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D esterritorialização e forma literária

D esterritorialização e forma literária


Literatura brasileira contemporânea e experiência urbana

F lora Süssekind

É
predominantemente urbana a imaginação de não têm significado necessariamente comple-
literária brasileira nas últimas décadas. O xificação dos recursos formais, da prática literá-
que se evidencia até mesmo em relatos de ria e da experiência histórica recente. Muitas
forte teor regional (como os de Raimundo vezes essa complexificação resultando não exa-
Carrero), em histórias de migração e ina- tamente de representações explícitas, documen-
daptação social (como em As Mulheres de Tiju- tais, do urbano, mas da produção de espaços
copapo, de Marilene Felinto), ou nas quais ras- não representacionais e de zonas liminares, am-
tros da experiência rural se justapõem por vezes bivalentes, transicionais, da subjetividade.
a um cotidiano citadino (como em alguns dos Por isso optou-se aqui pelo exame mais
contos de Angu de Sangue, de Marcelino Freire). detido de alguns exemplos da produção poética
Essa dominância parecendo apontar tanto para brasileira e não das letras de rap ou funk, com
o fato de a população brasileira ter se tornado seu registro do cotidiano violento e excludente
sobretudo urbana nesse período, com apenas nas periferias das grandes cidades do país, ou da
30% permanecendo no campo, quanto para prosa recente, na qual se multiplicam os teste-
uma reconfiguração artística das tensões entre munhos diretos, as histórias de vida, os percur-
localismo e cosmopolitismo, rural e urbano. sos e contrastes urbanos. E de que são exempla-
Articulações que, fundamentais para a auto- res obras como o romance Capão Pecado, de
conscientização cultural, inclusive para sua dife- Férrez, escrito em linguagem propositadamen-
renciação regional, no país, se veriam marcadas te de gueto, com material autobiográfico, por
crescentemente pela hipertrofia de um dos pó- um ex-padeiro, filho de um motorista de ôni-
los, por um desdobramento das mediações en- bus, morador do bairro Capão Redondo, da
tre organização social urbana e forma artística, zona sul de São Paulo. Ou como as histórias de
processo no qual duplicação e representabilida- presidiários reunidas, em 2000, no volume

Flora Süssekind é pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa e professora do Departamento de


Teoria do Teatro da UNIRIO. Este ensaio, que procura retrabalhar, em perspectiva mais ampla, alguns
artigos publicados originalmente como colaboração mensal ao caderno Idéias, do Jornal do Brasil, foi
apresentado, parcialmente, em encontro realizado em março de 2001, a convite de César Braga Pinto e
do Departamento de Português e Espanhol da Universidade de Rutgers e, em versão ampliada, em
seminário realizado em 21 de maio de 2002 no Centre for Brazilian Studies em Oxford, a convite de
Leslie Bethell.

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Letras de Liberdade; as memórias de rua, como entre as imagens fotográficas de um segmento


o livro Por que não dancei, de uma ex-menina da periferia urbana, em Capão Pecado, e de um
de rua, Esmeralda do Carmo Ortiz; ou os itine- presídio brasileiro, em Estação Carandiru, e um
rários homoeróticos, como os de José Carlos texto enxuto, com frases curtas, dicção parado-
Honório. Todos estes textos, de algum modo, xalmente leve, de crônica, cheio de apelidos,
evidenciando o neodocumentalismo intensifi- expressões de gueto, ditados e exemplos de vio-
cado na ficção brasileira contemporânea, lência verbal, muitos diálogos e um verdadeiro
marcada ora por uma espécie de imbricação en- exercício tipológico, tendo por base, de um
tre o etnográfico e o ficcional (de que são exem- lado, a população carcerária, de outro, os desti-
plares tanto um romance como Cidade de Deus, nos e o cotidiano dos moradores de uma das
de Paulo Lins, quanto o conjunto de relatos e regiões mais pobres de São Paulo. Nos dois ca-
tramas fragmentárias do cotidiano de rua de que sos parece caber à fotografia o fornecimento de
se compõe Vozes do Meio-Fio, dos antropólo- prova de evidência ao narrado. O que, se, por
gos Hélio R. S. Silva e Cláudia Milito), ora por um lado, empresta a ele visibilidade e reconhe-
um registro duplo, no qual se espelham fotos e cimento imediatos; por outro lado, produz uma
relatos, dando lugar a uma sucessão de livros relação de dependência discursiva evidente do
ilustrados, que se converteriam, nos últimos modo narrativo com relação à sua contraparte
anos, quase em gênero-modelo dessa imposição visual.
representacional. Essa geminação entre foto e relato se, à
primeira vista, parece produzir uma aproxima-
ção entre o leitor e a matéria urbana enfocada,
Reterritorializações e uma materialização literária da trama citadi-
e desterritorializações na, ganha sentido distinto quando se observa
que a operação fundamental, nesses relatos ilus-
Exemplares desse espelhamento mútuo entre o trados, é justamente a colocação entre parênte-
fotográfico e o narrativo, entre a ilustração e as ses dos recursos narrativos, como possibilidade
tramas testemunhais, são livros como Capão de ampliação, reforçada pelos cadernos de fotos
Pecado, cujo relato se faz acompanhar de dois e por uma escrita parajornalística, do campo de
cadernos de fotos profissionais e caseiras que visibilidade contextual. A neutralização do pro-
parecem materializar a geografia romanesca, e cesso narrativo, em prol de um inventário ima-
Estação Carandiru, testemunho de Dráuzio gético, de uma imposição documental, tenden-
Varella sobre o seu trabalho voluntário como do, todavia, tanto à reprodução de tipologias e
médico na Casa de Detenção de São Paulo, ao conceituações correntes, estandardizadas1, com
qual se anexou um vasto arquivo iconográfico, relação a essas populações, quanto ao congela-
tirado do seu acervo pessoal, de coleções parti- mento da perspectiva (à primeira vista, apro-
culares e dos arquivos de jornal, à guisa de su- ximada) de observação numa presentificação
plemento, de referendum fotojornalístico ao re- restritiva, estática, fundamentada no modelo da
gistro narrativo. coleção, e não na experiência histórica propria-
Os dois livros, de importância documen- mente dita.
tal inegável, têm estrutura semelhante, baseada Esta imposição representacional pode ser
na produção de uma relação de similaridade percebida, mas de modo diverso, em livros

1 O que explica, em parte, a quantidade de semanas de permanência ininterrupta de Estação Carandiru


na lista de best-sellers das revistas e jornais brasileiros de maior circulação.

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como Angu de Sangue, de Marcelino Freire, no de se recorrer a um arquivo fotográfico-hospi-


qual as imagens fotográficas propositadamente talar vitoriano já produz tensão evidente entre
desrealizadas cumprem, no entanto, função imagem fotográfica anacrônica e conto atual.
ilustrativa, ou em Treze, de Nélson de Oliveira, Não é também o que acontece em “Minha His-
ilustrado com fotos extraídas do arquivo de re- tória Dele”, outro texto ilustrado, desta vez de
gistros de admissão de um hospício vitoriano Valêncio Xavier, e que foi publicado original-
inglês. Nesses livros o aspecto abstratizado ou mente, no primeiro número da revista “Fic-
grotesco das imagens serve também de redu- ções”, em 1998. Aí, a rigor, só se dispõe mesmo
plicação, mas de reduplicação perversa, não é de quatro imagens de um homem coreano,
difícil perceber. Pela desrealização, no primeiro morador de rua em Curitiba, que, à maneira de
caso, e pelo desajuste histórico da série de retra- um homem-sanduíche, traz a própria história
tos oitocentistas utilizada em Treze, sobretudo manuscrita e pendurada no corpo.
tendo em vista os quadros e tipos urbanos insó- Neste caso, a reduplicação entre texto e
litos, mas cotidianos, desses contos. imagem parecendo chegar a um tal extremo que
O reiterado movimento de reduplicação mesmo o relato e a escrita a mão nele emprega-
entre texto e imagem, relato e ilustração (ao lado da são elementos extraídos dos cartazes pendu-
de uma espécie de exigência de adaptabilidade rados ao corpo do andarilho citadino, o relato
potencial ao cinema ou à televisão) funcionan- propriamente dito achando-se aparentemente
do, em geral, ao contrário, nesses livros ilustra- inscrito nas fotos. E a alternância entre proxi-
dos (como os de Férrez e Dráuzio Varella), nes- midade e distância, perceptível no contraste in-
ses livros-roteiros potenciais (Cidade de Deus, terno a cada um dos dois pares de fotos, a rigor
por exemplo), como afirmação da própria fide- quase idênticas, que constituem o conto, tem-
dignidade por meio do deslocamento da aten- poralizando a observação do pedinte e assina-
ção do leitor do processo narrativo em direção lando, por meio de um jogo pronominal irôni-
a imagens que se apresentem como vias diretas co (“Minha História Dele”) presente no título,
de acesso ao contexto, ao referente extraliterário a ligação entre observador e morador de rua.
desses testemunhos e ficções. Mas o que se ob- O conto de Valêncio Xavier aproxima-se,
serva é que nessa aparente captura documental nesse sentido, de um dos topoi de maior expan-
do referente urbano, para aproximá-lo do lei- são no imaginário urbano brasileiro – o dos “en-
tor, com freqüência, quando se observam essas contros inesperados” entre pessoas díspares –,
imagens, verifica-se que operam com clichês, definidos por Ismail Xavier como “experiências
com reimpressões de um repertório previsível de pontuais, marcadas por certa singularidade”,
figuras e situações citadinas, que, ao contrário oferecidas pela “migração” ou pelo “espaço da
do que se afigura à primeira vista nessas obras, cidade” (Xavier, 2000, p. 110-1; 116-7; ver,
acentuam (ao invés de criticá-las) as distinções também, Conti, 2000, p. 8-9). E que teriam
sociais já demarcadas, com precisão, no cotidia- exemplos cinematográficos recentes, como as-
no. A ampliação da área de visibilidade urbana, sinala o crítico paulista, no encontro fictício da
ao contrário do que sugere, então, a rigor, a in- atriz Sarah Bernhardt com as três matutas do
clusão do catálogo fotográfico, parecendo cor- interior de Minas Gerais no filme “Amélia”, de
responder, em parte, nesses casos, a uma restri- Ana Carolina; do menino Josué com a ex-
ção narrativa e crítica, a uma reafirmação da professora Dora em “Central do Brasil”, de
distância entre observador e matéria documen- Walter Salles Jr.; de meninos pobres, por acaso
tada, a um controle e uma imobilização da pers- armados, com um americano e sua família em
pectiva histórica. “Como nascem os anjos”, de Murilo Salles; do
Não é propriamente o que ocorre em Tre- foragido da cadeia com a moça de classe média
ze, como já se assinalou, pois aí o simples fato na noite de Réveillon em “O primeiro dia”, de

