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GRANDE DO SUL
Ijuí/RS
2017
1
MAIARA RUCIELE DA SILVA
Ijuí/RS
2017
2
Dedico este trabalho a todos que de uma forma ou de
outra me auxiliaram e ampararam-me durante estes
anos da minha caminhada acadêmica.
3
AGRADECIMENTOS
4
[...] a mulher sempre foi, senão a escrava do homem, ao
menos sua vassala; os dois sexos nunca partilharam o
mundo em igualdade de condições; e ainda hoje, embora
sua condição esteja evoluindo, a mulher arca com um
pesado handicap. Em quase nenhum país seu estatuto
legal é idêntico ao do homem e muitas vezes este último a
prejudica consideravelmente. Mesmo quando os direitos
lhe são abstratamente reconhecidos, um longo hábito
impede que encontrem nos costumes sua expressão
concreta.
Simone de Beauvoir
O Segundo Sexo
5
RESUMO
6
ABSTRACT
The present work of conclusion of course will address the punitive question that
is directed to the woman, causing her discrimination and inequality with respect to the
men, and that this situation is initiated by the impositions of the familiar power to the
genre, perpetuated by a culture in which the patriarchal system of domination of the
female figure and that consequently reflects, in the operability of the criminal justice
system. Taking as a reference the values of dignity and equality, foundations of the
Democratic State of Law, will analyze the historical construction of inequality between
men and women, pointing out their incidence within the Brazilian legal system,
specifically the Criminal System and to what extent it also contributes to reproduce this
inequality between genders. In a second moment, it will discuss specifically the
Brazilian Penal System and the manifestations of gender inequalities in the criminal
legislation itself, analyzing controversial issues such as the criminalization of abortion,
rape culture, control of the body and female sexuality, and the protection of the sexual
dignity of women. It enters the prison system, making a historical analysis of the female
imprisonment, as well as the actual reality of the imprisoned woman. It also discusses
advances in the search for equality and feminine protection against an insistent sexist
culture that undermines and attacks women, pointing to important legal milestones,
such as the Maria da Penha Law, Law 11.340 / 2006 and the Law of Feminicide, Law
13.104 / 2015, which seek to overcome violence and discrimination against women.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
CONCLUSÃO............................................................................................................76
8
REFERÊNCIAS..........................................................................................................80
9
INTRODUÇÃO
11
também a real operacionalidade do sistema em relação aos crimes que mais
frequentemente envolvem mulheres, seja na condição de vítimas ou autoras.
12
Feminicídio, que são reflexos dos altos índices de violências físicas e ataques à vida
das mulheres no país.
13
1 DIGNIDADE HUMANA, PAPÉIS DE GÊNERO E DESIGUALDADE NO ÂMBITO
DO SISTEMA PENAL: ASPECTOS CONCEITUAIS E HISTÓRICOS
Diante dessa realidade, e com objetivo de buscar clareza sobre tais culturas
discriminatórias e desiguais entre homens e mulheres, serão analisados aqui, alguns
valores que fundamentam as sociedades democráticas ocidentais e que se encontram
consagrados no texto da Constituição Brasileira de 1988. Valores que representam os
fundamentos do Estado Democrático de Direito e buscam assegurar a igualdade de
todos, negando violência e a discriminação em todas as suas formas seja a raça, a
classe social, a opção sexual, entre outros.
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político. (BRASIL, 2010, p. 2).
Esse era o direito de liberdade num dos dois sentidos principais do termo, ou
seja, como autodeterminação, como autonomia, como capacidade de legislar
15
para si mesmo, como antítese de toda forma de poder paterno ou patriarcal,
que caracterizara os governos despóticos tradicionais. (BOBBIO. 1992, p.
86).
16
Segundo Dallari (2012) a transição do mundo medieval para o mundo moderno,
marcado pelo término do sistema absolutista, consolidou definitivamente o Estado
moderno e a ideia de ser o homem portador direitos naturais, sendo inúmeros os fatos
históricos que contribuíram para dar fundamento ao que hoje chamam-se direitos
humanos. Porém, o marco principal e de maior significância na consolidação desses
direitos foi a Revolução Francesa (1789), da qual derivou a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, um dos principais documentos históricos de cunho
universal, sem as limitações religiosas impostas da época.
17
estratégia para o desenvolvimento de uma justiça social igualitária e dos meios para
corrigir as desigualdades constantes.
18
Mas como maior fundamento de existência do princípio da dignidade da pessoa
humana, têm-se as atrocidades praticadas durante a 2ª Guerra Mundial, quando a
Alemanha Nazista violou gravemente a dignidade das pessoas sob argumentos
estatais. Tais violações eram praticadas em campos de concentrações, consistiam
em massacres a populações judias, ciganos, entre outros e foram fundamentais para
elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 (GUERRA, 2012).
