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1982-2007
A ARQUEOLOGIA
PORTUGUESA
EM REVISTA
adenda electrónica
N.º 15 | Dezembro 2007
Arqueologia Empresarial
e produção do conhecimento
ISSN
C E N T R O D E A R Q U E O L O G I A D E A L M A D A
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na versão
em papel ARQUEOLOGIA | PATRIMÓNIO | HISTÓRIA LOCAL
1982-2007
A ARQUEOLOGIA
Dossiê PORTUGUESA
temático EM REVISTA
Eventos
Arqueologia Empresarial
e produção do conhecimento
Arqueologia
ISSN
C E N T R O D E A R Q U E O L O G I A D E A L M A D A
Escavando online
Crónicas
Livros Actualidade
Património
Opinião
Arqueologia
p. 5-19 III Entre as Grutas e os Monumentos Megalíticos: problemáticas
e interrogações na Pré-História recente do Alto Ribatejo
Alexandra Figueiredo
p. 45-53 VIII Casa dos Bicos 25 Anos Depois: marcas de oleiro em terra sigillata
Eurico de Sepúlveda e Clementino Amaro
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ficha técnica
EDITORIAL
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e
al-madan IIª Série, n.º 15, Dezembro 2007
al-madan online / adenda electrónica ARQUEOLOGIA | PATRIMÓNIO | HISTÓRIA LOCAL
0871-066X
Arqueologia Empresarial
ISSN
C E N T R O D E A R Q U E O L O G I A D E A L M A D A
C
Conselho Científico Amílcar Guerra, António Nabais,
Luís Raposo, Carlos Marques da Silva e Carlos Tavares da Silva om esta edição, Al-Madan completa 25 anos de existência,
Redacção Rui Eduardo Botas, Ana Luísa Duarte, quinze dos quais na presente série, a segunda, iniciada em 1992.
Elisabete Gonçalves e Francisco Silva
É um longo percurso, durante o qual o projecto evoluiu, cresceu e
Colunistas Mário Varela Gomes, Amílcar Guerra, Víctor Mestre,
Luís Raposo, António Manuel Silva e Carlos Marques da Silva ganhou projecção nacional, ao mesmo tempo que muita coisa mudava nas áreas
Colaboram na edição em papel Ass. Prof. de Arqueólogos, temáticas a que se dedica, nomeadamente no que à Arqueologia respeita −
M.ª Fátima Abraços, Mila S. Abreu, Elisa Albuquerque, M.ª José a disciplina ganhou estatuto de formação académica e de ocupação profissional;
Almeida, Miguel Almeida, Sara Almeida, Pedro Barros, Filipa Bragança,
Sandra Brazuna, Jacinta Bugalhão, Guilherme Cardoso, António Rafael o seu “objecto” de aplicação diversificou-se e alargou-se a novas temáticas e
Carvalho, Pedro S. Carvalho, António Chéney, Manuela Coelho, José “terrenos”; as metodologias complexificaram-se e enriqueceram-se no contacto
Correia, Miguel Correia, António Costa, Eugénia Cunha, Manuela de com outras áreas de saber; as instituições de tutela substituíram-se umas às
Deus, Adriaan De Man, Ana L. Duarte, Lídia Fernandes, Isabel C.
Fernandes, Ângela Ferreira, M.ª Teresa Ferreira, Nádia Figueira, outras, ao sabor de diferentes orientações estratégicas (ou da falta delas!);
Alexandra Figueiredo, Iola Filipe, Tiago Fontes, Ana S. Gomes, Mário a iniciativa privada ocupou gradualmente espaços antes assegurados pela
V. Gomes, António Gonzalez, Amílcar Guerra, Constança Guimarães,
M.ª João Jacinto, Vítor O. Jorge, M.ª Jesus Kremer, F. Sande Lemos,
administração pública ou abertos pelo forte crescimento da procura
João Lizardo, Virgílio Lopes, Sandra Lourenço, António Martins, impulsionado por novos enquadramentos legislativos; os profissionais deram
Samuel Melro, Henrique Mendes, Víctor Mestre, Paulo A. Monteiro, os primeiros passos no sentido da sua organização e auto-regulação; etc.
Rui Morais, João Muralha, António Nabais, Filipa Neto, Nuno Neto,
M.ª João Neves, Luiz Oosterbeek, Rui Parreira, Luís Pereira, Teresa Boa parte desta transformação, radical sob muitos pontos de vista, está
R. Pereira, João Perpétuo, Miguel Pessoa, João Pimenta, Marina reflectida nas páginas dos volumes de Al-Madan publicados ao longo dos anos,
Pinto, Museu da Cidade de Lisboa, Paulo O. Ramos, João Raposo,
a ponto da própria revista poder ser encarada como um dos protagonistas e
Jorge Raposo, Luís Raposo, Paulo Rebelo, Jorge Davide Sampaio,
Severino Rodrigues, Helena Rua, Anabela P. de Sá, Raquel Santos, agentes dessa transformação. Reflectir sobre o seu próprio percurso e sobre a
Suzana P. Santos, Ana Raquel Silva, António Carlos Silva, António história recente da Arqueologia portuguesa é, pois, o tema central desta edição,
Manuel Silva, Carlos Tavares da Silva, Filipa Cortesão Silva, António
Monge Soares, Ana Margarida Vale, António C. Valera, Gonçalo L.
na sua versão impressa.
Velho, Alexandra Vieira e Gertrudes Zambujo Para tal recorreu-se ao discurso directo e informado de diversos outros
Colaboram na Adenda Electrónica Elisa Albuquerque, Miguel protagonistas, que partilham com os leitores experiências pessoais e sínteses do
Almeida, Clementino Amaro, Teresa M. Barbosa, Lília Basílio, Marco que de mais relevante ocorreu nesse período, nos planos institucional, social,
Calado, António Carvalho, António R. Carvalho, Tânia M. Casimiro,
Catarina Coelho, Mónica Corga, Rui Couto, Gonçalo Cruz, M.ª Teresa organizativo e associativo, mas também da relação com outras ciências e da
Ferreira, Alexandra Figueiredo, Victor Filipe, Jorge Freire, Susana produção de conhecimento em várias temáticas específicas, da Pré-História aos
Gómez, Alexandre Gonçalves, Filipe Gonçalves, Francisco Sande Lemos,
Virgílio Lopes, João Magusto, Rodolfo Manaia, Paulo A. Monteiro,
períodos medieval e pós-medieval, à museologia e à Arqueologia industrial.
Henrique Mendes, M.ª João Neves, Susana Nunes, M.ª F. Palma, Patrícia O dossiê impresso neste número inclui também um contributo para a
Peralta, João Pimenta, M.ª João Pina, Salete da Ponte, Lígia Rafael, Sara cronologia sistemática da Arqueologia portuguesa do último quarto de século,
Ramos, Ana Luísa Santos, Ana Rita Santos, Constança G. dos Santos,
Eurico Sepúlveda, Telmo Silva, Carlos T. Silva e Andreia Torres. a qual foi também colocada no sítio Internet da Al-Madan Online, onde está
Publicidade Elisabete Gonçalves aberta à actualização e incorporação de colaborações que a enriqueçam e
Apoio administrativo Palmira Lourenço permitam corrigir erros e omissões.
Resumos Jorge Raposo (português), Luisa Pinho (inglês) Assim, consolidando a experiência positiva de anos anteriores, esta revista
e Maria Isabel dos Santos (francês) continua a ser produzida simultaneamente em papel e em formato digital,
Modelo gráfico Vera Almeida e Jorge Raposo pelo que, quando se puderam ler as páginas do volume impresso, também se
Paginação electrónica Jorge Raposo colocou acessível mais uma Al-Madan Online - Adenda Electrónica,
Tratamento de imagem Jorge Raposo, com Cézer Santos disponibilizada na Internet para difusão alargada de outros conteúdos originais,
Ilustração Jorge Raposo em formato PDF (http://www.almadan.publ.pt).
Revisão Maria Graziela Duarte, Fernanda Lourenço No seu conjunto, os leitores encontrarão certamente muitos e bons motivos
Pré-impressão GC Design Ldª de interesse sobre o passado recente e o presente da Arqueologia portuguesa,
Impressão Printer Portuguesa e matéria para uma reflexão informada quanto ao seu futuro próximo.
Distribuição CAA | http://www.almadan.publ.pt
Tiragem da edição em papel 1500 exemplares
Periodicidade Anual
Jorge Raposo
Apoios Câmara Municipal de Almada e Câmara Municipal do Seixal
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electrónica II al-madan online adenda electrónica ISSN 0871-066X | IIª Série (15) | Dezembro 2007
ARQUEOLOGIA
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a
Entre as Grutas e os r e s u
Monumentos Megalíticos
tese de doutoramento apresentada à Uni-
versidade do Porto, que incidiu sobre o
complexo megalítico de Rego da Murta
(Alvaiázere, Leiria), no contexto da Pré-
-História recente do Alto Ribatejo por-
tuguês (V-II milénios a.C.).
problemáticas e interrogações São destacadas as antas I e II do Rego da
Murta e estabelecidos paralelos com gru-
p a l a v r a s c h a v e
a b s t r a c t
redes e base recta e bastante grosseiro (único do tipo fémur, vértebras, crânios, metatarsos e úmeros e um Figura 4
também registado); dois blocos em granito e dois sei- conjunto de objectos, onde se observam fragmentos
À esquerda, planta vectorizada da
xos quartzitos com traços de percussão; um botão de de cerâmica perfazendo um mínimo de três vasos, Anta I do Rego da Murta, com a
laço, em osso (registando-se outro também muito pró- duas contas de colar, possivelmente variscite ou cri- representação de todas as
ximo desta área); uma placa em calcário; três lascas, soprásio, uma lâmina de secção triangular, um trapé- estruturas verificadas e
sendo que duas são em sílex e uma em quartzo leitoso; zio (recolhido na passagem para a camada C3) e quadriculagem.
uma lâmina de secção triangular; e três pontas de seta. duas lascas, uma delas macrolítica. Próximo desta À direita, duas fotografias do
Assim, todos estes materiais encontram-se asso- área foram recolhidos vestígios de coelho, cabra/ove- monumento; em cima, realizada
durante os trabalhos de escavação,
ciados a uma datação de BETA-190007 Cal BC 2890 lha, boi e cavalo ou zebro. A datação integra-o num
em 2003; em baixo, após o
a 2630 (Cal BP 4840 a 4580); 4190 ± 40 BP. período que se sobrepõe em parte à amostra 1: BETA- restauro, em 2004.
Uma segunda amostra foi extraída de um outro -190008 Cal BC 2860 a 2810 (Cal BP 4810 a 4760) ou
grupo de elementos que integra pequenos fragmen- Cal BC 2750 a 2720 (Cal BP 4700 a 4670) ou Cal BC
tos de fémur, crânio, perónio, úmero, mandíbula, car- 2700 a 2470 (Cal BP 4650 a 4420); 4060 ± 50 BP.
po, clavícula, costela, vértebra, tíbia, talus, falange e No entanto, as datações absolutas apresentadas,
cúbito, associados a: um conjunto de artefactos com- realizadas por AMS, não datam os ossários, isto é, o
postos por vários fragmentos cerâmicos, um deles momento de deposição, mas o momento à morte dos
correspondendo a um bordo com um mamilo; três indivíduos sepultados. Esta situação, neste contexto
contas de colar, uma em variscite e duas que poderão preciso, é bastante problemática devido às questões
ser ou variscite ou, então, crisoprásio 2; dois seixos rituais que envolveriam os actos de culto. Desta for-
em quartzito, com traços de maceração; três lascas ma, ainda que tenhamos apontado, pela aparência da
simples, em sílex (uma do tipo chert); e uma ponta integração das unidades estratigráficas, uma certa
de seta. Este grupo, pelo estado fragmentado dos cadência de deposições em diferentes alturas tempo-
ossos, aparenta estar mais remexido que o anterior. A rais, elas poder-se-ão ter dado ao mesmo tempo e
datação obtida enquadra-o imediatamente numa fase não corresponderem às datações registadas para cada
anterior à primeira deposição analisada: BETA- grupo. No entanto, parece-nos mais credível, pelos
190004 Cal BC 2930 a 2880 (Cal BP 4880 a 4830); conjuntos artefactuais registados, que se trate de mo-
4290 ± 40 BP. mentos diferentes e individualizados. As populações
Por fim, uma terceira amostra foi recolhida jun- que habitaram estes locais terão com certeza depo-
to ao esteio da cabeceira, sensivelmente à mesma co- sitado determinados objectos, que na altura estariam
ta que as anteriores, apontando a datação para três em vigor e onde o significado pretendido tivesse
possíveis fases (que vão desde 2860 a 2470 a.C.). mais ímpeto para o acto desenvolvido, diferencian- 2 Estudo desenvolvido pelo
Nas proximidades foram recolhidos fragmentos de do, como observamos entre os ossários, os contextos Dr. Huet Bacelar Gonçalves.
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Figura 5 artefactuais. É neste sentido que associamos os da- espólio lítico da Anta II do Rego da Murta é, à seme-
dos das datações obtidas, ainda que os consideremos lhança da Anta I, composto por artefactos de pedra
Planta da Anta I de Rego da Murta
com a distribuição espacial das
insuficientes para defender tal proposição. O nosso lascada e polida, verificando-se uma maior percenta-
zonas de maior concentração dos objectivo futuro, com a progressão das escavações, gem de macrolíticos que no outro monumento, quase
ossos dos animais reconhecidos. é, para além de datar todos os ossários registados, na sua totalidade integrados na camada C2. Assim,
desenvolver várias datações para cada grupo, com até ao momento, foram recolhidos cerca de quatro
vista a obter uma resposta mais fidedigna sobre a centenas de objectos, concentrando-se a maioria nas
problemática levantada. lascas e variantes, com mais de uma centena de pe-
Quanto aos artefactos, recolheu-se um conjunto ças, seguidas das pontas, com 63, e dos adornos, com
de vasos cerâmicos, num número mínimo de 54, que 62, do grupo dos macrolíticos, incluindo percutores,
englobam seis tipos distintos, relativamente bem con- seixos e moventes, com 34, e das lâminas e lamelas,
servados, verificando-se, no entanto, alguns fragmen- registando-se somente 21 elementos, todos eles mui-
tos que poderão ter resultado de deposições traduzi- to fracturados. Estes materiais são na maioria em sí-
das por artefactos já fragmentados e incompletos, lex, à excepção do grupo dos macrolíticos, quase na
provenientes de outros locais ou de reutilizações do totalidade em quartzito. Por fim, observam-se os
monumento. A falta de colagens indica que estes objectos polidos, com 19 entradas, sendo que dois são
fragmentos teriam já sido depositados fragmentados machados e duas são enxós, localizadas lado a lado,
ou então que algumas deposições (incluindo os sedi- junto às paredes do corredor; os outros elementos
mentos que as circundavam, onde se localizavam os deste grupo incluem pequenos polidores de secção
objectos) foram removidas e transladadas para outras circular ou ovóide.
zonas. Desta forma, consideramos que os objectos No caso dos adornos, objectos simbólicos ou em
que terão sido alvo de uma deposição segura e volun- osso, destacam-se os furadores e alfinetes, dois bo-
tária são, sobretudo, os recipientes que, mesmo frac- tões em laço, uma grande diversidade de contas em
turados, permitiram a sua reconstituição quase que variscite, azeviche, xisto talcoso, anidrite e esteatite 3
completa. Quanto à pasta, a cerâmica é na maioria e dois pendentes em esteatite, um deles de tipo zoo-
compacta (87, 76 %) e alisada (90, 93 %), registan- mórfico (Fig. 10).
do-se quatro formas decorativas: dois fragmentos Quanto à fauna, registamos a presença associada
com decoração plástica em forma de mamilo junto de animais de caça e domésticos, sendo de salientar
ao bordo; dois recipientes impressos por bandas e que no corredor só foram registados animais não do-
3 Estudo desenvolvido pelo outro com puncionamento sobre triângulos incisos e, mesticados, comprovando em parte a relativa anti-
Dr. Huet Bacelar Gonçalves. por fim, um fragmento com impressão arrastada. O guidade dos contextos seis, sete e oito em relação aos
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outros (Figs. 7 e 8). No entanto, a presença exclusi- antropólogas de laboratório detectaram, até ao mo- Figura 6
va de animais domésticos na câmara poderá estar mento, um número mínimo de 47 indivíduos (SILVA
À esquerda, planta vectorizada da
relacionada com a importância do espaço no interior e FERREIRA 2006), de ambos os sexos e diversas Anta II do Rego da Murta, com a
do monumento, podendo haver uma divisão e regras idades. As patologias apresentadas revelaram baixos representação da contrafortagem
próprias na deposição dos diferentes tipos de ani- valores de stress nutricional (SILVA e FERREIRA 2005; verificada e quadriculagem.
mais conforme a importância que lhes era dada ou o 2006), o que, de alguma forma, é confirmado pela À direita, duas fotografias do
simbolismo que a eles estava inerente. Os diferentes grande quantidade de vestígios arqueozoológicos monumento; em cima, vista de
contextos analisados revelam, também, uma percen- exumados. Neste sentido, a Anta II de Rego da Mur- Sudoeste durante as escavações,
em 2003; em baixo, vista de Este,
tagem mais elevada do uso ou pelo menos das depo- ta é muito semelhante ao primeiro monumento des-
em 2004.
sições dos ovicaprinos, que normalmente aparecem crito, não tendo sido detectadas grandes diferenças
associados a três zonas distintas do monumento, re- quanto à paleodemografia dos indivíduos sepultados
velando três aparentes deposições (Fig. 7). Assim, nos dois locais.
foram identificados oito espécies distintas: o cervo, o
coelho, a lebre, a raposa, o porco, a ovelha/cabra, o
boi e o cavalo ou zebro (DETRY 2005). Associado a 2. Paralelos e conexões com as grutas
qualquer outra deposição animal está o coelho, de- e outros monumentos megalíticos
terminando a presença significativa da caça durante
toda a ocupação do monumento. A raposa (num mín- Desta forma, conectando todos os dados e em
imo de duas deposições) só foi registada na possível comparação com os mobiliários registados na Anta I
fase intermédia, nas proximidades dos ossários qua- de Val da Laje (OOSTERBEEK 1994a), na Anta da Foz
tro e cinco. do Rio Frio, nas grutas do Nabão (OOSTERBEEK
A relativa boa preservação do monumento per- 1987a, b, c; 1988; 1989; ZILHÃO 1992; CRUZ 1997)
mitiu que os vestígios osteológicos nos chegassem e noutras estações da região, bem como atendendo às
em melhores condições do que na Anta I do Rego da datações absolutas obtidas, foi possível concluir que
Murta. À partida, as constantes fracturas registadas ao longo dos vários momentos de ocupação se assis-
nos ossos poderão ser atribuídas a processos pós- te à deposição de dois tipos de objectos: objectos
-deposicionais de remeximentos (FIGUEIREDO 2002; transitórios, de influência externa, que são integra-
2003a; 2004a), ou então, em associação com os ves- dos na vida destas populações e que em tempo rela-
tígios de corte verificados em alguns ossos longos, tivamente curto são substituídos por outros, fruto de
estarem relacionadas com as múltiplas manipulações novas influências ou inovações, presentes sobretudo
que estes terão sofrido até à sua deposição final. As nas deposições mais recentes e evidenciando maio-
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Figura 7 res movimentos e contactos com outras sociedades; zado junto ao Zêzere (CRUZ e OOSTERBEEK 1998c),
e objectos locais, de longa tradição, normalmente Castelo da Loureira, no vale do Nabão, muito próxi-
Planta da Anta II de Rego da Murta
com a distribuição espacial das
verificáveis nas estações que rodeiam este núcleo, ma do complexo megalítico que tratamos neste arti-
zonas de maior concentração dos como é exemplo o caso dos objectos feitos em chert, go, em deposições rituais em gruta (ZILHÃO 1992;
ossos dos animais reconhecidos. registados essencialmente em contextos do Neolítico OOSTERBEEK 1994a), ou nos monumentos megalíti-
final da Anta I do Rego da Murta e na estação de Cu- cos do Zêzere (OOSTERBEEK 1997; CRUZ 1997; 2004;
mes (Ferreira do Zêzere) (CRUZ e OOSTERBEEK 1998a) GASPAR e BAPTISTA 2001) e do Nabão (CRUZ e OOS-
e dos macrolíticos exumados do nível do Calcolítico TERBEEK 1998d; FIGUEIREDO 2002; 2003a, b; 2004a, b;
inicial/médio da Anta II do mesmo núcleo, também 2005b). Esta macro-utensilagem surge quase sempre
visíveis nos primeiros momentos de ocupação na associada a uma indústria microlaminar e a geomé-
Anta I de Val da Laje (Tomar) (OOSTERBEEK 1994a; tricos, tendo sido usada a par com a tecnologia do
1997), no Monumento V da Jogada (CRUZ e OOS- polimento e mesmo após o aparecimento das primei-
TERBEEK 1998b; 2000a; 2001; Cruz 2003; 2004), no ras metalurgias.
Monumento de Colos (GASPAR e BAPTISTA 2001) Nos monumentos megalíticos de Rego da Mur-
(Abrantes) e nas camadas do Neolítico/Calcolítico ta, estes materiais encontravam-se essencialmente
das grutas do Vale do Nabão (OOSTERBEEK 1987c). depositados na câmara e englobados, no caso da An-
São estes últimos, dentro de todos os objectos ta II, nos últimos contextos de deposição, datados do
exumados, os que oferecem uma maior problemáti- Calcolítico inicial/médio. Estes objectos apresentam
ca, pela sua relativa associação com as tecnologias analogias com os objectos recuperados das camadas
dos objectos quartzíticos languedocenses, estudados C e D da Anta I de Val da Laje (OOSTERBEEK 1997),
e designados como tal por Henri Breuil, nos inícios das estruturas de fossa do Monumento 5 da Jogada
do século passado (1932, ref. JORGE 1990: 181). Tra- (CRUZ 2003; 2004) e do Monumento de Colos (GAS-
ta-se de uma técnica traduzida numa exploração de PAR e BAPTISTA 2001), bem como dos níveis C e D
uma macro-utensilagem quartzítica, que no Alto Ri- da gruta do Cadaval, em associação com o ossário da
batejo se traduz num processo de lascagem prático e gruta dos Ossos e na fase mais tardia da gruta do
eficaz de uma matéria-prima que é abundante e van- Caldeirão (OOSTERBEEK 1997: 113). Fora da região,
tajosa (CRUZ et al. 2000; CRUZ e OOSTERBEEK estes objectos aparecem sobretudo ligados a espólios
2000b; CURA 2002; CURA et al. 2004) e se prolonga, de tradição do Mesolítico/Neolítico antigo, como é o
pelo menos, desde o Paleolítico superior, com a esta- caso do habitat de Pipas, em Reguengos de Monsaraz,
ção da Ribeira da Atalaia (CRUZ et al. 2000; OOS- e que poderão corresponder à fase inicial e média do
TERBEEK et al. 2003), até à Idade do Bronze, sendo megalitismo de Reguengos (SILVA 1987: 90).
reconhecido em estações de habitat como Santa A comparação entre as datações absolutas obti-
Margarida, no Tejo (BAPTISTA 2004), Maxial, locali- das para o nível em que estes objectos se integram na
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electrónica 8 al-madan online adenda electrónica ISSN 0871-066X | IIª Série (15) | Dezembro 2007
Anta II de Rego da Murta, atribuindo-
-os ao Calcolítico inicial, e a correlação
dos mesmos, por Luíz OOSTERBEEK
(1997), a contextos do Neolítico mé-
dio da Anta I de Val da Laje, e que não
são visíveis nos níveis seguintes deste
monumento ou, no caso da Anta II,
nos ossários considerados mais anti-
gos, leva a crer que a associação aos
rituais obedecesse a mecanismos de
significância, reconhecendo a impor-
tância da deposição destes objectos so-
mente em determinadas alturas. Na rea-
lidade, não parece existir entre os dois
monumentos uma similitude diacróni-
ca, que é confirmada com a Anta I do
Rego da Murta, em que tais objectos,
também confinados à câmara, só apa-
recem pontualmente, provavelmente
relacionados com as últimas deposi-
ções da primeira ocupação do monu-
mento (Neolítico final/Calcolítico ini-
0 3m
cial). No caso da Anta I de Val da La-
Figura 8
je, o autor considera a possibilidade de
estes estarem associados a um momento inaugural da 1973: 77), que por sua vez poderão encontrar corre- Planta vectorizada da Anta II
construção, representando, em parte, a ligação destas lação com os braçais recuperados na camada C da do Rego da Murta, com a
comunidades aos seus antepassados (OOSTERBEEK gruta do Cadaval, a par com as cerâmicas de carena representação dos principais
vestígios osteológicos exumados
1994b). Este problema identitário terá sido provavel- alta, também recuperadas em Rego da Murta. A rela- e dos ossários considerados.
mente também colocado em Rego da Murta, mas num ção entre as pontas de Palmela e os dois tipos de bo-
processo que os associa ao Calcolítico inicial/médio, tões transvaza a Península Ibérica, tendo sido regis-
isto é, às últimas deposições na Anta II do Rego da tada, por exemplo, na zona centro-atlântica francesa,
Murta e no final do primeiro grande momento de ocu- associada aos recipientes campaniformes (ROUSSOT-
pação da Anta I (Neolítico final / Calcolítico inicial). -LARROQUE 1987).