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Walter Salles e Daniela Thomas. Encontros que, ximação com relação a este quadro urbano cuja
em diálogo com os quadros urbanos baudelai- violência implícita, ao contrário da segregação
rianos que muitas vezes lhes servem de fonte, se dominante na experiência citadina cotidiana,
manifestariam igualmente na poesia brasileira resultaria, aí, numa espécie de desdobramento
contemporânea. da apreensão visual, na produção de uma pers-
É o caso de “Spiritus ubi vult spirat”, poe- pectiva dupla (minha/dele) para o relato.
ma de Sebastião Uchoa Leite no qual o sujeito, Pois, neste caso, o sem-teto também pa-
atravessando a Av. Presidente Vargas, se depara rece observar o seu observador textual, além de
“com uma sobrevivente” de saia erguida en- a reprodução em bruto da sua tabuleta escrita a
quanto todos os demais passam, indiferentes. mão também atribuir materialmente a ele fun-
Ou do encontro com o morador de rua em “03/ ção narrativa. Trânsito que se tornaria estrutu-
11/97”, de Régis Bonvicino, de que se fala, a ral no trabalho de um escritor como João Gil-
certa altura: “Ele poderia subitamente ter saca- berto Noll, cujos narradores invariavelmente
do a faca, na calçada, disseram”. Há registro se- deambulatórios, desabrigados, refiguram ficcio-
melhante no poema “Em sua cidade”, de Duda nalmente a experiência urbana dos sem-teto, as
Machado, no qual, em meio à paisagem baiana, diversas estratégias de sobrevivência na rua. E
meninos e mendigos circulam entre vendedo- não é à toa que um dos títulos de suas novelas
res e cestos de frutas, enquanto, da perspectiva envolveria uma espécie de auto-classificação
do sujeito do poema, “um dispositivo íntimo,/ narratorial errática – “quieto animal da esqui-
destinado a anular/ toda presença,/ intercepta- na” – que parece sintetizar esse trânsito entre
va o contato/ e o retraía, ainda tenro,/ à raiz do experiência ficcional e urbana, entre modos de
pânico”. deambulação.
Mas do retraimento, se passa, no poema Mas o mais habitual mesmo nessa litera-
de Duda Machado, à respiração, a um “voltar a tura urbana não é o desdobramento de perspec-
si” que “reerguia o mundo” para “além de qual- tiva, e sim a catalogação patológico-criminal
quer tentativa/ de fuga ou domínio”. E, voltan- (ironizada na coleção de fisionomias de Treze)
do ao conto “Minha História Dele”, de Valêncio de lugares e tipos humanos, o temor da hetero-
Xavier, aí o extremo realismo das fotos, assim geneidade social, a reiterada criminalização das
como sua reduplicação, ao lado do fato de se divisões sociais, o reforço a uma espécie de pa-
apresentar o texto como parte dos dizeres das ranóia urbana endêmica a que respondem as
tabuletas penduradas no pedinte, também são classes médias e as elites financeiras com movi-
elementos que parecem destravar o contato nes- mentos de auto-segregação em enclaves habita-
se registro de encontro urbano. E que parecem cionais, shopping-centers e centros empresariais
funcionar como recurso quase imediato de des- de freqüência controlada, e com o investimen-
perspectivização, de trânsito – e não separação to em formas de segurança particular, guarda-
– entre sujeito e objeto, entre narrador invisível costas, vigias, alarmes, cercamentos, privatiza-
e imagem fotográfica de um morador de rua. O ções de ruas e praças. Explicando-se, assim, em
que provoca o apagamento tanto de possível parte, em sintonia com essa insegurança gene-
retração subjetiva, quanto de uma relação me- ralizada, a popularização das histórias de crime
ramente ilustrativa entre texto e foto, pois a pró- e da literatura policial no Brasil dos anos 1980-
pria sucessão de imagens (incluindo as textuais) 1990, de que é exemplar a ficção de Rubem
é que é produtora de uma narratividade Fonseca.
conflituosa, desconfortável, movida pelo encon- Pois é fundamentalmente um imaginário
tro com o sem-teto e pelos recortes e acrésci- do medo e da violência que organiza a paisa-
mos visuais impostos ao texto-tabuleta que o gem urbana dominante na literatura brasileira
cobre. E pelos exercícios de afastamento e apro- contemporânea. O que é também parcialmente

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explicável em relação direta com o crescimento 2000, p. 9), um processo desestabilizante de


das taxas de crime violento nas grandes cidades mudança social que afeta as relações estabeleci-
do país nos anos 1980-1990, com o fortaleci- das de poder, as hierarquias sociais e o exercício
mento do crime organizado, com a ineficiência da cidadania.
da polícia e do sistema judiciário no exercício Não se limitam, no entanto, a operações
da segurança pública e da justiça, com o aumen- literárias de reterritorialização etnográfica ou
to de visibilidade do contingente populacional criminal essas tematizações urbanas na produ-
em situação de pobreza absoluta que perambula ção cultural recente do país. Funcionando, nes-
pelas grandes cidades, expulso tanto das favelas, se sentido, como interlocutores particularmente
quanto dos enclaves fortificados de classe mé- críticos de uma experiência citadina de vio-
dia, com uma espécie de generalização da vio- lência, instabilidade e segregação alguns dos
lência, que abrange do trânsito automobilístico processos de desfiguração e desterritorialização2,
às relações familiares, dos estádios de futebol aos estruturais à literatura brasileira contemporânea,
justiceiros e matadores profissionais e ao exercí- que se passam a examinar em seguida.
cio privado da segurança e da vingança. O que Não que a desfiguração seja via exclusiva
por vezes, no entanto, aproxima também a fic- de diálogo crítico entre forma literária e expe-
ção policial dos “discursos do medo”, da proli- riência urbana no Brasil contemporâneo. Bas-
feração das “falas do crime” (Caldeira, 2000, tando lembrar, nesse sentido, como mais um
p. 9), para empregar expressões utilizadas por contra-exemplo, o livro Sob a Noite Física, de
Teresa Caldeira em Cidade de Muros, estudo Carlito Azevedo. Neste caso, uma imagem ur-
sobre “crime, segregação e cidadania em São bana em especial – a do lixo espalhado pelo Rio
Paulo”, por meio dos quais se reorganizam de Janeiro – converte-se em indicação privilegia-
simbolicamente não só os pânicos urbanos, mas da de leitura. Desde o poema inicial do livro,
igualmente os temores de perda de posição so- no qual se anuncia “o último vôo da varejeira” a
cial e propriedade, a instabilidade financeira, partir do “lixo da esquina”, passando pelos tex-
dilemas internos e questões sociais estruturais à tos iniciais de quase todas as seções, com suas
sociedade brasileira. referências a “depósito de lixo”, “ao latão de lixo
Essa criminalização do social parece ter se da esquina”, a latas de lixo que, “no breu con-
acentuado exatamente no período de redemo- vulso”, se assemelham a vultos, à “dor no entres-
cratização política do país. E parece operar dis- sonho” que, “com seu grão de lixo, se infiltra”
cursivamente por meio de classificações rígidas, no corpo. Transformando-se o externo em in-
estereótipos, segregações, recorrentes não ape- terno, o lixo, a rigor aspecto do espaço físico
nas no noticiário policial jornalístico, nas his- citadino, em quase habitante, vulto animado, e
tórias individuais sobre assaltos, práticas varia- em elemento constitutivo do eu lírico. Incor-
das de violência, homicídios, mas, igualmente, poração por meio da qual um aspecto da paisa-
na produção literária dos últimos decênios, que gem noturna empresta materialidade física do-
reterritorializa, em vocabulário criminal conhe- lorosa à figuração corporal do sujeito.
cido, “um novo padrão de organização das dife- Mas se, no caso do livro de 1996 de Car-
renças sociais no espaço urbano” (Caldeira, lito Azevedo, a tematização do urbano se faz,

2 Emprego aqui expressão cunhada, como se sabe, por Gilles Deleuze e Félix Guattari em O Anti-Édipo,
e retrabalhada por Fredric Jameson em The Cultural Turn, mas submetida a desdobramentos bastante
distintos e a um contexto particular, o das relações entre imaginário literário urbano e processo cultural
no Brasil contemporâneo.

