social, devido à natureza de sua função do homem e do processo de conhecimento.
interventiva que implica a integração da dimensão Isto posto, gostaríamos de prosseguir a análise
técnica com a dimensão ética e política de sua atuação do processo de formação em nível superior diante das
profissional, deve ser calcada na construção de novas estruturas postas no período FHC e amplamente
conhecimento como prática reflexiva. referendadas pelos organismos internacionais do
Neste sentido, concebemos a pesquisa não como neoliberalismo, a saber BID e FMI. (JORGE, 1999)
prática exclusiva de profissionais 22 , mas como (VAIDEGORN, 2001)
princípio educativo, que por sua própria natureza, A questão fundamental que colocamos é a
gesta sujeitos e não objetos do conhecimento. A seguinte: em que medida a supressão da pesquisa
pesquisa, assim concebida, é antes de tudo, uma como parte integrante do processo de aprendizado dos
“maneira de estar no mundo e com o mundo”. (FREIRE, alunos em nível superior afeta a formação?
1989) Segundo nosso entendimento, pesquisar
Esta citação de Paulo Freire é de cabal é, antes de tudo, uma forma de estar no mundo, como
importância, devido a sua concepção do processo de coloca DEMO (2002 p.10):
aquisição - construção do conhecimento, no qual
aprendizagem:
“Pesquisa precisa ser internalizada como atitude
“Não é simplesmente responder a estímulos, cotidiana, não apenas como atividade especial, de gente
porém algo mais: é responder a desafios. A respostas do especial, para momentos e salários especial. Ao contrário,
homem aos desafios do mundo, através dos quais vai representa, sobretudo a maneira consciente e contributiva
modificando esse mundo, impregnando-o com seu de andar na vida, todo dia, toda hora (...) Seu distintivo
espírito, mais do que um puro fazer, são que fazeres que mais próprio é o questionamento reconstrutivo. Este é o
contêm inseparavelmente ação e reflexão.” (FREIRE, 1989, espírito que perpassa a pesquisa (...) Tanto o doutor,
p.123) quanto a criança na educação infantil praticam o mesmo
espírito, embora os resultados concretos sejam muitos
distintos”
Assim, o processo de construção do próprio
homem é ação e reflexão conjuntas, ou seja, práxis.
Isso porque, do ponto de vista ontológico, esta é “sua Desta maneira, não podemos concordar em
vocação”. Como reafirma o autor: absoluto com a noção de pesquisa como atividade
especial, especializada, resguardada aos “eleitos para
a torre de marfim”.
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A REVISTA DE PESQUISA DA ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS DA UNIFEV V. 1 N°1 JAN/JUN 2006

A pesquisa é “maneira de estar no mundo”, é superior, já que a estrutura clássica de aula como
impossível ser sujeito sem ser pesquisador e vice- transmissão de conhecimento e avaliação como cópia
versa. Ora, se a própria base do projeto de formação de conteúdos tende a permitir a vitória do cansaço e
profissional do Serviço Social é a idéia de que a do tédio dos nossos alunos já fadigados. Por ouro lado,
profissão não pode conceber de forma dissociada à se a estrutura do curso no processo de aquisição e
técnica e à ética, a teoria e a prática, a formação e a produção de conhecimento for alicerçada em uma
intervenção, então a pesquisa deve ser núcleo central dinâmica de pesquisa, no sentido de desafios e
do processo de aquisição-produção de conhecimento indagações cotidianos, dentro e fora da sala de aula,
durante todo o decorrer do curso e especialmente em podemos superar essas barreiras.
dois momentos fundamentais; o estágio e o trabalho A descrição dos resultados da nossa pesquisa irá
de conclusão de curso. deixar claro, segundo nossa visão, que o processo de
Desenvolvimento desafio, a sensação de produzir algo significativo (no
Foi a partir dessas reflexões que partimos para caso a monografia), tende a gerar um nível de
a investigação de como este processo estaria se motivação e uma alta imagem extremamente positiva
desenvolvendo no cotidiano dos alunos do curso de no aluno.
Serviço Social da UNIFEV, no qual estamos inseridos Metodologia
como professores-orientadores e coordenadora. A Nossa pesquisa foi realizada com um total de 49
questão fundamental era identificar de que maneira alunos, dentre 75 que estavam concluindo o curso de
a pesquisa, em especial a elaboração do trabalho de Serviço Social em 2004. O método utilizado foi
conclusão de curso, estava sendo percebida e composto de duas abordagens; em primeiro lugar, a
concebida pelos alunos. Isto para verificar em que aplicação de um questionário, que foi preenchido sem
medida esta experiência estaria propiciando uma identificação dos alunos e sem a presença de
formação autônoma, geradora de sujeitos e não de professores, a fim de resguardar a privacidade e não
objetos do conhecimento. influenciar as respostas. Além do questionário,
Contudo, a relação entre pesquisa e formação realizamos entrevistas abertas, não estruturadas, com
profissional assume uma feição ainda mais delicada um grupo menor, de 10 alunos, nas quais procuramos
quando tratamos da faculdade privada e, mais nos aprofundar nas principais justificativas
especificamente, dos cursos noturnos. Isto por dois apresentadas, suas angústias, percepções e
motivos: o primeiro diz respeito às especificidades das expectativas.
Universidades Privadas, principalmente após a criação
dos Centros Universitários e a desvinculação da
obrigatoriedade da pesquisa, numa situação em que Resultados:
a maioria dos professores é remunerada por hora-aula, A Influência do TCC na Prática Profissional:
não havendo quase incentivo para pesquisa. Além A primeira vista, pelos motivos acima citados,
disto, a característica geral dos estudantes do curso esperávamos um nível de rejeição ao processo de
noturno, ao menos em nossa Instituição, distingue- construção da monografia bem maior, no entanto o
se por serem trabalhadores com longas jornadas, que podemos perceber é que a experiência da
muito deles trabalhando inclusive aos sábados, o que monografia foi extrema valia para o aluno, passemos
dificulta sobremaneira o estudo, pela ausência de a exposição. O primeiro objetivo de nossa pesquisa foi
tempo e pelo nível de fadiga produzido no dia-a-dia. analisar como os alunos avaliaram a influência do
Não obstante, as dificuldades concebem que o processo de construção da monografia na sua futura
recurso à pesquisa pode ser ao invés de um problema, prática profissional.
uma dificuldade a mais, justamente um elemento para
conseguir um nível de motivação e envolvimento

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Tabela 1 – Grau de importância da monografia decidirem por realizar um curso de pós-graduação, pois
para formação profissional (em %). perceberam “os quantos estavam despreparados” para
a prática. É necessário ressaltar que não concordamos
com esta última colocação em termos absolutos, pois
Muita Importância 61,2 concebemos o preparo praxes contínua, como processo
de estar no mundo, para citar Paulo Freire, e não como
Mediana Importância 24,4 processo determinado com tempo e espaço definidos
de estanques.
Razoável Importância 6,1 No intuito de verificar até que ponto essas
respostas correspondiam ao nível de envolvimento dos
Pouca Importância 8,1 alunos como processo de construção da monografia,
optamos por inserir uma pergunta radical, qual seja,
“em sua opinião, a monografia deveria continuar a ser
Nenhuma Importância 0,0
obrigatória?”. Ressaltando novamente que o contexto
em que pesquisávamos era o de alunos que, em sua
Os resultados apresentam uma grande soma de maioria, ocupavam o domingo e as férias “adiantarem
pessoas que consideraram muito importante para a a monografia”. Obtivemos o significativo resultado de
futura prática profissional (62%), enquanto apenas 57% de respostas positivas.
8,1% dos alunos consideraram pouco importantes. Contudo, o que mais chamou a atenção foi o fato
A nosso ver, era fundamental além de verificar que dentre os 43% que responderam negativamente,
esta percepção, avaliar a relação entre o processo de a maioria negou que o tempo exigido para elaboração
construção da monografia e a visão da prática da monografia, um ano, era o maior problema. Assim,
profissional por parte dos alunos, para tantos, foi dentre o total de respostas negativas 18% sugeriram
perguntado aos alunos se haviam ocorrido mudanças que começasse desde o primeiro ano e 22% que se
na maneira de pensar a prática profissional a partir iniciasse o processo (de redação com orientador) no
da monografia. Neste item, 77% dos entrevistados terceiro ano. Além disto, houve a requisição de que
afirmaram que sim. Podemos apontar dentre as se eliminassem provas e avaliações no quarto ano e
principais modificações: o aumento da criatividade “foi que se aumentasse o tempo disponível para as
importante para a percepção da real diferença entre a orientações, o que evidencia a grande dificuldade de
assistência e o assistencialismo que é praticado por equacionar com incentivo a pesquisa com a condição
muitos profissionais”, consciência da necessidade de de vida do estudante universitário em cursos
aprofundamento teórico “reafirmou que a prática deve noturnos.
ser acompanhada de embasamento teórico” e percepção Desta maneira, percebemos que não parecia
das dificuldades e da identidade no exercício da prática haver um questionamento do mérito da monografia,
profissional “o compromisso que temos que ter perante à de sua importância para a formação profissional, mas
categoria e com os usuários”. sim uma angústia, muitas vezes relatada nas
Dentre as várias respostas desta questão, entrevistas mais profunda, pelo fato de sentirem-se
podemos perceber o quanto há dificuldade e a sem tempo e capacidade para desenvolver o trabalho
necessidade de realizar um trabalho acadêmico como deveria. Ressalta-se mais uma vez a seriedade
distinto dos rotineiros, com o nível de rigor, disciplina com que a grande maioria encarava o fato, o que não
e reflexão acentuada proporcionou um repensar a é regra geral, haja vista o grande “mercado informal”
respeito da sua formação e identidade por parte de de monografias que vem se desenvolvendo nas
vários alunos. Sendo que, em alguns casos, algum
deles afirmaram que a prática da monografia os fez