Também associados aos ossários mais recentes Analisando os diferentes tipos de pontas de seta
da Anta II, destacam-se os botões em osso, sendo que torna-se notório, na Anta II, que as pontas do tipo
dois são de tipologia em laço, recuperados em asso- mitriforme se registaram na câmara, em associação
ciação com o ossário três da Anta II de Rego da Mur- ao possível ossário mais recente.
ta, datado de BETA-190007 2890 a 2630 a.C. (Cal 2 Este tipo de ponta foi atribuído a um período an-
sigma), e um de perfuração em V, recolhido do cor- terior ao campaniforme, tendo-se registado várias num
redor da Anta I. Ambos os tipos de botão são nor- nível inferior à última fase de ocupação de Zambujal
malmente associados a contextos do campaniforme, (SANGMEISTER e JIMÉNEZ GÓMEZ 1995), o que de al-
apresentando os botões em laço analogias com os guma forma coincide com a datação obtida da proxi-
verificados no povoado de Vila Nova de São Pedro midade deste grupo. O tipo de ponta de base cônca-
(ROCHE e FERREIRA 1961: 70). No entanto, a datação va, muito cavada e com bordos convexos, presente
registada sob uma amostra de AMS a um osso hu- com dois exemplares e com analogias às pontas da
mano recolhido nas proximidades aponta o seu uso Extremadura espanhola (BUENO RAMÍREZ 2000: 49),
para um possível período pré-campaniforme. Já o bo- também se regista na câmara, nas proximidades uma
tão de perfuração em V integra uma relação fide- da outra, junto ao grupo três e quatro, bem como na
digna com o período mais tardio, englobando o se- camada B da Anta I de Val da Laje (OOSTERBEEK
gundo grande momento da ocupação da Anta I do Re- 1994a). Estas pontas são mais comuns nas sepulturas
go da Murta, que decorre nos finais do Calcolítico, de falsa cúpula e com conexões ao mundo de Los
inícios da Idade do Bronze. Este tipo de botões são Millares, registando-se no nosso território a sua pre-
mais comuns nos contextos portugueses, encontran- sença na Anta do Olival da Pega, no tholos da Fari-
do paralelos no monumento do Monte da Várzea soa, bem como na necrópole de Alcalar (LEISNER e
(VIANA et al. 1953: 104), neste caso associado a pon- LEISNER 1951: 62). Uma delas foi exumada do local
tas de base côncava cavada (registadas na Anta II), de proveniência da datação BETA-190007 − Cal BC
em Pai Mogo, associado a um punhal de cobre do 2890 a 2630 (Cal BP 4840 a 4580), 4190 ± 40 BP,
tipo Palmela e a braçais de arqueiro (GALLAY et al. que se associa aos botões de laço, em osso, e às con-
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tas de azeviche. Estas últimas são também registadas cão); e à entrada do corredor, podendo esta ser pos-
em muitos monumentos da Extremadura espanhola e terior às outras unidades detectadas. Alguns destes
observadas ao longo do Tejo, como no caso da Anta elementos apresentam uma serrilha perfeita, com si-
da Foz do Rio Frio (Mação) ou na gruta da Rexaldia. militudes às pontas da Anta 1 de Vale da Laje (OOS-
Esta cavidade apresentou ainda um conjunto de pla- TERBEEK 1994a). Estes elementos são também do ti-
cas de xisto, objectos de adorno, lâminas, lamelas, ras- po mais comum na gruta da Nossa Senhora das La-
padeiras, vasos de cerâmica lisos e com decoração pas, associados a algumas pontas de base côncava e
incisa do tipo campaniforme, que a integram num a triangulares com aletas laterais.
nível semelhante à camada C2 da Anta II de Rego da As pontas de seta mais alongadas, designadas
Murta, sobretudo aos ossários três e quatro. Na Ex- também por torriformes, têm analogias com as alon-
tremadura espanhola estas pontas foram exumadas gadas da Anta 1 de Vale da Laje, tendo-se registado
do dólmen de Lacara, em associação com pontas de também a Norte, nos monumentos megalíticos do
Palmela e fragmentos de campaniforme (ALMAGRO curso inferior do Alva, como a Anta 1 dos Moinhos
BASCH 1959: 261-263), na câmara do monumento de de Vento, em Arganil, em associação com pontas de
Trincones 1 (BUENO RAMÍREZ et al. 2000: 157), bem base triangular e bicôncava, alabardas, lâminas de
como no dólmen de falsa cúpula de Manchones, dorso e contas de colar (NUNES 1974: 17-18).
Azuaga, a par com vasos de colo estrangulado, tra- Estas alabardas são de dimensões muito seme-
pézios, pontas de base côncava e pontas com pedún- lhantes às obtidas no nível C3 da Anta II do Rego da
culo (BUENO RAMÍREZ 1987), espólio muito seme- Murta. Paralelos para estes elementos são também
lhante ao recuperado na Anta II de Rego da Murta. reconhecidos na região, na Anta I de Val da Laje
A grande diversidade de pontas de seta observa- (OOSTERBEEK 1994a) e na Anta da Foz do Rio Frio.
das nas Antas de Rego da Murta é visível nas esta- Fora desta área, os melhores exemplares registam-se
ções dolménicas que mantêm uma certa proximida- na Península de Lisboa, como é o caso da Anta I do
de ao Tejo, ou que com ele contactam através dos Zambujal (LEISNER e LEISNER 1953: 258), tendo tam-
grandes afluentes, como é o caso dos dólmens do bém sido exumadas no Alentejo, na Anta Grande do
Couto da Espanhola (Beira Interior) e que é explica- Olival da Pega 2, onde também encontramos uma
da, pelos autores, pela existência de um “comércio série de analogias para outros artefactos (GONÇALVES
transregional” fortemente enraizado (CARDOSO et al. 1999: 105) ou na Extremadura espanhola. Estes ma-
2000: 201). Nesta estação, em associação com estas teriais são normalmente considerados de artefactos
pontas, registaram-se artefactos polidos, placas de votivos, praticamente inexistentes nas estações de
xisto, taças de carena alta, trapézios e contas de colar habitat.
em pedra verde, uma delas muito idêntica à conta Na Anta I, os materiais polidos exumados (um
alongada em variscite/crisoprásio (?) recolhida da machado e uma goiva) verificaram-se na câmara,
Anta II. nas proximidades do esteio da cabeceira, em sedi-
O tipo de ponta de seta de base triangular com mentos revolvidos. No caso da Anta II, todos os
aletas laterais tem sido verificado em estações junto machados e enxós exumadas até ao momento, bem
à Foz do Sever, como por exemplo no dólmen da como as alabardas, foram registadas, lado a lado,
Charca Grande de la Regañada, associadas a macha- junto dos esteios do corredor, englobados na camada
dos polidos muito semelhantes aos recuperados no C3, disposição semelhante à verificada na Anta I de
núcleo de Rego da Murta, taças esféricas e hemis- Val da Laje (OOSTERBEEK 1994a).
féricas lisas, vasos de colo estrangulado, carenados, Os artefactos polidos aparentam certas diferen-
lâminas e contas de colar em pedra verde (OLIVEIRA ças com as estações da região, apresentando formas
2003), que, com uma arquitectura muito semelhante mais rectangulares que os elementos extraídos da
à Anta I, apresentam uma correlação muito fiável gruta do Cadaval, da gruta da Nossa Senhora das
com os espólios por nós recolhidos. Lapas, da gruta dos Ossos e da Anta 1 de Val da Laje
No caso da Anta I de Rego da Murta, as pontas, (OOSTERBEEK 1987b; 1994a). No entanto, estas dife-
na sua maioria de base triangular, são normalmente renças, sobretudo quanto ao tratamento e uso, tam-
atribuídas já ao Calcolítico pleno, resultando em bém são visíveis entre os objectos do núcleo de Rego
deposições posteriores às de base côncava (LEISNER da Murta, variando entre gumes muito macerados,
et al. 1961: 34), observadas maioritariamente na como se registou nas grutas, e gumes com poucos
Anta II. traços de uso e com um acabamento mais cuidado.
Neste sentido, e porque não as podemos correla- Pelo que foi possível observar, as diferenças na in-
cionar com nenhum contexto bem conservado na dústria polida não parecem resultar de modelos evo-
Anta I, atribuímo-las às últimas deposições do mo- lutivos ou diferentes contactos, mas do aproveita-
numento, observando-se três zonas preferenciais de mento oportuno que os blocos de matéria-prima reg-
deposição: no centro da câmara, junto à estrutura cir- istados a Sul da região ofereciam. A goiva obtida na
cular; na passagem do corredor para a câmara, asso- Anta I é fina e alongada, apresentando um intenso po-
ciadas a fauna doméstica (ovicaprinos, porcos e limento generalizado. Este objecto apresenta simili-
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tudes com a registada na ca-
mada D da gruta do Cadaval,
também aqui associada a um
machado e uma enxó. Fora da
região, morfologicamente, apre-
senta paralelos com as recupe-
radas da Anta 1 de Terá (Pa-
via) (MOITA 1956: 138), da An-
ta 4 de Portugal, também de-
signada por Anta da Malhada
dos Porcos (Montargil) (LEISNER
e LEISNER 1953: 258), do túmu-
lo de Vedro Vello (FÁBREGAS
VALCARCE 1994: 105) ou da es-
tação de Vidigueiras 2 e Gorgi-
nos 3 (GONÇALVES 1999: 49-50).
No que diz respeito aos
adornos, a variedade da ma-
téria-prima com que foram fa-
bricados, associada às diferen-
tes morfologias, indica que es-
taremos perante diferentes ti-
pos de influências, algumas de
longa distância, como é o caso, ainda que sob reser- Grande da Comenda da Igreja, em Évora (EOGAN Figura 9
vas, dos possíveis crisoprásios 4. Efectivamente, a 1990: 125). No entanto, em todos estes casos apre-
Planta vectorizada da Anta II
diferença entre os dois monumentos também se pau- senta somente uma perfuração central superior, ao do Rego da Murta, com a
ta no tipo de matéria-prima preferencial com que os contrário do que sucede na Anta II, onde se regis- representação da localização e
objectos foram construídos, tendo-se registado, na taram três orifícios. desenho dos vasos ou fragmentos
Anta I de Rego da Murta, uma maior percentagem As placas de xisto de ambos os monumentos não de vasos mais significativos.
de xisto talcoso e, na Anta II, de variscite, que poderá apresentam decoração. Este tipo de objectos são
estar relacionada com os objectos em vigor na altura comuns aos monumentos megalíticos do Alto Ri-
das deposições. Esta ilação é tida tendo em conta as batejo, tendo sido observados na Anta 1 de Vale da
próprias diferenças registadas entre os diferentes os- Laje (OOSTERBEEK 1994a), no Monumento de Colos
sários de Rego da Murta II. Neste monumento, uma (GASPAR e BAPTISTA 2001) e na Anta da Foz do Rio
das contas em variscite é discóide achatada, sendo Frio (PEREIRA 1970).
normalmente atribuída aos contextos do Neolítico fi- A Norte, na estação de Fraga da Pena, em Fornos
nal / Calcolítico inicial, corroborando a associação de Algodres (VALERA 1997: 77), registou-se um pen-
com a datação obtida no ossário dois: BETA-190004 dente em seixo ovóide, com analogias ao pendente
2930 a 2880 Cal, 2 sigma. A pequena escultura zoo- em quartzito recuperado da Anta I do Rego da Mur-
mórfica em esteatite aparenta ser posterior, tendo si- ta. Este objecto encontrava-se associado a um pun-
do registada junto à cabeceira, nas proximidades dos ção em cobre semelhante ao registado por nós na
vestígios ósseos de fauna bovina. Anta II, bem como a cerâmicas com cordões impres-
Estes elementos são normalmente mais comuns sos a dedadas, carenadas, e a recipientes impressos a
nas grutas, observando-se um exemplar idêntico na “punto y raia” (idem: 72), também verificados neste
gruta de Nossa Senhora das Lapas (OOSTERBEEK monumento.
1994a). Estes pendentes zoomórficos, sobretudo os Quanto às lascas, lâminas e lamelas, é de desta-
de tipo lagomorfo, foram exumados da Anta Grande car a grande diferença observada entre os dois mo-
da Comenda da Igreja (Alentejo) (EOGAN 1990: 125), numentos estudados. Na Anta I de Rego da Murta
na Conchadas e na Anta Grande do Olival da Pega elas representam uma alta percentagem dos materi-
(GONÇALVES 1999: 73), associados a cerâmica com ais exumados, sendo muito mais escassos na Anta II.
triangulações incisas preenchidas a pontilhado e a Na maioria, quer num monumento quer no outro,
placas de xisto votivas, também observadas na Anta II são do tipo chert, seguido do sílex, observando-se
do Rego da Murta. ainda uma pequena percentagem na matéria quartzí-
O pendente triangular em esteatite é, por sua vez, tica, no quartzo leitoso, no quartzo hialino e no quartzo
mais comum nos monumentos de falsa cúpula, ten- fumado. A totalidade dos micrólitos que se registam
do um muito parecido sido encontrado em Veja del na Anta II foi observada na camada C2, normal-
Guadancil (BUENO RAMÍREZ 2000: 46), em Juan Ron 1 mente associados ou nas proximidades dos macrolí- 4 Estudo desenvolvido pelo
(Alcântara) (BUENO et al. 2000: 152) e na Anta ticos, contrariando o pressuposto teórico de atribui- Dr. Huet Bacelar Gonçalves.
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ção quase sempre neolítica a estes instrumentos. Esta dem desde o Neolítico, registando-se em quase todo
mesma relação nas deposições (micrólitos e macro- o território peninsular (SILVA e SOARES 1976-77).
líticos) foi observada na gruta dos Ossos (OOSTER- Um fragmento muito idêntico ao vaso com asso-
BEEK 1994a). Os instrumentos do tipo buril, furado- ciação de triangulações incisas preenchidas a punção
res, raspadores, raspadeiras, denticuladas, entre ou- proveniente da Anta II de Rego da Murta foi exumado
tros, que se manifestaram na Anta I, são em qualquer na estação de Santa Margarida (BAPTISTA 2004: 103),
dos níveis ou ossários da Anta II, raros ou inexisten- em Constância, e na camada C da Gruta do Cadaval
tes. Neste monumento, as lascas observadas são qua- (OOSTERBEEK 1994a). Esta mesma estação também
se na totalidade simples e grosseiras. O mesmo se revelou a presença de vasos com mamilos, de morfo-
observa para as lâminas e lamelas que se verificaram logia idêntica aos observados em Rego da Murta, em
muito fracturadas, ao contrário da Anta I, onde apa- associação com trapézios e crescentes, bem como pon-
recem em grande quantidade e normalmente inteiras tas de seta de base côncava, predominantes na Anta II.
ou de dimensões mais alongadas. As melhores seme- A associação destes dois tipos de vasos é bem visível
lhanças com estes elementos manifestam-se na gru- nas estações ao longo do Tejo, sendo de destacar o
ta dos Ossos, na Anta 1 de Vale da Laje e na gruta de sítio de los Castillos de Las Herencias (ÁLVARO RE-
Nossa Senhora das Lapas (OOSTERBEEK 1994a). É QUENA e PIÑÓN VALERA 1987: 283), onde nesta deco-
interessante referir que, na Anta II, estes objectos se ração se observaram incrustações de pasta branca e
encontram dispersos, observando-se, essencialmente onde também foram exumadas pontas de seta de ba-
as retocadas, na zona externa ao mesmo. Também a se côncava ligeiramente cavada. Segundo os autores,
cerâmica apresenta divergências significativas entre este tipo de decoração é muito característico da Idade
os monumentos e os diferentes contextos registados do Cobre. Na realidade registam-se exemplares em
no interior da Anta II. No entanto, é visível que uma Los Millares (LEISNER e LEISNER 1943), na Andaluzia
grande parte, sobretudo no corredor do mesmo mo- (GONÇALVES 1971), na Extremadura espanhola (ÁL-
numento, se apresentava virada ao contrário. Tal fac- VARO REQUENA e PIÑÓN VALERA 1987), em Toledo
to também foi registado na Anta I de Val da Laje, (idem) e em Portugal em contextos pré-campanifor-
concentrando-se junto às paredes do corredor, à se- mes, como se observa com a Anta II do Rego da Mur-
melhança deste último monumento (OOSTERBEEK et ta. A mesma associação técnica de incisões a pun-
al. 1992). Na câmara elas situam-se mais ao centro, cionamentos, mas com uma organização decorativa
ocupando uma cota semelhante à das calotes crania- um pouco diferente, é atribuída às estações da região
nas mais bem preservadas. A posição encimada das de Sines, como é o caso do sítio da Salema, estuda-
calotes em relação às estruturas aparenta analogias do por Joaquina SOARES e Carlos Tavares da SILVA
com o tipo de ossário registado na gruta dos Ossos (1981), normalmente associados a objectos de pedra
(OOSTERBEEK 1993b). Na análise de dispersão tam- polida. Efectivamente, o fragmento recolhido com
bém se verifica uma associação dos recipientes estas características encontra-se muito próximo da
inteiros aos grupos ossários interpretados, coroando zona de onde se exumaram as duas enxós em anfibo-
normalmente as deposições, como se verificou no lito, encontrando-se conectadas com o ossário seis.
grupo cinco. Os fragmentos cerâmicos encontram-se A presença de machados e enxós polidos, bem
mais dispersos pelo monumento. como a sua implantação junto às paredes do corredor
Assim e numa primeira abordagem, correlacio- e em parte associadas a vasos esféricos ou hemis-
nando os objectos cerâmicos com as datações obti- féricos e às alabardas, poderá ser relacionada com o
das, podemos dizer que o vaso com mamilos, que se primeiro momento de ocupação da Anta I de Vale da
apresenta de maiores dimensões que os restantes, cor- Laje (camada C e D) (OOSTERBEEK 1994a). Os vasos
responderá, no nosso núcleo, a deposições que nos com aplicação de uma solução aquosa alaranjada ou
parecem integráveis no Calcolítico, tendo sido regis- almagre, verificados nos dois monumentos, têm pa-
tado na camada C2 da Anta II do Rego da Murta ralelos com o tratamento dado a três vasos presentes
(Calcolítico inicial) e no corredor da Anta I do Rego na camada D da gruta do Cadaval (OOSTERBEEK
da Murta, associado a um contexto datado do Calco- 1987c: 104), muito semelhantes aos recipientes de-
lítico final. Estes vasos, juntamente com os de mor- tectados, a Sudoeste do Alto Ribatejo, na Conheira
fologia ovóide, têm paralelos com a camada D da do Penascoso, em Mação (PEREIRA 1972), sendo es-
gruta do Cadaval (OOSTERBEEK 1987c: 103) encon- tes, no entanto, de maiores dimensões que os obser-
trando-se nesta estação relacionados com artefactos vados nas antas. Segundo Luíz OOSTERBEEK (1987c:
polidos (uma goiva, um machado e uma enxó), tra- 107) e no que diz respeito a estes vasos, “ao neolíti-
pézios, lascas e uma indústria laminar raramente re- co evolucionado da gruta do Caldeirão sucederia
tocada, semelhante a alguns objectos recuperados da um Neolítico médio de tradição arcaica, caracteri-
Anta I do Rego da Murta. Luíz Oosterbeek refere a zado pelo predomínio de cerâmicas lisas, por vezes
possibilidade de o vaso com mamilos ter sido “uma com engobe ou aguada…” Um dos vasos que apre-
reserva de ocre” (idem: 104). Estes elementos são sentava um tratamento com uma solução alaranjada
contudo, no geral, atribuídos a contextos que prece- foi recuperado por baixo da queda do esteio C do
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corredor da Anta I, tendo uma das amostras ósseas
recolhidas apontado para o Neolítico final (datação
mais antiga obtida para este monumento). Outros
paralelos registam-se na Bacia Interior do Mondego,
a Norte (VALERA 1998), ou na Anta I do Poço da
Gateira, a Sul (GONÇALVES 1999: 48), associados a
espólios muito semelhantes aos observados na Anta I
de Val da Laje e nos monumentos de Rego da Murta.
As carenas, pela relação que mantêm com os os-
sários números cinco e seis, aparentam ser do Neolí-
tico final/Calcolítico inicial. Estes objectos têm ana-
logias com artefactos integrados na camada C da gru-
ta do Cadaval (OOSTERBEEK 1987c: 103) e com a cama-
da B da Anta I de Val da Laje (OOSTERBEEK 1994a).
Os bordos denteados e a cerâmica incisa a zi-
guezague, recuperados exclusivamente da Anta I de
Rego da Murta, aparentam ter mais analogias com a
camada C da gruta do Cadaval (OOSTERBEEK 1987c:
102-103), ainda que no caso do bordo denteado se
tenha verificado a impressão de unha e não de dedo,
como registamos no nosso monumento. Este tipo de 0 3 cm
bordos encontra paralelos na Estremadura portugue-
sa, também sob a forma de recipientes de colo es-
trangulado, em contextos do Neolítico final, como é
o caso da estação do Penedo do Lexim, em Mafra
(SOUSA 2003: 328). É também com esta estação que
podemos apresentar analogias para o fragmento de
bordo espessado recuperado do mesmo monumento.
O vaso de decoração impressa arrastada, do tipo
“punto y raia”, exumado da camada C3 da Anta II
de Rego da Murta, em associação com o ossário seis,
tem analogias com contextos do Neolítico, aparen-
tando paralelos com estações a Norte, como Lavra I
(SANCHES 2003: 161), Complexo 1 do Penedo da Penha
(VALERA 1998: 134), Buraco da Moura de São Ro- Figura 10
mão (idem 1998: 137) e mamoa 2 de Furnas (JORGE
Pendente zoomórfico, em variscite;
et al. 1987); na Estremadura, ela regista-se em São
machado polido e alabarda
Pedro de Canaferrim (SIMÕES 2003: 132) ou no ní- exumados da Anta II de
0 3 cm
vel III de Cerro de la Horca, onde em associação Rego da Murta.
foram observados vasos com mamilos e bordos den-
teados (GONZÁLEZ CORDERO et al. 1991; BUENO RAMÍ-
REZ 2000: 40), ou a Sul, com Valada do Mato (DINIZ do Rego da Murta parecem obedecer ao mesmo pa-
2003: 729). Nesta última estação também se regista- drão. O primeiro caso revelou, para a época sincró-
ram vasos com cordões, impressos a dedadas, seme- nica da Anta II do Rego da Murta, a presença de um
lhantes a um dos fragmentos observados na Anta I. conjunto de deposições sucessivas, em ossário, que
se pautavam pela presença inicial de ossos dos mem-
bros inferiores de vários indivíduos, seguidos de de-
3. Resultados e Conclusões posições dos membros superiores e, por fim, dos crâ-
nios. Entre estas deposições registaram-se níveis de
As diferentes estações (grutas e dólmens) não terra. Os artefactos foram colocados em redor, junto
são muito distintas, observando-se a presença de ma- à entrada da cavidade (CRUZ e OOSTERBEEK 1988e).
crolíticos em quase todas as deposições assinaladas, O caso da Anta II do Rego da Murta, como já foi expos-
evidenciando uma certa continuidade cultural. Os to, revela conjuntos de amontoados de ossos, aparen-
adornos e as cerâmicas, ainda que com as suas difer- temente aleatórios, que eram depositados em dife-
enças, características da diacronia pré-histórica, tam- rentes zonas da anta, cobertos por terra e condenados
bém são muito semelhantes nos dois tipos de locais. por pequenas estruturas pétreas. Os artefactos esta-
O mesmo se observa nos rituais, onde as depo- vam dispostos junto destas estruturas ou, em alguns
sições na gruta dos Ossos e as deposições na Anta II casos, integrados nos ossários. A maior parte dos frag-
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mentos cranianos foram identificados numa primeira ração da relação do Homem com o que o rodeia, que
unidade estratigráfica, posterior à deposição das pró- a par e passo transfere para si mesmo e para a con-
prias estruturas pétreas, como que coroando as depo- cepção com os seus antepassados.
sições. Ainda que se possa considerar a existência de Não está implícito que haja, portanto, um “mun-
enterramentos primários na anta, eles terão numa fa- do das grutas” (OOSTERBEEK 1994a) no Nabão ou
se posterior sido aglomerados em ossários, à semelhan- qualquer preferência cultural por um determinado ti-
ça da Gruta dos Ossos (CRUZ e OOSTERBEEK 1988e). po de estrutura ritual. Na verdade, regista-se no Alto
O que nos parece mais evidente na análise da Ribatejo uma grande variedade arquitectónica, bem
emergência do megalitismo no Alto Ribatejo, é que como um conjunto sepulcral diverso, característico
as primeiras arquitecturas que exigiam um plano de dos inúmeros contactos que esta região sofreu ao
construção, um certo esforço físico e coesão grupal, longo da Pré-História, do processo temporal em que
não foram direccionadas, tal como nos outros sítios, as deposições decorreram e das condicionantes geo-
para os habitats, mas para a resolução de problemas morfológicas da paisagem, resultando no uso das
que ultrapassam as questões mais práticas de sobre- grutas e outras cavidades e afloramentos, e na cons-
vivência humana. O processo aqui implicado, ainda trução dos monumentos megalíticos, sem que isto
que permitindo extrair diversas funcionalidades de implique uma divisão sócio-cultural dos grupos que
ordem social e económica, parece residir numa alte- os usaram.
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tuário do Tejo”. In Iªs Jornadas de História e Pa- buição para o Conhecimento dos Povoados Calcolí- litécnico de Tomar.
trimónio Local. Moita: Câmara Municipal da Moita, ticos do Baixo Alentejo e Algarve”. Setúbal Ar- TAVARES DA SILVA, C.; SOARES, J. e PENALVA, C. (1985)
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Intervenção Arqueológica r e s u
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projecto para a construção do Com- Os trabalhos arqueológicos desenvolvidos pelo
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O Casal do Rebolo na Época Moderna ANTUNES-FERREIRA, Nathalie (2005) − Paleobiologia dos Indiví-
duos Exumados na Necrópole Romana da Casal do Rebolo
(Almargem do Bispo, Sintra). Museu Arqueológico de São Mi-
A ocupação e exploração agrícola do Casal do
guel de Odrinhas. Relatório policopiado.