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nessas imagens do lixo, por aproximação, por modo geral. Nowhere Man, por exemplo, deste
incorporação, esse movimento parece apontar último, já se iniciava com o seu “Fausto” em
simultaneamente, no entanto, para um “formi- trajes meio ensangüentados, tendo um pseudo-
gamento”, uma experiência corporal dolorosa cadáver feminino como interlocutor. E, na sua
próxima dos mecanismos de desfiguração, das segunda montagem do Quartett, de Heiner
exposições cruentas de corpos, por meio dos Müller, os dois personagens, também com rou-
quais se tem constituído, com freqüência via pas e facões sujos de sangue, circulavam entre
horror, a subjetividade na produção cultural enormes pedaços de carne suspensos e um ce-
brasileira sobretudo desde os anos 1980. nário em que escorriam manchas sanguinolen-
tas por todos os lados. Dado de horror que tem
estado presente regularmente no seu teatro. Bas-
Subjetividade e horr
horroo r ta lembrar ainda os pedaços de corpos espalha-
dos pelo chão em Matogrosso ou o coração e a
Não é, de fato, difícil perceber um rastro de cabeça arrancados às duas figuras femininas de
Guignol na vida cultural brasileira das últimas The Flash and Crash Days.
décadas. Passando das minuciosas descrições dos O que parece ter ocorrido, porém, se nos
corpos e assassinatos de mulheres em Acqua fixamos, por exemplo, em algumas das monta-
Toffana, de Patrícia Melo, à exumação dos ca- gens de Gerald Thomas dos anos 1990, foi um
dáveres do pai e de um irmão relatada no conto aumento de ênfase nesses sinais de sangue, mu-
“A Carne e os Ossos”, de O Buraco na Parede, tilação, tormento físico, acompanhado da expli-
de Rubem Fonseca. Da exposição de um corpo citação auto-irônica de se estar trabalhando, aí,
de criança atravessado por uma estaca de ma- muitas vezes, com alguns dos truques mais ca-
deira, presente numa das fotos de C. A. Silva, racterísticos do gênero “Grand Guignol”. Des-
exibidas na Galeria da Funarte em 1996, à “me- de as facas com pontas retráteis às mesas que
nina de rua morta nua” do relato, cheio de re- ocultam corpos, das gradações de cor e varia-
tratos e registros policiais, de Valêncio Xavier. ções de composição e textura do sangue fictício
Ou aos “dentes do apodrecimento” que “engo- ao despedaçamento físico da atriz Fernanda Tor-
lem o corpo” num dos poemas de Cheiro Forte, res em The Flash and Crash Days, à sua cabeça
de Silviano Santiago, aos vivos vorazes, do poe- arrancada do corpo em O Império das Meias Ver-
ma “Os Vivos”, de Ferreira Gullar, que, “glu- dades, ou aos corpos atravessados por setas
tões ferozes”, “devoram os outros vivos” e “até (como o de Fernanda Montenegro em The Flash
dos mortos comem/ carnes ossos vozes”. Da and Crash Days) e facões (como na abertura de
perna amputada do narrador do romance Hotel Nowhere Man).
Atlântico, de João Gilberto Noll, ao sujeito – Se o teatro do Grand Guignol, de grande
“todo em fios” – preso a uma cama de hospital popularidade de fins do século XIX até o perío-
na seção “Incertezas” do livro Ficção Vida, de do entre-guerras, ancorava seu efeito cênico no
Sebastião Uchoa Leite. fait divers médico ou criminal e num misto de
Referência guignolesca também particu- interpretação e hábil exercício de mágica, o que
larmente acentuada, e, ao que parece, metódi- parece torná-lo especialmente curioso é, de um
ca, na produção teatral recente. Passando de “O lado, a sua transformação de inovações técnicas
Livro de Jó” e “Apocalipse”, de Antônio Araújo (dos truques de iluminação e áudio aos telefo-
e do grupo “Teatro da Vertigem”, de “As Bacan- nes, automóveis e novidades médicas) em ele-
tes”, na versão de José Celso Martinez Correia, mentos dramáticos, e, de outro, a apresentação
às descrições e exposições de tortura que cons- de uma espécie de pastiche de horror não ape-
tituem “Bugiaria”, de Moacir Chaves, aos espe- nas da experiência moderna do corpo e da pró-
táculos de Gerald Thomas dos anos 1990 de pria subjetividade como instáveis, fragmenta-

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dos, mas, sobretudo, da figuração do corpo sídio do Carandiru, em São Paulo, no mesmo
como “corpo em pedaços”, dominante, mas ano, como a execução de 21 pessoas em Vigário
com variações de sentido, na arte moderna e Geral, em 1993, de oito meninos de rua na igre-
pós-moderna. E há, sem dúvida, nesse sentido, ja da Candelária, no Rio de Janeiro, também
nesse Guignol brasileiro recente, um diálogo em 1993, de dezenove trabalhadores sem terra
com a extrema crueldade com o corpo presente no município de Eldorado dos Carajás, no Pará,
em alguns exemplos da body art contemporâ- em 1996, ou como o assassinato de onze pessoas
nea, com a figuração atormentada, a fragmen- no Bar Ponto de Encontro, em Francisco Mora-
tação paradigmática e polivalente na produção to, em São Paulo, em 1998. Ocorrências que
artística do século XX, das bocas de Bruce padronizam, via fotojornalismo, um tipo pecu-
Nauman ou Francis Bacon, aos olhos imensos, liar de iconografia corporal dolorosa, subli-
pedaços de pernas, mãos, aos desmembramen- nhando a disseminação da violência, o aspecto
tos diversos operados por Louise Bourgeois, das cruento da história brasileira contemporânea.
fotos de fragmentos de cadáveres de Andres Ser- Parecem combinar-se, então, desse pon-
rano às supressões corporais na obra de Samuel to de vista, na refiguração em pedaços, em ago-
Beckett. nia, de personagens, retratos e narradores, na
Talvez, no entanto, haja outras fontes, não produção cultural brasileira recente, três ordens
exclusivamente plásticas ou artísticas, para esse de fatores contextuais. De um lado, o diálogo
rastro guignolesco. E algumas delas talvez pos- com a fragmentação corporal característica à
sam ser sugeridas, como no teatro do “Grand arte moderna e a um de seus pastiches, o
Guignol” propriamente dito, por uma simples Guignol. De outro lado, o registro indireto da
consulta ao noticiário jornalístico do país em experiência da tortura, das execuções, e da vi-
fins dos anos 1990. Por exemplo à sucessão de vência política dos anos 1970. E, de outro lado,
fotos de ossadas e imagens de arquivo de anti- ainda, a convivência com o aumento do crime
gos retratos e de corpos executados dos militan- violento, das zonas de domínio do tráfico, e da
tes de esquerda, dos desaparecidos políticos bra- violência também por parte das forças de segu-
sileiros dos anos de autoritarismo militar, que rança pública, durante as décadas de 1980 e
invadiram as páginas de jornal, no último decê- 1990 no Brasil. Chamando a atenção, no en-
nio do século XX, por conta do aparecimento tanto, o fato de, nessas tentativas de identifica-
de novas informações, da localização de ossos e ção cruenta dos sujeitos ficcionais, sua exposição
restos humanos e dos processos das famílias às não se ancorar em idealizações subjetivas, ima-
voltas com o reconhecimento dos seus mortos. gens corporais coesas, de o processo mesmo de
Ao lado dessa iconografia política do período figuração e subjetivação envolver uma espécie
da ditadura militar no país, não é difícil perce- de consciência necessária de sua instabilidade,
ber também, no entanto, a quase exacerbação um impulso concomitante, impositivo, de desfi-
de um cotidiano marcado pela banalização da guração, de guignolização.
violência, da brutalização, exposto diariamente Trata-se, no entanto, de uma desfigura-
nas páginas policiais da imprensa brasileira. E ção ambivalente. Pois se, por vezes, aponta para
com repercussão intensificada no caso de chaci- vitimizações, por vezes sobrepõem-se máscaras
nas praticadas a mando dos grupos que domi- de agentes da violência a personagens, narrado-
nam o tráfico de drogas nas grandes cidades bra- res e sujeitos poéticos, mantendo-se, com fre-
sileiras. Ou perpetradas pelas próprias forças qüência, igualmente, uma espécie de registro
policiais, como a de onze jovens em Acari, na híbrido, no qual um misto de vítima e perse-
Baixada Fluminense, em 1990, a de dez adoles- guidor é que move o processo de subjetivação
centes assassinados no Morro de São Carlos em literária. Daí, inclusive, a proliferação de híbri-
1992, como o massacre de 111 detentos no pre- dos, aberrações, figuras autodefinidas como