19
uma sociedade democrática que presa pelos valores da dignidade o qual abrange
inúmeras garantias fundamentais, mas especificamente ao direito da igualdade, não
concretizado na prática, uma vez impedido por desigualdades dominantes na vida
diária das pessoas.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição;
[...] (BRASIL, 2010, p. 3-4).
20
A análise de equidade na sociedade brasileira apresenta, em alguns aspectos,
resultados positivos à mulher como, por exemplo, a expectativa de vida em média
superior aos homens e também, quanto aos melhores níveis de educação. Em
contrapartida, mesmo com o aumento da participação feminina em todas as esferas
da sociedade, a desigualdade de gênero ainda persiste, em especial no mercado de
trabalho, e se faz presente em fatores como a discriminação salarial, uma vez que
esta quando ao ocupar as mesmas funções masculinas é remunerada de maneira
inferior. É o que entende Dias (2008, p. 6) ao observar que “[...] A mulher ainda está
fora do mercado de trabalho mais qualificado, ganha menos no desempenho das
mesmas funções, tem dupla jornada de trabalho, ou seja, ainda não dá para falar em
igualdade. ”
21
segregação ocupacional que torna o leque de profissões femininas mais estreito do
que o masculino” (ALVES; CAVENAGHI, 2013, p. 95). A partir disso, é possível identificar
um número de desemprego masculino consideravelmente menor do que em relação
ao grupo feminino, visto que aos homens são oferecidas mais oportunidades.
Para Verucci (1987, p. 85) “A liberdade sexual deve ser encarada como direito
fundamental do indivíduo [...]”, ideia esta que se contrapõem com o que ainda se
reproduz na sociedade atual quanto à sexualidade feminina. O código penal de 1940,
ao descrever os delitos contra a liberdade sexual, por exemplo, tinha como objeto
primordial de proteção os costumes, vinculando a proteção de mulheres a uma
postura de honestidade feminina no campo da sexualidade, o que exigia destes
22
padrões comportamentais de recato e pudor. Este código “enfatizava a honra
masculina e honestidade feminina, a autoridade do pai baseava-se simbolicamente
no seu controle da sexualidade da mulher” (CAULFIELD, 1996).
23
Institutos como Flacso, juntamente com a ONU-Mulher, OMS/OPAS, a PNS
2013, IBGE e a Secretaria de Políticas para as Mulheres, consideraram oportuno e
necessário atualizar os dados da violência, cujo objetivo é verificar a evolução recente
deste problema no Brasil e no mundo. E dos índices internacionais, com base nos
dados fornecidos pela Organização Mundial da Saúde, infelizmente, de um grupo de
83 países, o Brasil ocupa a 5ª posição, cuja taxa de homicídios a mulheres é de 4,8
por 100 mil habitantes, evidenciando índices excessivamente elevados no quesito
violência (WAISELFISZ, 2015).
24
Organização sexual hierárquica da sociedade tão necessária ao domínio
político. Alimenta-se do domínico masculino na estrutura familiar (esfera
privada) e na lógica organizacional das instituições políticas (esfera pública)
construída a partir de um modelo masculino de dominação (arquétipo viril).
(COSTA, 2008, p. 4).
25
al término «sexo». Mientras que El segundo expresa lãs diferencias biológicas, El
primero describe lãs características socialmente construídas. ”
Ele pode lançar luz sobre a história das mulheres, mas também a dos
homens, das relações entre homens e mulheres, dos homens entre si e
igualmente as mulheres entre si, além de propiciar um campo fértil de análise
das desigualdades e das hierarquias sociais. (TORRÃO FILHO, 2004, p.129).
Quanto à conquista do voto feminino, explica Cleide Maria Silva Prestes (2015,
p. 56) este “[...] a rigor, desde a Constituição Federal de 1891 era permitido. O
impedimento era em consequência da interpretação da norma constituinte como
excludente do voto das mulheres [...]”. Ou seja, muito tempo antes de ser decretado
às mulheres, o voto feminino já estava implicitamente expresso na referida
Constituição, uma vez que seus artigos não elencavam a mulher como impedida de
votar. Entretanto, pelo fato de não estar ali elencada, bem como impedi-la à cidadania
plena, pois era sujeita à autoridade do pai e do marido, não obtinha, a mulher, o direito
de votar.
28
estabelecido que essa autoridade deveria ser exercida no estrito benefício da
família, somente como “garantia da preservação da unidade familiar”.
Permaneceu também o direito do marido anular o casamento se descobrisse
que sua mulher não era virgem e o direito do pai deserdar a filha desonesta.
(MATOS e GITAHY, 2007, p. 81).
Com a previsão do artigo 226, parágrafo 5º, o homem deixou de ser o chefe
da sociedade conjugal e foi determinado que ambos exercessem os direitos
e obrigações conjunta e igualmente, não podendo mais a mulher ser
conduzida a um patamar de inferioridade para que não configure ofensa a
sua dignidade. (MATOS E GITAHY, 2007, p. 82).
