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UNIJUI – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL

MAIARA RUCIELE DA SILVA

CULTURA PUNITIVA E QUESTÕES DE GÊNERO: O PAPEL DO SISTEMA


PENAL NO PROCESSO DE CONSOLIDAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO E DA
DESIGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES

Ijuí/RS
2017
1
MAIARA RUCIELE DA SILVA

CULTURA PUNITIVA E QUESTÕES DE GÊNERO: O PAPEL DO SISTEMA


PENAL NO PROCESSO DE CONSOLIDAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO E DA
DESIGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES

Monografia final do Curso de Graduação


em Direito objetivando a aprovação no
componente curricular monografia.
UNIJUÍ – Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
DCJS – Departamento de Ciências
Jurídicas e Sociais.

Orientador: MSc. Ester Eliana Hauser

Ijuí/RS
2017

2
Dedico este trabalho a todos que de uma forma ou de
outra me auxiliaram e ampararam-me durante estes
anos da minha caminhada acadêmica.

3
AGRADECIMENTOS

A Deus, acima de tudo, pela vida, força e coragem


para superar os obstáculos.

A minha orientadora, Mestre Ester Eliana Hauser,


pela dedicação, atenção e disponibilidade,
dispensada para me orientar.

Aos meus pais, sempre ao meu lado, me incentivando


e apoiando em todas as horas.

Ao meu namorado, pela paciência e companheirismo


nos estudos conjuntos e também, por todo apoio dado
para a concretização deste trabalho.

A todas as pessoas e amigos que de uma forma ou


de outra, contribuíram durante a trajetória de
construção deste trabalho, minha gratidão!

4
[...] a mulher sempre foi, senão a escrava do homem, ao
menos sua vassala; os dois sexos nunca partilharam o
mundo em igualdade de condições; e ainda hoje, embora
sua condição esteja evoluindo, a mulher arca com um
pesado handicap. Em quase nenhum país seu estatuto
legal é idêntico ao do homem e muitas vezes este último a
prejudica consideravelmente. Mesmo quando os direitos
lhe são abstratamente reconhecidos, um longo hábito
impede que encontrem nos costumes sua expressão
concreta.

Simone de Beauvoir
O Segundo Sexo

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso abordará a questão punitiva que se


direciona a mulher, causando-lhe discriminação e desigualdade com relação aos
homens, demonstrando que tal situação é iniciada pelas imposições do poder familiar
ao gênero, perpetuadas por uma cultura em que predomina o sistema patriarcal de
dominação da figura feminina e que reflete consequentemente, na operacionalidade
do sistema de justiça criminal. Tomando como referência os valores da dignidade e
da igualdade, fundamentos do Estado Democrático de Direito, analisará a construção
histórica da desigualdade entre homens e mulheres, apontando sua incidência no
âmbito da ordem jurídica brasileira, especificamente ao Sistema Penal e em que
medida o mesmo também contribui para reproduzir essa desigualdade entre os
gêneros. Em um segundo momento, discorrerá especificamente sobre a atuação do
Sistema Penal Brasileiro e as manifestações de desigualdades de gênero na própria
legislação penal, analisando questões polêmicas como a criminalização do aborto, a
cultura do estupro, o controle do corpo e da sexualidade feminina e também quanto à
tutela da dignidade sexual da mulher. Adentra no âmbito do sistema carcerário,
fazendo uma análise histórica do encarceramento feminino, bem como da atual
realidade da mulher encarcerada. E ainda, discorre sobre os avanços em busca da
igualdade e proteção feminina frente a uma cultura machista insistente, que inferioriza
e agride a mulher, apontando marcos legais importantes, como a Lei Maria da Penha,
Lei nº 11.340/2006 e a Lei do Feminicídio, Lei nº 13.104/2015, as quais buscam
superar a violência e a discriminação contra a mulher.

Palavras-Chave: Papeis de gênero. Desigualdades. Sistema penal.

6
ABSTRACT

The present work of conclusion of course will address the punitive question that
is directed to the woman, causing her discrimination and inequality with respect to the
men, and that this situation is initiated by the impositions of the familiar power to the
genre, perpetuated by a culture in which the patriarchal system of domination of the
female figure and that consequently reflects, in the operability of the criminal justice
system. Taking as a reference the values of dignity and equality, foundations of the
Democratic State of Law, will analyze the historical construction of inequality between
men and women, pointing out their incidence within the Brazilian legal system,
specifically the Criminal System and to what extent it also contributes to reproduce this
inequality between genders. In a second moment, it will discuss specifically the
Brazilian Penal System and the manifestations of gender inequalities in the criminal
legislation itself, analyzing controversial issues such as the criminalization of abortion,
rape culture, control of the body and female sexuality, and the protection of the sexual
dignity of women. It enters the prison system, making a historical analysis of the female
imprisonment, as well as the actual reality of the imprisoned woman. It also discusses
advances in the search for equality and feminine protection against an insistent sexist
culture that undermines and attacks women, pointing to important legal milestones,
such as the Maria da Penha Law, Law 11.340 / 2006 and the Law of Feminicide, Law
13.104 / 2015, which seek to overcome violence and discrimination against women.

Keywords: Gender roles. Inequalities. Penal system.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................10

1 DIGNIDADE HUMANA, PAPEIS DE GÊNERO E DESIGUALDADE NO ÂMBITO


DO SISTEMA PENAL: ASPECTOS CONCEITUAIS E HISTÓRICOS.....................14
1.1 Os valores da dignidade e da igualdade no Estado Democrático de
Direito........................................................................................................................14
1.2 Cultura patriarcal e a discriminação de gênero: a construção histórica da
desigualdade entre homens e mulheres.................................................................20
1.3 A histórica reprodução da desigualdade no âmbito da ordem jurídica
brasileira e o advento da Constituição de 1988......................................................26
1.4 A contribuição do sistema penal na reprodução dos papeis de gênero:
aspectos históricos..................................................................................................31

2 AS MANIFESTAÇÕES DA DESIGUALDADE DE GÊNERO NO ÂMBITO DO


SISTEMA PENAL BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO.............................................39
2.1 Sistema penal e constituição.............................................................................39
2.2 As manifestações da (des) igualdade de gênero na lei penal
brasileira....................................................................................................................44
2.2.1 A questão da criminalização do aborto e o domínio sobre o corpo
feminino.....................................................................................................................50
2.2.2 A tutela da dignidade sexual, a cultura do estupro e o controle da
sexualidade feminina...............................................................................................55
2.3 Questões de gênero no âmbito do sistema penitenciário brasileiro...............62
2.4 Papeis de gênero e o tratamento à mulher no âmbito do sistema de justiça
criminal: em busca da concretização da igualdade...............................................68

CONCLUSÃO............................................................................................................76
8
REFERÊNCIAS..........................................................................................................80

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como objetivo estudar a cultura punitiva e questões


de gênero, especificamente direcionado quanto ao papel do sistema penal no
processo de consolidação da discriminação e da desigualdade entre homens e
mulheres. Diante do objetivo geral, a pesquisa será do tipo exploratória. Utiliza no seu
delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos
e na rede de computadores. Na sua realização será utilizado o método de abordagem
hipotético-dedutivo, observando os procedimentos de seleção bibliográfica e
documentos afins à temática em meios físicos e na Internet e interdisciplinares; leitura
e fichamento do material selecionado; reflexão crítica sobre o material selecionado e
exposição dos resultados obtidos através de um texto escrito monográfico.

Adentrando no objeto de estudo do respectivo trabalho, tendo em vista o


contexto atual, busca-se analisar a atuação do sistema penal brasileiro e suas
consequências sobre a mulher, bem como embasando-se na cultura punitiva histórica
e as manifestações de desigualdades de gênero presentes na sociedade, o estudo
busca, a partir de um resgate histórico, discutir o tratamento conferido a mulher no
âmbito do sistema de justiça criminal. Tendo como referência os valores da dignidade
da pessoa humana e da igualdade, questiona se e em que medida o sistema penal
brasileiro, quanto à sua operacionalidade, condiciona a mulher, seja ela autora ou
vítima de crimes, a um tratamento desigual reforçando a cultura patriarcal e machista
ainda presente na sociedade brasileira, reafirmando a hierarquização entre homens e
mulheres.

A sociedade brasileira no que tange a esfera penal, embora já tenha evoluído


significativamente em relação a questões de gênero, principalmente com o advento
da Constituição Brasileira de 1988, vive uma realidade ainda marcada pela
10
desigualdade no tratamento entre homens e mulheres. Como tal fenômeno não se
apresenta como um problema isolado da atualidade, o trabalho propõe-se a resgatar
um pouco da história, por que essa constitui a base para grande parte das
compreensões e hierarquizações ainda hoje existentes e que contribuem para a
discriminação contra a mulher, ainda perceptíveis, não apenas no âmbito normativo,
mas também da realidade operacional do sistema criminal.

O foco do trabalho direciona-se, especificamente ao processo desigual de


tratamento bem como de controle a mulher, tanto na área penal como indivíduo social
e, pesquisa historicamente o início desse processo de controle, o qual se origina na
família, que resulta em vários tipos de situações de violência à mulher. Como parte
integrante da estrutura social, o sistema penal muitas vezes potencializa a
discriminação e a violência contra a mulher presente na sociedade, afastando-se de
sua função primordial que deveria ser a proteção da mulher contra todas as formas
de violência, em especial a vitimação sexual, ainda oriunda da cultura machista e
patriarcal hegemônica. Porém, sob a operacionalidade que se é imposta, o sistema,
infelizmente, também a vitimiza, atuando como uma espécie de violência institucional,
que se apresenta sob várias fases, produzindo, muitas vezes, como resultado, o
reforço da desigualdade social, seja ela de gênero ou socioeconômica.

Deste modo o trabalho propõe-se a analisar as formas de atuação do sistema


penal em relação à mulher, seja ela vítima ou autora de delitos, analisando em que
medida tal atuação ainda é influenciada pela cultura do patriarcado, ainda é bastante
constante na sociedade atual. Tais reflexões são necessárias, uma vez que permitem
analisar em que medida o sistema penal promove ou viola o princípio da Igualdade,
consagrado constitucionalmente no ordenamento jurídico brasileiro, o qual presa pela
não discriminação entre pessoas.

Diante de uma realidade construída sob bases históricas de um processo de


construção de papeis hierarquizados de gêneros, busca-se compreender e em que
medida tal sistema contribui para consolidação do patriarcado e da hierarquização
entre homens e mulheres e em que medida a desigualdade se reproduz no âmbito do
sistema penal brasileiro atual, tendo como referência a programação normativa e

11
também a real operacionalidade do sistema em relação aos crimes que mais
frequentemente envolvem mulheres, seja na condição de vítimas ou autoras.

Tal desenvolvimento se fará com uma análise de algumas questões que


permeiam as mulheres em sociedade, tanto vítimas como infratoras, sendo relevante
amparar a pesquisa em valores que fundamentam a sociedade democrática a qual
pertencemos, tais como a dignidade, igualdade, cidadania. Diante disso, o primeiro
capítulo do trabalho abordará aspectos mais históricos, imprescindíveis à construção
dessa pesquisa, como se deu, com o passar do tempo, o desenvolvimento da cultura
patriarcal insistente na sociedade contemporânea e a consequente desigualdade
entre homens e mulheres. Trará também conceitos que possibilitam um melhor
entendimento da diferenciação entre o que é gênero e o que é sexo, assim como
analisará a situação desigual entre homens e mulheres diante da ordem jurídica
brasileira, bem como os avanços conquistados a partir da Constituição Federal de
1988. Especificamente quanto ao Direito Penal, foco deste trabalho, a contribuição
histórica do sistema criminal para a construção dos papeis hierarquizados entre os
gêneros.

Já no segundo capítulo, o qual volta-se diretamente ao sistema de justiça


criminal, abordando aspectos que demonstram as manifestações das desigualdades,
porém também das igualdades conquistadas, com relação aos gêneros dentro do
sistema penal. E analisa questões que diretamente permeiam a figura feminina,
enfatizando os crimes da mulher e contra ela praticados, com especial enfoque na
questão da criminalização do aborto e o domínio sobre o corpo e sexualidade
feminina, a tutela da dignidade sexual e questões como a cultura do estupro. A
pesquisa também faz uma análise do sistema carcerário brasileiro e do processo de
expansão do encarceramento feminino, aonde mais se demonstra as desigualdades
impostas ao gênero feminino, como a ausência de estrutura especifica a condição
biológica da mulher e o envolvimento feminino no crime. E finaliza com apontamentos
positivos do sistema, os avanços em prol ao gênero feminino, em especial às
legislações voltadas à proteção da mulher como a Lei n° 11.340/2006, popularmente
conhecida como Lei Maria da Penha, e a Lei Federal nº 13.104/2015, a Lei do

12
Feminicídio, que são reflexos dos altos índices de violências físicas e ataques à vida
das mulheres no país.

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1 DIGNIDADE HUMANA, PAPÉIS DE GÊNERO E DESIGUALDADE NO ÂMBITO
DO SISTEMA PENAL: ASPECTOS CONCEITUAIS E HISTÓRICOS

Abordar-se-á no presente trabalho a questão punitiva que se direciona a mulher,


causando-lhe discriminação e desigualdades com relação aos homens, e como este
processo é iniciado pelas imposições do poder familiar ao gênero, perpetuadas por
uma cultura em que predomina o sistema patriarcal de dominação da figura feminina
e que reflete consequentemente, na operacionalidade do sistema de justiça criminal.

Diante dessa realidade, e com objetivo de buscar clareza sobre tais culturas
discriminatórias e desiguais entre homens e mulheres, serão analisados aqui, alguns
valores que fundamentam as sociedades democráticas ocidentais e que se encontram
consagrados no texto da Constituição Brasileira de 1988. Valores que representam os
fundamentos do Estado Democrático de Direito e buscam assegurar a igualdade de
todos, negando violência e a discriminação em todas as suas formas seja a raça, a
classe social, a opção sexual, entre outros.

1.1 Os valores da dignidade e da igualdade no Estado Democrático de Direito

A Constituição Federal de 1988 no caput do seu artigo 1º estabelece de maneira


expressa de que forma se constitui o Estado brasileiro bem como elenca seus
respectivos fundamentos:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político. (BRASIL, 2010, p. 2).

O valor democrático como um princípio, é considerado um dos fundamentos da


República e entende-se o Estado Democrático de Direito como a organização política
em que o poder emana do povo, exercendo-o diretamente ou por meio de
representantes. E ainda, quanto às relações entre Poder e o indivíduo, considera-se
democrático aquele Estado que se empenha em assegurar aos seus cidadãos o
exercício efetivo dos direitos civis e políticos e, sobretudo, dos direitos econômicos,
14
sociais e culturais, caso contrário de nada valeria sua proclamação (MENDES;
COELHO; BRANCO, 2009, p. 171).

Estado democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade,


não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação
melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo,
ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem
e passa a agir simbolicamente como fomentador da participação pública no
processo de construção e reconstrução de um projeto de sociedade,
apropriando-se do caráter incerto da democracia para veicular uma
perspectiva de futuro voltada à produção de uma nova sociedade, onde a
questão da democracia contém e implica, necessariamente, a solução do
problema das condições materiais de existência. (STRECK; MORAIS, 2010,
p. 97).

Deste modo, no Estado Democrático de Direito o exercício do poder visa,


sobretudo, construir uma estrutura jurídico-política com o máximo respeito aos direitos
fundamentais de todo cidadão, uma vez que este sistema é regido por uma Carta
Maior, a qual se denomina Constituição Federal.

Em suma, é o princípio diretivo do processo político que cria e torna eficaz o


poder estatal, bem como serve de agente limitador deste mesmo poder, pois
o domínio por ela fundamentado encontra-se previamente limitado e
vinculado pela Constituição. (GUERRA, 2012, p. 41).

Além disso, o princípio democrático age e deve agir de forma a institucionalizar


no âmbito do poder público, a soberania popular, mediante um processo sereno de
convívio social, em uma sociedade fundada na dignidade da pessoa humana,
princípio o qual, reforça o entendimento do valor supremo na ordem jurídica que
enaltecem a proteção e integração das pessoas pelos direitos já consagrados.

A expressão “Estado de Direito” tem origem com as revoluções Americana e


Francesa e com o nascimento da doutrina liberal, entre os séculos XVIII e XIX, quando
consolidam um processo de limitação do poder estatal já iniciado anteriormente frente
aos indivíduos, cujos princípios como a legalidade, a liberdade e a igualdade entre as
pessoas passam a cercear o arbítrio dos detentores do poder. Com base no
Liberalismo, que visa firmar direitos naturais, tem-se a concepção dos direitos
fundamentais.

Esse era o direito de liberdade num dos dois sentidos principais do termo, ou
seja, como autodeterminação, como autonomia, como capacidade de legislar
15
para si mesmo, como antítese de toda forma de poder paterno ou patriarcal,
que caracterizara os governos despóticos tradicionais. (BOBBIO. 1992, p.
86).

Deste modo, emerge o princípio da legalidade, a partir do qual a autoridade


máxima seria a lei e o poder legislativo, cujo principal objetivo é delimitar o poder do
Estado, passando a vigiar a aplicação das liberdades e igualdades já positivadas, ou
seja, com função de um Estado-Polícia.

Porém, com o passar do tempo o Estado liberal enfraqueceu, com a


industrialização que gerou intensa miséria humana e super exploração da mão de
obra, pela formação de um capitalismo, comprometendo a dignidade das pessoas.
Com isso, passaram a ser revistos valores os quais anteriormente eram
imprescindíveis para a proteção da liberdade. E o Estado além de garantir as
liberdades, investe no bem-estar do indivíduo, promovendo a dignidade à saúde,
educação, trabalho, resultando no nascimento do Estado Social (welfare state)
(GUERRA, 2012).

Em 1919, com a Constituição de Weimar, carta que serviu de modelo para


outras, houve a crescente constitucionalização do Estado Social de Direito, cujo texto
versava sobre os direitos sociais e a responsabilidade das instituições encarregadas
dessa missão, consubstanciando assim, a conversão das aspirações sociais em
direito positivo, elevando-as como princípios constitucionais protegidos pelas
garantias do Estado de Direito (MORAES, 2009, p. 3-4).

[...] e, finalmente, social, no qual os indivíduos, todos transformados em


soberanos sem distinções de classe, reivindicam – além dos direitos de
liberdade – também os direitos sociais, que são igualmente direitos do
indivíduo: o Estado dos cidadãos, que não são mais somente os burgueses,
nem os cidadãos de que fala Aristóteles no início do Livro III da Política,
definidos como aqueles que podem ter acesso aos cargos públicos, e que,
quando excluídos os escravos e estrangeiros, mesmo numa democracia, são
uma minoria. (BOBBIO, 1992, p. 100).

Conforme tal pensamento, o Estado Social amplia o rol de direitos fundamentais,


tendo as liberdades e igualdades positivadas o amparo do Estado para sua real
efetivação. Estabelece-se a partir daí uma série de direitos sociais que passam a exigir
do estado atuações positivas no sentido da efetivação da igualdade.

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Segundo Dallari (2012) a transição do mundo medieval para o mundo moderno,
marcado pelo término do sistema absolutista, consolidou definitivamente o Estado
moderno e a ideia de ser o homem portador direitos naturais, sendo inúmeros os fatos
históricos que contribuíram para dar fundamento ao que hoje chamam-se direitos
humanos. Porém, o marco principal e de maior significância na consolidação desses
direitos foi a Revolução Francesa (1789), da qual derivou a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, um dos principais documentos históricos de cunho
universal, sem as limitações religiosas impostas da época.