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faculdades privadas e na internet, infelizmente. dos temas de pesquisa e nos métodos de pesquisa.
O segundo objetivo da pesquisa foi analisar em
que medida os alunos relacionaram os conteúdos das A influência do estágio no processo de escolha
disciplinas cursadas com a produção da monografia. do tema de pesquisa
Pois partíamos do pressuposto que a monografia deveria Neste item podemos perceber que o estágio não
funcionar como um momento de síntese23, um processo foi, de maneira geral, o elemento principal da
de análise e questionamento reconstrutivo a partir dos motivação pela escolha do tema, pelo contrário, o
conteúdos debatidos em sala. Isso, a nosso ver, é de índice daqueles que responderam negativamente à
fundamental importância para evitarmos a separação pergunta: “A escolha do tema de pesquisa está
estanque e introdutiva entre teoria-prática, ensino- relacionada com sua(s) prática(s) de estágio?” Foi de
pesquisa. 67,3% ou seja, apenas 32,6% dos alunos foram
Assim quando indagados sobre em que medida motivados a desenvolver trabalho de pesquisa
conseguiram utilizar os conteúdos das disciplinas da monográfica a partir de sua vivência no campo de
produção da monografia, responderam da seguinte estágio.
forma: Não nos foi possível nesta pesquisa aprofundar
Tabela 2 – Utilização dos Conteúdos na Elaboração a investigação sobre os motivos que levaram a esta
da Monografia (em %). taxa pequena, a nosso ver, de influência do estágio na
escolha de tema de pesquisa monográfica24. Contudo,
Plenamente 18,3 o que podemos supor a partir de resultados é que, de
Em grande parte 55,1 alguma maneira, a prática não produziu um processo
reflexivo nos graus desejados, de tal forma que
18,3
Razoavelmente influencia na escolha dos temas de pesquisa foi
pequena. A relação entre estágio e monografia
Pouco 2,0 assume, entretanto, uma feição muito mais marcada
Não conseguiu 0,0 quando analisamos a opção metodológica dos alunos.
Assim, se analisarmos o quadro geral de alunos
Sem resposta 6,0 pesquisados, percebemos que 55% deles optaram por
fazer pesquisa de campo. No entanto, quando isolamos
O resultado desta resposta parece indicar que, os alunos que escolheram o tema de pesquisa a partir
de certa maneira ao menos em suas percepções, os da experiência de estágio, o porcentual de pesquisa
alunos conseguiram utilizar o conteúdo das disciplinas de campo sobe para 81,2% dos alunos.
no processo reconstrutivo, próprio da monografia, no Isso parece indicar que nos casos em que estágio
qual, na devida escala, devem produzir conhecimento foi uma experiência significativa e reflexiva o processo
e não mera copia. De fato, a análise do quanto esta de escolha e concepção de pesquisa levou o aluno “de
percepção corresponde à verdade só poderia ser feita volta ao campo”, buscando redescobrir conhecimento
mediante a análise do resultado das avaliações das através do recurso aos dados primários e com forte
monografias feitas pelas bancas. Contudo, como o foco desejo de intervenção, uma vez que, no caso destas
desta pesquisa é a análise da percepção e vivência pesquisas, pudemos encontrar uma marcada intenção
dos alunos frente ao processo de pesquisa, não iremos de encontrar soluções, aprimorar métodos de
realizar este contraponto no espaço deste estágio. atendimento e avaliar programas.
Uma vez indicados à percepção da importância Além disto, pudemos notar através das
da monografia e à relação desta com o conjunto de entrevistas, que a dificuldade para elaborar a
disciplinas e conteúdos, nosso próximo objetivo foi problemática da pesquisa, as questões centrais a
analisar o grau de influencia do estágio na escolha serem investigadas, foi maior dentre os que não foram

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influenciados pelo estágio na escolha do tema de marcante.


pesquisa. Assim, de maneira geral, pudemos perceber Estas considerações confirmam nossa posição
que a prática da monografia foi concebida como grande teórica que, de maneira geral, parecem estar contidas
importância para a maioria dos alunos (61,2%). Sendo nas proposições das novas diretrizes da ABEPSS citadas
que a maioria (77%) considerou que a monografia no texto, de que o processo de construção do trabalho
mudou a sua maneira de pensar a prática profissional. de conclusão de curso, que é um momento especial
A utilização dos conteúdos das disciplinas na de síntese e produção de reflexão própria, tende a ser
elaboração da monografia foi alta, segundo a visão dos mais proveitoso como processo de formação
alunos e, de maneira geral, os alunos reclamaram do profissional, e porque não dizer humana, quando
pouco tempo para elaboração da mesma, devido às decorre de experiência do estágio, conformando assim
especificidades do curso noturno, no qual a maioria uma estrutura dialética entre teoria e prática, ensino
tem apenas os finais de semana para se dedicar ao e pesquisa, aquisição e produção de conhecimentos,
trabalho de conclusão de curso. em suma: práxis.
Diante disto, pudemos extrair como primeira
conclusão parcial, que o desafio da monografia foi
percebido de forma positiva e motivadora pelos alunos, Bibliografia
de tal forma que suas angústias quanto à falta de CARDOSO, Franci G. A Pesquisa na Formação Profissional
tempo e capacidade para realizar o trabalho com o do Assistente Social: algumas exigências e desafios.
devido rigor parecem evidenciar a seriedade que Cadernos ABEPSS. N-8, São Paulo: Cortez, 1998.
atribuíram ao mesmo.
DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. São Paulo: Cortez,
Contudo, a indicação mais significativa duma
2001.
pesquisa tem relação com a influência do estágio no
processo de produção da monografia. A primeira FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. R. J.:
descoberta foi que o grau de influência do estágio na Paz e Terra, 1967.
escolha do tema foi pequeno. Contudo, quando isso JORGE, Marcelino J. Ensino Suerior e Organização da
ocorreu, o processo de produção da monografia em geral Pesquisa: a Economia da Reforma do Ensino no Brasil.
foi muito mais rico, significativo e, em certa medida, História, Ciência, Saúde. VI (6), 1999, Manguinhos
fácil para os alunos25. Isto porque segundo nosso NETO Ana M. Q. F. Os Paradigmas do Conhecimento e seus
entendimento, ocorreu de maneira mais intensa, Rebatimentos no Cotidiano do Ensino, da Pesquisa e do
nestes casos, um processo de aquisição-produção de Exercício Profissional. Cadernos ABESS. N-6 São Paulo:
conhecimento fundado na práxis, como defendemos Cortez, 1998
no início do texto.
SILVA, Ademir A. Os Paradigmas do Conhecimento e seus
Conclusão Rebatimentos no Cotidiano do Ensino, da Pesquisa e do
Diante destes dados, podemos considerar que, Exercício Profissional, Cadernos ABESS. N-6, São Paulo:
no caso da instituição, devemos buscar intensa e Cortez, 1998.
constantemente o máximo de reflexão e
VAIDEGORN, José. Uma Perspectiva da Globalização na
questionamento a partir da experiência de estágio,
Universidade Brasileira. Cadernos ABESS. V.21 nº55,
pois a diferença no processo de construção da
Campinas, 2001
monografia, na significação da mesma, nos métodos
de pesquisa, no desejo de intervenção e na satisfação WANDERLEY, Maria B. Formação Profissional no Contexto
com o trabalho entre os que produziram a mesma a da Reforma do Sistema Educacional. Cadernos ABESS. N-
partir da experiência do estágio e os outros foi 8, São Paulo: Cortez, 1998

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A REVISTA DE PESQUISA DA ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS DA UNIFEV V. 1 N°1 JAN/JUN 2006

“Práticas Investigativas em Educação Química”:


relato de uma experiência na disciplina de Didática

Iara Suzana Tiggemann


Mestre em Educação UFRGS
Professora da UNIFEV e IMES-FAFICA

RESUMO

O artigo descreve uma experiência que buscou conciliar ensino e pesquisa no Curso de Licenciatura de
Química da UNIFEV. Trata-se do programa “Práticas Investigativas em Educação Química” desenvolvido no
ano de 2004 junto à disciplina de Didática. O artigo apresenta os objetivos da proposta, o seu desenvolvimento,
algumas dificuldades e resultados alcançados.