Rebolo permaneceu após o abandono das estruturas AZEVEDO, José Alfredo da Costa (1980) − “As Queijadas”. Velha-
romanas, tendo possivelmente sobre estas sido edifi- rias de Sintra. Sintra: Câmara Municipal de Sintra. 3.
cado o conjunto de edifícios que ainda hoje domina BOLÉU, José de Oliveira (1973) − Sintra e o Seu Termo. 2ª ed. Sin-
o vasto território agrícola. tra: Câmara Municipal de Sintra.
GONÇALVES, Alexandre e COELHO, Catarina (2005) − “A Estação
Sabemos, por antiga documentação manuscrita,
Arqueológica do Casal do Rebolo: uma primeira abordagem”.
que em 1481 o Casal do Rebolo “foi aforado por cem In 575 Anos do Giro de Nossa Senhora do Cabo Espichel. Festa
alqueires de trigo e noventa de cevada, um porco de de Almargem do Bispo. Almargem do Bispo: Comissão de Fes-
dois anos e uma dúzia de queijadas” (AZEVEDO 1980: 4). tas de Nossa Senhora do Cabo Espichel / Paróquia de Almar-
Arqueologicamente, comprova-se a antiguidade da gem do Bispo, pp. 82-84.
LEROI-GOURAIN, André (1983) − Os Caçadores da Pré-História.
propriedade moderna pela recolha de um ceitil atri- Lisboa: Edições 70.
buído a D. João III (1522-1535) e de alguns fragmen- “MEMÓRIAS Paroquias de 1758” (1982) − Velharias de Sintra.
tos de faianças e azulejos já setecentistas. Por outro Sintra: Câmara Municipal de Sintra. 4: 137-187.
lado, nas Memórias Paroquiais de 1758, aquando da TEICHNER, Félix (2006) − “Cerro da Vila: paleo-estuário, aglome-
inquirição feita à freguesia de Almargem do Bispo, ração secundária e centro de transformação de recursos maríti-
mos”. Setúbal Arqueológica. Setúbal: MAEDS. 13: 69-82 (Actas
refere-se que os lugares do Rebolo, Poço do Musgo do Simpósio Internacional de Produção e Comércio de Prepara-
e Santa Eulália possuíam no conjunto dezoito fogos dos Piscícolas durante a Proto-História e a Época Romana no Oci-
e sessenta e seis pessoas (AZEVEDO 1982: 46). dente da Península Ibérica. Homenagem a Françoise Mayet).
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r e s u m o
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Citânia de Briteiros
Main results of recent archaeological
work carried out at the Citânia de
Briteiros (Guimarães, Braga), one of the
largest proto-historic settlements in the
Northwest of the Iberian Peninsula,
exceptional from a scientific and heritage
point of view.
trabalhos arqueológicos recentes (2007) The project involves reanalyzing old doc-
uments, systematically recording the
structures found and carrying out new
archaeological surveys in the site and
surrounding area.
por Francisco Sande Lemos * e Gonçalo Cruz **
k e y w o r d s
* NARQ - Núcleo de Arqueologia da Universidade do Minho.
** Sociedade Martins Sarmento. Proto-History; Baths; Habitat; Rupestral
art.
Desde 2004 têm sido desenvolvidas vá- proceder à georeferenciação do material recolhido r é s u m é
Fig. 2
334.33
da “Casa da Espiral” (Fig. 6). vos aparelhos externos e internos, pormenores cons- UH 3
334.54
E3
UH 4
334.17
10 m
Fig. 3
zadas, têm números próprios (por exemplo S5/UH3/
/E1, que neste caso será uma estrutura circular com
átrio, pertencente à unidade doméstica 3 do Sector 5, achados de lingotes e vestígios de fundição, concluiu-
situado na zona Noroeste da acrópole − Figs. 2 e 3). -se que as oficinas se encontravam distribuídas por
Também se procedeu a um registo das características todo o povoado e não centradas num bairro específi-
das muralhas e das ruas, de modo a obter todos os co. No entanto, ficavam sempre próximo das ruas
detalhes sobre estes equipamentos. principais, tal como se registou em vários oppida da
Pretende-se, numa próxima fase, organizar um Europa (ARDOUZE e BÜCHSENSCHÜTZ 1991). Uma das
Sistema de Informação Geográfica que permita um referências curiosas é uma colecção de alfinetes de
acesso fácil a todos os dados, bem como estudos da cabelo (mais de uma dezena), localizada num com-
morfologia intra-site. partimento específico de uma unidade doméstica, o
que poderá indicar um local de transacção.
b) Os estudos incidentes na georeferenciação de Foi também possível determinar a origem de duas
materiais recolhidos pelas antigas escavações foram pedras gravadas, com a representação de tenazes, e
profícuos. No domínio da metalurgia, com base em recolhidas por Martins Sarmento numa das princi-
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pais ruas de acesso à acrópole, o que reforça a hi- de bloco solto, onde, numa das faces verticais, se
pótese supra (Fig. 4). Na Citânia de Sanfins os artí- observa uma espiral, passou a ser designada como
fices estariam concentrados num bairro específico “Casa da Espiral”, sendo esta formada por três estru-
(SILVA 1986). turas circulares, uma das quais com átrio, dispostas
Outro dos resultados mais interessantes foi a con- em redor de um pátio cuidadosamente lajeado (Figs. 5
clusão de que grande parte dos elementos decorados e 6). Os trabalhos estenderam-se, também, para além
(lintéis, ombreiras e frisos) foi recolhida em áreas do muro de suporte que limita, a Poente, a unidade,
muito específicas do povoado, em especial na zona abrangendo assim uma área que nunca tinha sido
que designamos por “bairro” dos Camali, identificá- escavada, pois era a zona ocupada pela romaria de
vel não só pelos já conhecidos lintéis epigrafados, S. Romão. De facto, Martins Sarmento, embora ti-
como também pelos anagramas gravados na rocha vesse adquirido o monte, terá acedido a manter a fes-
aplanada dos pátios das unidades domésticas. Aliás, ta popular, de modo a evitar conflitos com a comuni-
como já Martins Sarmento indicara nos seus aponta- dade de S. Salvador de Briteiros. Hoje a romaria já
mentos, a série mais completa de elementos decora- tem pouco impacto social e as boas relações com a
tivos integrava uma construção rectangular cuja base comunidade facilitam o estudo de uma área muito
Fig. 4
se encontra sobreelevada em relação às restantes interessante do ponto de vista científico.
construções do bairro, sendo acessível através de
uma rampa.
D N
A relevância simbólica dessa estrutura é evi- 334.24
dente, embora não seja possível articulá-la com uma 333.56 334.53
F
Se considerarmos a etimologia do nome (“bata- Z 333.10
330.28
B
Fig. 5
atinge o cargo de sacerdote do culto imperial. Outro 106 105 104 103 102 101 100 99 98
numismas ibéricos e no outro Adriano. Todavia, as o “Balneário Sul ou Sudoeste”. No âmbito dos tra- Figura 9
moedas cunhadas sob os flávios e os antoninos são balhos, efectuados em Agosto de 2007 pela empresa
Planta do “Balneário Leste”
apenas sete num total de 81. Mais de metade da série Palimpsesto, na primeira fase de um projecto de va- (a traço negro o existente e
são da República e de Augusto. A quantidade de lorização financiado pelo Programa Operacional da a traço azul a projecção
moedas ibéricas é muito limitada, porque se extra- Cultura, procedeu-se à limpeza de toda a área envol- para Leste).
viaram ainda no tempo de F. Martins Sarmento (CAR- vente da estrutura, antes de se executarem obras de
DOZO 1931). renovação da envolvente, com o objectivo de facili-
tar uma leitura mais adequada do monumento. Como
d) Nesta breve nota devem também ser divulga- se sabe, estes banhos foram detectados durante a
dos os novos dados sobre os denominados banhos abertura da Estrada Nacional que cortou a Citânia
castrejos. Este género de equipamento, do qual se pelos lados Sul e Nascente.
conhecem pelo menos dois na Citânia, tem fun- A remoção de terras que permitiram a descober-
cionalidades e simbologia ainda pouco apuradas, so- ta, bem como a posterior escavação do interior da
bretudo porque a grande maioria destas estruturas, estrutura, eliminaram em 1931 os estratos relaciona-
que se conhecem, foram escavadas há bastante tem- dos com o uso (pelo menos os contíguos à estrutura).
po. Contudo, os banhos conservados na Citânia são Conservaram-se, porém, os sedimentos articuláveis
ainda uma importante fonte de dados para a inter- com a edificação da estrutura, sendo observável o
pretação, quer dos modelos construtivos, quer da programa construtivo: a rocha granítica foi cortada a
cronologia, função ou simbolismo. Já em Setembro Norte, numa profundidade equivalente ao topo do
de 2006 se havia efectuado a limpeza e levantamen- forno e das duas câmaras, que ficavam assim quase
to dos banhos localizados em 1931 por Mário Car- escondidas. Distingue-se a vala de fundação que en-
dozo, no que se designou como “Balneário Leste”. O volve o forno. Deve admitir-se que sobre a estrutura
trabalho permitiu apurar a extensão original do edifí- pétrea da cobertura fosse colocada uma argamassa
cio, a sua implantação, bem como as características de saibro e argila, evitando assim a infiltração da água.
arquitectónicas ainda presentes (Fig. 9). Não se de- Nesta intervenção de 2007, a decapagem dos estra-
finiu a cronologia de fundação, posto que ainda não tos relacionados com a construção foi deixada para
se escavaram estratos arqueológicos, que todavia se futuros trabalhos. Abriu-se, no entanto, uma pequena
conservam no flanco Oeste da estrutura. No que res- sondagem na área lajeada do pátio, tendo-se concluí-
peita às dimensões destes banhos, a sua largura é, de do que as pedras foram colocadas sobre um nível de
facto, compatível com a “Pedra Formosa” mãe (ex- preparação. Tanto na UE correspondente à prepara-
posta actualmente no Museu da Cultura Castreja - ção do lajeado como noutras unidades subjacentes,
Solar da Ponte), parecendo confirmar a proposta de apenas foi recolhida cerâmica indígena. É um dado
Mário CARDOZO (1931 e 1994). Porém, a fraca quali- interessante para a cronologia destes monumentos,
dade dos muros contrasta com a monumentalidade e mas que terá de ser validado por futuras sondagens.
riqueza ornamental da “Pedra Formosa”, pelo que se
deve ser prudente. Será que na Citânia existiram três e) As linhas de estudo orientadas para a Arte Ru-
equipamentos de banhos? pestre revelaram uma faceta pouco divulgada do mon-
Também se realizaram trabalhos arqueológicos te de Briteiros: a abundância e valor dos conjuntos
na primeira estrutura do género descoberta na Citâ- gravados que ainda se conservam, tanto no interior
nia (um ano antes da que acabámos de mencionar), do povoado como em redor.
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3. Considerações finais
Bibliografia
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ciedade Martins Sarmento. mento na Arqueologia Portuguesa e Europeia do Sé- ciedade Martins Sarmento.
CARDOSO, Mário (1985) − Catálogo do Museu da So- culo XIX”. Revista de Guimarães. N.º especial: 39- SILVA, A. C. F. (1986) − A Cultura Castreja no Noro-
ciedade Martins Sarmento. Secção de Epigrafia e de -47 (Actas do Congresso Europeu de Proto-História, este de Portugal. Paços de Ferreira: Museu Arqueo-
Escultura Antiga. 3ª edição. Guimarães. 1999). lógico da Citânia de Sanfins.
CARDOSO, Mário (1994) − Obras. Porto: Fundação En- LEMOS, Francisco Sande e CRUZ, Gonçalo (2006) − UNTERMANN, Jürgen (1965) − Elementos de un Atlas
genheiro António de Almeida. Vol. I. “Citânia de Briteiros: programa de investigação e Antroponimico de la Hispania Antigua. Madrid (Bi-
CARDOSO, Mário (1997) − Obras. Porto: Fundação En- valorização do monumento”. Fórum. Braga: Univer- bliotheca Praehistorica Hispana, 7).
genheiro António de Almeida. Vol. II. sidade do Minho. 39: 3-38.
CENTENO, Rui (1987) − Circulação Monetária no No- LEMOS, Francisco Sande e CRUZ, Gonçalo (2007) −
roeste de Hispânia até 192. Porto. Citânia de Briteiros. Povoado Proto-Histórico.
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a
Vila de Castelo de Vide r e s
p a l a v r a s c h a v e
Proto-História; Cerâmica.
a b s t r a c t
Foto: S ACMCV
cronologia até aí conhecida sobre o local. Atendendo
à natureza dos vestígios encontrados − derrubes e
depósitos de nivelamento −, estas realidades arqueo-
lógicas evidenciam a existência de um hiato crono-
lógico (da Pré-História Recente para o Período Me-
dieval Cristão) que interessa compreender. Obvia-
mente que, devido ao reduzido espaço onde se detec-
taram os vestígios pré-históricos, não é aconselhável
formularmos considerações definitivas, mas antes
deixarmos em abertos outras opções, que passam,
sem dúvida, pela continuidade dos trabalhos arqueo-
lógicos no local.
Se, porventura, foi uma fortificação, presume-se
que factores geoestratégicos poderão estar na origem
do mesmo, porquanto no morro onde se localiza se-
ria facilmente defensável e está em posição donde
permite grande controlo visual para Norte e Este.
CV
CM
/ SA
usto
Mag
oão
o: J
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Des
1
0 5 cm
Fig. 7
1,5 cm
0 3m
2
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0 5 cm
Fig. 8
Fotos: José Penhasco / S ACMCV
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avaliação de tipologias e cronologia destes recep- ainda o facto de se tratarem de cerâmicas manuais,
táculos, apresentamos, tão só, breves notas que nos com diversas zonas de fractura e de diferentes tonali-
parecem pertinentes para posteriores investigações. dades, em que a preponderância do Homem é por
No decorrer da escavação logo uma peça cerâ- demais evidente − arrasamento de prováveis estru-
mica nos prendeu a atenção. Ainda que estando in- turas e destruição de mobiliário casualmente sujeito
completa, verificámos tratar-se de um cadinho, no à acção do fogo. Felizmente, existem alguns frag-
qual ainda existiam restos de escórias. Outras es- mentos de bordos que permitem a reconstituição par-
córias foram encontradas na mesma unidade estrati- cial dos recipientes. O técnico Carlos Grande, após
gráfica. Seria este local uma oficina metalúrgica? alguns meses de aturado trabalho e perseverança na
Na primeira abordagem à identificação das tentativa de reconstrução dos recipientes cerâmicos,
porções de materiais cerâmicos, facilmente nos fez logo “surgir” um grande pote de armazenamen-
Figura 9
apercebemos que estas correspondiam, na generali- to, o qual possui bordo espessado, ligeiramente ex-
dade, a pequenas porções, ainda que de diferentes trovertido, lábio plano-convexo e base plana. Veri-
Corte transversal NW-SE.
recipientes, o que iria, à partida, dificultar, condi- ficamos que as peças de maior dimensão apresen- Indicação das Unidades
cionar ou até impossibilitar a reconstrução de formas tam-se toscamente afeiçoadas, sem um trabalho cui- Estratigráficas onde se
e a definição de tipologias. A esse aspecto alia-se dado na concepção e acabamento. registavam as cerâmicas.
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Pelo contrário, as peças de menores dimensões bordo, surgem pequenos sulcos transversais e para-
apresentam-se, na generalidade, mais perfeitas, lelos. Trata-se de um achado deveras relevante no
quase sempre engobadas e brunidas. As colorações contexto artefactual exumado.
divergem entre os tons muito claros − beges − e os O estudo das pastas não cabe, por motivos
negros (por acção directa do fogo). óbvios, nesta breve apreciação, porquanto estas ne-
Quanto às tipologias, identificámos um leque cessitam de um estudo rigoroso e individualizado.
variado de formas e dimensões, de que salientamos No estado actual dos conhecimentos, podemos dizer
os vasos globulares de base plana e as taças care- que estes vestígios assentam sobre o estrato geológi-
nadas (de dimensões variadas), em que, pensamos, co, composto por saibro amarelado, compacto.
coexistem dois tipos de recipientes − os de cozinha e Para finalizar diremos, pelos dados disponíveis
os de armazenamento. Observámos que alguns va- para este arqueossítio, que urge esclarecer as dúvidas
sos possuem asas verticais, que arrancam do bordo. levantadas pela intervenção arqueológica, ainda que
Outras peças há que possuem pegas, sem que pos- só tenhamos observado uma pequena área. De mo-
samos descortinar o número que cada recipiente pos- mento, a análise em termos de apreciação é limita-
suiria. Numa taça carenada, podemos apreciar um dora, redutora. Outras abordagens são necessárias,
par de mamilos no arranque da carena e, em outras porquanto é preciso criar novos espaços de reflexão,
duas porções, também estas surgem com mamilos. ainda que amputados do conhecimento de estruturas.
Outro inusitado achado é o de uma taça que apre- Assim sendo, este local é um ponto importante para
senta, junto ao bordo, pegas geminadas com per- o conhecimento da vivência destas populações no
furação central e circular, talvez para servir de apoio concelho de Castelo de Vide, não se restringindo, em
na suspensão. Registámos, também, que as cerâmi- grande medida, aos espaços funerários, como vem
cas não possuem qualquer tipo de decoração, excep- acontecendo.
tuando duas porções de um recipiente em que, no
Referências Bibliográficas
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2
0 5 cm
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5
4 − Pote de armazenamento, incompleto.
5 − Pote cerâmico, incompleto. Fig. 9
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ARQUEOLOGIA
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a
Casa dos Bicos r e s u
25 Anos Depois
um conjunto de sete marcas de oleiro apli-
cadas em peças de terra sigillata de produção
itálica, do Sul da Gália e da Península Ibérica.
Os exemplares foram recolhidos numa das pri-
meiras intervenções de Arqueologia urbana
na cidade de Lisboa, concluída em 1982, no
marcas de oleiro em terra sigillata interior da Casa dos Bicos. Construída no sé-
culo XVI, esta assenta sobre importantes con-
textos modernos, medievais e tardo-roma-
nos, que incluem parte de uma unidade de
produção de preparados de peixe e da mura-
por Eurico de Sepúlveda (*) e Clementino Amaro (**) lha de finais do século III ou início do IV.
a b s t r a c t
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1. “Cerca Moura”.
2. Torre semicircular tardo-romana.
9 11 3. Torre vã.
14 4. Acesso ao passadiço.
7 5. Pavimentos e compartimentos
tardo-medievais (?)
14 14 6 e 7. Estruturas preexistentes
4
à Casa dos Bicos.
6 6 8. Base de pedra com argola
(séc. XVII).
6 9. Zona de frio reutilizada para lixeira.
8 10 e 11. Pavimento quinhentista.
12. Pavimento “Mudejar”.
13. Lajeado pós-terramoto (proposta).
14. Pátio quinhentista.
5
Estruturas medievais
10
Passadiço público
1 Vestígios romanos
2
11 “Cerca Moura”
Paredes medievais
3 13 12 Vestígios medievais
Vestígios quinhentistas
Corte C-D
9 9
8 7
12 6 5
4
11
2
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Figuras 4 a 5
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Figuras 6 a 7
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em terra sigillata é precisamente de oleiros itálicos, pado de Augusto, embora para Kenrick algumas
embora não se deixe de ressalvar que se trata de uma destas “… must be as late as the middle of the first
intervenção em estratos selados de inícios a meados century AD!” 9.
do séc. I d.C. Para a Gália do Sul, mais precisamente para a
Das marcas de oleiros itálicos exumadas apenas região de La Graufesenque, foi exumada uma marca
uma está completa, a do oleiro Agathemero, cuja do oleiro sud-gálico Albanos, o qual se pode consi-
olaria se situava na cidade de Pozzuoli, enquanto que derar como tendo uma difusão que privilegiava as
as restantes se encontram fracturadas, permitindo regiões do Norte do Império, em detrimento do oci-
leituras parcelares que, no caso extremo de uma mar- dente peninsular, embora não se possam deixar de
ca radial, não apresenta qualquer tipo de letra que mencionar o exemplar de Belo e das duas marcas en-
nos dê uma pista acerca do nome do oleiro. contradas no naufrágio de Culip IV (Catalunha), em
Por sua vez, a marca de Sestio apensa num pra- que para este último sítio se constata uma variante
to Conspectus 1.1, considerado como das primeiras para o punção, a qual não possui o “OF” inicial 10.
produções de terra sigillata de tipo itálico (arretinas) A produção deste oleiro é constituída por um
de verniz/glanztonfilm vermelho, apresentou dificul- reportório heterogéneo, que abrange taças decoradas
dades de identificação, na medida em que lhe falta o e não decoradas 11 e apenas um prato do tipo Ritt 1
início da cartela rectangular, motivo que nos levou a = Drag. 18.
optar por aceitar a hipótese de se tratar de A. Sestio, Em Vechten 12, das marcas que são apresentadas
oleiro com oficinas quer em Arezzo, quer na região deste oleiro, pensamos ser lícito enquadrar a nossa
do Vale do Pó. marca nas que são caracterizadas pelos seguintes
Esta preferência na escolha de A. Sestio baseou- parâmetros: cartela rectangular; “O” legível; espaço
-se na cronologia dada para este oleiro no CVA 7 idêntico para o “I” em relação ao nexo “NA” e o fim
(40-10 a.C.), que se encaixa perfeitamente com a da cartela.
diacronia da forma do prato que, para os autores do Para Polak, estas características permitiram-lhe
Conspectus, se localiza no intervalo de tempo com- atribuir uma diacronia de 60 a 75 d.C., em relação ao
preendido entre 47-40 e 15 a.C. conjunto das marcas assim assinadas.
A uma taça da forma Conspectus 22 está apensa A marca hispânica, que constitui o único o
a marca de tipo itálico do oleiro P. Attio, que parece exemplar de origem do Sul da Península Ibérica
ter tido oficinas tanto em Arezzo como em Pisa, ou (Andújar), encontra-se bastante deteriorada, de for-
ainda na região do Vale do Pó 8 durante os últimos ma que a sua leitura se torna quase impossível.
dois decénios antes da Era. A fim de tentar obter algumas conclusões do
No actual território português não são conheci- grupo de marcas de oleiro encontradas aquando das
das marcas de este oleiro, embora na capital da Lusi- intervenções na Casa dos Bicos, elaborámos um
tânia, Mérida, tenha sido encontrada, num prato de quadro no qual estabelecemos relações entre ar-
forma indeterminada, uma marca deste oleiro, em car- queossítios de ocupação romana onde é forte o abas-
tela rectangular com nexo entre o A e o primeiro T. tecimento de produções de terra sigillata do tipo
A marca que pertence ao fragmento de taça itálico e o espólio, idêntico, exumado na Casa dos
Conspectus 13 levantou-nos sérios problemas de Bicos.
identificação. Aplicada numa car-
tela rectangular de duas linhas, dá-
-nos uma leitura perfeita da segun-
da, o que nos levou a considerá-la
Oleiros Presentes na Casa dos Bicos
como sendo um produto da olaria [e já conhecidos noutros sítios arqueológicos romanos situados na Península Ibérica]
de Octávio. A primeira linha, no
entanto, oferece-nos um conjunto Oleiro Origem Alcácer Conimbriga Represas Santarém Belo Mérida
7 Corpus Vasorum Arretinorum
de possibilidades de leitura, que A. Sestio Itálica X
(OXÉ e COMFORT 1968).
não conseguimos solucionar. Ou- P. Attios Itálica X X
8 Para OXÉ, COMFORT e KENRICK
(2000, p. Potter No.: 347) tro problema relacionou-se com o Agathemero Itálica X X
“… the Po Valley output is tipo da cartela, que para a produ- ? Octàvio Itálica
relatively unimportant”. ção de Octávio é da forma Planta Radial a) Itálica X X X X
9 OXÉ, COMFORT e KENRICK (2000: 9). Pedis, a qual tem uma diacronia a Albano Gália X
10 NIETO e PUIG (2001: 22, 24 e 25). partir de 15 d.C., o que vai contra- OF….N Hispânica
11 Formas Dragendorff 24-25, 27, riar a cronologia tradicional para
29, 31 e 33. as marcas inseridas em rectângulo a) Embora não tenhamos leituras idênticas, apresentamos esta linha com o fim de ser possível a
12 POLAK (2000: 161). com duas linhas, que é do princi- comparação com os outros arqueossítios romanos que escolhemos e que possuam marcas radiais.
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A análise do quadro apresentado dá-nos a possi-
bilidade de tecer um conjunto de considerações que
passamos apresentar:
A não existência de marcas de tipo radial quer
em Conímbriga, quer nas Represas, justifica-se pela
1 2
simples razão de as importações de terra sigillata de
tipo itálico de ambos os sítios arqueológicos só te-
rem começado a ter papel relevante a partir dos anos
10 a.C., altura em que a aplicação deste tipo de mar-
cas já tinha caído em desuso.
É também de salientar serem estas duas marcas
radiais as primeiras a serem encontradas e publica-
das para a cidade de Olisipo, pois até ao momento
3
não temos conhecimento de outro qualquer sítio ar-
queológico escavado em Lisboa (Praça da Figueira,
Sé, Teatro) que contenha no seu espólio este tipo de
marcas, o que vem demonstrar da “antiguidade” dos
0 5 cm
elementos utilizados nos enchimentos verificados na
Casa dos Bicos.
Embora não se encontre paralelo em Alcácer de
Sal para a marca de Sestio, será de alertar ser este
oleiro já conhecido em Salacia através de um dos
seus escravos Hilário 13.