Foram esses movimentos e essas ideias, expressões dos ideais


preponderantes na Europa do século XVIII, que determinaram as diretrizes
na organização do Estado a partir de então. Consolidou-se a ideia de Estado
democrático como o ideal supremo, chegando-se a um ponto em que nenhum
sistema e nenhum governante, mesmo quando patentemente totalitários,
admitem que não sejam democráticos. (DALLARI, 2012, p. 150).

Portanto, o Estado Democrático de Direito, de acordo com sua evolução,


consagra a necessidade da normatização dos direitos do homem, assegurando não
apenas os direitos de liberdade, mas também os direitos sociais e coletivos.

Essa evolução foi acompanhada pela consagração de novas formas de


exercício da democracia representativa, em especial, com a tendência de
universalização do voto e constante legitimação dos detentores do Poder,
fazendo surgir a ideia de Estado Democrático. (MORAES, 2009, p. 4).

Ademais, não se restringe ao Estado Democrático de Direito apenas ao exercício


dos direitos políticos, mas também, e principalmente, novas formas de interpretação
das funções do Estado e do próprio conceito de democracia. Dentre outras, podem-
se estabelecer algumas características do Estado Democrático de Direito, como a
soberania popular; possuir uma Constituição escrita refletidora da sociedade; respeito
ao princípio da separação dos poderes; reconhecimento dos direitos fundamentais;
igualdade de todos perante a lei; responsabilidade do governante; garantia de
pluralidade partidária; a legalidade se sobrepõe à vontade governamental
(ZIMMERMMAN, 2002, p. 64).

Nestes estados a democracia representa além de um plano de gestão do poder


político indispensável à sociedade ou a sua imprescindível legitimidade, uma

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estratégia para o desenvolvimento de uma justiça social igualitária e dos meios para
corrigir as desigualdades constantes.

A democracia contemporânea apresenta como característica inicial, no


campo das ideias e como fundamentos apriorístico, uma determinada
concepção acerca da natureza do homem e da sociedade, isto é, uma
concepção do homem como ser racional e livre compondo uma sociedade.
Da concepção de que os homens são iguais e livres por natureza, resulta que
nenhum deles tem o direito inato de mandar nos demais e como todos são
racionais podem governar-se a si mesmos (LÓPEZ apud GUERRA. 2012, p.
35).

Deste modo, passa assegurar o valor a democracia, ao longo de seu texto, a


Constituição consagra um conjunto significativo de valores que sob a forma de
princípios fundamentais e garantias jurídicas buscam efetivar valores como da
dignidade da pessoa humana e da igualdade de acesso aos direitos.

Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca


e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo
respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando,
neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que
assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e
desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas
para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa
e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão
com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres
que integram a rede da vida. (SARLET, 2011, p. 73).

A dignidade da pessoa humana representa, portanto, um dos fundamentos das


sociedades democráticas. Este é o teor do art. 1º da Constituição Brasileira de 1988
quando o estabelece, em seu inciso III, supracitado no início deste item.

Conforme preceitua Sidney Guerra (2012), a dignidade da pessoa humana, tem


origem no pensamento cristão, em decorrência do legado deixado por Jesus Cristo e
seus seguidores, dando ao homem valor individual e único, com olhar fraterno e
solidário ao próximo, resultando na noção de igualdade entre os homens. Mas com o
advento da Revolução Industrial, o início do capitalismo gerou intensa exploração e
miséria humana, comprometendo a dignidade, passando a ser revistos valores antes
imprescindíveis à liberdade, fazendo com que o Estado se preocupasse com o bem-
estar das pessoas.

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Mas como maior fundamento de existência do princípio da dignidade da pessoa
humana, têm-se as atrocidades praticadas durante a 2ª Guerra Mundial, quando a
Alemanha Nazista violou gravemente a dignidade das pessoas sob argumentos
estatais. Tais violações eram praticadas em campos de concentrações, consistiam
em massacres a populações judias, ciganos, entre outros e foram fundamentais para
elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 (GUERRA, 2012).

Tais fundamentos também se espalharam por outros países, inclusive o Brasil,


que por atrocidades produzidas na época da Ditadura Militar como torturas e
desrespeito para com o cidadão, estimularam o constituinte brasileiro de 1988 a
introduzir em seu texto constitucional, a dignidade da pessoa humana como um dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito (SILVA, 1998).

Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana está intimamente ligado à


garantia de direitos básicos para o digno andamento vital de uma pessoa, pois na falta
destes, os direitos as liberdades cairiam em total esquecimento. Direitos que
Constituição de 1988 elenca em seu artigo 5º:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,


garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos: (BRASIL, 2010, p. 3).

Estando atrelada aos direitos fundamentais, a dignidade humana exige o


reconhecimento não apenas formal às liberdades dos cidadãos, mas também a
consolidação de direitos sociais e coletivos, bem como a atuação do estado no sentido
da superação das desigualdades em âmbito econômico e social, contraditórias à
justiça e paz social, à equidade, à dignidade da pessoa humana e aos preceitos
versados pela Constituição Federal vigente.

Decorrem da ideia de dignidade os demais direitos fundamentais, dentre os


quais se destacam o direito à liberdade e a igualdade. “A sociedade de livres e iguais
é um estado hipotético, apenas imaginado” (BOBBIO, 1996, p. 8). A partir dessas
palavras, Bobbio corrobora com o significado desses valores na sociedade de hoje,

19
uma sociedade democrática que presa pelos valores da dignidade o qual abrange
inúmeras garantias fundamentais, mas especificamente ao direito da igualdade, não
concretizado na prática, uma vez impedido por desigualdades dominantes na vida
diária das pessoas.

A Constituição Federal adotou o princípio da igualdade de direitos, que sustenta


o tratamento equitativo entre todos os cidadãos quando se tratar principalmente do
acesso aos mesmos. E ao vedar as diferenciações arbitrárias e discriminações
absurdas, ainda elenca em seu artigo 5º, inciso I o tratamento isonômico entre homens
e mulheres:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição;
[...] (BRASIL, 2010, p. 3-4).

Portanto, como evidencia-se no teor do referido artigo da Carta Constitucional,


não se aceita, em nenhuma hipótese, discriminações baseadas em questões de
gênero neste país. Essa condição de igualdade teve grande avanço com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, gerando impactos positivos
especificamente na vida social da mulher, cuja conquista significou a potencialização
da emancipação feminina, diante das culturas machistas dominantes da época. E até
os dias atuais, vem se fazendo presente nas lutas e conquistas pelas garantias dos
direitos de igualdade a todos aqueles pertencentes ao Estado Democrático de Direito.

1.2 Cultura patriarcal, discriminação e gênero: a construção histórica da


desigualdade entre homens e mulheres

Determina o art. 5º, I, da Constituição Federal, que “homens e mulheres são


iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Embora
expressamente consagrada no texto constitucional juntamente com as conquistas
femininas do século XX, que há tempos conviviam com princípios discriminatórios e
patriarcais do Código Civil de 1916, a igualdade de gênero infelizmente ainda não se
configura como realidade no Brasil atual.

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A análise de equidade na sociedade brasileira apresenta, em alguns aspectos,
resultados positivos à mulher como, por exemplo, a expectativa de vida em média
superior aos homens e também, quanto aos melhores níveis de educação. Em
contrapartida, mesmo com o aumento da participação feminina em todas as esferas
da sociedade, a desigualdade de gênero ainda persiste, em especial no mercado de
trabalho, e se faz presente em fatores como a discriminação salarial, uma vez que
esta quando ao ocupar as mesmas funções masculinas é remunerada de maneira
inferior. É o que entende Dias (2008, p. 6) ao observar que “[...] A mulher ainda está
fora do mercado de trabalho mais qualificado, ganha menos no desempenho das
mesmas funções, tem dupla jornada de trabalho, ou seja, ainda não dá para falar em
igualdade. ”

A dupla jornada de trabalho feminina, como versa a autora, somam-se às


diferenças históricas entre os gêneros no mundo do trabalho, e configura-se como
uma carga maior para a mulher no que tange aos afazeres domésticos, bem como o
cuidado com as crianças, idosos e pessoas com deficiências, cujas atividades não
são remuneradas no âmbito privado.

O estigma de “homem-provedor” e “mulher-cuidadora” também está


implicitamente ligado com o direito à licença maternidade na legislação constitucional
e trabalhista brasileira, dado que tais dispositivos garantem licença de 120 dias (quatro
meses) à mulher e apenas 5 (cinco) dias ao homem. A disparidade dos prazos mostra
uma situação que constitui uma repartição de tarefa doméstica, pressupondo que a
mulher tem responsabilidade muito maior de cuidar do filho recém-nascido, o que não
compatibiliza com o artigo 5º CF/88, que versa sobre o Princípio da Isonomia, bem
como o parágrafo 5º do art. 226 da mesma, o qual diz que ambos os pais possuem
igual responsabilidade para com os filhos. O detalhe e, que preocupa muito, é que
muitas vezes tal situação desproporcional, se mantém por todo o crescimento da
criança.

Outro aspecto fundamental das desigualdades entre homens e mulheres no


mercado de trabalho, “que contribui para o desequilíbrio entre oferta e demanda é a

21
segregação ocupacional que torna o leque de profissões femininas mais estreito do
que o masculino” (ALVES; CAVENAGHI, 2013, p. 95). A partir disso, é possível identificar
um número de desemprego masculino consideravelmente menor do que em relação
ao grupo feminino, visto que aos homens são oferecidas mais oportunidades.

Questões relacionadas ao corpo feminino, bem como opressão e sexualidade,


enraizadas por uma cultura misógina, também são fatores pertinentes às
discriminações ainda persistentes na atual sociedade e que desencadeiam mais um
tipo de desigualdade entre homens e mulheres. Deste modo, pode-se dizer que o
patriarcado, ideologia que está na base do controle dos corpos e da sexualidade
feminina, é a principal causa para a opressão da mulher.

Sob as palavras de Adriana María Valobra, tem-se a opressão ao corpo e


imagem da mulher, sendo-lhe imposta uma culpabilidade diante da violência sexual
diante da natural sensualidade feminina, pois, segundo a autora “[...] Em esse sentido,
El cuerpo de lãs mujeres y todo lo femenino se convierte em um portador de
provocación, uma sensualidad inusitada e anadmisible” (VALOBRA, 2009, p. 126).

Tal compreensão, impregnada no âmbito da sociedade, quanto à conduta


provocativa feminina, desencadeia outros problemas de discriminação e violência,
uma vez que busca justificar o abuso e dominação do corpo feminino pelo masculino,
num processo de culpabilização das vítimas e de justificação da atitude dos
agressores. Incluindo também questões referentes às diferenciações das atividades
e comportamentos entre os gêneros, naquilo que se caracteriza como sendo
destinado à mulher, como ser submissa às “ordens” masculinas e manter uma
aparência “decente”.

Para Verucci (1987, p. 85) “A liberdade sexual deve ser encarada como direito
fundamental do indivíduo [...]”, ideia esta que se contrapõem com o que ainda se
reproduz na sociedade atual quanto à sexualidade feminina. O código penal de 1940,
ao descrever os delitos contra a liberdade sexual, por exemplo, tinha como objeto
primordial de proteção os costumes, vinculando a proteção de mulheres a uma
postura de honestidade feminina no campo da sexualidade, o que exigia destes

22
padrões comportamentais de recato e pudor. Este código “enfatizava a honra
masculina e honestidade feminina, a autoridade do pai baseava-se simbolicamente
no seu controle da sexualidade da mulher” (CAULFIELD, 1996).

Depreende-se, portanto, que historicamente a mulher tem sua sexualidade


controlada por figuras masculinas que a rodeiam, e que sobre ela depositam uma
obrigação de “virgindade” como uma virtude individual ou uma ideia moral. Segundo
Verucci (1987, p. 20) “A virgindade da mulher era guardada pelo patriarca e por outros
membros da família, pois a honra da família girava em torno da “virtude” da mulher
subserviente a dirigir a intensa faina doméstica”.

Apesar desses costumes retrógrados praticamente não existirem mais, ainda


percebe-se uma cultura hegemônica, que de um lado retira da mulher o direito de
controlar sua liberdade sexual e, de outro, tende a culpabilizá-la diante dos eventuais
atos de violência sofridos.

Mister é dizer que as desigualdades de gênero no meio social, caracterizam-se


como violências disfarçadas sofridas pelas mulheres em sociedade, mas sem dúvida
a maior manifestação de desigualdade, ainda frequente no Brasil, é a violência física
contra a mulher. Diante dela, recentes dispositivos legais foram aprovados visando
prevenir a violência e proteger a mulher vítima de agressão. A Lei 11.340/2006,
conhecida como Lei Maria da Penha, visa coibir a violência doméstica e familiar contra
a mulher, sendo aprovada em razão de condenação do Brasil pela Organização dos
Estados Americanos – OEA e enfrentando resistência de membros do próprio
Judiciário Brasileiro, tendo real efetivação somente com os inúmeros movimentos
feministas que acompanharam seu processo legislativo (BLAY, 2009, p. 45). E,
recentemente, a Lei do Feminicídio, Lei Federal nº 13.104/2015, a qual classifica como
crime hediondo a violência causada em situações vulneráveis tais como gestantes,
menor de idade, na presença dos filhos, entre outros.

Entende a lei que existe feminicídio quando a agressão envolve violência


doméstica e familiar, ou quando evidencia menosprezo ou discriminação à
condição de mulher, caracterizando crime por razões de condição do sexo
feminino. (WAISELFISZ, 2015, p. 7).

23
Institutos como Flacso, juntamente com a ONU-Mulher, OMS/OPAS, a PNS
2013, IBGE e a Secretaria de Políticas para as Mulheres, consideraram oportuno e
necessário atualizar os dados da violência, cujo objetivo é verificar a evolução recente
deste problema no Brasil e no mundo. E dos índices internacionais, com base nos
dados fornecidos pela Organização Mundial da Saúde, infelizmente, de um grupo de
83 países, o Brasil ocupa a 5ª posição, cuja taxa de homicídios a mulheres é de 4,8
por 100 mil habitantes, evidenciando índices excessivamente elevados no quesito
violência (WAISELFISZ, 2015).

Conforme os registros do Sistemas de Informação de Mortalidade (SIM), da


Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS), no período
entre 1980 a 2013 obtiveram um resultado de 106.093 homicídios femininos no país,
um aumento de 252%, com idades entre 18 a 30 anos, sendo que entre o maior
número de vítimas estão as mulheres negras. Antes da vigência da Lei Maria da
Penha (até 2006) os homicídios cresceram 7,6% ao ano, depois de 2006 até 2013,
teve uma queda de 2,6%. Como instrumento utilizado nos homicídios vem liderando
com 48,8% a arma de fogo, geralmente no domicílio da vítima (27,1%), o que se
evidencia a violência doméstica, cujos agressores na sua maioria são os parentes
imediatos, parceiros ou ex-parceiros da vítima, no alcance de 67,2% (WAISELFISZ,
2015).

Os índices apenas atualizam um quadro crítico do qual já se tem conhecimento,


e infelizmente são extremamente consideráveis os índices de violência contra a
mulher, impulsionados pelo preconceito ao gênero, impondo à própria vítima, a culpa
pelas agressões, reinando assim a indiferença social a tantas mortes.

Contudo, relevante salientar que a violência contra a mulher, assim como a


cultura patriarcal de subordinação do feminino são fenômenos antigos, pois há tempos
se reproduz a ideia de uma superioridade masculina nas relações sociais, tornando
as mulheres passivas, dedicadas apenas à casa e a família, inteiramente
subordinadas ao pai e ao marido (BLAY, 2009). Tal realidade ainda encontra-se
impregnada na sociedade, possui raízes no sistema patriarcal, o qual, embora arcaico,
ainda perpassa traços de violência contra a mulher:

24
Organização sexual hierárquica da sociedade tão necessária ao domínio
político. Alimenta-se do domínico masculino na estrutura familiar (esfera
privada) e na lógica organizacional das instituições políticas (esfera pública)
construída a partir de um modelo masculino de dominação (arquétipo viril).
(COSTA, 2008, p. 4).

Extrai-se de tal pensamento, quanto a conceituação do patriarcado, que se fez


autoritário durante muito tempo, considerar a mulher como um objeto pertencente ao
homem, tanto perante à família como ao Estado, sendo ela fruto de uma educação
diferenciada, baseada na desigualdade entre as relações.

Inúmeros fatores culturais contribuíram para a consolidação do sistema


patriarcal, fatores estes que auxiliaram na formatação da ideia de superioridade
masculina, como os referentes a civilização judaico-cristã que ressaltava a
inferioridade biológica e intelectual da mulher, bem como as genealogias bíblicas, que
não listavam as filhas mulheres e a existência da submissão feminina nos livros do
Antigo Testamento (PONCHIO e SILVA, 2011).

Portanto, historicamente, a mulher vem sendo vigiada social e


discriminadamente, principalmente quanto à sua sexualidade, tendo uma intensa
regulação moral da mesma, exercida primeiramente pelo pai, depois ao marido, sob
uma relação baseada no poder e hierarquia total do homem. Tais relações de poder,
as quais desenvolvem-se na sociedade, se constituem através das diferenças
percebidas e as violências impostas entre os gêneros.

Faz-se necessário, portanto, fazer uma diferenciação entre sexo/gênero, uma


vez que são erroneamente confundidos, resultando em tratamentos desiguais e
discriminatórios contra a figura feminina. A categoria sexo designa a diferença natural
de corpos físicos do homem e da mulher, já a categoria gênero, mais ampla, faz
referências às relações feitas e mantidas no meio social, no que diz respeito aos
papeis sociais atribuídos ao longo da história a homens e mulheres.

E para auxiliar na diferenciação de tais termos, tem-se as palavras de Linda


McDowell (2009, P. 14) “Em primer lugar, El término «género» se utiliza em oposición

25
al término «sexo». Mientras que El segundo expresa lãs diferencias biológicas, El
primero describe lãs características socialmente construídas. ”

Também corroborando quanto as questões de gênero, Amílcar Torrão Filho


entende:

Ele pode lançar luz sobre a história das mulheres, mas também a dos
homens, das relações entre homens e mulheres, dos homens entre si e
igualmente as mulheres entre si, além de propiciar um campo fértil de análise
das desigualdades e das hierarquias sociais. (TORRÃO FILHO, 2004, p.129).

A partir de tais conceitos conclui-se que gênero carrega importantes subsídios


ao estudo das relações, direitos e deveres sociais entre as pessoas que independem
do fator biológico sexo. Porém, na prática, evidencia-se uma intensa imposição de
responsabilidades morais quando tratar-se dessas questões de gênero,
especificamente à mulher, uma vez que tal situação de inferioridade que lhe é
reproduzida, são fontes de violência e violação de seus direitos humanos.

Embora ao longo dos últimos anos as mulheres venham se emancipando em


razão das lutas feministas, e embora as mesmas estejam conquistando seu legítimo
espaço em sociedade, percebe-se que a mulher, ao longo da história tem sido vítima
de pensamentos sexistas e misóginos, ainda enfrentando intensas discriminações e
violências diárias. Tal realidade não mais se sustenta, em especial diante dos
fundamentos/valores do Estado de Direito, uma vez que neste, o ser humano, deve
ser reconhecido portador de direitos à sua cidadania, com o devido respeito e sem
distinção ao gênero, bem como capacidade de autodesenvolver-se e controle do
corpo e intelecto, eliminando características que as fragilizam e impõe-lhes
dependência masculina.

1.3 A histórica reprodução da desigualdade no âmbito da ordem jurídica


brasileira e o advento da Constituição de 1988

A trajetória das mulheres na luta pela emancipação da cultura patriarcal, bem


como as conquistas sociais que as impulsionam rumo à igualdade, são extremamente
relevantes, entretanto, muito recentes e caminham em marcha lenta e dificultosa no
que tange a sua efetivação.
26
No Brasil, o Código Civil de 1916, instituído pela Lei nº 3.070 do mesmo ano, sob
influência do Código Napoleônico, consiste, segundo Verucci (1987, p. 60) em “um
monumento ao confinamento da mulher ao lar e à maternidade como única forma
pessoal de realização”, o que para a época significou grande avanço, porém, conferia
à mulher intensa situação de subordinação ao marido. Este diploma normativo foi
elaborado por Clóvis Beviláqua em 1899, sendo uma codificação do final do século
XIX, portanto, retratando uma sociedade conservadora e patriarcal, ao consagrar a
superioridade masculina.