Educação Química – práticas investigativas

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A REVISTA DE PESQUISA DA ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS DA UNIFEV V. 1 N°1 JAN/JUN 2006

Educação Química: primeiras aproximações do conhecimento. O relatório final (Alves, A. P. et all,


O programa “Práticas Investigativas em 2003) evidenciou o interesse dos alunos em realizar
Educação Química” foi desenvolvido pensando nos atividades como a que foi proposta, ao mesmo tempo
graduandos de Química da UNIFEV: uma clientela que em que dimensionou as dificuldades para sua
busca a Licenciatura, mas nem sempre almeja a execução26.
docência. Considerando esta particularidade, Um dos problemas enfrentados pelos alunos
elegemos a realidade educacional como campo de residiu na falta de planejamento: a ausência de um
análise, uma vez que compreendemos que a projeto que definisse com clareza o trabalho a ser
aproximação à escola de Ensino Médio pode suscitar o realizado dificultou o desenvolvimento da pesquisa,
interesse pelo exercício do magistério. Assim, por sobretudo, no que se referiu à análise e sistematização
meio de interação entre pesquisa e ensino, teoria e das informações obtidas. Como afirma Alves, “quanto
prática, conhecimentos específicos e rudimentos menos experiente for o pesquisador, mais ele
pedagógicos, buscamos aguçar o pensamento reflexivo precisará de estrutura, sob pena de se perder num
dos alunos, no tocante às questões relacionadas à emaranhado de dados dos quais não conseguirá extrair
educação de um modo geral, e ao ensino de Química, qualquer significado” (1991, p. 56).
de modo específico. Além desse fator, por constituir-se numa
A idéia de desenvolver um trabalho de pesquisa atividade não prevista no Plano de Ensino da disciplina
no curso de licenciatura em Química amadureceu com de Didática, não foi possível o desenvolvimento de
a atividade realizada com alunos que cursavam a leituras pertinentes às questões metodológicas, e a
segunda série no ano de 2003. Nesse ano, um grupo insuficiência de conhecimentos de cunho técnico
constituído por 11 alunos (50% da turma) reagiu a uma desencadeou um trabalho um tanto precário. Nesse
provocação realizada em aula, após o estudo de um sentido, é preciso dar a mão à palmatória e corroborar
artigo que discute o ensino de química nas escolas de com Alves quando expressa que
ensino médio (Santos & Schnetzler, 1996).
Apresentando inúmeros problemas na área de
Educação Química, o texto, fruto de uma pesquisa de conduzir um estudo qualitativo, com o rigor
necessário à produção de conhecimento relevante é bem
Mestrado, chega a seguinte conclusão:
mais difícil do que possa parecer. O crescente prestígio
das abordagens qualitativas não tem sido, na prática,
acompanhado pela utilização adequada de metodologias
o ensino de Química atual não atende nem aos
que permitam lidar de maneira competente com o
objetivos da formação da cidadania nem a outro objetivo
problema proposto (...) o que faz com que muitos estudos
educacional: sua desestruturação é tal (...) que ele não
ditos qualitativos não passem de relatos impressionistas
serve para nada. (1996, p. 33).
e superficiais que pouco contribuem para a construção do
conhecimento e/ou a mudança de práticas correntes (1991,
p. 54).
Essa afirmação gerou discordância e resistência
por parte de alguns alunos e resignação e conivência
da parte de outros. No calor do debate, surgiu a
seguinte questão, que veio configurar-se mais tarde
O grande mérito da atividade realizada foi aguçar
como um problema de pesquisa: “Qual, afinal, é a
o interesse pela investigação científica, numa área
imagem que os alunos têm da Química?”
fecunda de estudos - a Educação Química.
Deste desafio, construiu-se uma prática
investigativa intitulada “Idéias e imagens sobre a
Produzindo reações
Química: representações de alunos da UNIFEV”, que teve Pensando na formação docente, entendemos que
como objetivo conhecer concepções sobre essa área a prática de pesquisa é uma modalidade que pode

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A REVISTA DE PESQUISA DA ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS DA UNIFEV V. 1 N°1 JAN/JUN 2006

propiciar uma vivência concreta das ações que conhecimento de métodos de pesquisa empregados na
constituem o trabalho do educador – planejamento, área das Ciências Humanas;
execução, avaliação. Num processo de ação-reflexão- „ desenvolver capacidades de planejamento,
ação permanente, esses elementos estão imbricados desenvolvimento e avaliação de atividades de
e podem ser experimentados e desenvolvidos com a pesquisa; promover o trabalho em equipe entre os
prática investigativa. acadêmicos e a interação com os sujeitos de pesquisa
Coêlho (1995, p. 40), ao repensar a formação de (alunos e professores de Ensino Médio, acadêmicos de
professores nos cursos de Licenciatura, argumenta Licenciatura em Química, etc);
que „ desenvolver uma postura crítica,
responsável e ética no desenvolvimento da pesquisa
e em relação aos resultados obtidos.
não basta formar os professores como técnicos e O programa uma vez inserido nas disciplinas de
especialistas no ensino de determinada disciplina ou Didática (I e II) concorreu durante os dois semestres
conteúdo e nas questões de ensino, didático- com os conteúdos curriculares específicos, tendo
metodológicas, curriculares e de avaliação, ou seja, envolvido todos os alunos do 3º e 4º períodos da
docentes capazes de transmitir os conhecimentos e as Licenciatura. As pesquisas, de caráter qualitativo,
descobertas das ciências, das letras e da filosofia (...) O
foram desenvolvidas considerando três grandes
domínio dos conteúdos, o desenvolvimento da
capacidade de selecioná-los, ordená-los e hierarquizá- etapas: (a) período exploratório, (b) investigação
los, a aprendizagem dos métodos e técnicas para sua focalizada e (c) análise final e elaboração do relatório
transmissão aos alunos e o estudo da organização da (Alves, 1991).
escola, do processo de ensino-aprendizagem, da No “período exploratório” foram desenvolvidas as
psicologia da criança e do adolescente, por si só, não seguintes atividades:
garantem uma adequada compreensão do que ocorre na 1 Organização de grupos de 4 a 5 elementos
escola e principalmente não propiciam condições para para selecionar um tema relacionado à educação e
sua transformação. merecedor de estudos.
2 Reflexão acerca da operacionalização da
pesquisa e da relevância do tema.
Partilhando dessa perspectiva de análise, no ano 3 Construção do projeto propriamente dito:
de 2004 foram incluídas atividades de pesquisa nas • delimitação do problema de pesquisa;
disciplinas Didática I e Didática II, no curso de • apresentação de justificativa pertinente;
Licenciatura em Química. Construiu-se o programa
• elaboração dos objetivos da pesquisa;
guarda-chuva denominado “Práticas Investigativas em
Educação Química”, que teve como objetivos: • seleção das atividades de pesquisa;
„ despertar os acadêmicos para as questões • elaboração de cronograma de atividades.
educacionais, suscitando o interesse pela prática de Na “investigação focalizada” estavam previstas
pesquisa e docência na área de Educação Química; as atividades abaixo-relacionadas:
„ propiciar o conhecimento da realidade „ Levantamento bibliográfico.
educacional, no que diz respeito ao ensino de Química „ Pesquisa bibliográfica (revisão de
de um modo particular, e ao Ensino Médio de um modo literatura) do tema escolhido.
geral, por meio de contato direto com essas instâncias „ Estudo de textos referentes às técnicas de
e por intermédio de bibliografia específica; pesquisa.
„ proporcionar o aprendizado de construção „ Pesquisa de campo:
de projeto de pesquisa, bem como, promover o • Elaboração de instrumento(s) de coleta

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de dados (entrevista, questionário, roteiro de oportunidades em reunir os grupos em horário diverso


observação, etc ...). às aulas, dentre outros aspectos citados pelos próprios
• Aplicação do instrumento de coleta de alunos na avaliação do processo de investigação, nem
dados. todos os grupos conseguiram cumprir com seus
• Tabulação dos dados obtidos e/ou criação cronogramas e concluir satisfatoriamente os seus
de categorias de análise. trabalhos.
No entanto, apesar das dificuldades – expressas
„ Análise dos dados obtidos.
por 82% dos alunos – a iniciativa foi considerada
„ Articulação/confronto dos resultados positiva. 50% dos participantes entenderam que a
obtidos com as informações da pesquisa bibliográfica realização do trabalho foi importante na sua formação
realizada. como futuros educadores; 43% expressaram que a
E, finalmente, na última etapa do projeto: iniciativa conseguiu conciliar teoria e prática. Um
„ Produção de relatório final da pesquisa. outro dado importante refere-se ao entendimento que
„ Divulgação e discussão dos resultados. a pesquisa pode contribuir para a melhoria do ensino
de Química nas escolas de Ensino Médio na opinião
de 97% dos acadêmicos envolvidos.
O processo e o produto Com o desenvolvimento da pesquisa, 79% dos
No primeiro semestre de 2004 foram construídos participantes entendem que modificaram seu
um total de oito projetos de pesquisa, quais sejam: “O comportamento como acadêmicos. Na opinião dos
ensino de Química e a reciclagem de lixo”; “O participantes, a principal mudança refere-se à maior
conhecimento de normas de segurança em freqüência à biblioteca (18% das respostas); maior
laboratórios por parte dos alunos de Licenciatura em interação com colegas e/ou professora (18%); maior
Química”; “A falta de profissionais licenciados em interesse sobre as questões relacionadas à educação
Química nas Escolas de Ensino Médio”; (13%); maior envolvimento com a disciplina de
“Conhecimentos Básicos de Química e suas aplicações Didática (9%).
no cotidiano”; “Concepção dos cidadãos sobre o ensino Nas respostas dos alunos também ficam claras
da Química”; “O ensino de Química e a dificuldade de aprendizagens significativas realizadas no decorrer do
aprendizagem dos alunos”; “Jogo: um mecanismo para trabalho. Em relação ao conteúdo, alguns depoimentos
se aprender Química”; “O Ensino da Química e a evidenciam o aprofundamento das temáticas:
prevenção da poluição”. Dos oito projetos, sete foram
desenvolvidos. As conclusões preliminares foram
apresentados na Semana da Química da UNIFEV (16 a
19 de novembro de 2004), ocasião em que os Pude notar que o ensino de Química é mal visto,
participantes do evento puderam conhecer as que estão se fazendo ações para mudar tal visão, que os
professores estão buscando vários recursos para tornar
pesquisas realizadas nessa área educacional.
essa disciplina mais interessante. Porém, ainda me
Ao final de cada etapa do programa foi utilizado defronto com pessoas que não gostam da Química,
um instrumento de auto-avaliação e avaliação do principalmente pelo fato de não compreendê-la. (Rafael –
processo de investigação. Os dados desses “Concepção dos cidadãos sobre o ensino da Química”).
instrumentos foram parcialmente estudados e
possibilitam algumas reflexões acerca da experiência
realizada junto à disciplina de Didática num curso de
Ou ainda:
pouca tradição em pesquisa educacional.
Devido à falta de tempo para a realização das
pesquisas, a inexperiência dos alunos, a falta de É através do jogo que o aluno consegue quebrar