A presença da marca de Albanos apenas em 4
Belo, na Bética, vem confirmar a ideia de Olisipo ser
um centro de importação assaz importante para o
abastecimento da Lusitânia, para além do seu pró-
prio consumo.
O grande peso da rota atlântica para este tipo de
bens de consumo, que implicava os trajectos maríti-
mos tradicionais desde a Península Itálica, com pas-
sagem pelos portos do Sul da Gália, Península Ibé- 5
rica (Gades = Cádis) e finalmente Olisipo.
Catálogo 6
Abreviaturas utilizadas
Figura 8
CVA = Corpus Vasorum Arretinorum (OXÉ e COMFORT 1968).
CVAK = Corpus Vasorum Arretinorum. 2nd ed. (OXÉ, COMFORT
Terra Sigillata de tipo itálico (1 a 5);
e KENRICK 2000).
Terra Sigillata galo-romana (6);
POL = POLAK 2000.
7 Terra Sigillata hispânica (7).
Fragmento de prato com perfil completo, em ter- Tem marca de oleiro de forma rectangular que
ra sigillata de tipo itálico. “Parede oblíqua” 14, esva- está colocada radialmente e na qual se pode ler
sada, da forma Conspectus 1.1. Apresenta uma pasta SEST, faltando-lhe, todavia, a parte inicial.
muito depurada, com vacúolos, de cor 5YR 6/6. O Esta sigla identifica-se com o oleiro de Arezzo
verniz/glanztonfilm é pouco espesso, com manchas A. SESTIVS (CVA 1796 = CVAK 1926), cujo pe- 13 DIOGO (1980: 17).
mais claras na ligação da parede com o pé, o que ríodo de laboração se situa entre os anos de 40- 14 ETTLINGER et al. (1990: 52) −
denota uma aplicação pouco cuidada, ligeiramente -10 a.C. “…à paroi oblique…”.
brilhante, de cor 10R 5/8.
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Fragmento de taça que mostra o perfil de uma pe- Tem marca de oleiro, sendo esta do tipo de um
quena parte da parede e base, com pé, em terra sigil- pequeno rectângulo com os vértices arredondados e
lata de tipo itálico. Pertence à forma Conspectus 22, colocada ao centro do fundo. O nome do oleiro en-
possivelmente. Trata-se de uma taça de perfil “tron- contra-se inscrito em duas linhas, as quais não pos-
cocónico com bordo vertical” 15. A parede apresenta suem qualquer separador. Na primeira linha é legível
uma pasta muito depurada, de cor 5YR 8/4. O uma primeira letra “I”, seguida de um grupo de letras
verniz/glanztonfilm é muito espesso, acetinado e bri- de difícil decifração. A segunda oferece-nos a leitura
lhante, de boa qualidade e cor 10R 4/8. de OCTA. Poder-se-á tratar de um “operário” que
Tem marca de oleiro de tipo tabella ansata em tivesse laborado na oficina de OCTAVIVS. Da inves-
que o lado vertical, o mais pequeno, apresenta um fi- tigação feita não conseguimos encontrar nenhum es-
no denteado. A marca encontra-se colocada no fun- cravo ou liberto deste oleiro cuja marca se coadune
do da base, ao centro, sendo limitada por um círcu- com a que estamos a analisar. Atendendo às carac-
lo. Permite a leitura P.ATI (com o “I” mais pequeno terísticas da marca, será licito atribuir-lhe uma cro-
que as outras letras). Pertence ao oleiro P.ATTIVS nologia do principado de Augusto.
(CVA 209 = CVAK 347), cujo período de laboração
se situa entre os anos de 20-1 a.C. Até ao presente MC.ARQ/CB 82.463c (antigo CB 1436)
não se conhece a localização precisa da oficina deste
oleiro. Fragmento de prato constituído pelo perfil de
uma pequena parte da parede do fundo e da base,
MC.ARQ/CB 82.428c (antigo CB 49) com pé, em terra sigillata de tipo itálico. Pertence à
forma Conspectus 1.1.3. Apresenta uma pasta muito
Fragmento de taça que define o perfil de parte da depurada, com vacúolos, de cor 5YR 6/6. O verniz/
parede e base, com pé, em terra sigillata de tipo itáli- /glanztonfilm é pouco espesso, com manchas mais
co. Possivelmente será de uma “taça troncocónica claras, de cor 10R 5/8.
com bordo vertical” da forma Conspectus 22.4.1. A Tem marca de oleiro, possivelmente de forma
parede tem uma espessura muito reduzida e apresen- rectangular e colocada radialmente. Encontra-se
ta uma pasta arenosa com elementos não plásticos fracturada, motivo que a leva a apresentar apenas
(e.n.p.) abundantes, de cor 5YR 8/4. O verniz/glanz- vestígios duma letra que não permite a identificação
tonfilm é muito espesso, acetinado e brilhante, de do nome do oleiro. Esta marca está inserida/limitada
muito boa qualidade e cor 2.5YR 4/8. Está decorada por um círculo (banda) estreito com aplicação de
com uma banda estreita de “guilhochis” muito fino “guilhochis”. Atendendo ao facto de apresentar este
junto à base, na parede externa. tipo de marca, podemos considerá-lo como sendo
Tem marca de oleiro aplicada numa cartela de um produto elaborado entre os anos de 40/20-10 a.C.
forma rectangular com os cantos arredondados, es-
tando colocada no fundo da base, ao centro, permi- MC.ARQ/CB 82.464c (antigo CB 3418)
tindo a leitura AGATHEM (com “THEM” em nexo
e possível ligação entre o “G” e o “A”). Pertence ao Fragmento de taça com o perfil de uma pequena
oleiro de Pozzuoli AGATHEMERVS (CVA 1086 = parte da parede e base, com pé, em terra sigillata
CVAK 53), cujo período de laboração se situa entre sud-gálica. Taça da forma Drag. 24-25 ou Drag. 27.
os anos de 10 a.C. e 10 d.C. Apresenta uma pasta de excelente qualidade, tipica-
mente sud-gálica, com espectro de pequenas calci-
15 ETTLINGER et al. (1990: 90) − MC.ARQ/CB 82.462c (antigo CB 4599) tes, muito compacta e de cor 2.5YR 6/6. O verniz/
“…tronconique à rebord vertical…”. /glanztonfilm é muito espesso, escamando junto ao
16 POLAK (2000: 161) discorda da Fragmento de taça com o perfil de uma pequena pé, brilhante, de cor 2.5R 5/8.
cronologia apresentada por parte da parede do fundo e base, com pé, em terra Tem marca de oleiro, sendo esta do tipo de um
Oswald para este oleiro, na base sigillata de tipo itálico. Pertence à forma Conspectus rectângulo estreito, com os lados mais pequenos
da ausência de marcas quer nos 13. Apresenta uma pasta muito depurada, com va- oblíquos, e colocada ao centro do fundo, dentro de
fortes de Inglaterra mandados
construir por Agricola, quer nas
cúolos, de cor 5YR 8/4. O verniz/glanztonfilm é es- um círculo duplo em relação ao qual se encontra des-
fortificações da Germânia dos pesso, com uma mancha mais clara na ligação da pa- centrada. Obtivemos a leitura de OF ALBANI, em
tempos de Domiciano. rede com o pé, brilhante, de cor 5YR 6/8. que se verificam os seguintes nexos: o primeiro “A”
com “L” e o segundo “A” com o “N”. Pertence ao
oleiro ALBANVS (POL A24 e A25), que laborou em
La Graufesenque durante o período compreendido
entre o principado de Nero e o de Vespasiano 16.
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MC.ARQ/CB 82.465c (antigo CB 42)
Fragmento com o perfil de uma pequena parte O verniz/glanztonfilm é espesso, muito brilhante, de
da parede de base, com pé de taça de forma Drag. 27, cor 2.5YR 4/8.
possivelmente, em terra sigillata hispânica. Toda a Tem marca de oleiro, colocada ao centro dentro
peça encontra-se em estado muito deteriorado, em de cartela rectangular com os vértices arredondados.
que apenas se podem analisar pequenas zonas de A marca encontra-se incompleta, não se podendo de-
verniz/glanztonfilm. A pasta é bastante compacta, finir mais do que as seguintes letras: OF, espaço, N (?)
com espectro de calcites abundantes de fractura irre- que poderá pertencer a um dos oleiros que operaram
gular, aparentemente sem vacúolos, de cor 10YR 6/6. nas oficinas de Los Villares, de Andújar.
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a
Ocupação Romana r e s
no Beco do Marquês
no Beco do Marquês de Angeja (Alfama,
Lisboa), onde, num contexto de ampla
diacronia, se destaca a identificação de
vestígios de estruturas termais, junto a
uma das portas da cidade romana de
de Angeja, Alfama
Olisipo.
Edificado na transição dos séculos I-II d.C.,
o complexo termal é apenas a terceira
estrutura do género conhecida nesta ci-
dade, o que reforça a importância do
achado.
a b s t r a c t
por Victor Filipe * e Marco Calado **
Results of the archaeological interven-
* Arqueólogo. tion at the Beco do Marquês de Angeja
(Alfama, Lisboa). Within a large dia-
** Técnico de Arqueologia.
chronic context, traces of bath struc-
tures have been identified near one of
Fig. 1 − Localização do Beco do Marquês de Angeja na Península Ibérica e na planta de Lisboa. the gates of the Roman city of Olisipo.
Built at the turn of the I-II AD centuries,
1. Introdução the bath is the third known structure of
its kind in this city, which proves the
intervenção arqueo- importance of the present findings.
A lógica realizada no
Beco do Marquês de
Angeja ocorreu entre os meses
k e y
Em cima, localização da Rua das Atafonas. Reconstituição de Vieira da Silva, tendo por base a Planta de João N. Tinoco
(séc. XVII) e a descrição do Tombo da Cidade de Lisboa, de 1755.
Em baixo, fragmento da Carta Topográfica de Lisboa, de Filipe Folque, onde, em meados do século XIX, se encontra
representado um pátio ajardinado na área intervencionada.
4. A ocupação do espaço
17
9
Figuras 10 a 12
7 18
6
0 5 cm
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Sondagem no Beco do Marquês de Angeja. Alinhamento da estrutura [36] do Beco do Marquês de Angeja e das estruturas
Sondagem no Palácio do Marquês de Angeja. romanas identificadas nas intervenções da Rua S. João da Praça e
Palácio Marquês de Angeja.
Sondagens na Rua S. João da Praça.
Figura 17 O depósito [16], que se sobrepõe ao nível de Tal poderá também justificar a diferença que se re-
abandono [24] da referida estrutura [19] e [26], per- gista no aparelho do alçado Poente do paredão, em
Localização e alinhamentos
romanos (agradece-se, uma vez tence já a um momento do século XVII. Aparente- alvenaria irregular, e o aparelho em todo o alçado
mais, à Dr.ª Manuela Leitão a mente estará relacionado com a construção do pavi- Sul e no próprio cunhal visível, em cantaria conser-
cedência dos dados). mento [14] que se lhe sobrepõe, e terá revolvido ní- vado.
veis medievais e romanos, já que a par de faianças do
século XVII se registou a existência de cerâmica me-
dieval e romana (terra sigillata hispânica Drag. 15/17). 5. Considerações Finais
A unidade [14] corresponde a uma pavimenta-
ção em argamassa de cal que reutiliza parte do inte- À excepção das recentes intervenções arqueo-
rior da estrutura [7] e o topo da estrutura [19]. Embo- lógicas realizadas na área envolvente (PIMENTA, CA-
ra não tenhamos dados suficientes para perceber LADO e LEITÃO 2005; FILIPE, CALADO e LEITÃO, no
qual a função desta estrutura, o facto de neste sítio ter prelo), nomeadamente na Rua São João da Praça e
existido a Rua das Atafonas poderá remeter para uma no Palácio do Marquês de Angeja / Envolvente da
associação com as indústrias de farinação que pre- Mãe d’Água do Chafariz d’El Rei 2, pouco se poderá
tensamente terão existido próximo do local. avançar sobre a evolução desta zona da cidade até ao
2 Intervenção realizada em 2004-
O nível de abandono [12], que cobre o pavimen- Período Moderno. Estas recentes intervenções têm
-2005, sob a direcção científica
to [14], é enquadrável no século XVIII, data obtida revelado a existência de uma importante e contínua
conjunta de um dos signatários pelas faianças aí recolhidas e que também se encon- ocupação do espaço desde a Idade do Ferro (segura-
(VF) e da Dr.ª Manuela Leitão tram associadas aos níveis afectos ao embasamento do mente a partir de finais do século VII a.C.) até ao Pe-
(Serviço de Arqueologia do Museu paredão do logradouro da Sr.ª de Murça, que se apoia ríodo Romano, atestada pela existência de níveis e
da Cidade - Divisão de Museus e parcialmente sobre as estruturas romanas [7]. Desta estruturas republicanas e tardo-republicanas preser-
Palácios, Câmara Municipal de
Lisboa), a quem não podemos
forma, não nos parece de todo improvável a remode- vados, aos quais se sobrepõe a subsequente ocupa-
deixar de agradecer a extrema lação do dito paredão na sequência da campanha de ção imperial. Tal sequência estratigráfica demonstra
amabilidade e apoio prestado. obras efectuada após o terramoto de 1 de Novembro. o potencial valor arqueológico desta zona da cidade,
a que certamente não estará alheia a proximidade do
Rio Tejo e de nascentes, algumas das quais termais.
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Os trabalhos arqueológicos desenvolvidos no Catálogo
Beco do Marquês de Angeja, nomeadamente na
sondagem 1, permitiram registar uma longa e inten- N.º Inv. Sondagem [UE] Forma / Género Cronologia
sa diacronia de ocupação deste espaço. 1 1 2 Dressel 14 séculos I-II d.C.
Foram detectados três momentos de ocupação 2 1 16 TSH Drag. 15/17 meados séc. I d.C.-meados séc. II d.C.
romana, consubstanciados em outras tantas estru- 3 1 17 Panela romano alto-imperial
turas deste período, aparentemente com diferentes 4 1 17 Panela século XI ?
funcionalidades e aproveitamento do espaço. Se no
5 1 23 TSH Drag. 18 finais de Flávios-Antoninos
que diz respeito à estrutura mais antiga [36] e à estru-
6 1 24 Cerâmica cinzenta (imitação de Drag. 24) século I d.C.
tura mais recente [19] daquele período não é possív-
7 1 24 TSSG Drag. 18 Cláudio-Antoninos
el perceber a funcionalidade, já em relação à estrutu-
ra [7] algumas hipóteses se poderão adiantar. 8 1 24 Classe 15? Júlio-Cláudio
Tal como se referiu anteriormente, os depósitos 9 1 25 TSI Goudineau 17 Augustano
escavados e os materiais exumados revelam-se 10 1 26 TSH Drag. 15/17 meados séc. I d.C.-meados séc. II d.C.
demasiado exíguos e limitados para estabelecer 11 1 26 TSC C 320-475 d.C.
cronologias seguras para as distintas ocupações 12 1 27 Cerâmica comum ?
identificadas, razão pela qual se deverá encarar com 13 1 27 Panela século I d.C.
alguma precaução a informação que estes nos 14 1 27 Tipo C de Pellicer Catalán séculos V-III a.C.
fornecem. 15 1 27 Panela século I d.C.
Com base no tipo de construção, bastante 16 1 27 TSH Drag. 27 finais de Flávios-Antoninos
comum em fase republicana, e no que os materiais 17 1 27 TSH Drag.27 finais de Flávios-Antoninos
permitem compreender, julgamos que a estrutura 18 1 29 TSH Drag. 17 80-120 d.C.
[36] poderá ter sido construída durante o principado
19 1 29 Lucerna Loeschcke I Augusto a finais do séc. I d.C.
de Augusto ou mesmo em momento anterior, tendo
20 1 31 Base / suporte de ânfora ? ?
o seu abandono ocorrido em cronologia contem-
21 1 32 Base / suporte de ânfora ? ?
porânea ao referido principado ou já em fase alto-
22 1 32 Panela século I d.C.
imperial. Com base nos resultados da intervenção
não é possível perceber qual a sua funcionalidade. 23 1 32 “Vermelho pompeiano” Augustano
Em um momento posterior, provavelmente nos
últimos anos do século I ou inícios do século II d.C., TSH: terra sigillata hispânica; TSSG: terra sigillata sudgálica; TSI: terra sigillata itálica; TSC: terra sigillata clara.
foi edificado nesta zona um complexo termal, de que
a estrutura [7] é testemunho. Foi posto a descoberto
uma abside na qual está inserido o que presumimos tade do séc. III ou séc. IV. Naturalmente, uma cidade
ser um alveus, com um pequeno banco no interior com a dimensão e importância de Olisipo possuiria,
revestido a opus signinum, de que a inexistência de por certo, vários edifícios termais, tanto públicos co-
suspensurae indica uma função provavelmente rela- mo privados. A identificação de um complexo desta
cionada com o frigidarium. natureza nesta zona da cidade vem colmatar um pou-
Não é claro se se trata de um edifício de carácter co o conhecimento que se tem da cidade e Lisboa em
público ou privado. Embora as suas modestas período romano.
dimensões possam sugerir um ambiente privado, Quanto à estrutura [19], a sua construção parece
este complexo poderá pertencer a um edifício públi- ter sido levada a cabo já num período tardio da ocu-
co de pequenas dimensões. pação romana, algures entre os séculos IV e V da
De facto, não seria de estranhar a existência já nossa Era, numa altura em que o edifico termal esta-
em período romano de complexos termais nesta va já desactivado. A exiguidade do espaço escavado
zona da cidade, conhecida pela riqueza das suas não permite perceber qual a funcionalidade desta
águas, algumas delas com qualidades termais, o que, estrutura. Porém, tanto a compacticidade da arga-
aliás, está na origem do topónimo Alfama. massa como a espessura do seu embasamento (incer-
A identificação deste complexo termal, ainda ta, mas mais que 1,20 m) levam-nos a propor que a
que de forma extremamente truncada, reveste-se de sua utilização estivesse relacionada com algum tipo
particular importância, se tivermos em conta que até de impermeabilização da área utilitária, ou com a
hoje apenas eram conhecidos dois edifícios termais função de suportar um peso bastante considerável.
na antiga cidade romana de Lisboa. No caso das Ter- Naturalmente, a reduzida área escavada não pos-
mas dos Cássios, trata-se de um complexo público sibilita mais ilações, tanto no que diz respeito à cro-
construído no primeiro terço do século I d.C., e nologia das diferentes estruturas e ocupações, como
objecto de importantes obras de restauro no ano 338 no que respeita à planta e funcionalidade dessas mes-
(REIS 2004: 30). Quanto às termas do Núcleo arque- mas estruturas. Para uma mais ampla leitura a esse
ológico da Rua dos Correeiros, parecem correspon- respeito seria necessária a realização de mais esca-
der a um espaço privado construído na segunda me- vações.
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a ARQUEOLOGIA
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Bibliografía
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ARQUEOLOGIA
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a
Capela de São Pedro r e s
da Capinha (Fundão)
realizada em 2006 na capela de S. Pedro da
Capinha (Fundão, Castelo Branco), de mo-
do a caracterizar o templo e precisar a sua
cronologia e influência nas estratégias de po-
voamento local.
Foram identificados três momentos constru-
primeira intervenção
tivos do edifício, o primeiro dos quais asso-
ciado a uma necrópole que, possivelmente,
terá sido desactivada no século VII-VIII. O
templo reaproveita uma ara romana de epí-
grafe praticamente ilegível e entre o espólio
descreve-se diversa cerâmica tardo-romana
por Elisa Albuquerque e Constança Guimarães dos Santos e medieval.
Arqueólogas p a l a v r a s c h a v e
Introdução
a b s t r a c t
Capela de São Pedro localiza- Estas estradas manter-
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drilhos não uniformes e muito fragmentados, dispos- necrópole e de sua adaptação a novos contextos fun- Figuras 1 e 2
tos por uma área de 2,60m x 1m. cionais.
Planta geral do sítio, com implantação
Este conjunto parece indicar-nos a existência de Na sondagem 1 foi ainda possível identificar da área intervencionada (em cima)
um pequeno anexo adossado à parede da capela, uma estrutura semicircular constituída por pedras ar- e aspecto da escavação, com o
anulando as sepulturas 2 e 3, identificadas a uma co- gamassadas, apresentando uma cimentação muito sarcófago na parede em primeiro
ta inferior. frágil. Aquando do desmonte daquela, foram reco- plano (em baixo).
Da mesma forma, as sepulturas 4 e 5 foram col- nhecidos um fragmento de cornija e de um silhar al-
matadas por um aglomerado de telhas e xisto argi- mofadado reaproveitados. No centro desta estrutura,
loso, o que corrobora a hipótese acima avançada de
uma desactivação da necrópole num momento pos-
terior de ocupação do espaço, em que veria alteradas
as suas funções.
Ainda identificado com esta fase de ocupação,
foi igualmente escavado um buraco de poste (qua-
drado G11), que poderá estar relacionado com um
outro muro (quadrado G11 e G12), constituído por
pequenos blocos de granito, xisto e alguma cerâmi-
ca, consolidados por um aglomerado de xisto argi-
loso compactado. Com orientação Norte-Sul, encos-
ta no embasamento exterior Sul da parede corres-
pondente ao corpo do edifício. Do mesmo modo, co-
locamos a hipótese de que estas estruturas se conju-
guem com a estrutura identificada no quadrado G11,
piso de ladrilhos e possível soleira, formando, talvez,
um compartimento adossado à parede do edifício.
Foi igualmente posto a descoberto um piso de
seixos do rio, que poderá ter funcionado como pavi-
mento de preparação, passível de ser facilmente reti-
rado para outras utilizações do espaço. Esta estrutu-
ra, tal como as anteriormente descritas, fazem parte,
em nossa opinião, do momento de desactivação da
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3 electrónica
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3 Os materiais
tido, com espessamento exterior e colo de curva côn- No que se refere à cerâmica alto-medieval, tam-
cava. Possui pasta heterogénea de cor preta (M 10 bém de superfície, destacam-se dois fragmentos de
YR 4/1) e superfícies alisadas de coloração cinzenta talha, um deles proveniente dos trabalhos de pros-
(M 10 YR 2/1). Encontramos paralelo para esta for- pecção e outro (Fig. 6.1) que nos foi gentilmente ce-
ma no Cancho del Confesionario, Manzanares el Real dido para estudo 5. Ambas apresentam bordo direito
(CEVPP 1991: fig. 3, n.º 27), com cronologia dos moldurado no exterior, possuem pasta homogénea
séculos V-VII; e em Córdova (FUERTES SANTOS e HI- pouco compactada, avermelhada (M 7.5 YR 7/6), e
DALGO PRIETO 2003: fig. 5, n.º 129 e 130), onde é co- superfícies alisadas da mesma cor da pasta, onde é
locada no grupo da cerâmica tosca tardia do século visível a aplicação de mica dourada. Uma destas pe-
VI, como uma continuidade de época tardo-romana. ças (Fig. 6.1) apresenta pegas na parte superior da
Assinala-se igualmente um pequeno pote de bor- pança. No entanto, estas, pela sua forma e tamanho,
do extrovertido sem ressalto e lábio boleado (Fig. 5.4). funcionariam mais como elemento decorativo do que
Tem pasta heterogénea de cor cinzenta (M 5 YR 4/1) com fins funcionais. Exibe decoração incisa a pente
e paredes alisadas, micáceas, de cor acastanhada (M 7.5 na pança e em forma de punções na pega e no bor-
YR 6/6), com paralelo em El Gatillo (CABALLERO do. Consideramos poder incluir estes contentores na
ZOREDA et al. 2003: fig. 2, n.º 52), em contextos visi- série Tinaja de ROSSELLÓ BORDOY (1995: 28), com
góticos. cronologia do século XI. É ainda de assinalar um
No interior do edifício registam-se escassos frag- fragmento de pança com decoração plástica forman-
mentos cerâmicos, sendo de referir um fragmento de do motivos geométricos semelhante a outros dois
parede com decoração incisa a pente (Fig. 5.6), que fragmentos provenientes deste mesmo sítio (SANTOS
possui pasta homogénea de cor ocre (M 5 YR 6/6) e 2005: Est. XXXIV).
superfícies alisadas, onde se nota uma leve aguada da Foi ainda identificada no decorrer dos trabalhos
mesma cor da pasta. Podemos apontar cronologias me- arqueológicos uma ara, reaproveitada no topo do cu-
dievais plenas, séculos XI-XII, para este fragmento. nhal Sudoeste do edifício.
No conjunto de fragmentos cerâmicos recolhi- Trata-se de um monumento de granito de grão
dos durante os trabalhos de prospecção destacam-se grosseiro, cujo topo arrasado seria originalmente
os grandes contentores, designadamente dolia, cujas composto por toros laterais e fóculo circular central
características apontam para horizontes tardo-roma- escavado. Tem moldura nas quatro faces, sob a cor-
nos, e grandes talhas, que enquadramos em cronolo- nija.
gias alto-medievais. As várias utilizações que sofreu, assim como as
Entre os materiais tardo-romanos de superfície, características do suporte epigráfico, contribuíram
é de referir um fragmento de dolium (Fig. 6.3) de para a sua deterioração e para o quase total desapa-
bordo introvertido, praticamente indiferenciado da recimento da inscrição. Contudo, ainda é possível
pança, que possui pasta heterogénea de cor castanha observar no final da primeira linha as letras A e E,
clara (M 10 YR 6/4) e superfícies rugosas da mesma que consideramos designar uma divindade.
cor da pasta, apresentando decoração geométrica in- As características da moldura levam-nos a datar
cisa na ligação entre o bordo e a pança. esta ara do século I d.C. 6.