Transformou a força física do homem em poder pessoal, em autoridade,


outorgando-lhe o comando exclusivo da família. Por isso a mulher ao casar,
perdia sua plena capacidade, tornando-se relativamente capaz, como os
índios, os pródigos, e os menores. Para trabalhar, precisava da autorização
do marido. (DIAS, 2008, p. 1).

Segundo Dias (2008) a desigualdade e subordinação feminina ficavam


expressas já na redação do artigo 6º do referente código, uma vez que este
determinava serem “(...) incapazes relativamente a certos atos, ou à maneira de os
exercer: I – os maiores de 16 e os menores de 21 anos; II – as mulheres casadas,
enquanto subsistir a sociedade conjugal; III – os pródigos; IV – os silvícolas”. Como
percebe-se no artigo supracitado, a mulher figurava ao lado daqueles que ainda não
haviam conquistado a maioridade, bem como aos que culturalmente eram alheios à
cidadania civil, evidenciando, portanto, uma forma de vida da mulher casada, em
condição de obediência ao marido.

Questões relativas à anulação de casamento também eram possíveis como, por


exemplo, quando a mulher já fosse “deflorada”, ou seja, não fosse mais virgem à
época do matrimônio, assim como a existência de dúvidas do homem quanto à
paternidade dos filhos e o direito do pai em deserdar filha “desonesta”. Diante de tais
situações corrobora Prestes (2015, p. 61): “portanto, o que é justo à luz da lei, implica,
para a mulher, em uma forma de vida marcada na ordem do dever ser (virgem e fiel),
sem opções na ordem do querer ou poder. ”

À mulher também era imputado os apelidos do marido, como forma de


identificação familiar. O casamento era indissolúvel e, quanto aos vínculos
27
extramatrimoniais, além de irreconhecíveis eram punidos, recebiam o nome de
concubinato, situação a qual as mulheres eram geralmente as mais prejudicadas,
perdendo todos seus direitos jurídicos. Deste modo “[...] o casamento era a única
forma de constituição da família e nela imperava a figura do marido, ficando a mulher
em situação submissa e inferiorizada”. (MATOS; GITAHY, 2007, p. 86).

Quanto à conquista do voto feminino, explica Cleide Maria Silva Prestes (2015,
p. 56) este “[...] a rigor, desde a Constituição Federal de 1891 era permitido. O
impedimento era em consequência da interpretação da norma constituinte como
excludente do voto das mulheres [...]”. Ou seja, muito tempo antes de ser decretado
às mulheres, o voto feminino já estava implicitamente expresso na referida
Constituição, uma vez que seus artigos não elencavam a mulher como impedida de
votar. Entretanto, pelo fato de não estar ali elencada, bem como impedi-la à cidadania
plena, pois era sujeita à autoridade do pai e do marido, não obtinha, a mulher, o direito
de votar.

Posteriormente e, sob pressão da sociedade em favor do voto feminino, o


governo de Getúlio Vargas em 1932, editou o novo Código Eleitoral e finalmente, de
forma expressa e sem distinção de sexo, garantiu o direito da mulher em votar.

A Lei nº 6.121/1962, conhecida como Estatuto da Mulher Casada, modificou


vários artigos do Código Civil de 1916 e, foi um marco no que tange as conquistas de
direitos até então destinados apenas aos maridos. Com significativas alterações,
dispensou a autorização marital para a mulher exercer profissão ou litigar em juízo,
devolveu a capacidade plena com o poder familiar em relação aos filhos e também, o
direito de a mulher recorrer judicialmente quanto a escolha do domicílio, caso a
decisão do marido a prejudicasse, dentre outras modificações.

Entretanto, o referido Estatuto, em que pese tenha editado importantes


alterações com relação a mulher casada, ainda reproduzia uma cultura discriminatória
contra a mulher, mantendo-a em posição subalterna,

Todavia, a igualdade alcançada entre os cônjuges foi muito resumida, ainda


presente o preconceito. A autoridade do marido foi mantida, embora

28
estabelecido que essa autoridade deveria ser exercida no estrito benefício da
família, somente como “garantia da preservação da unidade familiar”.
Permaneceu também o direito do marido anular o casamento se descobrisse
que sua mulher não era virgem e o direito do pai deserdar a filha desonesta.
(MATOS e GITAHY, 2007, p. 81).

Depreende-se, portanto, conforme Prestes (2015, p. 106) “o próprio fato de a lei


referir-se apenas à mulher casada já demonstra a sujeição ao mundo masculino. É
como se a mulher só passasse a existir através do casamento”.

Em 1977 extinguiu-se a obrigatoriedade do uso do sobrenome do marido,


permitindo-se sua adoção facultativa, mediante a instituição da Lei do Divórcio, nº
6.515/1977, que se integrou ao Código Civil da época, bem como o direito à
dissolubilidade do vínculo matrimonial. Ainda que tenha trazido dispositivos favoráveis
à mulher, a nova lei limitou-se a substituir a terminologia “desquite” por “separação
judicial”, pois “manteve as mesmas exigências e limitações à sua concessão, visto
que ainda nessa época, acreditava-se na família constituída exclusivamente pelo
casamento indissolúvel e sob a impossibilidade de obter novas núpcias. ” (DIAS, 2008,
p. 2).

Diante de um cenário de luta contra um sistema patriarcal resistente, em 1988


foi promulgada a Constituição Federal Brasileira, considerada um marco para a
concretização da igualdade entre os gêneros, cujo direito é assegurado já no
preâmbulo do texto constitucional, como objetivo fundamental do Estado Democrático
de Direito, promover o bem a todos sem distinção de sexo (DIAS, 2008, p. 2).

Além de ampliar o conceito de família como entidade familiar, incluindo a união


estável entre homem e mulher e a família monoparental, conforme a redação do art.
226, também declarou também a proteção integral a todos e, em seu art. 5º, inciso I,
estabeleceu a igualdade jurídica entre homens e mulheres.

Com a previsão do artigo 226, parágrafo 5º, o homem deixou de ser o chefe
da sociedade conjugal e foi determinado que ambos exercessem os direitos
e obrigações conjunta e igualmente, não podendo mais a mulher ser
conduzida a um patamar de inferioridade para que não configure ofensa a
sua dignidade. (MATOS E GITAHY, 2007, p. 82).

29
Segundo Prestes (2015, p. 72) “com o advento da Constituição Federal de 1988,
a expressão mais usada, passou a ser ‘poder compartilhado’, a qual ainda mantém
uma rápida aliteração do ‘p’ (ainda resquício do patriarcal?) ”. Quanto aos filhos, a
Constituição também estabeleceu o princípio da isonomia, ao proibir quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação. “Havidos ou não da relação de
casamento, ou por adoção, todos têm os mesmos direitos e qualificações, conforme
parágrafo 6º do artigo 227”. (DIAS, p. 2).

Na seara trabalhista, a Constituição proporcionou à mulher o direito da não


diferenciação de salários; à licença maternidade sem prejuízos ao emprego e ainda,
creches e pré-escolas gratuitas aos filhos menores de seis anos. Entretanto, conforme
analisa Matos e Gitahy (2007, 83), a mulher ainda se encontra negativamente
desproporcional ao homem:

No trabalho, as mulheres brasileiras vêm conquistando seu espaço, sua


participação econômica e social tem crescido, mas ainda recebem cerca de
40% a menos que o homem, na mesma função e com nível de escolaridade
superior e, em determinadas ocupações seu acesso ainda é restrito. Além
dos baixos salários e dos preconceitos diante da discriminação presente no
setor trabalhista, a mulher ainda enfrenta a dupla jornada do emprego e do
lar.

Embora a Constituição Federal de 1988 tenha estabelecido a igualdade plena


entre homens e mulheres, não foi imediatamente recepcionada nas legislações
infraconstitucionais, pela falta de adequação, as quais mesmo sem eficácia,
mantiveram-se no ordenamento jurídico como letra morta da lei. Porém, embora a
jurisprudência majoritária considerar inconstitucional, ainda haviam decisões judiciais
pós Constituição, que, por exemplo, anulavam casamentos sob o fundamento do
artigo 219, inc. IV do Código Civil de 1916, o qual consistia no defloramento configurar
erro essencial sobre a pessoa, aonde o marido poderia pedir pela anulação
matrimonial (DIAS, 2008, p. 3).

Outros dispositivos do Código Civil de 1916 mantiveram, até a edição do novo


código, em 2002, normas que não correspondiam com a nova redação constitucional
igualitária entre homem e mulher. Sem sombra de dúvida, independente de tal

30
contradição, a Constituição Federal de 1988, tem relevante significado para a
promoção da dignidade feminina como confirma Prestes (2015, p. 82):

Desse modo, diante da negação de valores e afirmação de outros, em


especial com relação à mulher, conforme o nosso foco, podemos dizer que a
Constituição Federal de 1988 é um belo gesto, que transforma não só o
ordenamento jurídico, mas a sociedade brasileira. Esse acontecimento
repercute nas práticas semióticas em geral, mas essencialmente repercute
como uma mudança na forma de vida dos atores sociais e, o que em especial
nos interessa, uma transformação na vida da mulher brasileira.

Diante de uma análise superficial das situações em geral de subordinação e


lutas, em que viveram as mulheres no decorrer dos tempos, conclui-se que as
mesmas, historicamente, foram colocadas em posição de inferioridade entre os
gêneros. Tal discrepância é imposta pelo homem, mas também cultuada, muitas
vezes, pelas próprias mulheres, no que tange à submissão de valores patriarcais da
sociedade e modo de comportamentos femininos, os quais são passados de pai para
filho.

Quanto a esses valores cultuados pelas pessoas, servem os mesmos como


parâmetros para elaboração das diretrizes de uma sociedade, ou seja, as legislações
brasileiras, como um reflexo dos acontecimentos sociais, estipulam seus dispositivos
às obrigações femininas, como “bons hábitos” diante de sua família e sociedade,
favorecendo o homem na sua condição de sujeito de direitos.

1.4 A contribuição do sistema penal na reprodução dos papéis de gênero:


aspectos históricos

Como se viu, tanto no Brasil como em âmbito internacional, são notáveis os


avanços quanto a afirmação e garantia dos direitos da mulher, bem como a superação
de subordinação ao homem e uma melhor relação entre os gêneros. No entanto, tais
transformações ainda não superaram totalmente os resquícios patriarcais ainda
mantidos em sociedade, tampouco combatidos pela intervenção penal, visto que
historicamente, o sistema também age de forma discriminatória à mulher, colocando-
a em condição desigual ao homem.

31
Sabe-se que os sexos se relacionam desde os tempos primitivos, sob a ótica das
construções sociais, porém, incorreto é associar as questões de desigualdades entre
os gêneros com o processo natural de interação entre eles. Pois, segundo Safiotti
(apud NETTO; BORGES, 2013, p. 320) “a desigualdade surge da relação de
dominação-exploração da mulher pelo homem que são duas faces da mesma da
moeda”. Ou seja, junto da ideia de submissão da mulher ao homem tem-se a ideia de
contrato e, “(...) o direito masculino sobre o corpo feminino nasce com o direito de
punição da mulher por intermédio do contrato, caso ela não se enquadre entre os
padrões estabelecidos por homens e para eles, do que é ser mulher” (NETTO;
BORGES, 2013, p. 321).

E assim, na mesma concepção de dominação segue o direito penal, o qual


também serve em relação a mulher, configurando como um mecanismo de
manutenção do poder político-econômico, exercido por inúmeras formas de consenso
social que, se insuficiente, entra o poder coercitivo, sustentado pela falsa ideia da
igualdade de eleição, bem como de tratamento aos transgressores da lei.

Segundo Ponchio e Silva (2011, p. 11) “[...] em algumas épocas, a sociedade


ficou atrelada ao valor do “santo”, isto é, ao valor religioso, de modo que todos os
outros valores decorriam deste. ” Neste sentido, e diante dessa reprodução de valores
conforme a época vivida, constata-se que o sistema penal reproduziu os mesmos
valores no meio social e, portanto, sob influências patriarcais e machistas históricas
da sociedade, atuou, mesmo que indiretamente, de forma discriminatória em relação
a mulher.

Sob o contexto de penas baseadas no trabalho forçado em prol da produção


capitalista e acumulação de capital, a Escola da Criminologia Positiva direciona
atenções à mulher e, em 1893 o médico Cesare Lombroso em sua obra La donna
delinquente: la prostituta e la donna normale, preocupa-se com a figura feminina,
atualizando suas categorias em direção ao mesmo público, ao identificar suas
patologias criminógenas (LEAL, 2015, p. 5). Salienta-se, portanto, um dos principais
legados de Lombroso, na atualidade, a ideia de estereotipo, como uma forma de
identificação do criminoso ou criminosa:

32
Assim, identifica-se a mulher criminosa como figura feminina que não se
adaptou (por defeito em sua formação moral) à condição de subalternidade
intrafamiliar e a vida do lar, ou seja, de condução da casa, os filhos e do
império domiciliar (quando o patriarca está fora, no mundo do trabalho e da
política – no espaço público); ou ainda, que não se satisfaz com a inserção
no mercado de trabalho, realizando as tradicionais atividades femininas
menos valorizadas, ou ainda, realizando atividades iguais as do homem
percebendo valor inferior pelo simples fato de sua condição feminina; ou mais
que apresenta qualquer outra manifestação de distúrbio em sua formação
biológica ou moral, como relações afetivas tidas como anormais, vista como
pervertida, entendida como desonesta, prostituta, sem falar na rotulação de
louca, utilizadas como forma de patologização de pessoas com status social
um pouco mais elevado. (LEAL, 2015, p. 5).

Como corrobora Netto e Borges (2013, p. 321) quanto a função do direito penal
em relação à mulher:

Desta forma, fica clara a função do direito penal em relação às mulheres: a


punição, em última instância, por não exercerem o papel social definido para
o ser feminino pré-determinado pela ordem patriarcal de gênero. Ou seja, a
mulher que foge do padrão de normalidade entendido como o da reprodutora,
da mãe ou esposa.

Conclui-se que o sistema penal, no que tange a criminalização das mulheres,


tem por bases além do exercício do poder político e econômico de um Estado, um
Direito sob raízes patriarcais e machistas, que intensificam-se quanto maior for a
vulnerabilidade do grupo, que obviamente as mulheres configuram em maior número.

A questão central é que o sistema penal, estipulou historicamente uma


diferenciação entre homens e mulheres, especificamente quanto às questões
reprodutivas, intensificando as desigualdades por meio da dominação patriarcal. A
exemplo disso, tem-se as questões sobre a sexualidade, que mais incidem em
discriminações:

Historicamente, o exercício da sexualidade da mulher foi condicionado a ser


exercido somente com a finalidade de reprodução. Assim, o controle social
manifesta-se essencialmente, para regulação moral da sexualidade feminina.
De um modo geral, é possível afirmar que, da submissão à figura paterna, a
mulher passava a submissão ao marido. (PONCHIO e SILVA, 2011, p. 12).

Observa-se que o controle sexual da mulher manifesta-se em todos os âmbitos,


tanto penal como o familiar, escolar, midiático, entre outros, e que quando ao propagar
uma cultura machista, discriminam o feminino por expressões em meio social, as
33
quais atingem diretamente a dignidade da mulher, pela forte carga de violência que
carregam.

No âmbito do Sistema Penal um dos melhores exemplos do tratamento desigual


à mulher diz respeito, na perspectiva histórica, ao tratamento da sua sexualidade e da
liberdade sexual. Neste campo, pode-se dizer, que foi criada uma cultura tutelar redor
da mulher, controlando-a particular e publicamente, bem como de opressão verbal e
física, consiste em um forte controle do corpo feminino, o qual embora tenha se
adaptado com a passagem do tempo, ainda não perdeu sua intensidade tampouco
sua essência discriminatória.

Segundo Gomes (2016, p. 66) “o corpo feminino tem sido vigiado e censurado
há muito tempo, desde a Antiguidade, com uma suposta inferioridade frente ao corpo
masculino”, e na Idade Média, quando o poder punitivo e o sistema patriarcal
alinhavam-se, criaram-se normas para controlar as relações familiares e sexuais,
moralizando a vida em sociedade, segundo os padrões religiosos hegemônicos
naquele contexto.

Segundo Héritier (apud GOMES, 2016, p. 67) quanto ao domínio do corpo


feminino na Inquisição Medieval:

Na Idade Média, recuperou-se grande parte de discursos que tiveram origem


na antiguidade ocidental e que versavam sobre a diferença entre o sexo
masculino e o feminino com base na inferioridade da mulher, que se resumia,
dentre várias falas sobre a fisiologia, ao seu útero e aos seus líquidos, que
determinariam a vivência da mulher e o seu caráter, bem como sua condição
psicológica, tendente ao desequilíbrio.

Os estereótipos de fraqueza e instabilidade foram, portanto, constantemente


associados ao sexo feminino e consolidando com o passar do tempo, uma cultura de
subordinação feminina frente o masculino, fator que pouco mudou até os dias atuais.
A medicina que trabalhava juntamente com o saber popular, tinha como ideia de o
corpo feminino ser o causador de todos os males, e que à mulher, destinava-se
apenas o espaço privado do lar, cuidando dos filhos e servindo ao marido. (GOMES,
2016).

34
Dentre outras situações de controle feminino, o que de mais relevante se
observa, é que essa misoginia social impregnou-se no sistema de justiça criminal e
se reflete na operacionalidade do Estado em relação a criminalidade feminina,
influenciado por uma ideologia machista, que estipula alguns papéis à mulher,
imputando-lhe deveres como, por exemplo, manter-se sempre honesta.

É através desses papéis definidos que o Estado irá limitar o corpo e


sexualidade feminina, taxando como mulher desonesta ou prostituta aquela
que se negar, por exemplo, a manter relações sexuais com um só parceiro
ou parceira. Ou então sendo condescendente um preconceito social para
aquela que decidiu não ser mãe. Desta forma, a mulher autora de qualquer
desvio recebe inicialmente uma punição social, por não ter cumprido seu
papel, e caso esse desvio se configure em um tipo penal, irá também sofre a
punição formal do Estado que reproduz os valores reconhecidos na
sociedade. (NETTO; BORGES, 2013, p. 329).

Segundo Andrade (2005, p. 74-75), as análises promovidas no âmbito da


criminologia crítica, que se ocupam da compreensão “dos fenômenos e das
funcionalidades do sistema penal nas sociedades capitalistas e patriarcais”,
demonstram que tal sistema, duplicou uma violência iniciada na família e, sendo
seletivo e desigual, possui violência institucional plurifacetada, exercendo poder
também sobre as vítimas, reproduzindo as desigualdades de classes e de gêneros.

E ainda corrobora a autora (ANDRADE, 2005) no sentido de que o sistema de


justiça criminal, pressupondo a Lei e instituições de controle, na figura do Estado, é
monumentalmente percebido como sendo o “outro”, e que inclusive, não está só,
insere-se tanto como mecanismos de controle formais, como os informais, tais como
a família, escola, mídia em geral, mercado de trabalho, religião, entre outros. E que
simbolicamente, o sistema de justiça criminal, informalmente, somos todos nós, pois
em cada sujeito se desenha e opera, desde a infância, um microssistema de controle
e um criminal, que cotidianamente o reproduz.

