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PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 8ª REGIÃO

PROCESSO PJE TRT/ 4ª T./ RO 0001465-67.2014.5.08.0014

RECORRENTE: MARIA DA CONCEICÃO CAMPOS FERREIRA


Dr. Tania Cristina de Oliveira Lobad

RECORRIDO: LAURI M DAHMER - EPP


Dr. Dagoberto Ferreira dos Santos Neto

I - MANICURE. RELAÇÃO DE EMPREGO

VERSUS CONTRATO DE PARCERIA. FRAUDES. Sendo a atividade da

reclamante indispensável ao funcionamento do reclamado, que, como

sempre acontece, determina clientes a atender e horários a cumprir, deve

ser reconhecida a relação e emprego entre a manicure e o salão de beleza

onde trabalha, ex vi dos arts. 2º e 3º da CLT.

II - CONTRATO DE PARCERIA. FRAUDE. Não

existe parceria quando , praticamente, todos os elementos indispensáveis

ao exercício do mister do trabalhador são fornecidos pelo tomador do

serviço, único responsável pelo empreendimento.

III - DANO MORAL. Não existe dano moral a

indenizar quando não existe prova de qualquer malefício causado ao

trabalhador.

1. Relatório
"Vistos, relatados e discutidos estes autos de

Recurso Ordinário, oriundos da MM. 14ª Vara do Trabalho de Belém, em que

figuram como recorrente e recorridos, as partes acima identificadas.

O MM. Juízo de primeiro grau julgou totalmente

improcedente o pedido na inicial, consoante sentença de Id aae3c43.

Inconformada com a decisão a reclamante interpôs

recurso ordinário de Id c675d3a.

Após regular notificação, a reclamada apresentou

contrarrazões ao recurso da reclamante sob Id 44c55d5". É o relatório que adoto.

2. Fundamentação

Conheço do recurso porque presentes os

pressupostos de admissibilidade.

MÉRITO

Vínculo de emprego. Dano moral.

Pretende a reclamante, em seu recurso, ver

reconhecida sua condição de empregada porque era manicure no reclamado,

além de indenização por danos morais porque teria sido ofendida pela gerente

do estabelecimento.

Assiste-lhe razão.

Com efeito, é imprescindível que os salões de

beleza, caso do reclamado, possuam manicures. É sabido que a maioria desses

trabalhadores presta serviços como "autônomo", através de um contrato de

"parceria", mas essa autonomia não existe de fato, e nem a parceria reúne dois

parceiros.
É a realidade facilmente constatável. O trabalhador

possui certos materiais de sua propriedade: alicates, tesouras e outros

utensílios, geralmente de metal, e que não são de fácil desgaste. Até aí, a

manicure - essa profissão é preferencialmente exercida por mulheres - vai

cortando as unhas dos clientes (seus/do salão).

Nessa "parceria", o trabalhador participa apenas

com esses objetos metálicos e nada mais. Porém, todas as manicures utilizam

tintas (esmaltes coloridos), lixas, lustradores, tigelas com água ou, em alguns

casos, luvas para colocar nas mãos e pés dos clientes, a amaciar-lhes os calos.

Não poderia ser diferente com a reclamante destes autos. Se, absurdamente,

admitirmos que era, então ela nunca seria manicure, com ou sem contrato de

"parceria".

E mais. Existe, em todo salão de beleza - do mais

humilde ao mais grã-fino - uma cadeira e uma mesa especiais que esses

profissionais utilizam para cumprir sua tarefa, e, aqui, como em outros tantos

milhares de casos por este país afora, não é crível que a reclamante trouxesse

de sua casa. Induvidosamente, estava no estabelecimento, a quem pertencia.

Então, sempre quem fornece esses materiais, cuja

utilização é geral, isto é, por todas as manicures dos salões, é o próprio

estabelecimento. Demais disso, e nessa linha, todas as demais instalações e o

que nelas se contém, desde a porta de entrada até a saída, tudo certamente

pertence ao estabelecimento. À reclamante, como se verifica cotidianamente

com todas as manicures em todo este país, pertencem os ferros que utiliza para

fazer uma parte da tarefa de recuperar a beleza das mãos e dos pés de seus

clientes.

Não é crível que fosse diversa a situação da

reclamante destes autos. Não pode o Poder Judiciário continuar a fazer vista
grossa a essa fraude aos direitos dos trabalhadores. É preciso que se tome,

urgentemente, posição para coibir esse tipo de coisa.

Está vigente no Brasil a Lei n. 12.592, de 18.1.2012,

que versa sobre o exercício das atividades de cabeleireiro, barbeiro, esteticista,

pedicuro, depilador, maquiador e também de manicure, porém praticamente

todos os dispositivos foram vetados.

Não teve o legislador ordinário, até o momento, a

cautela de regular efetivamente a atividade desenvolvida por esses profissionais

no ambiente de trabalho, quanto à sua subordinação,

Apontei anteriormente para esse aspecto, quando

escrevi:

A lei poderia ser bem melhor se, além de não

existirem vetos, ainda cuidasse da caracterização do vínculo empregatício, a fim

de superar as muitas fraudes que ocorrem em todo o Brasil que colocam esses

profissionais como autônomos, quando, na verdade, não são mais que

empregados subordinados. Fosse fixada jornada de trabalho, contivesse

recomendações sobre uso de equipamentos de proteção individual, estipulasse

formas de remuneração, etc. Talvez um dia surja uma lei assim... (meu Curso de

Direito do Trabalho. São Paulo, LTr, 2014, p. 113).