Dentro desta mesma cronologia, é igualmente de
salientar um fragmento de tigela/almofariz (Fig. 6.4)
de bordo em aba mais ou menos desenvolvida na Conclusões
parte externa deste, apresentando caneluras e cordão
digitado na aba. Possui pasta homogénea avermelha- Tratando-se da primeira campanha de trabalhos
da (M 5 YR 7/6) e superfícies alisadas também ver- arqueológicos na Capela de São Pedro da Capinha,
melhas (M 5 YR 6/6), podendo-se enquadrar no gru- encontramo-nos ainda face a resultados muito pre-
po das cerâmicas de influência africana mas de fabri- liminares.
co regional. Encontra paralelos, entre outros, em La A escavação desta sondagem permitiu identifi-
Solana, Barcelona (LÓPEZ MULLOR et al. 2003: fig. VII, car o embasamento da parede exterior Sul do edifí-
n.ºs 10, 12), onde aparece tanto na cerâmica impor- cio, cujas características nos conduziram à possibili-
tada como na cerâmica regional; entre as cerâmicas dade de estarmos na presença de três momentos cro-
norte-africanas de Tarraco (MACIAS SOLE e REMOLÀ nológicos, correspondendo igualmente a três fases
VALVERDÚ 2004: fig. 6, n.º 13). Em todas estas esta- construtivas distintas.
ções é enquadrada em horizontes dos séculos V-VII. Com o decurso dos trabalhos de escavação, foi-
5 Agradecemos ao senhor
Não podemos deixar de referir a presença de outras -nos possível identificar uma necrópole constituída
peças de características semelhantes, detectadas no por sete sepulturas com diferentes características mas
professor Manuel Mesquita o
interesse demonstrado. decurso de trabalhos anteriores nalgumas estações com orientação semelhante, ou seja, Este-Oeste.
6 Encontra-se em fase de situadas nas proximidades da Capela de São Pedro, Colocou-se a hipótese de esta necrópole estar re-
publicação um artigo referente como Currais e Fundo do Cabeço da Vinha (SANTOS lacionada com a primeira fase de ocupação do local,
a esta ara. 2005: Est. XXV). sendo desactivada numa fase posterior, como ates-
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tam os indícios identificados de anulação do espaço
enquanto necrópole e a sua adaptação a novas fun-
ções.
Corroborando esta hipótese, são de referir os
materiais cerâmicos detectados sob o pavimento de
ladrilhos que anula parte da necrópole, e cuja crono-
logia aponta para os séculos VII-VIII. Por outro la- 1
do, os materiais identificados sobre este piso reme-
tem para contextos do último terço do século VIII e
primeira metade do século IX.
Relativamente à sondagem 2, que corresponde
ao interior da cabeceira da capela, apresenta uma es-
tratigrafia quase nula, não se encontrando já qual-
quer vestígio do piso original, sendo igualmente par- 2
cos os materiais exumados.
0 5 cm
Face aos resultados obtidos até ao momento, o
prosseguimento da intervenção arqueológica na Ca-
pela de São Pedro da Capinha revela-se de suma
importância para um melhor conhecimento da his-
tória do local.
Bibliografia
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ARQUEOLOGIA
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a
evidências de ocupação romana no r e s u m o
Morro do Castelo
realizados durante a renovação do siste-
ma de saneamento e de distribuição de
água no centro histórico da cidade de Al-
verca do Ribatejo (Vila Franca de Xira, Lis-
boa), nomeadamente junto ao antigo cas-
de Alverca do Ribatejo
telo medieval.
Os autores referem a detecção de duas fa-
ses de ocupação: uma bem datada de Épo-
ca Romana imperial (séculos I-II d.C.);
outra, mais escassamente representada,
de Época Islâmica, que aponta para os sé-
culos XI-XII.
(Vila Franca de Xira)
p a l a v r a s c h a v e
− Na Rua da Cumeira, as valas já se encon- Ainda que os dados disponíveis sobre as mais
travam tapadas (à excepção de um pequeno troço). antigas fases de ocupação sejam escassos, a recente
No corte que nos foi dado observar, surgiam ca- intervenção levada a cabo no Núcleo de Alverca do
madas preservadas, com materiais cerâmicos de cro- Museu Municipal de Vila Franca de Xira (GAMBOA
nologia moderna, não se tendo atingido os níveis 2004) permite recuar a presença humana no núcleo
geológicos. histórico até inícios do primeiro milénio antes de
− Junto a esta rua, na encosta virada à calçada Cristo. Qual a extensão desta ocupação da Idade do
das Pias, identificámos um grande silhar de calcário Bronze e a sua real importância, só o estudo do espó-
que terá sido removido pelas valas aqui abertas. Não lio exumado e a realização de novas intervenções
é claro a que tipo de estrutura este elemento pode ter poderá vir clarificar.
pertencido, mas não é de excluir o tratar-se de um Para a Época Romana a informação aumenta,
elemento da antiga muralha do castelo. permitindo começar a vislumbrar uma presença fixa
− A Calçada das Pias encontrava-se em toda a de uma importante comunidade humana. A sua loca-
sua extensão profundamente remexida por uma ex- lização junto a duas das principais vias de comuni-
tensa vala, atingindo mais de 1,5 metros de profun- cação da Antiguidade no extremo ocidente peninsu-
didade por 60 centímetros de largura. A análise dos lar, o Rio Tejo e a estrada romana paralela a este, fez
seus cortes foi bastante dificultada pelo facto de as com que no morro e encosta do Castelo se implan-
terras resultantes da sua abertura estarem deposita- tasse um núcleo habitacional que certamente tiraria
das lateralmente à mesma, e por estas não se encon- partido comercial desta situação.
trarem escoradas. Nesta zona, os níveis arqueológi- Os dois ramais viários que saíam de Olisipo, um
cos encontravam-se bastante destruídos, identifican- seguindo por Sacavém e o outro pelo vale de Loures
do-se apenas uma camada de cerca de 20 centíme- e São Julião do Tojal, uniam-se nas imediações de
tros sobre o substrato geológico. Tal facto não é de Alverca. A passagem desta via encontra-se bem ates-
estranhar face estar perante uma área de encosta. tada pela descoberta, no antigo Açougue da Vila
Apenas no topo desta artéria, mais junto à plata- (perto do castelo), de um marco miliário (CIL II
forma do Castelo, surgiram em corte duas estruturas 4632), seguramente indicando a milha XXIII conta-
negativas abertas no calcário. Embora não tenha sido da a partir de Lisboa (MANTAS 2000).
possível o seu registo, face ao carácter imediato da A escavação levada a cabo em Outubro de 1986,
obra, que as tapou de seguida, estávamos claramente na sequência da construção de um templo da Igreja
perante estruturas de armazenamento do tipo silo, de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias na área
similares às identificadas em 1986 pelo Dr. Rui Par- do Castelo, veio revelar os primeiros dados sobre es-
reira, na escavação aqui efectuada (PARREIRA 1987- ta ocupação (PARREIRA 1987-88). Ainda que não te-
-88). nha sido identificado qualquer estrato ou estrutura
No seguimento da paragem da obra, decretada desta época, fora de contexto exumaram-se tesselas
pelo Instituto Português de Arqueologia, deslocámo- de mármore, calcário e basalto, atestando a presença
-nos ao local, no dia 28 de Julho de 2006, para ave- de pavimentos musivos, assim como fragmentos de
riguar do estado dos trabalhos. placas de mármore de lioz rosa.
Em reunião aí efectuada, com a Engenheira res- Mais recentemente, a intervenção levada a cabo na
ponsável dos Serviços Municipalizados de Água e antiga Casa da Câmara, onde irá funcionar o núcleo
Saneamento (SMAS), concluímos que a execução do do Museu Municipal, revelou de uma forma clara a
projecto de alteração da rede de abastecimento de contínua ocupação romana desta área (GAMBOA 2004).
água e de substituição do saneamento estava pratica- A observação do espólio desta intervenção, efec-
mente concluída, à excepção de dois troços de ramais tuada na sequência da elaboração da exposição de Ar-
ainda por abrir nas imediações do antigo castelo. queologia do Museu de Alverca, permite-nos subli-
Face ao carácter de emergência de que estes tra- nhar a sua longa diacronia, que atravessa todo o pe-
balhos se revestiam, em pleno núcleo urbano da ríodo romano, desde meados do século I d.C. até, pe-
cidade, ficou decidido que iríamos assegurar o seu lo menos, o século V d.C. A presença de contextos pre-
acompanhamento, assim como a monitorização de servados com cerâmicas finas importadas da Gália e
todos os trabalhos. do Norte de África, assim como ânforas vinícolas e
de preparados de peixe do Sul peninsular, permitem
verificar o dinamismo comercial deste povoado.
2. Enquadramento histórico Ainda que não se tenham identificado estruturas
preservadas, a presença de materiais de construção
O morro onde se veio a erguer o antigo castelo (tegulae, imbrices e tijoleiras), assim como diversas
medieval de Alverca apresenta uma implantação es- placas de mármore de revestimento e tesselas em tu-
tratégica sobre a antiga estrada romana de Olisipo a do similares às recolhidas no Castelo, deixam ante-
Scallabis e um amplo domínio visual, que fez com ver a presença de estruturas habitacionais de alguma
que este local fosse ocupado desde épocas remotas. importância.
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Para o período islâmico, os dados históricos e ar- ai existentes, até ao início da Travessa do Castelo Figura 2
queológicos são escassos. Apenas se aponta uma ocu- (Fig. 1). A sua abertura relacionava-se com a colo-
Planta do século XIX, com o
pação baseada na análise do seu topónimo, que se- cação de um ramal para a canalização de água, me- sistema viário sucessor da antiga
gundo alguns autores teria origem nas palavras ára- dindo nove metros de comprimento por 50 cm de via romana que saía de Olisipo.
bes albirca ou alborca, terra alagadiça e pantanosa. largura máxima.
É natural que date desta fase a construção do peque- No processo de remoção da calçada de basalto
no reduto defensivo de que ainda hoje subsistem [UE1], verificámos que a mesma assentava sobre
evidências estruturais no morro do Castelo. uma pequena preparação arenosa de tom castanho
Ainda que objectivamente não existam documen- alaranjado [UE2], constituída por pedras de pequeno
tos a comprová-lo directamente, esta fortificação, tal calibre, seixos e areia, formando a sua base de assen-
como todas as da linha defensiva do vale do Tejo e tamento.
respectiva estrada, terão sido conquistadas em 1147 A remoção destes estratos mecanicamente per-
no âmbito do avanço dos exércitos de El Rei D. Afon- mitiu o aflorar de níveis arqueológicos, sendo o res-
so I de Portugal e da tomada de Santarém e Lisboa. tante trabalho realizado na íntegra manualmente. A
Do foral antigo de 1160, assim como do novo de limpeza da área permitiu atestar a escassa potência
El Rei D. Manuel I, não ficaram quaisquer vestígios estratigráfica neste sector do morro, cerca de 20 a 30
físicos, apenas se sabendo deles por referência indi- centímetros, verificando-se a presença de duas estru-
recta, não isenta de polémica. Os documentos mais turas em plano e uma em corte − [UE6], [UE12] e
antigos datam de 1354, sendo referentes à doação de [UE8].
Alverca às Capelas de D. Afonso IV, passando assim Os níveis arqueológicos mencionados corres-
aos bens da Casa Real. Refira-se que este vínculo pondiam a estruturas negativas escavadas no aflo-
será extinto apenas em 1863 (FERREIRA 2005). ramento geológico, constituído por calcários miocé-
nicos não consolidados [UE4].
− A estrutura [UE6] apresentava planta semicir-
3. Descrição dos trabalhos cular, com cerca de 1,10 metros de comprimento má-
ximo, sendo a sua largura indeterminada. Infeliz-
Os trabalhos incidiram na abertura dos dois últi- mente, por questões de segurança, não foi possível
mos troços da rede de saneamento e águas. atingir a sua base. A escavação da unidade estrati-
gráfica que a preenchia [UE7] revelou um enchi-
3.1. Troço 1 mento composto essencialmente por pedras de pe-
queno calibre, telhas e fragmentos de tijolos roma-
Inicia-se no cruzamento da Rua da Cumeira com nos. O espólio cerâmico é muito escasso, sendo cons-
a Rua do Castelo, paralelo ao edifício das oficinas tituído por pequenos fragmentos de cerâmica co-
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0 1m
N
Figura 3 mum romana, tais como bordos de pote e de uma jar- bordo e colo com arranque de asa de ânfora Lusita-
rinha e bojos de ânforas lusitanas (Fig. 6, n.ºs 6 e 7). na, da forma Dressel 14 (Fig. 6, n.ºs 1, 2 e 4). Face aos
Planta final do Troço 1.
Apesar desta aparente homogeneidade, a presença dados referidos e, em especial, à tipologia da ânfora
de um pequeno fragmento de bordo de panela com em causa, apontamos para meados dos séculos I-II d.C.
arranque de asa e restos de pintura a branco, permite- a cronologia da formação deste depósito.
-nos enquadrar o abandono e preenchimento desta − A estrutura [UE8] foi identificada apenas em
estrutura em época islâmica (o estado de conserva- corte, na sequência da limpeza do mesmo para o seu
ção do fragmento impede a sua reconstituição gráfi- registo gráfico. Apresenta planta semicircular, com
ca). Qual a funcionalidade desta estrutura? É algo cerca de 1,60 metros de comprimento, sendo a sua
que neste momento não é claro. No entanto, a plan- largura desconhecida, visto prolongar-se sob o actual
ta semicircular que a análise da área que podemos piso da artéria Rua do Castelo. O espólio da unidade
registar permite reconstituir, assim como a sua gran- que a preenche [UE9] é muito escasso, sendo consti-
de potência (escavámos cerca de 20 centímetros sem tuído por pequenos fragmentos de cerâmica comum,
que se atingisse a base), parecem apontar para uma um bordo de alguidar e um grande bojo de ânfora de
estrutura de armazenamento de tipo silo. Sublinhe-se proveniência do Vale do Guadalquivir, possivelmen-
que este tipo de estruturas é particularmente comum te do tipo Dressel 20 (Fig. 6, n.ºs 3 e 5). A análise do
em áreas fortificadas medievais, tendo uma estrutura conjunto cerâmico, apesar de dever ser enquadrado
similar, ainda que com um abandono aparentemente com cautelas fase à exiguidade da área intervencio-
de Época Moderna, já sido identificada nos anos oi- nada, permite balizar este em Época Romana, pos-
tenta nas imediações desta (ver PARREIRA 1987-88). sivelmente em meados dos séculos I-II d.C.
− A estrutura [UE12] apresentava planta rectan-
gular, com cerca de 50 centímetros de largura, pro- Para além destas estruturas, verificou-se a exis-
longando-se sob os perfis, sendo transversal à Rua do tência no terreno de uma vala contemporânea [UE10],
Castelo. Ainda que não tenha sido possível, por ques- para a implantação de esgoto em grés ainda em fun-
tões de segurança, atingir a sua base, a escavação de cionamento [UE11].
cerca 50 centímetros da unidade estratigráfica que a Concluída a escavação deste troço de vala, efec-
preenchia [UE13] permite vislumbrar tratar-se de tuou-se o seu registo gráfico à escala 1/20, planta e
uma vala de roubo de muro de secção quadrangular. cortes, assim como ao levantamento fotográfico. As
Esta interpretação assenta na análise da sua plan- duas estruturas negativas detectadas em planta foram
ta, aberta no substrato geológico, e no espólio reco- tapadas com geotêxtil e manga plástica e cobertas
lhido na camada [UE13]. Este é constituído essen- com areia. Finalizada esta protecção a obra decorreu
cialmente por pedras de pequeno e médio calibre e com normalidade, sendo colocadas as respectivas
material de construção: argamassas, telhas, tijolos e canalizações e reposto o pavimento em calçada de
tijoleiras romanas. A par destes elementos recolheu-se basalto.
uma placa de mármore de revestimento de tom rosa,
em tudo similar às exumadas na escavação de 1986 3.2. Troço 2
(PARREIRA 1987-88) (Fig. 7, n.ºs 8 a 10 e Fig. 8). O
restante espólio cerâmico é muito escasso, sendo Inicia-se no cruzamento da Travessa do Castelo
Figura 4
constituído por pequenos fragmentos de cerâmica com a Rua do Castelo, paralelo aos edifícios n.ºs 1 a 6
Perfil Sul do Troço 1. comum, um bordo de dolium e um fragmento de (ver Fig. 1). A sua abertura relaciona-se com a colo-
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cação de ramais para a canalização de água. Media
cerca de 15 metros de comprimento por 50 centí-
metros de largura.
No processo de remoção da calçada [UE1], veri-
ficámos que a mesma assentava sobre uma pequena
preparação arenosa de tom castanho alaranjado UE 2,
constituída por pedras de pequeno calibre, seixos e 2
areia, formando a sua base de assentamento.
A remoção destes estratos mecanicamente per-
mitiu verificar que estes assentavam directamente so-
bre o substrato geológico: [UE3] e [UE4]. O acom-
panhamento deste troço permitiu verificar que esta 3
área se encontrava muito perturbada, não tendo sido
possível detectar quaisquer estratos ou estruturas pre-
servadas.
5 1 1 1
5
3 7 13 9 11
6 12 8 10
4 0 5 cm
Nesta área registámos a seguinte sequência es- [UE7] − Camada areno-argilosa de tom casta- Figuras 5 e 6
tratigráfica: nho-escuro. Grão fino, medianamente compacta.
[UE1] − Pavimento actual da Rua do Castelo, Composta por pedras de pequeno calibre, telhas e Matriz da intervenção do
Castelo de Alverca (à esquerda),
constituído por calçada de basalto fragmentos de tijolos. O espólio é muito escasso, e cerâmicas romanas (em cima).
[UE2] − Camada arenosa de tom castanho ala- sendo constituído por pequenos fragmentos de cerâ-
ranjado. Grão fino medianamente solto. Composta mica comum. Preenche a [UE6].
por pedras de pequeno calibre, seixos e areia. Prepa- [UE8] − Estrutura negativa de planta semicircu-
ração para assentamento do pavimento [UE1]. lar, aberta no substracto geológico [UE4]. Preenchi-
[UE3] − Camada argilosa de tom castanho esver- da pela [UE9].
deado. Grão fino, medianamente compacta. Composta [UE9] − Camada areno-argilosa de tom castanho
por pedras de pequeno e médio calibre. Nível geológico. esverdeado. Grão fino, medianamente compacta.
[UE4] − Camada argilosa de tom castanho acin- Composta por pedras de pequeno calibre, telhas e
zentado. Grão fino, medianamente compacta. Nível fragmentos de tijolos. O espólio é muito escasso,
geológico. sendo constituído por pequenos fragmentos de cerâ-
[UE5] − Bloco de calcário de grande dimensão mica comum, um bordo de alguidar e um grande
que servia como degrau de acesso ao n.º 6 da Rua do bojo de ânfora de proveniência do Vale do Guadal-
Castelo. Soleira. quivir. Preenche a [UE8].
[UE6] − Estrutura negativa de planta semicircu- [UE10] − Vala para implantação de esgoto, aber-
lar, aberta no substrato geológico [UE4]. Preenchida ta no substrato geológico [UE4]. Preenchida pelo es-
pela [UE7]. goto [UE11].
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Apesar da execução do projecto de renovação do BANHA, C. M. S. (1991-92) − “As ânforas da Villa Romana de
sistema de saneamento e águas ter decorrido sem o Povos”. Boletim Cultural. Vila Franca de Xira. 5: 50-90.
BARKER, P. (1989) − Techniques of Archaeological Excavation.
9
devido acompanhamento arqueológico, a presente
2nd ed. Londres: Batsford Book.
intervenção logrou aferir novos resultados sobre as CARDOSO, G. e RODRIGUES, S. (1991) − “Alguns Tipos de Cerâ-
ocupações antigas de Alverca do Ribatejo. mica dos Séculos XI a XVI Encontrados em Cascais”. In Actas
O acompanhamento da abertura dos dois últimos do IV Congresso Internacional de Cerâmica Medieval no Medi-
troços do projecto permitiu comprovar a existência terrâneo Ocidental. Mértola, pp. 575-585.
CARDOSO, G. e RODRIGUES, S. (1999) − “Tipologia e Cronologia
de estruturas negativas abertas nos níveis de base de Cerâmicas dos Séculos XVI, XVII e XIX Encontradas em
geológicos. Apesar de escasso, o estudo do espólio Cascais”. Arqueologia Medieval. Porto. 6: 193-212.
resultante da escavação das mesmas permite-nos su- CATARINO, H. (2000) − “O Castelo de Povos (apontamentos sobre
blinhar a presença de duas fases distintas. o período Islâmico em Vila Franca de Xira)”. In Vila Franca de
10 Xira, Tempos do Rio, Ecos da Terra. Vila Franca de Xira: Câ-
Uma primeira, bem datada de Época Romana al-
0 5 cm mara Municipal de Vila Franca de Xira, pp. 43-51.
to imperial (séculos I-II d.C.), consiste na provável DIOGO, A. M. D. (1987) − “Quadro Tipológico das Ânforas de Fabri-
presença de valas de roubo de muros aqui existentes. co Lusitano”. O Arqueólogo Português. Lisboa. Série 4. 5: 179-191.
Figuras 7 e 8 A que tipo de estruturas ou qual o enquadramento ur- DIOGO, A. M. D. (1987-88) − “Notícias de Dois Vestígios Roma-
banístico em que se inseriam, é algo que de momen- nos do Concelho de Vila Franca de Xira”. Boletim Cultural. Vi-
Material de construção e to não podemos clarificar. No entanto, a presença de la Franca de Xira. 3: 95-105.
revestimento de Época Romana FABIÃO, C. (1996) − “Sobre a Tipologia das Ânforas da Lusitâ-
(em cima) e placa de mármore
uma placa de mármore de revestimento e a reanálise nia”. In FILIPE, G. e RAPOSO, J. (coords.). Ocupação Romana
de revestimento, romana dos materiais das escavações antigas na área do Cas- dos Estuários do Tejo e do Sado. Lisboa: Publicações Dom
(em cima, à direita). telo levam-nos a supor a eventual existência de edifí- Quixote / Câmara Municipal do Seixal, pp. 372-390 (Actas das
cios de alguma relevância. Primeiras Jornadas sobre a Romanização dos Estuários do Tejo
e do Sado).
A segunda fase, ainda que escassamente repre- FERREIRA, A. (2005) − Edifício da Antiga Casa da Câmara de Al-
sentada, remonta-se à Época Islâmica. A escavação verca: uma arquitectura setecentista. Lisboa: Universidade Aber-
da estrutura negativa [UE6] revelou no seu enchi- ta [Seminário de “História de Arte e Património”, policopiado].
mento [UE7], a par de algum material romano, um GAMBOA, N. (2004) − Núcleo de Alverca. Museu Municipal. Rela-
tório da Intervenção Arqueológica no Núcleo Museológico de
pequeno fragmento de bordo de panela com arran-
Alverca [policopiado].
que de asa e restos de pintura a branco que nos per- HARRIS, E. C. (1989) − Principles of Archaeological Stratigraphy.
mite enquadrar o abandono e preenchimento desta 2nd ed. London / San Diego: Academic Press.
estrutura em Época Islâmica, possivelmente em mea- MANTAS, V. G. (2000) − “A Rede Viária Romana e Medieval da
dos dos séculos XI-XII. Apesar de diminuto, este Região de Torres Vedras”. In Turres Veteras I. Actas de História
Medieval. Torres Vedras, pp. 11-23.
fragmento permite confirmar a ocupação deste local PACHECO, J. do C. (1998) − Monografia de Alverca. Alverca: Jun-
numa fase anterior à reconquista, levando-nos a re- ta de Freguesia de Alverca.
equacionar a cronologia da fortificação medieval e a PARREIRA, Rui (1986) − “Inventário do Património Arqueológico
sua provável origem muçulmana. e Construído do Concelho de Vila Franca de Xira. Notícia da
Só a realização de novas intervenções arqueo- parcela 404-1”. Boletim Cultural. Vila Franca de Xira. 2: 73-82.
PARREIRA, Rui (1987-88) − “Intervenção Arqueológica no Centro
lógicas bem planeadas e com um quadro de indaga- Histórico de Alverca do Ribatejo, 1986: relatório sucinto dos
ções prévias bem definido poderá trazer nova luz trabalhos realizados”. Boletim Cultural. Vila Franca de Xira. 3:
acerca das problemáticas agora abordadas. 95-105.
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a
A Torre Medieval de r e s u
p a l a v r a s c h a v e
a b s t r a c t
C o desconhecimento
sobre os sistemas de-
fensivos em espaço rural das ci-
Probably built under almoad domination,
in 1191, this tower served as defense of
a vast territory, guaranteed the safety of
an important military route and support-
ed the control of the caliphate border.
dades e castelos do Baixo Sado
tardo-islâmico, no vasto espaço
k e y w o r d s
geográfico que se estende desde a
serra da Arrábida até Évora ou (Islamic) Middle Ages; Military architec-
Beja. ture.
Uma primeira abordagem a
esta questão foi apresentada no
“Simpósio Internacional sobre Cas- r é s u m é
Figura 1
telos” 1, que decorreu em Palmela
no ano 2000 2. Foto tirada com zoom, desde a base da Torre de Santa Catarina de Sítimos. Etude sur la tour de Santa Catarina de Sí-
Recentemente, voltei a estu- timos (Alcácer do Sal, Setúbal), dans le
dar algumas questões ligadas a esta problemática, Porto da Lama 5, a Sul, num local estratégico de con- contexte des systèmes défensifs islami-
ques tardifs en espace rural, dans la zone
tendo como ponto de partida a medina de Alcácer 3 trolo das vias de comunicação 6 que permitiam a li- comprise entre la Serra da Arrábida et
no final da presença islâmica. gação entre Alcácer e as cidades de Évora e Beja. Evora ou Beja.