29
Segundo Prestes (2015, p. 72) “com o advento da Constituição Federal de 1988,
a expressão mais usada, passou a ser ‘poder compartilhado’, a qual ainda mantém
uma rápida aliteração do ‘p’ (ainda resquício do patriarcal?) ”. Quanto aos filhos, a
Constituição também estabeleceu o princípio da isonomia, ao proibir quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação. “Havidos ou não da relação de
casamento, ou por adoção, todos têm os mesmos direitos e qualificações, conforme
parágrafo 6º do artigo 227”. (DIAS, p. 2).
30
contradição, a Constituição Federal de 1988, tem relevante significado para a
promoção da dignidade feminina como confirma Prestes (2015, p. 82):
31
Sabe-se que os sexos se relacionam desde os tempos primitivos, sob a ótica das
construções sociais, porém, incorreto é associar as questões de desigualdades entre
os gêneros com o processo natural de interação entre eles. Pois, segundo Safiotti
(apud NETTO; BORGES, 2013, p. 320) “a desigualdade surge da relação de
dominação-exploração da mulher pelo homem que são duas faces da mesma da
moeda”. Ou seja, junto da ideia de submissão da mulher ao homem tem-se a ideia de
contrato e, “(...) o direito masculino sobre o corpo feminino nasce com o direito de
punição da mulher por intermédio do contrato, caso ela não se enquadre entre os
padrões estabelecidos por homens e para eles, do que é ser mulher” (NETTO;
BORGES, 2013, p. 321).
32
Assim, identifica-se a mulher criminosa como figura feminina que não se
adaptou (por defeito em sua formação moral) à condição de subalternidade
intrafamiliar e a vida do lar, ou seja, de condução da casa, os filhos e do
império domiciliar (quando o patriarca está fora, no mundo do trabalho e da
política – no espaço público); ou ainda, que não se satisfaz com a inserção
no mercado de trabalho, realizando as tradicionais atividades femininas
menos valorizadas, ou ainda, realizando atividades iguais as do homem
percebendo valor inferior pelo simples fato de sua condição feminina; ou mais
que apresenta qualquer outra manifestação de distúrbio em sua formação
biológica ou moral, como relações afetivas tidas como anormais, vista como
pervertida, entendida como desonesta, prostituta, sem falar na rotulação de
louca, utilizadas como forma de patologização de pessoas com status social
um pouco mais elevado. (LEAL, 2015, p. 5).
Como corrobora Netto e Borges (2013, p. 321) quanto a função do direito penal
em relação à mulher:
Segundo Gomes (2016, p. 66) “o corpo feminino tem sido vigiado e censurado
há muito tempo, desde a Antiguidade, com uma suposta inferioridade frente ao corpo
masculino”, e na Idade Média, quando o poder punitivo e o sistema patriarcal
alinhavam-se, criaram-se normas para controlar as relações familiares e sexuais,
moralizando a vida em sociedade, segundo os padrões religiosos hegemônicos
naquele contexto.
34
Dentre outras situações de controle feminino, o que de mais relevante se
observa, é que essa misoginia social impregnou-se no sistema de justiça criminal e
se reflete na operacionalidade do Estado em relação a criminalidade feminina,
influenciado por uma ideologia machista, que estipula alguns papéis à mulher,
imputando-lhe deveres como, por exemplo, manter-se sempre honesta.
A autora faz referência ainda sobre o texto da legislação penal brasileira de 1940
que ocupava-se em tutelar os costumes, reproduzindo visões machistas e
conservadoras sobre o exercício da sexualidade da mulher que precisava ser honesta
para que fosse considerada vítima de um delito sexual. Somente com a Lei 12.015/09
que determinou o título atual, Dos crimes contra a Dignidade Sexual, encerrando o
conceito de intimidade, o texto e alinhou-se ao princípio da dignidade da pessoa
humana, um dos fundamentos da Constituição Federal, elencado no art. 1º, III da
CF/88.
Crimes também como o “Rapto” (arts. 219 e 220 do CP), revogados pela Lei nº
11.106/2005, tinham como sujeito passivo, única e exclusivamente a “mulher
honesta”, por não ter rompido com a decência exigida pelos bons costumes, ou seja,
qualquer outra moça que tenha um comportamento diverso dos conceitos de boa
conduta feminina, não tinha o direito de receber a proteção penal do Estado
(VERUCCI, 1987, p. 86).
36
Corrobora Daniella Georges Coulouris (2004, p.4) com relação a diferença da
honestidade feminina da masculina no passado:
Segundo Netto e Borges (2013, p. 330) “tais práticas delitivas possuem como
objetivo principal, dentre outros existentes, a ocultação da desonra própria”, visto que
em um passado não muito distante, ser “mãe solteira” era motivo para intensa
vergonha e escândalo social, e ainda persistem na sociedade atual.