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monstros na literatura brasileira recente. E que, o caráter inquietantemente próximo, nada exó-
se em diálogo direto com um contexto particu- tico, de tais animais e monstruosidades. É o caso
larmente cruento, apontam, via figuração das “aberrações” propositadamente invisíveis de
monstruosa, para uma lacuna epistemológica, Bernardo Carvalho. Ou, no conto “Mandril” de
uma desestabilização classificatória, um con- Zulmira Ribeiro Tavares, da aproximação entre
fronto, na própria prática cultural, com os li- o jardim zoológico onde está o animal e um
mites da expressividade e dos mecanismos de domingo numa sala com a televisão ligada num
identificação, experimentados diante da afirma- programa de calouros. Ou, movimento aparen-
ção de novas formas de organização das diferen- temente inverso, como em Decálogo da Classe
ças sociais em cidades pautadas simultaneamen- Média, nas figurações horrendas da classe mé-
te numa homogeneização globalizadora do dia por Sebastião Nunes, “cruzamento impro-
espaço e numa exacerbação do pânico da vável de cigarras e formigas”, órgãos genitais em
heterogeneidade social, na emergência de cida- proliferação, lagartos, insetos variados, crânios
delas autônomas fortificadas, na expansão da cheios de ratos, camaleões, cães, porcos, corpos
criminalidade violenta e de uma contínua vio- tricéfalos, mas sempre em meio às atividades
lação dos direitos de cidadania justamente no mais habituais, casamentos, reuniões de traba-
contexto de uma redemocratização política em lho, festas, exercícios esportivos. Ou, como nos
processo no país. Movimentos em meio aos contos de Nélson de Oliveira, cheios de “ani-
quais é via vitimização e figurações proteicas, mais dos mais estranhos lugares”, “criaturas
aberrantes, que parece possível engendrar retra- aprisionadas”, figuras assombradas, gente “mo-
tos ficcionais, subjetividades literárias, represen- vendo-se contra os próprios pés”, sonâmbulos,
tações disformes da diferença, corpos culturais canibais, gente de “maneiras primitivas e mal
híbridos em estreita ligação com um processo formadas”, “mais besta do que homem”, mons-
histórico de redefinição de identidades e das for- tros por vezes medonhos, que, no entanto, se
mas de agenciamento social. dedicam ao mais corriqueiro, a telefonemas,
Não que as figurações monstruosas e cheques, cálculos, coisas do dia-a-dia. Numa es-
animalizações da ficção contemporânea sejam pécie particularmente perversa de hibridização,
unívocas. Observem-se, nesse sentido, as dife- entre o cotidiano e o bestial, entre a perversida-
renças, por exemplo, entre, de um lado, o hí- de e a vitimização, a paralisia e a aniquilação.
brido adolescente –braços compridos demais, Daí a figura do dragão invencível capaz de trans-
pernas de avestruz, pêlos todos errados- do con- formar-se em qualquer um, dissolvendo qual-
to “Pequeno Monstro”, de Caio Fernando quer possibilidade de auto-identificação, de di-
Abreu, no qual se sobrepõem, nesse “pequeno, ferenciação, no conto “Não sei bem o quê,
pequeno monstro, ninguém te quer”, duas aqui”. Daí a impossibilidade de auto-reconhe-
liminaridades, a da puberdade e a da descober- cimento da “pequena Victor” no belo conto “A
ta da homossexualidade, e, de outro lado, o ri- Visão Vermelha”, do livro Naquela época tínha-
tual de auto-canibalização de uma mulher em mos um gato. Daí o desaparecimento, pedaço a
“Canibal”, conto de Moacyr Scliar no qual a pedaço, do corpo do Sr. McPiffs, outro perso-
personagem se vê forçada a isso pela recusa de nagem de Nélson de Oliveira, semelhante ao de
sua rica “irmã de criação” em compartilhar com Angelina, a criatura “esguia e escura, de grandes
ela de seu grande baú de alimentos, numa figu- olhos assustados”, que se auto-devora no conto
ração exemplarmente cruel das divisões sociais “Canibal”, de Moacyr Scliar. Num movimento
em meio a aparente prosperidade econômica de instabilização da fronteira mesma do mons-
circunstancial. truoso, de refiguração lacônica do “não somos
O que parece estar em jogo, porém, nes- humanos” da G. H. do romance A Paixão se-
sas anomalias e zoologias ficcionais recentes, é gundo G. H. de Clarice Lispector.

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D esterritorialização e forma literária

Sebastião Uchoa Leite: do, que o poeta tenha se dedicado em Jogos e


a indeterminação identitária Enganos, uma de suas coletâneas de ensaios, ao
e os ruídos da polis estudo da “metáfora da perseguição”, da estru-
tura e do repertório fundamental de variações
Do ponto de vista da produção poética do tema persecutório na cinematografia moder-
brasileira contemporânea, refigurações anima- na e contemporânea. O que funciona como
lizadas, híbridas, antifísicas, do eu, desdobra- exercício auto-reflexivo, tendo em vista as cenas
mentos ambivalentes ou negativos do sujeito em sombras, a preferência pelo viés, pela sinuo-
funcionariam como reforço de perspectivas an- sidade, os disfarces e inversões de papéis, as for-
tilíricas, dramatizações identitárias, conciliações mas de perseguição dominantes na sua poesia.
rompidas entre voz e figura, e cumpririam pa- Por vezes o que domina é a perspectiva
pel particularmente crítico em trabalhos como de um perseguido em fuga, como em “Vida é
o de Sebastião Uchoa Leite, por exemplo, no arte paranóica”: “apenas correr/ alma de repli-
qual alter-representações subjetivas, “emaranha- cante/ até acertarem o plexo/ alvo perplexo”. Por
dos do self ”, “línguas bífidas”, ficções do eu se vezes a voz é de um perseguidor, de um poeta-
constituem em aspectos nucleares de uma nega- espião ou vampiro com “unhas em pique/ den-
tividade metódica. Negatividade que, sobretu- tes em ponta”. Por vezes o que se persegue é a
do nos seus livros mais recentes, e em diálogo própria poesia: “Precisamos/ de inteligências ra-
evidente com circunstâncias médico-biográfi- dar/ e sonar/ para captação de formas”. Por ve-
cas, envolveria uma reiterada exposição agônica zes, com perspectiva distanciada, em terceira
do sujeito, freqüentemente em ambiente hos- pessoa, é o sujeito mesmo do poema que se bus-
pitalar, de que são exemplares a seção “Animal ca: “O não-herói busca o seu negativo:/ o seu
Máquina” de A Uma Incógnita, os dez textos que dentro jack-the-ripper/ que não quisesse/ ape-
compõem a seção “Incertezas” de A Ficção Vida nas matar./ Mas muito mais:/ ver de fora as tri-
e poemas como “Agulha” ou “Uma Voz do Sub- pas”. Com freqüência, porém, como assinala
solo” de A Espreita. Mas que tem nesse sujeito Sebastião Uchoa Leite em “A Metáfora da Per-
em agonia apenas uma das muitas ficções nega- seguição”, “o que parece ser um território per-
tivas do eu – “Eis-me: todos-os-eus/ euscatoló- feitamente delimitado – de um lado o persegui-
gico/ eucríptico/ eu-fim” – trabalhadas por Se- dor e de outro o perseguido, de um lado a razão
bastião Uchoa Leite. E que vão de serpentes, e de outro a não-razão – não o é jamais de um
“monstro/ enroscado em silepses”, a vampiros, modo absoluto”. Como se figura em “Os Assas-
Drácula, Nosferatu, de heróis detetives a sinos e as Vítimas”, poema no qual assassinos,
replicantes e a assassinos diversos, de “sr. Leite” detetives e perseguidores de todo tipo passam
a “um acuado joãocabral/ ou um valéry risível”, por uma inversão de papéis e se transformam
de bogart, robert walker, yves montand, delon, em perseguidos por suas vítimas ou objetos de
montgomery clift a “barata sem antenas”, “mor- busca.
cego de botequim”, de “duplos metamorfoses Além do intercâmbio de papéis, porém,
monstros” a “resíduo de varredura/ que se reco- forja-se um método poético pautado ele mes-
lhe/ com uma pá”. mo numa perspectiva ambivalente, a da espreita,
Disfarces, ocultações, trocas de identida- que sugere tanto uma necessidade de esconde-
de que convertem, com freqüência, os poemas rijo quanto um possível bote, tanto a expec-
de Sebastião Uchoa Leite em micro-narrativas tativa de sofrer algum ataque, quanto de reali-
policiais nas quais o elemento nuclear é ora um zação de alguma ação condenável. “Ali estou eu/
clima de generalizada suspeição, ora uma espé- parado como se fosse um outro/ contratado para
cie de perseguição identitária – do sujeito, do cometer um crime”, lê-se em “Um Outro”.
poético-em-abismo. E não é à toa, nesse senti- “(Ele, em geral/ prefere enfiar-se/ no canto/