O trabalho que apresentamos agora não pretende Deste local é possível observar os seguintes lo- Probablement érigée sous la domination
esgotar esta problemática, mas antes dar um contri- cais 7: para Norte, a pouco mais de 5 km, é visível a almoabite, en 1191, cette tour permet-
buto, ao promover o conhecimento de uma torre me- torre que constitui a Ermida de S. Lourenço 8. tait de défendre un vaste territoire, ga-
rantissait la sécurité d’une importante
dieval que se localiza junto à aldeia de Santa Cata- voie militaire et aidait au contrôle de la
rina de Sítimos. frontière du califat.
1 “Mil Anos de Fortificações na Península Ibérica e no Magreb (500-1500)”.
2 A comunicação foi publicada em 2002, nas actas desse simpósio m o t s c l é s
2. Localização geográfica, (PAIXÃO, FARIA e CARVALHO 2001c).
3 CARVALHO 2006a; 2006b; 2007b. Moyen Âge (islamique); Architecture mi-
visibilidade e situação actual litaire.
4 A primeira referência documental conhecida sobre esta aldeia remonta
De planta quadrangular, esta torre foi edificada a 1250, facto que foi confirmado por algumas cerâmicas que exumámos
na escavação arqueológica da villa romana aí existente. De referir que
no cimo de uma colina de “crista”, a 30 metros de al-
também foram exumadas algumas cerâmicas muçulmanas de meados
titude, que se destacada na paisagem envolvente, ao dos séculos IX-X.
longo das margens da ribeira de Sítimos. 5 O Porto da Lama corresponde a um local ulteriormente ocupado por uma
Localiza-se sensivelmente a meio caminho entre villa romana, estando documentada a presença de terra sigillata e tesselas.
a aldeia de Santa Catarina de Sítimos 4, a Norte, e A cartografia do Sul de Portugal e as Memorias Paroquiais referentes à
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Figura 2
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Figura 4
14 Actualmente só temos a
confirmação por documentação
arqueológica de um exemplo:
a torre de Santa Catarina de
Sítimos. Alguns elementos 4. A documentação arqueológica
disponíveis permitem supor que a e as problemáticas historiográficas
Ermida de S. Lourenço, em Vale de
Reis, corresponderia a uma outra Um dado que reforça estarmos em presença de Por outro lado, a ideia que a torre transmite
torre desta natureza, mas o
edifício que chegou até aos nossos
uma cópia aproximada da estrutura original que so- actualmente é de um ar “acanhado”. Tudo leva a crer
dias está profundamente alterado. breviveu até ao século passado, é o pormenor que que o que foi reconstruído corresponde a uma versão
Existe, contudo, um conjunto de podemos ver nas ameias. É importante realçar este reduzida da torre original.
outros locais que foram ponto, porque as ameias almóadas das torres e mu- Como não temos documentos iconográficos des-
detectados por análise de ralhas de Alcácer que sobreviveram à época (anos ta torre, o que é nos dado a observar segue o mode-
toponímia e que terão servido de
atalaia e de rábita em volta de
1960) não tinham esse pormenor. As ameias al- lo das torres almóadas em taipa do castelo de Alcá-
Alcácer. É o caso da actual ermida móadas costumavam terminar em pirâmide e decer- cer, e provavelmente segue a linguagem arquitectó-
da Nossa Senhora das Chagas / to esse elemento foi utilizado no castelo de Alcácer nica existente nesta estrutura.
/ Sajra, palavra árabe que significa e nesta torre. A titulo de exemplo, podemos referir o No terreno, encosta e terraço em volta da torre,
penha ou um promontório sistema defensivo almóada de Sevilha, na zona da encontrámos algumas cerâmicas, muito fragmenta-
escarpado com funções de
vigilância (MARTÍNEZ ENAMORADO
Macarena, onde esse pormenor arquitectónico ainda das, nomeadamente telhas de várias épocas.
1998: 57). Neste local são visíveis se mantêm actualmente. Do leque recolhido, identificámos alguns frag-
muros de cronologia ulterior, A construção que actualmente é-nos dado a mentos de cerâmicas islâmicas tardias, uma delas
mas onde não conseguimos observar corresponde a uma obra de meados dos com pintura branca, de cronologia almóada, assim
apanhar cerâmica. Detectámos a anos 60 do século passado, que reproduziu a volu- como cerâmicas medievais cristãs e modernas, des-
existência de um topónimo Torre
junto à Morgada e, na mesma área,
metria da torre e que procurou ser fiel à linguagem de o século XIV até aos séculos XVII-XVIII.
a Arabia, que poderá ser a arquitectónica ainda sobrevivente à época. Apesar de não estarmos em presença do edifício
corrupção da expressão Em conversa com algumas pessoas ligadas à original, a volumetria de planta quadrada, a sua cons-
“A Rabita”, como podemos recuperação da torre, ficámos a saber que o aspecto trução original presumivelmente em taipa militar e a
deduzir com base na análise de desta construção seria semelhante às torres em taipa presença de algumas cerâmicas almóadas autorizam
uma denominação topográfica
existente num documento da
existentes no castelo de Alcácer, permitindo supor pensar que estamos perante uma obra tardo-islâmica,
Ordem de Santiago, do século XIV: que ela fosse construída nesse material. que filiamos em contexto almóada.
“... ao comendador da Arabida e Alguns fragmentos de taipa militar, muito are- û estavam pa-
Durante esta Fase, as torres (buruy)
paresse aos emcarregos” (Doc E - nosa e rica em cal, foram encontrados junto à torre, ra a defesa das aldeias (qurà), como os castelos
1327.V.26 - Lisboa. Estabelecimentos apontando nesse sentido. (husun) estavam para a defesa das cidades.
elaborados por D. Pedro Escacho,
Mestre da Ordem de Santiago,
Também foi confirmado que a actual altura cor- Segundo Ibn Luyûn (1282-1349), no seu tratado
em Portugal, p. 233, cit. BARBOSA, responde ao tamanho de ruína que chegou até à de agricultura (Kitab Ibda’al-malaha wa-inha’al-
Isabel Maria C. Lago (1998) − época da sua recuperação, ou seja, desconhecemos a -raaha fi usul sina’t al-filaha), era necessário numa
“A Ordem de Santiago em altura original da construção. herdade a construção no alto de uma colina, de uma
Portugal nos Finais da Idade O mesmo se passa em termos de volumetria. É torre que fosse habitável.
Média (Normativa e Prática)”.
In Militarium Ordinum Anacleta.
provável que o tamanho original corresponda antes Mas em que altura foi necessário construir estas
Porto: Fundação Eng.º António ao patamar aí existente e não ao edifício reconstruí- torres na região de Alcácer? 14
de Almeida. 2: 93-288. do que é actualmente visível.
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Figuras 5 e 6
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no meio do seu troço navegável, permitia
defender um vasto território rural, econo-
micamente importante e dependente da
medina de Alcácer.
− Na sua vizinhança provavelmente
existiria uma alcaria muçulmana, na actu-
al Santa Catarina ou no Porto da Lama.
− Esta torre garantia a segurança pos-
sível no “caminho militar muçulmano”
que permitia a ligação a Turrus / Torrão
e a Baya / Beja.
− Esta estrutura estava articulada com
outras torres e atalaias que, deste modo,
complementavam a segurança de Alcá-
cer, como sede de fronteira do califado
almóada, frente a Lisboa e Évora.
− Em termos de estruturação do ter-
ritório, estamos perante um modelo is-
lâmico tardio de defesa do território rural
e dos recursos, que segue de perto o que
foi usado noutras parcelas do império
almóada em contexto peninsular.
− A lenda, ao referir a existência de um touro riores, como Idrisi, no século XII, quando entre os Figura 8
encantado associado a um tesouro, podendo ser uma produtos mais abundantes de Alcácer mencionam a
A Torre vista da ribeira de Sítimos
criação popular em contexto cristão, poderá reflectir madeira para a construção naval e a criação de gado e à entrada da aldeia de Santa
a grande riqueza deste território em contexto almóa- bovino, denunciando uma especialização económica Catarina.
da, que é mencionada por autores muçulmano ulte- de uma cidade portuária e base militar.
Bibliografia
Documentos
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Castelo do Torrão, no sistema defensivo alcaceren- ria de uma medina do Garb al-Andalus (séculos VIII- de Extremadura, pp. 198-229.
se”. Neptuno. 5: 5-7. -XIII). C. M. Alcácer do Sal / IPM. PAIXÃO, A. Cavaleiro; FARIA, J. Carlos e CARVALHO, A.
CARVALHO, A. Rafael (2005b) − “Alcácer do Sal Entre CARVALHO, A. Rafael; FARIA, J. Carlos e FERREIRA, M. Rafael (2001c) − “Aspectos da Presença Almóada
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do império Almóada”. Neptuno. 6: 12-13. logia e história de uma madina do Garb al-Andalus na Península Ibérica e no Magreb (500-1500). Lis-
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elementos para o seu estudo”. Neptuno. 7: 4-6. GOMES, Rosa Varela (2002) − Silves (Xelb), uma cidade REI, António (2005) − “O Gharb al-Andalus em Dois
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tuno. 9: 14-16. Campiña de Córdoba”. Antiqvitas. 15: 79-93. -160.
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a
Tomar Islâmica r e s
do Gharb al-Andalus
gica realizada desde 1997 no castelo de
Tomar (Santarém), que confirma a exis-
tência de dispositivo militar islâmico (sé-
culos VIII-XIII), em substituição natural
da antiga civitas romana de Sellium.
A autora afirma, contudo, que os parcos
a alcáçova e arredores e dispersos testemunhos documentais des-
se período não permitem ainda perceber
o ordenamento social no quadro político
e administrativo muçulmano, nem definir
claramente o papel assumido pelo núcleo
por Salete da Ponte urbano e pelo respectivo território.
k e y w o r d s
dos ou recentemente descobertos no actual território cidades romanas perdem o seu estatuto espacial de
português. Esta nova visão crítica do espaço geográ- urbanidade. (Islamic) Middle Ages; Gharb al-Andalus;
fico continental, com base sobretudo nos dados ar- Com base na dispersão territorial de pequenas e Sellium (Tomar); Castle.
queo-históricos, recentemente descobertos, identifi- médias cidades romanas, sobretudo para o espaço
cados e divulgados 1, permitiu um novo alento cien- entre o Mondego e o Tejo, e considerando o pouco
tífico em relação à emergência do mundo medieval, que se conhece para os limites territoriais daquelas r é s u m é
após a morte do universo romano na Hispânia. linhas de fronteira do Gharb mais ocidental do al-
A exposição e catálogo Portugal Islâmico. Os Andalus, procurar-se-á relacionar e relevar a ocu- Présentation de la recherche archéologi-
últimos sinais do Mediterrâneo 2, entre outras inicia- que réalisée depuis 1997 dans le château
tivas académicas a posteriori 3, têm contribuído para de Tomar (Santarém), qui confirme l’ex-
istence d’un dispositif militaire islamique
uma nova leitura arquitectónica das sociedades islâ- 1 PONTE, S.; FERREIRA, R. e MIRANDA, J. (2002) − “Intervenção Arqueológica (VII-XIII° siècles), remplaçant naturelle-
micas dos séculos VIII-XIII, que modelaram o Por- no Castelo de Tomar”. In Actas do Simpósio Internacional sobre Castelos: ment l’ancienne civitas romaine de Sellium.
tugal Medievo; mais recentemente, sucedem-se, em mil anos de fortificações na Península Ibérica e no Magreb (500-1500). L’auteure affirme, cependant, que le petit
relação àquele período histórico, os estudos documen- Lisboa: Edições Colibri / Câmara Municipal de Palmela, pp. 423-438. nombre épars de témoignages documen-
tais, com natural destaque para a investigação arqueo- 2 TORRES, C. L. e MACIAS, S. (1998a) − O Legado Islâmico em Portugal. taires de cette période ne permettent
pas encore de comprendre l’organisation
lógica, donde sobressaem mostras materiais signifi- Lisboa: Círculo de Leitores, SA e Autores.
sociale dans le cadre politique et admi-
cativas do Gharb al-Andalus, região ocidental da Pe- 3 TORRES, C. L. e MACIAS, S., coord. (1998b) − Portugal Islâmico. Os últimos
nistratif musulman, ni de définir claire-
nínsula Ibérica. É neste contexto arqueo-histórico e sinais do Mediterrâneo. Lisboa: Ministério da Cultura / Instituto Português dos ment le rôle tenu par le noyau urbain et
Museus / Museu Nacional de Arqueologia; BARROCA, M. J. e FERNANDES, I. C. le territoire concerné.
de envolvência territorial, que procurar-se-á dar rele-
coord. (2005) − Muçulmanos e Cristãos entre o Tejo e o Douro (sécs. VIII a XIII).
vo, à luz dos actuais conhecimentos arqueológicos, à Palmela e Porto: Câmara Municipal de Palmela / Faculdade de Letras da m o t s c l é s
visão prospectiva e próxima do que foi a paisagem Universidade do Porto (Actas dos Seminários realizados em Palmela,
de Tomar islâmica / muçulmana (séculos VIII-XIII), 14 e 15 de Fevereiro de 2003 e Porto, 4 e 5 de Abril de 2003). Moyen Âge (islamique); Gharb al-Andalus;
no território tomarense. 4 TORRES e MACIAS 1998b: 19. Sellium (Tomar); Château.
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pação islâmica na região do Médio Tejo de Portugal, quicas muito bem definidas no espaço rural. Em
tendo como pólo catalizador de análise interpretativa suma, esta estrutura de povoamento rural assentava
a alçaçova de Tomar (cidadela de Tomar). numa rede hierárquica de núcleos rurais dispersos
A prova arqueológica mais recente 5 constitui o em vales e planuras, ou de castelos-refúgio, situados
ponto de partida para o desenvolvimento desta nova em elevações estratégicas de fronteira 9. Ora, para
perspectiva de territorialidade e de ruralização metó- implantação desta estrutura orgânica no Médio Tejo,
dica da sociedade das regiões do Médio Tejo Portu- o poder islâmico serve-se da organização político-
guês, que Garcia de Cortazar designava de “comu- -administrativa romana e eclesiástica-cristã existen-
nidade de aldeia e comunidade de vale” 6. tes, dando-lhes uma fisionomia e arquitectura rurali-
Neste âmbito, procuraremos evidenciar a paisa- zante.
gem tomarense em contexto arábico [Abrantes, Al- Os dados arqueológicos arábicos apontam para a
canena, Constância, Entroncamento, Ferreira do Zê- existência de quatro Kuwar (agrupamento de distri-
zere, Mação, Sardoal, Tomar, Torres Novas, Vila No- tos) no Gharb, a Norte do Tejo, entre os séculos
va da Barquinha, o território da Cardiga (distrito de VIII-IX/X: al-Ushbûna (Lisboa), Shantarîn (Santa-
Santarém), o concelho de Ponte de Sor, a freguesia rém), Qulumriyya (Coimbra) e Antanîya (Idanha).
5 PONTE et al. 2002, supra nota 1.
de Belver (distrito de Portalegre) e o concelho de Vi- O Médio Tejo, entre os séculos VIII-XIII, in-
6 MATTOSO, J., dir. (1992) − la de Rei (distrito de Castelo Branco)], que funciona- cluir-se-ia na Kûra (distrito) de Shantarîn, cujos li-
História de Portugal. Lisboa. Vol. 1, ria como um dos pólos estratégicos de grande signi- mites corresponderiam aos das civitates (unidades
pp. 339-359 (p. 354).
ficado no espaço rural do Médio Tejo, ou seja, do ex- político-administrativas) romanas de Scallabis (San-
7 PONTE et al. 2002, supra nota 1;
tremo ocidental do Gharb al-Andalus. É certo que a tarém), Sellium (Tomar) e Aritium Vetvs (perto de
CUSTÓDIO, J. (2002) −
“As Fortificações de Santarém:
natureza e a insuficiência das fontes historiográficas Abrantes). Acontece que, no estado actual das inves-
séculos XII-XIII”. In Actas do constituem ainda um dos obstáculos de desenvolvi- tigações, os dados disponíveis sobre o povoamento e
Simpósio Internacional sobre Castelos: mento e de abertura das mentes das gentes e estu- organização do território do Médio Tejo são insufi-
mil anos de fortificações na Península diosos; é certo também que para a conservação des- cientes para atribuirmos, em rigor, os limites de fron-
Ibérica e no Magreb (500-1500). ta visão anquilosada da história islâmica no Portugal teira das mudun (cidades, lugares centrais) e dos husun
Lisboa: Edições Colibri / Câmara
Municipal de Palmela, pp. 405-422;
continental, sobretudo a Norte do Tejo, têm concorri- (alfozes ou termos de territórios) da rede hierárquica
VIEGAS, C. e ARRUDA, A. D. (1998) do, igualmente, lacunas e omissões das fontes docu- da Kûra de Shantarîn 10.
− “Cerâmicas Islâmicas da mentais, que envolviam dois mundos político-religio- Por outro lado, não é menos verdade a existência
Alcáçova de Santarém”. Revista sos diferentes: o cristão e o mulçumano, apesar dos de escassa documentação disponível, que nos permi-
Portuguesa de Arqueologia. 2 (2): sinais e matizes etno-culturais presentes na identida- ta idealizar para o Vale e Médio Tejo, qual o quadro
187-198.
8 CONDE, S. A. (1999a) − “Madînat
de atlântico-mediterrânica da sociedade portuguesa. social muçulmano, no complexo contexto espacial e
A herança cultural não é uma mera colheita sa- territorial da rede administrativa romano-germânica
Shantarîn. Uma aproximação à
paisagem de Santarém muçulmana zonal, é a fluidez de um rio de culturas, de uns e de da Callaecia (unidade geopolítica, a Norte do Dou-
(séculos X-XII)”. Media AEtas. 2: outros, assumindo, hoje, a identidade cultural do Por- ro) e da Lusitania dos séculos VII e VIII.
11-34; CONDE, S. A. (1999b) − tugal Contemporâneo. Digamos que o território islâmico do Médio Te-
“Ocupação Humana e Polarização Conscientes das dificuldades existentes para o jo, pela sua nova matriz urbana, mercantil e tribu-
de um Espaço Rural do Gharb
espaço em estudo, julgamos que num futuro próxi- tária 11, está em antítese ao poder centralizador ro-
al-Andalus: o Medio Tejo à luz da
toponímia arábica”. In Horizontes mo, estes e outros vestígios arqueológicos 7 permi- mano e em contraste com o modelo cristão de cariz
do Portugal Medieval. Estudos tirão uma visão geoantropológica e etno-ideológica rural, feudal e senhorial 12.
Históricos (Património Histórico). abrangente sobre a organização social deste espaço A cartografia e a toponímia arábica, estando as-
Cascais, pp. 11-40 (pp. 11-34); humanizado, do qual destacaremos o sistema urbano sociadas à exploração dos recursos naturais e a múl-
CONDE, S. A. (2005) − “Fronteira,
e o ordenamento rural desta área geocultural, do Mon- tiplos vestígios arqueológicos, permitem-nos, por
Guerra e Organização Social do
Espaço: o vale do Tejo, entre dego ao Tejo. sua vez, reconhecer que os territórios das civitates
muçulmanos e cristãos (séculos romanas de Scallabis, Sellium e Aritium Vetvs (Mé-
IX-XIII)”. In BARROCA e FERNANDES dio Tejo do Gharb), integrar-se-iam na Kura de
2005: 43-52, supra nota 3. Organização do espaço: Shantarin, nos séculos VIII-IX 13.
9 CONDE 1999b: 21, supra nota 8.
entre Mondego e Tejo (séculos VIII-XIII)
10 MARQUES, A. H. (1993) −
“Potencial Demográfico e A cartografia geoetnográfica e a toponímia ará- Visão prospectiva da paisagem de
Colonização”, “Portugal das
Invasões Germânicas à
bica, entre os séculos VIII e XIII, na região do Médio Tomar muçulmana (séculos VIII-XIII)
“Reconquista””. In Nova História de Tejo, apresentam, a par de outra informação literária
Portugal. Lisboa. Vol. II, pp. 137-151; e científica disponível 8, contributos preciosos sobre a Tomar enquadra-se no espaço rural e periférico
CONDE 1999b: 19-30, supra nota 8. ocupação e o ordenamento rural muçulmano nesta área. do Gharb al-Andalus, inserindo-se no mundo islâmi-
11 CONDE 2005: 43-52, supra nota 8. O ordenamento e polarização do Médio Tejo es- co do “Médio Tejo nos Finais da Idade Média. A
12 CONDE 2005: 44, supra nota 8. tão directamente relacionados com o modelo global terra e as gentes” 14.
13 CONDE 2005: 45, supra nota 8. de sociedade rústica “andalusa”, que consistia numa Os estudos recentes e sistemáticos do quadro po-
14 CONDE 1999b: 11-40, supra hierarquia de lugares, subordinados ao pólo ordena- lítico-administrativo e sócio-cultural do Médio Tejo
nota 8. dor ou lugar central urbano, com unidades hierár- assinalam algumas das características funcionais e
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electrónica 2 al-madan online adenda electrónica ISSN 0871-066X | IIª Série (15) | Dezembro 2007
Figura 1
económicas dos tipos de (re)povoamento e de acas- repousava necessariamente numa rede de estradas e
telamento a Sul do Mondego e a Norte do Tejo. caminhos romanos e na navegação por rio, através
O território de Tomar inserido no Gharb uniria de barcas de cabotagem.
as cidades e os povoados do Alto e Médio Tejo, so- Por outro lado, territórios entre o Mondego, o
bretudo Coimbra, Idanha e Santarém; a Sul do Tejo Zêzere e o Tejo, que desfrutavam de uma situação
destacar-se-iam os centros urbanos de Lisboa, Elvas, geográfica privilegiada, dispunham de um sistema 15 CONDE 2005: 15, supra nota 8.
Alcácer do Sal, Évora, Mértola e Ossonoba. de defesa global, apoiado por guarnições militares 16 LOPES, D. (1968) − Nomes
Com base nos dados arqueo-históricos disponí- existentes nos centros urbanos importantes, com re- Árabes de Terras Portuguesas.
veis, o ordenamento territorial do Médio Tejo teria cintos total ou parcialmente amuralhados; estes, por Lisboa: Sociedade de Lingua
Portuguesa (organização de José
uma feição estratégica de polarização/ordenamento sua vez, seriam reforçados por uma segunda linha de
Pedro Machado); TORRES, C. L.
particular 15, dada a forte componente cristã nesta defesa constituída por atalaias dispersas pelos pe- (1992) − “O Gharb-al-Andalus”.
área. Assim se entende a manutenção dos costumes e quenos centros urbanos; aquelas, por seu turno, apo- In MATOSO, José, dir. História de
a conservação de edificações religiosas eclesiástico- iavam-se nos recintos fortificados, ou seja, numa Portugal. Lisboa: Circulo de
-cristãs pelo poder muçulmano, pagando aqueles, cintura de castelos existentes entre o Mondego e o Leitores, pp. 363-415 (p. 390).
17 PONTE et al. 2002, supra nota 1.
para o efeito, os tributos estipulados entre vencidos e Tejo.
vencedores. Tal fenómeno provocou a islamização Tomar, inseria-se, assim, nesta rede estratégica de 18 ROSA, A. (1960) − História de
ou moçarabização das comunidades do Médio Tejo, defesa durante a colonização árabe-berbere do Gharb Tomar. Tomar; GUIMARÃES, V.
(1927) − Thomar. Tomar.
havendo indícios significativos em Tomar, graças às a Norte do Tejo.
19 PONTE, S. (1993) − “Achegas
referências escritas a mosteiros e templos cristãos O centro urbano de Tomar, como nos sugerem as
Sobre a Estrutura Urbana de
(mosteiros de Santa Iria e de Santa Maria do Selho e provas arqueológicas 17, na época de Gharb al-An- Sellium (Tomar)”. In Actas del XXII
igreja de S. Pero Fins) e às sobrevivências de topo- dalus, situar-se-ia na margem direita do Nabão, ou Congreso Nacional de Arqueologia.
nímia associada à introdução de inovações técnicas e seja, no morro fronteiriço à antiga Sellium romana. Vigo, pp. 448-459. A autora
de culturas no domínio da paisagem, do povoamen- A alcáçova e a almedina (porta da cidade) acastela- considera esta construção um
to e de certas actividades económicas. das eram munidas de um sistema defensivo, como verdadeiro enigma. Situa-se no
limite de uma das portas de ligação
Tomar teria sido uma madîna (cidade) de cate- nos atestam as fontes arqueológicas, etno-culturais, viária à matriz de arruamentos do
goria média, integrada nos circuitos comerciais de literárias e toponímicas. centro urbano da cidade-capital da
Santarém e Lisboa. Com base nestas evidências arqueo-históricas civitas. Por seu turno, os alicerces
Tomar muçulmana (Thamara) produziria e co- teremos de perfilhar parcialmente da opinião de al- da torre sineira obedecem à
mercializaria, além de bens e produtos agrícolas, ri- guns investigadores locais 18 quanto à existência de mesma orientação ortogonal da
cidade-capital romana. O que quer
quezas naturais, como sejam, o tufo calcário, o ferro, atalaias (vigias) na região tomarense, como a torre existisse ali (monumento religioso
as madeiras e o barro. A exploração mineira, a ex- de Santa Maria do Olival 19, Almourol, Torre de ou militar), foi substituído
tracção de calcário, de barro e seus derivados no Langalhão, Castelo do Ceras, torre da Cardiga, torre posteriormente (ocupação
Gharb do Alto e Médio Tejo, referida por vários in- da igreja do Atalaia, Castelo do Bode e torre da igre- romano-germânica,
vestigadores 16, é reforçada pela presença de fontes ja de Dornes. A maioria destas construções defensi- islâmica/reconquista),
com aproveitamento de silhares
arqueológicas, referências documentais de cronistas vas ou para-defensivas, se não a totalidade delas, romano-germânicos para a
e geógrafos, bem como pela sobrevivência de algu- repousam em indícios romanos, bem como na tra- projecção vertical do alçado
ma toponímia dos lugares. Este tráfego comercial dição oral de “mouros e cristãos”. da torre sineira.