38
2 AS MANIFESTAÇÕES DA DESIGUALDADE DE GÊNERO NO ÂMBITO DO
SISTEMA PENAL BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO
39
Desde os tempos remotos entende-se que a sociedade necessita de uma
estrutura disciplinadora, que possa regrar o convívio entre seus integrantes de forma
indispensável, a qual, caso venha ser desobedecida, irá gerar consequências àqueles
que transgrediram aos seus preceitos. A partir da contemporaneidade configurou-se,
na estrutura do sistema normativo das sociedades ocidentais, uma ramificação que
regula especificamente o exercício do poder punitivo estatal, o qual é chamado de
Direito Penal.
Essa forma de controle social que advém do Direito Penal não existe
isoladamente, pois este “é o segmento do ordenamento jurídico que detém a função
de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade
[...]” (CAPEZ, 2010, p. 19), penalizando-os com sanções mais rigorosas e, como tal,
também é produzido tendo em vista os valores fundamentais previstos na
Constituição. Isto é, o Direito Penal bem como todos os demais ramos do Direito,
possui como fonte basilar a Constituição, a qual impõem os preceitos jurídicos-penais
de maior relevância, criando e direcionando as leis punitivas do ordenamento jurídico
do país.
1
A persecutio criminis compõem-se de dois momentos distintos: uma primeira fase pré-processual e
uma segunda fase processual. Na primeira fase, onde alberga-se a investigação preliminar, tem como
principal função angariar elementos informativos, objetivando desta forma, robustecer e subsidiara
opinio delicti do titular da ação penal. Na segunda fase, desencadeada em âmbito judicial, desenvolve
toda trama processual em si, onde as garantias constitucionais são asseguradas, como o contraditório
e a ampla defesa, devido processo legal, presunção de inocência e principalmente a dignidade da
pessoa humana.
(http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16458&revista_caderno=2,
2017).
40
para o alcance deste desiderato constitucional democrático.
(SBARDELOTTO, 2001, p. 81).
41
realidade mais seletiva e estigmatizante do que igualitária e protetora da dignidade
humana.
Sabe-se quanto ao sistema penal, que o mesmo possui como maior objetivo a
regulação da vida em sociedade para promoção da paz social e para o controle da
violência, com a dominação estatal sobre a mesma, mas, em contrapartida, também
busca limitar o poder estatal diante das liberdades individuais, mediante as garantias
constitucionais.
Segundo Paulo Queiroz (2014, p. 415) a partir deste contraponto funcional que
o sistema exerce diante da sociedade, existem teorias deslegitimadoras
(Abolicionismo Penal e Minimalismo Radical)2, que insurgem contra a existência do
Direito Penal, recusando a legitimidade estatal, sob alegação de que o sistema mais
42
gera problemas do que soluciona-os, devido às características criminógenas e
seletivas que carrega.
43
O sistema penal, quer quando da edição das leis (criminalização
primária), quer quando da sua aplicação e execução (criminalização
secundária), seleciona sua clientela, sempre e arbitrariamente, entre
os setores mais vulneráveis da sociedade, entre os miseráveis, enfim,
reproduzindo desigualdades sociais materiais. Por consequência, o
fato de as prisões se acharem superlotadas de pessoas pobres não é
acidental, porque inerente à lógica funcional do modelo capitalista de
produção, em cujo sistema o acesso aos bens e à riqueza se dá de
modo inevitavelmente desigual.
Um olhar histórico demonstra que nas últimas décadas, o Direito Penal brasileiro,
em concordância com a Constituição de 1988, tem-se modificado beneficamente à
proteção e afirmação da igualdade de gênero, tendo permitido especificamente à
mulher conquistas gradativas de seus direitos humanos e sociais. Porém, ainda
evidenciam-se no sistema criminal, quanto à tal questão, resquícios patriarcais
resistentes aos valores igualitários, os quais como reflexo da atual sociedade, que em
tese, deveriam ser democráticos. O Código Penal Brasileiro, devido à época
conservadora do seu surgimento, na então década de 1940, ainda arraiga muitos de
seus dispositivos à laços dominantes à figura feminina, propagando proteção e
limitação a um ser considerado vulnerável e submisso.
44
Depreende-se a severidade da legislação penal, pois segundo Farah (2015, p.
2) “a preocupação anterior era de proteger a saúde da gestante. O propósito foi
ampliado, para também proteger, como um todo, a vida humana”, desta forma,
permite-se o aborto, tão somente em duas hipóteses, às do art. 128 do CP, incisos I
e II, quando acarreta risco à vida da mulher e nos casos de gestação decorrentes de
estupros, excluindo a ilicitude da conduta.