Sabe-se, portanto, que o patriarcado sempre teve como foco o controle da


sexualidade feminina, deste modo, como o sistema de justiça criminal opera sob
bases androcentristas e patriarcais, reproduz uma violência de ordem moral, pública
e sexual, iniciando pelas expressões penais, que claramente confundem valores
morais e/ou religiosos.
35
A liberdade sexual deve ser encarada como direito fundamental do indivíduo
e a legislação brasileira confunde aspectos morais e religiosos do sexo como
os de liberdade, tanto que os crimes contra a liberdade sexual são
considerados crimes contra os costumes, quando deveriam ser considerados
crimes contra a pessoa. A violação desse direito vai desde a violência física,
muito usadas em assaltos para impedir que as mulheres vítimas dêem
queixas à polícia, intimidadas por tudo o que se falou anteriormente sobre o
estupro, até a pressão econômica, que ocorre na prostituição e na sedução
das mulheres que ocupam cargos subalternos por seus superiores; ocorrem
também atos de violência moral, como os incestos e ataques dos pais contra
as filhas, que incidem nas várias classes sociais, embora apareça mais na
classe pobre, pela promiscuidade na habitação. (VERUCCI, 1987, p. 85-86).

A autora faz referência ainda sobre o texto da legislação penal brasileira de 1940
que ocupava-se em tutelar os costumes, reproduzindo visões machistas e
conservadoras sobre o exercício da sexualidade da mulher que precisava ser honesta
para que fosse considerada vítima de um delito sexual. Somente com a Lei 12.015/09
que determinou o título atual, Dos crimes contra a Dignidade Sexual, encerrando o
conceito de intimidade, o texto e alinhou-se ao princípio da dignidade da pessoa
humana, um dos fundamentos da Constituição Federal, elencado no art. 1º, III da
CF/88.

Na redação anterior, segundo Verucci (1987, p. 84-85), crimes, por exemplo,


como “sedução” do art. 217 protegiam a virgindade feminina e deixavam de ser
punidos caso o autor casasse com vítima, o que demonstrava um aspecto primário da
perda virgindade, ainda resquícios da discriminação contra mulher. E que inclusive,
na tentativa de justificar a manutenção de tal dispositivo, atribuíam o fato de que em
muitas regiões brasileiras, a virgindade ainda era um valor, causador de conflitos entre
pessoas, o que evitaria que muitos pais pudessem fazer justiça com as próprias mãos.

Crimes também como o “Rapto” (arts. 219 e 220 do CP), revogados pela Lei nº
11.106/2005, tinham como sujeito passivo, única e exclusivamente a “mulher
honesta”, por não ter rompido com a decência exigida pelos bons costumes, ou seja,
qualquer outra moça que tenha um comportamento diverso dos conceitos de boa
conduta feminina, não tinha o direito de receber a proteção penal do Estado
(VERUCCI, 1987, p. 86).

36
Corrobora Daniella Georges Coulouris (2004, p.4) com relação a diferença da
honestidade feminina da masculina no passado:

Mas a honestidade das mulheres era relacionada a sua virtude moral no


sentido sexual, enquanto no caso dos homens, a honestidade era medida
pela sua relação com o trabalho. As mulheres de comportamentos
considerados inadequados não mereceriam a proteção da justiça. Da mesma
forma, estava praticamente excluída a possibilidade de condenar por estupro
um “cidadão de bem”, educado segundo as regras e normas da elite. No nível
do discurso jurídico não se entendia a separação entre trabalho e
honestidade. Não estava em questão o que havia sido feito, mas a conduta
total do indivíduo, aquilo que os acusados eram ou poderiam ser.

E Andrade (2005, p. 91-92) conclui que:

Desta forma, o julgamento de um crime sexual – inclusive e especialmente o


estupro – não é uma arena onde se procede ao reconhecimento de uma
violência e violação contra a liberdade sexual feminina nem tampouco onde
se julga um homem pelo seu ato. Trata-se de uma arena onde se julgam
simultaneamente, confrontados numa fortíssima correlação de forças, a
pessoa do autor e da vítima: o seu comportamento, a sua vida pregressa. E
onde está em jogo, para a mulher, a sua inteira “ reputação sexual” que é –
ao lado do status familiar – uma variável tão decisiva para o reconhecimento
da vitimação sexual feminina quanto a variável status social o é para a
criminalização masculina.

Embora esteja em vigor o mesmo Código Penal, alguns dispositivos foram


alterados no decorrer do tempo, na tentativa de uma melhor qualificação dos crimes
quanto à pessoa e não aos costumes. Porém, alguns dispositivos ainda mantêm
raízes discriminatórias, que perpetuam valores cultuados à época de quando o código
fora criado em 1940, como as práticas de aborto (art. 124 do CP), infanticídio (art. 123
do CP) e abandono de incapaz (art. 133 do CP).

Segundo Netto e Borges (2013, p. 330) “tais práticas delitivas possuem como
objetivo principal, dentre outros existentes, a ocultação da desonra própria”, visto que
em um passado não muito distante, ser “mãe solteira” era motivo para intensa
vergonha e escândalo social, e ainda persistem na sociedade atual.

A ideia de defesa da honra, aproveitando o “gancho”, significa para a mulher uma


vergonha caso ela fosse violada, mas para o homem, enquadrava-se como uma
justificativa para os homicídios passionais contra as mulheres, tratados de forma
leviana pela Justiça.
37
Embora a lei seja silenciosa, não havendo qualquer referência a esse tipo de
atenuante, muitos homens foram absolvidos do crime sob alegação de o
terem cometido “em legítima defesa da honra”. A legítima defesa é instituto
jurídico presente praticamente em todas as legislações. A extensão dessa
“defesa à honra” foi artifício criado por brilhantes advogados, que exerceram
o mandato de defensores dos inúmeros réus que, com isso, se livraram da
cadeia, conspurcando muitas vezes de forma execrável a memória das
vítimas, para que estas, aparecendo como traidoras, infiéis, ninfomaníacas
ou o que seja, transformassem o réu em vítima e a vítima em ré. (VERUCCI,
1987, p. 89).

Entretanto, apesar da legislação brasileira passar a agir mais rigorosamente com


relação a esse tipo de conduta masculinas, os índices de violência contra mulheres
ainda crescem, não tipificados como homicídios passionais, mas com a mesma ideia
de dominação e violência contra as mulheres.

Ao analisar questões que envolvem a desigualdade entre os gêneros, é possível


perceber que os fatores culturais, bem como os mecanismos de defesa e punição do
Estado se consolidaram no tempo mediante uma discriminação à pessoa,
especificamente à mulher, consolidando os estereótipos misóginos da sociedade. E o
concretizam de forma a controlar o corpo e a sexualidade feminina, dominadora e
preconceituosamente, atribuindo a ela uma conduta constantemente passiva ao
poderio masculino, e caso venha a ser diferente, recebe em troca o desprezo
humilhante de uma sociedade intimamente patriarcal.

38
2 AS MANIFESTAÇÕES DA DESIGUALDADE DE GÊNERO NO ÂMBITO DO
SISTEMA PENAL BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

Em conformidade com os preceitos constitucionais aplicados no ordenamento


jurídico brasileiro, especificamente no que se refere ao direito à igualdade entre
homens e mulheres e ao direito de uma vida digna e o acesso à cidadania, o Direito
Penal como a área que cuida do controle das condutas humanas delinquentes e
tutelam direitos como a segurança moral, física e de vida, assume um papel diferente
daqueles que descrevem em seu código. Sua procedimentalidade, o modo como o
sistema funciona diverge do declarado, e reflete de uma sociedade construída sob
óticas discriminatórias especificamente para com a mulher, reproduzindo situações
humilhantes e degradantes a elas, infringindo o que de fundamental o ser humano
tem direito, a dignidade humana.

Nesse sentido, é fácil demonstrar tais situações quando se analisa a figura da


mulher no sistema penal, quando a ela limita-se o direito de controlar o seu próprio
corpo e a sua própria sexualidade, sem poder decidir daquilo que lhe é de natureza,
a reprodução, pois este poder encontra-se nas mãos de um sistema punitivo com
tendências a julgamentos moralizantes.

Quanto ao estupro, que embora enseja a tutela da dignidade sexual, ainda


registram-se processos seja judicial ou no meio social, que inferiorizam, estigmatizam
e ainda culpam as mulheres por terem sido violentadas sexualmente, e por isso
poucos casos chegam até os órgãos, devido à falta do cuidado e assistência
humanizada às vítimas de estupros. E um olhar sob o sistema penitenciário brasileiro,
o mais concreto exemplo de violações humanas e ao princípio de igualdade entre os
gêneros, com a falta de estrutura para necessidades femininas, o crescimento
populacional feminino na prisão, as causas que influenciam a entrada da mulher no
crime, geralmente associadas à submissão feminina ao masculino. São aspectos
importantes a serem analisados e que incitam um olhar mais cuidadoso, o que será
realizado no presente capítulo.

2.1 Sistema penal e Constituição

39
Desde os tempos remotos entende-se que a sociedade necessita de uma
estrutura disciplinadora, que possa regrar o convívio entre seus integrantes de forma
indispensável, a qual, caso venha ser desobedecida, irá gerar consequências àqueles
que transgrediram aos seus preceitos. A partir da contemporaneidade configurou-se,
na estrutura do sistema normativo das sociedades ocidentais, uma ramificação que
regula especificamente o exercício do poder punitivo estatal, o qual é chamado de
Direito Penal.

O Direito Penal regula as relações dos indivíduos em sociedade e as


relações destes com a mesma sociedade. Como meio de controle
social altamente formalizado, exercido sob o monopólio do Estado, a
persecutio criminis1 somente pode ser legitimamente desempenhada
de acordo com as normas preestabelecidas, legisladas de acordo com
as regras de um sistema democrático. (BITENCOURT, 2012, p. 35).

Essa forma de controle social que advém do Direito Penal não existe
isoladamente, pois este “é o segmento do ordenamento jurídico que detém a função
de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade
[...]” (CAPEZ, 2010, p. 19), penalizando-os com sanções mais rigorosas e, como tal,
também é produzido tendo em vista os valores fundamentais previstos na
Constituição. Isto é, o Direito Penal bem como todos os demais ramos do Direito,
possui como fonte basilar a Constituição, a qual impõem os preceitos jurídicos-penais
de maior relevância, criando e direcionando as leis punitivas do ordenamento jurídico
do país.

Portanto, as normas constitucionais vigentes em nosso país,


traduzindo a essência da razão social, a base principiológica de
conteúdo substancial, preconizam comandos de transformação da
realidade, buscam estabelecer a igualdade na medida em que se quer
construir uma sociedade mais justa e solidária, em que se postula a
erradicação (não apenas a redução) da pobreza e da marginalização,
enfim, o caminho para a redução das desigualdades sociais e
regionais. Esses comandos devem refletir-se para todos os ramos do
Direito, apresentando-se o Direito Penal como um dos instrumentos

1
A persecutio criminis compõem-se de dois momentos distintos: uma primeira fase pré-processual e
uma segunda fase processual. Na primeira fase, onde alberga-se a investigação preliminar, tem como
principal função angariar elementos informativos, objetivando desta forma, robustecer e subsidiara
opinio delicti do titular da ação penal. Na segunda fase, desencadeada em âmbito judicial, desenvolve
toda trama processual em si, onde as garantias constitucionais são asseguradas, como o contraditório
e a ampla defesa, devido processo legal, presunção de inocência e principalmente a dignidade da
pessoa humana.
(http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16458&revista_caderno=2,
2017).
40
para o alcance deste desiderato constitucional democrático.
(SBARDELOTTO, 2001, p. 81).

Também entende Mirabete e Fabbrini (2012, p. 8) que:

O Direito Penal, como os demais ramos das ciências jurídicas,


relaciona-se com o Direito Constitucional, em que se definem o Estado
e seus fins, bem como os direitos individuais, políticos e sociais. Diante
do princípio de supremacia da Constituição na hierarquia das leis, o
Direito Penal deve nela enquadrar-se e, como o crime é um conflito
entre os direitos do indivíduo e a sociedade, é na Carta Magna que se
estabelecem normas específicas para resolvê-lo de acordo com o
sentido político da lei fundamental, exercendo-se, assim, influência
decisiva sobre normas punitivas.

Diante da relação constitucional-penal, afirma Capez (2010) que o Estado sendo


democrático de Direito, além de proclamar formalmente a igualdade entre os homens,
impõe metas e deveres quanto à construção de uma sociedade livre, justa e solidária,
pela erradicação da marginalização; pela redução das desigualdades; pelo combate
a qualquer tipo de preconceito; pelo resgate à cidadania e respeito à dignidade
humana.

Sabe-se, portanto, que a ciência Penal deve sustentar-se nas normas


constitucionais de um estado, a partir disso avança-se com o instituto, no que tange à
sua procedimentalidade, conhecido como sistema penal, o qual carrega como base
normativa o Direito Penal.

Chamamos de “sistema penal” ao controle social punitivo


institucionalizado, que na prática abarca desde que se detecta ou
supõe detectar-se uma suspeita de delito até que se impõem e executa
uma pena, pressupondo uma atividade normativa que cria a lei que
institucionaliza o procedimento, a atuação dos funcionários e define os
casos e condições para esta atuação. (ZAFFARONI; PIERANGELI,
1999, p. 70).

Os autores Zaffaroni e Pierangeli (1999) ainda esclarecem que o sistema penal,


entendido num sentido limitado, abarca as ações de quem operacionaliza o controle
punitivo, como as instituições policiais, judiciárias e penitenciárias. Porém, visto de
forma mais ampla, incluem-se as ações controladoras e repressoras que
aparentemente nada têm a ver com o sistema penal, mas refletem na sociedade uma

41
realidade mais seletiva e estigmatizante do que igualitária e protetora da dignidade
humana.

Sabe-se quanto ao sistema penal, que o mesmo possui como maior objetivo a
regulação da vida em sociedade para promoção da paz social e para o controle da
violência, com a dominação estatal sobre a mesma, mas, em contrapartida, também
busca limitar o poder estatal diante das liberdades individuais, mediante as garantias
constitucionais.

Porém, segundo Zaffaroni e Pierangeli (1999, p. 77), na realidade, existem áreas


variadas do Direito que afirmam diferentes funções do sistema penal, por exemplo, a
Criminologia e a Sociologia do Direito Penal Contemporâneo, divergem a respeito.
Uma defende que o sistema possui função de criminalizar (quase que arbitrariamente)
pessoas de grupos mais humildes da sociedade para indicar aos demais os limites do
espaço social e outras, alegam a sustentação da hegemonia de um setor social sobre
o outro. Desta forma, cumpre o sistema uma função substancialmente simbólica frente
aos marginalizados ou aos próprios setores hegemônicos, pois é indiscutível que em
toda sociedade exista uma estrutura de poder com grupos hegemônicos e
marginalizados do poder punitivo, sustentada por uma das formas mais violentas de
controle social, o sistema penal.

Segundo Paulo Queiroz (2014, p. 415) a partir deste contraponto funcional que
o sistema exerce diante da sociedade, existem teorias deslegitimadoras
(Abolicionismo Penal e Minimalismo Radical)2, que insurgem contra a existência do
Direito Penal, recusando a legitimidade estatal, sob alegação de que o sistema mais

2 A perspectiva deslegitimadora abolicionista, nas suas diversas correntes, baseia-se em algumas


críticas centrais contra o sistema penal. Uma delas é o descrédito que atribui à prevenção geral,
afirmando que o direito penal é incapaz de motivar comportamentos subjetivos a fim de evitar os delitos,
uma vez que, a despeito da incriminação, diversos crimes – como o tráfico ilícito de entorpecentes, por
exemplo – continuam a se repetir sistematicamente. O minimalismo toma por base as mesmas críticas
que os abolicionistas levantam contra o sistema penal, diferindo destes por apregoar a necessidade do
direito penal, embora reduzido sua incidência a um mínimo necessário, restrita a um núcleo
absolutamente essencial de condutas particularmente danosas.
(https://jus.com.br/artigos/22596/breve-analise-sobre-o-abolicionismo-e-o-minimalismo, 2017).

42
gera problemas do que soluciona-os, devido às características criminógenas e
seletivas que carrega.

Explica o autor, por exemplo, que segundo a teoria do etiquetamento (labeling


approach), o sistema penal promove a reunião de inúmeros comportamentos
incomuns etiquetando-os como delitos, o que faz com que o crime caracterize-se
como um resultado do funcionamento do sistema, portanto, não existindo por
natureza. E assim sendo, o escopo da norma penal não é alcançado, como dissuadir
comportamentos delituosos, uma vez que quando alguém se abstém de delinquir, são
por questões de outra ordem que não o sistema penal. Também faz menção à
seletividade e a desigualdade do sistema punitivo, chamando atenção para os
inúmeros casos não penalizados, que passam distante da atuação do sistema,
configurando a chamada cifra oculta da criminalidade.

Observa também que o sistema penal possui caráter consequencial, ou seja,


intervém tardiamente no conflito, tendo uma eficácia limitada quando a causas do
delito, e também mostra-se criminógeno, uma vez que ao invés de coibir certas
condutas, cria condições para proliferação e surgimentos de outras. Bem como, dá
um tratamento entre vítimas e infratores, sem levar em conta a singularidade de cada
um, causando danos também aos protegidos e, ao intervir sobre as pessoas e não
sobre as situações, opera com base na culpabilidade individual, ignorando as
estruturas sociais (QUEIROZ, 2014).

Diante de inúmeras perspectivas deslegitimadoras do sistema penal, dá-se


ênfase aquela que, como objeto desta pesquisa, faz referência a contradição entre a
igualdade cominada normativamente, e a realidade operacional extremamente
desigual do sistema punitivo, o que não coincide com o compromisso do Estado
Democrático de Direito para com a sociedade, quando a estimular os valores
constitucionais, cujo caráter consiste na transformação da realidade social. Pois “o
que se pode vislumbrar, apenas, é uma igualdade formal, preconizada abstratamente
na norma penal” segundo Sbardelotto (2001, p. 90).

Explica Paulo Queiroz (2014, p. 417), quanto à seletividade arbitrária do sistema:

43
O sistema penal, quer quando da edição das leis (criminalização
primária), quer quando da sua aplicação e execução (criminalização
secundária), seleciona sua clientela, sempre e arbitrariamente, entre
os setores mais vulneráveis da sociedade, entre os miseráveis, enfim,
reproduzindo desigualdades sociais materiais. Por consequência, o
fato de as prisões se acharem superlotadas de pessoas pobres não é
acidental, porque inerente à lógica funcional do modelo capitalista de
produção, em cujo sistema o acesso aos bens e à riqueza se dá de
modo inevitavelmente desigual.

Destarte, o Direito Penal estabelecido no Brasil nem sempre se coaduna com os


princípios igualitários estabelecidos pela Constituição de 1988, na medida em que se
efetiva de modo discriminatório e desigual, no momento em que os meios do processo
de criminalização consistem seletivos e violentos diante dos indivíduos, legitimando
assim, uma desigualdade material entre as pessoas e deslegitimando uma atuação
igualitária do sistema entre as mesmas.

2.2 As manifestações da (des) igualdade de gênero na lei penal brasileira

Um olhar histórico demonstra que nas últimas décadas, o Direito Penal brasileiro,
em concordância com a Constituição de 1988, tem-se modificado beneficamente à
proteção e afirmação da igualdade de gênero, tendo permitido especificamente à
mulher conquistas gradativas de seus direitos humanos e sociais. Porém, ainda
evidenciam-se no sistema criminal, quanto à tal questão, resquícios patriarcais
resistentes aos valores igualitários, os quais como reflexo da atual sociedade, que em
tese, deveriam ser democráticos. O Código Penal Brasileiro, devido à época
conservadora do seu surgimento, na então década de 1940, ainda arraiga muitos de
seus dispositivos à laços dominantes à figura feminina, propagando proteção e
limitação a um ser considerado vulnerável e submisso.