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parado/ como uma víbora/ antes do bote/ ob- cas de observação entre sujeito e matéria urba-
serva/ calado/ o passar do tempo/ pelos relógios/ na. Mesmo porque os papéis entre observador e
controlado/ passa pelas folhas/ do livro entrea- observado, na sua obra, sempre podem se in-
berto/ o úmido índice do medo)”, lê-se noutro verter. Não há um movimento de catalogação
poema de 1997. Trata-se, nos dois casos, de tex- de figuras urbanas, excluídos, desabrigados, cri-
tos não à toa limitados por parênteses, num minosos, como na literatura de testemunho, na
misto de ocultamento e suspensão, numa espé- prosa quase fotográfica das últimas décadas.
cie de figuração gráfica da espreita. Em ambos Pois se os quadros citadinos de Sebastião
os poemas pressentindo-se uma violência poten- Uchoa Leite são percorridos por “in-seres”, pas-
cial, da qual o sujeito tanto pode ser o agente santes “sob tendas de plástico azul”, espécimes
quanto a vítima. de uma “humanidade de cócoras”, “sem-teto/
A indeterminação identitária não se limi- estáticos/ frente à multidão vil”, a perspectiva
taria, porém, a essas figurações do sujeito, mas poética – sempre marcada por uma violência
se espraiaria, igualmente, pelas relações entre as surda – não é hierárquica ou sistêmica, é oblí-
imagens do eu e as do espaço na poesia de Se- qua. Ou como se explica em “Exibicionistas e
bastião Uchoa Leite. Não à toa apontando para Voyeurs”, poema de A Ficção Vida: “Voyeurs
uma dissolução aquática mútua entre sujeito e olham de viés”. E, neste caso, seria possível
paisagem na série de poemas sobre a chuva do acrescentar, por vezes trocam de papel. Como
livro A Espreita. De que é exemplar “Andando em dois poemas-anotações de A Ficção Vida.
na Chuva: São José”: “O meu eu-água/ autodis- Num deles, “O Sobrevivente”, um sujeito ob-
solvente/ cabelos/ pêlos/ olhos/ todos os poros/ serva “uma louca” que “discute consigo mesma/
entregues”. Ou expondo-se – vide “Numa in- Hamlet aos brados” e registra, via pronome pes-
certa noite”– uma contemplação de mão dupla, soal, uma sobreposição entre observador e ob-
“vertigem inversa”, entre o passante, “vendo a servada: “Este ‘ser ali’/ Em alto regozijo/ Do
copa das árvores”, e as folhagens e copas de ár- meu perfeito juízo”. Na outra anotação, “A obra
vores cujo “ciclópico olho vegetal” o contem- lírica”, sobrepõem-se literalmente poema e fe-
plam nas ruas que atravessa. Não à toa assina- zes, pois a “obra” em questão resultava de um
lando-se, ainda, a perda dos limites entre dentro detrito urbano, de uma figura de cócoras defe-
e fora, observador e cenário urbano, como em cando em plena rua Azeredo Coutinho, no Rio
“Dentro/fora: Rio de Janeiro”, onde “a rua pé- de Janeiro.
trea/ de pedestres/ com pressa”, vista “lá fora”, E é em parte por meio dessa constante
“por trás dos vidros”, parece deslizar “por den- possibilidade de cruzamento de fronteiras iden-
tro do vidro”, vir “do outro lado da mesa”. E titárias, sociais, espaciais que, apesar de Sebasti-
chegando-se mesmo a atribuir à paisagem cario- ão Uchoa Leite trabalhar regularmente com fios
ca uma das máscaras mais características do de enredo policial e tramas narrativas reconhe-
sujeito poético em Sebastião Uchoa Leite, a da cíveis, se intensifica o desconforto de um leitor
serpente, transferida, em “O grande brilho”, exposto a zonas liminares, ambíguas, descon-
poema de 1991, para a baía de Guanabara: tínuas, que se desdobram mesmo do ambiente
“Infusos no mar de amarelos/ Os focos verdes/ mais cotidiano, e em meio a sinais imediata-
vermelhos/ Da enseada-serpente”. mente reconhecíveis do cenário urbano, como,
E, ao contrário da territorialização etno- no caso do Rio de Janeiro, a estátua do Cristo
gráfico-classificatória operada em geral pela fic- Redentor, o túnel que liga Botafogo a Copaca-
ção neodocumentalista dos anos 1990, a pro- bana, a Avenida Presidente Vargas. Num movi-
dução de uma zona transicional entre dentro e mento de instabilização e desterritorialização,
fora, poeta e paisagem, na poesia de Sebastião desconfortável do ponto de vista da recepção
Uchoa Leite, parece reduzir distâncias hierárqui- poética, e que, se em relação direta com a emer-

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D esterritorialização e forma literária

gência de novas práticas urbanas, com a inten- E se, a rigor, o que chama a atenção é so-
sificação de uma segregação assimétrica do es- bretudo a instabilização espacial, não faltam, a
paço social e de uma generalização da violência essas desterritorializações, componentes cruen-
e da incivilidade diárias, não se limita a inven- tos. Do “sofrimento em festim”, referido num
tariar a experiência citadina brasileira. Fazendo- dos poemas de Lu Menezes, ao corpo “blinda-
se dela elemento fundamental de indetermina- do”, em Ronald Polito, à “sensação de chum-
ção e negatividade estruturais, de um difícil bo”, ao “pé inoxidável” do trabalhador na fábri-
processo de formalização literária que, no tra- ca, ao “corpo caído”, “coagulada paisagem”, no
balho de Sebastião Uchoa Leite, se aproveita dos livro de Fabiano Calixto. Dos “arrastões/chaci-
clichês da criminalização e os instabiliza em in- nas megalópicas/infanticídios” ao “morto à
sólitos enfrentamentos e solidarizações entre o bala”, ao “inferno alighierico dos pobres”, em
sujeito e “os ruídos da polis”, e converte o to- Sebastião Uchoa Leite. Do “sopro de mortali-
pos moderno das caminhadas pela cidade, e suas dade dura”, em Quase Sertão, ao “varal/ atraves-
tramas implícitas, em figuras mesmas de uma sando a garganta/ o cômodo/ fio cego do pu-
antilírica, de uma narratividade auto-corrosiva nhal partindo o céu/ a privação/ no arame do
pautada numa quebra constante de versos e cabide” no poema “Crente”, de Angela Melim.
imagens, em “não-localidades” e num “jogo hi- Do “desejo de fuga”, em “Giro”, de Duda Ma-
perrealista/ entre o eu e a margem”. chado, à “batalha/ travada em/ lugar algum”, ao
Se, na poesia de Sebastião Uchoa Leite, a “não sei na madrugada/ se estou ferido/ se o cor-
desterritorialização do cenário urbano se acha po/ tenho/ riscado/ de hematomas” do poema
imbricada a toda uma série de trocas identitárias “Mau Despertar”, de Ferreira Gullar. Ou ao “eu
e desfigurações, teria resultados poéticos distin- sou pobre, pobre, pobre”, ao “difere, fere, fere”
tos o recurso a procedimento semelhante por do “Vers de circonstance”, de Carlito Azevedo.
Ítalo Moriconi, em cujo livro Quase Sertão se Os sinais de violência nessas figurações do
forja uma figuração espacial híbrida – a de um urbano, se dizem respeito fundamentalmente ao
deserto-cidade, por Angela Melim, cuja poesia próprio processo criativo, remetem, é claro,
é marcada por uma problematização recorrente também, ao imaginário citadino contemporâ-
do horizonte, ou por Duda Machado, em cujos neo, ao crescimento do crime violento e das re-
poemas se tematiza o espaço como deriva, fuga ações igualmente violentas a ele, à generaliza-
à formalização, para ficar com apenas três exem- ção da sensação de risco e de conflito potencial
plos significativos de um movimento de inde- e à perda do sentimento de coletividade no co-
terminação nas figurações urbanas da poesia tidiano das grandes cidades brasileiras. Questões
brasileira contemporânea. Movimento a que se que têm motivado um número igualmente cres-
poderiam acrescentar desde a janela que se fe- cente de estudos na área das ciências sociais no
cha à visão da paisagem marinha, “de maneira a país. Por vezes com o privilégio da tensão entre
proscrever, velar a desfraldada/ tarde marinhei- redemocratização política e expansão dos crimes
ra”, do poema “Proscrição”, à névoa em que se de sangue, duplicados, de acordo com Angeli-
figura a baía, em “Enseada”, também de Lu Me- na Peralva, “entre 1980 e 1997” e resultantes, a
nezes, da quase calçada inscrita no corpo – “ras- seu ver, de uma insegurança ampliada pela
tro de mosca-bicheira/ imperceptível”– de um “interpenetração entre o universo dos morros e
dos poemas de Fábrica, de Fabiano Calixto, ao o da classe média”, pela “continuidade autoritá-
horizonte “fora de qualquer perspectiva”, à ria” e pela reestruturação das relações dominan-
recorrência da imagem do deserto, passando por tes até o fim da ditadura militar “entre o Esta-
uma auto-figuração do sujeito como cacto, em do, o sistema político, a nação e a sociedade”
Solo, de Ronald Polito. (Peralva, 2000, p. 22, 59, 84 e 89). Já Teresa
Pires do Rio Caldeira aponta, em Cidade de