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Figura 2
Por outro lado, o impacto etno-cultural e políti- Ora, as pré-existências identificadas no interior
co-social no Médio Tejo durante o período muçul- dos Paços do Infante ou Paços Antigos do Convento
mano é-nos revelado, nestes últimos anos, pelo estu- de Cristo, permitem reconhecer nesta colina da mar-
do sistemático das múltiplas fontes documentais gem direita a madîna (cidade) de Thamara ou Ta-
contemporâneas, pelas descobertas arqueológicas, marmá 23, em lugar privilegiado e estratégico de vi-
pela linguística e toponímia dispersa pelas áreas ter- gilância ao seu território, a madîna, com comunidades
ritoriais a Norte do Tejo. rurais constituídas por alçarias (casais) e por aldeias.
Convém não ignorar o papel desempenhado pe- O nome Tamarmá, segundo referências árabes, cor-
lo Alto/Médio Tejo, vasta região intermédia e de responderia ao rio Nabão.
(re)encontro entre duas civilizações: a cristã, a Nor- Esta mâdina, com a sua alcazaba (alcáçova), na
te, e a árabe, a Sul. Deste reencontro se desenvolveu falda oriental do monte do Castelo, estenderia a sua
o moçarabismo e o mudejarismo, com um forte con- jurisdição a um território ou termo, designado por
tributo da comunidade hebraica 20. hawz (alfoz), constituído por alcarias e aldeias.
A cidade, per si, englobaria bairros ou arrabaldes
(rabad, baya, hara), que coincidiriam, em regra,
Tomar: a colina e o castelo com antigas paróquias cristãs. Citemos o arrabalde
de S. Martinho na falda poente do monte do Castelo
Propomo-nos recuperar a imagem das comuni- de Tomar.
dades que ocuparam este reduto estratégico, simbó- Desconhecemos onde se situaria a mesquita islâ-
lico e cultural, até à chegada dos cristãos templários mica, apesar da existência de um conjunto de ele-
20 BARBOSA, A. (1990) − “O
(Fig. 1). mentos decorativos e arquitectónicos registados e
Medievalista e o Arqueólogo A cultura material e as estruturas residuais detec- divulgados por Correia Campos neste espaço fortifi-
(reflexões sobre o caso
português)”. ICALP. 14 (Março):
tadas neste espaço fortificado dão-nos algumas pis- cado, embora esses excertos, usados posteriormente
109-121 (p. 115). tas geo-históricas sobre a ocupação árabe. Estes tes- nas construções do Monumento Edificado, não cons-
21 PONTE et al. 2002, supra nota 1. temunhos vêm contrariar a versão histórica da Fun- tituam prova arqueológica segura.
22 SIMÕES, J. M. S. (1943) − Tomar dação da Cidade de Tomar por Gualdim Pais, mes- As provas arqueológicas são nulas, no que con-
e a Sua Judaria. Tomar, pp. 26-27. tre dos Templários, que mandou erigir o Castelo a 1 cerne ao substrato temporal da magnífica charola
23 ALMEIDA, J. (1946) - de Março de 1160. Por outro lado, as pré-existências (oratório dos templários). Há, no entanto, factores
“Monumentos do Concelho de e os respectivos materiais arqueológicos permitem- circunstanciais envolventes que poderão indiciar a
Tomar (cap. XV)”. In Roteiro dos nos, não só definir o perfil de alguns traços da volu- existência de um templo/fortaleza muçulmana, onde
Monumentos Militares Portugueses. metria e paisagem construtiva da cidadela muçulma- eram visíveis, na primeira metade do século XX, as
Lisboa. Vol. 10, pp. 300-303
na 21, mas também corroborar a opinião dos histori- almenas (ameias) da suposta antiga mesquita-forta-
(p. 301).
24 ARIÉ, R. (1982) − “España
adores Correia de Campos (1965) e Santos Simões leza. Há, de facto, templos islâmicos com carácter
Musulmana (siglos VIII-XV)”. (1943) 22, quanto à presença de uma ou mais povoa- religioso e militar, com o seu mihrab (nicho de ora-
In Historia de España. Barcelona. ções árabes ou moçárabes na antiga civitas de Sellium ção) e pátio com poço ou chafariz para as abluções
Vol. III, pp. 337-339. (Tomar). rituais 24.
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Por ora, a generalidade dos investigadores mo-
dernos e contemporâneos continua a atribuir o início
daquela fortificação ao período gualderiano, igno-
rando as recentes informações arqueológicas, que
vêm confirmando a presença islâmica naquele redu-
to defensivo; além do mais, a par de intervenções
posteriores de consolidação e de reformulação, quer
em período medieval/moderno, quer em tempos mais
recentes (século XX), pelo menos, detectámos na
cintura externa da muralha o aproveitamento de um
elemento decorativo islâmico (Fig. 2). O reaprovei-
tamento de elementos decorativos e escultóricos per-
passa por outros monumentos, não só nesta fortifi-
cação de Tomar, mas também em estruturas cristãs
existentes no casco urbano medieval da cidade 25.
Ainda em relação a estas peças escultóricas, des-
tacamos, para além daquelas, outras iconografias des-
contextualizadas, mas que reflectem ambiências e
comportamentos diferenciados entre grupos muçul-
manos e cristãos, durante o período dos séculos IX
ao XIII. É neste contexto geocultural e etno-icono-
gráfico que propomos uma nova leitura, quer para as
peças “paleo-cristãs”, quer para a estela figurativa 26
de S. Miguel de Carregueiros (Tomar), actualmente
no Claustro da Lavagem do Convento de Cristo de
Tomar (Fig. 3), e que nos parece terem pertencido à
comunidade islâmica de Thamara.
A reanálise das projecções arquitectónicas sobre
este recinto fortificado 27, as marcas registadas e
publicadas nos meados do século passado 28, bem
como as recentes descobertas de uma calçada “mo- portas principais: Porta de Almedina (Bab al-Madî- Figura 3
çárabe” 29, um troço de muralha correspondente ao na) ou porta da cidade, também chamada Porta da
Reverso de estela discóide,
estreito adarve (caminho ao longo da muralha), ves- Traição ou de Badrun (Bab-Ibn-Badrun), a Sudoes- representando o relevo de uma
tígios de uma torre exterior ou albarrã, estruturas te; Porta do Sol, a oriente. A Porta de Almedina e a serpente engolindo um pequeno
destinadas a habitação e defesa do reduto militar 30, Porta do Sol ligavam a cidade baixa (almedina) à animal.
apontam para a existência de uma madîna. Foram alcáçova ou à cidade alta. Aquelas duas portas per-
igualmente identificados elementos construtivos: o mitiam a ligação directa da alcazaba para o exterior.
aljibe (grande cisterna no interior da alcáçova), e a O alcácer era desenvolvido por uma cerca ur-
couraça (qawraja) ou pano de muralha que protege- bana, com acessos próprios, não estando unida ao
ria o acesso às nascentes, ou seja, a fontes, poços e recinto da alcáçova, como nos atestam os contornos
cisternas existentes no recinto fortificado. arquitectónicos daquele reduto.
Em suma, o cruzamento de dados científicos
permitir-nos-á, em breve, definir a área da madîna,
muito provavelmente com três cinturas de muralha,
bem como o papel da Torre de Ceras (castelo-refúgio
no termo de hawz (alfoz). 25 PONTE, S. (2000) − “Reflexão Sobre os Vestígios 29 PONTE, S. e SILVA, P. L. (1989) − “Abordagem
É possível, por ora, reconhecer que a madîna in- Paleo-Cristãos no Espaço Urbano (Tomar)”. Arqueo-Histórica dos Paços do Castelo dos Templários
cluiria pelo menos a alcazaba, a residência do gover- In Actas do 3º Congresso Peninsular. Vol. 6, pp. 683-696 (sondagem 1985)”. Boletim Cultural e Informativo da
nador (âmil) e muito provavelmente a mesquita, co- (p. 696, fig. 6); PONTE, S. (1993) − “Presença Paleo-Cristã Câmara Municipal de Tomar. Tomar. 11-12: 55-76;
mo principais elementos urbanos. A alcazaba encon- em Tomar”. In Reunió d’Arqueologia Cristiana Hispánica. ALMEIDA, M. F. (1989) − “Vidros Post-Medievais do
Barcelona, pp. 515-520, fig. 10. Convento de Cristo, Tomar (sondagem 1985)”. Boletim
trava-se, em regra, num dos extremos do traçado
26 PONTE, S., MOREIRA, B., BATATA, C. e SILVA, V. (1983) Cultural e Informativo da Câmara Municipal de Tomar.
murado, sendo dotada de uma fortificação própria. A 11-12: 77-86.; PONTE et al. 2002: 428, supra nota 1.
− “Tomar na Arte Antiga”. Boletim Cultural e Informativo
alcazaba do Castelo de Tomar apresenta o mesmo da Câmara Municipal de Tomar. Tomar. 5: 105-170 30 CONDE 2005: 425-428, supra nota 8.
tipo de características físicas do módulo arquitec- (p. 113, n.º 23.2, fot. 27).
tónico islâmico. A muralha exterior da cidadela de- 27 MACHADO, F. S. L. (1936) − O Castelo Templário
veria ser guarnecida por uma linha de defesa, consti- (origem da cidade de Tomar). Tomar, fig. 1.
tuída por um forte adarve (al-darb), com torres exte- 28 CAMPOS, C. (1965) − Arqueologia Árabe em Portugal.
riores ou albarrãs (al-barran) intercaladas por duas Lisboa.
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toda a informação...
... à distância de alguns toques
e Patologia Oral
provenientes da Igreja de Santiago Maior
de Monsaraz (Reguengos de Monsaraz,
Évora) e integração dos resultados com
estudos anteriores, que incidiram sobre
a restante população exumada nos traba-
lhos arqueológicos realizados no local
na população exumada da Igreja de (271 indivíduos, 161 dos quais jovens).
A continuação deste estudo e o seu
p a l a v r a s c h a v e
Patrícia Peralta e Ana Luísa Santos Antropologia; Antropologia funerária;
Paleodemografia; Idade Média; Idade Mo-
Centro de Investigação em Antropologia e Saúde, Departamento de
Antropologia, Universidade de Coimbra (patricia_peralta@iol.pt; derna; Necrópole.
alsantos@antrop.uc.pt).
a b s t r a c t
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quivo Distrital de Évora, dos livros de registo paro- ÇALVES e SANTOS 2005). Destes, 17 enterramentos
quial de baptizados, casamentos e óbitos da Igreja de foram imediatamente estudados (SANTOS 1990a; b),
Santiago, dos anos de 1614 a 1853 (GONÇALVES permanecendo os restantes acondicionados até 2003,
2004). data em que voltaram a ser alvo de investigação por
Desassistida durante décadas, em 1919 deu-se o DOMINGOS (2004) e GONÇALVES (2004).
desabamento das abóbadas e a consequente profana- Estas autoras começaram por inventariar o es-
ção, tendo o recheio sido entregue “pelo Ministério pólio, tendo constatado, pela leitura das fichas de
da Justiça e dos Cultos, à Comissão Central da Exe- campo, algumas omissões. Parte do material exuma-
cução da lei da Separação das Igrejas do Estado” do em 1987 não fora levado para o Departamento de
(ESPANCA 1978: 375). Manteve-se em estado de ruí- Antropologia. As buscas revelaram um lote no Mu-
na, servindo de lixeira pública, até ser adquirida, em seu Monográfico de Conímbriga, subsequentemente
1987, pela Câmara Municipal de Reguengos de entregue para estudo, enquanto o restante continua
Monsaraz (CÂMARA Municipal… 2006). É então que por localizar.
a edilidade a recupera, através de um projecto de Quanto à informação de campo, ela é pratica-
Conservação do Património Cultural em conjunto mente inexistente. As fotografias e a maioria dos de-
com o Centro de Emprego e Formação Profissional, senhos realizados durante a escavação estão incógni-
funcionando actualmente como um espaço de rea- tos. Dos poucos esboços que acompanham o materi-
lização de conferências, exposições temporárias, al apenas se conseguiu estabelecer uma correspon-
concertos e espectáculos (CÂMARA Municipal… dência, ainda que ténue, com os indivíduos em arti-
2006). As imagens da fachada e do interior do tem- culação; o mesmo foi impossível no que toca aos
plo, após a recuperação, foram publicadas na revista ossários.
Al-Madan por GONÇALVES e SANTOS (2005: 72), por Mais recentemente, PERALTA (2007) continuou o
cedência da Direcção-Geral dos Edifícios e Monu- estudo do espólio recuperado da Igreja de Santiago
mentos Nacionais. Maior, do qual se extraiu o presente artigo.
A escavação Objectivos
Corria o ano de 1987. Durante as obras de recu- Neste trabalho realiza-se uma análise paleode-
peração da Igreja de Santiago Maior irromperam do mográfica e da patologia oral duma amostra prove-
solo restos humanos, pelo que foi contactado o Ser- niente da Igreja de Santiago Maior. Outro desiderato
viço Regional de Arqueologia do Sul (IPPC) e iniciada consiste na apresentação do espólio arqueológico
uma escavação antropológica de emergência a cargo resgatado com os restos ósseos humanos.
de Teresa Matos Fernandes (SANTOS 1990a; b). Através da compilação dos resultados obtidos
O início dos trabalhos está descrito no relatório por DOMINGOS (2004), GONÇALVES (2004) e PERALTA
preliminar de campo realizado por CATARINO (1987), (2007), pretende-se prosperar o conhecimento ad-
cuja síntese da metodologia aplicada foi publicada quirido sobre a população exumada desta Igreja.
em GONÇALVES e SANTOS (2005).
Nele é mencionado que poucos anos antes da in-
tervenção, haviam sido levantadas as lajes que pavi- Material
mentavam a Igreja, removidas as terras e recolhidas
várias ossadas que foram transportadas para o ce- O material osteológico objecto de análise no pre-
mitério actual da Vila (CATARINO 1987). sente artigo constitui parte do espólio recuperado da
Ainda segundo este relatório, a Igreja terá sido Igreja de Santiago Maior de Monsaraz, em 1987.
usada “como lixeira acumulando entulhos variados e A amostra compreende os ossários das sonda-
servindo para enterrar animais mortos” (CATARINO gens 2 a 4 e 6 a 9, e um pequeno número de peças,
1987: 1). Consequentemente, a identificação das se- igualmente avulsas, da sondagem 5, que não foi
pulturas ficou impossibilitada, encontrando-se os estudado por DOMINGOS (2004). Juntamente com os
restos ósseos mais superficiais sem conexão anató- restos ósseos humanos foram recuperados espólio
mica. arqueológico e ossos de fauna.
Com o objectivo de se proceder ao estudo labo- O material encontrava-se armazenado em caixas
ratorial, em 1989 os restos humanos foram transpor- de cartão, identificadas com o local de proveniência,
tados para o Departamento de Antropologia (GON- e acondicionados em sacos de plástico. Cada saco
continha uma ficha produzida no campo, com infor-
mações sobre a proveniência, o número da son-
dagem, as coordenadas, o plano, a data da exumação
e, nalguns casos, um esquiço do posicionamento dos
ossos no terreno.
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Metodologia
Tabela 1
A marcação do material ósseo e dentário permite Medidas Efectuadas para a Diagnose do Sexo nos
associar a informação contida nas fichas de campo a Ossos Longos, Astrágalo e Calcâneo
cada peça. Assim, seguindo a nomenclatura adopta-
da por GONÇALVES (2004) e DOMINGOS (2004), o es- Autora
pólio foi identificado. Osso WASTERLAIN (2000) SILVA (1995)
A análise paleodemográfica de um ossário com- Úmero Largura epicondiliana
preende a determinação do número mínimo de indi- Diâmetro transverso da cabeça
víduos (HERRMANN et al. 1990). Apesar deste méto- Diâmetro vertical da cabeça
do ter sido desenvolvido para fragmentos ósseos de Rádio Comprimento máximo
indivíduos adultos, foi adaptado igualmente aos Perímetro mínimo
fragmentos de jovens, atendendo para tal ao seu esta- Fémur Diâmetro vertical da cabeça
do de desenvolvimento.
Diâmetro transverso da cabeça
O surgimento das assimetrias sexuais reflecte
Tíbia Diâmetro ântero-posterior
diferenças fisiológicas entre homens e mulheres, lo- ao nível do buraco nutritivo
go o dimorfismo sexual no esqueleto de juvenis é Perímetro mínimo
subtil (MAYS e COX 2000; SCHEUER e BLACK 2000).
Astrágalo Comprimento máximo Comprimento máximo
Por este motivo, a diagnose só será realizada em in-
Altura
divíduos adultos. Nos crânios 1 e no osso coxal foi
Calcâneo Largura média Comprimento máximo
efectuada por análise morfológica, descrita por FE-
REMBACH et al. (1980), e complementada na bacia
Altura
com as propostas de BRUZEK (2002). Nos ossos lon-
gos (Tabela 1) aplicaram-se os valores colhidos por
WASTERLAIN (2000) e para a determinação do sexo
dos indivíduos pelas dimensões de ossos do pé, para
além desta autora, foram igualmente utilizados os
pontos de cisão obtidos por SILVA (1995). Tanto para FEREMBACH et al. (1980). Para os restantes ossos, de-
os ossos longos, como para o astrálago e o calcâneo, terminaram-se o comprimento e a largura e os valo-
foram empregues as medidas com maior correlação. res obtidos foram comparados com as tabelas de FA-
A estimativa da idade à morte é essencial tanto ZEKAS e KÓSA (1978) e SCHEUER e BLACK (2000).
em paleodemografia como em estudos forenses Quando nenhum destes métodos pôde ser utili-
(IGARASHI et al. 2005). No entanto, é um dos aspec- zado, a idade foi estimada através dos centros de os-
tos mais difíceis do estudo antropológico (SANTOS sificação descritos por SCHEUER e BLACK (2000).
1995). MAYS (1998) afirmou que a inexistência de Sempre que o temporal e o occipital se encontravam
uma técnica completamente satisfatória para estimar preservados, foi avaliado o desenvolvimento do anel
a idade à morte dos esqueletos de adultos é um dos timpânico (WEAVER 1979) e do osso occipital (KROG-
problemas mais espinhosos que se enfrentam. Este MAN e ISCAN 1986).
problema surge porque as taxas de remodelação e Nos jovens adultos, este parâmetro foi determi-
degeneração do esqueleto, das quais derivam a ma- nado pelo grau de fusão da extremidade esternal da
ioria dos métodos, são altamente variáveis entre os clavícula (MACLAUGHLIN 1990).
indivíduos e as populações (BUCKBERRY e CHAM- Nos adultos, várias foram as metodologias em-
BERLAIN 2002). Segundo os mesmos autores, a histó- pregues: MASSET (1982) na obliteração das suturas
ria de vida de um indivíduo pode ser uma determi- cranianas, BROOKS e SUCHEY (1990) na metamorfose
nante importante para o envelhecimento do esquele- da sínfise púbica 2 e LOVEJOY et al. (1985), BUCK-
to. BERRY e CHAMBERLAIN (2002) e IGARASHI et al. (2005) 1 De forma a simplificar a
Ao contrário da diagnose sexual, a estimativa da para a metamorfose da superfície auricular do ilium. apresentação dos resultados,
idade à morte em não adultos realiza-se com alguma No final, as idades estimadas foram agrupadas o termo crânio é aqui utilizado
para designar o crânio completo,
segurança. Sempre que existiam maxilares, mandí- por intervalos etários, de modo a perceber o perfil
o calvarium (sem a mandíbula) e a
bulas ou dentes avulsos de jovens, a determinação da demográfico da amostra e a facilitar a comparação calvaria (na ausência da face e da
idade foi efectuada recorrendo aos esquemas da cal- dos resultados com os auferidos noutros trabalhos. mandíbula).
cificação e erupção dentária propostos por UBELA- Quanto à patologia oral, macroscopicamente fo- 2 O método de BROOKS e SUCHEY
KER (1989). Nos ossos longos, utilizaram-se os valo- ram avaliadas as perdas dentárias, a existência de (1990) para a estimativa da idade à
res do comprimento máximo ou fisiológico e com- cáries, anotadas segundo a proposta MOORE e COR- morte apresenta moldes diferentes
para homens e para mulheres.
pararam-se com as tabelas publicadas por STLOUKAL BETT (1975), enquanto o tártaro foi registado de acor-
Neste trabalho, por se
e HANÁKOVÁ (1978) e UBELAKER (1989). Nos ado- do com MARTIN e SALLER (1956 in SILVA 1998). Por desconhecer o sexo dos
lescentes, usou-se o esquema para a união das epí- último, foi listado o desgaste seguindo as descrições indivíduos, a sínfise púbica foi
fises com as diáfises dos ossos longos descrito por de SMITH (1984). comparada com ambos os moldes.
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0 3 mm
A
Figura 1
0 3 mm 0 1,5 cm
B C
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Figura 2
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Tabela 4
principalmente, às relações sociais que organizam a Caracterização dos Dentes dos Maxilares e das Mandíbulas
vida das pessoas (DUARTE 2007). Mesmo com os da presente amostra
cuidados modernos é de elevado risco, logo, na an-
tiguidade teria sido ainda maior, devido à indisponi- incisivos caninos pré-molares molares TOTAL
bilidade de antibióticos e ao desconhecimento de Maxilar Presentes 4 2 12 17 35
técnicas de rehidratação (ROBERTS e MANCHESTER Perda ante mortem 2 2 4 2 10
1995). Perda post mortem 18 9 10 7 44
O período que decorre entre o nascimento e os Não observável 32 15 28 62 137
três anos de idade é o mais crucial para o crescimen-
Mandíbula Presentes 0 0 5 16 21
to correcto das crianças (BEATON 1992), a rápida taxa
Perda ante mortem 14 10 16 23 63
de desenvolvimento sugere necessidades nutricio-
Perda post mortem 23 10 23 12 68
nais elevadas e, consequentemente, a criança encon-
tra-se mais susceptível a infecções e a uma nutrição Não observável 63 32 58 105 258
deficiente (SAUNDERS e BARRANS 1999). Nos infan-
tes e nas crianças, são as deficiências vitamínicas e A perda ante mortem afectou maioritariamente
de outros nutrientes, a tosse convulsa, a pneumonia os dentes inferiores (N = 63) e posteriores (N =39).
e o sarampo, entre outras (BROTHWELL 1986), as in- Na Figura 3 é visível uma mandíbula, pertencente ao
fecções respiratórias agudas e os problemas gastro- ossário da sondagem 3, evidenciando completa reab-
intestinais, como a diarreia e a disenteria (ROBERTS e sorção e remodelação alveolar, consequência da total
MANCHESTER 1995; SAUNDERS e BARRANS 1999). perda da dentição em vida. No maxilar, os dentes
A cronologia exacta dos indivíduos resgatados mais afectados foram os pré-molares (N = 4).
de Santiago Maior é desconhecida, sendo mais ra- De realçar que estes valores devem ser encara-
zoável uma datação a rondar os séculos XVI-XIX (in dos com cautela pois 405 alvéolos dentários encon-
SANTOS 1990b). travam-se fragmentados. Por outro lado, nem sempre
Segundo RODRIGUES (1993), o século XVI ficou a avaliação de quando (post mortem ou ante mortem)
marcado por surtos de peste associados a períodos de ocorreu a perda dentária é inequívoca, pois a distin-
fome, devido à escassez de alimentos provocada pe- ção é efectuada analisando o estado de remodelação
las intempéries no Inverno e secas no Verão; no iní- e reabsorção alveolar (LUKACS 1995).
cio do século XVII, a peste deu lugar a outras doen- Após erupcionados, os dentes definitivos só são
ças epidémicas como o tifo e a difteria, sendo o Sul perdidos se forem removidos mecanicamente, em
do país (Algarve e Alentejo) a região mais afectada. cirurgias decorrentes de ferimentos ou devido à per-
No século XIX, surgiram as últimas vagas epidémi- da do tecido ósseo que os suporta na sua posição nor-
cas de cólera, febre-amarela e de varíola (CASCÃO mal (HILLSON 2001). Na maioria das vezes é difícil
1993). identificar as causas que levaram à perda de dentes
Mesmo que tenham afectado Monsaraz, não fo-
ram encontrados documentos comprovativos e estas
são doenças, e eventualmente causas de morte, que
permanecem ocultas no esqueleto. Figura 3
Perda dentária
Na amostra estudada por PERALTA (2007), a per-
da de dentes ante mortem, nas mandíbulas e maxi-
lares, atingiu 30 % (73/241) dos alvéolos observados 0 1,5 cm
(Tabela 4).
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30 29
20 18
10
5
4
3 3
2 2 2 1 2
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1
0
G.0 G.1 G.2 G.3 G.4 N.O.