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obstáculos, desde que o professor saiba aplicá-lo em cotidiano quando exercemos a profissão de professor
sala de aula para que não aconteça rivalidade entre os (Alcides – “Conhecimentos básicos de Química e suas
alunos e com isso poderá causar um efeito contrário. Que aplicações no cotidiano”)
também o jogo é um ótimo recurso, pois com ele o aluno
se esforça para atingir um objetivo, mas brincando.
(Antônio Carlos – “Jogo: um mecanismo para aprender
Química”)
Essa pesquisa foi muito interessante. Primeiro
porque aprendi a fazer uma pesquisa, porque essa é minha
Podemos através desta pesquisa detectar os primeira pesquisa. Também aprendi com as bibliografias,
vários problemas que causam a falta de professores aprendi a elaborar entrevistas, elaborar questionário,
de Química: baixos salários, salas super-lotadas, áreas aprendi que questionário e entrevista são diferentes. Isso
mais atrativas, poucas horas-aula por semana, falta fora a experiência que será única porque às vezes os
resultados de uma pesquisa podem nos surpreender.
de apoio governamental. (Jesus Leonardo “A falta de
(Vanessa – “Jogo: um mecanismo para aprender Química”)
professores licenciados em Química no Ensino Médio”)

Em relação às etapas de um projeto de pesquisa Além disso, os alunos evidenciaram


e aos métodos empregados em Ciências Humanas preocupação com o ensino, e nesse sentido, os
os alunos também registraram a aquisição de novas depoimentos dos alunos mostram uma nova
aprendizagens. articulação com a docência:

Consegui aprender a importância do planejamento Adquiri uma consciência mais atenta ao que é
para que um trabalho seja de qualidade. E mesmo feito com relação à preservação do meio ambiente, por
planejando, é difícil a realização – dados teóricos, notar o que tem sido feito nesse sentido pelas escolas
pesquisa de campo, organização. (Rodrigo – “O ensino de através dos professores e o interesse dos alunos, bem
Química e a reciclagem de lixo”) como o importante papel que a Química desenvolve nesse
sentido. (Agnaldo – “O ensino de Química e a reciclagem
de lixo”)

Tive conhecimentos muito bons, como analisar e


pesquisar em vários livros, tive também conhecimento
sobre o assunto. Realizamos questionário para avaliar os Com o projeto aprendi a compreender a
alunos do curso de Química. (Ana Claudia – “O importância de se preocupar com a maneira de ensinar
conhecimento de normas de segurança em laboratórios determinada disciplina, porque o que se aprende bem
por parte dos alunos de Licenciatura em Química”) aprendido no Ensino Médio (que depende muito do
professor) poderá ajudar muito o educando a escolher a
profissão a seguir (Ligie – “Concepção dos cidadãos sobre
o ensino da Química”)

No desenvolvimento do trabalho aprendi muito


sobre metodologia. Durante a pesquisa e as correções
pude aprimorar a organização do texto. (...) Foi uma rica
experiência que com certeza muito acrescentou ao nosso

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A REVISTA DE PESQUISA DA ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS DA UNIFEV V. 1 N°1 JAN/JUN 2006

Importante observar como os alunos se colocam após concluí-la, tendo a própria prática como campo de
no lugar de professores e o quanto as temáticas reflexão e de produção de conhecimentos. Ou seja, o
desenvolvidas em suas pesquisas refletem na forma licenciando é visto como um sujeito que é passado,
de se posicionarem sobre o ensino: presente e apresenta um multiciplicidade de futuros
possíveis (Fiorentini, 2004, p. 246).

Tentamos estudar as dificuldades que os alunos


se deparam ao começar estudar Química. Às vezes não Assim sendo, o aluno-pesquisador constitui-se
sabem pra quê e porque está estudando aquela matéria. ao mesmo tempo como “produto e produtor da história
Pra que vai (sic) servir aqueles conhecimentos transmitidos e de seu processo intelectual e humano” (ib, 2004, p.
em aula. Serviu pra eu ver como vou ser recebida em uma 246). Os conhecimentos apreendidos não dizem
sala de aula quando vou dizer que sou professora de respeito a uma realidade exterior: ao falar do ensino,
Química. Muitos irão olhar assustados, pois nem sabem da educação, está se posicionando, falando também
o que é, mas já detestam, e outros terão a curiosidade de de si como futuro professor.
saber sobre determinados conteúdos. (Flávia – “O ensino
de Química e a dificuldade de aprendizagem dos alunos”)
Considerações finais: o efeito em cadeia
Apesar das dificuldades encontradas no decorrer
do processo, relacionadas, sobretudo à reduzida carga
os conhecimentos por mim adquiridos com a horária da disciplina de Didática (duas horas/aula
pesquisa exploraram uma área que há bem pouco tempo semanais), entende-se que a iniciativa atingiu alguns
nem pensava em seguir que é ser professor. Hoje já de seus principais objetivos.
penso com carinho nesta possibilidade e talvez daqui a De modo especial, destacamos que a
dois ou três anos já esteja dando uma aulinha por aí. experiência de integrar ensino e pesquisa possibilitou
(Edson – “A falta de professores licenciados em Química
que os alunos se envolvessem com a realidade
no Ensino Médio” )
educacional, a partir de um tema escolhido para
estudo. Corroboramos com Aragão e Schnetzler (1995)
que entendem que pesquisar sobre o ensino pode
Nessa perspectiva vale lembrar Fiorentine contribuir para desmistificar a visão muito simplista
(2004) quando afirma que o aluno durante o processo em torno da atividade docente, como se para ensinar
investigativo aprofunda seus estudos em torno de bastasse uma dose de conteúdo específico e uma poção
temas de seu interesse, que atendam suas de técnicas pedagógicas.
perspectivas e possibilidades. Mas ao investigar, o Entendemos também que o engajamento mais
mais importante não é o que se aprende e, sim, “o crítico e reflexivo em torno das questões educacionais
espaço que se abre para as experiências deve incidir não só sobre a formação dos licenciandos,
autenticamente formativas” (p. 246). Na visão deste mas a médio e longo prazo pode refletir na melhoria
autor: da qualidade do ensino da Química no Ensino Médio.
Considerando que os professores reproduzem em
sua sala de aula o mesmo tipo de prática vivenciada
O futuro professor que participa de projetos
investigativos pode ser visto como principal protagonista
ao longo de sua formação (Cunha, 1997; Tardif, 2002)
de seu próprio movimento histórico de vir a ser professor esperamos que experiências similares sejam
cuja formação profissional inicia antes de seu ingresso construídas e que possam ser desenvolvidas atitudes
na licenciatura – pois, enquanto estudante da escola que privilegiem o questionamento, a discussão, o
básica, experienciou e internalizou modos de produzir e diálogo aberto e construtivo, a reflexão, a análise
viver a prática educativa – e continuará a desenvolver-se crítica da realidade, o discernimento entre fatos e

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evidências, a procura de soluções para os problemas e profissional. Petrópolis-RJ : Vozes, 2002.


a criação de alternativas, ultrapassando, assim, a
mera recepção passiva dos conhecimentos tão
arraigada em nossa tradição escolar.

Referências Bibliográficas

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L. C; DINIZ, D. ; PUPIM, M; SILVA, J. ; SILVA, M. L. ;
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UNIFEV”. Votuporanga – SP, novembro 2003. (digitado)

ALVES, Alda Judith. O planejamento de pesquisas qualitativas


em educação. Caderno de pesquisa. São Paulo (77), maio/
1991.

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Importância, sentido e contribuições de pesquisas para o
ensino de Química. Química Nova na Escola. N. 1, maio
1995.

COÊLHO, Ildeu Moreira. Questões para pensar a formação


de professores. Anais Prolicen. I Encontro de
Licenciaturas. Universidade Federal de Santa Maria, Santa
Maria –RS, 1995.

CUNHA, Maria Isabel da Cunha. O bom professor e sua


prática. 6 ed. São Paulo : Papirus, 1997

FIORENTINI, Dario. A Didática e a Prática de Ensino mediadas


pela investigação sobre a prática. ROMANOWSKI, Joana P;
Martins, Pura L. O. ; JUNQUEIRA, Sérgio A. (Orgs.)
Conhecimento local e conhecimento universal: pesquisa,
didática e ação docente. Vol. 1. Curitiba: Champagnat, 2004.

SCHNETZLER, Roseli Pacheco; SANTOS, Wildson Luiz.


“Função social: o que significa ensino de Química para formar
o cidadão?” Química Nova na escola. N. 4. Nov, 1996.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação


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O ser humano: O protagonista

Josiani Julião Alves de Oliveira


Centro Universitário de Votuporanga
Doutora em Serviço Social/UNESP-Franca-SP

“Conhecer o humano é, antes de mais nada, situá-lo no universo, e não separá-lo dele. [...] Todo conhecimento
deve contextualizar seu objeto. ‘Quem somos? ’ é inseparável de ‘Onde estamos?’, ‘De onde viemos?’, ‘Para onde vamos?’ (MORIN)

Resumo
O presente artigo faz parte do referencial teórico de nossa tese de doutorado sobre a importância do
professor universitário na formação integral de seus alunos. Partindo desse pressuposto, o objetivo é refletir
sobre a contribuição dos professores na formação pessoal e profissional de seus alunos, considerando como
eixo de análise, o que Luckesi (1990) denomina de compromisso político e compromisso pedagógico que os
professores têm que desenvolver em seu trabalho, promovendo a educação integral, contemplando a compreensão
da pessoa humana, a partir de suas potencialidades.
.
Palavras chave: Professor universitário, trabalho, compromisso político, compromisso pedagógico, ser
humano.