Entre as situações que ainda emanam desigualdades entre os gêneros nos


dispositivos penais, registram-se, por exemplo, o art. 124 do Código Penal, no delito
de Aborto, a saber “Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho
provoque: ”, como uma prática especificamente feminina. No seguinte, art. 125, pune
o terceiro que provocar o aborto não consentido em gestante e também o art. 126,
que pune àquele que age em co-autoria com a gestante no caso do art. 124 do CP.

44
Depreende-se a severidade da legislação penal, pois segundo Farah (2015, p.
2) “a preocupação anterior era de proteger a saúde da gestante. O propósito foi
ampliado, para também proteger, como um todo, a vida humana”, desta forma,
permite-se o aborto, tão somente em duas hipóteses, às do art. 128 do CP, incisos I
e II, quando acarreta risco à vida da mulher e nos casos de gestação decorrentes de
estupros, excluindo a ilicitude da conduta.

Em contrapartida da proteção à vida, diante de uma norma penal repressiva e à


margem de uma sociedade que criminaliza a conduta das mulheres que abortam por
que desejam “salvar sua honra”, controlar os nascimentos ou por questões
econômicas ou religiosas, há um índice exorbitante de mulheres que morrem por
procurarem os abortos clandestinos.

[...] as piores leis são as altamente restritivas, pois conduzem à


realização de abortos ilegais perigosos. Tais leis não podem ser
observadas nem impostas pela autoridade, levando o sistema ao
descrédito e reforçando as desigualdades sociais, discriminando
contra os menos favorecidos. ” (FRAGOSO, 1990, p. 113).

Em razão dessa clandestinidade, o aborto ilegal é enfrentado como um problema


de saúde pública e sua prática, segundo Farah (2015, p. 7), “constitui no Brasil a
quarta causa de mortalidade, como informou o Ministério da Saúde”. Diante desse
contrassenso, percebe-se uma falha na efetividade da lei penal, uma vez que ao
legislar em prol da proteção à vida humana entre mãe e filho, tira da mulher a
assistência, pois a impulsiona a meios ocultos e ilícitos, dificultando seu caminho
quando ela se manifestar contrária a ele.

Outro tipo penal, enquadrado como crimes femininos, é o infanticídio, tipificado


no art. 123 do CP, a saber “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho,
durante o parto ou logo após”, tal dispositivo diferencia-se do aborto, pois no
infanticídio, já se tem o nascimento da criança. O código Penal em 1940, não mais
por motivo de honra, adota o critério fisiopsicológico, que são aqueles que levam em
conta desequilíbrios emocionais da mulher, fundamentando a frase “sob influência do
estado puerperal”, por isso o delito recebe uma pena mais branda, e não são
associados à alienação mental ou crueldade, os quais já são regulados pelo código.

45
Entretanto há ainda uma força moral que envolve o delito de infanticídio, devido
ao receio da mulher à exposição, vergonha e coerção familiar, e diante de tal
desespero, ela mata o filho indesejado, contrariando a tentativa do código em eliminar
as questões de honra.

O infanticídio é, principalmente e antes de tudo, um delito social,


praticado na quase totalidade dos casos (e é fácil a comprovação pela
simples consulta aos repertórios de jurisprudências), por mães
solteiras ou mulheres abandonadas pelos maridos, por mulheres
pobres e com prole numerosa. Raríssimas vezes, para não dizer
nenhuma, têm sidos acusadas desses crimes mulheres casadas e
felizes, as quais, via de regra, dão à luz cercadas do amparo do marido
e do apoio moral dos familiares. (PIAZZETA, 2001, p. 135-136).

Os fundamentos jurisprudenciais têm contrariado os preceitos do código criminal


atual, o qual baseia-se apenas na influência do estado puerperal, pois ainda usam
reiteradamente, os motivos honoris causa, cujo objetivo é ocultar uma maternidade
ilegítima e resguardar a honra diante da família e sociedade. Assim, entende Oliveira
(2012, p. 42) que “nos processos judicias, as razões que levam as mulheres a sofrer
essa espécie de depressão pós-parto, são quase sempre ignoradas, em nenhum
momento se ressalta a condição miserável dessas mulheres”.

A anormalidade feminina causa, além de um confronto dentro do


sistema jurídico, por não se prever um olhar sobre a mulher criminosa,
um confronto propriamente social, pois, como já apresentado, a mulher
que cometesse crimes assumia supostamente uma masculinidade
subsistente em sua personalidade, pela qual deixa de ser vítima e é
vista como efetivamente violenta. (MARTINS, 2008, p. 48).

Conclui-se que a real situação feminina, que vai da carência econômica e afetiva,
do medo do desemprego até a exclusão familiar e social, são os fatores que de fato
incidem nos crimes de infanticídio, diferentemente da justificativa cominada no código
penal, que na prática, efetiva-se contrária, reproduzindo característica seletiva e
discriminatória do sistema, as quais insistem em existir com o passar do tempo.

Entretanto, como uma das maiores desigualdades de gênero considera-se, a


violência contra as mulheres, que em linhas gerais, significa qualquer forma de
constrangimento ou força, que pode ser físico, psicológico, sexual, patrimonial ou
moral e, geralmente realiza-se entre o cenário das relações domésticas ou no seio
familiar, pelos seus próprios parceiros, filhos e pais, os quais, em tese, deveriam zelar
46
por seu bem-estar e proteção. Desta forma, e diante de uma realidade marcada pelo
alto índice de atos violentos e repugnantes contra as mulheres, bem como a
determinação de uma figura imprescindível na luta contra a violência doméstica,
chamada Maria da Penha, que durante 23 anos sofreou com agressões e duas
tentativas de assassinato, o qual de um restou paraplégica, resultantes de um
relacionamento abusivo de seu marido, nasceu a Lei Federal nº 11.340/2006, batizada
por Lei Maria da Penha.

A referida legislação, apesar de logo após sua aprovação, trazer, segundo


Izumino (2008, p. 1) “grandes novidades ao cenário jurídico nacional no que toca à
luta pela erradicação e a prevenção da violência praticada contra as mulheres”,
somente surgiu pela denúncia de Maria da Penha, ciente do descaso e impunidade
existente na legislação nacional, buscou ajuda à meios internacionais, bem como o
despertar de um olhar protetivo às mulheres vítimas de violência do Brasil. O país
signatário da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência
Contra a Mulher (“Convenção de Belém do Pará” de 1994) promulgada pelo Decreto
1.973/96, que cuida particularmente da violência em que vivem muitas mulheres na
América, foi denunciado por tolerar e também fazer-se algoz da violência sofrida por
Maria da Penha do seu então marido. O caso foi apreciado em 2001 pela CIDH, órgão
da OEA, e concluído que o Brasil não cumpriu o art. 7º da Convenção de Belém do
Pará, tampouco o 1º, 8º e 25º da CADH, recomendando o processo de reforma que
evite a tolerância estatal, o tratamento discriminatório com respeito à violência
doméstica contra a mulher no país e formas alternativas, rápidas e efetivas às judiciais
de solução de conflitos intrafamiliares (CAMBI; DENORA, 2017, p. 4).

Diante de tal situação, o que se percebe, primeiramente, é uma intensa


resistência quanto à alteração do ordenamento jurídico brasileiro frente os frequentes
registros de violências contra as mulheres. Isto é, foi necessário a persistência de
alguém, vítima de intensas agressões, levar o nome de seu país às cortes
internacionais para que assim, fosse identificado e agido à alarmante situação da
questão da violência contra a mulher no Brasil, o que é considerado uma ofensa à
dignidade humana e historicamente, uma imposição de poder desigual entre homens
e mulheres. Posteriormente a edição da Lei nº 11.340/2006, é a questão da função

47
apenas abstrata, dado que o texto da referida lei reforça a igualdade entre os seres
humanos de sexos diferentes, em consonância com a Constituição Federal de 1988,
porém os índices de violência contra a mulher ainda se mantêm constantes e
evidenciam, conforme entende Nucci (2012, p. 544), que a edição da Lei 11.340/2006,
embora tenha buscado a afirmação da igualdade, ainda não solucionou as questões
de discriminação e violência contra a mulher, pois, o trabalho do estado, não se dá
somente pelas leis, e sim, na educação e da conscientização quanto aos valores
humanos, entre os quais está a igualdade de gênero.

Vale referir, do mesmo modo, a recente qualificadora inserida no parágrafo 2º do


artigo 121 do CP, acrescentada pela Lei nº 13.104/15, que tipificou como feminicídio,
o homicídio cometido “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”. No
parágrafo 2º-A do mesmo artigo, explica a lei que tal condição se dará quando
envolver violência doméstica e familiar (inciso I) e/ou menosprezo ou discriminação à
condição de mulher (inciso II).

O feminicídio, como forma qualificada de homicídio, pode ser entendido como a


morte violenta de mulheres tendo em vista a discriminação de sexo, e foi resultado do
crescimento dos registros de assassinatos femininos no país, a maioria dentro do
contexto doméstico e familiar, no qual também predomina as razões de discriminação
à condição de ser mulher.

A partir da vigência da nova lei surgiram vários questionamentos quanto à


necessidade de tipificação específica, uma vez que a morte de mulheres produzida
em contexto familiar e doméstico ou por razões de discriminação já caracterizava a
forma qualificada de homicídio, pela torpeza. Para muitos, a norma tem uma função
simbólica, uma vez que nomeia de forma clara uma situação grave de violência
doméstica no Brasil, chamando atenção da sociedade para tal realidade. Entretanto
“se nomear é uma forma de apreender ou tornar inteligível a matança de mulheres
como uma violência do gênero, a controvérsia é sobre as formas de reconhecer e
proteger as mulheres segundo o novo registro classificatório” (DINIZ; COSTA;
GUMIERI, 2015, p. 7).

48
Depreende-se da nova legislação que, embora tenha sido produzida em uma
perspectiva de maior rigor punitivo aos homens que, mediante uma violência
patriarcalizada matam mulheres (geralmente suas atuais ou ex companheiras), essa
se detém apenas a nomear o crime contra o gênero feminino, em feminicídio, não
alterando significativamente a penalização estabelecido ou assegurando de fato a
redução dos índices de assassinatos de mulheres no país.

Em contrapartida, tendo por base as alterações na legislação penal realizadas


nos últimos anos, sob à luz do Estado Democrático de Direito, na tentativa de
equilibrar os direitos e deveres entre homens e mulheres, faz-se importante falar
também discutir as alterações promovidas pela Lei 12.015/09, que promoveu
mudanças significativas nos delitos contra a liberdade sexual. A exemplo disso, tem-
se a mudança na denominação do Título VI, que traz a relação de crimes contra a
dignidade sexual. Tal título chamava-se “Dos crimes contra os costumes”, e segundo
Piazzeta (2001, p. 141) ao utilizar o substantivo “o faz com a intenção de tutelar não
todos, mas apenas os bons costumes, que são aquela parte da moralidade pública
referente às relações sexuais”.

Com a lei foram alterados diversos dispositivos penais do título VI da parte


especial do Código Penal, destacando-se o artigo 213 do CP, que alterou a definição
jurídica do estupro, unificando as condutas antes descritas em nos artigos 213 e 214
que descreviam, respectivamente, os delitos de estupro e atentado violento ao pudor
e que definiam o estupro como “conjunção carnal violenta praticada exclusivamente
contra a mulher” e o atentado violento ao pudor como a “prática de atos libidinosos
diversos da conjunção carnal, perpetrados mediante violência ou grave ameaça à
pessoa”. Com a alteração o estupro deixou de ser crime com vitimação exclusiva
feminina e passou a abarcar as condutas antes descritas em dois delitos diferentes.
Tal mudança já vinha sendo pleiteada por movimentos e mulheres que consideravam
discriminatória a existência de um tipo penal que tutelasse especificamente o aparelho
reprodutor feminino, quando o objeto da proteção deveria ser a liberdade de escolha
e eleição sexual das pessoas em geral.

49
Os delitos de “Posse sexual mediante fraude” e de “Atentado ao pudor mediante
fraude” foram unificados sob o título “Violação sexual mediante fraude”, excluindo-se
deles a elementar “mulher honesta”. Os delitos de rapto e rapto consensual de mulher
foram revogados, o que complementou o processo de reforma do Código Penal em
relação aos crimes sexuais, que já havia iniciado em 2006, quando, por meio da Lei
nº 11.106/2005, já havia sido revogado o delito de sedução.

Até o advento da lei 12.015/09 percebe-se que o Código Penal, ao proteger


excessivamente a “mulher honesta”, tão somente, além de negar-lhe plena autonomia
com tamanho controle, presumia honestidade inata aos homens e, às mulheres,
dividia-as entre honestas e desonestas, estas últimas, ficavam excluídas da proteção
estatal, simplesmente por não mais possuir o atributo físico da virgindade ou por não
terem conduta sexual condizente com a moral sexual dominante (PIAZZETA, 2001).
As referidas mudanças no Código Penal Brasileiro, possibilitaram à mulher, ao menos
no plano normativo, um afastamento do valor absoluto das questões de honra, pudor
e virgindade, bem como à propensão ao comércio de seu corpo, por ser considerada
um sujeito vulnerável e discriminado e ainda, ao não mais fazer referência protetiva
apenas à figura feminina em seus dispositivos, quando ao usar o pronome “alguém”,
dá proteção estatal de uma forma geral, colocando todos os indivíduos em pé de
igualdade sob sua tutela jurisdicional, no que tange aos crimes contra a dignidade
sexual.

2.2.1 A questão da criminalização do aborto e o domínio sobre o corpo feminino

Como já mencionado uma das principais discussões que envolvem o valor da


igualdade no âmbito do sistema penal diz respeito à criminalização do aborto
voluntário. Esta é uma das questões mais relevantes, uma vez que está relacionada
diretamente com o controle do corpo feminino e também aos valores da igualdade e
da liberdade. Isso porque a questão do aborto está necessariamente ligada ao
exercício da sexualidade feminina, fato que, na trajetória da sociedade, sempre
apresentou aspectos diferenciados quanto ao exercício da sexualidade entre homens
e mulheres. Respectivos caminhos, para as mulheres, são considerados tortuosos,
visto que são marcados pela ruptura da autonomia sexual feminina perante o seu

50
próprio corpo. Sobre o exercício da sexualidade feminina Foucault (1997, p. 9-10)
entende que:

A sexualidade é, então, cuidadosamente encerrada. Muda-se para


dentro de casa. A família conjugal a confisca. E absorve-a,
inteiramente, na seriedade da função de reproduzir. Em torno de sexo,
se cala. O casal legítimo e procriador, dita a lei. Impõem-se como
modelo, faz reinar a norma, detém à vontade, guarda o direito de falar,
reservando-se o princípio do segredo. No espaço social, como no
coração de cada moradia, um único lugar de sexualidade reconhecida,
mas utilitário e fecundo: o quarto dos pais. Ao que sobra, só resta
encobrir-se; o decoro das atitudes esconde os corpos, a decência das
palavras limpa os discursos. (FOUCAULT, 1997, p. 9-10).

E assim, historicamente, no contexto da sociedade patriarcal, a mulher foi


“educada” para os cuidados do lar, para reprodução, e ainda, por influência de
discursos religiosos hegemônicos, foi sendo relegada a um lugar de subordinação,
sem autonomia própria, aprisionada pela dependência econômica do pai ou marido e
pela consequente repressão sexual. Conforme preceitua Piazzeta (2001, p. 110),
neste processo, “a libido feminina, fonte de todo mal, precisava ser controlada e
vigiada. Sociedade masculina e religião, através de seu discurso de poder, aliaram-
se na opressão do sexo feminino”.

Diante da cultura patriarcal que reprime e subjuga as mulheres, têm-se as lutas


das mesmas em prol do reconhecimento e alcance de seus direitos como mulher e
respeito como um ser social. E dentre tantas lutas, “a busca pela garantia da saúde
sexual e reprodutiva da mulher constitui-se como uma bandeira do movimento
feminista a fim de que se conquistem serviços de saúde pública de maior qualidade”
(CAVICHIOLI, 2015, p. 53). E nesse contexto de subjugação ao universo masculino
seja em relação a administração dos negócios e controle familiar, ou no que se refira
especificamente ao controle do corpo e mente da mulher, também se construíram, por
meio de tipificações penais, as manifestações de comportamentos criminosos das
mesmas, entre as quais está o aborto voluntário.

A tipificação do aborto como crime se deu ainda no Brasil Império, quando foi
definida como criminosa a conduta de aborto praticado por terceiro sem o
consentimento da gestante. Posteriormente, nas codificações seguintes, deu-se a
criminalização do auto aborto, visando a proteção à desonra própria da mulher, bem
51
como instituiu a noção do aborto legal ou necessário, tutelando a vida da gestante. E
ainda, sob fortes influencias patriarcais, manteve-se no já ultrapassado Código Penal
Brasileiro, nascido na década de 1940, o status de crime, tutelando além da mulher,
a vida do feto, independentemente de suas situações peculiares, salvo duas hipóteses
que tutelam especificamente a vida/dignidade da mulher, que estão tipificadas no
artigo 128 do CP (incisos I e II), onde não se pune o aborto praticado por médico,
quando não há outro meio de salvar a vida da gestante e no caso de gravidez
resultante de estupro.

De resto as condutas dos artigos 124,126 e 127 do CP, que criminalizam o auto
aborto ou por terceiro, com o consentimento da gestante, são demasiadamente
restritivas à interrupção da gravidez, e pressupõem um controle social, por negar à
mulher a autodeterminação sobre seu corpo bem como de sua sexualidade,
diretamente ligada à dignidade humana, essência primordial de um Estado
Democrático de Direito. Diante disso, a questão da (des)criminalização do aborto
voluntário, por exemplo, deve ser discutida não se fazendo um juízo de valor entre as
opiniões, mas, e imprescindivelmente, visualizando a mulher no ponto central da
discussão, na perspectiva de seus direitos sexuais e reprodutivos, evidenciando de
acordo com Cavichioli (2015, p. 53) “as problemáticas escondidas por detrás dos
discursos protetores da vida fetal e do dogma da maternidade”.

O aborto é uma das principais causas de morte materna no mundo, e


sua maior incidência acontece em países em desenvolvimento.
Estima-se que no Brasil ocorram mais de um milhão de abortamentos
ao ano. Vulnerabilidades, desigualdades de gênero e de acesso à
educação, além das múltiplas dimensões da pobreza, como o déficit
de recursos econômicos e a dificuldade de acesso à informação e
direitos humanos fazem com que o aborto clandestino e/ou inseguro
atinja, especialmente, as mulheres pobres e marginalizadas. (BRASIL,
2010).

E é diante desta triste e alarmante realidade, que emerge o sistema penal


brasileiro, cuja finalidade é punir em prol da tutela estatal, mas em contrapartida, além
de comprovar as teses de suas características seletivas e discriminatórias, mascara
um rígido controle social sob o indivíduo e, tamanha repressão, desencadeia outros
problemas em diferentes áreas da sociedade. “Criminalizar o aborto significa penalizar
as mulheres, principalmente, as de classes sociais menos favorecidas, que são as

52
que necessitam solucionar sua gestação indesejada, muitas vezes de maneira
insegura” (ANJOS et al., 2013, p. 510).

Nesse sentido, entendem Gesteira, Diniz e Oliveira (apud ANJOS et al., 2013, p.
510):

Em países como o Brasil, onde o aborto é criminalizado na maioria das


situações, há uma perversidade para com as mulheres,
especificamente, às de classe social menos favorecidas. Neste
contexto, verifica-se que o caráter de ilegalidade do aborto favorece a
sua realização de maneira clandestina, e isso é sentido na ausência de
serviços e na má qualidade de assistência. Por esse motivo a
quantidade elevada de abortos induzidos no País pode ser constatada.