45
Entretanto há ainda uma força moral que envolve o delito de infanticídio, devido
ao receio da mulher à exposição, vergonha e coerção familiar, e diante de tal
desespero, ela mata o filho indesejado, contrariando a tentativa do código em eliminar
as questões de honra.
Conclui-se que a real situação feminina, que vai da carência econômica e afetiva,
do medo do desemprego até a exclusão familiar e social, são os fatores que de fato
incidem nos crimes de infanticídio, diferentemente da justificativa cominada no código
penal, que na prática, efetiva-se contrária, reproduzindo característica seletiva e
discriminatória do sistema, as quais insistem em existir com o passar do tempo.
47
apenas abstrata, dado que o texto da referida lei reforça a igualdade entre os seres
humanos de sexos diferentes, em consonância com a Constituição Federal de 1988,
porém os índices de violência contra a mulher ainda se mantêm constantes e
evidenciam, conforme entende Nucci (2012, p. 544), que a edição da Lei 11.340/2006,
embora tenha buscado a afirmação da igualdade, ainda não solucionou as questões
de discriminação e violência contra a mulher, pois, o trabalho do estado, não se dá
somente pelas leis, e sim, na educação e da conscientização quanto aos valores
humanos, entre os quais está a igualdade de gênero.
48
Depreende-se da nova legislação que, embora tenha sido produzida em uma
perspectiva de maior rigor punitivo aos homens que, mediante uma violência
patriarcalizada matam mulheres (geralmente suas atuais ou ex companheiras), essa
se detém apenas a nomear o crime contra o gênero feminino, em feminicídio, não
alterando significativamente a penalização estabelecido ou assegurando de fato a
redução dos índices de assassinatos de mulheres no país.
49
Os delitos de “Posse sexual mediante fraude” e de “Atentado ao pudor mediante
fraude” foram unificados sob o título “Violação sexual mediante fraude”, excluindo-se
deles a elementar “mulher honesta”. Os delitos de rapto e rapto consensual de mulher
foram revogados, o que complementou o processo de reforma do Código Penal em
relação aos crimes sexuais, que já havia iniciado em 2006, quando, por meio da Lei
nº 11.106/2005, já havia sido revogado o delito de sedução.
50
próprio corpo. Sobre o exercício da sexualidade feminina Foucault (1997, p. 9-10)
entende que:
A tipificação do aborto como crime se deu ainda no Brasil Império, quando foi
definida como criminosa a conduta de aborto praticado por terceiro sem o
consentimento da gestante. Posteriormente, nas codificações seguintes, deu-se a
criminalização do auto aborto, visando a proteção à desonra própria da mulher, bem
51
como instituiu a noção do aborto legal ou necessário, tutelando a vida da gestante. E
ainda, sob fortes influencias patriarcais, manteve-se no já ultrapassado Código Penal
Brasileiro, nascido na década de 1940, o status de crime, tutelando além da mulher,
a vida do feto, independentemente de suas situações peculiares, salvo duas hipóteses
que tutelam especificamente a vida/dignidade da mulher, que estão tipificadas no
artigo 128 do CP (incisos I e II), onde não se pune o aborto praticado por médico,
quando não há outro meio de salvar a vida da gestante e no caso de gravidez
resultante de estupro.
De resto as condutas dos artigos 124,126 e 127 do CP, que criminalizam o auto
aborto ou por terceiro, com o consentimento da gestante, são demasiadamente
restritivas à interrupção da gravidez, e pressupõem um controle social, por negar à
mulher a autodeterminação sobre seu corpo bem como de sua sexualidade,
diretamente ligada à dignidade humana, essência primordial de um Estado
Democrático de Direito. Diante disso, a questão da (des)criminalização do aborto
voluntário, por exemplo, deve ser discutida não se fazendo um juízo de valor entre as
opiniões, mas, e imprescindivelmente, visualizando a mulher no ponto central da
discussão, na perspectiva de seus direitos sexuais e reprodutivos, evidenciando de
acordo com Cavichioli (2015, p. 53) “as problemáticas escondidas por detrás dos
discursos protetores da vida fetal e do dogma da maternidade”.
52
que necessitam solucionar sua gestação indesejada, muitas vezes de maneira
insegura” (ANJOS et al., 2013, p. 510).
Nesse sentido, entendem Gesteira, Diniz e Oliveira (apud ANJOS et al., 2013, p.
510):
53
de pleno sujeito de direito, a partir de suas convicções morais e religiosas, a liberdade
de escolha quanto à interrupção da gravidez indesejada” (EMMERICK, 2007, p. 102).
Isto é, a permissão legal e sem restrições do aborto em alguns países, evidencia-se,
por consequência, resultados mínimos de violação ao direito de acesso à saúde de
qualidade das mulheres, bem como as frequentes mortes maternas em decorrência
de intervenções clandestinas.