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Introdução despeito das inúmeras divisões a que somos


Interrogar nossa condição submetidos no cotidiano, sem contar com as possíveis
humana implica questionar primeiro a posição que implicações decorrentes dela.
temos no mundo. O fluxo de conhecimentos, que Da mesma forma, Rogers(1978) refere-se ao
ocorreu no final do século XX, trouxe nova luz sobre a funcionamento integral da pessoa, trazendo o conceito
situação do ser humano no universo. Os progressos de “vida plena” como um processo de transformação
concomitantes da cosmologia, das ciências da Terra, que implica na expansão e na maturação de todas as
da ecologia, da biologia, da pré-história, nos anos 60 – suas potencialidades, na coragem de ser, numa
70 do século passado modificaram as idéias sobre o abertura crescente á experiência. Assim, o indivíduo
universo, a Terra, a Vida e sobre o próprio Homem. passa a ser mais capaz de ouvir a si mesmo, de
Inferimos que o humano se apresenta muito experimentar o que se passa com ele, libertando-se
esquartejado, partido como “pedaços de um quebra- para viver seus sentimentos e tomar consciência dos
cabeça” ao qual falta uma peça. mesmos.
Outra questão que devemos considerar é que as Através da teoria centrada na pessoa,
ciências humanas são elas próprias fragmentadas. Rogers(1978) acredita que todos têm dentro de si as
Além disso, o novo saber, por não ter sido relegado, potencialidades para o crescimento criativo. Assim,
não é assimilado nem integrado. Paradoxalmente trazemos o humanismo, enquanto filosofia existencial
assiste-se ao agravamento da ignorância do todo, cuja idéia centra o homem como objeto próprio,
enquanto o conhecimento das partes. valorizando-o e atribuindo-lhe um sentido.
Existe ainda a relação triádica indivíduo/ Tais considerações que julgamos fundamentais
sociedade/espécie onde os indivíduos são produtos do para o desenvolvimento de cada um, geralmente não
processo reprodutor da espécie humana, mas este fazem parte do nosso aprendizado de vida pessoal ou
processo deve ser ele próprio realizado por dois profissional, pois embora vivamos numa era de grandes
indivíduos. As interações entre indivíduos produzem transformações tecnológicas e sócio-culturais,
a sociedade, que testemunha o surgimento da cultura, verificamos que, muitas vezes a educação, seja ela
e que retroage sobre os indivíduos pela cultura. formal ou não, coloca esses aspectos à parte.
Entretanto, podemos considerar que a plenitude Construir conhecimento de forma integrada e
e a livre expressão dos indivíduos – sujeitos constituem contínua prevê, portanto, a ampliação do ser humano
o propósito ético e político, sem, entretanto, pensarmos sobre si mesmo, descobrindo e desenvolvendo novas
que constitui a própria finalidade da tríade indivíduo/ potencialidades. Acreditamos assim, que essa
sociedade/espécie. A complexidade humana não construção deva ser realizada e embasada nas noções
poderia ser compreendida dissociada dos elementos de complexidade, complementariedade e totalidade
que a constituem: todo desenvolvimento integrada, conforme recomenda Maturana(1998).
verdadeiramente humano significa o Segundo o autor, não se pode refletir sobre
desenvolvimento conjunto das autonomias educação sem antes, ou simultaneamente, refletir
individuais, das participações comunitárias e do sobre uma coisa fundamental que é o nosso viver
sentimento de pertencer à espécie humana. cotidiano no qual ocorrem as experiências
educacionais.
Diante disso, consideramos necessário buscar
Desenvolvimento compreender os fenômenos que permeiam o processo
Entendemos que a pessoa, o ser-humano, reside de aprendizagem e do conhecimento, levando-se em
no ser-profissional e que a pessoa do profissional consideração que o humano se constitui no
integra a pessoa humana. Não vemos como separá- entrelaçamento do emocional com o racional,
los, pois a divisão traz o perigo de reduzir as dimensões buscando na educação a condição dessa possibilidade.
indivisíveis o que é próprio da natureza do humano, a

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Segundo Boff (1999), o ser humano é um nó de Desta forma, podemos pensar que o professor,
relações totais. Por isso, é um ser de prática e um ser ao planejar suas atividades, deve ter presente: a
histórico. legislação de ensino, as características da instituição,
O ser humano, na verdade, nunca termina de as necessidades e as características da população a
construir-se. Cada fim é um novo começo. Ele é uma ser atingida, a realidade concreta, e ter consciência
abertura sem fim. Assim é no tempo. E assim será de seus próprios propósitos, de sua visão de homem e
também na eternidade. O ser humano é um projeto de mundo.
infinito É importante ressaltarmos então que o professor
O humano vive integrado a uma totalidade que deve contribuir para que o aluno tenha condição de
está além da sua consciência. Ter a noção que não interpretar e transformar o contexto social, bem como
sabemos nos possibilita confiar na existência de um se transformar enquanto pessoa.
fluxo continuo do conhecer. Isso também nos protege Luckesi (1994) ao propor a práxis
da angústia do não saber, que levaria, por exemplo, a transformadora, indica alguns compromissos para o
operar na exclusão, na subtração e na previsibilidade professor: o compromisso político e o pedagógico.
que garante o controle. Não saber é diferente de não – O compromisso político: que implica na
existir, o que conjuga uma nova ética, a da validação, visão de mundo do qual fazemos parte e o nosso papel
da conjugação, em contra partida a uma ética do ser humano na estrutura social.
mutilante, da disjunção. – O compromisso pedagógico: que significa
Desta forma, o trabalho do professor é uma tarefa nossa atuação em relação à formalização da mente,
complexa que envolve o entrelaçamento de questões aos conteúdos e aos métodos de abordagem da
essenciais que precisam ser compreendidas nas suas realidade.
diferentes dimensões. É preciso dizer também que, ao buscarmos
Somente o docente que tenha preocupação com conhecer os sistemas de operações e as vivências do
o homem e sua estatura restabelecerá o encontro e o professor no seu trabalho, estamos considerando, que
diálogo entre ciência e integridade; processo este que os sistemas normativos, com os quais os homens
desencadeará reflexões sobre a finalidade da raça convivem, possuem contradições, são fragmentados e
humana na terra e simultaneamente sobre a essência reúnem uma gama infinita de pontos de vista; enfim,
do que é ser humano. os sistemas normativos são fluidos e abertos, o que
Neste sentido, acreditamos que o professor deve nos permite pensar que o sujeito possui possibilidades
estar habilitado para a transmissão de um saber de ações que não são exclusivamente determinadas
profissional que possa enfrentar os dilemas que são por seu contexto sócio-econômico.
operados por razões, emoções e perspectivas políticas Nesta perspectiva, cabe elucidar uma indagação
muito diferenciadas e que circulam entre as diferentes feita por Rubem Alves (2000), em sua obra Conversas
agendas profissionais no interior das relações com quem gosta de ensinar, em relação ao professor x
organizacionais. educador:
Segundo Nóvoa (1993), para a compreensão do
trabalho do professor, três processos são essenciais:
desenvolvimento pessoal que se refere aos processos
Educadores, onde estarão? Em que covas terão
de produção da vida do professor; desenvolvimento se escondido? Professores há aos milhares. Mas o
profissional que se refere aos aspectos da professor é profissão, não é algo que se define por dentro,
profissionalização docente; desenvolvimento por amor. Educador, ao contrário, não é profissão; é
institucional que se refere aos investimentos da vocação.E toda vocação nasce de um grande amor, de
instituição para a consecução de seus objetivos uma grande esperança.
educacionais.

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manter os alunos fisicamente numa sala de aula não


podemos obrigá-los a participar de um programa de
E responde: ação comum orientado por finalidades de
aprendizagem: é preciso que os alunos se associem
de uma maneira ou de outra ao processo pedagógico
Os educadores possuem uma face, um nome, uma
“estória” a ser contada. Habitam num mundo em que o em curso para que ocorra a efetiva prática educativa
que vale é a relação que os liga aos alunos, sendo que como interação.
cada aluno é uma “entidade” sui generis, portador de um
nome, também de uma “estória”, sofrendo tristezas e
alimentando esperanças (ALVES, 2000, p. 19). Conclusão
Necessário se faz ressaltar que
o interesse pelo tema permeia toda nossa trajetória
de vida e o fato de atuarmos no meio acadêmico
O papel do professor é o de um grande mediador
possibilita a observação de que o princípio da
entre o individual e o social, entre aluno e a cultura
integralidade do ser humano deve ser fortemente
social historicamente acumulada, garantindo o seu
enunciado e considerado na formação do aluno.
acesso ao saber escolar.
Essa situação permitiu-nos chegar aos
Consideramos importante dirigirmos nossa
pressupostos de que a formação acadêmica deve
atenção para o trabalho que o professor desenvolve
envolver a dimensão pessoal do desenvolvimento do
dentro da sala de aula, destacando características
aluno, assim também sua formação profissional
essenciais ao desenvolvimento da ação pedagógica.
centrando, o ensino em conhecimentos técnico-
Na ação, segundo assinala Hannah Arentd
científicos.
(2002), os homens mostram quem são, revelam
Temos clareza de que, por sua própria natureza,
efetivamente suas atividades pessoais e singulares,
trata-se de um tema que suscita questões abrangentes
e assim apresentam - se ao mundo humano, enquanto
e complexas, que fazem parte de um processo social
suas identidades físicas são reveladas, sem qualquer
amplo, se considerarmos as estruturas das
atividade própria, na conformação singular do corpo e
organizações em que se encontram alicerçados os
no som singular da voz. Esta revelação de “quem”, em
cursos de ensino superior na atualidade. Tais
contraposição a “o que” alguém é - os dons, qualidades,
considerações nos impulsionam a continuar
talentos e defeitos que alguém pode exibir ou ocultar
sustentando a idéia da integração do ser-pessoa, cuja
– está implícita em tudo o que se diz ou faz.
essência se manifesta no comportamento humano.
Esta qualidade reveladora da ação vem à tona
Tão importante quanto à discussão dos aspectos
quando as pessoas estão com outras, isto é, na
aqui apresentados será também a contribuição deste
convivência humana. A autora alerta ainda que a
estudo à comunidade acadêmica, que poderá contar
instrumentalização da ação e a degradação da política
com essas reflexões, em especial neste momento de
como meio de atingir outra coisa, jamais chegaram a
intensas mudanças na maneira de ver o ser humano
suprimir a ação, a evitar que ela continuasse a ser
de uma forma integrada.
uma das mais decisivas experiências humanas.
Vislumbramos, ainda, novas possibilidades de
Ensinar é entrar em uma sala de aula e colocar-
desdobramento das idéias aqui apontadas, no sentido
nos diante de um grupo de alunos esforçando-nos para
de discutir sobre o trabalho do professor universitário,
estabelecer relações e desencadear com eles um
fundamentado em princípios educacionais que
processo de formação mediado por uma grande
ofereçam uma prática pedagógica, com visão de
variedade de interações.
totalidade, buscando implementá-lo, com vistas a
A dimensão interativa dessa situação reside,
cumprirmos nosso papel, visto que, nós, professores,
entre outras coisas no fato de que, embora possamos