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Muros, para essa contradição “entre expansão da cesso interno de formalização movido a orien-
cidadania política e deslegitimação da cidada- tações contraditórias. Apontando a indetermi-
nia civil” e para o “caráter disjuntivo da demo- nação espacial, o geograficamente “informe”,
cracia brasileira” como elementos nucleares de para a exposição de uma experiência formal
uma experiência urbana segregacionista, rela- marcada pela exacerbação das tensões entre ho-
cionando a criminalidade violenta não só à rizonte e deriva, figuração e instabilização, per-
transformação das “configurações tradicionais sistência e dissipação.
de poder”, mas à “deslegitimação do sistema ju-
diciário como mediador de conflitos”, à “priva-
tização dos processos de vingança”, à “legaliza- Ítalo Moriconi e a Cidade como Sertão
ção das formas de abuso e violação de direitos”
(Caldeira, 2000, p. 343). Ou, como enfatiza A simples sobreposição do título Quase Sertão a
Luiz Eduardo Soares, a uma duplicidade cons- reprodução fotográfica de paisagem nitidamen-
titutiva à organização social brasileira, a de uma te citadina, na capa da coletânea de poemas de
sociedade orientada por elementos de um “mo- 1996 de Ítalo Moriconi, já indica, via nomea-
delo cultural hierárquico” e “socializada de acor- ção, a dominância de uma visualidade urbana,
do com o modelo cultural próprio ao indivi- mas exposta a partir de um seu avesso potencial.
dualismo igualitário liberal”, a de um “projeto Sem que, no entanto, o movimento proteico, a
liberal-democrático” no contexto “de uma forte condensação das duas imagens de fato se efeti-
tradição nacional autoritária e excludente” (Soa- ve. Daí o advérbio, o “quase”, responsável pela
res, 2000, p. 34-6). Pois quando “são intensos persistência das duas referências geográficas, da
os padrões de exclusão política e grande parte disparidade evocada por elas, por essa conjuga-
da população não se reconhece como partícipe ção de cidade e sertão, acumulação e deserto.
de uma trajetória coletiva”, como observa Ma- As imagens estruturais ao livro apontando si-
ria Alice Rezende de Carvalho, “a cidade se tor- multaneamente para uma interseção de ambiên-
na objeto da apropriação privatista, da predação cias e para a impossibilidade de sua conciliação
e da rapinagem, lugar onde prosperam o ressen- metafórica. A diferença, a conflitualidade laten-
timento e a desconfiança sociais” (Carvalho, te entre elas, sugerindo uma amorfia metódica,
s.d., p. 56). um limite propositado – “palavra que falta”,
Desse modo, torna-se problemática a per- “meias-palavras” – nessa figuração urbana pelo
cepção da cidade, e de suas figurações literárias, avesso.
como unidades espaciais definidas, como espa- É evidente que as imagens do desértico,
ços comuns de socialização. Ora expandindo-se do silêncio, do áspero, da “vegetação esdrúxula,
“súbitos/ espaços”, como em “Neste fio’, de cheia de espinhos”, de uma violência potencial,
Régis Bonvicino, ora assistindo-se à sua intensa em meio a derivas, ruas, “carnavais”, a uma
compressão, como nas “quatro paredes rentes”, “multidão sem face”, a uma “chuva de figuras”,
no “casulo/ compacto, nulo”, no “espaço espar- “braços”, “quadris”, “carros retardatários”, “pré-
so” sugerido no livro Solo, de Ronald Polito. dios apagados”, “calçadas”, e a uma sucessão de
Ora desdobrando-se do urbano o deserto, como caçadas amorosas anônimas – “ciscando no as-
é o caso do “quase sertão” de Ítalo Moriconi, falto” –, emprestam à evocação do “sertão”, nes-
ou da “cidade deserta” mencionada em “Giro”, se caso, a possibilidade de exposição das trilhas
de Duda Machado; ora privilegiando-se os “es- homoeróticas da cidade, da outra cidade embu-
paços-entre”, as zonas de transição, como em tida na cidade usual, na Av. Rio Branco, na Co-
Angela Melim. Com a diferença de, no caso pacabana, na praia, nas esquinas de todos os
dessas desterritorializações literárias, estar em dias. E de uma tensão recorrente entre o mais
pauta não apenas a forma urbana, mas um pro- íntimo e o mais público, o sertão “mais pra den-

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D esterritorialização e forma literária

tro” e o “excessivamente urbano”. Entre os enumerativa (“arrastando no escuro/ correntes,


gânglios implodindo o pescoço e a lanchonete martírios, pedaços de pau podre,/ espelhos e
McDonald’s em “(Notícia da AIDS)”, “entre vidro partido e o resto”), uma “saudade cega/
uma esquina e antigas angústias” em “Notur- em mar aberto, desconhecido, abandonado das
no”, entre um “meu espaço”, “meu olhar inso- esquinas”.
lúvel”, uma subjetividade e uma série de formas E se o sertão já costuma se dar a ver si-
anônimas transitórias, “curvas fundas”, “super- multaneamente tanto como vastidão, deserto,
fícies”, “abismos”, “vagas”. Acompanhada de horizonte amplo, quanto como marcado por sú-
uma tensão de classe entre “o homem maduro e bitos emaranhados vegetais, formas ásperas, ra-
o rapaz das ruas”, as referências cultas espalha- ras, intrincadas, cactos, cerrado, sugerindo cer-
das nos poemas e os objetos de busca amorosa, ta conflitualidade figurativa potencial, não é de
definidos como “gente simples do povo”. E en- estranhar que tenha servido de referência, na
tre uma espacialidade marcada pelo acúmulo poesia de Ítalo Moriconi, para a exposição de
“de tantos corpos”, de ruas, prédios, esquinas, e imagens avessas, conflitivas, não apenas da pai-
a reiteração de imagens de um “esquema agres- sagem urbana, mas da forma poética e do pro-
te”, de um deserto, “imaginário plátano”, “terra cesso mesmo de composição. Pois é por meio
oca, sem limites”. de uma imagem cindida (“Tudo é conflito de
A referência ao sertão não se restringe, figura no jardim de forças da rua sarcástica”),
porém, nos poemas de Italo Moriconi, ao ras- que é, de um lado, figura abstrata, desejo de
tro de uma experiência urbana homoerótica. E “forma pura indivisa”, “a forma, a forma das for-
parece apontar também para dualidades persis- mas, o deserto”, e, de outro, “deslocada em
tentes na vida literária brasileira, para as oposi- trancos, barrancos”, “chuva de figuras”, cidade,
ções e mediações entre cosmopolitismo e dado que se definem, em Quase Sertão, essas figura-
local, entre universalização e temática regional, ções espaciais, em disjunção interna, da expe-
litoral e interior. Dualidade latente, de modo riência urbana e da forma poética.
quase irônico, na cidade que se dá a ler como Conflito imagético que, ligado à expe-
agreste e no sertão emaranhado a formas urba- riência histórica e as condições de produção li-
nas; no sertão, imagem paradigmática de brasi- terária no Brasil contemporâneo, envolveria, na
lidade, de uma geografia a céu aberto, com luz poesia de Angela Melim, sobretudo desdobra-
inclemente, e povoada, em geral, por jagunços mentos e desfigurações do horizonte e uma ên-
e sobreviventes, mas convertido em oco da noi- fase metódica nas margens de indeterminação
te, paisagem privilegiada da deriva amorosa so- do espaço figurado, e que, no trabalho de Duda
litária de Quase Sertão. Um “oco” que define si- Machado, imbricaria deriva e forma, desejo
multaneamente o trânsito pela cidade (“Nós construtivo e dissipação.
dois e a rua. Nós dois, oco da noite.”) e pelos
corpos (“Flor do oco, broto espesso, lisura sem
pêlos”), num desdobramento metafórico de um Angela Melim
dos pólos da dualidade espacial que organiza e a dramatização do horizonte
todo o livro Quase Sertão. Espaço bifronte que
serve de princípio de estruturação, por exem- Se a reprodução de todas as capas dos seus li-
plo, a “Brinde”, poema em diálogo com o “Boi vros anteriores, reunidos, em 1996, por Ange-
Morto” de Manuel Bandeira, e no qual se la Melim em Mais Dia Menos Dia, funciona
opõem imagens do sertão-deserto (“há Nilo al- como marco divisório, modo de datar e singu-
gum, planície ou deserto, só/ extenso como um larizar as diferentes seções do volume, acaba
traço que do silêncio flui”), e de uma possível apontando, igualmente, se observadas, com
configuração espacial definida, a uma deriva atenção, essas ilustrações, para uma das imagens