54
gravidez, uma vez que a sua incriminação “contraria frontalmente o
princípio da igualdade. Não só na forma evidente de desequilíbrio entre
ricos e pobres, mas de uma maneira muito mais ínvia e invisível: entre
as mulheres que concebem e os homens que participam dessa
concepção”.
Por isso se entende que o aborto não deve ser visto prioritariamente como uma
questão penal, pois, em que pese o sistema possua como finalidade declarada a
proteção à vida intrauterina, na prática, criminaliza uma conduta de modo simbólico,
impondo determinada concepção moral e assim, constituindo um real instrumento de
controle do corpo e da sexualidade feminina, com base em uma cultura patriarcal
ainda impregnada na sociedade atual. Inclusive, na realidade, caracteriza-se o
sistema criminal como, antes de solucionador de um problema, um gerador de outro,
visto que o aborto volta-se à uma questão de saúde pública, pela falta de assistência
médica e psicológica às mulheres que procuram as intervenções clandestinas,
colocando suas vidas em risco. Ou seja, o sistema penal pune a conduta delituosa da
mulher em prol da proteção do feto, mas indiretamente a direciona à meios ilegais e
inseguros com objetivo de interromper uma gravidez indesejada. Evidencia-se,
portanto, a ilegitimidade do sistema penal em manter a criminalização do aborto, pois
não tem sido útil para a vida intrauterina, tampouco eficaz para sua proteção, além de
ocasionar um custo social alto e impedir meios para enfrentar o problema de modo
eficiente.
55
princípio democrático da dignidade humana, fundamento previsto constitucionalmente
no art. 1º, inciso III, da CF/88 abrange a todos os tipos de crimes sexuais que
envolvem o indivíduo.
Entram dentro desse leque, várias condutas que violam o direito à dignidade bem
como ao da liberdade sexual de uma pessoa, que ao não consentir ou estar/ser
impossibilitada de defender-se, sofre um grave e humilhante atentado a sua
integridade física e também psicológica. Dentre elas, em especial os mais horrendos
como o estupro (art. 213) e estupro contra vulnerável (217-A do CP) e do abuso ou
exploração sexual de crianças e adolescente (art. 218-B do CP), apresentam-se como
os tipos penais que tutelam o corpo, a sexualidade e a liberdade sexual das pessoas,
e ainda estendem tal proteção a outros bens, como por exemplo, a vida, a dignidade
pessoal, a saúde, entre outros, bem como, punem àqueles que para sua auto
realização sexual infringem tal proteção penal.
59
de estupro, deixando claro que qualquer pessoa pode estar nessa
situação. (PEIXOTO; NOBRE, 2015, p. 237).
Neste mesmo sentido, entende Karin Hueck (2015, p.34) quando ela aborda
dados de uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA,
o que justifica por que o silencio daquelas que foram estupradas sempre vence. A
resposta da pesquisa demonstra que para 78% dos brasileiros o que acontecem entre
casais, no interior de seus lares, não diz respeito a ninguém. E 68% acreditam que
violências domésticas e familiares, devem ser solucionadas tão somente entre os
familiares. E para agravar a situação, 59% dos brasileiros diferenciam as “mulheres
para casar” e aquelas que “só servem para a cama”, e que se cuidassem mais de
seus comportamentos, haveriam menos estupros, com 58% dos defensores. E esse
senso comum de julgar a vítima juntamente com o criminoso, que também resulta na
ausência de denúncias.
60
Ou seja, não se reconhece à mulher seus direitos fundamentais, a sua liberdade
quanto ao controle do seu corpo e do exercício de sua sexualidade, pelo contrário, se
reconhece o direito do homem em poder violar sexualmente uma mulher,
primeiramente com base na sua condição de gênero inferiorizado e, em segundo, em
um juízo de valor que é feito a partir de sua conduta social, materializando, em
sociedade, um tratamento discriminatório contra a mulher.
Existe dentro do sistema penal, como reflexo da sociedade a que pertence, duas
perspectivas que se chocam, de uma lado a proteção à integridade física e sexual da
mulher e, de outro, a necessidade de controle excessivo de suas condutas,
especialmente no campo da sexualidade, pois em que pese pareçam contraditórios,
ambos caminham favorável à discriminação de gênero, no sentido de que ao mesmo
tempo que protege a mulher de outras condutas transgressoras da lei, não efetiva sua
tutela estatal, pois coloca sob julgamentos morais à vida pregressa da mulher, bem
como tira da mesma o direito de decidir sobre seu próprio corpo e usar do direito
natural à sexualidade.
O sistema penal apenas tenta proteger, mas na realidade, fazendo jus aos
preconceitos existentes no meio social, julga a mulher que sofre um delito sexual,
quando entende que ela extrapola em seus comportamentos públicos e sexuais,
ignorando o fato que muitas situações a que estão inseridas as mulheres, decorrem
de inúmeras desigualdades reproduzidas em sociedade. E que ainda, inclusive,
coloca sobre a mulher, cujo direito é violado, a responsabilização do ocorrido, como
se resguardar seu corpo e sua sexualidade, fosse a melhor solução para evitar atos
delituosos contra sua integridade física e sexual.