Depreende-se, portanto, que a persecução penal nos delitos de aborto significa


além da submissão ao sofrimento e constrangimento perante à justiça, também a
negação às mulheres do direito ao exercício à cidadania, proteção de sua saúde e
cuidados com seu corpo, visto que os altos índices de abortamentos clandestinos e
também os registros hospitalares de mulheres com vestígios de abortos induzidos,
acabam por deslegitimar o uso da norma penal. Assim, portanto, a questão do aborto
no Brasil deveria ser direcionada às questões sociais e de saúde pública, e não
somente à seara criminal, visto que as perdas tidas dos abortos arriscados tanto para
a vida das mulheres bem como para o sistema de saúde apresentam-se altíssimas,
inviabilizando também a criminalização do mesmo.

Semelhante entendimento se tem em âmbito internacional, diante da situação


polêmica entre justiça versus saúde pública no Brasil, conforme corrobora Rulian
Emmerick (2007, p. 101):

A ordem internacional, consensualmente, reiterou que o aborto


clandestino e inseguro é um grave problema de saúde pública e,
portanto, deve ser encarado como um problema a ser solucionado com
proposições legislativas e com políticas públicas voltadas à saúde da
mulher e não como um problema polícia, a ser resolvido pelo sistema
penal.

A partir dessa concepção cujo olhar volta-se à proteção da vida feminina e de


sua dignidade, e sob o dever de garantir à liberdade e à saúde sexual e reprodutiva,
que “a ordem internacional encoraja seus Estados a conferir às mulheres, a qualidade

53
de pleno sujeito de direito, a partir de suas convicções morais e religiosas, a liberdade
de escolha quanto à interrupção da gravidez indesejada” (EMMERICK, 2007, p. 102).
Isto é, a permissão legal e sem restrições do aborto em alguns países, evidencia-se,
por consequência, resultados mínimos de violação ao direito de acesso à saúde de
qualidade das mulheres, bem como as frequentes mortes maternas em decorrência
de intervenções clandestinas.

Apesar de o aborto poder ser utilizado erroneamente como prática


contraceptiva por questões sociais inerentes ao sistema vigente no
Brasil, em Cuba, a partir da legalização do aborto em 1965
(configurada no novo código penal de 1987), sua prática segura
mantém a mortalidade materna em níveis reduzidos quando
comparados aos de outros países latino-americanos. (ANJOS;
SANTOS; SOUZAS et al, 2013, p. 511).

A experiência de Cuba, deveria inspirar o sistema penal brasileiro, no sentido de


que o ponto crucial não é controle do corpo ou da sexualidade da mulher, e sim sua
integridade física e psicológica, dispondo de plena assistência à saúde sexual e
reprodutiva, sem discriminação nem violência à mulher. Manter a criminalização do
aborto é violar segundo José Henrique Rodrigues Torres (2012, p. 8) princípios
democráticos elementares relativos à possibilidade de criminalização, tais como
idoneidade, subsidiariedade e racionalidade.

Diante de uma questão polêmica e que liga diretamente às mulheres, impossível


não pensar em desigualdade de gênero no sistema de justiça criminal. A questão do
aborto no Brasil, percorre entre a sociedade sob um viés discriminatório para com as
mulheres, pois conceber um filho sem a existência de um marido, a “mãe solteira”
comumente chamada, ainda é motivo para discriminações e preconceitos, o que
evidencia o predomínio de uma concepção social estereotipada de construção familiar
dada pelo casamento. Além das dificuldades financeiras, a falta de informação,
educação e orientação sexual, são questões que também permeiam os altos índices
de abortos ilegais ao quais são procurados no país.

Nesse sentido entende Ribeiro (apud TESSARO, 2008, p. 206):

De outra parte, o direito da mulher à igualdade também pode ser


invocado nas questões relacionadas com a interrupção voluntaria da

54
gravidez, uma vez que a sua incriminação “contraria frontalmente o
princípio da igualdade. Não só na forma evidente de desequilíbrio entre
ricos e pobres, mas de uma maneira muito mais ínvia e invisível: entre
as mulheres que concebem e os homens que participam dessa
concepção”.

Por isso se entende que o aborto não deve ser visto prioritariamente como uma
questão penal, pois, em que pese o sistema possua como finalidade declarada a
proteção à vida intrauterina, na prática, criminaliza uma conduta de modo simbólico,
impondo determinada concepção moral e assim, constituindo um real instrumento de
controle do corpo e da sexualidade feminina, com base em uma cultura patriarcal
ainda impregnada na sociedade atual. Inclusive, na realidade, caracteriza-se o
sistema criminal como, antes de solucionador de um problema, um gerador de outro,
visto que o aborto volta-se à uma questão de saúde pública, pela falta de assistência
médica e psicológica às mulheres que procuram as intervenções clandestinas,
colocando suas vidas em risco. Ou seja, o sistema penal pune a conduta delituosa da
mulher em prol da proteção do feto, mas indiretamente a direciona à meios ilegais e
inseguros com objetivo de interromper uma gravidez indesejada. Evidencia-se,
portanto, a ilegitimidade do sistema penal em manter a criminalização do aborto, pois
não tem sido útil para a vida intrauterina, tampouco eficaz para sua proteção, além de
ocasionar um custo social alto e impedir meios para enfrentar o problema de modo
eficiente.

2.2.2 A tutela da dignidade sexual, a cultura do estupro e o controle da


sexualidade feminina

É necessário que o Direito Penal também se volte para a proteção de bens


jurídicos relacionados à sexualidade humana, como por exemplo a liberdade sexual,
por que tal proteção refere-se, em última medida, à proteção da própria dignidade da
pessoa humana. Como já mencionado o Código Penal Brasileiro foi alterado
substancialmente na parte em que versa sobre o respectivo assunto, com a finalidade
de eliminar tratamentos discriminatórios de âmbito moral, especificamente
relacionados às mulheres. Com a Lei nº 12.015/2009, mudou o Título VI Dos crimes
contra os costumes para Dos crimes contra a dignidade sexual, eliminando a menção
intrínseca de apenas tutelar os bons costumes e entendendo que a liberdade sexual
deve ser vista como um direito fundamental ao ser humano, e ainda sob a luz do

55
princípio democrático da dignidade humana, fundamento previsto constitucionalmente
no art. 1º, inciso III, da CF/88 abrange a todos os tipos de crimes sexuais que
envolvem o indivíduo.

A dignidade da pessoa humana nos remete à uma ideia de ordem


constitucional em que o homem, em virtude de sua condição de ser
humano, é titular de direitos que devem ser reconhecidos tanto por
seus semelhantes quanto pelo Estado. (BORGES; POLLI, 2011, p.
116).

Entram dentro desse leque, várias condutas que violam o direito à dignidade bem
como ao da liberdade sexual de uma pessoa, que ao não consentir ou estar/ser
impossibilitada de defender-se, sofre um grave e humilhante atentado a sua
integridade física e também psicológica. Dentre elas, em especial os mais horrendos
como o estupro (art. 213) e estupro contra vulnerável (217-A do CP) e do abuso ou
exploração sexual de crianças e adolescente (art. 218-B do CP), apresentam-se como
os tipos penais que tutelam o corpo, a sexualidade e a liberdade sexual das pessoas,
e ainda estendem tal proteção a outros bens, como por exemplo, a vida, a dignidade
pessoal, a saúde, entre outros, bem como, punem àqueles que para sua auto
realização sexual infringem tal proteção penal.

Entretanto, mesmo o Código Penal dando atenção ao abranger sua tutela às


pessoas de modo geral, a incidência dessas condutas direciona um olhar invasivo e
explorador especificamente às mulheres, pela sua condição biológica do sexo, a qual
é considerada objeto de prazeres sexuais masculinos e também, por uma cultura
patriarcal, que subjuga o feminino como inferior e subordina às suas vontades, sejam
íntimas ou perante a sociedade. A exemplo disso, tem-se no Código Penal, um
dispositivo que versa sobre tráfico de pessoas, que consiste na prevenção e na
repressão do delito, observando princípios como da dignidade da pessoa humana e
promoção da cidadania, bem como atenção às vítimas.

A Lei nº 13.444/2016, recentemente revogou os delitos previstos nos arts. 231 e


231-A do CP que tratavam do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual,
passando a enquadrar esse comportamento como conduta que viola a liberdade do
indivíduo no art. 149-A do mesmo código, sendo que a exploração sexual é apenas
umas das inúmeras situações que a pessoa possa vir a ser submetida. Ou seja, a
56
exploração do ser humano tanto no comércio “escravo”, de órgãos e até pela via
sexual, seja em âmbito nacional ou internacional, movimenta bilhões de dólares e
auxilia no sustento do crime organizado. Sendo que o contingente a ser explorado
geralmente são as mulheres, visto que a condição biológica de “fêmea” e algumas
ainda “virgens”, o que pressupõem um preço maior, está intensamente ligado ao
comércio de exploração humana, fazendo delas escravas sexuais, iludidas por
melhores condições econômicas. “Apesar de a prostituição em si mesma não
constituir conduta relevante para o Direito Penal, a prática do comércio sexual [...],
sempre esteve associada ao gênero feminino e à pobreza”, corrobora Piazzeta (2001,
p. 153).

Diante da realidade em que se insere a questão da exploração sexual, depara-


se também com outro fator de origem, a afirmação econômica do grupo masculino e
a negativa ao feminino, ou seja, todas as formas de explorações ou submissões
sexuais são derivadas de uma mesma raiz, a desigualdade social com que a
sociedade trata homens e mulheres, e resulta assim, nesta mesma sociedade, em um
comércio do sexo legitimado, sem distribuir uniformemente as possibilidades de
acesso aos meios à ascensão social.

Sempre as mulheres, e é o que nos relata a sua história, foram o objeto


utilizável para a satisfação sexual dos homens, tanto casados quanto
solteiros. A esposa, mulher honesta, não se prestava à vazão da libido
masculina e era resguardada, protegida, diminuída e igualmente
aviltada, de outras formas, nos domínios da vida privada. (PIAZZETA,
2001, p. 157).

Segundo Sandra Azeredo (1997, p. 98):

Justamente porque ela está dentro de uma sociedade orientada para o


macho, orientada para os homens, para o desejo dos homens, onde os
homens são centrais e a própria existência da prostituição aponta para
isso. Por que ela existe numa sociedade orientada para o homem, uma
sociedade que divide as mulheres, entre mulheres boas para casar e
mulheres boas para trepar.

Conclui-se, portanto, que as pessoas do gênero feminino, diante de uma cultura


que subjuga e inferioriza as mulheres, estão constantemente vulneráveis à ação de
criminosos que se aproveitam dessas condições e outras como problemas
econômicos, violências, precariedade e a falta de informação e educação às pessoas,
57
para induzi-las e inseri-las no mercado do sexo, sob uma escravidão sexual, usando
seus corpos como um alvo, para a arma que é o sexo (AZEREDO, 1997).

Um dos delitos que permeia a tutela da dignidade sexual no ordenamento é o


delito de estupro, é direcionado à proteção da pessoa, mas “[...] nota-se o estupro
como uma violência direcionada, na maioria das vezes ao gênero feminino”
(PEIXOTO; NOBRE, 2015, p. 230), pelas mesmas questões biológicas e culturais já
mencionadas. O estupro é um ato muito antigo, porém apenas na sociedade moderna
que passou a ser criminalizado, e não com a finalidade de proteger a mulher em si,
considerada um objeto do homem, mas para tutelar sua castidade, visto que sem esta,
a mulher não era boa para casar-se. (CECHETTO, 2015).

No Código Penal atual, felizmente, o estupro é criminalizado pela conduta em si,


sendo considerado um crime gravíssimo, cuja pena pode chegar até 30 anos, caso
resulte em morte, também está incluso no rol dos crimes hediondos da Lei nº 8.072/90,
evidenciando assim, a tutela da liberdade e da dignidade sexual da pessoa. Porém, o
preconceito social ainda se mantém resistente, perceptível, por exemplo, no momento
da assistência à essas mulheres vítimas de violência sexual, que buscam ajuda, na
forma discriminatória com que são recebidas seja pelos agentes de segurança ou de
saúde, compreendendo assim as razões pelo número ínfimo de denúncias feitas e
evidenciando também, que a sociedade ainda se mantém arraigada em uma cultura
que culpa a vítima pela violência sexual ocorrida e não o delinquente pelo ato ilícito.

As autoridades policiais, como se mencionou anteriormente, não são


preparadas para oferecer o tratamento adequado às poucas mulheres
que já conseguem ter coragem para enfrentar seu medo de denunciar
os abusos sexuais por elas sofridos. Assim, são conhecidos inúmeros
casos em que mulheres são mais uma vez constrangidas, agora em
virtude do menosprezo de policiais – os que deveriam acolhê-las da
melhor forma possível – que tratam de culpá-las pelo crime de que elas
são vítimas e, muitas vezes, chegam a ridicularizá-las dando margem
a esse tipo de discriminação por parte dos demais cidadãos.
(PEIXOTO; NOBRE, 2015, p. 233).

Entretanto, a discriminação contra a mulher violentada, vai muito além do


duvidoso atendimento preliminar que a mesma recebe. No âmbito jurídico, embora
repudiem a conduta horrenda do estuprador, frequentemente expressam-se de forma
desrespeitosa para com a vítima:
58
As especificidades do crime ora em análise evidenciam uma prática
jurídica que observa comportamentos sociais e que opera construindo
e aplicando estereótipos, preconceitos e discriminações relativos ao
gênero. (MANFRÃO, 2009, p. 32).

Diante disso, sabe-se que no crime de estupro, há uma grande dificuldade na


demonstração de sua ocorrência pelas poucas informações originais que lhe são
fornecidas e, a partir dessa carência de material probatório, necessita-se pôr a palavra
da vítima em provas. Ou seja, o poder judiciário no seu discurso jurídico, embora o
Código penal não faça menção a qualquer tipo de culpa da vítima ou de necessidade
de sua honestidade, ainda se baseia em critérios que analisam a conduta do
estuprador, mas também da parte ofendida, observando seu comportamento social,
moral e sexual e acaba por incidir sobre vícios decorrentes de uma cultura
discriminatória e reforçando os papeis estereotipados dentro do sistema penal.

[...] as condenações são exceções que fogem à regra comum de


arquivamento e absolvições por falta de provas. O que fica explícito
durante a análise dos processos, é a dificuldade de obter a condenação
devido à falta de provas materiais que certifiquem os depoimentos das
vítimas, muitas vezes descritas como não-confiáveis por seu
comportamento social, por possuir alguma passagem por instituição
psiquiátrica, por serem ainda muito novas e sujeitas à “fantasias” e por
outros motivos mencionados para justificar o arquivamento e
absolvição do acusado. (COULOURIS, 2004, p. 5).

Infelizmente, em que pesem as alterações promovidas pela lei 12.015/16, que


não mais exigem a honestidade sexual da vítima, o preconceito contra o gênero
feminino ainda é determinante, e mantém-se constante na sociedade contemporânea,
ultrapassando as instituições públicas e enraizando-se no senso comum entre os
indivíduos, sob um julgamento moral contra a mulher vítima de estupro e não ao delito
ou a violência praticada. Isso se dá, sem amparo às vítimas, sem a prevenção de
novas violências, tampouco contribui para desfazer a hierarquias de gênero e
humanizar a compreensão da legislação penal.

Predomina no imaginário da população a ideia de que, se a mulher foi


estuprada, alguma coisa ela fez para provocar seu agressor,
consistindo tal pensamento numa repressão a qualquer
comportamento um pouco mais libertador que uma mulher venha a ter.
Isso gera agressão a dignidade sexual feminina em dois momentos:
durante e após a consumação do crime. Porém, o Código Penal não
faz referência a qualquer tipo de culpa da vítima na previsão do crime

59
de estupro, deixando claro que qualquer pessoa pode estar nessa
situação. (PEIXOTO; NOBRE, 2015, p. 237).

Neste mesmo sentido, entende Karin Hueck (2015, p.34) quando ela aborda
dados de uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA,
o que justifica por que o silencio daquelas que foram estupradas sempre vence. A
resposta da pesquisa demonstra que para 78% dos brasileiros o que acontecem entre
casais, no interior de seus lares, não diz respeito a ninguém. E 68% acreditam que
violências domésticas e familiares, devem ser solucionadas tão somente entre os
familiares. E para agravar a situação, 59% dos brasileiros diferenciam as “mulheres
para casar” e aquelas que “só servem para a cama”, e que se cuidassem mais de
seus comportamentos, haveriam menos estupros, com 58% dos defensores. E esse
senso comum de julgar a vítima juntamente com o criminoso, que também resulta na
ausência de denúncias.

Os casos registrados são baixos porque existem um comportamento


persistente que cerca o estupro: o silêncio. Vítimas não denunciam
seus agressores, policiais não investigam as acusações, famílias
ignoram os pedidos de ajuda, instituições não entregam seus
criminosos – esses mecanismos invisíveis fazem com que 90% da
violência sexual jamais seja conhecida por ninguém. E isso, sim, é um
crime ainda maior do que a soma de cada caso. (HUECK, 2015, p. 35).

Esse julgamento negativo às mulheres, constantemente cultuado em sociedade


e que, não raras vezes, também invade de órgãos que deveriam por finalidade levar
igualdade à própria sociedade, é comumente conhecido como “cultura do estupro”, e
se manifesta no pensamento das pessoas sempre que se tenta justificar a conduta do
agressor a partir de uma suposta facilitação que a vítima tenha dado para a
consumação do delito de estupro, o que afirma (LARA; RANGEL; MOURA et al, 2016,
p. 164) que a maioria das pessoas acredita que a mulher é responsável, de alguma
forma, pelo próprio estupro, o que chama-se culpabilização da vítima.

Tendo como referência o conceito de violência simbólica de Bourdieu,


que é definida como violência suave, insensível, invisível a suas
próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente
simbólicas da comunicação e do conhecimento, consideramos que a
cultura do estupro pode ser definida como uma forma de violência
simbólica que consiste na justificação, na tolerância ou no estímulo do
estupro. (LARA; RANGEL; MOURA et al, 2016, p. 164).

60
Ou seja, não se reconhece à mulher seus direitos fundamentais, a sua liberdade
quanto ao controle do seu corpo e do exercício de sua sexualidade, pelo contrário, se
reconhece o direito do homem em poder violar sexualmente uma mulher,
primeiramente com base na sua condição de gênero inferiorizado e, em segundo, em
um juízo de valor que é feito a partir de sua conduta social, materializando, em
sociedade, um tratamento discriminatório contra a mulher.

Mulheres relatam como são recebidas com desconfiança quando


resolvem contar suas histórias para alguém. Pessoas perguntam que
roupa ela vestia, onde ela estava, que horas eram, se estava bêbada,
se já não havia ficado com o estuprador alguma vez, se deu a entender
que queria fazer sexo e até se já teve muitos namorados antes. E essas
perguntas podem vir de qualquer um. (HUECK, 2015, p. 35).

Nesse contexto de instrumentalização de corpos até a violação da dignidade


sexual em que estão inseridas as mulheres, destacam-se questões como o controle
de sua sexualidade, o qual juntamente com os demais, ensejam a violação do direito
à liberdade sexual, direito considerado fundamental à vida humana.

Tais pensamentos dissertados são de tamanho absurdo, buscar culpar


a vítima de um crime de estupro é de uma mentalidade fria. Essa
imposição de regras sobre o comportamento feminino acaba por limitar
sua liberdade sexual, comportamental e sua dignidade enquanto
pessoa humana. (PEIXOTO; NOBRE, 2015, p. 236).