Em 6 % (N = 4) dos casos não foi possível determi- Dos 344 dentes pesquisados por PERALTA
nar o local de origem da cárie. O padrão de cáries (2007), 42 % exibem tártaro, sendo que, na maioria
verificado para a população de Monsaraz é idêntico (84 %), são visíveis apenas depósitos de tamanho
ao observado para a Grã-Bretanha em períodos de moderado (Gráfico 3).
tempo anteriores (MOORE e CORBETT 1975). Para o sé- Todos os tipos de dentes apresentam esta patolo-
culo XVII, estes investigadores detectaram um au- gia; no entanto, os posteriores foram os mais afecta-
mento na prevalência de cáries e na frequência de le- dos (N = 206). Acumulações maiores, classificadas
sões nas fissuras oclusais e nas áreas de contacto de grau 2 e 3 (respectivamente quando o tártaro ocu-
intersticiais da dentição, associado às inovações ali- pa entre um terço e metade da coroa, e mais de meta-
mentares, especialmente ao elevado consumo de açú- de das superfícies lingual e ou/ vestibular), foram ve-
car de cana e farinha refinada. A população portu- rificadas em 8 % dos dentes (Figura 5).
guesa baseava a sua alimentação no pão
de trigo, centeio e cevada, tendo sido in-
troduzido no século XVIII o cultivo da
batata e do arroz (SERRÃO 1993).
Tártaro
Designa-se por tártaro a placa mi-
neralizada aderente à superfície do dente
(HILLSON 1996) que se acumula mais ra-
pidamente quando há um aumento no
consumo de proteínas e/ou de hidratos de
carbono (ROBERTS e MANCHESTER 2005) e
uma pobre higiene oral (HILLSON 1996).
Figura 5
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Desgaste dentário
O desgaste dentário consiste na
N.º
de dentes
Patologia oral [tártaro] Gráfico 4 perda da superfície oclusal ou de
80
Distribuição dos valores obtidos
mastigação (HILLSON 1996). Não é
76 incisivo molar considerado uma patologia mas uma
para o tártaro, nos 428 dentes
71 canino indeterminado analisados, por tipo de dente e pelos consequência normal da mastigação
70 diferentes graus da escala de MARTIN
pré-molar
(H ILLSON 1996; LANGSJOEN 1998),
e SALLER (1956 in SILVA 1998). podendo, no entanto, predispor os
60
dentes a outras condições patológi-
cas, como as cáries e os abcessos
54
(ROBERTS e MANCHESTER 2005). Este
50
50 processo tem início logo após a erup-
44
ção dentária, através do contacto dos
43
dentes com os alimentos ou com
40
substâncias exógenas introduzidas
33 na cavidade bucal (ARAÚJO 1996).
30
No estudo do desgaste dentário
da presente amostra foram analisa-
23 dos 344 dentes definitivos erupcio-
20 nados, não tendo sido possível ava-
liar a superfície oclusal em 2 % (8/
/344) das peças por se encontrarem
10
6
fragmentadas (Gráfico 5).
5 5
3 3 A maioria dos dentes (N = 263)
2 2 1 2 1 2 1 0 1
0
0 0 0 0 0 0 0 0 exibe desgaste igual ou inferior ao
G.0 G.1 G.2 G.3 G.4 N.O. grau 3, da escala de SMITH (1984),
12 % (N = 41) manifestam grau 4 e
grau de tártaro dentário
apenas 9 % (N = 32) possuem um
desgaste igual ou superior a grau 5.
No total dos dentes analisados, 32 %
Dos 428 dentes definitivos erupcionados (Gráfi- (109/344) apresenta desgaste de grau 2, sendo que
co 4), 45 % (N = 193) exibem tártaro nas suas super- destes 49 % (53/109) são anteriores e 51 % (56/109)
fícies, sendo que na maioria (N = 154) são visíveis são posteriores (Gráfico 5).
apenas depósitos moderados. Acumulações de graus Alguns dentes anteriores apresentavam nas su-
2 e 3 foram verificadas em 24 dentes e apenas cinco perfícies bucais um padrão de desgaste atípico. Estas
apresentam deposição máxima. situações, na opinião de LANGSJOEN (1998) podem
Todos os tipos de dentes apresentam esta patolo- dever-se a elementos abrasivos presentes ou incor-
gia; no entanto, os posteriores foram os mais afecta- porados durante a preparação da comida, ou ao uso
dos. Segundo ROBERTS e MANCHESTER (2005), é mais desses dentes na realização de tarefas que não o pro-
comum desenvolver-se tártaro nos dentes situados cessamento da comida (CAMPILLO 2001). Na Figura 6
próximos das glândulas salivares, ou seja, na super- são visíveis dois dentes anteriores, pertencentes ao
fície lingual dos incisivos inferiores e bucal dos mo- ossário da sondagem 6, exibindo um desgaste de
lares superiores. grau 6 e grau 7.
A prevalência de tártaro, aqui assinalada, é seme- Nos três estudos efectuados, o desgaste foi avali-
lhante à observada por DOMINGOS (2004) para a sonda- ado em 503 dentes definitivos erupcionados, a maio-
gem 5. A autora refere a existência de 45 % (33/74) ria avulsos, não tendo sido possível registrar o grau
de dentes com tártaro, a maioria (N = 18) exibindo na superfície oclusal fragmentada de nove peças (em
apenas depósitos moderados. 503 ou 2 %).
Os dados visíveis neste gráfico referem-se à pre- A maioria dos dentes (71 %) exibe desgaste infe-
sença de tártaro no material estudado mas, por dife- rior ou igual ao grau 3 da escala de SMITH (1984), 15
rente modo de apresentação dos resultados, não foi % manifesta desgaste igual a 4 e 14 % possui um
possível incluir os resultados obtidos nos 74 dentes desgaste superior ao grau 4 de severidade. No total
estudados por DOMINGOS (2004). dos dentes analisados, 31 % (N = 494) apresenta des-
gaste de grau 2, sendo que destes 46 % são anteriores
e 53 % são posteriores (Gráfico 6). Apenas dois cani-
nos e um molar exibem grau máximo de desgaste,
com total exposição da dentina.
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N.º
Patologia oral [desgaste dentário] incisivo molar
Gráfico 5
de dentes
canino indeterminado
Variação do desgaste dentário por tipo de
40
pré-molar dente e pelos diferentes graus de desgaste,
segundo a classificação de SMITH (1984).
32
31
30 28
27
24 24
23 23
22
20
15
11
10 9 9 9 9
8
6 5 6 5
4
3 3
2 2
0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 1 0
0
G.1 G.2 G.3 G.4 G.5 G.6 G.7 G.8 N.O.
N.º
Patologia oral [desgaste dentário] incisivo molar
Gráfico 6
de dentes
canino indeterminado
Variação do desgaste dentário, no total
50
47 47 pré-molar dos 503 dentes analisados, por tipo de
dente e pelos diferentes graus de desgaste,
42 segundo a classificação de SMITH (1984).
40
37
36
34
30
30 28
24 24
20 19
17
14 13
12
11
10
10 9
8 8
6 5
4 4
2 2 2 2
1 1 0 1 1 0 1 0 1
0 0 0 0 0 0 0 0
0
G.1 G.2 G.3 G.4 G.5 G.6 G.7 G.8 N.O.
Figura 6
Bibliografia
ARAÚJO, M. T. G. L. (1996) − Os Dentes Humanos das Grutas CASCÃO, R. (1993) − “Demografia e Sociedade”. In MATTOSO, J.
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n
N a emigração de muitos
açorianos para o Brasil
não era um fenómeno novo. Com efeito
promove, a partir de 1670, a ida de
açorianos para o Sul da colónia, nomea-
damente para Santa Catarina, Nossa
essa movimentação populacional data- Senhora do Desterro, Porto Alegre e
do Rio de Janeiro.
O vapor de casco de ferro media
78,67 metros de comprimento, tinha 1 Lloyd’s Survey Reports, IRN 11416, William
9,44 metros de boca e 6,85 metros de Walker & Co (Yard No 7) e IRN 14941
Fig. 4 − A popa do navio, a nove metros de profundidade. calado. (Cardiff, 1875), National Maritime Museum.
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mana do Monte da Chaminé, freguesia compartimentos, tem 3,18 m de largu- No canto Sudeste do corredor foi comprovar a presença da vieira que o
e concelho de Ferreira do Alentejo, ra e está pavimentado a opus signinum. recolhida igualmente uma base de co- acompanha.
marcando-se assim o reinício das inter- O peristilo apresenta uma coluna- luna mas, em ambas as situações, não se Para além deste facto, os com-
venções neste sítio. As seis campanhas ta com uma sequência, respectivamen- encontraram ainda indícios do seu local panheiros de jornada terão procedido ao
anteriores foram realizadas entre os te, de seis e de cinco colunas de susten- original na estrutura da casa. ritual da queimada (ainda hoje recrea-
anos de 1981 e 1988. tação da cobertura do corredor. As co- Um dos objectivos da campanha do na Galiza), utilizando para o efeito o
Inaugurado o Museu Municipal lunas são executadas com tijolos de passava pela escavação integral do ar- vestuário do falecido, acto que sim-
em Outubro de 2004, e após duas cam- quadrante e há evidências de terem si- mazém, o que só em parte foi atingido, boliza purificação e a preocupação de o
panhas de conservação e limpeza (1999 do revestidas a estuque pintado. O es- dada a circunstância e a surpresa aqui livrar do mal.
e 2005), ficaram reunidas as condições paço, definido por duas colunas, integra registada. No decurso da escavação do Uma das vias utilizada pelos pere-
necessárias para o aprofundamento do um alongado canteiro, o que confere um derrube, situado no canto Nordeste da grinos − vinda do Sul do actual ter-
estudo da villa quer na sua pars urbana ritmo arquitectónico particularmente sala, logo após a camada de lavoura, foi ritório português − partia da zona de Fa-
como na pars rustica, tanto mais que elegante ao conjunto. identificada uma inumação com uma ro, atravessando a serra, perto de Almo-
esta estação arqueológica orientação coincidente com dôvar, e seguindo por Entradas, Al-
constitui-se como um dos as paredes do vasto com- justrel, Ferreira e, provavelmente, por
pólos museológicos do mu- partimento. Évora, para daí alcançar os itinerários
seu, de acordo com a orgâ- Na sequência da sua que levam ao Noroeste peninsular.
nica do projecto co-finan- escavação, com a partici- Do facto daquele espaço abobada-
ciado pelo Ministério da pação de dois antropólogos, do ter sido eleito, no período medieval,
Cultura, através do Progra- constatou-se que o arado para enterramento do peregrino, resul-
ma Operacional da Cultura atingiu a parte superior do tou a escavação apenas parcial do der-
(POC). tronco e o crânio. No entan- rube do armazém (Fig. 4).
Na sequência das ante- to, junto da bacia encontra- Este tem um comprimento de
riores campanhas, era já co- vam-se os elementos essen- 15,74 m por 3,80 m de largura e apre-
nhecida uma ala da casa se- ciais para identificar este senta, do lado Nascente, um corredor de
nhorial, constituída por qua- indivíduo como sendo um acesso, escavado apenas no troço de li-
tro salas, duas das quais pa- peregrino de Santiago de gação ao armazém. No período final da
vimentadas a mosaico (opus Compostela. Apresentava escavação de 2007, começou a definir-
tesselatum), de motivos geo- uma concha de vieira (sím- -se, na área em intervenção, o que su-
métricos, e ainda um tramo bolo de peregrinação), frag- gere tratar-se de um tanque, com ligação
do peristilo e respectivo es- mentos de uma panela e ao exterior através de uma abertura na
pelho de água, bem como uma vasta mancha de cinzas abóbada, estrutura a definir em próxima
uma área do jardim central. (Fig. 3). campanha.
Anexo à ala residencial foi Apanela é de tradição O armazém e salas anexas corres-
igualmente escavado gran- islâmica e os seus paralelos pondem a um plano de obras que ocor-
de parte de um vasto com- têm uma cronologia inte- reu em inícios do século IV e que terão
partimento abobadado, que Fig. 2 − Zona de ligação entre a pars urbana, à esquerda, grável nos séculos XII e XIII. ampliado e valorizado as dependên-
interpretámos como zona e a pars rustica, à direita. Estaremos, assim, pe- cias da exploração agropecuária da vil-
de armazém, e outros com- rante um peregrino (ou mais la, nas quais se incluem indícios de um
partimentos anexos pertencentes à pars No canto Nordeste do corredor precisamente um grupo de peregrinos) lagar de azeite. Integra-se ainda nesta
rustica. foi localizada uma soleira de porta in que terá ido em peregrinação logo no fase de intervenções, para além da pavi-
Em resultado da campanha arque- situ com um vão de 1,30 m e que, em início da ocupação cristã das regiões a mentação a mosaico da domus senho-
ológica de 2007 passou-se a ter uma determinado momento, foi entaipada Sul do Tejo, numa fase ainda de certa rial, a desafectação de uma sala da re-
melhor percepção da planta da pars com tijoleiras. Junto à mesma, encon- instabilidade político-militar. sidência, cujo acesso era feito pela por-
urbana, nomeadamente com a defini- tra-se um fragmento de fuste liso de co- Trata-se de um indivíduo jovem ta entretanto entaipada, e identificada no
ção dos limites do segundo tramo do luna de mármore, com cerca de 1,73 m (cerca de 20/25 anos, de acordo com os decurso da campanha, para a constru-
peristilo e respectivo espelho de água de comprimento por 0,30 m de diâme- dados preliminares) e que, tudo o su- ção de um compartimento de apoio,
(Fig. 1). Este tem uma planta rectan- tro da base (Fig. 2). gere, regressaria a casa, como o parece presumivelmente, ao armazém.
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Intervenções Arqueológicas
em Mértola
Ana Rita Santos, Lígia Rafael, Maria F. Palma,
Susana Gomez e Virgílio Lopes [Campo Arqueológico de Mértola]
Fig. 2
Escavações no
Largo Duque de Cadaval (Lisboa)
Teresa Miguel Barbosa, Tânia Manuel Casimiro,
Rodolfo Manaia, Telmo Silva e Andreia Torres
s trabalhos arqueológi- Adivisão 2 revelou paredes reves- redor de acesso a outras dependências decimento perante a ajuda prestava à
O cos desenvolvidos no
Largo Duque de Cada-
val - Rossio, em Lisboa (a Sul da Esta-
tidas a estuque branco, bastante danifi-
cado, em função de incêndio que des-
truiu o edifício. Daqui foi recolhido
a Oeste, área que a escavação não
abrangeu.
Aestratigrafia do arqueossítio re-
Coroa. Supomos ter sido por esta épo-
ca, ou nos anos imediatamente subse-
quentes, que o palácio foi edificado.
ção de Comboios do Rossio, no sopé da fragmento de coluna ornamentada a velou seis camadas. O nivelamento da Estilisticamente, a sua organização
colina de São Francisco), tiveram como branco e negro que, devido à ausência actual estrada de alcatrão (C1), que cla- obedece ao género de muitos dos palá-
objectivo o cumprimento de medidas de de bases ao nível do solo, devia per- ramente cortou as estruturas arqueo- cios edificados em Lisboa, bem como
minimização de impacto de obra, cuja tencer ao 2º piso. lógicas, uma vez que o topo dos muros no resto do país, na segunda metade de
finalidade passou pela requalificação Aquando do seu aparecimento, o estava perfeitamente afeiçoado e im- seiscentos. Na capital destacam-se di-
urbana e arquitectónica do local, através compartimento 3 foi interpretado como pregnado de brita. O nível de destruição versos exemplos, como o Palácio de Al-
da instalação de infra-estruturas de uma única sala. Contudo, com a esca- do palácio, definido por nível de incên- vor-Pombal, actualmente o Museu Na-
saneamento e águas pluviais. A inter- vação da camada 2 foi identificada, a dio com desmoronamento do telhado cional de Arte Antiga, o palácio dos
venção foi financiada pela empresa arrancar do muro Norte, parede edifi- (C3). As paredes que, com o enfraque- Condes da Calheta, onde funciona o
Teixeira Duarte Ldª, promotora da obra, cada em estuque e tijolo, cuja espessura cimento da estrutura, derrubaram num jardim-museu Agrícola Tropical, o Pa-
e coordenada por um dos signatários não ultrapassava os 0,15 m, adossada só momento (C2). Nos compartimentos lácio de Fronteira, ou os desaparecidos
(T. M. B.), contactado apenas após a posteriormente, surgindo a sala 4 e 3 e 4 pudemos distinguir um primeiro palácio dos Corte Real (VALE e MAR-
abertura de algumas valas. Os trabalhos criando duas divisões independentes. incêndio e o posterior desmoronamen- QUES 1997), Marialva (SANTOS 2006;
desenvolveram-se em Setembro e Ou- O compartimento 5 parece tratar- to do telhado (C6), caso que não se pa- MARQUES e FERNANDES 2006) ou dos
tubro de 2006, sendo intervencionada -se de via de acesso a pátio central do rece verificar nos outros compartimen- Estaus (PINTO 1995).
área com cerca de trinta metros de com- complexo. O pavimento apresentava tos. As camadas 4 e 5 revelam a existên- O local não ofereceu cerâmica em
primento por quatro metros de largura. empedrado de seixos (típico de arrua- cia de soalho em madeira (C4) e o res- abundância, mas a recolha é represen-
Foram identificados nove com- mento), organizado, com excelente pectivo nível de nivelamento (C5) no tativa do contexto e cronologia sugeri-
partimentos, que acreditamos coincidi- qualidade. A ausência de derrubes e Compartimento 2. dos. Foram identificados pouco mais de
rem com algumas das dependências do cinzas revela que se tratava de zona a Deste modo, e tendo em conta os duas dezenas de objectos, os quais
Palácio dos Duques de Cadaval, o qual, céu aberto. O material exumado neste dados que aferimos da análise estrati- podem ser atribuídos funcionalmente a
segundo informações históricas e carto- contexto era constituído, quase exclu- gráfica, podemos considerar que a des- louça de mesa e louça de cozinha. Entre
gráficas, ruiu com o terramoto de 1755. sivamente, por objectos de metal, gran- truição do Palácio Duque de Cadaval estes consideramos cerâmica comum,
O compartimento 1 ofereceu pare- de parte deles identificados como ar- não se deveu ao terramoto propriamen- cerâmica vidrada, faiança e porcelana,
des revestidas a azulejo, com motivos reios de cavalos, argolas para os pren- te dito, mas ao incêndio daí decorrente. com formas e decorações idênticas às
geométricos e vegetalistas. Apresentava der e objectos similares. Ainterpretação das estruturas exu- que têm sido recolhidas em Lisboa em
vários tipos de padrões que coincidiam O compartimento 6 apresentava madas no Largo Duque de Cadaval contextos do Terramoto (DIOGO e TRIN-
em ambas paredes, formando padroni- chão argamassado e paredes sem reves- passou pelo estudo da sua disposição. DADE 1995).
zado, em tons de amarelo e azul, ca- timento. A partir daquele acedia-se, Estamos perante diversos comparti- De entre as centenas de fragmen-
racterístico de meados do século XVII. através de três degraus em pedra de mentos de palácio, um deles podendo tos de vidro recolhidos na escavação,
No corte Este, o lambrim dos azulejos lioz, a sala de grandes dimensões, pavi- mesmo ter servido de entrada a pátio apenas cinco deles correspondem a va-
inflectia para cima, denotando a pre- mentada a tijoleira. O compartimento 8 central. O próprio topónimo sugere a silhas tipologicamente atribuídas à pri-
sença de escada, facto que nos levou a encontra-se anexo ao 7, por entrada si- habitação em Lisboa da família dos meira metade do século XVII (CUSTÓ-
considerar este compartimento como tuada a Sul daquele. Por ser de peque- duques de Cadaval, título criado em DIO 2002). O restante espólio vítreo é o
corredor de acesso a primeiro andar. nas dimensões, parece tratar-se de cor- 1640, após a Restauração, como agra- resultado da destruição das janelas.
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primeira noticia acerca das
Fossas Escavadas na
Rocha do Casarão da Mesquita 4
(S. Manços, Évora)
Fig. 1 − Parede Norte do Compartimento 1. Susana Nunes, Mónica Corga, Lília Basílio, Maria Teresa Ferreira,
Rui Couto, Miguel Almeida e Maria João Neves
Parcas são as informações acerca Bibliografia [Dryas Arqueologia Lda. e Styx, Estudos de Antropologia Lda.]
de objectos em metal, tanto de adorno
como de construção, para contextos CLARCK, J. (2000) − The Medieval Horse
and its Equipment, c. 1150-1450. London:
modernos, em Portugal. Amaioria dos
Museum of London.
metais oferecidos pelo Largo Duque de CUSTÓDIO, J. (2002) − Real Fábrica de Vi-
Cadaval pode ser identificado com five- o âmbito do acompa- venção de Arqueologia preventiva com
las, cuja funcionalidade seria a de pren-
der os arreios dos cavalos (CLARCK
2000). A recolha, maioritariamente
dros de Coina (1719-1747). Aspectos
históricos, artísticos e arqueológicos.
Lisboa: IPPAR.
DIOGO, D. e TRINDADE, L. (1995) − “Cerâ-
micas da Época do Terramoto de 1755
N nhamento arqueológico
da empreitada de Apro-
veitamento Hidroagrícola do Monte
o objectivo de avaliar a extensão, o es-
tado de conservação e proceder à recu-
peração dos vestígios identificados em
efectuada no compartimento 5, zona Novo, promovida pela Empresa de acompanhamento arqueológico.
Provenientes de Lisboa”. In Actas das 2ªs
que julgamos ter assistido à passagem Desenvolvimento e Infra-estruturas do Sendo a atribuição cronológica
Jornadas de Cerâmica Medieval e Pós-
e permanência de muitos equídeos, -Medieval. Métodos e resultados para o Alqueva, S.A. (EDIA), foi identificada rigorosa destes contextos ainda uma
sugere aquela funcionalidade. As deze- seu estudo. Tondela: Câmara Municipal no sítio do Casarão da Mesquita 4 questão científica controversa, adoptá-
nas de pregos, dobradiças e fechaduras de Tondela, pp. 349-354. (S. Manços, Évora, Évora) a presença mos nesta intervenção um protocolo
recolhidos, considerando o seu estado MARQUES, A. e FERNANDES, L. (2006) − de fossas escavadas no substrato geo- metodológico capaz de garantir a recu-
de degradação, apenas nos permitem “Palácio dos Marqueses de Marialva. lógico do local (Fig. 1). peração individualizada do espólio
inferir acerca dos materiais utilizados na Intervenção arqueológica na Praça Luís Estruturas desta mesma tipologia arqueológico incluído em cada um dos
de Camões (Lisboa, 1999-2000)”. Patri-
edificação de tectos, portas ou mesmo têm vindo a ser reconhecidas noutros níveis de enchimento das fossas (Fig. 2).
mónio Estudos. Lisboa: IPPAR. 9: 195-206.
armários. PEREIRA (1993) − Hospital Real de Todos- sítios na mesma zona, nomeadamente Mais, para maior controlo estratigráfi-
A pouca abundância de espólio -os-Santos: séculos XV a XVIII. Lisboa: nos sítios do Casarão da Mesquita 3 (tra- co, a escavação destes preenchimentos
mostra que, ainda que não consigamos Câmara Municipal de Lisboa. balhos dirigidos por Luís Arez do Car- realizou-se sistematicamente em duas
atribuir funcionalidade específica a PINTO, M. (1995) − “Um Palácio no Rossio: mo, informação pessoal EDIA) e do metades, registando-se sempre a secção
cada um dos compartimentos, não ciclos de vida (séculos XV a XIX)”. In Monte da Cabida 3 (trabalhos de Joke estratigráfica mediana dos níveis de
devemos considerar a sua ocupação Actas das Sessões Iº Colóquio Temático Dewulf, informação EDIA). Trata-se enchimento das estruturas negativas
“O Município de Lisboa e a Dinâmica
doméstica, devido à ausência de objec- Urbana (séculos XVI-XIX)”. Lisboa:
em ambos os casos de sítios compostos escavadas.
tos do quotidiano habitacional. CMA, pp.163-175. por conjuntos de estruturas negativas,
A estratigrafia demonstrou ter si- SANTOS, Vasco (2006) − “Copa e Área de preenchidas por depósitos interestra- Implantadas num cabeço suave,
do abandonado num único momento, Serviço do Palácio dos Marqueses de tificados que contêm materiais arqueo- estas fossas, num total de 68, apresen-
aquando da sua destruição, em meados Marialva”. Património Estudos. Lisboa: lógicos diversos e, por vezes, também tavam formas, dimensões e preenchi-
do século XVIII. O espólio exumado, IPPAR. 9: 207-212. inumações humanas atribuídas a épo- mentos variados, incluindo em alguns
VALE, A. e MARQUES, J. (1997) − “Escava-
tanto construtivo como utilitário, confir- cas pré-históricas. casos elementos pétreos (alguns de
ções Arqueológicas no Largo do Corpo
ma aquela cronologia. Santo (Lisboa): estruturas do Palácio
No Casarão da Mesquita 4, uma grande dimensão), fragmentos de mate-
Os azulejos, cerâmicas, vidros e Corte-Real”. In IIº Colóquio Temático equipa da Dryas Arqueologia liderada riais cerâmicos, fragmentos de vidro,
metais podem ser atribuídos a produ- Lisboa Ribeirinha. Lisboa: Câmara Mu- pelos signatários levou a cabo, em escória, metais, fauna malacológica e
ções nacionais e orientais da primeira nicipal de Lisboa. Agosto / Setembro de 2007, uma inter- mamalógica.
metade de setecentos.
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Bibliografia
CARO, L. e FERNÁNDEZ, M. E.
(2007) − “Enterramientos en Fosa del
Bronce Final en la Ciudad de Zamora”.
In BARCA, J. e JIMÉNEZ, J. (eds.). Enfer-
medad, Muerte y Cultura en las Socie-
Fig. 2 − Pormenor da escavação de uma das dades del Pasado: importancia de la
estruturas, na qual se registava a presença contextualización en los estudios paleo-
de um grande recipiente. Fig. 3 − Aspecto do indivíduo juvenil inumado numa das estruturas negativas. patológicos, pp. 91-100.
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electrónica 10 al-madan online adenda electrónica ISSN 0871-066X | IIª Série (15) | Dezembro 2007