62
Conforme corrobora Braunstein (2007), no decorrer dos tempos, do período
colonial até meados de 1840, as instituições prisionais consistiam em Casas de
Câmara, cadeias e conventos, e aqui que se tem os primeiros registros de punibilidade
contra as mulheres, que eram raramente punidas e quando eram, deveria ser
conforme o padrão normatizado pela Igreja, em situações como perturbação à ordem
estabelecida ou em razão de comportamentos inaceitáveis pela sociedade,
enfrentavam os Tribunais Eclesiásticos da época, cujo procedimento se fez até a
proclamação da República.
63
morte, a prisão perpétua, o trabalho forçado, o banimento e as penas
cruéis, mas incorporou a medida de segurança, um dos principais
baluartes da Escola Positivista, em clara e inequívoca indicação de que
abandonara as ideias de inspiração religiosa do livre arbítrio e da
responsabilidade moral, para colocar em voga princípios tidos como
mais científicos como o da responsabilidade social.
Impossível não salientar aquilo que se considera um dos mais graves problemas
do sistema prisional brasileiro na atualidade, a deficiente estrutura física dos presídios:
64
Superlotação, higiene precária, prédios com estruturas antigas, falta de
saneamento e assistência médica ou psicológicas são realidades
presentes em todo o país. Por esses descuidos do Estado com a
população carcerária, muitos detentos são devolvidos à sociedade sem
qualquer reabilitação para o convívio diário com o mundo externo ao
presídio. A maioria acaba voltando para o mundo do crime. (BASSANI;
LUCAS, 2017, p. 2).
Dados estatísticos comprovam que a maioria das presas, 60% delas, não
recebem nenhum tipo de visita. Isso ocorre por dois motivos essenciais. Um
se trata da logística: como a quantidade de presas mulheres é reduzida em
comparação aos homens, existe menor quantidade de penitenciárias
femininas, o que resulta em muitos casos no afastamento da presa de sua
localidade natal, o que dificulta sobremaneira as visitas, já que a locomoção
significa despender um valor financeiro que na maioria dos casos as famílias
não possuem. Porém o fator primordial explica-se pela questão de gênero, já
que a mulher desviada recebe dupla punição, pois cometeu dois “crimes”: o
delito em si e o crime de não cumprir seu papel social do ser mulher. Isso
afeta profundamente sua imagem social, e esta carregará este estigma,
inclusive para seus familiares.
68
Como já analisado as questões de desigualdades e discriminações de gênero
possuem raízes históricas e ainda têm sido culturalmente mantidas na sociedade
contemporânea, quando a mulher é vista como inferior, na medida em que é
aprisionada a uma herança patriarcal, a qual coloca-a em uma situação desigual e
impede-a de viver livremente, em especial no que tange a sua sexualidade. Essas
relações de poder e submissão, as quais foram impostas socialmente contra as
mulheres e que perpetuam papeis hierarquizados aos gêneros, necessitam ser
desconstruídos, pois dá ao homem uma posição superior e controladora à figura
feminina, limitando a atuação desta em todos os aspectos da vida e submetendo-a,
muitas vezes, a uma posição secundária, dominada e monitorada para que exerça
apenas condutas que a sociedade considera apropriadas à mulher.
Piazzeta (2001, p. 77), faz uma associação entre esses valores fundamentais
com o valor da justiça, o qual entende-se como a essência de todo o sistema jurídico:
69
Conclui-se, então, que a liberdade, igualdade e justiça são valores
ligados de forma indissolúvel. No momento em que se nega à mulher
a igualdade na lei, nega-se a este ser humano parte de sua liberdade,
atingindo-o em sua dignidade e, certamente, impedindo a realização
da justiça.
Nesse sentido também corrobora Thiago André Pierobom Ávila (2007, p. 2):
71
Seguindo a trajetória iniciada em 2006, pela criação da Lei Maria da
Penha, em 2015 foi criada a Lei nº 13.104, que introduziu a categoria
feminicídio no Código Penal Brasileiro, enquanto qualificadora do crime
de homicídio, como forma de combater à impunidade nos crimes
relacionados à violência de gênero e reconhecê-los na forma da lei.
72
É o que demonstram os bem recentes dados do 11º Anuário Brasileiro de
Segurança Pública, divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2017),
tanto para homicídios como para crimes sexuais, registra-se um crescimento de 3,5%
de estupros, resultando em 49.497 ocorrências em 2016. No mesmo ano, registrou-
se uma mulher assassinada a cada duas horas no Brasil, com um total de 4.657
mortes. Entretanto, como Feminicídio foram classificados apenas 533 casos, mesmo
a Lei tipificando as mortes relacionadas à violência doméstica e familiar, e também
por motivação de gênero, demonstrando a dificuldade de aplicar a nova legislação.