Existe dentro do sistema penal, como reflexo da sociedade a que pertence, duas
perspectivas que se chocam, de uma lado a proteção à integridade física e sexual da
mulher e, de outro, a necessidade de controle excessivo de suas condutas,
especialmente no campo da sexualidade, pois em que pese pareçam contraditórios,
ambos caminham favorável à discriminação de gênero, no sentido de que ao mesmo
tempo que protege a mulher de outras condutas transgressoras da lei, não efetiva sua
tutela estatal, pois coloca sob julgamentos morais à vida pregressa da mulher, bem
como tira da mesma o direito de decidir sobre seu próprio corpo e usar do direito
natural à sexualidade.

Nesse sentido corrobora Andrade (2005, p. 33-34):

É esse tipo de caracterização da vítima no contexto processual que


representa uma duplicação da violência de gênero, pois além da
61
violência sexual, a mulher torna-se vítima institucional do sistema
penal, que expressa e reproduz a violência estrutural das relações
sociais assimétricas.

Desta maneira, conclui-se que o sistema de justiça criminal, arraigado em uma


cultura patriarcal dominante em sociedade, que sujeita a mulher à hegemonia
masculina, muitas vezes mantém sua função de afirmação da igualdade, de acordo
com os preceitos constitucionais, apenas nos textos da lei. Sua procedimentalidade
não se realiza com efetividade, do contrário, condiciona a mulher, vítima, antes da
reparação da violação sofrida, a outras situações humilhantes, ficando esquecidos
valores humanitários inerentes ao ser humano. E esse descaso não é exclusivo dos
órgãos jurídicos, tantos outros como as organizações que trabalham pela paz mundial
até àquelas personalidades conhecidas e respeitadas, cultuam a proteção da sua
imagem e inferiorização da mulher. Segundo Hueck (2015, p. 37) “ é difícil achar no
mundo uma grande instituição que não tenha varrido para debaixo do tapete algum
caso de estupro”

O sistema penal apenas tenta proteger, mas na realidade, fazendo jus aos
preconceitos existentes no meio social, julga a mulher que sofre um delito sexual,
quando entende que ela extrapola em seus comportamentos públicos e sexuais,
ignorando o fato que muitas situações a que estão inseridas as mulheres, decorrem
de inúmeras desigualdades reproduzidas em sociedade. E que ainda, inclusive,
coloca sobre a mulher, cujo direito é violado, a responsabilização do ocorrido, como
se resguardar seu corpo e sua sexualidade, fosse a melhor solução para evitar atos
delituosos contra sua integridade física e sexual.

2.3 Questões de gênero no âmbito do sistema penitenciário brasileiro

No contexto contemporâneo, para discutir questões de gênero no âmbito do


sistema punitivo é absolutamente necessário refletir sobre a situação da mulher
submetida à privação de liberdade. Isso porque nas últimas décadas tem crescido
expressivamente o processo de encarceramento feminino no país, especialmente em
razão do envolvimento destas com condutas relacionadas ao comércio de drogas
ilícitas.

62
Conforme corrobora Braunstein (2007), no decorrer dos tempos, do período
colonial até meados de 1840, as instituições prisionais consistiam em Casas de
Câmara, cadeias e conventos, e aqui que se tem os primeiros registros de punibilidade
contra as mulheres, que eram raramente punidas e quando eram, deveria ser
conforme o padrão normatizado pela Igreja, em situações como perturbação à ordem
estabelecida ou em razão de comportamentos inaceitáveis pela sociedade,
enfrentavam os Tribunais Eclesiásticos da época, cujo procedimento se fez até a
proclamação da República.

Ressalta o autor que “[...] as mulheres mais vulneráveis ao encarceramento e a


punibilidade, eram as mulheres que supostamente não correspondiam aos padrões e
modelo comportamental e moral estabelecidos pela Igreja” (BRAUNSTEIN, 2007, p.
69).

Posteriormente, superando a lógica religiosa, a medicina exalta uma


psicopatologização e psiquiatralização social, ou seja, a mulher “boa” era equiparada
à santa e, ao contrário desse estereótipo, se enquadraria como mulher “má”,
patologizada, doente mental, promíscua e cuja moral estaria manchada, devendo ser
excluída da sociedade e incluída em instituições penais ou manicomiais, com objetivo
de ser corrigida para se reaproximar novamente da imagem santificada.

Depreende-se a partir de uma singela recapitulação histórica, que desde os


primeiros registros de encarceramentos e punições às mulheres, não houve cuidados
para com o tratamento específico ao grupo transgressor feminino, como por exemplo,
separação de unidades prisionais entre os sexos. Direito fundamental ao apenado, o
qual foi observado no “Projeto do Código Criminal Brasileiro” em 1938, promulgado
em 1940, e tem características conforme Braunstein (2007, p. 73) “paradigmáticas,
extremamente voltadas às políticas positivistas e higienistas”. A partir de então,
embora com algumas alterações, o Código Penal da década de quarenta se mantém
vigente no ordenamento jurídico e após sua promulgação, conforme corrobora
Roberto da Silva (apud BRAUNSTEIN, 2007, p. 73):

O Código Penal de 1940, aprovado graças à simplificação do processo


legislativo possibilitada pelo recurso do decreto-lei, aboliu a pena de

63
morte, a prisão perpétua, o trabalho forçado, o banimento e as penas
cruéis, mas incorporou a medida de segurança, um dos principais
baluartes da Escola Positivista, em clara e inequívoca indicação de que
abandonara as ideias de inspiração religiosa do livre arbítrio e da
responsabilidade moral, para colocar em voga princípios tidos como
mais científicos como o da responsabilidade social.

Desde então, a legislação penal, estabeleceu, ao menos no plano normativo, a


necessidade o território brasileiro unidades prisionais destinadas às mulheres,
eliminando, pelo menos em seus textos, as influências religiosas e punições morais
ao gênero feminino. Entretanto, a realidade do sistema penitenciário brasileiro dos
últimos anos não tem sido positiva, pois além de expressar intensamente as
desigualdades de gênero também se faz ineficaz quanto ao seu propósito
ressocializador. É o que demonstra o recente relatório de 2014 do DEPEN
(Departamento Penitenciário Nacional) feito a partir de dados do Levantamento
Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen, cujo mês de referência foi junho de
2014, e que ilustra especificamente entre os anos de 2000 a 2014, a evolução do
encarceramento feminino no Brasil.

Em âmbito global, conforme dados do World Female Imprisonment List, cujo


relatório foi produzido pelo Institute for Criminal Policy Research da Birkbeck,
University of London, estima-se mais de 700.000 mulheres presas no mundo todo,
sendo que o Brasil, à época da pesquisa, tinha a quinta maior população mundial de
mulheres encarceradas, com 37.380 presas, 6,4% da população prisional total do
pais. Ainda mostra a pesquisa, que entre 2000 a 2014, em que pese a expressiva
participação de homens no contingente total de pessoas privadas de liberdade no
país, a população absoluta de mulheres encarceradas no sistema penitenciário
cresceu 567%. (DEPEN – 2014). Depreende-se, portanto, do aumento considerável
da atuação das mulheres no mundo do crime, que o mesmo advém de situações de
vulnerabilidades sociais e de falhas do sistema de justiça criminal, bem como da
deficiência de políticas públicas que possam oportunizar à essas mulheres uma
trajetória inversa à transgressão penal.

Impossível não salientar aquilo que se considera um dos mais graves problemas
do sistema prisional brasileiro na atualidade, a deficiente estrutura física dos presídios:

64
Superlotação, higiene precária, prédios com estruturas antigas, falta de
saneamento e assistência médica ou psicológicas são realidades
presentes em todo o país. Por esses descuidos do Estado com a
população carcerária, muitos detentos são devolvidos à sociedade sem
qualquer reabilitação para o convívio diário com o mundo externo ao
presídio. A maioria acaba voltando para o mundo do crime. (BASSANI;
LUCAS, 2017, p. 2).

Dentro dessa precariedade prisional, evidencia-se a falta de separação de


unidades masculinas e femininas, embora a Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal)
preveja tal distinção como um aspecto fundamental de políticas públicas e do dever
do Estado. Entretanto, na realidade carcerária atual, a separação de gêneros ainda
não é observada em absoluto, visto que em junho de 2014, foi analisado conforme
dados da INFOPEN, de 1.420 unidades prisionais nos sistemas penitenciários
estaduais, 75% dos estabelecimentos são voltados exclusivamente ao público
masculino, sendo que 7% ao público feminino e 17% mistos, ou seja, há situações em
que as mulheres ocupam alas ou salas anteriormente masculinas. Tal realidade
aponta uma falha na gestão estatal em contrapartida ao seu dever punitivo, em não
disponibilizar às apenadas uma estrutura voltada para as necessidades provenientes
de sua condição biológica. Para Alvim (2013, p. 5) “tal fato mostra a desigualdade de
tratamento entre homens e mulheres. O Estado prioriza o atendimento dos homens,
isso configura uma discriminação estatal [...]”.

A questão da mulher presa é uma preocupação internacional. Segundo Alvim


(2013, p. 5) “a Assembleia Geral da ONU, pela Resolução 58/183 recomendou que
se desse maior atenção às questões referentes à mulher encarcerada, inclusive no
tocante às situações dos seus filhos”.

Nesse sentido, destaca-se outro ponto alarmante da estrutura precária dos


presídios brasileiros são as vagas insuficientes às demandas ou a deficiência de
estabelecimentos penais femininos providos de um espaço específico para as
gestantes, creches e berçários para os filhos das detentas e também um espaço de
referência materno-infantil. Segundo dados do INFOPEN (2014) menos da metade,
ou apenas 34% dos estabelecimentos femininos dispõe de cela ou dormitório
adequado para gestantes; nos estabelecimentos mistos apenas 6% dispõe de tal
estrutura. Quanto aos berçários ou centro de referência materno infantil, 32% das
65
unidades femininas dispunham de espaço adequado e apenas 3% nos
estabelecimentos mistos. Já as creches, estas estão presentes em apenas 5% das
unidades femininas sendo que nenhuma creche é registrada nas unidades mistas.

Em alguns casos, as mulheres conseguem o direito de permanecer


com seus filhos dentro do presídio, em alas especificas durante os
primeiros meses de vida da criança. Entretanto, esta não é a realidade
mais comum. Cabe ressaltar que existem políticas públicas de
acolhimento que visam a garantir o direito dos vínculos afetivos entre
mãe e filho, mesmo dentro de ambiente prisional. A Lei nº 13.257, de
08 de março de 2016 trouxe mudanças para as mulheres presas, a
partir da lei as gestantes e mulheres com filhos de até 12 anos podem
solicitar a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar.
(BASSANI; LUCAS, 2017, p. 3).

Do total de 37.380 mulheres presas no Brasil, quanto às razões pelas quais


respondem judicialmente há maior incidência do crime de tráfico de drogas. Este delito
corresponde a 27% do total dos crimes informados, mas quando distribuídos entre os
gêneros, os crimes relacionados ao tráfico correspondem a 23% das detenções de
homens e 58% dos encarceramentos de mulheres. (INFOPEN, 2014). Importante
salientar também que geralmente a figura principal nesses crimes é o homem e que
a mulher, atua mais como coadjuvante, devido à afetividade, não sendo, portanto, o
foco das instituições policiais, como por exemplo, quando ingressa na rede de drogas
no intuito de resolver pendências ou honrar compromissos devidos pelo companheiro
que se encontra preso.

Consideram-se fatores que influem na criminalidade feminina um histórico de


violência intrafamiliar sofrida, situação socioeconômica deficiente, bem como seu
baixo grau de escolaridade, vinculação da mulher aos delitos do marido,
complementação de renda ou até mesmo sua obtenção e inclusive as tecnologias
que, com sua constante evolução dificultam a inclusão social daqueles com condições
financeiras escassas, evidenciando um aumento da participação feminina no mundo
do crime. Ou seja, a questão da criminalidade feminina, está intimamente ligada à
trajetória de vida que influenciam ou conduzem essas mulheres ao encarceramento e
consequentemente à exclusão social. (DUTRA, 2012).

Quanto às permissões de visitas íntimas às mulheres, pode-se dizer que


funcionam no sistema carcerário brasileiro, porém ainda com influências machistas,
66
pois no âmbito da intimidade conjugal, o homem quem exerce o poder, e as mulheres,
acabam por aprisionar-se a um discurso moral com relação às experiências sexuais.
Salienta-se que as visitas íntimas, são autorizadas na maior parte dos países latino
americanos. (BASSANI; LUCAS, 2017).

A desigualdade sancionada pela sociedade e suas instituições é


constatada quando se observa que para os homens a visita íntima foi
introduzida há muito mais tempo e com regras bastante flexíveis,
resultado das próprias práticas instituídas pelos próprios detentos.
Nesse sentido, para os homens presos a visita íntima possibilita mais
encontros e com diferentes parceiras por que não discrimina tipos de
vínculos. (LIMA, 2006, p. 18).

Mesmo neste campo é fácil identificar a desigualdade dentro do sistema criminal,


o que representa uma violação à garantia aos preceitos constitucionais para com a
igualdade de gênero, visto que para a mulher a visita íntima, significa mais uma
preocupação institucional com o controle da sexualidade feminina e o risco que ela
proporciona, e esse controle acaba repercutindo negativamente na vida da mulher.

A abstinência sexual imposta para as mulheres pode gerar problemas


de ordem psicológicas, favorecendo inclusive condutas inadequadas.
Viver a sexualidade é um direito humano. Quer dizer, hoje, a
sexualidade está invariavelmente relacionada à autoestima dos
sujeitos. Isso significa que o sexo inclui-se no processo de significação
e de percepção dos indivíduos a respeito de si próprios, afetando sua
noção de reconhecimento. A pena privativa de liberdade deve privar,
como o próprio nome denuncia, tão somente a liberdade, e não outras
circunstancias tão elementares da vida, dentre as quais inclui-se –
embora a muito contragosto dos setores mais conservadores – a
sexualidade (é evidente que sempre percebida dentro dos limites do
consentimento e da vulnerabilidade). (BASSANI; LUCAS, 2017, p. 4).

O sistema carcerário brasileiro de modo geral, infelizmente, carrega consigo


características desumanas contra o indivíduo, entretanto, em se tratando da mulher
presa consegue ser ainda pior. Atualmente o perfil apresentado da população
prisional feminina, conforme informa dados INFOPEN (2014) são mulheres jovens e
solteiras, entre 18 e 29 anos, negras, com ensino fundamental incompleto, com baixa
renda familiar, acusadas ou condenadas por tráfico de drogas na grande maioria.
Essas mulheres que em sua vida anterior à prisão vivenciaram situações de
conflitualidades no seu meio social, tem no sistema o similar tratamento degradante,
demonstrando o quão desatento está o sistema criminal para com a garantia de sua
dignidade. A incidência dos perfis femininos encarceradas no Brasil, é reflexo de uma
67
intensa desigualdade que o país retrata de sua população, pobre, vivendo em
constante vulnerabilidade, suscetível a introduzir-se na criminalidade, que se mostra
a todo instante.

Com isso, percebe-se que o sistema carcerário brasileiro carece de um olhar


mais humanizado não só para com as mulheres, mas a todos aqueles que por
diversas razões transgridam a seus preceitos legais, assegurando de modo
permanente e efetivo valores como ao da igualdade e dignidade humana, bem como
o respeito à aplicação correta das determinações legais. Visto que o encarceramento
não afeta apenas a pessoa que foi detida, mas também todo grupo familiar que a
envolve, e ignorar condições mínimas de permanência prisional e convívio familiar,
para que no máximo possam cumprir aquilo que lhes foi aplicado por lei, não se efetiva
a função social do sistema de justiça criminal, que é a ressocialização do apenado,
para que ele possa retornar a conviver com cidadania em sociedade.

Outra significativa questão que envolve o encarceramento feminino é referente


ao abandono familiar. Sobre isso, observam Netto e Borges (2013, p. 322-323):

Dados estatísticos comprovam que a maioria das presas, 60% delas, não
recebem nenhum tipo de visita. Isso ocorre por dois motivos essenciais. Um
se trata da logística: como a quantidade de presas mulheres é reduzida em
comparação aos homens, existe menor quantidade de penitenciárias
femininas, o que resulta em muitos casos no afastamento da presa de sua
localidade natal, o que dificulta sobremaneira as visitas, já que a locomoção
significa despender um valor financeiro que na maioria dos casos as famílias
não possuem. Porém o fator primordial explica-se pela questão de gênero, já
que a mulher desviada recebe dupla punição, pois cometeu dois “crimes”: o
delito em si e o crime de não cumprir seu papel social do ser mulher. Isso
afeta profundamente sua imagem social, e esta carregará este estigma,
inclusive para seus familiares.

Conforme compreensão do autor, percebe-se que o sistema penal tanto do viés


arquitetônico quanto operacional, não atua com base igualitária no tratamento aos
gêneros, exerce seu papel punitivo, porém, não dispõe, especificamente à mulher, o
direito a condições favoráveis no cumprimento de sua pena, de acordo com o seu tipo
biológico.

2.4 Papeis de gênero e o tratamento à mulher no âmbito do sistema de justiça


criminal: em busca da concretização da igualdade

68
Como já analisado as questões de desigualdades e discriminações de gênero
possuem raízes históricas e ainda têm sido culturalmente mantidas na sociedade
contemporânea, quando a mulher é vista como inferior, na medida em que é
aprisionada a uma herança patriarcal, a qual coloca-a em uma situação desigual e
impede-a de viver livremente, em especial no que tange a sua sexualidade. Essas
relações de poder e submissão, as quais foram impostas socialmente contra as
mulheres e que perpetuam papeis hierarquizados aos gêneros, necessitam ser
desconstruídos, pois dá ao homem uma posição superior e controladora à figura
feminina, limitando a atuação desta em todos os aspectos da vida e submetendo-a,
muitas vezes, a uma posição secundária, dominada e monitorada para que exerça
apenas condutas que a sociedade considera apropriadas à mulher.

Quando fala-se em discriminação contra as mulheres e as diversas situações e


tratamentos desiguais em que elas diariamente enfrentam, também falamos em
violência e suas variações contra o gênero feminino, as quais são exercidas não só
por uma sociedade arraigada à uma cultura machista, mas também em uma estrutura
normativa influenciada por esta mesma sociedade.

Diante de incontáveis conceitos, a violência contra a mulher pode ser


indicada como qualquer ato ou conduta baseada no gênero, causando
morte, dano, sofrimento físico, sexual ou psicológico a mulher, quer
seja no espaço público, ou no espaço privado, daí a necessidade de
adentrarmos e estudarmos os diferentes tipos de violência, para que
tenhamos uma visão específica, dos danos que cada uma destas pode
provocar, ferindo a mulher em sua dignidade e a colocando numa
situação de inferioridade. (SIMÕES, 2016, p. 6).

Entretanto, juntamente com a relevância de falar sobre a problemática das


diversas violências sofridas por mulheres, como um problema grave e recorrente, é
imprescindível lembrar o modo como esta questão tem sido encarada pelo Estado.
Embora o sistema penal esteja firmado normativamente sob pilares constitucionais
como a dignidade humana e igualdade entre todos os indivíduos, na prática jurídica
tais valores ainda não se mostram efetivos.

Piazzeta (2001, p. 77), faz uma associação entre esses valores fundamentais
com o valor da justiça, o qual entende-se como a essência de todo o sistema jurídico:

69
Conclui-se, então, que a liberdade, igualdade e justiça são valores
ligados de forma indissolúvel. No momento em que se nega à mulher
a igualdade na lei, nega-se a este ser humano parte de sua liberdade,
atingindo-o em sua dignidade e, certamente, impedindo a realização
da justiça.

Em que pese os esforços dos movimentos de mulheres, no sentido de libertar o


sistema criminal dos ranços machistas e patriarcais, e adequá-lo à finalidade legítima
de combater a violência em todas as suas formas, percebe-se muitas resistências e
dificuldades neste processo. Isso acontece porque, para além dos preceitos legais de
natureza punitiva compatíveis com a ideia de igualdade, também se mostram
necessárias políticas públicas capazes de romper com a cultura machista e patriarcal
ainda presente na sociedade e que, por sua força, acabam por se reproduzir na
operacionalidade do sistema penal.