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privilegiadas da sua poesia – a do horizonte. Da presença do mundo – “campo/verde/ minado”,


linha horizontal irregular que atravessa o espaço “montanha de cadáver”, “ouvido violado, tím-
inferior da capa de O Vidro O Nome (1974), ao pano rompido/ braços cortados, cabeças”–
corte reto que separa em dois o título Das Tri- como elemento constitutivo da experiência po-
pas Coração (1978), ao corpo feminino que, dei- ética. Tensionando-se, assim, via paisagismo, o
tado, parece duplicar o recorte das montanhas, modelo auto-referente, expressivo, dominante
ao fundo, na ilustração de capa de As mulheres na produção poética brasileira dos anos 1970,
gostam muito (1979), ao título em letras míni- contemporânea aos primeiros livros de Angela
mas, quase imperceptível, disposto horizontal- Melim. E, como sugere um texto como “Mi-
mente em meio a um vazio propositado de nha Terra”, marcado pela visão em negativo da
qualquer representação em Vale o Escrito (1981), terra – “raízes no ar”– e do tema da “volta à
aos barcos soltos na água, com apenas a suges- casa”, do enraizamento –”Nada é natal”, trata-
tão de um limite possível, que quase se confun- se de um paisagismo em contraste direto com o
de com o recorte superior do papel mais grosso descritivismo de molde romântico, que deixa-
da capa em Os Caminhos do Conhecer (1981), ria rastro na literatura brasileira subseqüente.
ao espaço vazio, mais adiante, para o qual pare- Deste modelo descritivo se elimina, com fre-
ce apontar a figura feminina estampada em Po- qüência, na poesia de Angela Melim, a fixidez
emas (1987), ou, por fim, à ilustração de Nel- do ponto de mira, exercitando-se formas diver-
son Augusto para Mais Dia Menos Dia (1996), sas de objetivação e de distanciamento lírico,
na qual duas linhas e uma pequena mancha es- como em “Assim uma Linha Verde da Janela –
cura evocam a relação entre sujeito e paisagem, Um dia”: “Assim uma linha verde da janela –
experiência poética e tematização do horizonte, um dia/ átimo, repente – / correndo/ paralelo
e espacializam, numa linha-limite, a duração e ao que é veloz/ colina/ planície/ estilete fino de
a imagem de um tempo por vir sugerido no fu- metal/ no fundo”. O “estilete fino” discreto,
turo potencial, quase próximo, do título. quase imperceptível, cumprindo função seme-
“Estou procurando a palavra certa/ para lhante à do “campo/minado” do poema “Fogos
partes superpostas de duas esferas/ Intersecção?/ Juninos” em termos de um desdobramento
E solidão”: a indagação expressa em “Rabo de cruento de algo se assemelha a um simples qua-
Galo”, do livro de 1996, sublinha a preocupa- dro descritivo.
ção de Angela Melim com os espaços limítrofes, Ensaiam-se, igualmente, desdobramentos
transicionais, os “raros engates”, os lugares-en- contrastantes de voz. Como entre a casualidade
tre, a meio caminho, os horizontes. E há, na do sujeito que presta informações para o via-
verdade, uma vasta sucessão de mares e céus na jante em “Roteiro”, e o corte sistemático de sua
sua poesia. A água que “brilha, tranqüila, ao fala por parênteses descritivos, impessoais e mi-
meio-dia”, “azuis profundos versus altos mares”, nuciosíssimos. Duplicidade que atinge também
“azuis rasgados/ grandes paisagens/ claras”, “um as figurações do espaço. Daí as transformações
e outro coqueiro roxo contra o céu cor de rosa”, – de diáfano, gaze, nuvem, a rosa bobo, barato-
“as linhas de água brilhante e as montanhas por que passa a idéia mesma de um céu cor-de-
azuis um tanto esfumaçadas”. Sucessão de hori- rosa em “No Céu Cor-de-Rosa” ou a definição
zontes atmosféricos e marinhos que, tendendo móvel, em suspenso, de paisagem contida em
ao ilimitado, ao espelhamento dos “estados de “A Duna vira Nuvem, se quiser”.
alma”, e parecendo reproduzir uma versão ro- Não é, pois, exatamente enquanto ex-
mântico-pitoresca da paisagem carioca, aponta- tensão, infinito aberto ao olhar, ou limite fixo,
riam, no caso de Angela Melim, noutra direção. contorno, que a imagem do horizonte parece
Funcionam, de cara, como forma de re- orientar a escrita poética de Angela Melim. É
cortar, nem que seja, às vezes, como fundo, a sobretudo enquanto espaço-entre, zona de des-

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D esterritorialização e forma literária

locamento, “exploração dos pontos cegos, das ram o espaço e a escrita, por uma espécie de
margens de indeterminação na linguagem e na dramatização do horizonte, desdobrado em for-
paisagem” (Collot, 1988, p. 17), como assinala mas diversas, mas obrigatórias, de conflito e in-
Michel Collot em L’Horizon Fabuleux, que ela determinação.
tematiza e transporta, para o espaço poético, a “E ela gostaria”, lê-se em “Os Caminhos
noção de horizonte. O que, do ponto de vista do Conhecer”, “de pintar as unhas de vermelho.
da organização gráfico-sintática do poema ex- Enquanto escrevesse as palavras no caderno ia
plica a quantidade de brancos, intervalos, pa- prestar atenção nos dedos de pontas brilhantes
rênteses, travessões, estruturais nos seus textos, segurando a esferográfica e sentir prazeres confli-
ou o gosto acentuado pelo verso isolado, solto, tantes”. Movimento semelhante ao que, entre
atravessando a página, cortando ou fechando um “lá dentro” e um “pé de jasmim”, em “Mu-
alguns dos poemas à maneira de uma divisória, lheres”, entre um “à flor da pele” e um “fosso
de uma linha interna do horizonte, muitas ve- fundo”, em “Faca na água”, entre “cristas sus-
zes intensificando um desdobramento ou um pensas/ pedras de sal/ fiapos de mar” e “seu fun-
conflito de liminaridades. Como na frase longa do longínquo/ âncora/ os leitos de areia e seus
que, em “O Mar não Existe”, depois de cinco lençois limpíssimos”, em “Um Navio”, figura
versos curtos, internaliza um mar de ausência e “janelas”, “lagos no peito”, “navio”, imagens de
impossibilidade numa espécie de horizonte or- fronteira, espécies de não-lugares. A que se po-
gânico em corrosão: “A acidez é um fogo co- deriam acrescentar a bainha, o varal, a beira-mar,
mendo o tubo escuro que atravessa o corpo”. a fresta, a aresta, o vão, as grades, a beira, de tan-
Como no caso de “Ronca um motor”, de Mais tos outros poemas seus, nos quais se tensionam
Dia, Menos Dia, o verso “É o verão que se abre”, e convivem essas direções conflitantes. Ou que,
que, separado dos demais por dois espaços em em meio a uma sucessão de marinhas e paisa-
branco, parecendo sintetizar, via destaque grá- gens à primeira vista pouco habitadas, quase
fico, as imagens anteriores de barco, mar, calor, desistoricizadas, ativam uma espécie de conflito
e figurar uma extensão paisagístico-temporal “a surdo, quase imperceptível, entre quadro natu-
céu aberto”, se faz acompanhar, no entanto, de ral e horizonte histórico. Entre um exercício lí-
um outro horizonte, conflitante, que inverte rico em torno de sol, flores e perda, como “Co-
não só o seu movimento de ampliação, mas a rajoso como a Beleza”, e sua sucessão de imagens
referência temporal a um período que começa, bélicas: disparos, bala, dor, estrondos, combate.
transformando-se a gênese de um verão em ima- Entre “os ladrilhos/ o verde baço do cloro/ a pis-
gem de um passado próximo à dissolução: “Tar- cina” e o “arame” que a resguarda, em “Álbum”,
de, sorvete, amor/ varanda/ em taças do passa- o “cheiro/ do jasmim” e um “sangue vivo/ a pena
do/ a derreter”. contido”, o “céu azul e limpo” e “granadas”,
A consciência do horizonte na poesia de “fogo, fumaça” , em “Fogos Juninos”. Ou entre
Angela Melim, em vez de suporte espaço-tem- o horizonte da cidade e o da escrita, em “Tri-
poral ou ponto de orientação da perspectiva lha”, com a mediação de um terceiro horizonte,
subjetiva, aponta, portanto, para um movimen- bélico, de “cerco, baixas, barranco, armas”, que
to de sistemático redimensionamento mútuo do parece redimensioná-los historicamente.
sujeito e da paisagem, de que é exemplar a re-
flexão sobre a morte contida em “Limão Ir-
mão”, na verdade o simples registro de uma fru- Duda Machado e a deriva metódica
ta que cai e rola pela terra, “que agora traga/ a
carne aberta/ desesperada/ do limão”. E de que Já os poemas de Duda Machado, se igualmente
é exemplar, igualmente, sua preferência pelo marcados por uma exposição conflitiva do es-
intervalar, pelas linhas que figuram e desfigu- paço, parecem movidos por um princípio de