São inúmeras as medidas de proteção à mulher pelo governo, as quais têm sido
um apoio diário nas situações conflituosas para o combate a todos os diversos tipos
de violências contra elas e o incentivo ao empoderamento pessoal e econômico
feminino. Diversas secretarias criadas com o objetivo de coibir e auxiliar mulheres em
situações difíceis, oferecem serviços de atendimento telefônico, para receber
denúncias e reclamações. Delegacias da Mulher, que dão um tratamento
humanizados para mulheres fragilidades e em situações de vulnerabilidades em
situações de violências. Em contrapartida às ações governamentais, insistem ainda
os altos índices de humilhações, agressões, abusos e homicídios ao gênero feminino.
73
Diante da realidade de todo o ordenamento jurídico, conclui-se que, embora este
ainda deslize em tratamentos discriminatórios contra a mulher, o mesmo tem se
modificado e evoluído para validar valores constitucionais que carrega consigo, como
a dignidade humana, a liberdade e a igualdade entre os gêneros. Quando fala-se em
avanços, associa-se, por exemplo, nos inúmeros direitos que as mulheres têm
conquistado, mesmo que tardiamente e de modo tão dificultoso, como os direitos de
família e direitos sucessórios, não importando mais sua condição feminina para que
lhe fosse limitado certas garantias. No âmbito trabalhista, pelo olhar humanizado à
mulher diante da condição biológica que lhe confere, física e reprodutiva,
oportunidades à mulher com deficiência, políticas que garanta às mulheres negras
igual oportunidade, entre outros. De acordo com Perez (2001, p. 53) “um dos mais
importantes desafios colocados para a democracia brasileira é o de ensejar no seio
da sociedade novas relações, onde as mulheres sejam reconhecidas e tratadas como
cidadãs de pleno direito”.
74
Deste modo, os valores fundamentais ao indivíduo, trazidos pela Carta
Constitucional, dão significado ao Estado Democrático de Direito, o qual tem por
objetivo uma visão mais humanitária e coletiva sobre todos, no sentido de propiciar
justa e ampla cidadania às pessoas. Isso se dá sob o anseio de garantir a eficácia
desses princípios constitucionais, por meios processuais criados e que necessitam
tanto da conduta imparcial do poder judiciário como da participação consciente da
sociedade.
75
CONCLUSÃO
Ainda que se tenha alcançado grandes avanços, muito se tem a lutar, visto que
o sistema penal atua, em inúmeras situações, de forma discriminatória contra o gênero
feminino, o que se visualiza não apenas na legislação penal, mas também no
processo de interpretação e aplicação das normas, demonstrando a permanência de
resquícios históricos da desigualdade entre homens e mulheres. Questões como a
criminalização do aborto voluntário, que se coloca também como uma forma de
controle do corpo da mulher, que lhe nega o “poder” de domínio sobre o seu próprio
corpo, o qual é feito por uma instituição pública, demonstram a persistência da
desigualdade. Isso também se dá no processo de proteção simbólica da dignidade
sexual da mulher, uma vez que o sistema penal, ao supostamente tutelar sua
integridade física e sexual, julga a vítima juntamente com seu estuprador,
reproduzindo, não raras vezes, no discurso jurídico, o senso comum de culpabilização
77
da vítima, produzindo julgamentos moralizantes, que inibem inúmeras denúncias de
violências sexuais e impedem a concretização da justiça no âmbito dos crimes contra
a dignidade sexual.
78
nome de inúmeras outras também, contra agressões e tentativas de assassinato de
seu próprio marido durante anos, e também a Lei do Feminicídio, construída com base
nos elevados índices de homicídios contra mulheres, decorrentes de violências
domésticas e familiares por questões relacionadas ao gênero feminino.
Esses são marcos importantes, mas a luta pela igualdade de gênero precisa
seguir, visando assegurar maior equidade entre homens e mulheres. Os avanços não
devem permanecer apenas bem elaborados em leis promulgadas pelo sistema
legislativo brasileiro, necessitam ser concretizados. E essa luta é de toda a sociedade,
que deve atuar no sentido da superação da cultura que subjuga, inferioriza e julga a
mulher, diminuindo-a e desvalorizando-a como ser humano, negando-lhe direitos, em
especial o de liberdade. Deve se construir uma cultura de respeito ao próximo sempre,
independente do sexo que nasceu e do gênero que ele construiu, mas principalmente
pelo ser humano que é. E esse movimento deve adentrar todas as instituições de um
Estado, especialmente quando este é construído com vistas aos valores referentes à
igualdade entre homens e mulheres e dignidade humana, o que exige o respeito de
cada pessoa como portadora de direitos fundamentais que devem, além de previstos
normativamente, também ser efetivados na prática.
79
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