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encontramo-nos cada vez mais comprometidos e Paulo, n.1, p. 5-16, set. 1978.
envolvidos na construção do saber aliado ao ______. Concepção dialética da educação e educação
crescimento interior de cada um, o que vem reforçar brasileira contemporânea. Educação & Sociedade. São
nossa crença de que nós, professores, promovemos a Paulo, n. 8, p. 5-32, mar. 2000.
educação integral, contemplando a compreensão da
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pessoa humana, a partir de suas potencialidades.
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atual sociedade brasileira. Educação & Sociedade. São

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Uma contribuição das ciências cognitivas para a avaliação institucional.

Encarnação Manzano
Doutora em Educação – UNESP
Docente da UNIFEV

Resumo

O presente texto oferece uma reflexão sobre a contribuição das ciências cognitivas para a
avaliação, sugerindo possibilidades para seu aperfeiçoamento.

Unitermos: Avaliação. Qualidade. Inteligência. Ciências Cognitivas.

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1. Algumas considerações. Surgem então questões como: Seria a


construção do conhecimento algo espontâneo como
acreditava Piaget ao concebê-lo como fruto da reflexão
A avaliação institucional no ensino superior, do sujeito sobre a realidade ou estaria com a razão
assunto bastante discutido recentemente, passa pela Vygotsky ao colocar a intervenção de um mediador
avaliação do processo de ensino por intermédio da como relevante para essa construção.
aprendizagem dos acadêmicos. Que desequilíbrios, no sentido piagetiano,
Embora a legislação estabeleça procedimentos poderiam ser provocados para estimular a construção
para o processo de avaliação dos cursos e instituições de novas estruturas cognitivas ou modificação de
de ensino superior em direção a indicadores de estruturas já existentes (acomodação) dinamizando o
desempenho global, a relevância, na prática, parece equipamento mental humano? No sentido
centrar-se no desempenho dos acadêmicos, causando- vygotskiano, que intervenções fazer e em que
lhes impactos assim como nas instituições, momento intervir para ocupar produtivamente a zona
principalmente quando os resultados não atingem os de desenvolvimento proximal e a partir do
objetivos previstos nacionalmente. desenvolvimento real, construir o conhecimento e
O processo de ensino-aprendizagem, longe da desenvolvimento em direção ao ideal? Essas questões
reciprocidade esperada, em específico, no ensino esbarram na falta de informações sobre o equipamento
superior, constitui-se na prática, em dois processos mental e seus mecanismos, aumentando as
distintos, um afeto ao docente (ensino) e outro ao incertezas em como lidar com o conhecimento no
acadêmico (aprendizagem). Permeando os processos contexto não só acadêmico, mas também nos demais
encontra-se o conhecimento, objeto de discussões, níveis de ensino da Educação Básica.
questionamentos e investigações há muito. Como as informações interferem e que reações
Pretender que o aluno aprenda não significa ou provocam no equipamento mental dos humanos são
garante que o aluno vá aprender de fato. Para que questões cujas respostas ainda estão por vir, mas estão
haja reciprocidade e harmonia entre os processos, não seguramente relacionadas aos mecanismos da mente
basta o professor desejar que o aluno aprenda, é e do comportamento cerebral.
preciso que o aluno também esteja desejoso de Estaria a “formação” do profissional em nível
aprender. superior direcionada ao desenvolvimento intelectual
A motivação apresenta-se como fator decisivo estimulando as inteligências e provocando as conexões
na aprendizagem do aluno e no ato de ensinar do sinápticas necessárias à manutenção neural dos
professor. Essa reciprocidade e a motivação acadêmicos ou estaria neutralizando e até mesmo
constituem-se no sucesso do processo e em benefício provocando atrofiamento em seu equipamento
dos atores envolvidos. mental?
O ensino e a aprendizagem estão muito Na avaliação da aprendizagem, pelo que se pode
próximos à questão do conhecimento, de como ele é deduzir da prática, está apenas a ponta do “iceberg”,
representado na mente humana, e em que ele pois sua limitação não permite adentrar os meandros
consiste. Desvendar esse enigma seria resolver a e mistérios das ligações cerebrais que se formam e
questão de como ensinar e de como aprender em não possibilita a certeza sobre as repercussões na
direção ao sucesso educacional pela utilização dos mente, das informações que chegam através do
mecanismos adequados para a construção desse ensino.
conhecimento. Não teríamos, por exemplo, problemas A informação resulta da seleção de parte da
em como ensinar e portanto, não haveria problemas capacidade combinatória, a partir da escolha entre
em como avaliar já que o aluno não teria como não mensagens que se organizam e sua transmissão
aprender. poderia ser considerada como uma “transmissão de

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organização”. feitas em momentos cruciais (período crítico) do


Em se tratando de desenvolvimento mental, desenvolvimento. Isso significa que há uma
constitui-se segundo Piaget (1967), em “uma flexibilidade no desenvolvimento humano e essa
equilibração progressiva”, ou seja, “na passagem flexibilidade chega ao máximo no início da vida.
contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado Entretanto, o grau de flexibilidade varia de acordo com
de equilíbrio superior”. A ação humana tem como a região do Sistema Nervoso envolvida que para se
característica esse momento contínuo de equilibração desenvolver precisa de estímulos adequados.
a partir de desequilíbrios causados por necessidades
ou novas informações. Cada informação exige uma Estudos demonstraram que no decorrer da vida
nova organização mental resultante de modificações há uma diminuição na população neural inicial,
internas, cujos mecanismos desafiam o conhecimento quando os neurônios estão formando conexões
humano. sinápticas com objetivos previamente designados
As conseqüências dessa nova organização atingindo sua densidade máxima nos primeiros anos
podem ser conhecidas, mas os caminhos percorridos, de vida. Para o mesmo autor a maturidade é resultado
que neurônios foram acionados, que relações de um processo de eliminação ou atrofiamento de
sinápticas ocorreram não são conhecidos o suficiente células nervosas que não são utilizadas nas conexões
para fornecerem informações que nos dêem a certeza originariamente designadas.
para descrevê-los rigorosamente a ponto de reproduzi- Eric Kandel apud Gardner (1994) para quem
los. Ainda não é possível ao homem descrever como
isso ocorre, a não ser de maneira hipotética. Essa
incerteza, pela falta de um número suficiente de
as potencialidades para muitos comportamentos
informações anuncia a não possibilidade de dos quais um organismo é capaz estão embutidos no
explicações sobre as diferentes alternativas andaime básico do cérebro e encontram-se, nesta
(organizações) para a solução de problemas, conforme extensão, sob o controle genético e desenvolvimental
cada indivíduo e até mesmo no próprio indivíduo (...), fatores ambientais promovem essas capacidades
(várias hipóteses para resolver uma situação, um latentes alterando a eficácia das vias pré – existentes,
desafio ou um conflito). por meio disso levando a expressão de novos padrões
A “psicologia do processamento de informação” de comportamento,
ou “ciência cognitiva” e a Teoria de Piaget assim como
os Testes de Inteligência, segundo Gardner (1994) tem
sido insensíveis ao papel da sociedade e tem tido pouco
interesse quanto à criatividade, fundamental nos vê a aprendizagem apoiada em bases biológicas
níveis mais elevados da inteligência humana. e destaca alguns princípios centrais desse processo.
Para o autor, as informações mais valiosas para Para Kandel, aspectos elementares podem localizar-
explicar a inteligência tendem a vir do profundo se na atividade de células nervosas específicas.
conhecimento do Sistema Nervoso, da forma como ele Acredita que a aprendizagem resulta de uma alteração
é organizado, como se desenvolve e como entra em nas conexões sinápticas entre as células nervosas e
colapso. Coloca sua expectativa, quanto aos estudos da força dos contatos já existentes, podendo mudanças
da inteligência na perspectiva da neurobiologia profundas e prolongadas serem produzidas pela
coadjuvada pela neuroanatomia, neuropsicologia e alteração da quantidade de transmissores químicos
neurofisiologia. Acredita que o potencial intelectual liberados nos terminais dos neurônios.
de um sujeito pode ser alterado por meio de Outro princípio encontra-se na combinação de
intervenções, havendo maior maleabilidade do processos simples de alteração de forças sinápticas
desenvolvimento, quando intervenções adequadas são para explicar a ocorrência de processos mentais
complexos que seriam produzidos por uma “gramática
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celular” encontrada por trás das diversas formas de se alterar as formas de trabalho, criando-se uma
aprendizagem. cultura onde as tendências herdadas possam fluir e
As considerações de Kandel apud Gardner (1994) desenvolver-se. Se os objetivos estiverem limitados à
relativas aos fatores ambientais como promotores de canalização de uma ou outra inteligência, corre-se o
capacidades latentes estão em sintonia com o peso da risco de estagnação e limitação culturais. Esses riscos
cultura no desenvolvimento das inteligências podem indicar para dificuldades de desempenho
humanas de Gardner. Estudos voltados para a satisfatório num mundo que avança rapidamente para
educação desenvolvidos por David Feldman oferecem a diversificação. As estagnações e as limitações se
indícios de que as conquistas cognitivas podem ocorrer apresentam como prejudiciais tanto ao acadêmico
em vários domínios dentre os quais, o domínio como a instituição e a sociedade.
universal, o cultural, o idiossincrásico e o singular. Dessa forma, a avaliação não pode limitar-se a
Para ele, grande parte das informações essenciais para notas e conceitos que não representam a realidade
o desenvolvimento encontra-se mais na cultura do que de cada estudante e das suas possibilidades mentais.
na cabeça das pessoas. Cada domínio passa por etapas Sua relevância deve estar no conhecimento e nas suas
e no caso de crianças prodígios, a passagem por essas possibilidades mentais, assim como nas alternativas
etapas ocorre com grande rapidez, tornando-a possíveis de condições estimuladoras de conexões
qualitativamente diferente das demais. sinápticas e não em pontuações quantitativas.
Segundo Gardner (1994), os estudos com A criação de um clima que ofereça situações
prodígios vêm demonstrando, na questão do desafiadoras, situações de conflito quer no campo
desenvolvimento das inteligências, a existência de das idéias, quer no campo da prática sugere atividades
uma notável coincidência de fatores como: propensão que provoquem reações mentais estimulando
possivelmente inata (genética), pressão dos pais e neurônios e ampliando a rede de ligações neurais.
familiares, excelentes professores, motivação elevada Entretanto, embora teoricamente se aceite essa
e, quem sabe, o mais importante, uma cultura onde premissa, compreendendo-a como uma necessidade,
a propensão inata tenha grande chance de se também ela, na prática, se coloca como um desafio
desenvolver. Estudos de David Olson sobre tanto aos pedagogos como aos cientistas cognitivos.
aprendizagem indicaram diferenças na aprendizagem A questão da avaliação passa a ser fonte de um
e raciocínio em sociedades escoladas (valorização da novo processo, o de discussões, cujo consenso em
alfabetização) e não escoladas. termos práticos fica a cargo de cada docente, de cada
instituição, no seio da qual encontram-se as mais
diversas filosofias de avaliação.
2. A contribuição dos estudos das ciências Nesse contexto surge a avaliação institucional
cognitivas. que traz em seu bojo o objetivo de melhorar a
qualidade de ensino e com ela a qualidade dos
profissionais que as instituições de ensino superior
As ciências cognitivas podem contribuir com a colocam no mercado de trabalho a cada final de curso.
avaliação institucional, em específico, com a avaliação Dessa forma, a questão da qualidade é muito
da aprendizagem, no sentido de oferecer subsídios para parecida com a questão da mente no sentido de
uma definição mais precisa do que se pretende fazer Dennet (1996), pois sabemos que ela existe, assim
das novas gerações. É notório que a cultura responde como sabemos distinguir um ser com mente de um
pela canalização de inteligências a partir do ser que não a tem. Entretanto, não temos acesso a
equipamento herdado. Assim, se os objetivos do ensino cada tipo de mente para saber com certeza o que se
superior estiverem pautados no desenvolvimento passa em cada uma delas. No caso do ensino, sabemos
da inteligência e construção do conhecimento há que distinguir um ensino de qualidade de um ensino que