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contra-organização, por uma indeterminação vive”. Assim como, no turvo espelho interior,
metódica, mas variada, que, de dentro, os des- lê-se em “Tanto Ser”, “desfiguram-se os atos” e
dobra e reengendra, apontando para uma for- o corpo se mostra “impalpável, carcaça/ que o
ma poética propositadamente instável, em fuga, espírito não acha”.
não à toa figurada, repetidas vezes, por imagens Em Margem de uma onda, essa tensão
marcadas exatamente pelo movimento, pela entre movimento de formalização e de dissipa-
transparência e pela tendência ao informe, à ção, de figuração e iminente desfiguração, tema-
desterritorialização, como as do vento e da tizada, de modos diversos, em todo o livro, da-
onda, fundamentais à auto-explicitação de uma ria lugar à poética singular exposta em “Fábula
poética pautada na modulação (“quem reina?/ do Vento e da Forma”, “Manhã Piscina” e “Mar-
uma modulação/ capaz de afinar/ o entendi- gem de uma onda”, em parte em diálogo com
mento”), na tensão entre desgarre e condensa- “Imitação da água”, de João Cabral de Melo
ção, deriva e desejo de fixação (“brisa/ ainda há Neto. Nela estabelecendo-se, a princípio por
pouco formada,/ a confluência/ entre passagem negação, uma analogia entre o vento e a forma,
e morada”), dominantes em Margem de uma elementos a rigor incompatíveis, em irredutí-
onda (1997), seu livro mais recente. vel desacordo, de um lado, pelo desejo de per-
Há, no entanto, desde Zil, uma recorrên- sistência próprio à forma, de outro lado, pelo
cia dessas imagens aéreas, aquáticas, móveis. Da aspecto passageiro próprio ao vento. Em ambos
associação do livro ao rio, no texto inicial deste os casos, porém, o percurso diverso sinaliza-
volume de 1977, ao “mar/ na ponta dos cascos” ria no sentido de uma correspondência, pelo
de “Verão”, às vogais “líquidas, cascateantes, en- avesso, entre essas diferenças, que seria levadas
chentes”, ou às imagens de vôo, os mandacarus à própria mútua negação. Do lado da forma, ati-
revoando, em “Ária”, ou poema-pergunta sobre vando-se um processo de múltiplo desdobra-
o que soaria mais alto, se “o vôo ou o canto do mento em metamorfoses. Do lado do vento,
pássaro”. Imagens em movimento dominantes por conta da possibilidade de subitamente to-
igualmente no seu segundo livro, Um Outro mar forma, caso o seu movimento se opere, por
(1990).Como nos seus diversos percursos, alvos exemplo, “sobre a harpa eólia/ ou nos móbiles
em movimento, na multidão definida como de Calder”, como sublinham os dois últimos
“moinhos de braços”, na chuva que segue a versos do poema.
moça, na ciclista que passa, e na colocação em O curioso, no caso dessa fábula, estando
roda até mesmo das “idéias fixas”, exemplo qua- não só no “desacordo uníssono” em que ela se
se paradoxal da poética eólia, instável, de Duda baseia, mas no fato mesmo de as duas imagens
Machado. se encaminharem necessariamente para o pró-
Ventos, vôos, moto contínuo se acham prio esgotamento. à maneira do que se dá com
contrastados, porém, em Um Outro, a uma in- a voz que “se recolhe” em “Interferência”, a cor
dagação, também recorrente, sobre a margem, que “cai sobre si mesma” em “Aventura da Cor”,
o horizonte, o limite, do acontecimento, da lin- os detalhes “moldados pela desagregação” em
guagem, ou entre “contemplador, céu e mar”, “Poética do Desastre”, a “fadiga” que “a cada
“céu e asfalto”, “jardim e tarde”, “morte-vida”. coisa/ desdobra e dissipa” em “Dentro do Espe-
Entre um desejo de contorno, recorte, forma- lho”, o quarto que, “depois de condensar/ tem-
lização, e por uma espécie de hesitação das for- po e espaço”, se concentra na janela e encontra
mas, de desmaterialização inevitáveis. “A vida‚/ o vácuo e “os limites da calçada/ embaixo” em
sem medida/ e isto/‚ rigor”, lê-se no segundo “Resumo quase abstrato”. Não sendo de estra-
poema de Um Outro. “O horizonte”, expõe a nhar, ainda, em meio a essa sucessão de dissolu-
primeira estrofe de “Juntos”, “é a luz/ que em ções e a ameaça de auto-anulação embutidas nas
cor tão unânime/ apaga as superfícies/ de que imagens dominantes de tantos desses poemas,

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que alguns deles se convertam, ao contrário, em de perseguição, revista e fuzilamento de “Fim


genealogias da forma, como “Traço e Movimen- de Semana”, os passageiros de ônibus converti-
to”, “Fragmentos para Novalis”, “Condição” ou dos num híbrido indistinto em “Carapicuíba”,
“À Noite na Estrada”. Ou que forma e deriva se a desova e as crianças-carniças de “Urubu-Abai-
apresentem explicitamente geminadas num po- xo”. Numa operação figurada pelo próprio po-
ema como “Trevo”: “uma imagem à deriva/ tão eta em “Devoração da Paisagem”. Aí, a uma pri-
densa/ em seu ensimesmamento // a ponto de meira estrofe a rigor tranqüilizadora, com uma
excitar/ o desejo de forma/ até esgotá-lo/ e rea- simples descrição de vista – com casas, morro,
firmar sua deriva/ várias oitavas acima”. arvoredo, estrada e riacho –, se seguem três des-
E, dado fundamental ao método poético territorializações. A primeira no sentido de uma
de Duda Machado, não se trata, no seu caso, expansão – “cores que ultrapassam distâncias”,
simplesmente de uma reflexão sobre a indeter- “o olhar que erra e se prolonga/ em busca de
minação, mas de um processo de composição sua moradia”. A segunda no sentido de um des-
tensionado internamente, ele mesmo, e não dobramento de ponto de mira, de uma contra-
apenas suas imagens, por negatividade e resis- ção da paisagem – “de algum lugar,/ distante das
tência estruturais à unificação formal. Tensio- retinas,/ a fera irrompe”. A terceira exibindo a
namento interno manifesto tanto por meio do paisagem presa, relatando a sua devoração. E
recurso recorrente às enumerações (de que são apontando para a sugestão de uma espécie de
exemplares os seus dois “Almanaques”) ou a impossibilidade histórica e formal da paisagem
imagens contraditórias (“e a 40º, uma tristeza e de figurações espaciais incruentas.
de inverno”), quanto via recortes repentinos do Daí a sobreposição esgarçada – “quase” –
poema: uma outra voz (como na terceira estro- de sertão e cidade na poesia de Ítalo Moriconi,
fe de “Fala” ou na metade de “Corte e Costu- o desdobramento conflitivo de horizontes em
ra”), um pontilhado (como em “Álbum”), um Mais Dia Menos Dia, de Angela Melim, as inde-
intervalo (como entre o “Psiu” e o resto de “Fan- terminações identitárias em Sebastião Uchoa
tasma Camarada”), uma troca de registro (como Leite, a contra-formalização convertida em
entre a impessoalidade das seis primeiras estro- princípio ativo de composição em Duda Ma-
fes e a intimidade dos dois últimos versos de chado. Exercícios distintos de desterritorializa-
“Oração com Objetos”), uma interrogação ção e irrepresentabilidade espacial que, por via
(como os versos entre parênteses de “Margem negativa, conflitiva, parecem, ao contrário, con-
de uma onda”). tribuir para a intensificação da percepção do
Tensionamento manifesto igualmente, na momento presente e ampliar a própria investi-
poesia de Duda Machado, pela irrupção, em gação formal ao interseccionar a prática poética
meio às figuras aéreas e dissipações formais, de aos desdobramentos históricos recentes de uma
imagens de extrema concretude, quase brutais: experiência urbana violenta, segregacional, au-
o mendigo de “Flores de Flamboyant”, as cenas toritária, como a brasileira.

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