É diante dessas relações de opressão do homem sob a mulher, num contexto


de inúmeras desigualdades sociais, que Estado e sociedade anseiam pela efetiva
concretização de uma igualdade real. Propor políticas públicas que impulsionem
igualdade de gênero é evidenciar mudanças emancipatórias. No Brasil (BANDEIRA,
2005) um olhar voltado à proteção das mulheres se deu inicialmente com a criação
do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher em 1985, posteriormente, criou-se a
Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher em 2002, ambos vinculados ao Ministério
da Justiça, e tinham por finalidade o combate à violência contra a mulher, participação
da mulher no cenário político do país e sua inserção no mercado de trabalho. Também
o Ministério do Desenvolvimento Agrário buscou introduzir a perspectiva de gênero
em seus programas, com distribuídos de recursos, entre outros programas
governamentais.

Entretanto os instrumentos legais como a Lei Maria da Penha (Lei nº


11.340/2006) e a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015) que regulam questões como
violência doméstica e familiar e também por razão do gênero, em que pese tenham
sido criadas após muita resistência do sistema de justiça criminal, podem ser
evidenciadas como marcos importantes na história da legislação penal brasileira, no
sentido de que buscam a superação de qualquer tipo de violência e discriminação
contra as mulheres.
70
A indignação com o modo pelo qual a violência doméstica era tratada
e a visão de que esse crime merecia um tratamento diferenciado
induziram os movimentos feministas a reivindicar mudanças que
levaram à promulgação da lei “Maria da Penha”. (DEBERT; GREGORI,
2008, p. 172).

Nesse sentido também corrobora Thiago André Pierobom Ávila (2007, p. 2):

O tratamento diferenciado que a lei confere à mulher funda-se no


reconhecimento de que existe um papel social artificialmente atribuído
à mulher, caracterizado pela subordinação familiar, não-independência
econômica, de ser a responsável pelas atividades de casa e criação
dos filhos enquanto o homem é o responsável pelo sustento, de ser a
responsável pela manutenção da unidade familiar, de lealdade ao
“chefe do lar” mesmo nas dificuldade (leia-se agressão), de ausência
de voz ativa na gestão da família, de necessidade de manter o
matrimônio a qualquer custo sob pena de se tornar uma pecadora, de
aceitação da violência como um problema normal de casal e sua
denúncia como atitude desleal, afora os mitos construídos de que
“mulher gosta de apanhar” ou que “é necessário domar a mulher”.

Nos termos do parágrafo 8º do artigo 226 da Constituição federal de 1988, a lei


Maria da Penha, traz em seus dispositivos meios que buscam inibir condutas
agressivas às mulheres, embora os números desta forma de violência Brasil ainda
sigam altos. Referida legislação veio para definir uma política de, segundo Simões
(2016, p. 11) “prevenção e atenção no enfrentamento a violência e criou mecanismos
fundamentais e específicos no âmbito jurisdicional, como os Juizados de Violência
Doméstica e Familiar, de competência civil e criminal.”

A referida legislação trouxe instrumentos importantes e com atuação mais


eficiente para a concretização de uma verdadeira justiça, em prol da mudança do
pensamento social e emancipação do indivíduo. Em seus textos, a Lei 11.340/2006,
sob um olhar constante à tutela feminina, versa sobre questões como medidas
protetivas de urgência em favor da vítima mulher, encaminhamentos à programas de
proteção, lesões corporais em situação de violência doméstica que deixam de ser
infração penal de menor potencial ofensivo e passam a admitir prisão em flagrante,
vedação de penas pecuniárias ou multa isolada e direito à tramitação preferencial.
(ÁVILA, 2007).

E quanto à Lei do Feminicídio, corrobora Baêta e Neto (2016, p. 202):

71
Seguindo a trajetória iniciada em 2006, pela criação da Lei Maria da
Penha, em 2015 foi criada a Lei nº 13.104, que introduziu a categoria
feminicídio no Código Penal Brasileiro, enquanto qualificadora do crime
de homicídio, como forma de combater à impunidade nos crimes
relacionados à violência de gênero e reconhecê-los na forma da lei.

Também entende Simões (2016, p. 18):

De tal modo, apesar de distintas opiniões no que concerne ao termo


“feminicídio”, podemos afirmar como sendo a morte violenta, não
acidental e não ocasional de uma mulher em decorrência justamente
da sua condição de gênero. Assim, considerada uma forma extrema
de violência praticada contra a mulher e que desponta um conjunto de
vulnerabilidade sofrida ao longo da vida por questões relacionadas a
sua condição social, cultural e histórica, pois, há de se admitir a
prevalência da dominação masculina em detrimento do sexo feminino,
o que causa repulsa, a este tipo de comportamento, resultando em um
crime hediondo, tipo de crime, que encontra sua fundamentação legal
na Lei 8.072/90.

A trivial violência é reproduzida no meio social pelas ideias e práticas, e chegam


às mulheres de diversas maneiras, sendo explicadas pelas relações de poder
desiguais estabelecidas na sociedade. Seu excesso está impregnado no dia a dia dos
indivíduos e tem deixado cada vez mais marcas de sangue e dor para as mulheres e
suas famílias, na tentativa de se desfazer dessa condição de subordinação e
sofrimento, inúmeras mulheres perdem suas vidas por imposições de poder
masculino. Conforme Pauletti (2016, p. 41) “o crime de feminicídio não se caracteriza
como um fator isolado, mas sim como um desfecho de manifestações de violência
física, verbal e psicológica que as mulheres são submetidas ao longo de suas vidas”.

A promulgação da Lei 13.104/15 tem fundamento na realidade violenta e


homicida em que estão inseridas as mulheres pela sua condição feminina. Desta
forma incluíram a modalidade de crime qualificado ao feminicídio, em seu parágrafo
2º - A do artigo 121 do Código Penal, norma que aduz as “razões da condição de sexo
feminino”, podendo ocorrer em duas hipóteses, quando houver violência doméstica e
familiar e também menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Entretanto,
observa-se um detalhe de suma importância, a nova norma tem na sua essência inibir
a matança de mulheres pelas razões acima mencionadas, porém, dois anos já se
passaram, e os números de feminicídios não diminuíram.

72
É o que demonstram os bem recentes dados do 11º Anuário Brasileiro de
Segurança Pública, divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2017),
tanto para homicídios como para crimes sexuais, registra-se um crescimento de 3,5%
de estupros, resultando em 49.497 ocorrências em 2016. No mesmo ano, registrou-
se uma mulher assassinada a cada duas horas no Brasil, com um total de 4.657
mortes. Entretanto, como Feminicídio foram classificados apenas 533 casos, mesmo
a Lei tipificando as mortes relacionadas à violência doméstica e familiar, e também
por motivação de gênero, demonstrando a dificuldade de aplicar a nova legislação.

Depreende-se que, em que pese a Lei do Feminicídio seja considerada um


avanço primordial do olhar protetivo às mulheres, pouco se sente a efetividade da
legislação. Diante disso, enseja um questionamento sobre a função figurativa do
sistema penal, visto que os assassinatos de mulheres por homens de seu círculo
familiar continuam aumentando, mesmo incidindo em uma qualificadora penal.

Sabe-se que a legislação penal tem, necessariamente, características


que são simbólicas. Ao criminalizar ou ampliar o rigor das penas para
determinados comportamentos pretende reforçar o valor/importância
dos bens jurídicos protegidos, elevando-os a condição de bens
jurídicos-penais. Deste modo, são emitidas, por intermédio de normas
penais, mensagens à sociedade com o objetivo de motivar seus
membros a respeitar os valores nela tutelados. Nesta perspectiva, ao
aumentar o rigor das sanções aplicáveis ao feminicídio, a norma penal
reafirma o valor da vida humana, em especial da vida das mulheres,
que tem sido vítimas preferenciais da violência doméstica e familiar, do
preconceito e da discriminação. (WEILER; HAUSER; BELIBIO, 2015,
p. 2).

São inúmeras as medidas de proteção à mulher pelo governo, as quais têm sido
um apoio diário nas situações conflituosas para o combate a todos os diversos tipos
de violências contra elas e o incentivo ao empoderamento pessoal e econômico
feminino. Diversas secretarias criadas com o objetivo de coibir e auxiliar mulheres em
situações difíceis, oferecem serviços de atendimento telefônico, para receber
denúncias e reclamações. Delegacias da Mulher, que dão um tratamento
humanizados para mulheres fragilidades e em situações de vulnerabilidades em
situações de violências. Em contrapartida às ações governamentais, insistem ainda
os altos índices de humilhações, agressões, abusos e homicídios ao gênero feminino.

73
Diante da realidade de todo o ordenamento jurídico, conclui-se que, embora este
ainda deslize em tratamentos discriminatórios contra a mulher, o mesmo tem se
modificado e evoluído para validar valores constitucionais que carrega consigo, como
a dignidade humana, a liberdade e a igualdade entre os gêneros. Quando fala-se em
avanços, associa-se, por exemplo, nos inúmeros direitos que as mulheres têm
conquistado, mesmo que tardiamente e de modo tão dificultoso, como os direitos de
família e direitos sucessórios, não importando mais sua condição feminina para que
lhe fosse limitado certas garantias. No âmbito trabalhista, pelo olhar humanizado à
mulher diante da condição biológica que lhe confere, física e reprodutiva,
oportunidades à mulher com deficiência, políticas que garanta às mulheres negras
igual oportunidade, entre outros. De acordo com Perez (2001, p. 53) “um dos mais
importantes desafios colocados para a democracia brasileira é o de ensejar no seio
da sociedade novas relações, onde as mulheres sejam reconhecidas e tratadas como
cidadãs de pleno direito”.

Em que pese o sistema penal não tenha o poder, de isoladamente, alterar a


realidade cultural que desiguala, inferioriza e violenta a mulher, é necessário, ao
menos, que o mesmo não utilize de instrumentos (legais ou operacionais) que
reproduzam o imaginário misógino e preconceituoso ainda presente na sociedade.
Deste modo, também o sistema penal deveria, em uma sociedade democrática e
pautada pelo valor da dignidade, afirmar a igualdade de gênero e o respeito
incondicional ao ser humano. Pois, como já fora visto, uma sociedade democrática é
construída sob pilares fundados nos direitos fundamentais e imprescindíveis ao
indivíduo, que proporcionam a ele o acesso às necessidades básicas de forma digna
e o direito a garantias estatais, quando da necessidade de uma intervenção.

Não se trata de sustentar a igualdade absoluta entre o ser humano feminino


e o ser humano masculino, levando em consideração que inúmeras
diferenças já foram ressaltadas, como a questão da reprodução. Entretanto,
essas diferenças não implicam sustentar a tese da superioridade ou
inferioridade. Logo, pode-se concluir que as diferenças trazidas no Código
Penal, no tratamento das mulheres, são baseadas em discriminações e
preconceitos. Em suma, esse tratamento diferenciado está a serviço de
interesses masculinos e da perpetuação do dogma da superioridade
masculina (PONCHIO e SILVA, 2011, p. 22).

74
Deste modo, os valores fundamentais ao indivíduo, trazidos pela Carta
Constitucional, dão significado ao Estado Democrático de Direito, o qual tem por
objetivo uma visão mais humanitária e coletiva sobre todos, no sentido de propiciar
justa e ampla cidadania às pessoas. Isso se dá sob o anseio de garantir a eficácia
desses princípios constitucionais, por meios processuais criados e que necessitam
tanto da conduta imparcial do poder judiciário como da participação consciente da
sociedade.

Apesar dos significativos avanços normativos, sabe-se que ainda é preciso


avançar mais, ir além, garantir a mulher o direito de livrar-se dessa ideia de que “vale
menos que o homem”, que não é capaz de alcançar um patamar superior, que é seu
dever cuidar dos filhos e entregar seu corpo e sua autonomia ao homem ou a apenas
um homem. E que, principalmente, diante das instituições públicas, as quais devem
basear-se em princípios democráticos que respeitam toda e qualquer condição
humana, sejam as mulheres cuidadosamente tratadas e valorizadas, assim como o
homem, legitimando a função social do Estado, que é com base na lei punir o
transgressor afim de que ele possa retornar à sociedade reabilitado a uma vida digna.
Isso não importa gênero, importa igualdade entre eles.

75
CONCLUSÃO

No decorrer da pesquisa o presente estudo abordou aspectos conceituais no


âmbito do sistema jurídico brasileiro, os quais mediante uma análise histórica,
proporcionou um melhor entendimento da construção dos papeis de gênero e as
desigualdades reproduzidas em sociedade e que adentram a sistemática dos órgãos
públicos, que na prática deveriam trabalhar com valores como a dignidade humana e
da igualdade entre homens e mulheres, importantíssimos para a concretização de
direitos que a Constituição Federal brasileira elenca e que fundamentam o Estado
Democrático de Direito no qual o sistema penal se ramifica.

Analisou a construção histórica das desigualdades entre homens e mulheres,


que tem por base uma cultura patriarcal que discrimina e inferioriza o gênero feminino,
como ser submisso ao homem sob constante subordinação. Situações e aspectos
históricos que mostram como se deu a construção da cultura de submissão, de forma
cruel e humilhante contra as mulheres, que além de hegemônica, reproduziu um olhar
misógino a elas, permeando tudo que se relaciona com sua condição biológica e
social. Inclusive a limitação e até o impedimento de acesso a direitos sempre
exercidos pelos homens, bem como a imputação à mulher de requisitos obrigatórios
a garantir um lugar de respeito na sociedade, como a pureza sexual, a obrigação e o
dever dos cuidados para com o lar, aos filhos e ao marido, isentando o homem da
responsabilidade nesses processos.

Abordou especificamente questões relacionadas às desigualdades construídas


em sociedade, bem como os papeis masculinos e femininos, destacando o processo
de subordinação e inferiorização da mulher. Também apresentou e discutiu conceitos
ainda muito distorcidos no meio social, que dificultam o entendimento dos indivíduos
para concretizar o respeito em sociedade, como a diferença entre as categorias sexo
e gênero, entendido a primeira como sendo como a condição natural que nasce com
76
a pessoa, os componentes biológicos e anatômicos de cada indivíduo, e o segundo,
o gênero, como construção cultural dos papeis masculino e feminino, que é feita no
decorrer da vida do indivíduo, constituindo o sujeito.

Com base na pesquisa histórica das desigualdades entre os gêneros produzidas


em sociedade, verificou-se que as mesmas se refletiram e reproduziram intensamente
no âmbito jurídico brasileiro, colocando a figura feminina em condição de inferioridade
e subordinação. Com muitas lutas, principalmente do próprio grupo feminino, essa
cultura machista dominante, não se exterminou mas diminuiu consideravelmente, e
recebeu grande estímulo com o advento da Constituição Federal de 1988, que
garantiu expressamente a igualdade entre os gêneros no país e o acesso de ambos
à garantias e direitos fundamentais como cidadãos de um estado democrático.

E adentrou no sistema de justiça criminal, que historicamente também se fez de


modo discriminatório e desigual para com a mulher, hierarquizando os papeis de
gêneros e atuando como limitador do direito à sexualidade feminina no que tange à
sua liberdade, apenas. Entretanto, o sistema penal, também necessitou acompanhar
os avanços constitucionais adquiridos no ordenamento do país, que deu
principalmente à mulher maiores e melhores direitos à cidadania e tratamento
igualitário, inexistentes em legislações anteriores.

Ainda que se tenha alcançado grandes avanços, muito se tem a lutar, visto que
o sistema penal atua, em inúmeras situações, de forma discriminatória contra o gênero
feminino, o que se visualiza não apenas na legislação penal, mas também no
processo de interpretação e aplicação das normas, demonstrando a permanência de
resquícios históricos da desigualdade entre homens e mulheres. Questões como a
criminalização do aborto voluntário, que se coloca também como uma forma de
controle do corpo da mulher, que lhe nega o “poder” de domínio sobre o seu próprio
corpo, o qual é feito por uma instituição pública, demonstram a persistência da
desigualdade. Isso também se dá no processo de proteção simbólica da dignidade
sexual da mulher, uma vez que o sistema penal, ao supostamente tutelar sua
integridade física e sexual, julga a vítima juntamente com seu estuprador,
reproduzindo, não raras vezes, no discurso jurídico, o senso comum de culpabilização

77
da vítima, produzindo julgamentos moralizantes, que inibem inúmeras denúncias de
violências sexuais e impedem a concretização da justiça no âmbito dos crimes contra
a dignidade sexual.

A desigualdade de gênero também se mostra presente em relação ao processo


de encarceramento de mulheres no país. Primeiro porque a expansão do número de
presidiárias deriva, em grande medida, dos processos sociais discriminatórios para
com a mulher, que estão intimamente ligados à subordinação masculina, dependência
econômica e afetiva, falta de informação e uma educação formal, bem como a
incidência de crimes na Lei de Drogas, o que se observa pela influência do
companheiro empurrando a mulher para a criminalidade. Mas também se manifesta
na estrutura precária de unidades prisionais, visto que são pouquíssimas as
instituições carcerárias específicas às mulheres, o que faz com que estejam
recolhidas em penitenciárias masculinas ou mistas, em prédios inadequados às
condições femininas e suas necessidades fisiológicas e reprodutivas, para melhores
condições de amamentar e conviver com seus filhos menores. Outro aspecto é o
abandono familiar, bem como a limitação da visita íntima, o que se evidencia de forma
diferente para com os homens, como se o direito à sexualidade fosse facultativo às
mulheres.

Diante dos pontos pesquisados, fica evidente, em diversos aspectos, o


tratamento desigual do sistema penal às mulheres, tanto quando vítimas ou quando
venham a delinquir, o que indica a existência de uma resistência do sistema em
trabalhar sob a égide do princípio da igualdade entre os gêneros, bem como em prol
da efetiva concretização de valores como da dignidade humana. Tal realidade implica
a necessidade de consolidação de políticas públicas e campanhas, pois estas tem
sido diretrizes determinantes em prol da proteção à mulher e coibição de atos
violentos e discriminatórios contra o gênero feminino.

De todos os meios já institucionalizados que visam dar apoio e proteção às


mulheres dois sãos os grandes marcos para a concretização desses objetivos: a
modernização das legislações, especificamente a Lei Maria da Penha (Lei nº
11.340/2006) que nasceu, mesmo que dificultosamente, pela luta de uma mulher em

78
nome de inúmeras outras também, contra agressões e tentativas de assassinato de
seu próprio marido durante anos, e também a Lei do Feminicídio, construída com base
nos elevados índices de homicídios contra mulheres, decorrentes de violências
domésticas e familiares por questões relacionadas ao gênero feminino.

Esses são marcos importantes, mas a luta pela igualdade de gênero precisa
seguir, visando assegurar maior equidade entre homens e mulheres. Os avanços não
devem permanecer apenas bem elaborados em leis promulgadas pelo sistema
legislativo brasileiro, necessitam ser concretizados. E essa luta é de toda a sociedade,
que deve atuar no sentido da superação da cultura que subjuga, inferioriza e julga a
mulher, diminuindo-a e desvalorizando-a como ser humano, negando-lhe direitos, em
especial o de liberdade. Deve se construir uma cultura de respeito ao próximo sempre,
independente do sexo que nasceu e do gênero que ele construiu, mas principalmente
pelo ser humano que é. E esse movimento deve adentrar todas as instituições de um
Estado, especialmente quando este é construído com vistas aos valores referentes à
igualdade entre homens e mulheres e dignidade humana, o que exige o respeito de
cada pessoa como portadora de direitos fundamentais que devem, além de previstos
normativamente, também ser efetivados na prática.

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