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não tem qualidade. Mas o que faz essa qualidade e o peças, mas dedicando especial atenção ao funcionamento
que ela produz em cada uma das mentes, também do conjunto. Este é o enfoque que adota a avaliação
encontra-se no campo das investigações. institucional.
As diferenças individuais parecem harmonizar-
se com as diferenças de ressonância de informações
recebidas pelas mentes. Quando a sociedade absorve Na opinião de Gil Antón (1991),
profissionais alguns resultados (informações) desafiam
a própria compreensão de como essa qualidade
idealizada se comporta em cada estudante
A qualidade resulta de uma variedade de
confirmando as incertezas sobre a questão das formas componentes, entre os quais é necessário incluir: o
de apreensão disponíveis em cada mente. Mas, parece sistema de administração e gestão, as características
haver alguma certeza quanto à existência de um grau dos professores e estudantes, os programas de estudos
de competência individual relacionado aos aspectos e as técnicas e métodos de ensino, a investigação e suas
qualitativos da aprendizagem. A própria motivação ou relações com o ensino, as bibliotecas, os laboratórios e
“impulso cognitivo” no sentido de Ausubel, poderia vir outros serviços, as fontes e os recursos financeiros
ao encontro dessa disponibilidade do aprender. suficientes e a eficácia com que se utilizam, as relações
Na prática, o docente ao desenvolver uma aula, entre as universidades e suas comunidades, outras
instituições nacionais e estrangeiras, o setor produtivo e,
embora o faça com a intenção de que todos assimilem
por último, o ambiente de relações humanas, valores e
e criem novas relações de conhecimento não atitudes que predominam nas instituições.
consegue prever, como em Laplace, os resultados dessa
aula em cada um dos estudantes. E, quem sabe não
esteja nessa incerteza a corporificação de toda
sabedoria e o grande desafio do ato de ensinar. Para Fernández Pérez (1989),
Como se comporta então a avaliação
institucional em termos de resultados e como esses
resultados são analisados em termos da certeza de
todas essas incertezas. Quais as perspectivas de O lugar mais potente para institucionalizar a
melhora permanente da qualidade do ensino, é no âmbito
qualidade dos recursos humanos colocados no mercado
da capacitação profissional; as propostas devem ser
de trabalho pelas instituições com base nessas conseqüência dos processos de avaliação e investigação
incertezas. Que “condições” dão a uma instituição a levados a cabo em nível local e que podem sintetizar-se
certeza de estar oferecendo um ensino de qualidade em quatro níveis de incidência:
em nível superior.
Com relação à avaliação da qualidade
a) Descrição geral da qualidade do ensino
institucional, Tejedor (1997) faz a seguinte de universitário (avaliação inicial dos elementos funcionais,
colocação: pessoais e materiais que intervém no processo docente);

– Diagnóstico específico dos aspectos nos


quais se deve intervir;
Parece óbvio que uma instituição universitária só
pode alcançar um razoável nível de qualidade quando os
elementos humanos, financeiros e físicos, o ensino e a – Plano de intervenção dirigido para a
investigação, a organização e a direção, são os apropriados satisfação de necessidades e melhoria da capacitação
para os fins que a instituição persegue. Portanto, a técnica e docente de pessoal;
avaliação da qualidade de uma universidade só é
possível fazê-la globalmente, avaliando cada uma de suas

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– Acompanhamento e avaliação da conteúdos sujeitos a um processo acelerado de