Não é, todavia, a ausência de uma lei - ou a omissão

legislativa - que fará com que não vejamos nós, juízes do trabalho do Brasil, essa

realidade. Nessa linha, observei que:

Enquanto esse diploma não surge, ainda assim, a

Justiça do Trabalho começa a dar os primeiros passos (demorados, por sinal),

no sentido de resgatar esse tipo de trabalhador. O TRT da 15ª Região, mesmo


não reconhecendo vinculo de emprego, aplicou indenização por dano moral a

favor da reclamante, depiladora de um salão de beleza (Proc. 0001463-

74.2010.5.15.0004), apesar de o TST ter mantido o entendimento de que existiria

uma parceria entre o trabalhador e o proprietário do local onde desenvolve sua

atividade, como o que foi decidido no Proc. RR-2276800-81.2008.5.09.006,

julgado a 18.12.2012 (Rel.: Min. Caputo Bastos). (Ob. e loc. cits.).

Todos esses aspectos, considerando inclusive que

a reclamante não teria, porque nenhuma tem, e não seria ela a única exceção,

direito de escolher seus clientes nem seu horário de atendimento, porque,

sempre e sempre, e todos sabem disso, e não se pode fazer vista grossa a essa

realidade, como já destaquei anteriormente, quem indica o cliente a ser atendido

é o proprietário do estabelecimento ou seu preposto, e quem elabora os horários

de trabalho igualmente é a mesma pessoa.

Será que estamos diante de uma profissional

liberal? Ou de uma forma de terceirizar atividade-fim? Profissional liberal

manicure não é, apesar de existirem decisões jurisprudenciais que dispensam

esse tipo de tratamento, e não é porque não é adequado dizer que alguém é

profissional liberal sem curso superior e sem registro em Conselho específico

(OAB, CREA, CRM, etc.). E, se a atividade-fim de um salão de beleza é cuidar

da vaidade humana, inclusive preparar mãos e pés de seus clientes, essa

atividade-fim não pode (pelo menos ainda não) ser terceirizada.

Assim, porque indispensável ao funcionamento de

salão de beleza, caso do reclamado, a presença de manicures, caso da

reclamante, pena de inexistir o estabelecimento, e todos os demais argumentos

que expendi acima, é que reconheço a existência de relação de emprego entre

as partes, nos termos postulados na peça de ingresso, ou seja, no período de

13/09/2011 a 12/06/2014, determinando que os autos baixem ao 1º grau para


que sejam apreciadas pelo juízo a quo as demais questões como entender de

direito.

Quanto à indenização por dano moral, entendo

não provadas a prática de qualquer ato de humilhação ou ofensa à reclamante.

O vínculo de emprego, que é o que interesse, reconheço-o não vendo nesse

aspecto dano que justifique condenação desse jaez.

Prequestionamento

Desde já, considero prequestionados todos os

dispositivos indicados pelas partes, com o deliberado propósito de evitar

embargos de declaração, não se vislumbrando vulneração de quaisquer deles,

seja no plano constitucional ou infraconstitucional.

ANTE O EXPOSTO, conheço do recurso; no mérito,

dou-lhe parcial provimento para, reformando a sentença, reconhecer a relação

de emprego entre as partes, no período de 13/09/2011 a 12/06/2014, conforme

postulado na inicial; nego provimento ao apelo quanto à indenização por dano

moral; determino a baixa dos autos à instância de origem para que sejam

apreciadas as demais questões como entender de direito, conforme os

fundamentos. Inverte-se o ônus da subumbência.

3. CONCLUSÃO

ISTO POSTO,
ACORDAM OS DESEMBARGADORES DA

QUARTA TURMA DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA

OITAVA REGIÃO, À UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO; NO

MÉRITO, VENCIDO O DESEMBARGADOR RELATOR, DAR-LHE PARCIAL

PROVIMENTO PARA, REFORMANDO A SENTENÇA RECORRIDA,

RECONHECER A RELAÇÃO DE EMPREGO ENTRE AS PARTES, NO

PERÍODO DE 13/09/2011 a 12/06/2014, CONFORME POSTULADO NA

INICIAL; NEGAR PROVIMENTO QUANTO À INDENIZAÇÃO POR DANO

MORAL; DETERMINAR A BAIXA DOS AUTOS À INSTÂNCIA DE ORIGEM

PARA QUE SEJAM APRECIADAS AS DEMAIS QUESTÕES COMO

ENTENDER DE DIREITO, CONFORME OS FUNDAMENTOS. INVERTE-SE O

ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. PROLATOU O V. ACÓRDÃO O EXMO. SR.

DESEMBARGADOR GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO.

Sala de Sessões da Quarta Turma do Egrégio

Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região. Belém, 19 de maio de

2015.

GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO


Desembargador Prolator

GSFF

Relator
Assinado eletronicamente. A Certificação Digital
pertence a: 15042213174312100000
[GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO] 005763269

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cumento/listView.seam

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