intervenção realizada. (TEJEDOR, 1997). esquecimento.
As considerações anteriores servem como apoio
para a afirmação de que os resultados das avaliações,
tanto internas como externas, apresentam-se como
No Brasil, a avaliação institucional que vem pouco significativos pelo grau de abrangência bastante
sendo desenvolvida no ensino superior, com base no limitado a conhecimentos passados e depois devolvidos
Decreto n. 2026/96 constituiu-se no primeiro passo de forma fragmentada nas “avaliações”. Não tem
para atender as expectativas da sociedade em seu havido, salvo exceções, uma exigência de “superávit”
desejo de conhecer as atividades desenvolvidas nas nos processos avaliativos, havendo em alguns casos
instituições de ensino superior. A sociedade deseja cortes e neutralizações, quando as criações chocam-
explicações sobre a aplicação dos fundos públicos e sua se com os padrões idealizados, perdendo-se
utilização pelas universidades dentro da sua oportunidades para o desenvolvimento de novos
autonomia. Por outro lado, as instituições de ensino paradigmas.
superior “públicas” privadas, filantrópicas e Isso significa que, se levarmos em conta o campo
comunitárias também começam a receber cobranças de estudo das ciências cognitivas, os conhecimentos,
mostrando interesse em conhecer os benefícios não raro, pouco compreendidos, não são suficientes
sociais resultantes da aplicação dos recursos para oferecer certezas quanto à qualidade de serviços
financeiros. A prestação de serviços e a sua qualidade prestados pelas instituições e não garantem o sucesso
é assunto de grande interesse para as fontes profissional na sociedade.
financeiras. As explicações para esse interesse A realidade vem mostrando que há casos de
podem ser dadas, por razões que vão desde à estudantes com desempenho brilhante nas
competitividade econômica, exigência de qualidade por instituições que nem sempre são felizes e com
parte dos cidadãos e processos produtivos, até a desempenho semelhante na profissão. Há ainda casos
exigência cada vez maior de qualidade pelos de profissionais que exercem profissões equivocadas,
empregadores, quanto aos níveis de formação dos que por não terem se dedicado ao que realmente gostariam.
procuram trabalho. A autonomia universitária passa As reflexões sobre esses casos justificam o temor de
pela prestação de contas que implica redução das que a avaliação institucional poderá, se não tomados
contas. os devidos cuidados, caminhar para uma função
Uma reflexão pertinente situa-se nos resultados classificatória, nos termos de Luckesi (1998),
das avaliações aplicadas nos cursos definidos pelo classificando as instituições de acordo com o resultado
Ministério de Educação, se estão retratando de fato as da avaliação dos alunos. Esse comportamento poderia
realidades institucionais. Se a forma utilizada para tirar da “avaliação” a sua verdadeira razão de ser, a
avaliar e os resultados da aprendizagem em âmbito tomada de decisão, assim como neutralizar
externo aproximam-se aos da avaliação interna e paradigmas inéditos.
auto-avaliação de alunos e docentes das instituições. A tomada de decisão pelos docentes e órgãos
Outra reflexão interessante sobre o processo de competentes, que detêm o poder decisório, dadas as
avaliação é se o mesmo encontra-se em consonância suas próprias dificuldades, não acompanham o
com objetivos dirigidos ao desenvolvimento da processo de avaliação e seus resultados, constituindo-
inteligência e criatividade dos estudantes ou apenas se em um processo “solto” e totalmente “divorciado”
à sua classificação por notas e conceitos do processo de ensino. Isto porque, muitas vezes o
representando resultados que se harmonizem até docente trabalha dentro de uma perspectiva de
certo ponto com as expectativas idealizadas pelos desenvolvimento e construção de conhecimento, mas
docentes e órgãos promotores da avaliação, com vistas no momento de avaliar, os instrumentos utilizados são
à avaliação das instituições, como transmissoras de
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conservadores, destruindo os avanços conseguidos em realidade, pois só o indivíduo pode avaliar seu próprio
nível de ensino. conhecimento e posicionar-se diante dos padrões
Por outro lado, o processo de ensino tem colocados como parâmetros nas comunidades
dificuldade em utilizar as conseqüências da avaliação educacional e social.
em direção ao ideal desejado. A auto-avaliação possibilita ao sujeito maior
Outro problema apresentado é quanto ao ideal clareza e certeza quanto ao seu próprio conhecimento,
desejado, o que significam as conseqüências da pois só ele tem informações capazes de situá-lo dentro
avaliação e quais os conhecimentos por elas do contexto, apontando possíveis desvios entre esses
representados. parâmetros.
Como ter a certeza de que os resultados de uma Importante questionar se a criatividade e o
“avaliação” são significativos e fidedignos? talento estão sendo despertados, desenvolvidos e bem
Essa incerteza fundamenta a certeza de que a cuidados nas instituições, ou se na maioria dos casos
“avaliação”, nos termos como vem sendo desenvolvida, continuam adormecidos.
não ajuda a desvendar a mente e seus mistérios. Não Como explicar, por exemplo, a fluência
oferece dados significativos que possam justificar a lingüística de Jean-Paul Sartre, a encantar platéias
rotulação de inteligências, pois o seu desenvolvimento aos cinco anos de idade e a sua habilidade como
e o funcionamento da mente, apesar das tentativas, escritor conforme seu próprio depoimento aos nove
ainda parecem estar longe de serem compreendidos. anos de idade:
A não compreensão dos fenômenos da mente
oferece outra certeza, a de que os paradigmas, sob a
égide dos quais a avaliação ocorre na prática, são
superficiais e não são capazes de captar as Ao escrever eu estava existindo... minha caneta
conseqüências causadas pelas informações que os corria tão rápido que era comum que meu punho doesse.
docentes passam aos acadêmicos. Os instrumentos Eu jogava os cadernos preenchidos no chão e, enfim,
são frágeis e não atingem a essência do conhecimento esquecia deles, eles desapareciam... Eu escrevia para
escrever. Não me arrependo disso; se eu tivesse lido,
no indivíduo, a não ser daqueles que podem ser
teria tentado agradar (como fiz em meus desempenhos
manifestos e observáveis. orais anteriores). Eu teria me tornado um prodígio de
A construção do conhecimento advinda de novo. Sendo clandestino eu era verdadeiro.(GARDNER,
processos interacionistas interiorizados só pode ser 1994, p. 63)
conhecida pelos próprios indivíduos. Suas ações
refletem “naturalmente” esse conhecimento
interiorizado, não refletindo as respostas e os
desempenhos cobrados, por exemplo, em uma prova E a sensibilidade de Vicent Van Gogh ao falar da
ou em um teste, formas ainda bastante utilizadas nos cor em carta para seu irmão Theo:
meios educacionais.
A evidência dessa afirmação é fácil de
constatar. Basta confrontar o discurso sobre a
Há efeitos de cor que apenas raramente encontro
“avaliação” e a sua prática nas instituições. Junte-se pintado nos quadros holandeses. Ontem à tarde, eu
a isso, as dificuldades no desenvolvimento de estava ocupado pintando um fundo um tanto oblíquo na
diferentes paradigmas de avaliação provocadores de floresta, coberto de fungos e folhas de faia secas. Você
avanços em direção ao conhecimento caracterizado não pode imaginar qualquer carpete tão esplêndido quanto
não na fragmentação, mas nas relações. aquele vermelho amarronzado ao brilho de um sol de
Dadas as considerações, parece que a prática tarde de outono temperado pelas árvores. A pergunta era
da auto-avaliação encontra-se mais próxima à – e a considerei muito difícil – como obter a profundidade
da cor, a enorme força e solidez daquele chão. E

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enquanto o pintava percebi pela primeira vez quanta luz driblar essas canalizações culturais e ficar atento a
havia naquele escuro, como se poderia manter aquela luz outras manifestações estudantis, modificando as
e ao mesmo tempo reter o brilho e a profundidade daquela formas de ensinar e de avaliar. Procedendo dessa
cor viva?(GARDNER, 1994, p. 152). forma estaria contribuindo para que a flexibilização
pudesse se manter por mais tempo, criando uma
cultura institucional capaz de oferecer as condições
necessárias ao desenvolvimento de inteligências, onde
E, o talento do pianista Arthur Rubinstein no talentos pudessem fluir e desenvolver-se.
relato: Outro aspecto evidenciado é o de que a avaliação
tem como característica a indicação de caminhos e
alternativas para avanços e não de final de
caminhada. O seu caráter positivo está exatamente
A sala de visitas tornou-se o meu paraíso... metade
em estimular inteligências, buscar saídas e provocar
por brincadeira e metade a sério aprendi a conhecer as
teclas por seus nomes e com minhas costas voltadas a investigação principalmente em assuntos
para o piano eu nomeava as notas de qualquer acorde, instigantes e problemas de difícil solução. Para
até mesmo o mais dissonante. A partir daí tornou-se mera entender o processo de avaliação é preciso entender
‘brincadeira de criança’ dominar as dificuldades do teclado que o ser humano não comete erros, mas toma
e logo fui capaz de tocar primeiro com uma mão, depois decisões de acordo com as informações que possui num
com ambas, qualquer melodia que chegasse ao meu determinado momento em uma determinada situação.
ouvido... Tudo isso, é claro, não deixou de impressionar
minha família – nenhum dos quais, devo agora admitir,
inclusive avós, tios, tias, possuía o menor talento 3. Bibliografia
musical... Por volta da época em que eu tinha três anos
minha fixação era tão óbvia que minha família decidiu
fazer algo sobre o meu talento. (GARDNER, 1994, P. 89).
DENNETT, D. C. Kinds of minds: toward in understanding
of consciousness. New York: Banc Books, 1996.

Esses relatos se justificam nas evidências de DUPUY, J. P. Nas origens das ciências cognitivas. São
que as instituições nem sempre estão atentas aos Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1996.
talentos que em geral emergem em ambientes mais
abertos e livres.
Assim, a avaliação institucional apresenta-se EPSTEIN, I. (org.). Cibernética e comunicação. São Paulo:
bastante limitada para descobrir estudantes criativos Editora Cultrix, EDUSP, 1973.
e talentosos, pois esses aspectos não compõem as
questões avaliativas. _______________. Teoria da Informação. São Paulo: Ática,
1986.
3. Conclusão
Das considerações e discussões anteriores pode- GARDNER, H. Estruturas da mente: a teoria das
se concluir que a avaliação institucional, em inteligências múltiplas. Tradução: Sandra Costa. Porto
específico, no que se refere aos aspectos comuns Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.
quanto aos talentos e indivíduos criativos não tem
trazido conseqüências. Seus objetivos estão afetos aos
conhecimentos sistematizados e inteligências GARDNER, H. A redescoberta da mente: uma história
valorizadas culturalmente. O educador precisaria da revolução cognitiva. São Paulo: EDUSP, 1995.

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GONZALES, M. E. Q. et al. Encontro com as ciências


cognitivas. 2 ed. Ver. e ampl. Marília: Faculdade de Filosofia
e Ciências, 1997.

HOFFMANN, J. M. L. Avaliação: mito e desafio: uma


perspectiva construtivista. Porto Alegra: Mediação, 1991.

LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar:


estudos e proposições. 7 ed. São Paulo: Cortez, 1998.

MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro:


Bertrand Brasil, 1996.

SOARES, A . O que são as ciências cognitivas. 1 ed. São


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TEJEDOR, F. J. T.; BLANCO, L. S. La evaluación institucional


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v. 2, n. 2, jun. 1997.

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Instruções aos Autores seguintes normas:


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em dados empíricos, utilizando metodologia científica.
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teóricos, levando ao questionamento de modelos
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pesquisas. Especificações gerais idênticas às dos
nomes comerciais de quaisquer produtos. Quando
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necessário indicar apenas a designação química ou
Relatos de experiência profissional: estudos
científica do mesmo.
de caso, contendo análise de implicações conceituais,
_os trabalhos resultantes de pesquisas ou relatos
ou descrição de procedimentos. Especificações gerais
de experiências que envolvam seres humanos,
idênticas às dos Relatos de Pesquisa.
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Revisões críticas da literatura: análise
escolhidos respeitam o estabelecido pela Declaração
abrangente de literatura sobre um determinado
de Helsinque (1975 e revisada 1983) e o respeito à
assunto. Especificações gerais idênticas às dos
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Relatos de Pesquisa.
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